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2020/2021

SEBENTA DE FINANÇAS PÚBLICAS


Regente: Prof. Eduardo Paz Ferreira

Índice

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 3

ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO .................................................................................................... 3

A ATIVIDADE FINANCEIRA BASEADA EM DECISÕES POLÍTICAS ........................................................................ 3


POLÍTICA FINANCEIRA...................................................................................................................................... 4
ATIVIDADE FINANCEIRA BASEADA NUMA RACIONALIDADE ECONÓMICA ........................................................ 5
AS TRÊS FUNÇÕES MUSGRAVIANAS DO ESTADO ............................................................................................. 5
PEC – PACTO DE ESTABILIDADE E CRESCIMENTO ........................................................................................... 8

SISTEMA FISCAL PORTUGUÊS................................................................................................................. 10

RECEITAS PÚBLICAS ....................................................................................................................................... 13


Princípios Gerais e Modalidades .............................................................................................................. 13
EMISSÃO E GESTÃO DA DÍVIDA PÚBLICA DIRETA ......................................................................................... 25
DÍVIDA NA ÓTICA DE MAASTRICHT ............................................................................................................... 26
REGIME DAS GARANTIAS ............................................................................................................................... 27
DESPESAS PÚBLICAS ...................................................................................................................................... 28
Caracterização e Modalidades ................................................................................................................. 28

SETOR PÚBLICO E A CONTABILIDADE PÚBLICA E NACIONAL ................................................... 30

DISTINÇÃO ENTRE CONTABILIDADE PÚBLICA E CONTABILIDADE NACIONAL .............................................. 30


CONCRETIZAÇÃO DAS REGRAS DO SEC (SISTEMA EUROPEU DE CONTAS) 95............................................... 31
CONCEITO DE UNIDADE INSTITUCIONAL........................................................................................................ 32
INTEGRAÇÃO DAS UNIDADES INSTITUCIONAIS EM SETORES INSTITUCIONAIS............................................... 33
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO DA UNIDADE INSTITUCIONAL ................................................................................ 34
CONCEITO DE PRODUÇÃO MERCANTIL .......................................................................................................... 34
PREÇO ECONOMICAMENTE SIGNIFICATIVO .................................................................................................... 35
PERÍMETRO ORÇAMENTAL E DESORÇAMENTAÇÃO ....................................................................................... 36
ALGUNS CONCEITOS RELEVANTES ................................................................................................................. 39
ORÇAMENTO DA SEGURANÇA SOCIAL ........................................................................................................... 41

ORÇAMENTO DO ESTADO ......................................................................................................................... 42

DIREITO ORÇAMENTAL NACIONAL ................................................................................................................ 42


PRINCÍPIOS ORÇAMENTAIS APLICÁVEIS A TODOS OS ORÇAMENTOS .............................................................. 43
LEI DE ENQUADRAMENTO ORÇAMENTAL DE 2015 ........................................................................................ 44

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FISCALIZAÇÃO ORÇAMENTAL E RESPONSABILIDADE FINANCEIRA ....................................... 57

MODALIDADES DE CONTROLO OU FISCALIZAÇÃO ORÇAMENTAL................................................................... 57


Fiscalização Política ................................................................................................................................. 57
Fiscalização Administrativa ...................................................................................................................... 58
Fiscalização Jurisdicional ........................................................................................................................ 58
FISCALIZAÇÃO E RESPONSABILIDADE FINANCEIRA ........................................................................................ 58
TRIBUNAL DE CONTAS ................................................................................................................................... 59
Competências do Tribunal de Contas ....................................................................................................... 60

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Introdução

Quando se fala em finanças públicas, aponta-se para a atividade económica de um ente


público tendente a afetar bens à satisfação de necessidades que lhe são confiadas.

Como explica o prof. Sousa Franco, a expressão finanças públicas, pode utilizar-se em
vários sentidos:
Ø Sentido Orgânico: designando o conjunto de órgãos do Estado ou outro ente
público a quem compete gerir recursos económicos para a satisfação de certas
necessidades;
Ø Sentido Objetivo: designando a atividade através da qual o Estado afeta bens
económicos à satisfação de certas necessidades sociais;
Ø Sentido Subjetivo: designando a disciplina científica que estuda os princípios e
regras que regem a atividade do Estado com o fim de satisfazer as necessidades
que lhe estão confiadas.

À luz da teoria da restrição orçamental do Estado, deve verificar-se uma igualdade


entre, por um lado, a despesa e, por outro, a receita pública e a possibilidade de financiamento
do Estado.

Atividade Financeira do Estado

A atividade financeira baseada em decisões políticas

A atividade financeira é construída em função da satisfação das necessidades em concreto


sentidas por uma comunidade e que são assumidas pelo poder político.
Tendo como base o princípio da restrição, é impossível satisfazer todas as necessidades e,
partindo desse argumento, é necessário fazer opções, essa satisfação das necessidades e a sua
escolha vai ser diferente e baseada no próprio programa político.

A despesa pública do Estado é ditada pela decisão política.

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São traços marcantes das finanças liberais, também ditas clássicas e neutras:
Ø A separação entre economia e as finanças;
Ø A abstenção económica por parte do Estado perante o mercado;
Ø A organização da atividade financeira pública de forma a não perturbar a atuação
livre dos sujeitos económicos;
Ø O predomínio da Instituição parlamentar de forma a assegurar que todos os
cidadãos controlam o exercício da atividade económica por parte do Estado,
associada ao princípio da legalidade, a importância primordial do imposto;
Ø Etc.

Em sentido divergente, as finanças intervencionistas são marcadas por:


Ø Uma integração entre economia e finanças públicas;
Ø Pela intervenção económica por parte do Estado;
Ø Pela complexificação do fenómeno financeiro, que conduz ao necessário avultar da
instituição governamental.

Política Financeira

Considerando a visão macroeconómica da economia, pode distinguir-se, na política


económica, a:
Ø Dimensão Conjuntural: onde se encontra, por um lado, a política financeira ou
orçamental e, por outro, a política monetária. Esta tem três grandes áreas de
atuação:
o O pleno emprego;
o A estabilidade dos preços;
o O equilíbrio externo.
Ø Dimensão Estrutural: identificam-se aqui objetivos mais complexos como:
o O desenvolvimento e crescimento económico;
o A redistribuição de riqueza.

A política orçamental é um tipo de política financeira que implica um conjunto de escolhas


“explicitas e implícitas” inspirada em movimentações qualitativas, tais como o bem-estar, a
eficiência, a equidade, a solidariedade e a segurança.

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Atividade financeira baseada numa racionalidade económica

à Eficiência:
É a busca pela eficiência que leva o Estado a interferir na economia, para colmatar as
falhas de mercado, de forma a promover o aproveitamento ótimo dos recursos produtivos.

à Justiça:
Não se conformando com as distribuições feitas pelo mercado, o Estado pode proceder a
uma correção das mesmas (redistribuição de rendimentos), de forma a promover uma afetação
de recursos socialmente mais justa.
O mercado tem as suas próprias regras, as suas próprias leis e, muitas vezes, as decisões
mais eficientes não são as mais justas, por exemplo, o mercado de concorrência perfeita, deixa
de fora todos aqueles que não estão em condições para participar (idosos, crianças,
deficientes), cabe ao Estado suprir essas insuficiências (subsídio de desemprego, de invalidez,
de velhice).

As três funções Musgravianas do Estado

à Função de Afetação de Recursos:


Estão em causa situações genericamente referidas como falhas de mercado, mas que, na
verdade, traduzem situações com características muito diferentes.
A busca de eficiência leva o Estado a atuar no mercado, colmatando as falhas que este
possa apresentar, de forma a promover o aproveitamento ótimo dos recursos produtivos e uma
das formas de atuar com este objetivo prende-se pelo suprimento das incapacidades de
mercado.
Estamos perante uma falha de mercado quando estamos perante um bem que não é
produzido pelo mercado de forma eficiente.

Podemos apontar como falhas de mercado:


Ø A existência de necessidades coletivas que exigem a produção de bens coletivos
ou públicos para a sua satisfação;
Ø A existência de falhas de concorrência ou concorrência imperfeita (ex:
monopólios);

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Ø A verificação de externalidades positivas e negativas1;


Ø Assimetria de informação;
Ø A existência de bens que não são produzidos pelo mercado (mercados
incompletos);
Ø A verificação do desemprego, inflação e desequilíbrio.

Cumpre aqui fazer referência ao primeiro ponto enumerado – os bens coletivos/públicos.


Essa situação de ineficiência corresponde ao grau máximo que uma externalidade positiva
pode alcançar, em que, por isso, o mercado não tem em princípio lugar.
Há bens que ou não são produzidos no mercado, ou que quando o são, demonstram que
são insuficientes em relação às necessidades que se fazem sentir. Se esses bens não forem
essenciais, a comunidade poderá facilmente prescindir deles.
Mas se forem reputados de essenciais pela comunidade, não poderão deixar de ser
produzidos/fornecidos pelo Estado. A estes bens que o Estado é chamado a produzir e fornecer
dá-se o nome de bens coletivos ou bens públicos puros. A designação bens coletivos destaca
a apropriação coletiva que deles é feita, em função das suas características e da dificuldade do
seu produtor em retirar lucro da atividade.
Podem identificar-se como características que:
Þ Os bens coletivos são bens de satisfação passiva, ou seja, não depende de nenhum
esforço por parte do consumidor, opõem-se a bens de satisfação ativa (satisfação
é conseguida pelo esforço do consumidor no mercado), dificilmente se pode
cobrar um preço a este tipo de bens;
Þ Os bens coletivos não são exclusivos, não se pode privar ninguém da sua
utilização, ou seja, aquilo que é fornecido é imediatamente disponibilizado para
todos os indivíduos na mesma quantidade;
Þ Os bens coletivos ou bens públicos puros não são emulativos, os utilizadores não
entram em concorrência para conseguir a sua utilização.

1
As externalidades correspondem aos efeitos externos dos comportamentos económicos. Se um comportamento
económico provoca benefícios a terceiros, estamos perante externalidades positivas. Se, pelo contrário, implica
a imposição de custos, estaremos perante externalidades negativas.

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Alguns exemplos de bens públicos: farol, defesa nacional, justiça, polícia. No mercado,
bens com estas características ou não são produzidos ou quando o são, são-no de forma
incipiente.
Pode falar-se, também, na existência de bens públicos impuros/mistos, estes bens
compartilham a característica de terem um custo marginal zero por cada utilização a mais,
mas são suscetíveis de ficar congestionados, à medida que mais pessoas utilizam o bem,
menos utilidade retiram dele os seus utilizadores (estrada, ponte, jardim público, piscina,
praias, bibliotecas).
Os bens públicos puros são sempre produzidos pelo Estado e caracterizam-se então
pela não rivalidade e não exclusão em termos eficientes. Já os bens públicos impuros
podem ser assegurados pelo Estado ou por outras entidades privadas, e são passíveis de
exclusão na medida em que estão limitados ao seu acesso pela capacidade económica da
população. Ex: saúde, educação.
Se estes bens forem produzidos no âmbito da autonomia privada ou social, haverá um
desequilíbrio entre a utilidade daquele que suporta os custos para a produção deste bem
económico no mercado e a utilidade daqueles que beneficiam da produção desse bem. O que
significa que há mais utilidade na sua produção já que os que custearam a produção desse bem
dificilmente podem exigir a quota parte do valor a quem os aproveita.
Para acabar com este desequilíbrio, o Estado intervém, chamando a si a produção desses
bens ou subsidiando-a. O custo dos bens coletivos ou bens públicos será financiado por
todos os membros da comunidade, por meio dos impostos. O quantum que cada um vai ter
de suportar para o financiamento desta despesa publica é indeterminado quando se toma a
decisão pública de produção, vai depender do processo político de repartição da carga fiscal.

à Função de Redistribuição:
O Estado usa os seus instrumentos orçamentais (receitas e despesas públicas) para
promover esse desiderato redistributivo, corrigindo os resultados de repartição primária dos
rendimentos resultantes do funcionamento da economia. Esta função convoca um argumento
que é, em princípio, estranho à economia: o argumento da justiça social.
A teorização em torno da redistribuição e da justiça pode ser encontrada em pensadores
como Dworkin, Rawls e Sen.

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à Função de Estabilização:
A função de estabilização é uma função macroeconómica: pretende explicar como, através
de instrumentos orçamentais ao dispor do Estado (a receita e a despesa públicas), este isenta
suavizar as flutuações da economia.

PEC – Pacto de Estabilidade e Crescimento

à Qual a sua razão de ser?

À primeira vista, as uniões monetárias tendem a desincentivar políticas orçamentais


expansionistas e o laxismo na gestão orçamental, desde logo pelo efeito de “fuga para as
importações” que daí poderia advir. A adoção de uma moeda única pode, pois, constituir um
incentivo ao enviesamento expansionista, em virtude do desaparecimento dos efeitos de
“crowding out” interno e externo. O problema torna-se mais preocupante quando vários
países, em simultâneo, decidem promover estas mesmas políticas orçamentais expansionistas.

A ausência de coordenação das políticas orçamentais pode mesmo conduzir à penalização


dos países bem-comportados, que sofrerão os efeitos das ações lenientes de outros. Com o
aumento da taxa de juro comum, a procura agregada diminuirá, também, nesses países, o
crescimento abrandará, levando os estabilizadores automáticos a entrar em ação. No final,
todos os países apresentariam défices orçamentais, uns de forma involuntária, outros
involuntariamente.

Mas, para além destes fundamentos, a necessidade de coordenação resulta ainda da


circunstância de o orçamento comunitário não ter uma vocação de estabilização
macroeconómica global, além de ter uma dimensão muito reduzida, quer em termos absolutos,
quer na sua relação com o PIB dos países comunitários.

O PEC é, então, constituído por dois grupos de institutos que configuram, por seu
turno, uma intervenção comunitária de natureza e força jurídica distintas:
Þ A primeira componente do PEC é a denominada vertente preventiva: prevê que
os Estados membros atinjam uma posição de equilíbrio orçamental, criando um
sistema de supervisão multilateral de acordo com o qual os Estados membros
devem apresentar os seus programas de estabilidade e crescimento, neles

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concretizando as formas de ajustamento com vista a alcançar esse objetivo de


estabilidade orçamental.
Þ A segunda componente do PEC comtempla a chamada vertente sancionatória ou
corretiva: cria um procedimento por défice orçamental excessivo (considerado
quando ultrapassasse os 3% do PIB) e prevê a aplicação de sanções, de gravidade
crescente, a aplicar em função do incumprimento e também do PIB de cada país
incumpridor.

Um dos aspetos crucias no qual assenta, como dissemos, a vertente preventiva do PEC são
os programas de estabilidade e crescimento. As exigências de uniformização colocavam-se,
na versão inicial, nos seguintes planos: estatuto do programa e das medidas previstas (cada
programa deveria indicar o respetivo estatuto no quadro dos procedimentos nacionais,
nomeadamente quanto ao papel dos parlamentos); conteúdo do programa (deveria conter
certos itens fundamentais).
Para além disso exigia-se a apresentação de informação quantitativa em quadros standard.
Adicionalmente ainda, os programas deveriam facultar informação sobre a consistência dos
objetivos orçamentais e das medidas previstas para os alcançar com as especificações sobre a
política económica em sentido amplo, bem como sobre as medidas destinadas a melhorar a
qualidade das finanças públicas e a alcançar a respetiva sustentabilidade de longo prazo.

