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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN

FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – FACS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS – DCB

CURSO DE MEDICINA

JANAÍNA FIRMINO BLANQUETT VIDAL

DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM PEDIATRIA: PICADAS DE INSETO

MOSSORÓ-RN
2022
1. Introdução
Apesar do contato entre seres humanos e insetos ser inevitável, na maioria das
vezes as lesões provocadas pelas picadas desses animais são imperceptíveis.
Contudo, quando indivíduos suscetíveis são expostos a essas picadas, podem
ocorrer reações locais e sistêmicas de maior gravidade. Essa reação hipersensível
caracteriza a doença chamada de prurigo estrófulo ou urticária papular, queixa
frequente nos consultórios pediátricos.
Alguns estudos tentam explicar a predisposição de alguns indivíduos a um maior
número de picadas, elencando um número de fatores que podem atrair os
mosquitos: tipo sanguíneo, taxa metabólica, quantidade de CO2 liberada,
temperatura corporal, tipos e cores de roupas, quantidades variadas de compostos
orgânicos voláteis que emanam da pele humana.
Os artrópodes possuem peças bucais variadas, as quais podem ser agrupadas
em três tipos: mastigador, lambedor e picador, sendo esses últimos o de maior
importância para a saúde humana. Quanto aos mecanismos de lesão, a picada
deixa um ferimento mínimo na pele, estando a maior parte dos danos
intrinsecamente relacionada à resposta imunológica do hospedeiro às secreções
salivares do inseto, que é injetada no tecido por variadas razões, como servir para
lubrificar a peça bucal do animal, funcionar como anticoagulante, propiciar maior
fluxo sanguíneo e anestesiar o local da picada, além de poder suprimir a resposta
imune imediata do hospedeiro.

Figura 1 - Aparelhos bucais dos artrópodes.

Fonte: EducaBras
2. Apresentação clinica
Normalmente, uma picada de inseto provoca uma reação local na pele perfurada
que consiste em eritema, edema e prurido, mas que geralmente desaparece em
algumas horas. Embora possa ocorrer, essas reações locais raramente evoluem
para formas vesiculares, bolhosas ou até necróticas, além de poderem desencadear
reações alérgicas sistêmicas em alguns pacientes.
Uma reação de hipersensibilidade muito característica é a urticária papular ou
prurigo estrófulo, que ocorre devido a resposta imune do corpo aos antígenos
presentes na saliva do inseto. Essa doença é comum em crianças, porém
geralmente não ocorre antes do sexto mês de vida, já que é necessário que o
hospedeiro seja sensibilizado antes que apresente alguma reação. Da mesma
forma, a tolerância acontece por volta dos 10 anos de idade, não sendo comum em
pessoas acima dessa faixa etária. A apresentação clínica típica é o surgimento de
pápulas eritematosas de padrão de distribuição linear e aos pares, que pode evoluir
com o desaparecimento das urticas e permanência das lesões papulovesiculares ou
papulares de tamanho entre 3 a 10mm, que podem ou não ser recobertas por
crostas hemáticas.
É importante ressaltar que a região do corpo acometida varia de acordo com o
agente causador, sendo a parte extensora de membros superiores e inferiores o
principal alvo dos agentes voadores, como mosquitos e pernilongos, enquanto o
tronco é o principal alvo dos agentes andadores como pulgas e percevejos. O
padrão sugestivo desses últimos agentes é a ocorrência de pápulas de distribuição
linear e próxima das áreas de elásticos da roupa ou de fraldas. A face, as palmas, as
plantas, a região axilar, a região perianal e a região genital são geralmente
poupadas.
Devido ao intenso prurido que frequentemente acompanha as lesões, a presença
de escoriações não é um achado incomum, assim como a ocorrência de infecções
secundárias. As lesões possuem uma duração de 4 a 6 semanas e evoluem com
discromia pós-inflamatória, ou seja, provocam alterações na coloração da pele,
resultando em manchas que podem ser hipo ou hipercrômicas e que desaparecem
dentro de alguns meses.
Figura 2 – Picada de inseto com área de crosta central. Figura 3 – Prurigo estrófulo na forma bolhosa.
Figura 5 – Padrão de acometimento por
Figura 4 – Padrão de pápulas aos agentes andadores, com distribuição
pares, demonstrando o hábito do linear e próximo da área do elástico das
mosquito. roupas.

