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NOÇÕES DO DIREITO COMUNITÁRIO

Notions of Community Law

DE LIMA, Guilherme V1.


DOS REIS, Felipe P2.
LEME, Gabriela E. S3.
MARCHI, Gisele C. da S4.
MAZZAFERRO, André B5.
SEDLMAIER, Juliana A. M. L6.
TRINDADE, Jaciara S7.

Professor Orientador: Wagner Marchi

RESUMO

O direito comunitário, composto pelo conjunto de normas jurídicas que regulam e


disciplinam a organização e o funcionamento das Comunidades Europeias, originou-se a
partir da necessidade de um sistema de normas que representasse os interesses dos blocos
econômicos. O Direito Comunitário é considerado um sistema jurídico autônomo,
constituído de normas provenientes de determinadas fontes específicas, regido por
princípios essenciais e ordenado por uma hierarquia de normas. Este trabalho tem por
objetivo discutir os principais conceitos e tópicos acerca do direito comunitário,
relacionando-o com o Direito da Integração Regional e abordando seu contexto no âmbito
da União Europeia, incorporado de forma própria aos direitos nacionais, diferentemente
do Mercosul, determinado pelo direito internacional público.

PALAVRAS-CHAVE: direito da integração, união europeia, Tratado de Maastricht,


direito internacional, comunidade.

1
Acadêmico de Direito do Centro Universitário de Araras, Dr. Edmundo Ulson – UNAR, 2º semestre,
2019. E-mail: gui000vili@hotmail.com
2
Acadêmico de Direito do Centro Universitário de Araras, Dr. Edmundo Ulson – UNAR, 2º semestre,
2019. E-mail: fpr@hotmail.com
3
Acadêmica de Direito do Centro Universitário de Araras, Dr. Edmundo Ulson – UNAR, 2º semestre,
2019. E-mail: gabrielasaraivaleme@gmail.com
4
Acadêmica de Direito do Centro Universitário de Araras, Dr. Edmundo Ulson – UNAR, 2º semestre,
2019. E-mail: gisele.sol22@hotmail.com
5
Acadêmico de Direito do Centro Universitário de Araras, Dr. Edmundo Ulson – UNAR, 2º semestre,
2019. E-mail: andremazzaferro@hotmail.com.
6
Acadêmica de Direito do Centro Universitário de Araras, Dr. Edmundo Ulson – UNAR, 2º semestre,
2019. E-mail: jumleonel@yahoo.com.br
7
Acadêmica de Direito do Centro Universitário de Araras, Dr. Edmundo Ulson – UNAR, 2º semestre,
2019. E-mail: jaciaratrindade08@gmail.com
ii

INTRODUÇÃO

O período pós Segunda Guerra Mundial foi marcado pela constante inter-relação
entre os Estados Soberanos, principalmente, na Europa, cujos esforços estavam
intensamente voltados para a reconstrução dos países destruídos pela guerra. Entre os
efeitos decorrente do processo de interconexão entre os Estados, destaca-se a
intensificação das aproximações regionais, para melhoria de aspectos econômicos e
financeiros, através da formação dos chamados Blocos Econômicos. A União Europeia,
por exemplo, representa o principal bloco comercial do mundo, e sua união econômica e
política está estabelecida por 28 países-membros independentes. Os valores estabelecidos
são comuns aos países que a compõem. O que começou por ser uma união meramente
econômica evoluiu para uma organização com inúmeros domínios de intervenção, que
vão desde o clima, o ambiente e a saúde até às relações externas e a segurança, passando
pela justiça e a migração

Com a aproximação dos Estados, observou-se a necessidade de se regulamentar


normativamente as relações econômicas que foram se estabelecendo, ou seja, as relações
que os Estados membros de um bloco econômico passaram a estabelecer entre si
exigiram, inclusive, o compartilhamento de normas que regulassem o novo status
regional. Não obstante, durante o processo de aprofundamento das relações comerciais e
econômicas de um bloco, que passa a se estender, inclusive a resolução de conflitos, surge
o Direito Comunitário, um desdobramento do Direito Internacional, que garante a
aplicabilidade imediata, o efeito-direto e prevalência do ordenamento comunitário sobre
o direito nacional. Assim, esse trabalho tem como objetivo abordar as principais
concepções acerca do direito comunitário e seu contexto no âmbito da Comunidade
Europeia.