Os programas de estabilidade e crescimento, além de constituírem um instrumento de


supervisão da situação orçamental dos Estados membros, têm uma outra relevância: trata-se,
com caráter senão pioneiro pelo menos inovador no contexto europeu, de instrumentos de
programação de médio prazo ou plurianual da despesa pública.

As vicissitudes do PEC

A aplicação do pacto de estabilidade e crescimento suscitou variadíssimos problemas e


críticas, sendo que, nos primeiros anos de existência, a vida do PEC não foi fácil.
Antes de mais, os problemas: vários países começam a incumprir o pacto de estabilidade e
crescimento, por exemplo, Portugal. Mais tarde, França e Alemanha também incumprem e
não foi aberto qualquer processo em relação a estes dois países, por parte da comissão. Isto
veio gerar um grande controvérsia - PEC seria um mecanismo político dos países mais fortes
quando aos mais fracos.

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Em relação às críticas, que assentam na base do PEC ser fraudulento, as fundamentais


são as seguintes:
Þ O pacto dizia-se que era de “estabilidade e crescimento”, mas, na verdade, parecia
apenas de estabilidade e não de crescimento;
Þ O pacto era cego a vários tipos de realidades: em relação ao desenvolvimento
económico, em relação às fases do ciclo económico, em relação à diferenciação de
despesas, etc.;
Þ O pacto não era verdadeiramente sensível às medidas estruturais, tratando tudo por
igual.

As alterações verificadas no PEC em 2005 foram ao encontro de sugestões de


flexibilização das suas regras, ainda que sem colocarem em causa a divisa disciplinadora que
este ostentava desde o início. Nesta medida, as alterações traduziram uma solução
compromissória entre as duas visões supra, a perspetiva ortodoxa e a perspetiva suavizadora
do PEC.

A preocupação fundamental está em garantir um comportamento financeiro ao longo do


ciclo e uma plataforma de ajustamento em direção ao MTBO (medium-term budgetary
objective). Os Estados devem, então, adotar uma abordagem mais consentânea em períodos
de recuperação económica, evitando políticas pró-cíclicas e aproximando-se gradualmente do
objetivo de médio prazo.

Sistema Fiscal Português

Tem cabido sobretudo à teoria da tributação ótima o estabelecimento de um conjunto de


prescrições sobre o modo como deve funcionar um sistema fiscal em condições de eficiência,
ou seja, minimizando as distorções que ponham em causa a respetiva neutralidade económica.
A teoria assume, assim, a existência de impostos incidentes sobre o consumo, sobre os
rendimentos e sobre o património e assume tais impostos no quadro da conveniência entre os
princípios da capacidade contributiva e da equivalência. Trata-se, então, de minimizar as
distorções, calibrando as componentes do sistema fiscal com vista à sua aproximação, tanto
quanto possível, de um sistema fiscal ótimo.

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O sistema fiscal português, baseado ainda hoje na importante reforma levada a cabo em
1989, foi-se tornando, em virtude das sucessivas e recorrentes alterações introduzidas na
legislação fiscal, num sistema confuso e sincrético, gerador de instabilidade e
imprevisibilidade, afetando, pois, negativamente, a atividade económica, o investimento e o
ambiente dos negócios.

O sistema fiscal é complexo, prossegue múltiplas funções, concretizadas por três grupos
de normas:
Ø As normas com finalidades fiscais: elas têm como finalidade a arrecadação de
receitas, constituem o maior e mais relevante grupo de normas de Direito Fiscal e
inserem-se no tipo sistemático. As normas com finalidade fiscal repartem a carga
fiscal entre o universo de contribuintes, com base no princípio da igualdade ou da
capacidade contributiva.
Ø As normas com finalidades sociais: trata-se de normas cujas finalidades fiscais
não são predominantes, mas prosseguem outras finalidades públicas, sejam
políticas, económicas, culturais, ambientais (normas extrafiscais). Podem
constituir benefícios fiscais e até agravamentos fiscais se o comportamento adotado
pelo contribuinte não for o pretendido (comportamento poluente). Os benefícios
fiscais podem ser normas de orientação da economia (isenções ao investimento de
natureza contratual) ou normas de redistribuição (deduções à coleta de juros com a
aquisição de habitação própria).
Ø As normas procedimentais e processuais e normas com finalidades de
simplificação na aplicação da lei: as primeiras disciplinam a relação jurídica
tributária e o contencioso tributário, e as últimas são regulamentos ou orientações
genéricas que concretizam conceitos legais vagos e indeterminados e clarificam a
aplicação da lei fiscal.

O artigo 103/1 da CRP refere-se ao sistema fiscal português como visando a satisfação das
necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos
rendimentos e da riqueza. O sistema fiscal a que se refere o artigo 103/1 deve ser entendido
como o conjunto dos impostos disciplinados pelo ordenamento jurídico português. Na
verdade, os restantes números do artigo 103 tratam apenas dos impostos e não de outros
tributos.

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Além disso, o artigo 165/1 alínea i) da CRP submete a reserva relativa de competência
legislativa da AR a criação de impostos e sistema fiscal, por um lado, e o regime geral das
taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, por outro lado. O
Sistema fiscal no artigo 165/1 alínea i) é entendido novamente como sistema de impostos
(conjunto de impostos e regras aplicáveis a todos os impostos), por contraposição à segunda
parte dessa alínea, que se refere a um regime geral das taxas e de outras contribuições
financeiras.

O artigo 103/1da CRP, ao mencionar o sistema fiscal, identifica um dos aspetos essenciais
do conceito clássico de imposto: a finalidade de satisfação das necessidades financeiras. Não
é necessário que cada imposto prossiga uma finalidade financeira, essa finalidade predomina
no sistema fiscal no seu conjunto. O sistema fiscal, neste sentido, é um pressuposto do Estado
de Direito.

• Benefícios Fiscais: correspondem a uma situação especial mais favorável em que


se encontra um certo cidadão perante a lei do imposto, em virtude de concorrerem
na sua pessoa ou situação determinadas circunstâncias genericamente previstas na
lei. Modalidades:
o Isenção: situação em que alguém recai, objetiva ou subjetivamente, no
âmbito da aplicação de um determinado imposto. Impede o nascimento de
uma obrigação fiscal.
o Reduções de taxa: aplicadas, a determinados contribuintes, taxas de
imposto inferiores às taxas normas previstas na lei.
o Dedução à matéria coletável: deduz-se à matéria coletável determinada um
certo valor, considerado como custo ou gasto socialmente justificado.
o Dedução à coleta: abater à coleta que o contribuinte deveria pagar uma
qualquer despesa por ele efetuada e que se considera de interesse
publico
o Restituição do imposto: benefício fiscal a posteriori.

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Receitas Públicas

Princípios Gerais e Modalidades

Os princípios gerais que se aplicam às finanças públicas são os seguintes:


Ø Princípio da legalidade, segundo o qual as receitas devem ser regidas e criadas por
lei ou no seu respeito;
Ø Princípio da renovação anual, segundo o qual as receitas não podem ser cobradas
sem autorização orçamental anual;
Ø Princípio de que as receitas devem encontrar-se integralmente previstas no
Orçamento de Estado;
Ø Princípio da não dedução das despesas de cobrança, como consequência da regra
da não compensação;
Ø Princípio da não consignação a despesas específicas, salvo em relação a casos
excecionais, previstos na lei;
Ø Princípio da cobrança através do processo de execuções fiscais.

Entende-se por receita pública qualquer recurso obtido durante um determinado período,
mediante o qual o sujeito público pode satisfazer as despesas públicas que estão a seu cargo.
Existem, essencialmente, três modalidades de receitas públicas, atendendo à fonte de
onde promanam: receitas patrimoniais, receitas tributárias e receitas creditícias.

Þ Receitas Patrimoniais:

São as que resultam da administração do património do Estado ou da disposição de


elementos do seu ativo e que não tenham carácter tributário.
As receitas do património são as que resultam da normal administração do património,
seja ela património mobiliário ou imobiliário. As receitas de disposição patrimonial são
aquelas que resultam da oneração ou alienação desse mesmo património.
O património real corresponde às coisas de que o Estado dispõe e aos direitos sobre elas.
O património financial corresponde ao dinheiro, aos ativos monetário-financeiros e aos
créditos e débitos do Estado.

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Þ Receitas Tributárias:

Nos modernos sistemas de economia de Mercado, as mais significativas receitas públicas


são receitas tributárias, que encontram o seu fundamento na existência de um dever genérico
de cobertura dos encargos públicos, que recai potencialmente sobre a totalidade dos membros
de uma comunidade.
Receitas tributárias são aquelas que o Estado obtém no exercício do seu poder de
autoridade, impondo aos particulares um sacrifício patrimonial que não tem por
finalidade puni-los, nem resulta de qualquer contrato com eles estabelecido.

Os tributos são definidos como sendo prestações pecuniárias a favor do Estado, ou de


outras entidades públicas, de natureza obrigatória e sem carácter sancionatório.

Os tributos podem ser divididos em três grandes categorias: a categoria dos impostos, a
categoria das taxas e a categoria das contribuições especiais. Qualquer destas 3 categorias
visa, em regra, assegurar a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras
entidades públicas, finalidade essa que corresponde à função ou definição clássica dos
tributos.
Todavia, desde meados do século XX, juntaram-se outras finalidades, ligadas à orientação
de comportamentos, nomeadamente, a da prossecução de fins ambientais (ex: os tributos sobre
empresas desenvolvendo atividades poluentes) e de alteração de comportamentos individuais
com ou sem externalidades negativas.

Atendendo ao pressuposto e à finalidade do tributo, podemos identificar a existência


de três tipos:

Ø Impostos:
O pressuposto deste tributo é alheio à relação entre o sujeito passivo e a administração,
encontrando-se, antes, nos rendimentos, no património, no consumo, etc., ou seja, em factos
reveladores da riqueza (da capacidade contributiva); a ideia de cobrança de impostos toma
como ponto de partida que se todos beneficiam da atividade financeira do Estado, então todos
devem contribuir para essa atividade.

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Os impostos são tributos de caráter unilateral, sem contraprestação pública direta e


imediata que servem as necessidades financeiras gerais à princípio da não consignação
orçamental. Distinguem- se das taxas porque estas assentam na bilateralidade ou sinalagma
jurídico (prestação pecuniária e direta, imediata contraprestação pública). E distinguem-se das
contribuições especiais porque estas assentam num sinalagma difuso (bilateralidade com
externalidades), e também porque algumas contribuições especiais servem para satisfazer
exclusivamente as necessidades financeiras de um grupo à princípio da consignação.
o Contribuições Especiais: São um tipo particular de impostos que
apresentam duas especificidades: são cobradas em virtude da ocorrência de
externalidades positivas ou negativas e visam, portanto, internalizá-las e
visam uma aplicação híbrida dos princípios da capacidade contributiva e da
equivalência. Neste tipo de contribuições, o sujeito passivo beneficia de um
aumento de valor dos seus bens em resultado de obras públicas. Com isto,
o Estado pode chamá-lo a pagar um imposto extra. Ex: com a construção do
aeroporto as pessoas viram os seus terrenos valorizados, podendo assim, ter
de pagar uma contribuição sobre isso.
Os impostos prosseguem finalidades públicas não sancionatórias. A finalidade
principal ou secundária será a arrecadação de receitas, pois tal arrecadação é o objetivo
principal do sistema fiscal. Mas os chamados impostos extrafiscais, orientadores de
comportamentos individuais ou coletivos, são ainda impostos, desde que se verifiquem as
restantes características do imposto.
Há tributos que pretendem modelar ou alterar comportamentos (ex: tributos sobre o
consumo de sacos de plástico), e não arrecadar receitas, mas a arrecadação desta é o objetivo
residual, se a finalidade de alteração de comportamentos falhar (se houver rigidez de
comportamento ou de procura).
Se assim for, os impostos extrafiscais ficam sujeitos às exigências jurídico-constitucionais
dos impostos. Ex: os impostos sobre os sacos de plástico, os impostos sobre empresas com
atividades poluidoras, os impostos sobre a utilização de transportes aéreos, e em geral, os
impostos orientadores de comportamentos económicos e os chamados impostos sobre o
pecado, que podem incidir, por exemplo, sobre os jogos de fortuna ou azar, o consumo de
tabaco, álcool, açúcar ou produtos derivados de açúcar.
Os impostos ficam sujeitos ao princípio orçamental da universalidade: servem para
financiar todas as despesas. Só não estamos perante impostos (receitas unilaterais para cobrir

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despesas orçamentais gerais) se os montantes cobrados forem afetos à compensação dos


prejuízos causados pela rigidez dos comportamentos que se pretendia orientar (consignação
orçamental).
Os sujeitos que têm direito a exigir o cumprimento dos impostos são entidades públicas
(sujeitos ativos). São em regra sujeitos ativos de impostos, as entidades públicas de base
territorial: o Estado, as Regiões Autónomas e os Municípios. As restantes entidades públicas
são normalmente financiadas através de taxas ou de contribuições especiais.
Os impostos, no sistema jurídico-constitucional português e na grande maioria dos
Estados, são prestação pecuniárias e não em espécie.
Ficam de fora do conceito de impostos as sanções: coimas e multas praticados por
infrações e os juros que constituem indemnizações por atrasos no cumprimento das obrigações
fiscais.

Existem impostos sobre três principais componentes:


o Impostos sobre o rendimento:
Temos o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e o imposto sobre o
rendimento das pessoas coletivas (IRC). À luz das modernas exigências de equidade, a
solução unitária é inequivocamente superior quer ao puro sistema cedular, consistindo este
em impostos separados e entre si não articulados, incidentes sobre as diferentes fontes de
rendimento, quer ao próprio sistema compósito, resultante, em regra, de evolução operada a
partir de uma estrutura originalmente cedular, em que a um sistema de impostos parcelares se
sobrepõe uma tributação de segundo grau com carácter global.

Em sede de IRS, fazem parte do núcleo essencial da tributação aqueles desagravamentos


que decorrem do princípio da capacidade contributiva. É de assinalar, porém, que os
desagravamentos estruturais, em sede de IRS, tendem a ter uma natureza regressiva, pelo que,
de futuro, será de repensar a sua utilidade em integrar no núcleo essencial do imposto,
porquanto o princípio que os fundamenta – a capacidade contributiva – é o primeiro a ser
afastado.

O núcleo essencial do IRC é composto por desagravamentos que são, na sua maioria, de
natureza subjetiva, porque existem entidades que exercem atividades de natureza não

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comercial, que, por sua vez, devem ser excluídas da regra geral de tributação do lucro, baseado
no resultado líquido de exercício.
O artigo 104/2 da CRP faz referência à tributação das empresas, a qual deve incidir
fundamentalmente, sobre o seu rendimento real.

