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Avaliação e tratamento

das alterações do
equilibrio ácido-base

- Regras práticas -

Prof. Doutor António Vaz Carneiro

Disciplina de Introdução à Clínica


Disciplina de Medicina I
Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
CENTRO ACADÉMICO DE MEDICINA DE LISBOA
Equilíbrio Ácido-base – A. Vaz Carneiro

I - CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

Glossário

H+ hidrogenião
[H+] concentração de hidrogeniões
HCO3- ou HCO3 ião bicarbonato
[HCO3-]p concentração plasmática de bicarbonato
PaCO2 pressão parcial de anidrido carbónico no sangue arterial
Cl- ou Cl ião cloro
Na+ ião sódio
a-b ácido-base

____________________________________________________________

A resposta homeostática do organismo às variações da concentração plasmática de


H+ ([H+]p) - que normalmente se expressa sob a forma de pH ( pH = -log [H+] ) -
processa-se em três estádios sequenciais:

1. tamponamento químico imediato por solutos-tampão intra e extracelulares


2. alteração da ventilação pulmonar (minutos a horas mais tarde) tendo como
resultante a modulação da pressão arterial de CO2 (PaCO2)
3. alterações da excreção renal de H+ (horas a dias mais tarde), com consequente
regulação da concentração plasmática de HCO3-([HCO3-]p) num novo estado de
equilíbrio.

A homeostase do equilíbrio ácido-base pode ser fácilmente compreendida em termos


do sistema-tampão bicarbonato:

H+ + HCO3- = H2CO3 = H2O + CO2

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Equilíbrio Ácido-base – A. Vaz Carneiro

Em estado de equilíbrio, a relação entre estes compostos pode ser exprimida pela
equação de Henderson:

[H+] = 24 x PaCO2 (eq. de Henderson)


[HCO3-]p

ou, fazendo a conversão de [H+] para pH, pela equação de Henderson-Hasselbach

pH = 6,10 + log [HCO3-]p (eq. Henderson-Hasselbach)


0,03 x PaCO2

Este sistema tem papel central na manutenção do equilíbrio ácido-base, porque a


[HCO3-]p pode ser regulada pela excreção renal de H+, e, independentemente, a
PaCO2 pode ser regulada através da ventilação pulmonar. Em circunstâncias
fisiológicas normais existe um estado de equilíbrio, devido ao facto dos índices de
produção de H+ e de CO2 serem equilibrados pelos seus índices de excreção. Assim,
a [H+] é mantida dentro de limites relativamente estritos (quadro I):

Quadro I - Valores normais ácido-base

Plasma pH [H+] PaCO2 [HCO3]p


nanomol/L mmHg mEq/L
Arterial 7,37-7,43 37-43 36-44 22-26
Venoso 7,32-7,38 42-48 42-50 23-27

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As alterações da homeostase ácido-básica definem-se utilizando os seguintes termos:

• Acidose: processo fisiopatológico tendente a acidificar o organismo


• Alcalose: processo fisiopatológico tendente a alcalinizar o organismo

• Acidémia: subida da [H+]p, com baixa do pH (<7.35)


• Alcalémia: baixa da [H+]p, com subida do pH (>7.45)

• Normocápnia: PaCO2 normal


• Hipercápnia: subida da PaCO2 (>44 mmHg)
• Hipocápnia: baixa da PaCO2 (<36 mmHg)

• Normobicarbonatémia: [HCO3-]p normal


• Hiperbicarbonatémia: subida da [HCO3-]p (>26 mmHg)
• Hipobicarbonatémia: baixa da [HCO3-]p (<22 mmHg)

• Acidose metabólica: alteração do equilíbrio a-b iniciada por redução da


[HCO3]p
• Alcalose metabólica: alteração do equilíbrio a-b iniciada por aumento da
[HCO3]p
• Acidose respiratória: alteração do equilíbrio a-b iniciada por aumento da
PaCO2
• Alcalose respiratória: alteração do equilíbrio a-b iniciada por diminuição
da PaCO2

