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Dinis Abrantes Figueiredo

Direito Administrativo II

Ano letivo de 2021/2022


1. Formas de ação administrativa
1.1 Noção de ação administrativa
A ação administrativa consiste na prática de ações/tarefas administrativas
(Administração Pública em sentido material-funcional) desenvolvidas pela
Administração Pública (Administração Pública em sentido subjetivo) tendo como
objetivo a prossecução e realização do interesse público pré-definido pela função
político-legislativa (266º, n. 1 CRP e 269º, n. 1 CRP), através da utilização de diversos
meios ou instrumentos de atuação (Administração Pública em sentido jurídico-formal),
especialmente através de atos administrativos, regulamentos administrativos e
contratos administrativos. A prossecução e realização do interesse público pré-
definido pela função político-legislativa é realizável através do exercício de poderes
públicos de autoridade (poder de emitir comandos, executáveis pela força contra aqueles
a quem se dirigem) por parte da Administração Pública, o que permite sobrepor o
interesse público ao interesse privado e assegurar a realização do interesse público de
forma unilateral (autotutela declarativa) e independentemente do consentimento dos
particulares (autotutela executiva). Porém, a Administração Pública, no exercício de
poderes públicos de autoridade, tem que respeitar os direitos e interesses legalmente
protegidos dos particulares (4º CPA).
1.1.1 Ação administrativa quanto à produção de efeitos
Quanto à produção de efeitos, a ação administrativa pode traduzir-se em ações
jurídicas e em ações de facto.
- Ações jurídicas: As ações jurídicas (ou ações declarativas com efeitos jurídicos)
são os atos que resultam da ação administrativa e que produzem efeitos jurídico-
administrativos (ex. criação de posições ativas (direitos) e passivas (deveres, ónus).
→ Atos administrativos, regulamentos administrativos, contratos administrativos.
- Ações de facto: As ações de facto são atos que resultam da ação administrativa e
que não produzem, por si, efeitos jurídico-administrativos mas que, eventualmente,
podem produzir consequências jurídicas (ex. responsabilidade civil extracontratual).
→ Ações declarativas sem efeitos jurídicos/ de ciência: Ações de facto que
aconselham a adoção de um determinado modo de comportamento aos particulares (ex.
prestação de informação relativamente à adoção de comportamentos saudáveis).
→ Operações materiais (de execução): Ações de facto que produzem um resultado de
facto ou material (ex. remoção de um automóvel da via pública (através do uso da
força)).
1.1.2 Ação administrativa quanto à natureza da forma
Quanto à natureza da forma, a ação administrativa pode traduzir-se em ações formais e
em ações informais.
- Ações formais: As ações formais são atos que resultam da administração
administrativa e que implicam a observância a uma formalidade ou de um procedimento
previamente estabelecido.
- Ações informais: As ações informais são atos que resultam da administração
administrativa e que não implicam a observância a uma formalidade ou de um
procedimento previamente estabelecido.
1.2 Ação administrativa e ação de particulares
No contexto da ação administrativa, existem situações em que a ação dos particulares
tem especial relevo:

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1) Particulares investidos de funções administrativas através de delegação de poderes
(44º, n. 1 CPA) ou de concessão pública por parte da Administração Pública (ex.
exercício privado de funções administrativas).
2) Particulares integrados em órgãos da Administração Pública na qualidade de
particulares (ex. designação de cidadãos para a composição das mesas eleitorais).
3) Funcionários de facto: Particulares que, sem vínculo formal com a Administração
Pública e, portanto, não-investidos de qualquer função administrativa, assumem o
exercício de funções administrativas próprias da Administração Pública em
circunstâncias excecionais (ex. guerras, terramotos, tsunamis, etc.) e quando, nessas
circunstâncias, a Administração Pública não consegue responder às necessidades do
momento. Apesar de não haver um ato formal de investidura do particular no exercício
de uma função pública, pressupõe-se que a circunstância excecional constitui a fonte de
uma investidura de facto do particular no exercício de uma função pública.
A partir do momento em que a Administração Pública consegue responder às
necessidades surgidas devido a uma circunstância excecional, ela assume o exercício
das funções que o funcionário de facto estava a exercer, deixando este de poder exercê-
las, uma vez que se tratam de funções próprias da Administração Pública. Os atos
praticados pelo funcionário de facto são imputados à própria Administração Pública,
pois são vistos como que praticados por ela.

2. Ato administrativo
Tendo em conta aquilo que já foi objeto de análise, o ato administrativo é um ato que
resulta da ação administrativa, que produz efeitos jurídico-administrativos (ação
jurídica ou ação declarativa com efeitos jurídicos) e que implica a obediência a uma
formalidade ou a um procedimento previamente estabelecido (ação formal).
2.1 Noção de ato administrativo
A noção de ato administrativo decorre do artigo 148º CPA que diz: “ Consideram-se
atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-
administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual
e concreta.” Com base neste artigo, analisar-se-ão de forma pormenorizada os
elementos do ato administrativo:
2.1.1 Decisão
O ato administrativo é uma decisão que é caracterizada por ser expressa (1), unilateral
(2) e de autoridade (3):
Decisão expressa:
Em regra, os atos administrativos, sendo ações declarativas com efeitos jurídicos, são
emitidos de forma expressa.
-» Nota importante: A decisão não se confunde com a forma da sua exteriorização que
tanto pode ser escrita como oral ou eletrónica (150º CPA). Ou seja, a forma de
exteriorização da decisão consiste no modo como a decisão é levada ao conhecimento
daquele ao qual se destina, sendo que a própria decisão está contida na forma de
exteriorização. Convém não confundir uma coisa da outra.
Contudo, existem situações em que os atos administrativos não são emitidos de forma
expressa:
1. Atos administrativos implícitos: Os atos administrativos implícitos são decisões
que se encontram implícitas na operação material (de execução) a que dizem respeito,
não havendo qualquer tipo de procedimento declarativo por parte da
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Administração. Para que os atos administrativos implícitos possam ser praticados, têm
que se preencher dois requisitos:
1) O agente que procede à operação material tem de ser o titular do órgão
competente para a prática do ato administrativo.
2) Tem que estar em causa uma situação de estado de necessidade (3º, n. 2 CPA),
sendo que os lesados têm direito a serem indemnizados no caso de a Administração lhes
causar danos (102º CRP).
→ Exemplo: Numa determinada localidade, verifica-se que um porco numa pocilga está
infetado com uma doença que pode afetar a saúde do ser humano (2). Neste tipo de
situações, o agente competente (1) pode proceder ao abate do animal (operação material
que contém a decisão implicitamente) sem que haja qualquer tipo de procedimento
declarativo por parte da Administração. Contudo, o dono do animal poderá vir a ser
indemnizado pelo abate.
2. Atos administrativos concludentes: Os atos administrativos concludentes são
decisões que são suscetíveis de serem retiradas de uma decisão emitida expressamente.
→ Exemplo: Perante dois pedidos de autorização para a construção de um parque de
estacionamento no subsolo da mesma praça pública, formulados por A e B, a
Administração concede uma autorização expressa ao requerente A, não se pronunciando
sobre o pedido de B. Contudo, da decisão expressa da Administração relativamente à
pretensão de A poder-se-á concluir a decisão concludente da Administração
relativamente à pretensão de B, nomeadamente o indeferimento, uma vez que é
impossível construir dois parques de estacionamento no subsolo de uma mesma praça
pública.
3. Atos administrativos tácitos: Em regra, o silêncio da Administração não tem
qualquer valor jurídico. De acordo com o artigo 129º CPA, a falta, no prazo legal, de
decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente constitui
incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado/requerente a
possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados.
→ Ou seja, o silêncio da Administração apenas confere ao interessado/requerente a
legitimidade para utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional, não tendo
qualquer tipo de valor jurídico.
Possíveis consequências do incumprimento do dever de decisão:
- Responsabilidade disciplinar (128º, n. 5 CPA)
- Responsabilidade civil
Contudo, excecionalmente, o silêncio da Administração pode ter valor jurídico,
nomeadamente quando estejam em causa atos administrativos tácitos. Para tal, é
necessário que se preencham três requisitos (130º, n. 1 CPA):
1) Requerimento dirigido ao órgão competente que tem que decidir dentro do prazo
legal (em regra, 60 dias (128º, n. 1 CPA))
2) Ausência de notificação da decisão final dentro do prazo legal
3) Determinação legal (lei) ou regulamentar (regulamento) que a ausência de
notificação da decisão final dentro do prazo legal tem o valor jurídico de deferimento.
Decisão unilateral:
Os atos administrativos são decisões unilaterais. Isto significa que a sua existência
jurídica depende apenas da declaração do respetivo autor (autotutela declarativa).
Contudo, existem situações excecionais em que a existência jurídica do ato
administrativo depende da aceitação do respetivo destinatário (ex. ingresso numa
carreira). Neste caso está-se perante atos administrativos receptícios.
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Decisão de autoridade:
Os atos administrativos são decisões de autoridade. Isto significa que o ato
administrativo envolve o exercício de poderes públicos de autoridade (poderes de emitir
comandos vinculativos, executáveis pela força contra aqueles a quem se dirigem) por
parte da Administração e produz efeitos jurídico-administrativos na esfera jurídica do(s)
destinatário(s) independentemente da sua vontade (autotutela executiva).
Distinção entre executividade e executoriedade (→ análise em ponto posterior)
- Executividade: A executividade consiste na capacidade da Administração Pública
de titular uma execução sem necessidade de intervenção judicial.
→ Como o ato administrativo constitui um título executivo, está em condições de ser
executado pela Administração Pública sem a necessidade de qualquer intervenção
judicial que, através de uma sentença, o confirme ou valide.
- Executoriedade: A executoriedade consiste no poder de execução coativa por
meios próprios da Administração Pública, sem necessidade de intervenção judicial,
quando os destinatários do ato administrativo não o cumprem voluntariamente.
→ Se o ato administrativo for dotado de força executória, é suscetível de ser executado
coativamente por meios próprios da Administração Pública, sem intervenção judicial.
-» Exemplo: A Administração adota um ato administrativo, ordenando a demolição
de uma casa em ruinas. Sendo o ato administrativo um título executivo, está em
condições de ser executado sem a necessidade de mediação judicial. Para além disso, se
tiver força executória, a Administração, por meios próprios e sem a mediação judicial,
pode executar coativamente o ato administrativo em causa.
2.1.2 Exercício de poderes jurídico-administrativos
Os atos administrativos são decisões que são adotadas no exercício de poderes
jurídico-administrativos, ou seja, no exercício de poderes públicos de autoridade que
são conferidos à Administração por normas de Direito Público. Tal permite à
Administração Pública sobrepor o interesse público ao interesse privado e assegurar a
prossecução e realização do interesse público de forma unilateral (autotutela
declarativa) e independentemente do consentimento dos particulares (autotutela
executiva). Porém, a Administração Pública, no exercício de poderes públicos de
autoridade, tem que respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares.
2.1.3 Produção de efeitos jurídicos externos
Os atos administrativos são decisões que visam produzir efeitos jurídicos externos, ou
seja, na esfera jurídica do destinatário (particular ou bem) ou de um conjunto de
destinatários, definindo a sua situação jurídica. Esses efeitos jurídicos podem ser:
- Positivos: Os efeitos jurídicos positivos são efeitos que o ato administrativo produz na
esfera jurídica do destinatário ou de um conjunto de destinatários, podendo tanto ser
favoráveis (ex. situações jurídicas de vantagem) como desfavoráveis (ex. situações
jurídicas de desvantagem).
- Negativos: Os efeitos jurídicos negativos são efeitos que eram pretendidos pelo
destinatário ou pelo conjunto de destinatários e que o órgão competente se recusou a
produzir na(s) sua(s) esfera(s) jurídica(s) (ex. indeferimento de um requerimento ou
recusa de apreciação de um requerimento).
2.1.4 Situação individual e concreta
Os atos administrativos são decisões que, no exercício de poderes jurídico-
administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e
concreta. Isto significa que os atos administrativos visam resolver uma situação
concreta e produzem efeitos jurídico-administrativos na esfera jurídica de um número
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determinado de destinatários, definindo a sua situação jurídica.
→ Os atos administrativos também podem definir a situação jurídica de um bem,
estando em causa atos administrativos reais (ex. classificação de um monumento
como património histórico através de um ato administrativo).
Desta forma, os atos administrativos distinguem-se dos regulamentos administrativos
que visam resolver uma situação abstrata e produzem efeitos jurídico-administrativos
na esfera jurídica de um número indeterminado de destinatários (situação geral).
Contudo, existem dois tipos de atos administrativos que fogem àquela regra:
- Atos administrativos gerais: Decisões que visam resolver uma situação concreta mas
produzem efeitos jurídico-administrativos na esfera jurídica de um número de
destinatários que, no momento da emissão da decisão, não é imediatamente
determinável.
-» Exemplo: A retirada de todas as pessoas de uma feira é uma decisão, emitida por
agentes da autoridade, que visa resolver um determinado problema de segurança, mas
que produz efeitos jurídico-administrativos na esfera jurídica de um número de
destinatários que, no momento da emissão da decisão, não é imediatamente
determinável mas que poderá ser determinado, podendo os agentes de autoridade
proceder à identificação das pessoas.
- Atos administrativos abstratos: Decisões que produzem efeitos jurídico-
administrativos na esfera jurídica de um número determinado de destinatários mas não
têm como objetivo resolver uma situação concreta, visando antes resolvê-la quando e se
surgir. Para tal constitui obrigações individuais permanentes, ou seja, obrigações que
não se esgotam no momento da prática do ato na esfera jurídica do destinatário ou do
conjunto de destinatários determinados.
-» Exemplo: No âmbito da regulação comportamental, a imposição a um operador
económico individualizado da observância de uma conduta de cumprimento de regras
de sã concorrência ou da obrigação de observar certa conduta sempre que, no respetivo
exercício da atividade, ameace o ambiente.
2.2 Tutela jurisdicional efetiva dos particulares
De acordo com o artigo 268º, n. 4 CRP, os atos administrativos, independentemente da
sua forma (legal ou regulamentar), são passíveis de impugnação jurisdicional.
2.3 Funções do ato administrativo
- Função de concretização e individualização: Os atos administrativos constituem um
meio ou instrumento jurídico de aplicação da lei a situações concretas e individuais.
- Função de estabilização de situações jurídicas: Os atos administrativos são passíveis
de serem impugnados junto dos tribunais quando em causa esteja o interesse público ou
os direitos dos particulares. Contudo, se os particulares não os impugnarem no prazo
estabelecido, os atos administrativos estabilizam-se no ordenamento jurídico, tendo
força de caso decidido administrativo.
- Função procedimental: Os atos administrativos constituem a decisão formal de
conclusão de um procedimento administrativo.
- Função de tituladora: Os atos administrativos constituem um título executivo.
- Função processual: Os atos administrativos são passíveis de serem impugnados junto
dos tribunais independentemente da sua forma (268º, n. 4 CRP).