CAPÍTULO 1: NOÇÕES DE DIREITO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL

O fim da Segunda Guerra Mundial modificou, definitivamente, as relações


internacionais estabelecidas entre os Estados. O período pós-guerra foi marcado por
intensivos esforços, de toda a comunidade internacional, voltados, principalmente, para a
reconstrução e reorganização dos Estados europeus, que viviam a destruição territorial e
desestabilização econômica no pós-guerra. Este contexto histórico acarretou uma
intensiva proximidade entre os Estados, dando início a um processo de globalização,
iii

desenvolvimento e, principalmente, integração. Essa integração deu-se primordialmente


no âmbito regional na Europa, em virtude de questões geográficas e até mesmo
estratégicas. Assim, os diversos tratados assinados entre os Estados europeus
proporcionaram a formação de um bloco regional que visava, inicialmente, a integração
econômica, com o intuito de intensificar e aquecer as economias europeias no processo
de reconstrução que, posteriormente, levou a uma maior profundidade das relações.
A proximidade geográfica promoveu a união e a formação de blocos econômicos
entre países com um objetivo comum: a proteção e consolidação de seus interesses. Essa
ação fora responsável pelo fortalecimento do Direito de Integração Regional, que se
instaurou em razão da necessidade do estabelecimento de relações econômicas mais
próxima entre esses Estados, mesmo para organizações em desenvolvimento, como é o
caso do Mercosul, na América do Sul. Alguns autores, no entanto, preferem colocar a
legislação do Mercosul como "Direito de Integração" e nesse posicionamento o direito da
União Europeia (EU) seria o "direito de integração em nível comunitário" ou direito
comunitário propriamente dito (NOVO, 2019).
Assim, se intensifica as relações econômicas internacionais, quando os blocos
econômicos são norteados pelo Direito de Integração.

“O Direito de Integração Econômica caracteriza-se pela junção de


alguns Estados, com o intuito de fortalecer a economia destes e
proporcionar mútua assistência, formando um mercado comum, forte e
competitivo no âmbito mundial, tendo como meio para atingir seus
objetivos a integração entre os Estados-partes. Geralmente os Estados-
partes, estão unidos por suas posições geográficas. Além dos objetivos
econômicos estão também inseridos em seus princípios outros objetivos
como, por exemplo, o desenvolvimento social dos países” (2 Art. 129,
1 do Tratado da União Europeia (Tratado de Maastricht): “A
comunidade contribuirá para assegurar um elevado nível de
proteção da saúde humana, incentivando a cooperação entre os
Estados-membros e, se necessário, apoiando a sua ação”.

Karl Deutsch, (1982, p. 223), define integração como “um relacionamento entre
unidades, no qual elas são mutuamente interdependentes e, em conjunto, produzem
propriedades de sistema que isoladamente não teriam. (...) Um sistema integrado é coeso
na medida em que tiver condições de enfrentar tensões e pressões, assim como suportar
desequilíbrios e resistir rupturas”.
Assim, embora uma comunidade de países constitua uma organização
internacional, dotada de personalidade jurídica própria e autônoma em relação à
personalidade dos Estados que a compõem, ela própria e os objetivos traçados em seus
iv

tratados de fundação apenas se operacionalizarão através do cumprimento de fases


peculiares. Para se consolidar uma ordem comunitária, portanto, o bloco deverá superar
gradativamente algumas etapas. Os Estados que pretendem formar um grupo regional
escolhem, a partir de seus interesses, o grau de associação pretendido, levando-se em
consideração que cada nível de integração corresponde a uma renúncia crescente de
competências próprias de sua soberania nacional (GUERRA, 2004, p.179-182).