• Alterações simples do equilíbrio ácido-base: presença de uma


alteração primária, juntamente com a respectiva resposta secundária
(compensadora)
• Alterações mistas do equilíbrio ácido-base: presença simultânea de 2
ou mais alterações primárias (por ex.. acidose respiratória + alcalose
metabólica)

Como se pode constatar, as alterações clínicas do equilíbrio ácido-base classificam-se


de acordo com a variável fisiológica que é directamente afectada pelo processo
fisiopatológico inicial: [HCO3-]p ou PaCO2.

Assim, as que se caracterizam por alteração inicial (subida ou descida) da


concentração plasmática de bicarbonato ([HCO3-]p) designam-se por metabólicas,
enquanto que as alterações do equilíbrio ácido-base caracterizadas por subida ou
descida inicial da pressão parcial de anidrido carbónico (PaCO2) se designam por
respiratórias.

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Equilíbrio Ácido-base – A. Vaz Carneiro

O processo inicial responsável por cada uma destas quatro alterações principais do
equilíbrio ácido-base (acidose e alcalose metabólicas e acidose e alcalose
respiratórias), provoca não só uma mudança da acidez plasmática, mas também o
início de uma série de processos fisiológicos secundários de resposta, que vão alterar
o valor do outro membro-par do sistema tampão bicarbonato; por outras palavras, as
alterações metabólicas induzem respostas secundárias ventilatórias que alteram a
PaCO2, enquanto que as alterações respiratórias induzem respostas secundárias
renais que vão alterar a [HCO3-]p (quadro II).

Quadro II - As quatro alterações principais do equilíbrio ácido-base

TIPO Alteração Resposta Mecanismo da resposta


primária secundária secundária
Acidose diminuição diminuição hiperventilação
metabólica da [HCO3-]p da PaCO2
Alcalose aumento da aumento da hipoventilação
metabólica [HCO3-]p PaCO2
Acidose aumento da aumento da titulação dos solutos tampão
respiratória PaCO2 [HCO3-]p tecidulares, com aumento
transitório da excreção de ácido
e aumento mantido da
reabsorção de HCO3- pelo rim
Alcalose diminuição diminuição titulação dos solutos tampão
respiratória da PaCO2 da [HCO3-]p tecidulares, com supressão
transitória da excreção de ácido
e redução mantida da
reabsorção de HCO3- pelo rim

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II - CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS NA AVALIAÇÃO CLÍNICA DAS


ALTERAÇÕES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE

As alterações do equilíbrio ácido-base devem ser sistemáticamente procuradas por


duas razões fundamentais: em primeiro lugar para obter a sua correcção, e em
segundo lugar porque as referidas alterações podem ser a indicação inicial da
existência de uma situação patológica subjacente, clinicamente não evidente.

Tendo em vista a complexidade e a variabilidade de expressão das alterações ácido-


básicas, é fundamental uma abordagem sistemática daquelas, quando de posse dos
valores laboratoriais mínimos para uma interpretação inicial correcta (gasometria
arterial, ionograma sérico). A referida abordagem obtém-se respondendo às
seguintes questões:

• Existe alteração do equilíbrio ácido-base ?


• De que tipo de alteração primária (metabólica ou respiratória) se
trata ?
• É uma alteração simples ou mista ?
• Qual a sua etiologia ?

Existe alteração do equilíbrio ácido-base ?


Muitas vezes a descoberta de uma alteração do equilíbrio ácido-base é puramente
casual, na interpretação de gases no sangue ou ionograma de rotina. A necessidade
de se obter gasometria arterial deve basear-se na história e no exame clínico do
doente, e no conhecimento das patologias que provocam mais frequentemente
alterações do pH sérico:

• Acidose metabólica: sépsis, insuficiência renal, coma, diarreia, ceto-cetose


diabética, insuficiência hepática, ingestão crónica de salicilatos e certas
intoxicações (metanol, etc.)