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3. Classificação dos atos administrativos
3.1 Classificação doutrinária
3.1.1 Atos de eficácia duradoura
Os atos de eficácia duradoura são atos que produzem efeitos que não se esgotam no
momento da sua prática e criam uma relação jurídica que se prolonga no tempo.
-» Exemplo: Licença para a instalação de uma indústria, autorização para o exercício
de uma atividade, a concessão de uso privativo do domínio público
Distinguem-se assim dos atos de eficácia instantânea que produzem efeitos que se
esgotam no momento da sua prática e criam uma relação jurídica que não se prolonga
no tempo.
-» Exemplo: Ordem relativa à entrega de um bem ou ao pagamento de uma quantia
3.1.2 Atos negativos
Os atos negativos são atos que recusam a produção dos efeitos pretendidos pelo
requerente ou pelo conjunto de requerentes na(s) sua(s) esfera(s) jurídica(s).
-» Exemplo: Indeferimento de requerimento, recusa de apreciação de requerimento
3.1.3 Atos constitutivos de direitos
Os atos constitutivos de direitos são atos que atribuem ou reconhecem situações
jurídicas de vantagem (direito, subsídio, isenção, financiamento) ou eliminam/limitam
deveres, ónus, encargos ou sujeições (167º, n. 3 CPA).
3.1.4 Atos precários
Os atos precários são atos que produzem efeitos que estão sempre sujeitos a revogação
discricionária por parte da Administração ou que dependem de condições resolutivas.
Pela sua própria natureza, os efeitos jurídicos criados pelos atos precários apenas
existem por mera tolerância da Administração, que pode modificá-los ou extingui-los
em todos os casos e em qualquer momento, não sendo, assim, constitutivo de direitos.
-» Exemplo: Delegação de poderes
3.1.5 Atos provisórios
Os atos provisórios são atos que produzem efeitos que dependem de uma futura
pronúncia definitiva pela Administração.
-» Exemplo: Autorização provisória para o exercício de uma atividade
3.1.6 Pré-decisões
As pré-decisões são atos que, antecedendo à decisão ou ato final, decidem sobre a
existência de condições ou de requisitos de que depende a prática efetiva de tal ato. As
pré-decisões subdividem-se em:
- Atos prévios: Os atos prévios são atos que decidem um requerimento, mas não têm
efeitos permissivos, ou seja, não habilitam o requerente ao exercício de qualquer
atividade. Contudo, a decisão contida no ato prévio vincula o ato ou decisão final.
-» Exemplo: Aprovação de projeto de arquitetura
- Atos parciais: Os atos parciais são atos que decidem uma parte do requerimento e
têm efeitos permissivos, ou seja, habilitam o requerente ao exercício da atividade que já
foi objeto de apreciação.
-» Exemplo: Licença parcial para a realização de escavações necessárias para o
início da construção que antecede a licença final de construção
3.1.7 Promessas administrativas
As promessas administrativas são atos através dos quais a Administração
unilateralmente se auto-vincula à prática de um ato administrativo favorável.
-» Exemplo: A, que pretende realizar uma construção, pode dirigir-se ao município e

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solicitar uma informação prévia. O órgão administrativo analisa o pedido solicitado,
podendo ou não emitir-lhe a informação prévia. Se o órgão administrativo decidir
conceder-lhe a informação prévia, A poderá começar a realizar a construção pretendida,
sendo que o órgão administrativo fica vinculado a emitir-lhe a licença em conformidade
com a informação prévia.
3.2 Classificação em função do conteúdo
3.2.1 Atos desfavoráveis
Os atos desfavoráveis são atos que geram situações jurídicas de desvantagem na esfera
jurídica do destinatário ou do conjunto de destinatários.
-» Exemplo: Constituição de um dever, ónus, encargo ou sujeição ou
eliminação/limitação de um direito
Os atos desfavoráveis podem ser:
- Atos ablativos: Os atos ablativos são atos que eliminam, comprimem ou
extinguem direitos ou faculdades da esfera jurídica dos destinatários.
-» Exemplo: Expropriação de um imóvel ou móvel, apreensão da carta de
condução, encerramento de um estabelecimento, abate de animais, etc.
- Atos impositivos: Os atos impositivos são atos que impõem obrigações de
conteúdo positivo (ex. demolição de prédio) ou negativo (ex. proibição de circulação).
- Indeferimentos/atos negativos: Os indeferimentos são atos negativos que recusam
a produção dos efeitos que eram pretendidos pelo requerente ou pelo conjunto de
requerentes na(s) sua(s) esfera(s) jurídica(s).
3.2.2 Atos favoráveis
Os atos favoráveis são atos que geram situações jurídicas de vantagem na esfera jurídica
do destinatário ou do conjunto de destinatários.
-» Exemplo: Constituição de um direito ou eliminação/limitação de um dever, ónus,
encargo ou sujeição
Os atos favoráveis podem ser:
- Concessões: As concessões são atos que conferem ou ampliam direitos ou
faculdades ou extinguem deveres.
- Concessões translativas: As concessões translativas são atos que transmitem na
esfera jurídica do destinatário ou do conjunto de destinatários direitos já existentes na
esfera jurídica da Administração (ex. construção de uma obra pública) ou o exercício de
poderes públicos (ex. certificação, acreditação).
- Concessões constitutivas: As concessões constitutivas são atos que criam “ex
novo” um direito, ou seja, um direito que não existe na esfera jurídica da
Administração, na esfera jurídica do destinatário ou do conjunto de destinatários.
-» Exemplo: Instalação de quiosque no espaço público, concessão de cidadania
- Promessa da prática de um ato favorável: A promessa da prática de um ato
favorável é um ato através do qual a Administração unilateralmente se auto-vincula à
prática de um ato administrativo favorável.
- Renúncia administrativa: A renúncia administrativa é um ato através do qual a
Administração extingue ou limita deveres, ónus, encargos ou sujeições na esfera
jurídica do destinatário ou do conjunto de destinatários que este(s) tinha(m) perante a
própria Administração.
→ A renúncia administrativa consiste num ato raro, uma vez que, em teoria, todo o ato
que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida
aos órgãos administrativos é nulo (36º, n. 2 CPA).
- Ato de adjudicação: Ato de adjudicação de posições contratuais.