O imposto sobre o rendimento organiza-se em imposto sobre o rendimento das


pessoas singulares e em imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e constam de
códigos autónomos.

Os impostos sobre o rendimento dos Estados da OCDE assentam sobre a tributação dos
rendimentos obtidos no território e, especialmente no caso das pessoas singulares, do
rendimento universal dos residentes (no caso das pessoas coletivas, o imposto incide
frequentemente apenas sobre o rendimento obtido em território nacional, de que é exemplo o
nosso Código de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (CIRC).

Dada a mobilidade atual dos fatores de produção, em especial do capital, tem havido
estudos propondo a substituição do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas baseado
na tributação do lucro, por um imposto no destino dos bens ou serviços (baseado na
localização dos consumidores). Estas propostas têm como objetivo ultrapassar uma maior
perda de receitas neste imposto, em resultado da livre circulação de capitais trazida pela
globalização. A mobilidade dos fatores tem colocado em crise não só o imposto sobre o
rendimento das pessoas coletivas, mas também a tributação dos rendimentos de capitais das
pessoas singulares. Avultados montantes de rendimentos de capitais têm sido colocados, nas
últimas décadas, em territórios de baixa ou nula tributação, designados de paraísos fiscais,
porque não fornecem informações aos Estados de residência dos sujeitos que aí colocam as
suas poupanças.

Apesar de todos os problemas existentes, os impostos sobre o rendimento são ainda


considerados os mais justos. Isto deve-se ao facto de eles terem em conta não só os
rendimentos ou proveitos, mas também as despesas associadas à sua obtenção (rendimento
líquido) e incluírem alguns elementos retributivos associados ao Estado de Direito social:
dedução das despesas sociais, tais como a saúde, educação, aquisição de habitação própria,
entre outros.

Mafalda Boavida 17
2020/2021

o Impostos sobre o património:


A criação de um sistema efetivo de avaliação dos prédios urbanos e rústicos fez com que
fosse possível estabelecer o valor patrimonial próximo do valor de mercado desses mesmos
prédios.
Assim, permitiu criar um verdadeiro imposto sobre o património (IMI), e não sobre o
rendimento, abrindo, igualmente, a possibilidade de o legislador descer as taxas, em resultado
do aumento dos valores patrimoniais, que serviriam de base tributável.
Os impostos sobre o património são impostos sobre a riqueza e podem ser estáticos ou
dinâmicos; podem incidir sobre todo o património, imobiliário e mobiliário (impostos
gerais sobre o património), ou apenas sobre uma parte do património; e, no caso dos
impostos dinâmicos, podem incidir sobre as transmissões onerosas ou gratuitas.
Os impostos estáticos sobre o património são estáticos e têm como função principal
controlar a capacidade contributiva do sujeito passivo, através do cruzamento de dados com
as declarações de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares.

Os impostos dinâmicos sobre o património podem recair sobre transmissões onerosas, de


que é exemplo o Imposto sobre a Transmissão de Imoveis (IMT). O IMT incide sobre as
transmissões onerosas do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre
bens imóveis situados no território nacional de imoveis (IMT), qual quer que seja o título por
que se operem.
Os impostos dinâmicos sobre transmissões gratuitas podem classificar-se em impostos
sobre doações e sucessões, sendo sujeitos ao imposto as pessoas singulares para quem se
transmitam os bens.

o Impostos sobre o consumo:


Para além da mera redistribuição de riqueza, como fundamento do núcleo essencial do
imposto, é a existência de um custo social associado ao consumo de determinados bens, tendo
em vista a internalização de externalidades negativas geradas, como seja o deperecimento da
saúde pública ou do meio ambiente, que fundamenta a arrecadação de receita do Estado.
Os impostos sobre o consumo incidem sobre o consumo geral de bens e serviços (IVA)
e sobre o consumo específico de certos bens (impostos especiais sobre o consumo, tal como
o tabaco, o álcool e os produtos petrolíferos).

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Os impostos gerais sobre o consumo, como o IVA, são considerados menos justos que os
impostos sobre o rendimento, porque incidem sobre todos os sujeitos na mesma medida,
independentemente da capacidade económica de cada um. Mas são considerados mais neutros
para o funcionamento da economia, porque implicam menos distorções, nas opções acessíveis
aos contribuintes.
Equipara-se, para este efeito, consumo e rendimento, no sentido em que o consumo
implica rendimento auferido, o imposto geral sobre o consumo implica menos distorções na
opção entre os diferentes bens de consumo; entre o consumo presente e o consumo futuro;
entre o tempo livre e os bens de consumo.
Ainda assim, o artigo 104/4 CRP faz referência a uma função redistributiva dos impostos
sobre o consumo.

Temos três impostos sobre o consumo:


® IVA é um imposto de tipo consumo assente no sistema de pagamentos fracionados
destinados a tributar o consumo final, sendo que a dedução do imposto pago nas
operações intermédias do circuito económico é, desta forma, indispensável ao
funcionamento deste sistema.
® Os IEC (impostos especiais de consumo) pretendem punir o consumo de
determinados bens, assumindo-se como sendo uma alternativa à proibição. Assim, a
tributação é de caráter repressivo, no caso dos tabacos e das bebidas alcoólicas e, no
caso dos produtos petrolíferos e energéticos, a tributação visa a proteção do
ambiente. Os IEC constituem verdadeiros impostos pigouvianos, sendo que são um
instrumento incontornável na correção das externalidades. Estamos na presença de
impostos de finalidade extrafiscal.
® O ISV traz como principal inovação o alargamento da base de incidência a veículos
que, até agora, não estavam sujeitos ao imposto automóvel e cuja sujeição a imposto
especial no momento da compra se justifica pelos custos ambientais, viários e de
sinistralidade que lhes estão sempre associados. Assim se sucede com os motociclos
e autocaravanas, integrados no âmbito de incidência do novo imposto, ainda que lhes
sejam aplicáveis taxa de imposto menos elevadas, pelo menor custo ambientável e
viário que produzem. A base tributável desde imposto é constituída pelo nível de
emissão de dióxido de carbono ou de partículas pesadas.

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2020/2021

É possível ainda subdistinguir os impostos conforme:


à Função que desempenham no ordenamento jurídico-constitucional:
Þ Impostos reais: são aqueles que se centram na manifestação da riqueza, sem
considerar outros elementos diferenciadores ligados à capacidade económica do
sujeito: são irrelevantes a situação conjugal ou familiar do sujeito, as despesas de
saúde, educação ou outras ligadas a uma conceção de Estado social ou de justiça.
Podem ser impostos sob o consumo, o rendimento ou o património (IVA; IRC;
IRS; IMI; IMT).
Þ Impostos pessoais: têm em conta alguns elementos diferenciadores relacionados
com a capacidade contributiva do sujeito, e estão ligados a um conceito mais fino
de justiça, podendo revelar-se menos eficientes, por provocarem mais distorções.
O artigo 104/1 da CRP define e caracteriza imposto pessoal. O imposto sobre o
rendimento das pessoas singulares é designado de imposto sobre o rendimento
pessoal, o qual visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo,
tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. O imposto
pessoal também exclui de tributação o mínimo de existência. Não se trata de um
tratamento favorável, mas de um juízo sobre a capacidade económica ou
contributiva (e de dignidade da pessoa humana)

Þ Impostos proporcionais: são os de taxa ou alíquota fixa, sob a forma de uma


percentagem. A proporcionalidade é suficiente para assegurar o princípio da
igualdade. A proporcionalidade é também adequada aos impostos, pois estes
incidem sobre a capacidade contributiva. Os impostos reais são normalmente
associados a taxas proporcionais.
Þ Impostos progressivos: A progressividade e regressividade implicam a
existência de taxas ou alíquotas variáveis. A progressividade implica um aumento
da taxa ou alíquota tendo em conta o aumento do rendimento (ou, mais
rigorosamente, da matéria tributável) e concretiza-se pela existência de escalões.
A progressividade é característica dos impostos pessoais. Quanto maior o número
de escalões e de taxas, maior a progressividade.
Þ Impostos regressivos: a tributação mais elevada de uma menor capacidade
contributiva ou tributações iguais de diferentes capacidades contributivas. A

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regressividade é inconstitucional, porque contrária ao princípio da igualdade – art.


13/2 da CRP.

à o modo como atingem o objeto e o sujeito:


Þ Impostos diretos: são aqueles que atingem as manifestações diretas ou imediatas da
riqueza e da capacidade contributiva (impostos sobre o rendimento e o património);
Þ Impostos indiretos: são os que incidem sobre manifestações indiretas ou mediatas da
riqueza e da capacidade contributiva (impostos sobre o consumo e despesa).

à o período temporal de nascimento e extinção:


Þ Impostos de obrigação única: Impostos pago no momento do exercício de uma
determinada atividade (impostos sobre o consumo- esgotam-se no momento do
consumo) Ex: IVA
Þ Impostos periódicos: pagos numa base anual. Ex: IRS.

Ø Taxas:
Constituem tributos bilaterais ou sinalagmáticos, no sentido de que o seu pagamento
pressupõe uma determinada contrapartida específica, tendencialmente direta e imediata. As
taxas podem ser cobradas, fundamentalmente, numa de três situações:
o Pela utilização de bens de domínio público;
o Pela obtenção de um serviço público; ou
o Pela remoção de um obstáculo jurídico ao exercício da atividade
privada.
O pressuposto deste tributo é, assim, uma prestação administrativa de que o sujeito passivo
seja efetivo causador ou beneficiário, sendo que a sua finalidade consiste na compensação
dessa mesma prestação; entre a taxa e a contraprestação deve ser estabelecida uma relação de
proporcionalidade, as taxas baseiam-se no princípio do benefício.

Esta ideia de contrapartida exige que o bem utilizado ou serviço prestado seja
individualizável. Além disso, o controlo constitucional da sinalagmaticidade implica que o
bem, serviço ou remoção do obstáculo seja presente e não futuro; e que o tributo não ultrapasse

Mafalda Boavida 21
2020/2021

a cobertura dos custos. Se o montante do tributo exceder a cobertura dos custos, o montante
em excesso é um imposto oculto.
Só este conceito de taxa permite a defesa do contribuinte perante a criação destes tributos,
a não ser que a criação das taxas esteja sujeita a reserva de lei. O artigo 165/1 alínea i) CRP
exige a criação por lei de um regime geral de taxas, e não de cada taxa.

Ø Contribuições financeiras:
Constituem uma categoria autónoma de tributo, ainda que fiquem a meio caminho entre
as taxas e os impostos: o que as diferencia dos impostos é o facto de, nelas, haver lugar a uma
contraprestação, sendo que o que as diferencia das taxas é o facto de a prestação ter uma
natureza difusa (ela pode, ou não, verificar-se no tempo). Ex: contribuições para a segurança
social.
O pressuposto deste tributo é uma prestação administrativa presumivelmente provocada
ou aproveitada pelo sujeito passivo e têm ainda uma finalidade compensatória, que deve ser
confirmada pelo destino da receita cobrada.
Tal como os impostos, são de natureza obrigatória e de carácter corrente, mas
diferenciam-se dos impostos na medida em que têm como contrapartida uma prestação social
futura em favor do respetivo contribuinte. Tal como as taxas, estas estão associadas a uma
contraprestação; só que ao contrário do que nestas sucede, nas contribuições as prestações não
têm correspondência com o custo do bem em causa.

Þ Receitas Creditícias: A Dívida Pública:

São as receitas resultantes do crédito público e têm a particularidade de serem receitas


não efetivas, tal como a amortização da dívida. Assim acontece, na medida em que as receitas
creditícias, embora se traduzam numa entrada de ativos monetários no património de
tesouraria do Estado, implicam o registo no passivo financeiro, de um valor exatamente igual
ao da receita assim obtida.
As receitas creditícias são, em geral, as resultantes de uma situação de dilação temporal
entre duas prestações, desta dilação temporal resulta benefício para um ou ambos os sujeitos
da operação.

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Ao conjunto de todas as situações passivas de que o Estado é titular damos o nome


de dívida pública. Deve ter-se em atenção a Lei-Quadro da Dívida Pública (Lei 7/98, de 3 de
fevereiro).

A dívida pública é a dívida do Estado, sendo que, como qualquer dívida, traduz um
compromisso financeiro ou um conjunto de compromissos financeiros, vencíveis num
determinado prazo. Concorrem para a dívida pública, não apenas a dívida do Estado, mas
também a dívida das administrações infra estaduais.

O recurso ao crédito, por sua vez, é explicado ou pela existência de défice orçamental, ou
pela existência de um stock prévio de dívida acumulado. Assim, pode dizer-se que o défice
pré-determina e influencia o valor da dívida pública.
A existência de dívida pública condiciona o desempenho orçamental, na medida em que a
sua existência envolve o pagamento de juros, despesa corrente, que concorre para o saldo
global.

Quanto às modalidade da dívida pública, existem as seguintes classificações:


Ø Critério da fonte: a dívida financeira do Estado é aquela que está associada à
contratação de empréstimos ou à emissão de dívida pública. Mas o passivo do
Estado pode também fazer-se de dívidas não financeiras, como é o caso, por
exemplo, com as dívidas a fornecedores e, em geral, àqueles a quem o Estado
adquire bens e serviços. A divida financeira é aquela que se considera quando se
avalia o peso da dívida pública na sua relação com o PIB;
Ø Critério da moeda: a dívida pode ser qualificada como dívida interna quando é
denominada em moeda com curso legal em Portugal (o euro) e como dívida externa
quando é denominada em moeda que não tenha curso legal em Portugal;
Ø Critério da evidência: quando a dívida pública resulta da contratação de
empréstimos ou da emissão de dívida a sua evidência é imediata, sendo, por isso,
dívida expressa. Quando a dívida resulta da assunção de compromissos que, no
imediato até podem trazer receitas para o Estado, mas que, no futuro, redundarão
certamente em despesa, a sua evidência é diferida no tempo, sendo, por isso, dívida
implícita (ex: compromissos assumidos com o pagamento de pensões pelo sistema
de segurança social). Quando a dívida tem uma evidência meramente difusa,

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podendo, no limite, nem vir a concretizar-se, tratamo-la como dívida condicional


(ex: concessão de garantias pessoais por parte do Estado – avales e fianças), sendo
que, neste caso, a dívida só se tornará efetiva para o Estado em caso de
incumprimento por parte do devedor principal;
Ø Critério do tipo de débito: quando o Estado é devedor principal, então, estamos
perante dívida direta. Quando o Estado é devedor subsidiário, então, estamos
perante dívida acessória do Estado.
Ø Critério da maturidade: atendendo a este critério, podemos qualificar a dívida
pública como de curto prazo (se ela é inferior a um ano), ou dívida de longo prazo
(se a maturidade é superior a um ano);
Ø Critério do exercício orçamental: considera-se que a dívida é dívida flutuante se
a amortização ocorre no mesmo exercício orçamental em que a dívida foi contraída.
A dívida fundada tem que ver quando a amortização ocorre em exercício diferente
daquele em que haja sido contraída. A dívida flutuante é sempre de curto prazo.
Esta distinção entre estas duas modalidades de dívida é muito relevante, do ponto
de vista não apenas económico e financeiro, mas também do ponto de vista jurídico.
Isto já que o regime aplicável, nos termos da Constituição, art.161 alínea h), é
diferente, sendo de maior exigência no caso da dívida fundada.