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• Alcalose metabólica: vómitos/aspiração gástrica, uso de diuréticos (não


incluidos os poupadores de potássio)
• Acidose respiratória: paragem cárdio-respiratória, coma, DPCO, intoxicação por
sedativos
• Alcalose respiratória: sépsis, tromboembolismo pulmonar, insuficiência
hepática, intoxicação por salicilatos (fase inicial)

Baseados nestes quadros clínicos, a obtenção dos gases no sangue pode dar o
diagnóstico correcto na maior parte das situações. Raramente, os valores de pH,
PaCO2 e HCO3 podem estar dentro dos limites da normalidade e mesmo assim
haver alteração do equilíbrio ácido-base: é o caso das situações mistas (acidose
respiratória e alcalose metabólica no mesmo doente, por ex.).

2. De que tipo de alteração primária se trata ?


Uma vez que se tenha chegado à conclusão que existe alteração do equilíbrio ácido-
base, é fundamental caracterizá-la em metabólica ou respiratória (vide supra). Para
isso, torna-se necessário estudar os valores do pH, da PaCO2 e do HCO3 dos
gases do sangue, usando o quadro III para obtenção do diagnóstico inicial.

Quadro III - Padrões de alterações primárias ácido-básicas

pH [HCO3-]p PaCO2 Diagnóstico


mEq/L mmHg
< 7,35 < 24 < 40 Acidose metabólica
> 7,45 < 24 < 40 Alcalose respiratória
< 7,35 > 24 > 40 Acidose respiratória
> 7,45 > 24 > 40 Alcalose metabólica

3. Trata-se de alteração simples ou mista ?


A descrição inicial do transtorno ácido-base usando o quadro III nem sempre é
correcta, porque pode estar-se em presença simultânea de mais do que um
processo primário. Para o esclarecimento desta questão, há que estudar se as
respostas secundárias (compensadoras) às alterações primárias do equilíbrio ácido-

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base são as que se encontrariam em condições normais. Estas respostas são bem
previsíveis e estão definidas no quadro IV.

Quadro IV - Regras para interpretação de alterações do equilíbrio ácido-base:


compensações fisiológicas

ALTERAÇÃO A-B REGRA

Acidose metabólica por cada mEq de [HCO3-]p inferior a 24 mEq/L, a


PaCO2 deve baixar 1 a 1,5 mmHg
Alcalose metabólica por cada mEq de [HCO3-]p superior a 24 mEq/L, a
PaCO2 deve subir 0,25 a 1 mmHg
Acidose respiratória por cada 10 mmHg de PaCO2 superior a 40, a
aguda [HCO3-]p deve subir 1 mEq/L
Acidose respiratória por cada 10 mmHg de PaCO2 superior a 40, a
crónica [HCO3-]p deve subir 4 mEq/L
Alcalose respiratória por cada 10 mmHg de PaCO2 inferior a 40, a
aguda [HCO3-]p deve baixar 1 a 3 mEq/L (até um mínimo
de 18 mEq/L)
Alcalose respiratória por cada 10 mmHg de PaCO2 inferior a 40, a
crónica [HCO3-]p deve baixar 2 a 5 mEq/L (até um mínimo
de 14 mEq/L)

Ao aplicar este quadro (ou, em seu lugar, um nomograma baseado nas mesmas
relações) deverão ter-se em mente vários pontos cruciais:

1. se as alterações do equilíbrio ácido-base forem de muito pequena amplitude,


pode ser difícil a sua caracterização, já que os valores cairão dentro dos limites
da normalidade;
2. o facto dos valores serem sobreponíveis aos calculados utilizando esta tabela,
não nos dá garantia da existência de uma alteração simples; a clínica e restantes
testes laboratoriais deverão confirmar o diagnóstico;
3. estes valores são baseados em estudos feitos em estados de equilíbrio, pelo que
não se deverão aplicar tão directamente em situações de rápida evolução clínica
(estados de não-equilíbrio).