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- Autorizações: As autorizações são atos que removem um limite imposto por lei ao
exercício de uma atividade fora do domínio administrativo da entidade autorizante.
Dentro das autorizações pode-se distinguir:
- Autorizações nas relações entre Administração e particulares: No âmbito
das autorizações nas relações entre a Administração e os particulares, a atuação do
particular depende de uma intervenção administrativa favorável.
-» Dispensa: A dispensa é uma autorização que remove, a título excecional, o
cumprimento de um dever legal na esfera jurídica do destinatário ou do conjunto de
destinatários, mas cujo cumprimento se impõe a todos.
-» Exemplo: Autorização para construir numa zona sujeita ao regime Reserva
Ecológica Nacional ou Reserva Agrícola Nacional
-» Licença ou autorização constitutiva: A licença é uma autorização que constitui
um direito subjetivo na esfera jurídica do destinatário ou do conjunto de destinatários
em áreas de atuação sujeitas a proibição relativa pela lei.
-» Exemplo: Autorização para o funcionamento de estações emissoras de rádio
-» Autorização propriamente dita ou autorização permissiva: A autorização
propriamente dita é uma autorização que remove limites legais ao exercício de direitos
subjetivos por parte de particulares. Ou seja, embora o direito subjetivo já exista na
esfera jurídica do particular, o seu exercício está condicionado por lei. Este
condicionamento pode ser levantado pela Administração através de uma licença.
-» Exemplo: Autorização para sair do país
-» Reconhecimento: O reconhecimento é uma autorização que permite o exercício
de uma certa atividade por parte dos particulares quando já foi autorizado por outra
entidade.
-» Exemplo: Autorização o exercício de advocacia por parte de advogados
estrangeiros
- Autorizações nas relações entre órgãos administrativos:
-» Autorização constitutiva de legitimação: A autorização constitutiva de
legitimação é uma autorização através da qual o órgão autorizante confere ao órgão
autorizado a possibilidade de praticar um ato administrativo para o qual já é competente.
-» Aprovação: A aprovação é uma autorização que desencadeia a eficácia do ato
administrativo aprovado.
3.2.3 Atos relativos a status
Os atos relativos a status são atos através dos quais se procede à criação (ex. admissão),
à modificação (ex. transferência) ou à extinção (ex. expulsão) de um estatuto (ex.
estudante).
3.2.4 Atos secundários ou de 2º grau
Os atos secundários ou de 2º grau são atos que têm por objeto um outro e anterior ato
administrativo.
-» Exemplo: Um ato administrativo ilegal pode, a qualquer momento e sem a
intervenção dos tribunais, ser revisto e anulado pela Administração.

4. Procedimento de formação de atos administrativos


Para que um ato administrativo, que resulta da ação administrativa, seja adotado por
qualquer órgão administrativo e tenha validade administrativa, é necessário que se
cumpram, ainda antes da sua adoção, um conjunto de atos e de formalidades. A esse
conjunto de formalidades dá-se o nome de procedimento administrativo.

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4.1 Noção de procedimento administrativo
De acordo com o artigo 1º, n. 1 CPA, o procedimento administrativo consiste na
sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e
execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.
→ Esta noção legalmente consagrada suscita algumas críticas, entendendo-se que se
deveria passar a definir o procedimento administrativo como um conjunto ordenado e
sequencial de atos e formalidades tendentes à formação, manifestação e execução de
atos de caráter jurídico-administrativo adotados pelos órgãos da Administração Pública
ou por quaisquer entidades no exercício de poderes públicos (2º, n. 1 CPA).
-» Formação: Para que qualquer órgão administrativo possa formar a sua vontade
através da adoção de atos de caráter jurídico-administrativo, tem que cumprir um
conjunto ordenado e sequencial de atos e formalidades que visam preparar a prática do
ato ou decisão final.
-» Manifestação: Para que qualquer órgão administrativo possa manifestar a sua
vontade através da adoção de atos de caráter jurídico-administrativo, tem que cumprir
um conjunto ordenado e sequencial de atos e formalidades que visam exteriorizar o ato
ou decisão final, ou seja, dar a conhecer o ato ou decisão final aos interessados.
-» Execução: Para que qualquer órgão administrativo possa executar a sua vontade
através da adoção de atos de caráter jurídico-administrativo, tem que se cumprir um
conjunto ordenado e sequencial de atos e formalidades que visam desencadear a
produção dos efeitos jurídico-administrativos do ato ou decisão final.
→ Conclui-se que o ato ou decisão final é sempre precedido de um procedimento
administrativo, qual caminho que o órgão administrativo tem necessariamente que
seguir para formar, manifestar e executar a sua vontade através de atos de caráter
jurídico-administrativo. Não existe discricionariedade procedimental!
O procedimento administrativo pode ser resumido em dois momentos:
1) Momento do procedimento administrativo declarativo:
Neste momento, o órgão administrativo cumpre o conjunto ordenado e sequencial de
atos e formalidades relativos à formação e à manifestação da sua vontade.
2) Momento do procedimento administrativo executivo:
Neste momento, o órgão administrativo cumpre o conjunto ordenado e sequencial de
atos e formalidades relativos à execução da sua vontade já formada e manifestada.
4.2 Problema do excesso de procedimentalismo
O artigo 1º, n. 1 CPA consagra o princípio de procedimentalidade da ação
administrativa que vigora tanto no momento do procedimento administrativo
declarativo como no momento do procedimento administrativo executivo.
Relativamente a este princípio, a doutrina tem suscitado algumas críticas dirigidas ao
excesso de procedimentalismo que pode prejudicar a celeridade e eficácia da ação
administrativa por parte da Administração devido à burocracia administrativa.
No entanto, o CPA acolhe posições doutrinais e jurisprudenciais que atenuam o excesso
de procedimentalismo. A título de exemplo, o artigo 163º, n. 5, al. b) CPA diz que não
se produz o efeito anulatório quando o fim visado pela exigência procedimental ou
formal preterida tenha sido alcançado por outra via. Isto significa que:
- Em regra, a inobservância de uma exigência procedimental prevista conduz à
invalidade do ato administrativo adotado.
- De acordo com o presente artigo, se o fim visado for alcançado por outra via, a
inobservância de uma exigência procedimental prevista não conduz à invalidade do ato
administrativo adotado.

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Contudo, existem atos administrativos que podem ser adotados por órgãos
administrativos sem que este tenha que seguir um determinado procedimento. São as
chamadas decisões administrativas desprocedimentalizadas:
→ Estado de necessidade administrativa (3º, n. 2; 161º, n. 2, al. l) e 177º, n. 2 CPA)
→ Expropriação urgentíssima
→ Medidas de polícia (ex. quando se verifica uma situação irregular (automóvel
estacionado na via pública que condiciona a passagem), os agentes competentes podem
proceder à sua remoção sem que haja lugar a um procedimento prévio) (→ ver atos
administrativos implícitos)
→ Ordens de internamento compulsivo de urgência (ex. quando o portador de
anomalia psíquica grave cria uma situação de perigo para bens jurídicos e se recusa a
submeter-se ao necessário tratamento médico, os agentes competentes podem proceder
ao seu internamento compulsivo sem que haja lugar a um procedimento prévio)
4.3 Procedimento administrativo e processo administrativo
A distinção entre procedimento administrativo e processo administrativo consta do
artigo 1º, n. 1 e 2 CPA:
- Procedimento administrativo: Sucessão de atos e formalidades relativos à formação,
manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.
→ O procedimento administrativo é um caminho/percurso que qualquer órgão
administrativo deve observar para formar, manifestar e executar a sua vontade.
- Processo administrativo: Conjunto de documentos devidamente ordenados em que se
traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo.
→ O processo administrativo é um conjunto físico, documental ou eletrónico de
documentos que diz respeito a um determinado procedimento administrativo.
4.4 Fases do procedimento administrativo
4.4.1 Fase da iniciativa
Iniciativa oficiosa
- Início do procedimento
1) 53º CPA: O procedimento administrativo inicia-se oficiosamente, ou seja, é
desencadeado pelos órgãos administrativos através de um ato público de iniciativa.
- Notificação do início do procedimento
2) 110º CPA: O início do procedimento é notificado aos interessados, uma vez que o
procedimento pode implicar algumas consequências na sua vida.
→ Contudo, não há lugar à notificação nos casos em que a lei a dispense e naqueles em
que a notificação possa prejudicar a natureza secreta ou confidencial da matéria.
A notificação deve indicar a entidade que ordenou a instauração do
procedimento ou o facto que lhe deu origem, o órgão responsável pela respetiva direção,
a data em que o mesmo se iniciou, o serviço por onde corre e o respetivo objeto.
111º CPA: Os interessados devem comunicar ao responsável pelo procedimento
quaisquer alterações dos respetivos domicílios que venham a acorrer na pendência do
procedimento.
112º CPA: As notificações podem ser efetuadas por carta registada, por contato
pessoal, por telefax, telefone, correio eletrónico ou notificação eletrónica
automaticamente gerada, por edital ou por anúncio.
113º CPA: Relativo à perfeição das notificações em função da forma.
- Prazo para decidir o procedimento de iniciativa oficiosa
3) 128º, n. 6 CPA: O prazo geral para decidir procedimentos de iniciativa oficiosa é de
120 dias.