Pode ainda ser vista como uma dívida acessória, porque não constituí divida direta do
Estado.
É também uma dívida condicional e subsidiária: o Estado só a assume verdadeiramente
como sua se e quando esta não for paga pelo devedor principal. O regime jurídico da dívida
acessória consta de dois textos fundamentais: art. 161 alínea h) CRP e Lei nº 112/97 de 16 de
setembro, que aprovou o regime das garantias pessoais do Estado.
Nos termos do art. 7 da Lei, as garantias pessoais abrangem não apenas os avales, mas
também as fianças. Esta previsão legal aconselha uma interpretação extensiva e atualista da
própria Constituição: onde se mencionam os avales, devem entender-se de um modo geral as
garantias pessoais do Estado.

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Emissão e Gestão da Dívida Pública Direta

O processo de emissão da dívida pública é regulado pela Constituição e pela LEO e pela
lei ordinária (Lei nº 7/98, de 3 de fevereiro).
Apresentando o processo com base nos seus agentes e respetivas competências temos:
A AR surge-nos como um dos principais agentes, uma vez que, lhe cabe nos termos do art.
4/1 da lei nº 7/98 conjugado com o art. 161 alínea h) da CRP definir as condições gerais dos
empréstimos a emitir e o montante máximo de endividamento, na lei do Orçamento de Estado,
como indica o art. 31 alíneas e) a g) da LEO. Para além disto, cabe à AR conceder autorizações
parlamentares ao Governo, de forma a que este possa legislar sobre estas matérias, como constata
o art. 161 alínea h) da CRP. Deduz-se do art. 31 da LEO que esta autorização deve contar na Lei
do Orçamento de Estado, sendo por isso, anual.
O Governo, nos termos do art. 161 alínea g) da CRP, é titular da competência de apresentar a
proposta de lei para a lei do Orçamento de Estado, onde surge a divida pública e, nos termos da
alínea h) do mesmo artigo conjugada com o art. 5/2 da lei 7/98, mediante autorização parlamentar,
praticar os atos da competência da AR, conceder empréstimos, e realizar outras operações desde
que não sejam de dívida flutuante. Por acréscimo, nos termos do art. 13 da lei 7/98 e também
mediante autorização parlamentar, pode ainda realizar operações de gestão da dívida pública,
através do Ministro das Finanças que ganha aqui maior destaque que os outros ministros.
Finalmente, também através do Ministro das Finanças, o Governo tem competência para
estabelecer orientações específicas a observar pelo IGCP, como prevê o art. 5/2 da lei 7/98.
O Conselho de Ministros tem a competência de definir as condições complementares, como
explanado no art. 5/1 da lei 7/98, após a definição das condições gerais pela AR.
E, por último, cabe à Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, EPE,
regulada pelo DL nº 200/2012, de 27 de agosto, a definição das condições específicas relativas
aos empréstimos a contrair. O IGCP é hoje, para além disso, a entidade responsável pela gestão
normal da dívida.

Com a expressão “gestão da dívida” pretende-se abranger a prática de todo um conjunto de


operações financeiras, decorrentes da existência de uma relação jurídica de empréstimo,
necessárias à sua dinâmica normal, singular ou global.

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É possível contrapor-se as situações de:


Þ Gestão normal: corresponde ao conjunto de operações que, em virtude da contração
da divida pública, se estabelecem entre os Estados e os credores. Ex: amortizações
periódicas e o reembolso final.
Þ Gestão anormal: conjunto de operações através das quais o Estado pretende modificar
a situação e a composição da dívida pública. Ex: conversão e repúdio.

A gestão normal da dívida inclui a emissão de instrumentos de dívida para a obtenção de


financiamento e a execução de outras operações com o objetivo de alterar e a estrutura da carteira
de dívida existente.

Na atualidade, no quadro da implementação do Programa de Assistência Financeira, tem sido


muito debatida a hipótese da renegociação da dívida pública portuguesa. Esta traduz,
justamente, uma forma de gestão anormal da dívida, tecnicamente qualificada antes da conversão.
• A conversão consiste na alteração, por acordo ou pelo devedor, das condições
contratuais em que foi celebrado o empréstimo público no decurso da vigência
deste.
• A conversão pode classificar-se atendendo à existência ou não do consentimento
do credor. Na primeira opção estamos perante uma forma legítima de conversão,
na segunda ela carece de legitimidade, pelo que tende a ser proibida pelos
ordenamentos jurídicos.

Dívida na Ótica de Maastricht

A dívida pública na ótica de Maastricht corresponde ao montante contratualmente


acordado, que as administrações públicas terão de reembolsar aos credores na data de
vencimento à valor nominal.
Este valor engloba as responsabilidades relativas a títulos de dívida emitidos pelas
administrações públicas (destacando-se as obrigações e os bilhetes de tesouro), os
empréstimos obtidos por entidades e os certificados de aforro, do tesouro e outros
instrumentos e equiparados constituídos junto das administrações.
Já não engloba as ações e outras participações, os derivados financeiros, nem outros
débitos/créditos, muito em particular as dívidas comerciais.

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Esta dívida é calculada de forma consolidada, isto é, excluindo as dívidas de entidades das
administrações públicas que sejam detidas por outras entidades das administrações públicas.
O limite estabelecido pelo Tratado de Funcionamento da UE é de 60% do PIB.

Regime das Garantias

Fixação por lei da AR do limite máximo de garantias a conceder ao Governo (art. 161
alínea h)), sendo essa lei, por força do disposto no art. 31 da LEO, a lei orçamental e apenas
esta.
O pedido é dirigido ao Ministro das Finanças, pela entidade solicitante do crédito ou pela
beneficiária da operação financeira. O pedido deve ser devidamente instruído, mediante
apresentação de um conjunto de documentos que atestem não apenas ao cumprimento do
requisito fundamental à concessão da garantia. Verificação de um manifesto interesse para a
economia nacional – Art. 8 da Lei + cumprimento das condições suplementares previstas no
art. 9. Elaboração de pareceres que sejam eventualmente solicitados em apoio à decisão
governamental. Decisão final, pelo Ministro das Finanças, através de despacho, no qual de
forma fundamentada se demonstre que o projeto reúne as condições legais e é de manifesto
interesse para a economia nacional- art. 15.

Dos instrumentos de dívida pública direta os mais relevantes são os seguintes:


Ø Contrato: os empréstimos têm tendencialmente uma natureza voluntária, daí que
a forma convencional de contratação de empréstimos por parte do Estado seja o
contrato. No entanto, atendendo a que a emissão da dívida constitui um processo
de captação de poupanças de uma forma muito disseminada e tão generalizada
quanto possível, as formas mais comuns consistem, não tanto em contratualizar
empréstimos individuais com cada credor, mas sim em colocar no mercado títulos
de dívida, que se destinam a ser subscritos pelo público em geral, havendo outras
formas de titulação de dívida.
Ø Obrigações do Tesouro (OT): consistem no principal instrumento utilizado pelo
Estado português para satisfazer as suas necessidades de financiamento. São
valores mobiliários de médio e longo prazo, cuja emissão se efetua através de
operações sindicadas, leilões ou por operações de subscrição limitada.

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Ø Bilhetes do Tesouro (BT) – são valores mobiliários de curto prazo com um valor
unitário de um euro, podendo ser emitidos com um prazo até um ano, colocados a
desconto através de leilões ou subscrição limitada e reembolsáveis no vencimento
pelo seu valor nominal.
Ø Certificados de Aforro – são instrumentos de dívida com o objetivo de captar a
poupança das famílias. Têm como característica principal o de serem distribuídos
a retalho, isto é, serem colocados diretamente junto dos aforrados e terem
montantes mínimos de subscrição reduzidos. Os certificados de aforro só podem
ser emitidos a favor de particulares e não são transmissíveis, exceto em caso de
falecimento do titular.

Despesas Públicas

Caracterização e Modalidades

Despesa pública é o conjunto de dispêndios realizados pelos entes públicos para custear
os serviços públicos (despesas correntes – não alteram o património duradouro do Estado,
ex., pagamento de salários) prestados à sociedade, ou para a realização de investimentos
(despesas de capital – alteram o património duradouro do Estado; ex: amortização de um
empréstimo).

O conjunto de dispêndios abrange três comportamentos típicos do agente económico:


Ø Consumo: aquisição presente de bens, tendo em vista a satisfação de necessidades
a que um sujeito se propõe. Quando nos referimos aos consumos do Estado,
estamos a referir-nos às despesas de funcionamento do Estado, ou seja, às despesas
correntes do designado consumo público.
Ø Investimento: representa todo o capital físico adicional adquirido pelo sector
público e privado, ao fim de um determinado período de tempo. O investimento
pode ser real, quando se reporte aos bens de capital empregues no processo
produtivo, ou financeiro, por referência ao mútuo ou depósitos de fundos junto de
mercados ou instituições especializadas;

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Ø Transferências: são uma componente da despesa pública, correspondente a


prestações unilaterais do Estado dirigidas a outro ente económico (público ou
privado), sem que se verifique qualquer contraprestação por parte deste último.

As principais categorias de despesas do Estado são as seguintes:


Ø A primeira distinção, é a que separa entre despesas de investimento de despesas
de funcionamento, sendo as primeiras as que correspondem para a formação de
capital fixo do Estado, ao passo que as segundas respeitam aos gastos necessários
para assegurar o normal funcionamento da máquina administrativa;
Ø A segunda distinção, é a que separa despesas em bens e serviços de despesas de
transferência, sendo as primeiras as que asseguram a criação de utilidades, por
meio da compra de bens ou serviços do Estado, enquanto as segundas limitam-se a
proceder a uma redistribuição de recursos, atribuindo-os a entidades que se situam
ou no sector público, ou no sector privado;
Ø A terceira distinção opõe despesas produtivas a despesas reprodutivas,
consoante se limitem a gerar utilidades no presente ou impliquem o aumento da
capacidade produtiva no futuro;
Ø Pode ainda distinguir-se entre despesas civis e despesas militares, sendo estas
últimas destinadas a manter a Defesa Nacional e as primeiras todas as demais
(económicas, sociais, etc.).

A segunda metade do século XX registou, na generalidade dos países desenvolvidos, um


crescimento muito expressivo das despesas públicas. A afirmação plena dos Estados de bem-
estar fez com que uma boa parte desse crescimento se ficasse a dever ao crescimento das
despesas sociais.
Ainda assim, vários autores consideram que há mais argumentos para este aumento,
ficando aqui alguns deles:
à Alguns vêm na função de redistribuição económica e na confusão entre esta e a função
alocativa, a causa principal do crescimento da despesa e do sector público;
à Modelo de concorrência entre grupos de interesse especiais, com vista ao
à Reforço da sua influência política;
à A dimensão do Estado numa dada sociedade é função da combinação das respetivas
culturas políticas.

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Setor Público e a Contabilidade Pública e Nacional

Pode entender-se por setor público todas as entidades controladas pelo poder político.
Neste caso, tem-se uma definição abrangente que inclui não só a totalidade das administrações
públicas, como a totalidade do setor empresarial de capitais total ou maioritariamente
públicos.
Assim, para além dos subsetores das administrações públicas (central, regional, local e
segurança social), inclui-se entre outras, o setor publico empresarial, que integra as empresas
publicas, as empresas municipais, as sociedades anónimas de capitais exclusiva ou
maioritariamente públicos.

O setor publico, para efeitos de direito financeiro, é caracterizado pela existência de dois
grandes setores. No setor publico distinguimos o setor publico administrativo e o setor
Empresarial do Estado

Distinção Entre Contabilidade Pública e Contabilidade Nacional

Em ambos os casos, se trata de sistemas contabilísticos de natureza orçamental (registo da


execução orçamental, quer quanto às receitas, quer quanto às despesas) e de natureza
patrimonial (balanço e demonstração de resultados), ainda que obedecendo a lógicas
diferenciadas.

à Contabilidade Pública:
Ø Baseia-se em critérios de natureza jurídico-institucional e encontra-se regulada
pela Lei nº 8/90, de 20 de fevereiro, que aprovou as bases da contabilidade publica
e pelo Decreto-Lei no 155/92, de 28 de julho, que aprovou o regime da
administração financeira do Estado.
Ø O registo é feito de acordo com o POCP (Plano Oficial de Contabilidade Pública),
cujo regime consta do Decreto-Lei nº 232/97, de 3 de setembro.
Ø A ótica da contabilidade pública é, essencialmente uma ótica histórica, que se faz
no respeito pela estrutura e organização convencionais da administração pública
portuguesa.

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Ø O registo é, essencialmente, um registo de caixa, ou seja, as receitas e as despesas


são registadas atendendo ao momento da sua efetividade financeira.
Ø A contabilidade pública tem um interesse sobretudo interno: orienta os serviços
competentes da Administração Pública portuguesa na elaboração das respetivas
contas ou demonstrações financeiras.

à Contabilidade Nacional:
Ø Baseia-se em critérios de natureza económica.
Ø O seu regime fundamental é de origem comunitária (SEC95) e é bastante mais
recente do que a contabilidade pública.
Ø A contabilidade nacional é assumidamente uma contabilidade de compromissos,
nesta medida, registam-se receitas e despesas atendendo ao momento do seu
surgimento do ponto de vista jurídico.
Ø A contabilidade nacional é de interesse sobretudo externo: os seus destinatários são
as instituições comunitárias competentes (Comissão Europeia e Eurostat),
responsáveis pela monotorização e avaliação das finanças publicas dos Estados
membros e pela validação da informação contabilística por estes veiculada.
Ø A contabilidade nacional é, pois, um instrumento fundamental de uniformização
da informação contabilística produzida e prestada pelos Estados Membros que
procura prevenir situações de discricionariedade contabilística e garantir uma
comparabilidade fidedigna, não apenas da situação orçamental dos Estados
membros entre si, mas também da evolução verificada, ao longo do tempo em cada
Estado membro.

Concretização das Regras do SEC (Sistema Europeu de Contas) 95

O regulamento (CE) no 2223/96 estabeleceu uma metodologia relativa às normas,


definições, nomenclaturas e regras contabilísticas, destinada a permitir a elaboração de contas
e quadros em bases comparáveis, com o objetivo de descrever de forma sistemática e
pormenorizada o total de uma economia, seus componentes e suas relações com outras
economias.
Um dos aspetos regulados por esta metodologia diz respeito à delimitação dos setores
institucionais e à definição dos critérios utilizados para a integração das unidades

Mafalda Boavida 31
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institucionais em cada um dos setores, de acordo com a sua função, comportamento


económico e origem principal dos seus recursos. Deste modo, o sistema agrupa unidades
institucionais em setores com base nas suas funções, comportamentos e objetivos principais.