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4. Qual a etiologia da alteração ácido-básica encontrada ?


A lista de situações capazes de provocar alterações do equilíbrio ácido-base é muito
extensa. Procuraremos incluir as situações mais frequentes, e também algumas
raras, que são responsáveis por cada uma das quatro alterações principais do
equilíbrio ácido-base.

ACIDOSE METABÓLICA

No diagnóstico diferencial da acidose metabólica o valor mais importante é o do


hiato aniónico ("anion gap"). Este é calculado através da diferença entre a
concentração de sódio no plasma e dos aniões mais importantes (cloretos e
bicarbonato):

A.G. = Na+ - (Cl- + HCO3-) (Valor normal: 10 a 14 mEq/L)

Quadro V - Anion gap no diagnóstico diferencial da acidose metabólica

A. Anion gap normal (acidose hiperclorémica):


• diarreia
• drogas inibidoras da anidrase carbónica
• acidoses tubulares renais (tipo 1, 2 e 4)
• insuficiência renal moderada (IFG> 20 ml/mn)
• insuficiência suprarenal
• doenças túbulo-intersticiais
• hiperalimentação parentérica
B. Anion gap aumentado
• cetose diabética ou alcoólica, acidose láctica
• insuficiência renal aguda, insuficiência renal crónica terminal
(IFG<10 ml/mn)
• intoxicações (salicilatos, etilenoglicol, metanol), rabdomiólise

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TRATAMENTO: como na maior parte das situações clínicas, o tratamento da


acidose metabólica aguda deve ser etiológico, isto é, deve dirigir-se à correcção das
causas que induziram a alteração do equilíbrio ácido-base (por exemplo:
insulinoterápia e hidratação na cetocetose diabética). Estas medidas, no entanto,
levam algum tempo a produzir o seu efeito máximo, pelo que quando o grau de
acidémia plasmática é muito marcado (pH < 7,20) impõe-se correcção imediata: um
doente com um pH inferior a 7,20 corre o risco de disritmias e de sofrer uma
depressão marcada da função cardíaca com hipotensão e resistência à terapêutica
vasopressora.

O cálculo de administração de bicarbonato baseia-se na seguinte fórmula:

DÉFICIT DE HCO3 (em mEq/L) =


([HCO3]p desejada - [HCO3]p medida em mEq/L) x (pêso em Kg) x 0,4

em que a [HCO3]p desejada é de 16-18 mEq/L (não se deve tentar alcançar os


valores normais de [HCO3]p de imediato).

A administração de bicarbonato de sódio deve ser por via e.v. utilizando os dois tipos
de soluções ao nosso dispôr: uma solução isotónica a 1,4% (com uma concentração
de 167 mmol/L de HCO3- e Na+), ou, no caso de haver contraindicação para
administração de grandes volumes líquidos, uma solução hipertónica a 8,4% (com
uma concentração de 1000 mmol/L de HCO3- e Na+). Deve infundir-se cerca de
metade da dose calculada nas primeiras 3-4 horas (caso não haja insuficiência
cardíaca) e o resto durante as 12 horas seguintes, parando quando o pH sérico
atinge o valor de 7,20, e deixando os processos regulatórios do organismo
normalizar progressivamente a concentração de H+ do sangue.

A decisão sobre a administração de doses ulteriores de bicarbonato deverá ser


decidida na base de controle clínico e iónico periódicos. Não esquecer: 1) a
alcalinização excessiva pode provocar tetania, convulsões, arritmias e produção
aumentada de ácido láctico; 2) a correcção da acidémia sem correcção de um déficit
de potássio concomitante pode induzir hipokaliémia grave (passagem de K+ para o

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espaço intra-celular), devendo iniciar-se suplementação de K+ logo que a acidémia


esteja parcialmente corrigida, com a concentração de K+ sérico ainda dentro da
normalidade, e 3) a concentração sérica de cálcio deve ser monitorizada e a
hipocalcémia corrigida se necessário (nunca juntar no mesmo soro Ca++ com HCO3-,
pelo risco de precipitação).