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Iniciativa particular
- Requerimento inicial
1) 53º CPA: O procedimento administrativo inicia-se a solicitação dos interessados
através de um requerimento aos órgãos administrativos.
102º CPA: O requerimento deve conter um conjunto de dados.
- Apresentação do requerimento
2) 103º CPA: Em regra, o requerimento deve ser apresentado nos serviços dos órgãos
aos quais são dirigidos.
104º CPA: O requerimento dirigido a órgãos administrativos podem ser apresentados
por entrega nos serviços, por remessa pelo correio, por envio através de telefax, por
transmissão eletrónica, por formulação verbal.
- Registo da apresentação do requerimento
3) 105º CPA: A apresentação do requerimento é sempre objeto de registo. Nos serviços
que disponibilizem meios eletrónicos de comunicação, o registo da apresentação dos
requerimentos pode fazer-se por via eletrónica.
- Recibo da entrega do requerimento
4) 106º e 107º CPA: Os interessados podem exigir recibo comprovativo da entrega dos
requerimentos apresentados. O registo eletrónico emite automaticamente um recibo
comprovativo da entrega dos requerimentos apresentados por transmissão eletrónica de
dados, contendo a indicação da data e hora da apresentação e o número de registo.
5) 108º CPA: Relativo à verificação de deficiências do requerimento inicial.
Legitimidade para iniciar o procedimento de iniciativa particular e para nele se
constituir-se como interessados (68º CPA):
→ O interessado tem de ter legitimidade para iniciar o procedimento junto dos serviços
do órgão administrativo competente e para nele intervir.
n. 1:
- Legitimidade procedimental individual
- Legitimidade procedimental coletiva para defesa dos seus interesses coletivos
- Legitimidade procedimental coletiva para defesa de interesses individuais
n. 2:
- Legitimidade procedimental para proteção de interesses difusos (saúde pública,
habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de
vida, consumo de bens e serviços e património cultural)
-» Exemplo: A instalação de uma indústria afeta o meio ambiente. Neste caso,
não é apenas o dono da indústria que tem legitimidade procedimental, mas também
todos os cidadãos se virem que o ambiente não está a ser protegido como devia.
n. 3:
- Legitimidade procedimental individual para defesa de bens do Estado, Regiões
Autónomas e Autarquias Locais
→ São interessados os titulares de interesses individuais, coletivos e gerais comuns.
Constituição da relação jurídica procedimental (65º CPA):
→ Dando-se início ao procedimento, constitui-se uma relação jurídica procedimental.
n. 1: São sujeitos da relação jurídica procedimental…
- Entidades sujeitas ao âmbito de aplicação do CPA (2º, n. 1 CPA)
- Pessoas singulares e coletivas legitimadas (68º, n. 1-4 CPA)
n. 2: Consideram-se interessados no procedimento…
- Pessoas singulares e coletivas legitimadas (68º, n. 1-4 CPA)

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- Notificação do início do procedimento
6) 110º CPA: O início do procedimento é notificado aos interessados, uma vez que o
procedimento pode implicar algumas consequências na sua vida.
→ Contudo, não há lugar à notificação nos casos em que a lei a dispense e naqueles em
que a notificação possa prejudicar a natureza secreta ou confidencial da matéria.
A notificação deve indicar a entidade que ordenou a instauração do
procedimento ou o facto que lhe deu origem, o órgão responsável pela respetiva direção,
a data em que o mesmo se iniciou, o serviço por onde corre o respetivo objeto.
111º CPA: Os interessados devem comunicar ao responsável pelo procedimento
quaisquer alterações dos respetivos domicílios que venham a acorrer na pendência do
procedimento.
112º CPA: As notificações podem ser efetuadas por carta registada, por contato
pessoal, por telefax, telefone, correio eletrónico ou notificação eletrónica
automaticamente gerada, por edital ou por anúncio.
113º CPA: Relativo à perfeição das notificações em função da forma.
- Decisão do procedimento
7) Princípio da decisão (13º CPA)
→ A partir do momento em que o requerimento é apresentado junto dos serviços do
órgão administrativo competente pela direção do procedimento, este tem
necessariamente que cumprir dois deveres, nomeadamente o dever geral de pronúncia
e o dever legal de decisão.
8) Prazo geral para decidir
De acordo com o artigo 128º CPA, o órgão competente tem 60 dias para decidir os
procedimentos de iniciativa particular, salvo se houver outro prazo estabelecido por lei e
podendo ser prorrogado até ao limite máximo de 90 dias.
→ A contagem dos prazos está prevista no artigo 87º CPA, existindo a possibilidade de
dilação (prorrogação da contagem dos prazos) nos termos do artigo 88º CPA, exceto
quando os atos e formalidades em causa sejam praticados através de meios eletrónicos
(n. 5).
→ De acordo com o artigo 129º CPA, o incumprimento do dever legal de decisão
apenas confere ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela
administrativa e jurisdicional adequados.
→ De acordo com o artigo 130º CPA, pode existir deferimento tácito quando a lei ou o
regulamento determinar que a ausência de notificação da decisão final sobre o
requerimento dentro do prazo legal tem o valor de deferimento.
4.4.2 Fase da instrução
Responsável pela direção do procedimento
De acordo com o artigo 55º, n. 1 CPA, a direção do procedimento cabe ao órgão
competente para a decisão final.
→ Contudo, o n. 2 do presente artigo diz que a regra geral deve ser a da delegação da
responsabilidade pela direção do procedimento por parte do órgão competente para a
decisão final em inferior hierárquico. No âmbito dos órgãos colegiais, a delegação é
conferida a membro do órgão ou a agente dele dependente.
→ O responsável pela direção do procedimento pode delegar a realização de diligências
instrutórias em inferior hierárquico (n. 3).
Deveres e princípios procedimentais
- Princípio da imparcialidade, tanto na sua vertente objetiva como na sua vertente
subjetiva:
-» Vertente objetiva (9º CPA): A Administração Pública deve considerar com
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objetividade todos e apenas os interesses relevantes e adotar as soluções e organizações
indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.
-» Vertente subjetiva (69º CPA): Os titulares de órgãos da Administração Pública
e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente
da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em
procedimento administrativo nos casos que se seguem.
→ De acordo com o artigo 76º, n. 1 CPA, os atos praticados em violação do princípio
da imparcialidade são anuláveis.
→ De acordo com o artigo 76º, n. 2 CPA, a omissão do dever de comunicação do
impedimento (70º, n. 1 CPA) constitui falta grave para efeitos disciplinares.
- Princípio do inquisitório (58º CPA): O responsável pela direção do procedimento
e os outros órgãos que participem na instrução podem, mesmo que o procedimento seja
instaurado por iniciativa dos interessados, proceder a quaisquer diligências que se
revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que
respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos
interessados. → Discricionariedade procedimental
→ No entanto, a discricionariedade procedimental está reduzida pelo dever de boa
instrução do procedimento (115º, n. 1 CPA): O responsável pela direção do
procedimento deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado
e necessário à tomada de uma decisão legal e justa dentro de prazo razoável, podendo,
para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.
- Princípio da cooperação e da boa-fé procedimental (60º CPA): Os órgãos da
Administração Pública e os interessados devem cooperar entre si, com vista à fixação
rigorosa dos pressupostos de decisão e à obtenção de decisões legais e justas.
- Dever de celeridade (59º CPA): O responsável pela direção do procedimento e os
outros órgãos intervenientes na respetiva tramitação devem providenciar por um
andamento rápido e eficaz, quer recusando e evitando tudo o que for impertinente e
dilatório, quer ordenando e promovendo tudo o que seja necessário a um seguimento
diligente e à tomada de uma decisão dentro de prazo razoável.
- Princípio da boa administração (5º, n. 1 CPA): A Administração Pública deve
pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade.
- Princípio da adequação procedimental (56º CPA): Na ausência de normas
jurídicas injuntivas, o responsável pela direção do procedimento goza de
discricionariedade na respetiva estruturação, que, no respeito pelos princípios gerais da
atividade administrativa, deve ser orientada pelos interesses públicos da participação, da
eficiência, da economicidade e da celeridade na preparação da decisão (5º, n. 1 CPA).
Acordos endoprocedimentais (57º CPA)
No âmbito da discricionariedade procedimental, o órgão competente para a decisão
final e os interessados podem, por escrito, acordar termos do procedimento.
→ O objeto dos acordos endoprocedimentais pode consistir na organização de
audiências orais para exercício do contraditório entre os interessados que pretendam
uma certa decisão e aqueles que se lhe oponham (n. 2).
→ Os acordos endoprocedimentais têm efeito vinculativo para o órgão responsável
pela direção do procedimento e para os interessados (n. 2).
→ Durante o procedimento, o órgão competente para a decisão final e os
interessados também podem celebrar contrato para determinar, no todo ou em parte, o
conteúdo discricionário do ato administrativo a praticar no termo do procedimento (n.
3).

