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Persona

o fator humano na gestão


deRH
Fernando Antônio da Silva é administrador de empresas e
conferencista do curso de Direção Estratégica de Recursos
Humanos do GVpec - Programa de Educação Continuada - da
EAESP/FGV Em 1996, publicou o livro Administrando pessoas:
reflexões do cotidiano de um executivo de recursos humanos, no qual
relata sua formação e vivência na área de RH. Em entrevista
concedida à RAE Light, Fernando Antônio analisa a gestão de
Recursos Humanos no Brasil e a importância do Ser Humano nos
planos estratégicos das organizações.

por Renato Guimarães Ferreira

RAE Light: A tentativa de uma maior RAE Light: Uma das dimensões fun- êxito e conseguiram compatibilizar qua-
inserção do Brasil em uma economia damentais do desafio da competitivida- lidade de vida com produtividade. Quan-
globalizada coloca diante das empresas de é a busca contínua por maior produ- to à realidade brasileira, é ver para crer.
aqui instaladas uma série de desafios em tividade. Isso tem provocado, entre ou-
termos de competitividade. Qual é, em tras coisas, um enxugamento das estru-
sua opinião, a contribuição que a gestão turas organizacionais e uma experimen- RAE Light: O processo de globalização
de Recursos Humanos pode dar para a tação de novos modelos de gestão, que é um processo que transforma de manei-
superação desses desafios? exercem uma pressão crescente sobre o ra radical a estrutura de oportunidades
desempenho das pessoas. Você acredita existentes no mercado de trabalho. Ele
Fernando Antônio: A competitividade que é possível compatibilizar qualida- penaliza sobretudo aqueles que já se en-
pressupõe uma mão-de-obra altamente de de vida com essa demanda por contram na periferia do sistema, como
qualificada e apta a absorver novas tec- maior produtividade? por exemplo, os trabalhadores com bai-
nologias. Os novos tempos exigem com- xa qualificação. Diante desse fato, o que
prometimento e motivação elevada. Fernando Antônio: Novos modelos de é que as organizações socialmente res-
É dentro deste contexto que uma gestão gestão, ao meu ver, precisam privilegiar ponsáveis e atuantes em mercados com-
de recursos humanos atualizada deve o Ser Humano para se tomarem viáveis. petitivos podem fazer?
aportar uma contribuição significativa, Assim, a preocupação com a qualidade
para que a empresa alcance seus objeti- de vida passa a ser não apenas do cola- Fernando Antônio: Acredito que a so-
vos maiores, dentro do conceito de cres- borador mas também da organização, ciedade civil organizada pode contribuir
cimento e perenidade dos negócios, lem- pois pessoas satisfeitas e motivadas pro- de maneira efetiva na qualificação dos
brando que resultados são obtidos atra- duzem mais e melhor. Já existem casos "excluídos" do processo. Empresas, sin-
vés de pessoas. concretos de empresas que alcançaram dicatos de classe, Rotary Club, Sebrae,