Conceito de Unidade Institucional

Por unidades institucionais o SEC 95 determina que devem entender-se as entidades


económicas com capacidade de possuir bens e ativos, de contrair passivos e de realizar
atividades e operações económicas com outra unidade em seu próprio nome.

De acordo com esta definição uma unidade institucional é um centro elementar de decisão
económica, caracterizando-se pela unidade de comportamento e pela autonomia do exercício
da sua função principal. Neste sentido, uma unidade residente constituirá uma unidade
institucional quando gozar de autonomia de decisão no exercício da sua função principal,
quando dispuser de uma contabilidade completa ou quando for possível, se tal for necessário,
tanto de um ponto de vista económico como jurídico, elaborar uma contabilidade completa.

Dizer-se que uma unidade goza de autonomia de decisão no exercício da sua função
principal significa que a mesma:
Ø Tem direito a ser proprietária de bens ou ativos e poderá, por conseguinte
transacionar a propriedade dos bens ou ativos em operações com outras unidades
institucionais.
Ø Tem capacidade para tomar decisões económicas e realizar atividades económicas
pelas quais é diretamente responsável perante a lei.
Ø Tem capacidade para contrair passivos em seu próprio nome, aceitar obrigações ou
compromissos futuros e celebrar contratos.

Por outro lado, a ideia que a unidade dispõe de contabilidade completa traduz-se na
circunstância de a mesma dispor de documentos contabilísticos que reflitam a totalidade das
suas operações económicas e financeiras efetuadas no decurso do período de referência das
contas e de um balanço dos seus ativos e passivos.

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Integração das Unidades Institucionais em Setores Institucionais

Atendendo à necessidade de síntese que é necessário imprimir ao quadro contabilístico


global criado pelo quadro europeu de contas, as unidades institucionais não podem ser
consideradas a um nível individual, por conseguinte são agrupadas em setores institucionais,
os quais podem ser subdivididos em subsetores e que agrupam as unidades institucionais que
têm um comportamento económico análogo. Deste modo, as unidades institucionais são
classificadas em setores com base no tipo de produtor que são, sendo este tipo aferido através
da análise da atividade principal e da função de unidade institucional em causa, as quais são
consideradas indicadoras do seu comportamento económico.

O Total da economia encontra-se dividido em 5 setores e cada um destes está dividido em


subsetores:
Þ Total da Economia (S.1)
o Sociedades Não Financeiras (S.11)
§ Subsetor: Sociedades Não Financeiras Públicas
§ Subsetor: Sociedade Não Financeiras Privadas Nacionais
§ Subsetor: Sociedades Não Financeiras Sob Controlo Estrangeiro
o Sociedades Financeiras (S.12)
§ Subsetor: Banco Central
§ Subsetor: Outras Instituições Financeiras Monetárias
§ Subsetor: Outros Intermediários Financeiros, Exceto Sociedades de
Seguros e Fundos de Pensões
§ Subsetor: Auxiliares Financeiros
§ Subsetor: Sociedades de Seguros e Fundos de Pensões
o Administrações Públicas (S.13)
§ Subsetor: Administração Central
§ Subsetor: Administração Estadual
§ Subsetor: Administração Local
§ Subsetor: Fundos de Segurança Social
o Famílias (S.14)
§ Subsetor: Empregadores
§ Subsetor: Empregados

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§ Subsetor: Famílias Com Recursos Provenientes de Rendimentos de


Propriedade
§ Subsetor: Famílias Com Recursos Provenientes de Pensões
§ Subsetor: Famílias Com Recursos Provenientes de Outras
Transferências
§ Subsetor: Outras Famílias
o Instituições Sem Fim Lucrativo ao Serviço das Famílias (S.15)

O conjunto destes 5 setores constitui o total da economia.

Critérios de Inclusão da Unidade Institucional

Quando a função principal da unidade institucional consiste na produção de bens e


serviços, é necessário primeiramente distinguir o tipo de produtor a que a mesma pertence
para depois se poder decidir sobre a inclusão da unidade num determinado sector.

No SEC 95 distinguem-se 3 tipos de produtores:


Ø Produtores Mercantis Privados e Públicos;
Ø Produtores Privados para Utilização Final Própria;
Ø Outros Produtores Não-Mercantis Privados e Públicos.

As unidades institucionais que são produtores mercantis são classificadas nos setores
sociedades não financeiras, sociedades financeiras ou famílias. As unidades institucionais que
são produtores privados para utilização final própria são classificados no setor famílias,
juntamente com as empresas não constituídas em sociedade detidas pelas famílias. As
unidades institucionais que são outros produtores não mercantis são classificadas no setor da
administração pública ou das instituições sem fim lucrativo ao serviço das famílias.

Conceito de Produção Mercantil

A produção mercantil é, segundo o SEC 95, aquela que é vendida no mercado,


compreendendo:
Ø Os produtos vendidos a um preço economicamente significativo;

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Ø Os produtos que são objeto de troca direta;


Ø Os produtos utilizados para pagamentos em espécie (incluindo a remuneração dos
empregados em espécie e o rendimento em espécie);
Ø Os produtos fornecidos por Unidade de Atividade Económica Local a outra, dentro
da mesma unidade institucional;
Ø Os produtos acrescentados às existências de produtos acabados e de trabalhos em
curso destinados a um outro dos empregos referidos;

Por outro lado, a produção destinada a utilização final própria consiste nos bens ou
serviços que são retidos para consumo final pela mesma unidade institucional ou para
formação bruta de capital fixo pela mesma unidade institucional.

Por fim, a outra produção não mercantil abrange a produção que é fornecida gratuitamente,
ou a preços que não são economicamente significativos, a outras unidades.

Preço Economicamente Significativo

De acordo com o regulamento 2223/96, a produção apenas se considera vendida a preços


economicamente significativos se mais de 50% dos custos de produção forem cobertos pelas
vendas.
A identificação de um produtor mercantil ou não mercantil está, assim, intrinsecamente
ligada à noção de preço economicamente significativo, decorrendo da aplicação do critério
dos 50% ao nível da unidade institucional, o qual se traduz numa de duas hipóteses:
Ø Se mais de 50% dos custos de produção forem cobertos pelas vendas, a unidade é
um produtor mercantil, sendo incluída no setor de sociedades financeiras ou não
financeiras;
Ø Se as vendas cobrirem menos de 50% dos custos de produção, a unidade
institucional é um outro produtor não mercantil.
Uma Instituição Sem Fim Lucrativo define-se, no âmbito do SEC 95, como uma entidade
jurídica ou social criada com o fim de produzir bens e serviços, cujo estatuto não lhe permite
ser uma fonte de rendimentos, lucros ou ganhos financeiros para as unidades que a criam,
controlam ou financiam. Na prática, as suas atividades produtivas geram excedentes ou

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défices, mas quaisquer excedentes que se realizem não podem passar para a posse de outras
unidades institucionais.

Perímetro Orçamental e Desorçamentação

Uma das questões mais críticas da contabilidade nacional é, claramente, o controlo e


prevenção de situações de desorçamentação. A desorçamentação consubstancia uma forma
de fraude à lei ou de manipulação de regras contabilísticas.
Podem significar práticas de desorçamentação, na medida em que se traduzam nessa
manipulação da lei ou das regras contabilísticas tendo em vista a obtenção apenas de certos
efeitos orçamentais ou contabilísticos, por exemplo:
Ø Retirada artificial de uma entidade do setor público, qualificando-a como entidade
privada, ainda que ela possa continuar a ser apoiada, se não pelo lado do
financiamento, ao menos pela via fiscal, concedendo-lhe um regime fiscal mais
favorável;
Ø Retirada artificial do perímetro orçamental (Orçamento de Estado) de entidades,
qualificando-as como empresas públicas e mantendo embora canais de
financiamento publico às mesmas;
Ø Qualificação como receitas defluxos financeiros que podem, em futuros
orçamentais, gerar dívida pública e consubstanciando formas de dívida implícita.

Nos últimos anos, em Portugal têm assumido especial relevância as implicações


financeiras e contabilísticas, por um lado, das empresas públicas e, por outro lado, das
parcerias público-privadas:

Os orçamentos das empresas públicas não figuram no Orçamento de Estado, tal como não
figuram os orçamentos das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais. Todavia, as regras
do SEC 95 intentam capturar os encargos financeiros associados a transferências financeiras
entre as administrações públicas e setor empresarial local, mormente através da consolidação
de contas. Significa isto que a contabilização de receitas e despesas deverá fazer-se, não
apenas através de valores brutos de transferências, mas também através de valores líquidos
dessas mesmas transferências (valores consolidados).

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2020/2021

A consolidação permite, assim, olhando, por exemplo, para o sector Estado, verificar quais
as receitas públicas que advém da sua relação direta com a economia e quais as receitas que
resultam das intermediações com outros sectores públicos e privados de que o Estado recebe
transferências. De igual modo, e no que toca à despesa, a consolidação permite verificar quais
as despesas realizadas diretamente com a economia e quais as que supõem uma intermediação
de outros sectores, para os quais o Estado realiza transferências.

Não obstante estas preocupações, a imaginação humana é fértil e tem sido sempre possível
tornear as exigências legais: proliferam práticas na administração pública, a que popularmente
se vem denominando de “engenharia financeira”, “contabilidade criativa”, etc... Daí que, nem
as exigentes e apertadas regras da União Europeia, tenham impedido situações de mentira
orçamental e contabilística, como as que se verificaram, durante anos, na Grécia.

Portugal não escapou, infelizmente, a essa voragem criativa, que tornou opacas, para não
dizer desconhecidas, as situações financeiras de muitas empresas nacionais, regionais e
municipais, com isso contribuindo para um enviesado da situação financeira real de todo o
sector público.
Assim, umas das preocupações centrais do Memorando de Entendimento foi precisamente
“melhorar o atual reporte mensal da execução orçamental, em base de caixa para as
Administrações Públicas, incluindo em base consolidada”.

Mas, para além dos mecanismos de consolidação de contas, existe uma outra forma de
capturar a realidade orçamental de certas entidades empresariais, consistindo, essa forma, na
reclassificação de entidades empresariais. Consideram-se entidades públicas reclassificadas
as que, independentemente da sua natureza e forma, foram incluídas no sector público
administrativo no âmbito do SEC 95. Isto porque o SEC 95 baseia-se numa ótica económica
que integra, nas administrações públicas, as instituições controladas pelo Estado, seja qual for
a sua natureza, desde que não-mercantis. Considerando-se, por seu turno, não mercantil, a
entidade que não vende a sua produção a preços economicamente significativos, de tal modo
que a principal fonte de financiamento não é a receita associada a um preço, tarifa ou taxa
pelos bens e serviços que presta, engloba-se neste domínio, aquelas que têm receitas próprias
de valor inferior a 50% dos seus custos de produção.

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As preocupações com as Parceiras Público-Privadas têm que ver com a questão central do
enquadramento contabilístico das PPP, justamente pela hibridez de uma parceria que supõe,
necessariamente, uma intervenção ou financiamento público e uma gestão privada, e cuja
partilha de riscos e envolvimento financeiro nem sempre é assumida da forma mais clara ou
transparente.

Como era referido pelo FMI (2004), inexiste um modelo uniforme e compreensivo de
reporte e contabilidade das PPP. Esta influência contribui claramente para que as PPP sejam
usadas para contornar os controlos financeiros a que o sector público está adstrito, bem como
para retirar o investimento público e dívida associada do balanço do Estado.

Para além disso, as garantias que o Estado geralmente concede, nas PPP, ao financiamento
privado, acabam por expô-lo a custos ocultos ou implícitos mais elevados do que os
resultantes do financiamento público tradicional. A existência de um modelo,
internacionalmente aceite, de reporte e contabilidade contribuiria certamente para promover
uma maior transparência na celebração de PPP e para um acrescido escrutínio público.

Relativamente ao modelo concessivo (as concessões constituem, pelo menos em Portugal,


a forma jurídica de contratualização de uma PPP), a abordagem da EUROSTAT é
relativamente simples: desde que pelo menos 50% das receitas do projeto sejam provenientes
de pagamentos pelo sector público (sob forma de subsídios ou outros), a infraestrutura ficará
fora do balanço do Estado.

A legislação portuguesa, procura minimizar o risco financeiro em que se traduz a


celebração de uma PPP, através de um conjunto de limitações de natureza procedimental, mas
que se traduzem pelo menos num caso, numa verdadeira limitação de ordem substantiva. Da
LEO resultam desde logo, como limitações, a necessidade de as despesas relativas às PPP,
constarem quer nos mapas orçamentais, quer nos elementos informativos que acompanham a
proposta de lei do OE.
Relativamente aos mapas orçamentais, impõe-se a apresentação por programas das
despesas associadas à PPP e, em simultâneo, a elaboração de um programa alternativo de
despesas, concretizando o princípio do comparador do sector público (art. 19/2 LEO). Por sua
vez, dos elementos informativos que acompanham a proposta de orçamento, deve constar uma

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2020/2021

memória descritiva das razões que justificam o recurso a parcerias dos sectores públicos e
privados, face a um programa alternativo elaborado nos termos do art. 19/2 (alínea c) art. 37/1
LEO).
Mas ainda se vai mais longe: dispõe a alínea l) do no1 do artigo 31 da LEO, que do
articulado da Lei do Orçamento do Estado conste “a determinação do limite máximo de
eventuais compromissos a assumir com contratos de prestação de serviços em regime de
financiamento privado ou outra forma de parceria dos sectores privado e público”. Ora, ao
condicionar o conteúdo da lei do Orçamento, apontando que aí se deve prever um limite
máximo de compromissos com as PPP, a LEO pré-anuncia uma verdadeira limitação de ordem
substantiva.

Para além destas limitações constantes na LEO, cumpre mencionar a concretização de uma
cláusula “gateway” no diploma regulador das PPP, nos termos da qual “a qualquer momento
pode pôr-se termo ao procedimento em curso relativo à constituição da parceria, sem direito
a qualquer indeminização, sempre que, de acordo com a apreciação dos objetivos a prosseguir,
os resultados das análises e avaliações realizadas até então ou os resultados das negociações
levadas a cabo com os concorrentes não correspondem, em termos satisfatórios, aos fins de
interesse público subjacente à constituição da parceria, incluindo a respetiva comportabilidade
de encargos globais estimados” (art. 18/3).

Alguns conceitos relevantes

Do ponto de vista teórico, a descentralização financeira tem que ver com a definição de
um quadro analítico que sirva para formatar e explicar, através de premissas claras e regulares,
as relações financeiras entabuladas (na prática) entre níveis diferenciados de decisão. A
multiplicidade de soluções existentes nos mais diversos países não invalida a procura,
conceitual, de um quadro de regularidade, até onde essa regularidade exista e até onde ela seja
possível. Consideramos, essencialmente, três níveis: o superior, intermédio e inferior de
decisão.
O federalismo financeiro manifesta-se independentemente da natureza do Estado e da sua
organização político-administrativa. A descentralização financeira também não é confundível
com a descentralização política.