CAPÍTULO 2: DIREITO COMUNITÁRIO

Parte I: Conceito

A união europeia é composta por 28 Estados-membros independentes, cuja


criação se deu em 1992 com a assinatura do Tratado de Maastricht, e sua vigência em
1993, pelos mesmos países que formavam o antigo Mercado Comum Europeu. Entre os
Estados-membros ficou estabelecido a livre circulação por países pertencentes ao Espaço
de Schengen, assim como o trânsito de mercadores, serviços e capitais; integração política
e adoção da moeda única, o Euro. A EU, na atualidade, é uma entidade singular. Trata-se
de inovação na ordem jurídica internacional, que, certamente, será modelo para outros
Estados que pretenderem a integração regional, como é o caso dos membros do Mercosul.
As comunidades que compõem a EU são entidades supranacionais, com personalidade
jurídica e recursos próprios, produção legislativa autônoma, além de competência para
concluir tratados internacionais. Essas competências comunitárias foram outorgadas
pelos próprios Estados-Membros, que mediante a adesão ao tratado comunitário alienam
parte de sua soberania em prol da comunidade (JUNIOR; JUNIOR, 2005).
Segundo Borchardt (2000, p. 5) “o desabamento total da Europa e o declínio
econômico e político do velho continente permitiram lançar as bases da renovação e a
ideia de uma nova ordem europeia ganhou renovado ímpeto”.
O Direito Comunitário surgiu do entendimento da União Europeia como
Comunidade Jurídica, considerado como lacuna no âmbito jurídico, onde a sua aplicação
deve ser de forma uniforme em todos os Estados, sendo que os seus ordenamentos devem
se conformar as normas, mantendo a harmonia com sua aplicação. A União Europeia
renovou o cenário jurídico internacional, abandonando o arcaico conceito de soberania,
instituindo o direito comunitário decorrente de uma soberania compartilhada,
estabelecendo um quadro jurídico constituído por normas que ultrapassam o direito
nacional, determinando uma total primazia do direito comunitário.
v

Novo (2019) afirma que o direito comunitário estabelecido entre os Estados-


membros da EU representa um conjunto de normas jurídicas, que estabelece e ordena a
organização e o desempenho das Comunidades Europeias e da própria EU. É, portanto
uma ampliação do direito internacional, possuindo uma disposição supranacional de
natureza pública-privada. Com o direito comunitário, os estados deixam de lado sua
soberania e passam a acatar as decisões dos tratados visando o bem comum de todos.
Ainda, segundo o autor, quatro tipos de regras jurídicas regem e disciplinam as
relações do direito comunitário: àquelas que tratam das relações entre a EU e as
Comunidades Europeias e os Estados membros; àquelas que corporizam as políticas
comunitárias entre cidadãos, empresas, Estados-membros, EU e Comunidades Europeias;
as regras jurídicas que descrevem a competência, modo de funcionamento,
relacionamento interinstitucional e composição da EU e Comunidades Europeias; e
àquelas que fixam a forma de recurso e tramitação ante as instâncias jurisdicionais da
União Europeia e das Comunidades Europeias.
A EU tem como seus valores o respeito pela dignidade humana, a liberdade, a
igualdade, a democracia, os direitos humanos, o Estado de Direito, a justiça, a tolerância
e a igualdade entre homens e mulheres, e sua ação se sucede de três modos: através de
decisões, diretivas e regulações. As decisões são aplicadas apenas no indivíduo, empresa
ou Estado participante da União e são frequentemente utilizadas em tomada de decisões
relacionadas ao auxílio estatal e questões administrativas ou processuais. As diretivas
obrigam determinado Estado a atingir um determinado objetivo, enquanto as regulações
acabam tornam-se lei em todos os Estados no momento que vigoram, sem necessitar
nenhuma forma de execução, e alteram, instintivamente, disposições internas que possam
vir a conflitar com as que foram estabelecidas.

Parte II: Fontes

O Direito Comunitário, ainda que pouco comum no cenário internacional, tem


origem em fontes que se assemelham as do direito internacional. De modo geral, citam-
se:
• TRATADOS: são considerados a principal fonte do Direito Internacional. Trata-
se de todo acordo formal escrito firmado entre as pessoas jurídicas de Direito
Internacional Público tendo por finalidade a produção de efeitos jurídicos (direitos
e deveres entre as partes);
vi