10 RAE Light, v. 4, n. 1, p. 10-12


o FATOR HUMANO NA GESTÃO DE RH

Sistema SENAIlSBSC, entidades de en- Fernando Antônio: Houve uma acen-


sino, órgãos governamentais e cidadãos, tuada mudança na qualidade da liderança,
comprometídoscom a sobrevivência das na exigência de se ter uma visão de con-
camadas da soéíedade menos privilegia- junto da empresa e do negócio e uma
das, deveriam jlntar esforços e montar sensibilização para o fator humano. Esta
programas de atualização profissional nos tendência deve continuar, mas acrescen-
diversos níveis - operacional, supervi- taria que o gerente passará a exercer o
são e gerência; de preparação de admi- papel de grande facilitador de sua equi-
nistradores de pequenos negócios e ope- pe de trabalho, assumindo definitivamen-
racionalizar empréstimos para viabilizar te seu papel de educador; será um gene-
os projetos. Tenho absoluta certeza de que ralista, porém sem perder sua competên-
não apenas os menos afortunados mas a cia de origem; trabalhará por projetos,
sociedade como um todo se beneficiariam exercendo cargos por períodos de tempo
com açõea.dessa natureza. determinados;
será, a partir de
seu próprio exem-
RAE Li,.: Algumas organizações têm Uma gestão de recursos humanos plo, um incentiva-
utilizadometodologias alternativas, e de atualizada deve aportar uma contribuição dor do auto-desen-
certa forràa polêmicas, como a grafolo- volvimento; será
gia, a numerologia e até mesmo a as-
significativa, para que a empresa alcance um competente
trologia para a identificação de perfis seus objetivos maiores, dentro do gestor de pessoas;
em processos de seleção. Qual é sua opi- terá uma visão
conceito de crescimento e perenidade
nião a esse respeito e que cuidados você profunda do negó-
recomendaria àqueles que pretendem dos negócios, lembrando que resultados cio e do mercado
utilizá-las? Seria particularmente inte- são obtidos através de pessoas. e estará profunda-
ressante ler suas recomendações a res- mente comprome-
peito da postura de um profissional de tido com os obje-
Recursos Humanos que se vê diante da ~I! tivos da empresa.
necessidade de comunicar a um candi- mos associar às trajetórias profissionais
dato cético sua não aprovação em um de sucesso? Formação acadêmica, expe-
processo de seleção baseado em tais me- riência profissional, rede social, perfil lM€ Li,ht: A atuação no cenário orga-
todologias. psicológico? nizacional contemporâneo tem exigido
um processo continuado de capacitação
Fernando Antônio: Acho que a busca Fernando .Antônio: Tenho observado e deseavolvimento, cuja responsabilida-
de nova!i;Dletodologias de seleção é uma que, além de uma sólida formação aca- de e direção vêm sendo cada vez mais
posma saudável, sejam elas clássicas ou dêmica, é preciso destacar a atualiza ... assumidas pelos próprios profissionais.
alternativas. Porém, todas devem ser ção permanente e uma rede social ati- Quais são, em sua opinião, as estratégias
anali~as com critério e bom senso, sem va, a capacidade de adaptação às mu- mais eficazes de capacitação e desenvol-
danças, capacidade vimento para atuação em um mercado
de realizar objeti- crescentemente competitivo?

o mais importante é entender que a


vos, habilidade de
gerir pessoas. e a ma- Fernando Anianio: Colocar em práti-
educação é investimento e atrelar o turidade emocional, ca o conceito de educação permanente
hoje tão em voga, e, para isso, realizar parceira com uni-
programa de treinamento/
como elementos que versidades competentes, incentivar
desenvolvimento/educação ao plano diferenciam os pro- ações de autodesenvolvimento, investir
estratégico da organização. fissionais de suces- no desenvolvimento de programa para
so dos demais. jovens talentos e desenvolver programas
personalizados de educação gerencial,
para necessidades específicas. Mas, o
m~smos ou mesmo preconceitos. Por RAE LighíIJ·iAolongo dos últimos anos, mais importante é entender que a edu-
outro lado, como as metodologias servem . 'pais modificações que cação é investimento e atrelar o progra-
para oferecer elementos às decisões e por vocêp o papel do gerente e que ma de treinamento/desenvolvimento/
si não possuem caráter eliminatório, di- direção deverão tomar nos próxi- educação ao plano estratégico da orga-
!;iaque um bomfeed-backpara um candi- mos anos? nização.