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O Estado português é um Estado unitário, parcialmente regional. Os dois subsectores


identificados como Regiões Autónomas e Autarquias Locais traduzem a expressão máxima
da descentralização: podemos referi-la como descentralização político-administrativa,
mesmo para o caso das autarquias locais, já que elas são pessoas coletivas de população e
território distintas da pessoa Estado, representadas por órgãos diretamente eleitos pelo voto, a
quem representam.

A descentralização fiscal refere-se à receita fiscal própria e pode desdobrar-se em dois


planos diferentes: por um lado, traduz-se na possibilidade que estas entidades têm de ser
titulares da receita tributária, referente a tributos cobrados nessas circunscrições; por outro
lado, traduz-se na autonomia fiscal, ou seja, na possibilidade, constitucionalmente conferida
de as mesmas entidades tributárias exercerem poderes tributários em relação a esses
tributos/impostos.

Um outro corolário evidente que resulta, então, da natureza das coisas, é o da


independência orçamental destas entidades relativamente ao Orçamento do Estado. Ou seja,
os orçamentos anuais de cada uma das Regiões Autónomas e de cada uma das Autarquias
Locais (freguesias e municípios) não constam do OE.
Repare-se também como os orçamentos das Empresas Públicas se encontra no Orçamento
de Estado.
Há dois graus de independência orçamental:
Ø O primeiro grau de independência orçamental relaciona diretamente o OE com o
sector Público Empresarial (nacional) e, bem assim, com as Administrações
Regional e Local;
Ø O segundo grau de independência orçamental relaciona diretamente as Regiões
Autónomas e as Autarquias Locais com os respetivos sectores empresariais e, por
via desta relação direta, relaciona indiretamente o OE com os sectores empresariais
regional e local. Tem-se vindo a assistir ao alargamento do perímetro orçamental,
no sentido de garantir uma visão tão completa e compreensiva, quanto possível, de
todo Estado, incluindo, por isto mesmo, também o Sector Empresarial Regional e
Local.

Mafalda Boavida 40
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O conceito de autonomia financeira pode retirar-se da Lei de Bases da Contabilidade


Pública e do Regime da Administração Financeira do Estado e, ainda do art. 2 da LEO. Hoje
em dia, a autonomia financeira é bastante mais reduzida do que já foi no passado e do que é,
de facto, na teoria.
A autonomia financeira, teórica e tradicionalmente, desdobrava-se em 4 dimensões
principais:
Ø Autonomia Orçamental: traduz- se na possibilidade de estes serviços elaborarem e
executarem os respetivos orçamentos com grande margem de liberdade;
Ø Autonomia Patrimonial: Significa a possibilidade e capacidade de detenção e
gestão do património próprio;
Ø Autonomia da Tesouraria: implica a possibilidade de arrecadação e gestão de
fundos de forma autónoma em relação à tesouraria do Estado;
Ø Autonomia creditícia: traduz a possibilidade de recurso ao crédito, com ampla
liberdade.

Ela reduz-se, hoje, à autonomia orçamental e patrimonial, e mesmo, quando a estas, com
sucessivas restrições. A autonomia orçamental tem vindo a ser cada vez mais limitada por
regras e exigências atinentes à execução orçamental. A autonomia patrimonial está hoje,
também, fortemente condicionada, já que diversos atos de gestão estão igualmente
restringidos em termos quantitativos e ainda dependentes das autorização do Ministro das
Finanças.

Orçamento da Segurança Social

O orçamento da Segurança Social (OSS) tem uma grande tradição “autonómica” em


Portugal.
De acordo com a atual Lei de Bases da Segurança Social (LBSS), a lei nº 4/2007, de 16
de Janeiro, o sistema de segurança social desdobra-se do seguinte modo:
Ø Sistema social de cidadania, o qual integra o subsistema de ação social, o
subsistema de solidariedade e o subsistema de proteção familiar;
Ø Sistema providencial;
Ø Sistema complementar, que integra um regime público de capitalização, para além
de regime complementares de iniciativa coletiva e individual (privados).

Mafalda Boavida 41
2020/2021

A esta estrutura particular, correspondem, por sua vez, formas diferenciadas de


financiamento (de acordo com o princípio da adequação seletiva).

Orçamento do Estado

Direito Orçamental Nacional

A atividade pública encontra-se espelhada em vários instrumentos orçamentais:


Ø Orçamento do Estado: constitucionalmente concebido para espelhar as receitas e
despesas dos serviços integrados e serviços e fundos autónomos do Estado e as
receitas e despesas da segurança social – art. 105/1 da CRP.
Ø Orçamentos Locais: art. 238/1 da CRP, espelha a atividade financeira dos
organismos centrais municipais e das freguesias (dotados de autonomia
administrativa) e dos serviços autónomos da administração local (dotados de
autonomia administrativa e financeira).
Ø Orçamentos Regionais: art. 227/1 alínea p) da CRP, espelha a atividade financeira
dos departamentos regionais (dotados de autonomia administrativa), serviços e
fundos autónomos da Administração regional (dotados de autonomia
administrativa e financeira).

Atualmente, os três conjuntos de orçamentos coexistem lado a lado, embora tenham de se


coordenar entre si.
Hoje, por imperativo comunitário, a situação financeira deve encontrar-se equilibrada, de
forma substancial e global numa ótica de contabilidade nacional. Ou seja, aquilo que é
considerado o conjunto das administrações públicas tem de apresentar um saldo global nulo
ou positivo.

Por isso, cada vez, mais o Orçamento de Estado é um instrumento dirigente.

É o motor da estabilidade orçamental, sobretudo em relação aos orçamentos regionais e


locais. O OE não se limita hoje a ser um orçamento ao lado dos locais e regionais. Atualmente,

Mafalda Boavida 42
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é no OE que está definido o endividamento que estes podem contrair; é também este
instrumento que controla as transferências a operar para esses subsetores.

O OE assume cada vez menos um papel passivo ou complacente com todas as situações
de endividamento- no perímetro das administrações públicas, ainda que aparentemente fora
do controlo orçamental interno- que o deixem ficar mal perante as instituições União
Europeia, responsáveis de controlo dos défices excessivos.

A apresentação do OE supõe o acompanhamento de estimativas de consolidação


orçamental na ótica da contabilidade nacional e a justificação em caso de diferença de saldos
entre o que é apurado em termos de contabilidade pública e em termos de contabilidade
nacional.

Princípios Orçamentais aplicáveis a todos os Orçamentos

A CRP estabelece um conjunto de princípios orçamentais:

Ø Art. 105/1 e 3 CRP- Princípio da especificação das receitas e das despesas:


Nº 3- resulta a proibição para o Governo da apresentação de aglomerados de despesa
pública e para a AR da votação de um sistema de votação global do orçamento. A
especificação visa evitar a existência de fundos secretos ou de utilização confidencial, os quais
só podem existir excecionalmente para a proteção da segurança nacional, sob autorização da
AR e sob proposta do Governo, sob pena de nulidade (como prevê a LEO art. 17).
A CRP impõe que a especificação se faça mediante a utilização de duas classificações de
despesas:
Þ Orgânica: apresenta as despesas pelas unidades administrativas em que estão
integradas. Apresenta as despesas de forma a que estas correspondam ao ministério
que as realiza de acordo com a lei orgânica do Governo.
Þ Funcional: dá a conhecer os gastos públicos, quanto à natureza das suas funções e
quanto ao custo de cada uma delas. Agrupa as despesas em torno das principais
funções do Estado: Funções Gerais de Soberania, Funções Sociais, Funções
Económicas e Outras Funções.

Mafalda Boavida 43
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Ø Art. 105/1 alínea a) - Princípio da universalidade:


Todas as receitas e todas as despesas da Administração Pública devem constar do
Orçamento. Não podem assim, haver receitas e despesas à margem do Orçamento
Os fenómenos de desorçamentação e de suborçamentação de despesa não podem deixar
de ser tidos como inconstitucionais por desvirtuarem a ideia de Orçamento, reconhecida pela
CRP.

Ø Art. 105/4- Regra de equilíbrio orçamental, embora meramente formal.

Ø Art. 106/1- Princípio da anualidade:


Obriga a uma votação anual do OE pela AR e a uma execução e controlo com esse mesmo
horizonte temporal.

Lei de Enquadramento Orçamental de 2015

Ø Plenitude Orçamental- art. 9 da LEO:


Unidade: sentido da imposição de elaboração, execução e controlo de um único
instrumento previsional de receitas e despesas. Proíbe a proliferação de documentos legais
contendo autorizações sobre a mesma matéria. Desta forma, pretende-se evitar a existência de
massas de receitas e despesas que escapem à autorização, ao conhecimento por parte da
administração, para executar e ao controlo orçamental.
Não obstante a este princípio, os orçamentos autárquicos e regionais são, por imperativo
constitucional, independentes do OE.

Orçamento Segurança Social – art. 105/1


De acordo com este princípio da unidade, o OE deve incluir todas as receitas e despesas
das entidades que compõem a administração central do Estado e as receitas e as despesas da
Segurança Social.

A necessidade de inclusão do orçamento da segurança social no Orçamento do Estado


deriva do art. 105/1 alínea b) CRP- tem como objetivo acabar com o sistema de secretismo e
mera aprovação administrativa dos orçamentos e das contas de previdência.

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Por ser composta por serviços integrados e serviços e fundos autónomos, encontramos o
seu orçamento global disperso pelo OE. As receitas e despesas correspondentes aos serviços
dotados de mera autonomia administrativa da Segurança Social estão previstas nos mapas
correspondentes aos serviços integrados. No Orçamento da Segurança Social estão previstas
quase exclusivamente as receitas e despesas dos serviços e fundos autónomos da Segurança
Social.

Universalidade: obriga a que nenhuma receita ou despesa escape à disciplina orçamental.


Este princípio não abrange, nem as operações de tesouraria, nem as operações de gestão
patrimonial do Estado. Também não estão abrangidos os gastos ocultos ou não monetários do
Estado.
Implica aglomerar todas as receitas e todas as despesas em torno dos três conjuntos dos
orçamentos previstos na CRP, não bulir com a abrangência constitucionalmente limitada.
Esta abrangência limitada obriga a um esforço de consolidação orçamental, de forma a
permitir um vislumbre daquilo que é a atividade financeira global do setor público
administrativo, com a contemplação da situação financeira dos setores locais e regionais.

Ø Plenitude/Estabilidade/Equilíbrio Orçamental – art. 10 da LEO:


Impõe que o conjunto de orçamentos das entidades do setor público administrativo se
encontre numa “situação de equilíbrio ou excedente orçamental”.
Esta situação de equilíbrio ou excedente orçamental será aferida por meio de aplicação das
regras numéricas contidas nos artigos 20 e ss da LEO.
A metodologia para o apuramento deste saldo orçamental é definida no âmbito de acordo
com o Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Esta nova forma de apurar o saldo orçamental baseia-se no apuramento da situação
contabilística concreta de cada Estado, tomando como referência o objetivo de médio prazo
assumido nos termos do PEC.
Ao fazê-lo, surge a necessidade de uma maior articulação entre os vários Orçamentos
públicos - exige uma omnipresença do Ministério das Finanças no controlo da despesa e dos
níveis de endividamento público e exige o desenvolvimento de métodos para uma maior
coordenação de subsetores.

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Ø Sustentabilidade das Finanças Públicas – art. 11 da LEO:


Não se trata de acautelar apenas a situação de um dos orçamentos públicos. Trata-se de
garantir que todos os orçamentos são feitos de acordo com a capacidade respetiva de financiar
todos os compromissos com respeito pela regra de saldo orçamental estrutural e da dívida
pública (art. 11/2 da LEO).
É como um apuramento da Estabilidade, são dois conceitos muito relacionados.

Ø Solidariedade Recíproca – art. 12 da LEO:


Para assegurar o cumprimento dos princípios da estabilidade e da sustentabilidade
orçamentais que vinculam todos os subsetores das administrações públicas, é necessário
assegurar que todos os subsetores contribuem “proporcionalmente para a realização da
estabilidade orçamental”.
As autarquias locais e regiões autónomas gozam de independência orçamental. Desta
forma, o Ministro das Finanças não pode exercer um controlo direto sobre os seus orçamentos,
substituindo-se ou passando por cima dos seus órgãos.

Poderá, no entanto, promover uma coordenação de esforços entre os diversos subsetores e


será, através desta coordenação que assegurará que todos os subsetores contribuem, de forma
proporcional, para o esforço de cumprimento da estabilidade orçamental.

Coordenação Orçamental ≠ Consolidação Orçamental

Tem a ver com o esforço de olhar para Passa pela integração de todos os
todos os orçamentos do setor público orçamentos num único documento.
administrativo conseguindo ter uma
visão global.

Se a coordenação fosse consolidação, pecaria, antes de mais, por inconstitucionalidade.


Com efeito, se redundasse na aprovação pela AR de um orçamento consolidado, esta
constituiria uma violação da independência orçamental local e regional, constitucionalmente
prescrita. Pecaria, também, por inoperância, porque, se esta resultasse da junção de todos os
diplomas orçamentais (com aprovação prévia dos orçamentos locais e regionais) num só

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Orçamento, isso não impediria ulteriores alterações orçamentais (feitas pelas entidades
competentes a nível local ou regional) as quais necessariamente desvirtuariam o equilíbrio já
encontrado.

Este esforço de contribuição proporcional foi já objeto de tratamento pelo Tribunal


Constitucional, a propósito dos limites ao endividamento regional. Embora o Tribunal
Constitucional reconheça que não lhe cabe a determinação em abstrato de um limite mínimo
de endividamento a prever na LOE, acaba por defender que enquanto o défice do setor
administrativo não for nulo, “são de rejeitar constrições totais, desmesuradas ou arbitrárias
em matéria financeira regional”, uma vez que tenderão a conduzir a uma situação de
desrespeito do princípio da solidariedade.

Isto significa que, para ser cumprido o princípio da solidariedade recíproca, têm de se
comparar os esforços financeiros feitos por cada um dos subsetores para o princípio da
estabilidade orçamental, de forma a que nenhum deles seja sobrecarregado excessivamente,
de forma desmesurada ou arbitrária.

No entanto, isto não significa que, em relação à questão do endividamento regional que
tomamos como exemplo, fique completamente afastada a hipótese de imposição de
endividamento zero para as regiões autónomas, em sede de orçamento do Estado. Porém, mais
uma vez, essa limitação tem de ser articulada com as limitações impostas aos demais
subsetores. Como afirma o próprio Tribunal, se houvesse uma declaração em abstrato dessa
impossibilidade de fixação em zero do limite de endividamento, e tendo em conta que o
objetivo de longo prazo da estabilidade orçamental é o défice zero, tal equivaleria à afirmação,
pelo TC, que imporia aos restantes níveis de administração (central e local) a exigência de um
superavit efetivo, o qual violaria esta ideia de contribuição proporcional para o esforço da
estabilidade financeira.