• JURISPRUDÊNCIA: conjunto de decisões proferidas pelos tribunais a respeito


de determinadas matérias legais que possuem o mesmo sentido.
• DOUTRINA: trata-se do entendimento jurídico de juristas, estudiosos e
pensadores que se aprofundam e estabelecem discussões teóricas na matéria do
Direito. Embora não sejam considerada fonte formal, são fundamentais para o
preenchimento de lacunas, podendo influenciar, até mesmo nas decisões judiciais.
• COSTUMES INTERNACIONAIS: são determinadas práticas gerais costumeiras
entre Estados, reconhecidas como normas de direito e possuindo para tanto os dois
elementos essenciais:
o A prática reiterada, geral, uniforme e constante que abrange as relações
internacionais ou que seja no Direito Interno, mas que reflete no externo;
o Tal costume deve ser entendido, reconhecido e aceito como direito por
todos.
• PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO: são ideias fundamentais que formam a
base de toda estrutura do Direito Internacional. Auxiliam na elaboração das leis e
preenchem lacunas nas interpretações judiciais no processo de aplicação da lei;
Os princípios do Direito Internacional juntamente as demais fontes estão
declaradas no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, em seu artigo 38, segundo o
qual:
“A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional
as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a) as convenções
internacionais, quer gerais, quer especiais. que estabeleçam regras
expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume
internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o
direito; c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas Nações
civilizadas; d) sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões
judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes
Nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir


uma questão ex aeque et bano, se as partes com isto concordarem”
(BRASIL, 1945).

De modo mais específico, vinculado ao Direito Comunitário da União Europeia,


as fontes do direito são divididas em dois níveis normativos: fontes primárias (que
representam o direito originário, e derivam dos Tratados Constitutivos das
Comunidades); e secundárias (representando as derivações do direito comunitário
originário, composta). Ao instituírem a Comunidade, os Estados-Membros limitaram os
vii

seus poderes legislativos soberanos e criaram um sistema jurídico independente que os


vincula, tal como aos seus nacionais (BORCHARDT, 2000, p. 94).
Com relação às fontes originárias ou primárias, trata-se dos três tratados mais
importantes da formação, regulamentação e organização do direito comunitário europeu.
Nas palavras de Borchardt (2000, p.58) “fazem parte do direito primário como fonte do
direito comunitário os três Tratados originários, incluindo os anexos e protocolos, os
aditamentos e alterações posteriores (...)”. O autor complementa ainda que:

Os Tratados originários e as respectivas alterações, sobretudo as


introduzidas pelo Acto Único Europeu e pelo Tratado da União
Europeia, contêm as normas fundamentais relativas aos objectivos, à
organização e ao modo de funcionamento da Comunidade, bem como
partes do seu direito económico. São pois as disposições constitucionais
da Comunidade, que proporcionam às instituições comunitárias um
quadro para o exercício das suas competências legislativas e
administrativas no interesse da Comunidade (BORCHARDT, 2000, p.
58).

Desse modo, o que se observa é que as fontes primárias do direito comunitário


europeu são os tratados de origem da união dos Estados-Membros, que são os
responsáveis pela criação e determinação de tais normas (BORCHARDT, 2000, p. 58).
Dentre os tratados originários do Direito Comunitário Europeu destacam-se: Tratado de
Paris, de 1951, Tratado de Roma, de 1957 e Tratado de Maastricht, de 1992. Além disso,
a doutrina coloca ainda como fonte originária os princípios gerais do direito, por serem
eles elementos basilares da aplicação e criação das normas.
O Tratado de Maastricht, acordado em 1992, constituiu um grande marco para a
Comunidade Europeia que, com a queda do muro de Berlin, despertou o interesse na
unificação de bases jurídicas e de uma moeda comum. Além desse, outros tratados
também foram essenciais para o aprimoramento do sistema de formação do direito
comunitário, como em 1997, com o Tratado de Amsterdã, que apesar de ter seu início
apenas em 1999, teve como função preparar um órgão institucional para a ampliação
oriental da União Europeia, dando destaque a assuntos sobre a liberdade, segurança e
justiça. Dois anos após, um novo tratado estava sendo elaborado - o Tratado de Nice -
que teve como função garantir normas acerca dos direitos humanos da Comunidade
Europeia. Por fim, em 2009 entra em vigor o Tratado de Lisboa, que trouxe alterações
importantes, como o aumento das decisões da votação por maioria no conselho da união,
aumento do parlamento e garantia de representação da união para assuntos de comerciais
e de segurança. Em complementação às fontes primárias, o Direito comunitário europeu
viii