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Realização de diligências probatórias
115º CPA: O responsável pela direção do procedimento deve procurar averiguar todos
os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal
e justa dentro de prazo razoável, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de
prova admitidos em direito.
→ Prova pelos interessados (116º, n. 1 CPA): Cabe aos interessados provar os factos
que tenham alegado.
→ Solicitação de provas aos interessados (117º CPA): O responsável pela direção do
procedimento pode determinar aos interessados a prestação de informações, a
apresentação de documentos ou coisas, a sujeição a inspeções e a colaboração noutros
meios de prova.
→ Recurso ao auxílio administrativo (66º CPA): O órgão competente para a decisão
final deve, por iniciativa própria, por proposta do responsável pela direção do
procedimento ou a requerimento de um sujeito privado da relação jurídica
procedimental, solicitar o auxílio de quaisquer outros órgãos da Administração Pública,
indicando um prazo útil.
Realização de diligências consultivas (pareceres)
O responsável pela direção do procedimento pode também solicitar a realização de
diligências consultivas, tais como os pareceres:
De acordo com os artigos 91º e 92º CPA, os pareceres podem ser:
-» Obrigatórios: Parecer que é exigido por lei
-» Facultativos: Parecer que não é exigido por lei
-» Vinculativos: Parecer cujas conclusões têm que ser seguidas pelo órgão
responsável pela tomada da decisão final
-» Não vinculativos: Parecer cujas conclusões não têm que ser seguidas pelo órgão
responsável pela tomada da decisão final
→ Os pareceres legalmente previstos consideram-se obrigatórios e não vinculativos,
salvo disposição expressa em contrário (podem ser pareceres obrigatórios vinculativos).
Os pareceres conformes são pareceres cuja vinculatividade depende do sentido das
respetivas conclusões.
-» São vinculativos os pareceres cujas conclusões forem desfavoráveis.
-» São não vinculativos os pareceres cujas conclusões forem favoráveis.
→ Quando a lei estabeleça que a solicitação de um parecer é obrigatório e não seja
solicitada a realização do dito parecer, o ato administrativo que venha a ser praticado
está afetado por um vício procedimental.
→ Quando o parecer for vinculativo e o órgão responsável pela tomada da decisão final
não seguir as suas conclusões, o ato administrativo que venha a ser praticado está
afetado por um vício substancial.
Admissibilidade de medidas provisórias (89º CPA):
→ A qualquer momento, embora sendo mais prováveis durante a fase da instrução, o
órgão administrativo competente para a decisão final pode tomar medidas provisórias
para prevenir lesões graves para o interesse público.
4.4.3 Fase da audiência dos interessados
- Relatório do responsável pela direção do procedimento e proposta de decisão final
1) 126º CPA: Quando o responsável pela direção do procedimento não for o órgão
competente para a decisão final, elabora um relatório no qual indica o pedido do
interessado, resume o conteúdo do procedimento, incluindo a fundamentação da

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dispensa da audiência dos interessados, quando esta não tiver ocorrido, e formula uma
proposta de decisão, sintetizando as razões de facto e de direito que a justificam.
- Direito de o interessado ouvido antes da tomada de decisão final
2) 121º, n. 1 e 122º, n. 2 CPA: Os interessados têm o direito de ser ouvidos no
procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados,
nomeadamente, sobre o sentido provável desta. A notificação fornece o projeto de
decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos
os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também
as horas e o local onde o processo pode ser consultado.
- Modo e prazo para realizar a audiência
3) 122º, n. 1 CPA: O órgão responsável pela direção do procedimento determina, em
cada caso, se a audiência se processa por forma escrita ou oral e manda notificar os
interessados para, em prazo não inferior a 10 dias, dizerem o que se lhes oferecer.
- Efeito da realização da audiência sobre os prazos
4) 121º, n. 3 CPA: A realização da audiência suspende a contagem de prazos em todos
os procedimentos administrativos.
- Dispensa de audiência dos interessados
→ 124º CPA: O responsável pela direção do procedimento pode não proceder à
audiência dos interessados, devendo a decisão final indicar as razões da não-realização
da audiência.
- Realização da audiência dos interessados nas conferências procedimentais
→ 80º CPA: Na conferência procedimental, o direito de audiência dos interessados é
exercido oralmente, em sessão na qual estejam presentes todos os órgãos participantes,
e, no caso da conferência de coordenação, em simultâneo quanto às várias decisões a
adotar, podendo os interessados apresentar alegações escritas, as quais devem constar
como anexo da ata da sessão. Nos procedimentos em que seja obrigatória a audiência
pública, a realização desta na pendência da conferência procedimental suspende o prazo
para a conclusão da mesma.
4.4.4 Fase constitutiva ou decisória
Caráter expresso da decisão
Depois de realizada a audiência dos interessados, procede-se à tomada da decisão final.
De acordo com o artigo 94º CPA, na decisão final, o órgão competente deve resolver
todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não hajam sido
decididas em momento anterior.
De acordo com o artigo 155º, n. 2 CPA, o ato considera-se praticado quando seja
emitida uma decisão que identifique o autor e indique o destinatário, se for o caso, e o
objeto a que se refere o seu conteúdo. Ou seja, em regra, o ato administrativo é emitido
de forma expressa. Contudo, existem situações em que os atos administrativos não são
emitidos de forma expressa (ex. atos administrativos implícitos e concludentes).
De acordo com o artigo 129º CPA, o silêncio da Administração não tem qualquer valor
jurídico, apenas conferindo ao interessado/requerente a legitimidade para utilizar os
meios de tutela administrativa e jurisdicional, não tendo qualquer tipo de valor jurídico.
Contudo, excecionalmente, o silêncio da Administração pode ter valor jurídico,
nomeadamente quando estejam em causa atos administrativos tácitos.
Forma da decisão
De acordo com o artigo 150º CPA, os atos administrativos devem ser praticados por
escrito, desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e

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circunstâncias do ato. A forma escrita só é obrigatória para os atos dos órgãos colegiais
quando a lei expressamente a determinar, mas esses atos devem ser sempre consignados
em ata, sem o que não produzem efeitos.
→ A inobservância da forma conduz à invalidade do ato administrativo.
Menções que devem constar da decisão
De acordo com o artigo 151º CPA, devem constar do ato um conjunto de menções que
devem ser enunciadas de forma clara, de modo a poderem determinar-se de forma
inequívoca o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo.
Dever de fundamentação
De acordo com o artigo 152º CPA, os atos administrativos devem ser fundamentados.
De acordo com o artigo 153º CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de
sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir
em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres,
informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
→ Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade,
contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
De acordo com o artigo 154º CPA, a fundamentação dos atos orais (atos administrativos
sem redução a escrito) que não constem de ata deve, a requerimento dos interessados, e
para efeitos de impugnação, ser reduzida a escrito e comunicada integralmente àqueles,
no prazo de 10 dias.
Conteúdo decisório do ato administrativo e cláusulas acessórias do ato
De acordo com o artigo 149º CPA, o órgão administrativo competente pode adotar
cláusulas acessórias que permitem adaptar o conteúdo do ato às circunstâncias do caso
concreto, invocando a condição, o termo, o modo e a reserva.
4.4.5 Fase eventual integrativa da eficácia
A fase integrativa da eficácia é uma fase eventual, uma vez que não acrescenta nada de
inovador à decisão, tendo o objetivo de lhe conceder eficácia.
De acordo com o artigo 155º CPA, o ato administrativo, em regra, produz os seus
efeitos desde a data em que é praticado (quando seja emitida uma decisão). Contudo,
existem situações em que se tem que proceder à prática de atos integrativos da eficácia
que consistem em atos que não contribuem para a definição do conteúdo do ato
administrativo mas visam remover os obstáculos à produção dos seus efeitos:
Atos integrativos da eficácia
- Publicação obrigatória: A falta de publicação do ato, quando legalmente exigida,
implica a sua ineficácia (158º, n. 2 CPA).
- Controlo preventivo (ex. visto do Tribunal de Contas a atos que impliquem despesas
de um valor muito elevado)
- Aprovação: As deliberações dos órgãos colegiais só se tornam eficazes depois de
aprovadas as respetivas atas ou depois de assinadas as minutas e a eficácia das
deliberações constantes da minuta cessa se a ata da mesma reunião não as reproduzir
(34º, n. 6 CPA).
- Título que certifique a emissão (ex. emissão de alvará que titule uma autorização para
a realização de operações urbanísticas)
- Declaração de aceitação por parte do destinatário (ex. atos receptícios)
- Notificação obrigatória aos interessados (114º CPA): Os atos que imponham deveres,
encargos, ónus, sujeições ou sanções, que causem prejuízos ou restrinjam direitos ou
interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício, só são
oponíveis aos destinatários a partir da respetiva notificação (160º CPA).
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→ A notificação dos atos administrativos aos destinatários não é uma condição geral
de eficácia do ato administrativo, mas uma condição de oponibilidade aos interessados.
4.5 Procedimentos complexos e conferências procedimentais
Finalidades das conferências procedimentais
De acordo com o artigo 77º, n. 1 CPA, as conferências procedimentais destinam-se ao
exercício em comum ou conjugado das competências de diversos órgãos da
Administração Pública, no sentido de promover a eficiência, a economicidade e a
celeridade da atividade administrativa.
Elasticidade procedimental das conferências procedimentais
De acordo com o artigo 77º, n. 2 CPA, as conferências procedimentais podem dizer
respeito a um único procedimento ou a vários procedimentos conexos, e dirigir-se à
tomada de uma única decisão ou de várias decisões conjugadas.
Modalidades de conferências procedimentais
De acordo com o artigo 77º, n. 3 e 5 CPA, as conferências procedimentais relativas a
vários procedimentos conexos ou a um único procedimento complexo em que há lugar à
tomada de diferentes decisões por diferentes órgãos, podem assumir uma das seguintes
modalidades:
- Conferência deliberativa, destinada ao exercício conjunto (77º, n. 1 CPA) das
competências decisórias dos órgãos participantes através de um único ato (77º, n. 2
CPA) de conteúdo complexo, que substitui a prática, por cada um deles, de atos
administrativos autónomos.
→ Consequências:
1) Exige-se unanimidade na adoção da deliberação, pelo que a pronúncia desfavorável
de qualquer dos participantes na conferência deliberativa determina o indeferimento das
pretensões apreciadas na conferência, salvo se os órgãos acordarem nas alterações
necessárias ao respetivo deferimento e na possibilidade da repetição da conferência,
caso essas alterações sejam concretizadas pelo interessado (81º, n. 5 CPA), embora sem
prejuízo da prática individualizada do ato administrativo (81º, n. 6 CPA).
2) Como o ato é único, a invalidade da pronúncia de um dos órgãos transmite-se para a
decisão final, ficando esta inválida.
3) Consequências ao nível do regime da revogação, anulação e da impugnação
administrativa e judicial do ato, pois na conferência deliberativa, é conferida aos órgãos
participantes a competência conjunta para deliberarem através de um único ato de
conteúdo complexo, a que corresponderia a prática isolada de atos administrativos por
cada um deles (78º, n. 3, al. d) CPA).
- Conferência de coordenação, destinada ao exercício individualizado, mas
simultâneo, das competências dos órgãos participantes, através da prática, por cada um
deles, de atos administrativos autónomos.
→ Consequências:
O ato de cada órgão participante é autónomo dos demais atos praticados por todos e
cada um dos outros órgãos participantes. Trata-se, como diz a lei, de “diversas decisões
conjugadas”. Cada ato mantém a sua identidade ou individualidade, pelo que cada ato é
imputado ao respetivo órgão que o emite, mantendo este o poder de o anular ou revogar
autonomamente e pode igualmente ser objeto de impugnação administrativa ou
jurisdicional autónoma.
Contratos substitutivos de atos administrativos
De acordo com o artigo 77º, n. 4 CPA, quando não exista incompatibilidade entre a
forma contratual e a matéria a conformar, as conferências deliberativa e de coordenação
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podem terminar pela celebração de um contrato entre os órgãos participantes e o
interessado, em substituição do ato ou dos atos cuja preparação se visava.
4.6 Eficácia e execução do ato administrativo
4.6.1 Noções
A executividade consiste na capacidade de titular uma execução sem necessidade da
intervenção de outro poder.
→ Todos os atos administrativos constituem um título executivo, ou seja, a
Administração Pública é capaz de titular uma execução sem necessidade da intervenção,
por exemplo, judicial.
A executoriedade em sentido estrito consiste no poder de execução coativa da
Administração, por meios próprios, sem necessidade da intervenção judicial, de atos
administrativos constitutivos de obrigações ou deveres quando os particulares não
cumpram voluntariamente esses mesmos deveres impostos por esses mesmos atos.
→ Se bem que todos os atos administrativos constituem um título executivo, nem todos
os atos administrativos têm força executória, ou seja, a Administração Pública nem
sempre tem o poder de execução coativa, por meios próprios, de atos administrativos
por ela adotados, quando os respetivos destinatários não cumpram voluntariamente
aquilo que lhes é imposto. É a estes atos que se aplica o regime consagrado no artigo
175º, n. 1 CPA.
4.6.2 Procedimento executivo (de execução) de atos administrativos
De acordo com o artigo 176º, n. 1 CPA, a satisfação de obrigações e o respeito por
limitações decorrentes de atos administrativos só podem ser impostos coercivamente
pela Administração nos casos e segundo as formas e termos expressamente previstos
na lei, ou em situações de urgente necessidade pública, devidamente fundamentada.
Diz ainda o n. 2 que a execução coerciva de obrigações pecuniárias é sempre possível.
→ Na execução dos atos administrativos, a Administração tem que ter em conta um
conjunto de princípios (178º CPA).
1) Prática prévia do ato exequendo antes da prática de ato jurídico ou operação material
de execução (177º, n. 2 CPA)
2) Emissão de um ato de execução autónomo, devidamente fundamentado, para
proceder à execução administrativa, exceto em estado de necessidade (175º, n. 2 CPA)
3) Ato de execução é notificado ao destinatário (175º, n. 3 CPA)
-» Exemplo: O Presidente da Câmara Municipal emite uma decisão que obriga um
particular a demolir o seu prédio. Se o particular não o fizer no prazo estabelecido, a
Câmara Municipal emite uma decisão autónoma da primeira que lhe permite executar
coercivamente a decisão anterior, uma vez que o particular não o fez voluntariamente.
4.6.3 Regime de execução das obrigações pecuniárias
Quando, por força de um ato administrativo, devam ser pagas prestações pecuniárias a
uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta, segue-se, na falta de pagamento
voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal, tal como regulado na
legislação do processo tributário (179º, n. 1 CPA).
-» Exemplo: Quando o particular A tem uma dívida para com a Administração, esta
tem um título executivo mas não pode, por si, executar o título, tendo que enviá-lo para
os tribunais administrativos para que se proceda à execução coerciva (179º CPA).