Ø Equidade Internacional – art. 13 da LEO:


Os orçamentos do setor público administrativo não se devem bastar com a perspetiva anual
de receitas e despesas, proporcionada pelo orçamento votado ano após ano.
Devem temperar a perspetiva anual que fornecem com a contemplação de horizontes mais
dilatados de tempo.

Mafalda Boavida 47
2020/2021

Esta perspetiva plurianual deve ser assumida, antes de mais, por meio da elaboração de
um quadro plurianual de despesa. Deve ser concretizada, igualmente, pela previsão dos
impactos futuros das despesas e receitas públicas, a qual deve constar, tanto do relatório,
quanto dos elementos informativos que acompanham a proposta de OE, para que, no momento
de discussão e aprovação, possam ser tomados em consideração pela AR.

Este princípio obriga, portanto, a uma ponderação de receitas e despesas, tendo em vista o
estabelecimento de um equilíbrio, entre o que se gasta no presente e os gastos que se assumem
para o futuro.

Não onerar excessivamente a geração presente (com despesas que trazem riqueza futura
e cujo custo pode ser suportado ao longo do tempo), nem a geração futura (colocando-lhe
aos ombros para pagar uma parte substancial das despesas que tenham beneficiado a geração
anterior.

COOPERAÇÃO ENTRE AS VÁRIAS GERAÇÕES

A partir do Art. 13/3 da LEO, retira-se um dever de apreciação da incidência orçamental


de algumas matérias.

A solidariedade inter-geracional não impõe uma limitação concreta às despesas


controladas.

Implicará a invalidação das despesas, caso haja uma evidência de que elas não se
encontram adequadamente distribuídas no tempo, de acordo com um critério de evidência.
Ex:
Þ Realização de uma despesa pública quando ela implica défice ou dívida pública
para além dos limites previstos.

Mafalda Boavida 48
2020/2021

Þ Quando da mesma resultem encargos plurianuais que se preveem desde logo


insuscetíveis de ser pagos no futuro, com base no esquema estabelecido de
distribuição das receitas públicas.
Þ Quando a mesma pode dar origem a pagamentos futuros não previstos no presente.

Ø Anualidade – art. 14 da LEO:


Os orçamentos do setor público administrativo são anuais - devem ser votados anualmente
pela Assembleia respetiva e executados também no mesmo período.
O período anual a que se refere este princípio é o ano civil: vigora de 1 de janeiro ao dia
31 de dezembro, embora por Decreto-Lei de execução orçamental se possa determinar a
existência de um período complementar, de forma a facilitar o fecho de contas.

Este princípio justifica-se pela:


Þ necessidade de atualização permanente do quadro de receitas e despesas;
Þ necessidade de atualização do consentimento dos cidadãos em relação aos impostos
a cobrar, tendo em conta o plano anual de despesa proposto pelo Governo e
aprovado pela AR;
Þ necessidade de um controlo regular da ação governativa e da administração pública
no gasto e gestão da receita pública;
Þ necessidade de avaliação das opções orçamentais de cada momento, de acordo com
um juízo de atualidade;

Devem incluir-se no Orçamento todas as receitas e despesas a realizar efetivamente


durante o ano, independentemente do momento em que juridicamente tivessem sido previstas-
esta opção resulta do facto de em Portugal termos adotado o orçamento de gerência, de 1936.

O legislador, cada vez mais, tem aderido a uma lógica de programação plurianual. O
princípio da anualidade deve conjugar-se, assim, com uma ideia de plurianualidade cada vez
mais abrangente. Deste modo, de acordo com a LEO de 2015, as receitas e despesas devem
estar integradas numa programação plurianual. Esta programação plurianual é obrigatória em
relação a todas as despesas, desde 2011.

Mafalda Boavida 49
2020/2021

Nota: os mapas orçamentais relativos a programas não substituem os mapas de


classificação económica, orgânica e funcional das despesas. A programação não substitui o
orçamento por atividade ou de base linear. Assim, mesmo quando a lei prevê a existência de
mapas plurianuais, as verbas neles incluídas devem ser inscritas no Orçamento do Estado de
cada ano, sob pensa de não poderem ser realizadas por falta de cabimento orçamental.

LEO de 2015: a programação plurianual passa a estar incluída na Lei das Grandes Opções
- esta lei passa a conter a identificação e o planeamento das opções de política económica e a
programação orçamental plurianual.

A programação plurianual continua a ser feita mediante um quadro plurianual de despesas


públicas, o qual define os limites de despesa total, os limites de despesas públicas, o qual
define os limites de despesa total, os limites de despesa para cada missão de base orgânica e
as projeções de receitas.

Os limites de despesa total e os limites de despesa para cada missão de base orgânica
vinculam no ano inicial (o de início da legislatura) e no ano seguinte, sendo indicativos nos
restantes anos da legislatura.

A Lei das Grandes Opções deve ser apresentada anualmente até ao dia 15 de abril.

Ø Princípio da Discriminação Orçamental:


A discriminação tem três sub-regras: a não compensação (art. 15), a não consignação (art.
16) e a especificação (art. 17).

A regra da não compensação ou do orçamento bruto, deve ser integrada na regra da


discriminação orçamental. Trata-se de uma lógica de consequência da regra da especificação
prevista no art. 17 da LEO, apesar de historicamente anterior.
Segundo a sub-regra da não compensação as receitas e as despesas devem ser inscritas no
Orçamento de uma forma bruta e não líquida, não devendo ser deduzidas às receitas as
importâncias gastas com a cobrança, nem às despesas as receitas originadas pela sua
realização.

Mafalda Boavida 50
2020/2021

O fundamento passa por conseguir uma maior racionalidade e possibilitar um controlo


efetivo, político e administrativo, da execução orçamental.

A não consignação trata-se de outra sub-regra integrada na regra da discriminação.


Segundo esta, não podendo nenhum Orçamento, afetar-se qualquer receita à cobertura de
determinada despesa, pretende-se evitar a existência de uma Administração Pública
fragmentária desprovida de uma gestão financeira de conjunto.
Como consequência da sub-regra da não consignação existe o Tesouro, tendo o seu cargo,
de modo centralizado, a cobrança das receitas e a realização de despesas.
Existem, no entanto, algumas exceções: consignação excecional e temporária por expressa
estatuição legal ou contratual; situações de autonomia financeira em que as receitas de
determinados organismos são afetas à cobertura de determinadas despesas. Fala-se, então, em
receitas consignadas. A consignação de receitas tem algumas justificações, a saber:
® O reforço do crédito público;
® A limitação do montante de uma despesa ou de uma receita;
® A personalização de um serviço público.

A sub-regra da especificação também se integra na discriminação orçamental e, segundo


ela, o Orçamento deve individualizar suficientemente cada receita e cada despesa. Assim, para
cada espécie de despesas públicas deverá ser concedido um crédito que deve ser o máximo de
despesa a efetuar.
Esta regra está consagrada expressamente no art. 105/3 da CRP. Fundamento: pretende-se
assegurar clareza e limpidez na elaboração, execução e controlo orçamentais.
Para o cabal funcionamento da regra da especificação prevê-se a existência de três
classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional.

Verifica-se, assim, que as três sub-regras da discriminação orçamental têm finalidades


comuns – assegurar uma maior racionalidade financeira e um efetivo controlo orçamental.

Ø Economia, Eficiência e Eficácia – art. 18 da LEO:


O controlo da economia, eficiência e eficácia vincula toda a assunção de compromissos e
realização de despesas. Este funda-se no próprio texto da Lei Fundamental. Este controlo pode
ser encarado como uma contrapartida natural do devedor de boa administração no que toca ao

Mafalda Boavida 51
2020/2021

dispêndio público, referido no art. 81/1 alínea c) CRP e do dever de racionalização de meios
públicos, prescrito no art. 267/5 CRP.
Þ Controlo da Eficiência: procura medir a relação entre os gastos (inputs) e os
resultados atingidos (outputs). Supõe a comparação entre os custos orçamentados
e os resultados atingidos, numa procura pela solução que maximize os resultados.
Þ Controlo da Eficácia: relacionado com o cumprimento dos objetivos inicialmente
definidos. Supõe a definição prévia destes objetivos claros, através de, por
exemplo, da elaboração de um programa estruturado e desagregado por anos e da
instituição de um sistema de informação financeira e técnica de controlo.
Comparam-se os resultados com os objetivos fixados pela programação orçamental
da despesa ou pela lei, para saber se foram ou não atingidos.
Þ Controlo da Economia: realizam-se comparações internas e externas (recorrendo-
se à técnica de benchmarking) ou recorre-se à análise da previsão de custos
inicialmente estabelecida, comparando-a com os custos efetivos.

Exemplos de comparações:
® Custo contratado VS custo de mercado
® Custo final VS custo previsto
® Custo total de uma estrutura VS custo de uma estrutura

Ø Princípio da Transparência – art. 19 da LEO:


Há um dever de disponibilização ao público de toda a informação sobre os diferentes
documentos relativos ao Orçamento.
Uma das vertentes deste princípio reconduz-se à necessidade de todos os orçamentos do
setor público administrativo deverem ser publicados. (Na LEO de 2011, havia referência, até,
ao princípio da publicidade).

A publicação do OE é fundamental como condição da eficácia jurídica da autorização


e do consentimento parlamentares para a cobrança de receitas e a realização de despesas. É
imprescindível atendendo à necessidade que a AR tem de conhecer o conteúdo preciso de tão
importante instrumento financeiro. Com efeito, só depois da publicação do OE, se conhecem,
com certeza, os limites de despesa pública autorizados.
Assim, um orçamento não publicado não é um orçamento.

Mafalda Boavida 52
2020/2021

A LEO de 2015 deixou de fazer referência ao princípio da publicidade, mas este


continua a decorrer da CRP:
Þ Exigência da forma de lei para aprovação do OE (art. 105, 106, 161 alínea g));
Þ Compreendido pelo princípio da transparência- art. 73 ss;

Não basta apenas a publicação do OE no diário da República: implica a obrigação de tornar


públicos todos os documentos que se revelem necessários para assegurar a adequada
divulgação e transparência do OE e da sua execução.

A publicidade obriga, também, a uma explicação mais cabal daquilo que é consentido no
OE. Essa obrigação de publicidade é assegurada de forma muito relevante pela Direção-Geral
do Orçamento que, no seu site, disponibiliza toda a informação sobre propostas orçamentais,
leis do Orçamento e execução orçamental e tem conduzido ao desenvolvimento do Orçamento
do Cidadão, apresentando informação de forma acessível e objetiva, para que todos possam
compreender os termos do OE.

Este princípio obriga, para além disto, ao dever de prestação de informação, quer perante
o Ministro das Finanças (para garantir o cumprimento dos objetivos orçamentais), quer
perante a AR (para o efeito de controlo político da execução do Orçamento). – art. 74 e 75
LEO de 2015.

Processo Orçamental

Þ Aprovação do Orçamento de Estado:

A Lei do Orçamento, segundo a Constituição é elaborada, organizada e votada


anualmente, de acordo com a LEO (art.106/1CRP). A proposta de Lei do Orçamento do
Estado para o ano económico seguinte é apresentada pelo Governo à Assembleia da
República, até 15 de Outubro de cada ano. A iniciativa em matéria orçamental é um exclusivo
do Governo: art.161/1 alínea g) CRP.

Mafalda Boavida 53
2020/2021

Este exclusivismo da iniciativa governamental em matéria orçamental encontra uma


importante justificação: o OE é o principal instrumento de concretização financeira da política
do Governo, assumida e apresentada ao Parlamento no respetivo programa, logo após a sua
tomada de posse. No final do seu mandato, o Governo deverá prestar contas ao eleitorado, da
execução desse mesmo programa político, e responsabilizar-se por ela.
Deve, pois, ser o Governo, e apenas o Governo, a responder perante as iniciativas
orçamentais concretizadas ao longo da legislatura, porque elas mais não são do que a
concretização financeira da sua política. Permitir que os Grupo Parlamentares pudessem
iniciar processos legislativos orçamentais significaria diluir as responsabilidades políticas da
governação, para que está mandatado o Governo e só o Governo.
O prazo de 15 de Outubro não se aplica aos casos em que o Governo se encontre demitido
nessa data, ou quando a tomada de posse do novo executivo ocorra entre 15 de julho e 14 de
outubro ou ainda quando o termo da legislatura ocorra entre 15 de outubro e 31 de dezembro.
Cabe à AR votar e aprovar o OE (art. 161/1/g)) tratando-se esta matéria, de uma matéria
reservada, em absoluto, ao Parlamento.

A votação da proposta realiza-se no prazo de 45 dias após a sua admissão pela AR.
O Plenário discute e vota na generalidade a proposta de lei, decorrendo a discussão e a votação
na Comissão do Orçamento e Finanças, tendo por objeto o articulado e os mapas orçamentais.
O plenário da AR pode sempre avocar para votação outras matérias compreendidas na fase de
discussão e votação na especialidade.
A AR pode realizar, se assim o entender, no âmbito do exame e da discussão orçamental
audições ou convocar entidades que não estejam submetidas ao poder de direção do governo
e cujo depoimento considere relevante para o esclarecimento da matéria apreciada.

A votação é efetuada na generalidade em regra, salvo algumas situações de votação


obrigatória na especialidade, a saber:
Ø Nos casos em que resulta de obrigatoriedade legal, sempre que estejamos perante
a criação, alteração e extinção de impostos e nas situações em que se autorizam
empréstimos e financiamentos;
Ø Nas restantes situações não mencionadas, sempre que a Assembleia da República
entender submeter à apreciação individual.

Mafalda Boavida 54
2020/2021

Norma Travão

À primeira vista, não parecem existir quaisquer limites constitucionais ou legais para o
exercício da emenda parlamentar, em qualquer momento da vida do OE.
Todavia, tem-se considerado que a iniciativa superveniente dos deputados ou dos grupos
parlamentares conhece maiores limitações quando ela incide sobre uma proposta de alteração
orçamental, do que quando ela respeita à proposta inicial.

Na verdade, relativamente a esta proposta inicial do OE não existirão quaisquer


limitações do ponto de vista material, pelo que as alterações propostas pelos grupos
parlamentares podem, no seu conjunto, caso aprovadas, conduzir a um resultado final
completamente díspar do da proposta governamental, desvirtuando o sentido inicial do OE.
A questão é, no limite, uma questão política e depende fundamentalmente da relação de
forças existentes no parlamento.

