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A síndrome miofascial vem sendo estudada há alguns anos e inúmeras teorias já foram
produzidas e rejeitadas muitas vezes na tentativa de explicar sua natureza. Há também vasta
documentação de trabalhos clínicos na busca do controle desta síndrome (Pullen, 1992b). Este
artigo, objetivando agrupar as informações encontradas sobre essa síndrome em outros estudos,
foi elaborado a partir de uma revisão da literatura dos anos 1988-1995 e 1998 realizada através
do uso das bases de dados Lilacs e Medline. As palavras-chave utilizadas na pesquisa foram:
dor miofascial, dor musculoesquelética, pontos-gatilho. Os artigos e capítulos de livros-texto
que foram selecionados abordavam temas de interesse para a caracterização da síndrome, dentre
os quais: seu reconhecimento através da história, as opiniões atuais sobre a fisiopatologia
envolvida, os principais sinais e sintomas, assim como 'pistas' para o diagnóstico e aspectos do
tratamento. Os artigos também deveriam estar publicados em periódicos indexados ou os
resumos terem sido apresentados em congressos de renomada relevância.
Liberação de Ca+2- A teoria mais aceita afirma que os pontos ativos podem ser
iniciados por um trauma que localmente abre o retículo sarcoplasmático, liberando Ca+2 • Este
Ca+2 combinase com o ATP para continuamente ativar os mecanismos locais de contração,
gerando deslizamento e interação de actina e miosina com encurtamento do feixe muscular
afetado. Isso causa uma contratura local (banda tensa), ou seja, a ativação de miofilamentos sem
atividade elétrica e controle neurogênico. Essa atividade gera alto gasto energético e colapso da
microcirculação local. O consumo energético sob condições de isquemia leva à depleção de
ATP o que impede a recaptação do Ca+2 pelo retículo- ciclo vicioso autosustentado.
Inflamação neurogênica- Substâncias como serotonina, histamina, bradicinina, íons
K+, substância P e prostaglandinas excitam os nociceptores dos grupos 3 e 4, e promovem
diminuição no limiar mecânico e aumento da zona receptiva, com aumento da atividade de base
desses receptores. Além disso, essas substâncias produzem edema local, que aumenta a pressão
perivascular e acarreta compressão venosa e agravamento da isquemia e da hipóxia. É provável
que este seja o mecanismo responsável pela hipersensibilidade do pontos-gatilho à palpação, dor
ao movimento, dolorimento espontâneo e rigidez, pois o transporte intracelular e extracelular
está alterado.
Abertura das comportas- O ponto-gatilho envolve a diminuição no comprimento do
músculo em repouso e hipomobilidade articular. O espasmo muscular pode promover
vasoconstrição e isquemia local que causa irritação nervosa. Portanto, impulsos nóxicos podem
surgir de mecanoceptores e quimioceptores que ao entrarem no corno dorsal, convergem com
outros impulsos somáticos e viscerais e fazem sinapses na camada marginal, onde podem
ocorrer referências extrasegmentares ou na substância gelatinosa, resultando em abertura das
comportas medulares à dor- percepção da dor local e referida. O reflexo de vasoespasmo,
posterior a esse processo, ocorre por conexões entre nociceptores e fibras simpáticas,
prejudicando a capacidade do corpo em remover catabólitos e perpetuando a sintomatologia.
Desfacilitação do fuso- As fibras mielínicas AD e amielínicas C conduzem impulsos ao
corno posterior e produzem inibição do sistema de homônimo ao músculo lesado, o que gera
uma diminuição da aferência ao fuso "desfacilitação do fuso", ou seja, é necessário mais esforço
do SNC para ativação da unidade motora. Este talvez seja o mecanismo responsável pela
sensação de diminuição da força muscular.
Modificações no SNC- Há uma sensibilização periférica sublimiar crônica que
"bombardeia" o SNC com estímulos nociceptivos constantes, induzindo a modificações
secundárias no SNC que contribuem para o quadro clínico encontrado. Por exemplo, um
estímulo vai até o corno posterior e modifica-se por dois fenômenos: 1) a plasticidade: ocorrem
alterações de longa duração nas propriedades e morfologia neuronais produzidas pelo estímulo,
mas que se tornam independentes deste após serem geradas; 2) a modulação: alterações
reversíveis de descarga neuronal sob influência de um fator de modulação. I e 2 ocorrem em
células nociceptivas (20%) levando à resposta desaceleradora e multireceptivas (80%) levando a
uma resposta aceleradora. Isso gera aumento da dor ao esforço. Os estímulos constantes nas
fibras amielínicas C induzem modificações plásticas nos neurônios, aumentam a excitabilidade
do corno posterior (aumentam as descargas espontâneas, aumentam as respostas a estímulos
mecânicos, múltiplos campos receptivos, abertura de sinapses inefetivas). É a Sensibilização
Central, importante na gênese da dor ao movimento, estiramento e contração.
Reflexos viscerossomáticos e somatovisceriais e dor referida- O mecanismo de
somação e/ou convergência sobre interneurônios na lâmina V são as principais origens dos
reflexos viscerossomáticos e somatoviscerais, assim como da dor referida. A dor referida se
deve à nocicepção de estruturas somáticas profundas visceriais e musculares, por distúrbio de
percepção e análise discriminativa das estruturas encefálicas decorrente de particularidades
morfológicas e funcionais nas estruturas que detectam e processam o sinal aferente muscular. A
ativação de motoneurônios e o reflexo flexor aferente podem ser responsáveis pelo sinal do
ressalte.
Sinais do SNA e memória- Os impulsos que ascendem por via nociceptiva e fazem
sinapses em vários centros subcorticais podem ser os responsáveis pelos sinais associados do
SNA. Circuitos subcorticais reverberativos podem se desenvolver, produzindo o processo de
memória da dor responsável pelos pontos latentes.
ALVES-NETO, ONOFRE. ISSY, MACHADO ADRIANA. Dor: princípios e prática. 2ª Ed. Porto
Alegre: Artmed, 2009.