Fonte: UpToDate Fonte: Dermnetnz.

Fonte: Serviço de Dermatologia


Fonte: Serviço de Dermatologia Pediátrica – HC – UFPR
Pediátrica – HC – UFPR

3. Diagnóstico diferencial
 Foliculite: ocorre a presença de pápulas ou vesículas na base do folículo piloso.
Para fechar o diagnóstico, podem ser realizadas culturas do material pustuloso a
fim de identificar o agente infeccioso.
 Urticária comum: nesse caso, as lesões desaparecem em menos de 24h sem
deixar lesão residual.
 Papulose linfomatóide: é raro de acontecer, porém é caracterizado pela presença
de pápulas ou nódulos frequentemente assintomáticos, de coloração marrom-
avermelhada e que podem ter aspecto crostoso, necrótico ou hemorrágico. Para
confirmar o diagnóstico, utiliza-se biópsia de pele.
 Dermatoses eosinofílicas de malignidade hematológica: em pacientes com algum
distúrbio hematológico, é possível que surjam lesões que se assemelham a
picadas de inseto. Os critérios propostos para diferenciar as duas afecções são o
surgimento de pápulas, placas, nódulos ou bolhas persistentes e pruriginosas
que apresentam infiltração eosinofílica no histopatológico, sem nenhuma outra
causa que explique essa eosinofilia tecidual.
 Pitiríase liquenoide e varioliforme aguda: Surgem pápulas inflamatórias
recidivantes e o diagnóstico é confirmado por biópsia.
 Uso de drogas: Pessoas que abusam do uso de drogas podem provocar lesões
em si mesmas para se livrar da uma infecção imaginária, sendo essas lesões
muitas vezes confundidas com picadas de inseto.
 Infestação delirante: Esses pacientes acreditam que estão carregando parasitas
dentro de si, então sua pele pode apresentar pequenas lesões autoprovocadas
como um esforço de se livrar de tais agentes agressores.
 Escabiose: Geralmente ocorre acometimento de outros membros da família,
além das lesões serem geralmente menores e ocorrerem nas regiões axilar,
inguinal, abdominal e interdigital.
 Varicela: Aparecem lesões em múltiplos estádios (pápulas, vesículas, crostas)
em uma mesma região do corpo, além disso, pode estar associada a febre. A
presença de lesões nas mucosas oral e genital e no couro cabeludo ajuda na
diferenciação com o prurigo estrófulo.
 Urticária pigmentosa: Os mastócitos se proliferam na pele e ocasionam o
surgimento de manchas acastanhadas que, quando atritadas, ficam
edemaciadas, urticadas e pruriginosas (sinal de Darier).

Figura 6 – Foliculite. Figura 7 – Urticária comum.

Fonte: Dermatology Information System.


Fonte: Dermatology Atlas.

Figura 8 – Papulose linfomatóide. Figura 9 – Dermatose eosinofílica de


malignidade hematológica.

Fonte: Dermatology Information System.

Fonte: Dermatology Information System.


Figura 10 – Pitiriase liquenoide e Figura 11 – Lesões autoinfligidas.
varioliforme aguda.

Fonte: Dermatology Atlas. Fonte: Revista Archivo


Médico de Camagüey.

Figura 12 – Escabiose. Figura 13 – Varicela.

Fonte: Dermatology Information System. Fonte: Dermatology Atlas.

Figura 14 – Urticária pigmentosa.

Fonte: Dermatology Information System.