ALCALOSE METABÓLICA

No diagnóstico diferencial da alcalose metabólica, a concentração de cloretos na


urina é o valor clinicamente mais útil:

Quadro VI - Concentração de cloretos na urina em doentes com alcalose


metabólica

< 15 mEq/L > 20 mEq/L


• Vómitos • Excesso de mineralocorticóides
• Aspiração naso-gástrica • Sindromes de Cushing e de Bartter
• Diuréticos • Administração de HCO3
• Pós-hipercápnia • Hipokaliémia (< 2 mEq/L)

TRATAMENTO: a alcalose metabólica aguda por deplecção de cloretos envolve,


para além da correcção do mecanismo subjacente (parar a aspiração naso-gástrica,
por exemplo), a correcção do déficit de K+, a administração de cloro e a correcção
da [HCO3-]p.

A correcção de K+ obtém-se administrando este ião sob forma e.v. (10-60 mEq em
cada litro de soro) e/ou oral (comprimidos de 8 mEq) sendo a rapidez de
administração dependente da sua concentração sérica: se K+<2 mEq com alterações
do ECG, dar até 40 mEq/hora em soluções não glucosadas; nas outras situações,
dar 10 mEq/hora e.v. mais suplementos orais, num total que não deve ser superior a
200 mEq/dia.

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A administração de cloro é já parcialmente conseguida através do sal potássico


(KCl), e também através de ClNa isotónico a 0,9% (154 mmol/L de Na+ e Cl-) ou
hipertónico a 5% (855 mmol/L de Na+ e Cl-).

No caso dos doentes em que a terapêutica com ClNa é contraindicada por excesso
de volume intravascular, pode corrigir-se a alcalose utilizando a acetazolamida
(LEDIAMOX ®), em doses de 250-500 mg per os ou e.v. de 8/8 horas. Perante uma
alcalose metabólica severa (pH>7.60) por exemplo em doentes com encefalopatia
hepática, arritmias, intoxicação digitálica, alterações do SNC e contraindicação à
terapêutica parentérica com ClNa, dever-se-á iniciar terapêutica com ácido,
utilizando uma infusão hipertónica de cloreto de amónio a 2% (contendo 374 mEq de
Cl- e de NH3 por litro). A quantidade teórica de ácido a infundir pode ser calculada
através da seguinte fórmula:

DÉFICIT DE H+ (em mEq/L) =


([HCO3]p medida - [HCO3]p desejada em mEq/L) x (peso em Kg) x 0,5

A [HCO3]p desejada situa-se à volta dos 26-28 mEq/L, e deve ser corrigida apenas
até se obter um valor mediano entre o medido e o desejado, deixando os
mecanismos fisiológicos corrigir o resto.

ACIDOSE RESPIRATÓRIA

As causas de acidose respiratória podem, duma maneira geral, ser divididas em


vários grupos, não havendo nenhum teste específico para a sua diferenciação:
inibição do centro respiratório medular (intoxicações, paragem cardíaca), alterações
da parede e dos músculos torácicos (cifoescoliose, polio, síndrome de Guillain-
Barré), obstrução das vias aéreas (corpo estranho, laringoespasmo), alterações da
difusão gasosa (DPCO, ARDS, edema pulmonar) e ventilação mecânica
inapropriada.