conta ainda com as fontes secundárias ou derivadas que “provém das instituições
comunitárias e tem por base os tratados” (BORCHARDT, 2000, p. 58). Nesse caso, trata-
se de “disposições jurídicas de caráter geral e abstrato, bem como medidas concretas e
individuais” (ibdem). Cabe destacar ainda que as fontes derivadas emergiram de forma
progressiva, fornecendo fundamentação e completando as estruturas jurídicas das fontes
primárias do direito comunitário.
Sob aspectos do direito internacional, a classificação da EU tem sido muito
discutida e, algumas características levam a classificá-la como uma Federação de Estados.
Quanto ao Poder Judiciário, é composto por três órgãos: tribunal de justiça, tribunal geral
e o tribunal da função pública da EU, que reconhecem e adotam os tratados e o direito
desta. O Tribunal de Justiça cuida de situações relacionadas aos Estados participantes, as
instituições e casos referentes a ele pelos tribunais dos Estados. Já o Tribunal Geral, por
sua vez, preocupa-se com circunstâncias relacionadas aos indivíduos e empresas
diretamente, diante dos tribunais da EU. E o Tribunal da Função Pública determina os
litígios entre a EU e o serviço público.
Em suma, o que se observa é que o Direito Comunitário se origina de fontes gerais
do direito internacional, como tratados internacionais, jurisprudência, direito
consuetudinário, mas possui também fontes que dão origem à relação jurídica
comunitária, como é o caso dos Tratados que originaram a Comunidade Europeia, e
também fontes complementares a estes tratados, que passam a dar maior embasamento e
completude às normas primárias. Cabe ainda, neste assunto tratar sobre os princípios que
embasam o Direito Comunitário.

Parte III: Princípios

Assim como todo ramo jurídico, o Direito Comunitário é guiado por determinados
princípios, dentre eles, a doutrina destaca o princípio da integração e o princípio da
primazia, que são acompanhados de princípios secundários e complementares como a
aplicabilidade direta e efeito direto, aplicação uniforme e harmonização, subsidiariedade,
substituição, coordenação e coexistência.
Doutrinariamente, é possível notar um grande destaque ao princípio da Integração,
que está relacionado a matérias específicas, levando os Estados a se curvarem à
competência decisória do órgão comunitário (AGUILLAR, 2006 apud PORTELA, 2018,
p.1153). Desse modo, este princípio permite que as políticas promovidas pelos Estados-
ix

Membros de um bloco regional se articulem de maneira a funcionar harmonicamente,


evitando prejuízos aos demais Estados-Membros (PORTELA, 2018, p. 1154).
Com relação ao princípio da primazia, este estabelece que as normas do Direito
Comunitário se sobrepõem às normas do direito interno dos Estados-Membros. Desse
modo, sempre que ocorrer conflitos de normas, deve-se prevalecer as do Direito
Comunitário, o que se opõe à sistemática do Direito Internacional clássico em que
depende das regras referentes à forma pela qual os Estados incorporam os tratados ao
ordenamento jurídico interno. Destaca-se ainda que tal princípio fornece superioridade
hierárquica das normas do direito comunitário frente, inclusive, às normas constitucionais
e especiais do ordenamento interno dos Estados-Membros. Contudo, vale destacar que
essa primazia não é automática e depende das normas comunitárias serem aceitas
previamente pelos Estados, fato esse que se dá quando os mesmos se vinculam ao bloco
(PORTELA, 2018, p. 1155).
Quanto aos princípios complementares, Portela (2018) destaca que:

Dentre as principais premissas da ordem jurídica comunitária elencadas


pela doutrina apontamos: a substituição, pelo qual a norma comunitária
pode ocupar completamente o lugar do direito interno em assuntos de
exclusiva competência dos órgãos comunitários; a coordenação, pela
qual o direito comunitário influencia o desenvolvimento do direito
interno; e a coexistência, segundo o qual o direito comunitário e o
direito interno podem regular o mesmo objeto quando o tema se referir
à competência concorrente entre o bloco regional e os Estados ou
quando o órgão competente para legislar não o fizer ou não legislar a
contento (PORTELA, 2018, p. 1153).