4. Tratamento
O tratamento se baseia em três aspectos: alívio sintomático, controle da reação
de hipersensibilidade e prevenção de novos contatos com o agente causador. Por
isso, é importante identificar o inseto, embora geralmente seja uma tarefa difícil. Os
pais podem oferecer resistência ao diagnóstico, uma vez que não existem testes
confirmatórios, mas é imprescindível convencê-los a aderir as medidas profiláticas
para evitar novos contatos da criança com o agente.
Como forma de atenuar a reação provocada pela picada do inseto, a primeira
medida a ser tomada é higienizar o local com água e sabão e depois utilizar
compressas frias ou gelo para reduzir o edema. Nas fases seguintes, pode ser
necessário o uso de corticoides tópicos de média potência em casos leves e de alta
potência em casos mais graves. A utilização deve ser feita uma vez ao dia por até
cinco dias e os princípios ativos mais indicados são os compostos com
mometasona, metilprednisolona e betametasona.
Para aliviar o prurido, é recomendado o uso dos anti-histamínicos orais sedativos
de primeira geração (dexclorfeniramina e a hidroxizina) em crianças mais novas para
reduzir o incômodo e a irritabilidade, enquanto que nas crianças em idade escolar é
recomendado o uso dos anti-histamínicos orais de segunda geração (fenoxifenadina,
a bilastina, a rupatadina e a levocetirizina). Além disso, podem ser utilizados cremes
ou loções com cânfora, calamina ou mentol, pois eles aliviam os sintomas, porém
podem provocar reações alérgicas de contato. Os anti-histamínicos tópicos também
podem ser empregados no tratamento, todavia, eles tornam a pele mais sensível à
exposição pela luz solar, estando seu uso indicado junto ao uso de protetor solar.
Nos casos em que ocorre infecção secundária, é indicado o tratamento com
antibióticos. Antibiótico tópico é reservado aos casos mais leves, nos quais não
ocorre repercussão clínica e o número de lesões é pouco. Dentre os disponíveis, é
recomendada a utilização de mupirocina ou ácido fusídico três vezes ao dia por sete
dias, ou retapamulina duas vezes ao dia por cinco dias. Se essas infecções
secundárias ocorrem de forma frequente, uma opção é o tratamento com antibiótico
tópico e corticoide em associação (desonida e gentamicina, betametasona e ácido
fusídico ou betametasona e gentamicina), sendo utilizados uma vez ao dia por sete
dias.
Se o paciente apresentar repercussões clínicas mais graves, como a celulite, é
empregado o uso de antibióticos sistêmicos, sendo a cefalexina a principal droga
prescrita, na dose de 50 a 100 mg por kg por dia de seis em seis horas por sete
dias.
Outras recomendações adicionais são orientar os pais sobre a necessidade de
manter as unhas da criança curta para evitar que ela, pelo ato de coçar, acabe
provocando escoriações na pele, abrindo porta para infecções secundárias. Ainda,
recomendar a assepsia do local das lesões, também para evitar a ocorrência dessas
infecções.
5. Prevenção da doença
A principal medida profilática a ser adotada é evitar novo contato com insetos,
para isso, são necessárias algumas adaptações no estilo de vida da criança e da
família, como a utilização de roupas de manga longa quando em ambientes mais
propensos à exposição, aplicação de repelente na pele, utilização de mosquiteiros
na cama, colocação de telas que impeçam a entrada desses insetos em janelas e
portas, tratamento dos animais de estimação para erradicar pulgas, além de
mudanças no ambiente em que a criança vive, como limpeza de terrenos próximos,
dedetização da casa e até mesmo, se possível, preferir a utilização de ambientes
climatizados para evitar a entrada desses mosquitos.
Os repelentes merecem destaque pois existe uma série de particularidades que
devem ser levadas em conta quando essa profilaxia for utilizada. Existem alguns
tipos de repelentes que devem ser utilizados apenas em roupas e telas de janelas,
nunca na pele, sendo o mais comum deles a permetrina 0,5%, que se mostrou
bastante eficaz.
Os repelentes tópicos são utilizados sob a pele e formam uma camada de odor
que afasta o mosquito, porém sua eficiência pode ser influenciada por diversos
fatores como a concentração da substância ativa, sexo, umidade e substâncias
exaladas pela própria pele, ou seja, não se pode esperar a mesma eficácia em
pessoas diferentes.
Existem repelentes indicados para cada faixa etária, mas é importante ressaltar
que seu uso é recomendado apenas após os 6 meses de idade. Caso seja
extremamente necessário utilizar em crianças mais jovens, é indicado o uso dos
repelentes recomendados para a faixa etária de 6 meses. Para crianças acima dos
seis meses, no Brasil estão disponíveis as opções com princípio ativo de icaridina ou
IR3535, com a primeira apresentando a vantagem de uma maior eficácia contra o
Aedes aegypti e maior durabilidade, diminuindo a quantidade de aplicações. Em
crianças acima de dois anos, os repelentes com DEET são os mais comumente
utilizados e sua eficácia está diretamente relacionada à concentração da substância
na composição do produto. No Brasil, a maioria dos repelentes possui menos de
10% de DEET, mas isso pode ser ineficiente em combater picadas de mosquitos
como o Aedes, então é necessário que se avalie a proporção entre o risco e o
benefício antes de utilizar tais produtos.
Os óleos naturais são os tipos mais antigos de repelente e apesar de terem
demonstrado uma eficiência moderada, eles são compostos que evaporam
facilmente, o que aumenta a necessidade de reaplicação constante do produto.
Mesmo que sejam naturais, esses compostos ainda podem causar reações alérgicas
e devem ser utilizados sob orientação do pediatra.
Dentre outras recomendações gerais, é importante orientar os pais para que eles
mesmo apliquem o produto nas crianças para evitar ingestão acidental, salientar a
importância da retirada do composto da pele com água e sabão após o período de
exposição porque sua utilização em excesso pode provocar reação alérgica.
Também é preciso enfatizar sobre a necessidade de seguir os intervalos de
aplicação propostos pelo fabricante e ressaltar que em crianças que soam demais,
cabe aumentar a frequência dessas aplicações. Indicar que os pais utilizem
compostos sem proteção solar associada, uma vez que essa combinação reduz a
ação do protetor, mas os produtos podem ser usados em formulações separadas,
aplica-se primeiro o protetor e depois de um período de tempo aplica-se o repelente.
REFERÊNCIAS