TRATAMENTO: o tratamento da acidose respiratória difere se esta fôr aguda ou se


fôr crónica (em que os valores de pO2 e pCO2 estão crónicamente alterados), mas

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em qualquer dos casos consiste na melhoria da ventilação pulmonar (com ou sem


utilização da ventilação mecânica). A insuficiência respiratória define-se por critérios
clínicos e gasimétricos: frequência respiratória < 10/mn ou > 35/mn e adejo nasal
com uso dos músculos respiratórios acessórios, associado a PaO2 < 60 mmHg com
FIO2 > 60%, ou PCO2 > 55 mmHg. A administração de bicarbonato nesta situação é
contraindicada (visto o pH ser um estímulo importante para a respiração), e deve ser
guardada para as situações em que existe acidose metabólica concomitante.

ALCALOSE RESPIRATÓRIA

A alcalose respiratória é provàvelmente a mais rara das 4 alterações principais do


equilíbrio ácido-base e pode ser causada por situações que provocam hipoxémia
(tromboembolismo pulmonar, insuficiência cardíaca congestiva, anemia grave,
pneumonia intersticial), por doença pulmonar, por estimulação directa dos centros
respiratórios medulares (sépsis, insuficiência hepática, AVC, histeria) e por uso
indevido de ventilação mecânica.

TRATAMENTO: em geral, a única terapêutica eficaz para a alcalose respiratória é a


correcção da situação de base, e raramente é necessário tratamento urgente se o
pH se mantiver inferior a 7.50. Nos doentes com síndrome de
ansiedade/hiperventilação e alcalose respiratória aguda, pode corrigir-se a
hipocápnia (desde que não exista hipoxémia concomitante) fazendo o doente
respirar para dentro de um saco de papel (provocando assim um aumento da
FICO2).

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III - REGRAS PRÁTICAS NO DIAGNÓSTICO DE ALTERAÇÕES DO


EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE

1º. Obter simultâneamente ionograma do sangue venoso e gasimetria arterial.

2º. Comparar os valores de [HCO3-]p do ionograma (que é medido directamente) e


dos gases no sangue (que é calculado pelo computador do aparelho utilizando a
equação de Henderson-Hasselbalch, baseando-se nos valores medidos de pH e de
PaCO2). Se houver diferença superior a 1-2 mEq/L, calcular a [HCO3-]p dos gases
do sangue, utilizando a equação de Henderson:

[H+] (nEq/L) = PaCO2 (mm Hg)


[HCO3-]p (mEq/L)

Para isso, dever-se-á converter o pH em [H+], utilizando uma tabela própria ou, em
alternativa, pode-se obter esta conversão utilizando a seguinte mnemónica: a um pH
de 7,40 corresponde uma [H+] de 40 nEq/L; entre pH 7,20 e 7,50, cada mudança de
0,01 no pH corresponde uma mudança de [H+] de 1 nEq/L, na direcção oposta. Por
ex.: a um pH de 7,41 corresponde uma [H+] de 39, e a um pH de 7,39 corresponde
uma [H+] de 41 (e assim por diante).

3º. Calcular o "anion gap": [Na+]p - ([Cl-]p + [HCO3-]p)

4º. Calcular o grau de compensação que se espera encontrar, utilizando o quadro IV.

5º. Comparar a mudança da concentração sérica de Na+ com Cl, o "anion gap" com
a concentração sérica de bicarbonato e o Cl- com [HCO3-]p.

6º. Combinar os resultados dos cálculos efectuados com os dados clínicos.

7º. Decidir do tratamento da situação de base ou dos valores séricos (se extremos)

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IV - BIBLIOGRAFIA

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Engl J Med 1998; 338:107-111
• Adrogué HJ, Madias NE. Management of life-threatening acid-base disorders. N
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Gelsema ES. A re-appraisal of the tri-axial chart for monitoring arterial acid-base
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• Rose BD, Post TW eds. Clinical Physiology of Acid-Base and Electrolyte
Disorders. McGraw-Hill, 2001
• Schrier RW ed. Renal and Electrolyte Disorders. Lippincott-Raven, 2003
• Adrogué HJ et al. Assessing acid-base disorders. Kidney International
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• Andreoli & Carpenter eds. Cecil’s Essentials of Medicine. Saunders 2010

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