A doutrina destaca ainda, o princípio da aplicabilidade direta e efeito direto das


normas do direito comunitário. Tal princípio vislumbra a criação de obrigações não só
para os Estados e as instituições comunitárias, mas também diretamente para os próprios
cidadãos dos Estados membros. Na prática, observa-se a possibilidade de que as normas
comunitárias criem direitos e obrigações para todas as pessoas dentro do bloco sem a
necessidade de qualquer outro processo adicional, o que torna a norma comunitária de
aplicação imediata dentro de cada Estado-Membro. Sobre isto, afirma Aguillar (2006
apud PORTELA, 2018) “a aplicabilidade direta do efeito direto, afirmando que a
aplicabilidade direta implicaria, na realidade, que uma norma não requer nenhuma
medida nacional para que o ato tenha força obrigatória no país-membro” (AGUILLAR,
2006 apud PORTELA, 2018, p. 1154).
x

Por fim, o princípio da subsidiariedade determina que os órgãos comunitários


poderão intervir nas áreas que não sejam de sua competência exclusiva apenas quando a
situação possa interferir no plano comunitário ou fora do Estado onde ocorra ou quando
os órgãos comunitários possam agir melhor que seus respectivos órgãos estatais
(PORTELA, 2018, p. 1155).
De modo geral, o Direito Comunitário é característico de integrações regionais,
onde os Estados-Membros assumem e aceitam a formulação de normas gerais que se
aplicam a todos os participantes, ficando sujeitos a um ordenamento jurídico além do
direito interno. Abaixo foram apresentadas, de modo resumido, as características
basilares do Direito Comunitário.

Tabela 1. Características Basilares do Direito Comunitário


Características Fontes Princípios
Regula mecanismos de Direito Comunitário Integração;
integração que atingiram originário: Tratados em
estágio de desenvolvimento outros atos celebrados pelos Aplicabilidade Direta e Efeito
mais aprofundado; Estados; Direto;

Normas criadas não só pelos Direito Comunitário Primazia;


Estados, mas também pelos Derivado: Atos Jurídicos
órgãos comunitários; adotados pelas Instituições Aplicação Uniforme e
Comunitárias, como, Harmonização;
Aplicabilidade Direta e efeito regulamentos, diretivas,
direto dentro dos Estados sem decisões, recomendações, Subsidiariedade;
os tradicionais processos de pareceres etc.
incorporação ao direito Substituição;
interno;
Coordenação;
Superioridade hierárquica em
relação ao Direito Nacional Coexistência.
dos Estados;

Associado ao fenômeno da
supranacionalidade;

Autonomia em relação aos


ordenamentos estatais;

Atualmente, existe apenas na


União Europeia.
Fonte: PORTELA, 2018, p. 1156.
xi

Parte IV: O Direito Comunitário no Conjunto do Sistema Jurídico

A autonomia da ordem jurídica comunitária tem um significado fundamental para


a CE, pois constitui a única garantia de que o direito comunitário não será desvirtuado
pela interação com o direito nacional e de que será aplicável uniformemente em toda a
Comunidade. Por isso, os conceitos jurídicos comunitários são interpretados
fundamentalmente à luz das exigências do direito comunitário e dos objetivos da
Comunidade. Esta determinação especificamente comunitária dos conceitos é
imprescindível, uma vez que os direitos garantidos pela ordem jurídica da Comunidade
poderiam estar em perigo se os Estados pudessem ter a última palavra para decidir,
segundo as diversas interpretações que fizessem das disposições comunitárias, quanto às
liberdades instituídas pelo direito comunitário. (BORCHARDT, 2000, p. 94).

Assim, é importante destacar que os atos comunitários dos Estados-membros


devem ser avaliados sob a perspectiva das normas do direito comunitário, que são
interdependentes ao direito nacional ou constitucional de cada país. O artigo 10.° do
Tratado CE ilustra bem esta relação:

“Os Estados-Membros tomarão todas as medidas gerais ou


especiais capazes de assegurar o cumprimento das obrigações
decorrentes do presente Tratado ou resultantes de atos das
instituições da Comunidade. Os Estados-Membros facilitarão à
Comunidade o cumprimento da sua missão. Os Estados-Membros
abster-se-ão de tomar quaisquer medidas susceptíveis de pôr em
perigo a realização dos objetivos do presente Tratado”.