brasileira de pediatria. N 2,
Dezembro de 201
DERMATOLOGY ATLAS. Atlas dermatológico. Disponível em:
<http://www.atlasdermatologico.com.br/index.jsf>. Acesso em: 03 mar. 2022.

DERMIS. Dermatology Information System. Disponível em:


<https://www.dermis.net/dermisroot/pt/home/index.htm>. Acesso em: 03 mar. 2022.

GODDARD, Jerome; STEWART, Patricia H. Insect and other arthropod bites. UpToDate.
2021. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/insect-and-other-arthropod-
bites>. Acesso em: 02 mar. 2022.

HERNÁNDEZ-FIGAREDO, Pablo; RAMÍREZ-DURÁN, Ingrid. Síndrome de Ekbom o delirio


parasitario. A propósito de un caso. Archivo Médico Camagüey, [S.l.], v. 24, n. 6, p. 891-
899, dic. 2020. ISSN 1025-0255. Disponível em:
<http://revistaamc.sld.cu/index.php/amc/article/view/6834/3897>. Acesso em: 03 mar. 2022

MARKUS, Jandrei Rogério. Prurigo estrófulo ou Urticária Papular. In: DENNIS ALEXANDER
RABELO BURNS (São Paulo). Sociedade Brasileira de Pediatria. Tratado de Pediatria. 4.
ed. Barueri: Manole, 2017. Cap. 13. p. 616-620.

MOREIRA, Ana; ROSMANINHO, Isabel; SILVA, José Pedro Moreira da. Urticária papular –
Revisão da literatura. Revista Portuguesa de Imunoalergologia, Porto, v. 4, n. 22, p. 279-
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Sociedade Brasileira de Pediatria. Picadas de Inseto Prurigo Estrófulo ou Urticária Papular.


Departamento Científico de Dermatologia, 2016. Disponível em:
<https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2016/12/Dermatologia-Picadas-de-Inseto-
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