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4.6.4 Regime de execução para entrega de coisa certa
Se o obrigado não fizer a entrega da coisa devida, o órgão competente procede às
diligências que forem necessárias para tomar posse administrativa da mesma (180º
CPA).
4.6.5 Regime de execução para prestação de facto
Se o obrigado não cumprir prestação de facto fungível dentro do prazo fixado, o órgão
competente pode determinar que a execução seja realizada diretamente ou por
intermédio de terceiro, ficando, neste caso, todas as despesas, incluindo indemnizações
e sanções pecuniárias, por conta do obrigado (181º CPA).
4.6.6 Garantias dos executados
De acordo com o artigo 182º, n. 1 do CPA, os executados podem impugnar
administrativa e contenciosamente o ato exequendo e, por vícios próprios, a decisão de
proceder à execução administrativa ou outros atos administrativos praticados no âmbito
do procedimento de execução, assim como requerer a suspensão contenciosa dos
respetivos efeitos.
De acordo com o artigo 182º, n. 3 CPA, os executados podem propor ações
administrativas comuns e requerer providências cautelares para prevenir a adoção de
operações materiais de execução ou promover a remoção das respetivas consequências.
Sempre que, nos termos do presente Código e demais legislação aplicável, a satisfação
de obrigações ou o respeito por limitações decorrentes de atos administrativos não possa
ser imposto coercivamente pela Administração, esta pode solicitar a respetiva execução
ao tribunal administrativo competente, nos termos do disposto na lei processual
administrativa (183º CPA).

5. Requisitos de validade e invalidade do ato administrativo


O ato administrativo tem necessariamente que preencher um conjunto de requisitos para
que seja válido. Faltando um determinado requisito, o ato administrativo sofre um
determinado vício que conduz à invalidade do ato em questão. Por conseguinte, o ato
administrativo, dependendo do vício de que sofre, pode ser considerado nulo ou
anulável.
→ Em regra, os atos administrativos são meramente anuláveis, em termos do artigo
163º, n. 1 CPA, continuando a produzir efeitos jurídico-administrativos na esfera
jurídica do destinatário. Sendo assim, o destinatário está obrigado a cumprir os efeitos
jurídicos do ato administrativo anulável até e se proceder à impugnação judicial do ato
dentro do prazo estabelecido. Tendo decorrido tal prazo, a decisão estabelece-se na
ordem jurídica, deixando de ser impugnável e tornando-se caso decidido administrativo.
Contudo, existem atos administrativos aos quais a lei impõe a invalidade radical da
nulidade, de acordo com o artigo 161º, n. 2 CPA, cessando a sua produção de efeitos
jurídico-administrativos na esfera jurídica do destinatário.
5.1 Quanto ao sujeito (órgão autor da prática o ato administrativo)
Atribuições do órgão
Os órgãos administrativos só podem praticar atos administrativos quando atuem dentro
das atribuições (conjunto de matérias relativas a um determinado interesse coletivo
qualificado como interesse público) das pessoas coletivas em que se integram.
→ Consequência: A falta de atribuições ou a prática de atos estranhos às atribuições da
pessoa coletiva em que o órgão autor do ato administrativo se integra constitui um vício
quanto ao sujeito por incompetência absoluta.
-» Nulidade (161º, n. 2, al. b) CPA).
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Nota importante:
Os Ministérios, embora não sejam pessoas coletivas públicas, excecionalmente são
dotados de atribuições para delimitar os círculos de competência de cada Ministério. Por
conseguinte, se um Ministro pensa que tem certas atribuições e não tem, provoca a
nulidade do ato por vício quanto ao sujeito por incompetência absoluta.
Competência do órgão
Os órgãos administrativos só podem praticar atos administrativos quando exerçam
competências (conjunto de poderes conferido por lei ou por regulamento a um órgão
administrativo) materiais e territoriais.
-» Exemplo: A Universidade de Coimbra é uma pessoa coletiva pública, composta
por Concelhos Científicos que têm, cada um, um círculo de competências delimitado.
Se o Reitor praticar um ato administrativo que seria da competência do Concelho
Científico da FDUC, tal ato sofre de um vício quanto ao sujeito por incompetência
material. Se o Concelho Científico da FDUC praticar um ato administrativo que seria da
competência do Concelho Científico da FDUL, tal ato sofre de um vício quanto ao
sujeito por incompetência territorial.
→ Consequência: A falta de competência (material ou territorial) ou a prática de atos
estranhos às competências (materiais ou territoriais) do órgão administrativo constitui
um vício quanto ao sujeito por incompetência material ou territorial.
-» Anulabilidade (163º, n. 1 CPA)
Legitimação do órgão
Todos os vícios que digam respeito ao funcionamento dos órgãos colegiais
(inobservância do quórum legalmente exigida, tomada de deliberações com
inobservância da maioria legalmente exigível, tomada de deliberações
tumultuosamente) constituem um vício quanto ao sujeito por falta de legitimação.
-» Nulidade (161º, n. 2, al. h) CPA)
A inobservância das garantias de imparcialidade (69º CPA) constitui um vício quanto
ao sujeito por falta de legitimação.
-» Anulabilidade (76º, n. 1 CPA, 163º, n. 1 CPA)
No âmbito das relações entre órgãos administrativos, se um órgão administrativo
necessita de uma autorização constitutiva de legitimação para a prática de um ato
administrativo para a qual já é competente e o órgão administrativo autorizante não lhe
o confere, tal constitui um vício quanto ao sujeito por falta de legitimação.
-» Anulabilidade (163º, n. 1 CPA)
Usurpação de poder
A usurpação (ação de se apoderar de função que não lhe pertence por direito) de poder
ou de funções constitucionalmente reservadas a outro órgão de soberania do Estado
constitui um vício quanto ao sujeito por usurpação de poderes.
-» Nulidade (161, n. 2, al. a) CPA)
-» Exemplo: O Presidente da Câmara Municipal de Coimbra pratica um ato
administrativo que decide um conflito entre o município e um particular que tem por
objeto o direito de propriedade sobre um bem. Tal função não compete ao Presidente da
Câmara Municipal, mas sim ao poder judicial.
5.2 Quanto ao objeto (ente (pessoa, coisa, outro ato administrativo) sobre o
qual incide o ato administrativo)
Possibilidade do objeto
O objeto tem que existir.