Entende-se que a ordem jurídica comunitária não tem condições para realizar, por
si só, os objetivos da Comunidade Europeia, dependendo dos sistemas nacionais para sua
aplicação. Todos os órgãos estatais legislativos, executivos e judiciais têm, pois, de
reconhecer que a ordem jurídica comunitária não é um sistema externo ou estrangeiro, e
que os Estados-Membros e as instituições comunitárias pertencem solidariamente a um
todo indissolúvel destinado a alcançar objetivos comuns. Consequentemente, as
autoridades nacionais devem não só respeitar os Tratados comunitários e as normas de
execução emanadas das instituições comunitárias, mas também aplicá-los e dar-lhes vida
(BORCHARDT, 2000, p. 95).

No entanto, como mencionado anteriormente, há casos em que a ordem jurídica


comunitária está em conflito ou contradição com o direito nacional. Nesses casos há
xii

possibilidade da aplicabilidade do direito comunitário, significando que apenas o direito


comunitário cria obrigações e confere direitos, não só para as da CE e os Estados-
Membros mas também para os cidadãos da Comunidade. Assim, para formalizar essas
relações, o Tribunal de Justiça formulou duas considerações muito significativas no
tocante às relações entre o direito comunitário e o direito nacional (BORCHARDT, 2000,
p. 101):

“Os Estados-Membros transferiram de forma definitiva para uma


Comunidade por eles criada certos direitos soberanos. Os
referidos Estados não podem voltar atrás em relação a essa
transferência, através de medidas unilaterais incompatíveis com
o conceito de Comunidade; (...) o Tratado estabelece como
princípio fundamental que um Estado-Membro não pode pôr em
causa a particularidade que tem o direito comunitário de se impor
uniforme e completamente no conjunto da Comunidade”.

Assim, uma outra forma de resolver casos em que a ordem jurídica comunitária
está em conflito com o direito nacional é garantindo que uma das normas ceda perante a
outra, sendo garantido, neste caso, ao direito comunitário, uma vez determinado por força
dos poderes previstos em tratados, o primado sobre o direito nacional. Prevalecendo não
só sobre a legislação anterior, mas também sobre todos os atos legislativos ulteriores.

CONCLUSÕES

A ordem jurídica comunitária é o aspecto fundamental para a CE, caracterizando-


a como uma comunidade de direito. O direito comunitário constitui um desdobramento
do Direito Internacional de natureza Público-Privada, que surgiu, no âmbito Europeu, da
compressão da EU como comunidade jurídica.
Trata-se de uma inovação da EU no cenário do direito internacional – modificando
as ações de soberania, resolvendo casos em que a ordem jurídica comunitária está em
conflito com o direito nacional e, caracterizando-se como uma importante ferramenta na
regulamentação dos principais blocos econômicos existentes. Tendo como objetivo a
manutenção da paz e a liberdade.
xiii

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORCHARDT, K. D. O ABC do Direito Comunitário. 5 ed. 124p. 2000.

BRASIL. Decreto no 19.841, de 22 de outubro de 1945. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF.1945. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm> Acesso em: 14 set. 2019.

DEUTSCH, K. W. Análise das relações internacionais. 2. ed. Brasília: UnB, p. 284,


1982.

FERREIRA, T. J. M. C. As etapas do processo de integração regional: umaa análise a partir do


modelo europeu. Revista Jus Navigandi. Teresina, n. 2159, 30 maio 2009. Disponível
:<em: https://jus.com.br/artigos/12833>. Acesso em: 11 set. 2019.

GUERRA, S. C. S. Direito Internacional público. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004.

JUNIOR, L. P. F.; JUNIOR, G. F. O. Direito Comunitário na União Europeia e no Mercosul.


Quaestio Iuris, vol.01, nº 01, Rio de Janeiro, pp 231-252, 2005.

NOVO, B. N. Diferenças entre o direito comunitário e direito da integração. 2019.


Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/75737/diferencas-entre-o-direito-comunitario-e-o-
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PORTELA, P. H. G. Direito Internacional Público e Privado. Editora Juspodivm. 1ª ed. 1232p.


2018.

SILVA, L. R. Direito Comunitário e da Integração. Editora Síntese. 1999. Porto Alegre. Pag
24.

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