Já no que diz respeito às propostas de alteração orçamental, a emenda parlamentar, está,


por força da jurisprudência constitucional, mais limitada. E isto por força de dois argumentos
fundamentais:
Þ O argumento da alteração de sentido da proposta de lei: no caso de alteração
do OE, já não se está numa fase de previsão, nem se pretende traçar um plano
financeiro global. Tem-se apenas a pretensão de alterar um plano já elaborado que
está a ser executado. Assim, os deputados, a pretexto de uma proposta de
alteraçã o orçamental, nã o podem proceder a modificaçõ es orçamentais que nã o
se inscrevam na proposta do Governo, ou seja, alargar essas modificaçõ es a
outras á reas, nã o pretendidas pelo Governo. Nã o se pretende que a Assembleia
da Repú blica esteja vinculada à proposta de alteraçã o feita pelo Governo. Pode
aceitá -la ou rejeitá -la. Pode aumentar as receitas, como se propõ e, ou aumentá -
las numa percentagem diferente do que a pretendida. Igualmente poderá nã o
diminuir as despesas, ou diminuir menos do que se pretende. Nã o pode é
proceder a alteraçõ es que extravasem o â mbito da proposta.
Þ O argumento da “lei-travão”: este argumento trata-se da aplicaçã o do regime
constante do art.167o/2CRP, ou seja, a aplicaçã o, na fase das alteraçõ es
orçamentais, diferentemente do que sucede aquando da proposta inicial do OE,

Mafalda Boavida 55
2020/2021

do regime da “lei-travã o”. A “lei-travã o” impede o seguinte: que os deputados,


grupos parlamentares e cidadã os eleitores apresentem projetos de lei, propostas
de lei ou propostas de alteraçã o; que envolvam o aumento da despesa ou a
diminuiçã o da receita; no ano econó mico em curso. Estas condiçõ es sã o
cumulativas.

Cavaleiros Orçamentais

A LEO procura formatar o conteúdo desejável do OE, porque pretende:


Þ Pela positiva, indicar o conjunto de matérias que podem e devem estar no articulado
do Orçamento, ainda que o faça de forma meramente exemplificativa;
Þ Pela negativa, afastar do seu âmbito matérias que não tenham um conteúdo
especificamente orçamental (por vezes denominadas de “cavaleiros” ou de
“boleias” orçamentais).

A natureza calendarizada da LOE explica, em grande medida, a sua utilização para fazer
aprovar, por vezes, normas sem direta nem indireta, incidência materialmente orçamental. Ao
fazer-se incluir uma determinada matéria na lei de Orçamento pretende-se, normalmente,
beneficiar da certeza de que essa lei será aprovada num prazo reduzido, que entrará em vigor
numa data certa e que, no momento da sua discussão e aprovação, as tentações andarão,
previsivelmente arredadas das normas que aí, mais ou menos subtilmente, se infiltram.

No plano doutrinário, o tema tem sido tratado por diversos autores (Blanco Morais, Sousa
Franco, Jorge Miranda), a propósito dos cavaleiros de lei reforçada. Está em causa,
fundamentalmente, a contraposição entre a tese de inconstitucionalidade e a tese da sua
irrelevância jurídica. À luz desta última, os cavaleiros de lei reforçada e, nomeadamente os
cavaleiros orçamentais, não são inconstitucionais, precisamente por não beneficiarem do
regime jurídico orçamental, logo não interferindo na repartição de competências definida pela
Constituição.
Ou seja, as matérias não orçamentais incluídas no orçamento não são contaminadas
por essa especial natureza orçamental: assim, não beneficiam das regras especiais de
aprovação e de caducidade, previstas na Constituição para a lei de OE, nem sofrem de
nenhuma especial blindagem no que diz respeito à repartição de competências, quer quanto à

Mafalda Boavida 56
2020/2021

iniciativa legislativa, quer quanto à competência para aprovação. As disposições constantes


no articulado da lei de OE “devem limitar-se ao estritamente necessário”.

Fiscalização Orçamental e Responsabilidade Financeira

Modalidades de controlo ou fiscalização orçamental

O art.107 da CRP diz o seguinte “A execução do Orçamento será fiscalizada pelo Tribunal
de Contas e pela Assembleia da República, que, precedendo parecer daquele Tribunal,
apreciará e aprovará a Conta Geral do Estado, incluindo a da Segurança Social”.
Devemos admitir que existem três tipos de fiscalização: política, administrativa e
jurisdicional.

Fiscalização Política

A fiscalização política cabe à Assembleia da República e traduz-se quer na apreciação


anual da Conta Geral do Estado, nos termos do art.107 da CRP, quer na apreciação, ao longo
do ano, do modo como os Governos vão executando os Orçamentos e pondo em prática as
suas políticas económico-financeiras.
Assim, a Assembleia exerce dois tipos de controlo:
Ø controlo à posteriori: apreciação anual da Conta Geral do Estado;
Ø controlo concomitante: apreciação do modo como os Governos executam.

Para além destes dois controlos a Assembleia exerce, ainda, uma fiscalização ex ante, já
que, ao votar o Orçamento do Estado, a Assembleia da República exerce uma primeira
fiscalização.

No exercício da fiscalização à posteriori e concomitante, a Assembleia da República é


assistida tecnicamente pelo Tribunal de Contas: “este emite não só parecer, não vinculativo,
sobre a Conta Geral do Estado, com destino à AR, como a assiste durante a execução
orçamental até ao momento da publicação daquela conta”.

Mafalda Boavida 57
2020/2021

O Parlamento poderá recusar a sua aprovação à Conta Geral do Estado apresentada e


responsabilizar politicamente o Governo em funções, se for o mesmo que executou o
Orçamento do Estado.
Além disso, a Assembleia da República poderá acionar os mecanismos de
responsabilização política, ou solicitar informações sobre o modo como se processa a
execução orçamental.

Fiscalização Administrativa

A fiscalização administrativa compete à própria entidade responsável pela realização da


despesa (ou pela liquidação da receita), bem como a entidades que lhe sejam hierarquicamente
superiores e de tutela, a órgãos gerais de inspeção e controlo administrativo, e à Direção Geral
do Orçamento, através das respetivas delegações junto dos Ministérios.
Esta fiscalização é realizada à priori.

Fiscalização Jurisdicional

A fiscalização jurisdicional da execução do Orçamento do Estado está confiada ao


Tribunal de Contas, que é constitucionalmente um verdadeiro tribunal e órgão supremo de
auditoria, integrado no poder judicial, ao qual compete:
Ø Dar parecer sobre a Conta Geral do Estado;
Ø Fiscalizar a legalidade das despesas públicas;
Ø Julgar as contas que a lei mandar submeter-lhe (art.214/1CRP).

Fiscalização e responsabilidade financeira

A responsabilidade financeira é o resultado da conjugação dos três tipos de controlo: o


controlo político, o controlo administrativo e o controlo jurisdicional, o que a torna numa
figura que deveria ter uma aplicação plena, mas não tem.
A própria natureza do controlo sofreu um processo evolutivo no sentido de se criar uma
entidade que concentrasse o controlo e a efetivação da responsabilidade decorrente dos três
tipos de controlo. Não obstante a essa intenção, na opinião do prof. Guilherme d’Oliveira
Martins, o Tribunal de Contas, atualmente, não concentra a efetivação da responsabilidade
financeira na execução e controlo das contas.

Mafalda Boavida 58
2020/2021

Tribunal de Contas

O tribunal de contas é o órgão supremo de controlo, de fiscalização e de auditoria das


contas públicas, dando parecer sobre a conta geral do Estado, incluído a segurança social e
sobre as contas das Regiões Autónomas:
Ø Dando parecer sobre as Contas Gerais do Estado, incluindo a Segurança Social e
sobre as contas das Regiões Autónomas;
Ø Fiscalizando previamente a legalidade e o cabimento orçamental dos atos e
contratos de qualquer natureza que sejam geradores de despesa ou representativos
de quaisquer encargos e responsabilidades para as entidades sujeitas aos poderes
de controlo e à sua jurisdição;
Ø Julgando a efetivação de responsabilidades financeiras;
Ø Realizando auditorias;
Ø Apreciando a legalidade, bem como a economia e eficácia das entidades sujeitas
aos seus poderes de controlo.

Constitucionalmente, é um autêntico tribunal integrado no poder judicial: art. 209/1 alínea


c) da CRP, tendo uma integração especial no poder judicial, já que não está na dependência
do Conselho Superior de Magistratura.

O Tribunal de Contas e organizado e regulado, no seu essencial, pela Lei nº 98/97, de 26


de Agosto, também conhecida como Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas
(LOPTC).
Nos termos da alínea m) do art. 133 da CRP, o Presidente do Tribunal de Contas é
nomeado pelo PR, tendo o seu mantado a duração de 4 anos. Ao Tribunal de Contas são
submetidas, pela CRP (art. 107) e pela lei, tarefas que se revelem fundamentais no âmbito do
Estado de Direito e na prossecução dos objetivos de disciplina e sustentabilidade financeira
orçamental.
Este Tribunal é integrado por um Presidente e 16 juízes – art. 29/1 e 2 da LOPTC.

É o interesse público na boa administração dos recursos públicos que justifica a existência
de uma instituição como o Tribunal de Contas e que justifica a sujeição à respetiva jurisdição
por parte de determinadas entidades. É o facto de determinada entidade beneficiar, ou de

Mafalda Boavida 59
2020/2021

alguma forma se servir, de recursos que pertencem, em última instância, à generalidade dos
cidadãos que dá fundamento à existência- e que condiciona os limites da jurisdição- do
Tribunal de Contas.
A preocupação com a boa gestão dos dinheiros públicos tem, desde sempre, orientado o
percurso do Tribunal de Contas.

Competências do Tribunal de Contas

1ª Secção: seção do visto – art. 77 (competências): exerce as competências de


fiscalização prévia, bem como a fiscalização concomitante de atos e contratos, podendo, em
certos casos, aplicar multas e relevar a responsabilidade financeira. Ou seja, realiza o
acompanhamento do próprio ato ou contrato a que está submetido o visto.
Ø Fiscalização prévia: (ARTº 44º a 48º e 81º a 86º LOPC) fiscalização prévia da
legalidade e do cabimento orçamental dos atos e contratos de qualquer natureza
que sejam geradores de despesa ou representativos de quaisquer encargos e
responsabilidades, quer para as entidades sujeitas aos seus poderes de controlo e à
sua jurisdição, nos termos do art. 2 LOPC, quer para as entidades de qualquer
natureza, criadas pelo Estado ou por quaisquer outras entidades públicas, para
desempenhar funções administrativas originariamente a cargo da Administração
Pública. Consiste na verificação dos “atos, contratos ou outros instrumentos
geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras diretas
ou indiretas”, para saber se “estão conforme às leis em vigor e se os respetivos
encargos têm cabimento em verba orçamental própria” – art. 44 LOPC. Nos
instrumentos geradores de dívida pública, “a fiscalização prévia tem por fim
verificar, designadamente, a observância dos limites e sublimites de endividamento
e as respetivas finalidades, estabelecidas pela AR- art. 44/2 LOPC.
Ø Fiscalização concomitante: consiste na realização de auditorias tendo por objeto
a atividade financeira enquanto está a ser exercida. É assegurada na primeira
secção, no que toca aos procedimentos e atos administrativos que impliquem
despesas de pessoal e contratos que não devam ser remetidos para a fiscalização
prévia e à execução dos contratos visados (art. 49/1 alínea a) e 77 LOPC).

Mafalda Boavida 60
2020/2021

2ª Secção: (secção de auditoria) – art. 78: exerce a fiscalização sucessiva e a fiscalização


concomitante da atividade financeira, podendo, ainda, nos casos previstos na lei, aplicar
multas e relevar a responsabilidade financeira. É composta por juízes e economistas,
englobando uma componente de apreciação da economia, eficiência e eficácia dos atos. Não
produz sentenças, não efetiva qualquer tipo de responsabilidades, apenas formula
recomendações, mas evidentemente, que algumas das representações ou reservas que são
detetadas em auditoria podem ser encaminhadas para o MP, que funciona junto do Tribunal
de Contas, para eventual apuramento de responsabilidades financeiras.
Ø Fiscalização concomitante: tem uma componente preventiva e pedagógica e de
acompanhamento da ação, é corporizada no relatório de auditoria, pode ter apenas
consequência numérica nos atos subsequentes, mas também na efetivação da
responsabilidade financeira. A segunda secção assegura as demais auditorias (art.
49/1 alínea b) e 78 LOPC).
Ø Fiscalização sucessiva: caberá o controlo da dívida pública direta, em especial,
para aferir do cumprimento dos limites de endividamento fixados no OE, pela AR
– art. 50/2 e 3 LOPTC

3ª Secção: secção do julgamento – art. 79: exerce a função jurisdicional (secção de


julgamento), procedendo ao julgamento dos processos de efetivação de responsabilidades
financeiras e de multa, a requerimento das entidades competentes.
Ø Responsabilidade financeira reintegratória: constitui os responsáveis na
obrigação de repor os montantes determinados na lei, apurados objetivamente em
função dos factos que constituem os pressupostos da responsabilidade.
Ø Responsabilidade financeira sancionatória: resulta na aplicação de uma multa.
Nota: a aplicação de multas não prejudica a efetivação da responsabilidade pelas
reposições devidas, se for caso disso.

Segundo PAZ FERREIRA, a responsabilidade financeira deve ser encarada como uma
contrapartida natural em relação ao controlo de cumprimento dos deveres fiscais dos
contribuintes: “Se o Estado tem o dever de exigir dos contribuintes um comportamento correto
e de penalizar infrações fiscais, estes têm o direito a exigir do Estado que ponha de pé
mecanismos adequados a controlar a utilização dos dinheiros públicos e a atuação dos agentes
da decisão financeira, bem como a sua efetiva responsabilização”.

Mafalda Boavida 61
2020/2021

O reconhecimento desta responsabilidade financeira corresponde ao reconhecimento


do TC como tribunal especializado em matérias financeiras.

RESPONSABILIDADE FINANCEIRA REINTEGRATÓRIA: está associada a uma


condenação de reposição de verbas- art. 59 da LOPTC + 60

RESPONSABILIDADE FINANCEIRA SANCIONATÓRIA: consiste na aplicação de


multas – art. 65 LOPTC + 66

Ambas as formas de responsabilidade financeiras dependem da verificação de um ato


ilícito e culposo do agente. A ilicitude corresponde à “identificação de um facto contrário à
lei sem que ocorra uma causa de justificação (que no caso da responsabilidade reintegratória
conduz a uma perda patrimonial).

A culpa é pessoal (solidária ou subsidiária) e não recai sobre órgãos ou serviços. Tal
significa que um órgão colegial não pode ser condenado em bloco à reposição das verbas
pagas indevidamente.

Assim sendo, apenas poderão ser responsabilizados individualmente os agentes


administrativos direta ou subsidiariamente envolvidos na prática do ato, agindo com dolo ou
com mera culpa – art. 61 LOPTC - ou seja, aqueles agentes administrativos que poderiam
legalmente opor-se à prática de um ilícito financeiro. Neste caso, estes agentes administrativos
apenas poderão eximir-se da responsabilidade, provando que agiram de acordo com os
esclarecimentos das instâncias competentes (ex: departamento financeiro e jurídico).
O apuramento da responsabilidade individual não implica que os membros de um órgão
colegial não possam estar sujeitos a responsabilidade solidária. Mas, mais uma vez, o
apuramento da responsabilidade dependerá do dolo ou culpa que cada agente apresenta no
caso concreto.
Poderão, ainda, ser responsabilizados os funcionários que deviam prestar informações aos
órgãos que tomam as decisões de despesa, “se essas informações não tiverem sido prestadas
com competência.”

Mafalda Boavida 62
2020/2021

Mafalda Boavida 63

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