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-» Exemplo: O órgão administrativo nomeia uma pessoa falecida para a ocupação de
um cargo na Administração.
-» Exemplo: O órgão administrativo classifica um imóvel como património cultural
quando esse mesmo imóvel, por uma circunstância natural, foi destruído.
→ Consequência: A impossibilidade do objeto do ato administrativo constitui um vício
quanto ao objeto por impossibilidade.
-» Nulidade (161º, n. 2, al. c) CPA)
Determinação do objeto
O objeto tem que ser perfeitamente individualizado.
-» Exemplo: O órgão administrativo pratica um ato administrativo de expropriação
de um imóvel, embora não esteja devidamente identificado/determinado.
→ Consequência: A indeterminação do objeto do ato administrativo constitui um vício
quanto ao objeto por indeterminação.
-» Nulidade (161º, n. 2, al. c) CPA)
Idoneidade do objeto para a produção de efeitos jurídicos pretendidos
O objeto tem que preencher determinadas qualificações necessárias para suportar os
efeitos jurídicos que o ato administrativo visa produzir.
-» Exemplo: O órgão administrativo pratica um ato administrativo através do qual
pretende alienar um bem do domínio público. Por se tratar de um bem do domínio
público, não pode ser juridicamente objeto de alienação, não sendo idóneo a sofrer as
transformações jurídicas pretendidas.
→ Consequência: A fata de idoneidade do objeto para a produção dos efeitos jurídicos
pretendidos pode ser equiparada à impossibilidade do objeto do ato administrativo,
constituindo um vício quanto ao objeto por falta de idoneidade do objeto para a
produção de efeitos jurídicos.
-» Nulidade (161º, n. 2, al. c) CPA)
5.3 Quanto à estatuição
Quanto à estatuição, há que se distinguir entre aspetos substanciais e aspetos formais:
- Aspetos substanciais: fim, conteúdo e relação conteúdo-fim
- Aspetos formais: procedimento e forma
5.3.1 Quanto ao fim
De acordo com o artigo 3º, n. 1 CPA, os órgãos da Administração Pública devem atuar
em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem
conferidos e em conformidade com os respetivos fins.
Existência de pressuposto abstrato
O órgão administrativo tem que estar habilitado por uma base legal (pressuposto
abstrato) à prática do ato administrativo.
→ Consequência: Em regra, a falta de pressuposto abstrato (de norma legal) constitui
um vício quanto ao fim.
-» Anulabilidade (163º, n. 1 CPA)
Contudo, existem situações em que a falta de pressuposto abstrato constitui um vício
quanto ao fim mais grave, sendo tal ato administrativo sancionado pelo CPA com a
nulidade (161º, n. 2, al. k) CPA).
-» Exemplo: Criação de obrigações pecuniárias não previstas na lei
Existência de pressuposto concreto
Para que o órgão administrativo possa praticar um ato administrativo, a situação
tipificada na previsão da lei que o habilita à prática do dito ato tem que se verificar na

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realidade (pressuposto concreto), legitimando-o à prática do ato administrativo.
→ Consequência: A falta de pressuposto concreto constitui um vício quanto ao fim.
-» Anulabilidade (163º, n. 1 CPA)
-» Exemplos: Erro de facto (quando a situação invocada pelo órgão administrativo
não existe na realidade), erro de qualificação dos factos, erro na subsunção dos
factos à hipótese legal
5.3.2 Quanto ao conteúdo (efeitos jurídico-administrativos)
Em regra, o vício quanto ao conteúdo conduz à anulabilidade do ato administrativo
(163º, n. 1 CPA).
Contudo, existem situações em que o vício quanto ao conteúdo conduz à nulidade do
ato administrativo:
1) Possibilidade e determinação do conteúdo
Os efeitos jurídico-administrativos que o ato administrativo visa produzir não podem ser
impossíveis ou contrariar uma proibição legal. A impossibilidade ou determinação do
conteúdo constitui um vício quanto ao conteúdo que gera a nulidade do ato
administrativo (161º, n. 2, al. c) CPA).
-» Exemplo: Ordem de satisfação de obrigação pecuniária não prevista na lei,
concessão de habilitação profissional para o exercício de uma atividade ilegal.
2) Licitude do conteúdo
Os efeitos jurídico-administrativos que o ato administrativo visa produzir têm de ser
conformes à ordem jurídica. Quando o conteúdo constitua ou seja determinado pela
prática de um crime, tal gera a nulidade do ato administrativo (161º, n. 2, al. c) CPA).
3) Outras situações
- Os atos que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental constituem um
vício quanto ao conteúdo que conduz à nulidade (161º, n. 2, al. d) CPA).
- A falsidade de atos administrativos certificativos constituem um vício quanto ao
conteúdo que conduz à nulidade (161º, n. 2, al. j) CPA).
-» Exemplo: Certidão que ateste a conclusão de licenciatura quando, na realidade,
não foi concluída
Vício na relação conteúdo-fim
No domínio dos atos discricionários, ou seja, quando ao órgão administrativo foram-lhe
atribuídos poderes discricionários, ele tem a faculdade de definir o conteúdo do ato.
Porém, se na escolha desse conteúdo, o órgão autor do ato administrativo não visa
prosseguir um fim legalmente pré-definido (interesse público) mas antes um outro fim
(interesse público diferente ou interesse privado), tal constitui um vício na relação
conteúdo-fim.
1. Prossecução de interesses públicos diferentes daqueles que justificaram a atribuição,
pela lei, de poderes discricionários
-» Exemplo: A Polícia desempenha funções legais de segurança. Contudo, se a
Polícia passar a dirigir-se a um local que saiba que os condutores conduzem, em regra,
fora do limite de velocidade para cobrar-lhes uma coima, não está a desempenhar as
suas funções que lhe são atribuídas por lei, mas outras de interesse financeiro (que não
deixam de ser de interesse público).
→ Consequência: Anulabilidade ((163º, n. 1 CPA)
2. Prossecução de interesses privados (motivo da decisão reside em
motivações/interesses pessoais)
-» Exemplo: O Presidente do Instituto Público determina a escolha de uma empresa

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para executar uma obra, não por ser a mais qualificada para esse efeito mas porque,
desse modo, saldava dívidas pessoais que tinha para com essa empresa.
→ Consequência: Nulidade (161º, n. 2, al. e) CPA)
5.3.3 Quanto ao procedimento
Em regra, a violação de atos ou formalidades ou a sua inobservância constituem um
vício quanto ao procedimento.
-» Anulabilidade (163º, n. 1 CPA)
Contudo, existem situações em que a lei impõe a nulidade de atos administrativos por
determinados vícios quanto ao procedimento:
1) Falta de audiência dos interessados nos procedimentos sancionatórios:
De acordo com o artigo 32º, n. 10 CRP, nos processos de contraordenação, bem como
em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de
audiência e defesa. Por conseguinte, a falta de audiência dos interessados nos
procedimentos sancionatórios constitui um vício quanto ao procedimento por violação
do núcleo essencial de um direito fundamental.
-» Nulidade (161º, n. 2, al. d) CPA)
2) Falta de audiência dos interessados nos procedimentos disciplinares da função
pública:
De acordo com o artigo 269º, n. 3 CRP, em processo disciplinar são garantidas ao
arguido a sua audiência e defesa. Por conseguinte, a falta de audiência dos interessados
nos procedimentos disciplinares da função pública constitui um vício quanto ao
procedimento por violação do núcleo essencial de um direito fundamental.
-» Nulidade (161º, n. 2, al. d) CPA)
3) Prática de atos administrativos com preterição total do procedimento
legalmente exigido:
A prática de atos administrativos com falta total de procedimento administrativo
constitui um vício quanto ao procedimento (→ exceção: decisões administrativas
desprocedimentalizadas).
-» Nulidade (161º, n. 2, al. l) CPA)
5.3.4 Quanto à forma
Forma
Em regra, os atos administrativos devem ser praticados por escrito, desde que outra
forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstância do ato
(podendo, consequentemente, ainda ser oral ou eletrónica) (150º, n. 1 CPA).
→ Consequência: A omissão ou inobservância da forma legalmente exigida para a
prática do ato administrativo constitui um vício quanto à forma.
- Nos órgãos singulares, se o ato administrativo for praticado de forma oral e não ter
sido reduzido a escrito, considera-se nulo (161º, n. 2, al. g) CPA).
- Nos órgãos colegiais, se o ato administrativo não for praticado de forma oral (150º,
n. 2 CPA), considera-se nulo (161º, n. 2, al. g) CPA).
Fundamentação
A falta de fundamentação constitui um vício quanto à forma.
-» Anulabilidade (163º, n. 1 CPA)
A fundamentação, para ser válida, tem que preencher um conjunto de requisitos
previstos nos artigos 152º, 153º e 154º CPA.