@1997, RAE UghtlEAESP/FGV, São Paulo. Brasil 11


Persona

RAE Light: É possível encontrar hoje no forços de populações com tratamentos tão processo evolutivo fica muito difícil pre-
mercado um conjunto relativamente am- diferenciados? Primeiramente, é preciso vê-los.
plo de alternativas de remuneração, ates- ter o conceito de produtividade alinhado
tando de certa forma a crise do sistema ao serviço prestado por terceiros. Pare-
tradicional de remuneração atrelada a car- ce-me que ainda privilegiamos o fator RAE l..ight: A área de Recursos Huma-
gos. Que tipo de remuneração você acre- custo.sem detrimento da prQ4utividade, nos é vista por muitos profissionais como
dita que possa promover um grau mais razão maior de terceirização. Por acaso uma área em que há mais discurso do
elevado de comprometimento e motiva- não dizemos que nosso core competence que ação. Você concorda com essa visão?
ção dos colaboradores de uma dada orga- é fazer tal produto e, portanto, os outros Se sim, por que isso ocorre dessa forma?
nização? serviços devem ser realizados por espe-
cialistas? A verdade é que fazemos esta Fernando Antônio: Concordo integral-
Fernando Antônio: Estou crente que afirmação, mas na hora da contmniçãó mente. Acredito que durante muito tem-
combinar um sistema de remuneração de terceiros, como regra geral, os custos po alguns gestores da área esconderam-
por habilidades com um bom programa pesam muito mais do que a qualidade e se debaixo do manto do subjetivismo para
de remuneração variável, vinculada a re- a produtividade dos serviços que estamos justificar a não apresentação de resulta-
sultados, venha responder às necessida- contratando. Portanto, a saí~ é ajustar dos mensuráveis. Faltava visão do negó-
des atuais e futuras das empresas. Pa- nossos conceitos aos terceiros, inclusive cio e, até arriscaria, comprometimento
gar por habilida- com os objetivos da organização; possu-
des, para mim, sig- íam uma visão muito mais instrospecti-
nifica um grande va. Por outro lado, por não entender a
avanço na forma de Os gestores de RH como os dirigentes importância do fator humano nos resul-
compensação, pois das organizações começam a entender o tados terminais, os dirigentes pouco exi-
o toma quase per- giam da área de recursos humanos. Ver-
significado da contribuição que pode dar dade? Um ponto de vista. Mas esta rea-
sonalizado, portan-
to mais justo. uma gestão eficaz de pessoas e a lidade está mudando rapidamente, pois
Quanto ao variável tanto os gestores da área como os diri-
entender que resultados mensuráveis
"amarrado" à con- gentes das organizações começam a en-
tribuição do indiví- podem e devem ser gerados. Afinal, tender o significado da contribuição que
duo é uma tendên- contra fatos não há argumentos. pode dar uma gestão eficaz de pessoas e
cia que já observa- a entender que resultados mensuráveis
mos mesmo no podem e devem ser gerados. Afinal, con-
Brasil. Porém, tra fatos não há argumentos.
acho que falta mais ousadia para torná- quanto ao nosso relacionamento no coti-
lo mais atrativo e motivador. Acredito diano, pois a partir do momento que se
que a área de compensação apresenta sentirem motivados, tenderão a contri-
um grande desafio a criatividade dos ad- buir para os objetivos da organização. Fernando Antônio da Silva é adminis-
ministradores de pessoas. trador de empresas, Diretor Corporativo
de Desenvolvimento Organizacional da
RAE Light: A participação ativa dos co- Votorantim Cimentos Ltda., Presidente
RAE Light: As organizações contempo- laboradores de uma organização em seu do ILACE - Instituto Latino Americano
râneas têm contado cada vez mais com a processo de gestão sempre traz melho- de Criatividade e Estratégia e autor do
colaboração de temporários e de tercei- res resultados? Se sim, como é que isso livro Administrando pessoas - reflexões
ros para a consecução de seus objetivos. se dá? Se não, quais são, em sua opinião, do cotidiano de um executivo de RH
Na perspectiva da gestão do fator huma- os limites da gestão participativa? (Negócio Editora/Biblioteca RAE, 1996).
no, o que pode ser feito para que haja
um verdadeiro alinhamento de esforços, Fernando Antônio: Não tenho dúvidas Renato Guimarães Ferreira é Profes-
uma vez que a temporalidade que marca de que o modelo participativo é aquele sor do Departamento. de Administração
essas relações pode eventualmente ame- que produz maiores e perenes resultados. Geral e Recursos Humanos da EAESP/
açar o comprometimento que se faz ne- Mas não é panacéia que resolve todos os FGY. 1:1
cessário para a obtenção contínua de qua- problemas e há um caminho de aprendi-
lidade e produtividade? zagem que precisa ser cumprido. A di-
mensão tempo é muito importante neste
Fernando Antônio: Para mim, este é um processo, aliada a metodologia e com-
caminho definitivo. Mas, como foi bem prometimento de toda organização.
colocado na pergunta, como convergir es- Quanto a limites, como se trata de um

12 RAE Light, v. 4, n. 1

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