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6. Casos práticos
Caso prático I:
A empresa Pires, sediada no Porto, requereu à respetiva Câmara Municipal o
licenciamento de uma atividade industrial, tendo a Câmara deliberado favoravelmente.
Pela mesma altura, uma outra empresa, a Britas, sediada em outra localidade, fez igual
pedido, mas que foi indeferido pelo mesmo órgão. Inconformada, a firma Britas,
pretende impugnar judicialmente as deliberações da Câmara Municipal do Porto no
Tribunal Administrativo competente, alegando, para o efeito, os seguintes fundamentos:
a) Alguns dias antes da apresentação do requerimento nos serviços da Câmara
Municipal do Porto, pela empresa Pires, tinha sido publicada uma lei que transferiu a
matéria do licenciamento e fiscalização de atividades industriais dos municípios para o
Estado (especificamente, para o Ministério da Economia);
b) A autorização concedida à empresa Pires, apenas foi fundamentada no facto de “ser
mais conveniente e vantajosa para o interesse público do Município do Porto, em
virtude do significativo número de postos de trabalho que criava”, sendo certo que se
veio a saber que, afinal, a real motivação da Câmara Municipal tinha sido a de favorecer
aquela empresa por ser da Cidade e por, nas eleições autárquicas, ter apoiado os
candidatos vencedores;
c) Aliás, a situação descrita na alínea anterior até tinha provocado uma discussão
tumultuosa na reunião da Câmara Municipal, conduzindo, inclusivamente, a que a
deliberação tivesse sido tomada sem a maioria legalmente exigida;
d) A Britas não foi ouvida antes da decisão de indeferimento e, para além disso, esta
nunca lhe chegou a ser notificada.
Resolução:
a) Vício quanto ao sujeito por falta de atribuições da pessoa coletiva pública em que se
insere o órgão autor do ato
→ Nulidade (161º, n. 2, al. b) CPA)
b) Vício na relação conteúdo-fim por desvio de poder, uma vez que o órgão
administrativo ao qual lhe foi atribuído, por lei, poderes discricionários, na escolha do
conteúdo do ato administrativo visou prosseguir um fim diferente (interesses privados)
do fim legalmente pré-definido que justificou a atribuição dos ditos poderes ao dito
órgão.
→ Nulidade (161º, n. 2, al. e) CPA)
c) Vício quanto ao sujeito por falta de legitimação, mas concretamente porque a
deliberação foi tomada tumultuosamente
→ Nulidade (161º, n. 2, al. h) CPA).
d) Vício quanto ao procedimento por inobservância de ato ou formalidade
procedimental (audiência dos interessados)
→ Anulabilidade (163º, n. 1 CPA)
Contudo, o órgão responsável pela direção do procedimento pode, em certas situações,
não proceder à audiência dos interessados (124º CPA).
A notificação do ato administrativo é um ato integrativo de eficácia de um ato
administrativo que necessita dele. Sendo assim, a notificação não é condição de
validade do ato administrativo, mas sim de eficácia e de oponibilidade aos interessados.
Caso prático II:
A) Por despacho do Secretário de Estado da Economia, foi “revogado” um subsídio

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atribuído à empresa Constâncio & Irmãos, com fundamento no incumprimento do
programa de investimentos que esta empresa deveria realizar, o qual constava da
decisão de atribuição do subsídio. A empresa diz que não houve qualquer
incumprimento e que não foi ouvida antes da “revogação”.
→ Admitindo que são verdadeiros os argumentos da empresa, como qualifica os dois
vícios que a mesma atribuiu à revogação e quais as respetivas consequências em termos
da invalidação deste ato?
B) Entretanto, por ter havido um erro nos Serviços de apoio do Ministério da Economia,
que motivou aquela situação, o Secretário de Estado ordenou a instauração de um
procedimento disciplinar, na sequência do qual aplicou a sanção de suspensão a um dos
trabalhadores daqueles Serviços. O trabalhador alega que nunca foi ouvido no
procedimento disciplinar.
Resolução:
A)
1) Vício quanto ao fim por inexistência de pressuposto concreto, mais concretamente,
por erro de facto (o incumprimento que invoca o órgão administrativo não se verifica)
→ Anulabilidade (163º, n. 1 CPA)
2) Vício quanto ao procedimento por falta de observância a atos ou formalidades
procedimentais
→ Anulabilidade (163º, n. 1 CPA)
B) Vício quanto ao procedimento por falta de observância a atos ou formalidades
procedimentais (audiência dos interessados) -» em regra: anulabilidade (163º, n. 1 CPA)
Contudo, a falta de audiência dos interessados em procedimentos sancionatórios
constitui um vício quanto ao procedimento mais grave, uma vez que tal põe em causa o
conteúdo essencial de um direito fundamental consagrado no artigo 32º, n. 10 CRP
→ Nulidade (161º, n. 2, al. d) CPA)

7. Afastamento da relevância da anulabilidade do ato administrativo


Existem situações em que, apesar de o ato administrativo conter um vício que conduz à
sua anulabilidade, essa anulabilidade se torna irrelevante, ou seja, em que não se produz
o efeito anulatório. O CPA admite a não-produção do efeito anulatório em três
circunstâncias previstas no artigo 163º:
- Quando o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo
vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução
como legalmente possível (163º, n. 5, al. a) CPA)
- Quando o fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido
alcançado por outra via (163º, n. 5, al. b) CPA)
- Quando se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria
sido praticado com o mesmo conteúdo (163º, n. 5, al. c) CPA)
7.1 163º, n. 5, alínea a) CPA
De acordo com o artigo 163º, n. 5, al. a) CPA, não se produz o efeito anulatório
quando…:
1) … o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo
vinculado ou…
-» Exemplo: No âmbito fiscal, a Administração Fiscal, após o apuramento da matéria
coletável do sujeito A, aplica-lhe uma determinada taxa, de acordo com a lei fiscal. Ou
seja, a lei fiscal vincula o órgão administrativo à prática de um ato com um conteúdo
por ela pré-determinado. Verificando-se, todavia, um vício no apuramento da matéria

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coletável do sujeito A, gerador da anulabilidade do ato administrativo, tal anulabilidade
torna-se irrelevante, uma vez que sempre se chegaria à conclusão de que, com aquele
rendimento, à matéria coletável do sujeito A só lhe poderia ser aplicada aquela taxa.
2) … a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como
legalmente possível.
-» Exemplo: Imagine-se que numa determinada zona vigora um regime de proteção
da natureza e que, de acordo com a lei, compete à Administração Pública avaliar o
impacto de uma intervenção fabril pretendida na dita zona com base numa escala de 1 a
10, sendo que a partir de 5 a intervenção fabril se considera inadmissível.
Aparentemente, existe discricionariedade na avaliação do impacto da intervenção fabril
naquela zona por parte da Administração Pública. Contudo, mesmo que exista
discricionariedade da Administração, se da sua avaliação resulte que a intervenção fabril
tem um impacto de 5 ou mais na zona de proteção da natureza, apenas resta uma única
solução como legalmente possível, nomeadamente recusar a intervenção fabril (redução
da discricionariedade a zero).
7.2 163º, n. 5, alínea b) CPA
De acordo com o artigo 163º, n. 5, al. b) CPA, não se produz o efeito anulatório quando
o fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por
outra via.
-» Exemplo: Imagine-se que a lei prevê que, para a adoção de um determinado ato
administrativo, dever-se-ia proceder à solicitação de um parecer (obrigatório). Em regra,
a inobservância desta exigência procedimental conduziria à anulabilidade do ato
administrativo. Contudo, se o fim visado pela adoção do ato administrativo for
alcançado por outra via, a inobservância desta exigência procedimental não conduz à
invalidade/anulabilidade do ato administrativo adotado.
7.3 163º, n. 5, alínea c) CPA
De acordo com o artigo 163º, n. 5, al. c) CPA, não se produz o efeito anulatório quando
se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido
praticado com o mesmo conteúdo.
-» Exemplo: Imagine-se que a Polícia Municipal mandou fechar o trânsito na Rua X
e que os habitantes dessa mesma rua interpretaram que não havia precisão de mandar
fechá-la, que a Polícia Municipal fez uma avaliação desproporcionada e que o ato
administrativo deveria ser considerado inválido. Neste caso, basta que o Comando
comprove que a medida sempre seria adotada naqueles termos por causa de juízos de
prognose póstuma (hoje não se verifica o perigo que deu causa ao fecho da Rua X, mas
amanhã poder-se-á verificar) para que não se produza o efeito anulatório.

8. Declaração da nulidade e anulação de atos administrativos


Os atos administrativos inválidos (nulos e anuláveis) podem ser objeto de revisão
administrativa, da qual pode resultar a sua convalidação/ restabelecimento da validade
(ratificação, reforma ou conversão do ato administrativo) ou a sua invalidação
(declaração da nulidade ou anulação).
8.1 Regime da nulidade
O regime da nulidade está previsto no artigo 162º CPA:
1) O ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da
declaração de nulidade.
2) Salvo disposição legal em contrário, a nulidade é invocável a todo o tempo por
qualquer interessado e pode, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer

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autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos
administrativos competentes para a anulação.
→ Um ato administrativo que é nulo, declara-se nulo.
3) O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de
efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os
princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros
princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo.
-» Exemplo: Os atos praticados por um agente investido por um ato inválido seriam
nulos, por serem consequentes de um ato inválido. Contudo, para proteger a confiança
dos destinatários daqueles atos, passar-se-ia como se os atos praticados fossem atos
administrativos válidos.
De acordo com o artigo 164º, n. 2 CPA, os atos nulos só podem ser objeto de reforma
ou conversão, não podendo ser objeto de ratificação.
- Reforma de atos nulos: A reforma é um ato administrativo secundário através do qual
se aproveita um ato administrativo anterior considerado inválido, do qual é extirpada a
parte inválida e se conserva a parte não afetada de invalidade.
- Conversão de atos nulos: A conversão é um ato administrativo secundário através do
qual se aproveitam aspetos válidos de um ato administrativo anterior considerado
inválido para, com eles, praticar um outro ato administrativo válido.
8.2 Regime da anulabilidade
O regime da anulabilidade está previsto no artigo 163º CPA:
1) São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras
normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.
2) O ato anulável produz efeitos jurídicos, que podem ser destruídos com eficácia
retroativa se o ato vier a ser anulado por decisão proferida pelos tribunais
administrativos ou pela própria Administração.
→ Um ato que é anulável, anula-se.
De acordo com o artigo 165º, n. 2 CPA, a anulação administrativa determina a
destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade. Portanto, todos os
efeitos jurídicos que sejam produzidos pelo ato anulável são destruídos com a sua
anulação administrativa.
No que diz respeito à anulação oficiosa, decorre do artigo 168º, n. 1 CPA que os atos
administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a
contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos
casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro,
em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da
respetiva emissão. Decorridos estes cinco anos, os atos administrativos deixam de poder
ser objeto de anulação administrativa.
No entanto, existem alguns condicionalismos relativamente aos atos constitutivos de
direitos, ou seja, aos atos que atribuem ou reconhecem situações jurídicas de vantagem
(direito, subsídio, isenção, financiamento) ou eliminam/limitam deveres, ónus, encargos
ou sujeições (167º, n. 3 CPA): Os atos constitutivos de direitos podem ser objeto de
anulação administrativa dentro do prazo máximo de um ano a contar da data da
respetiva emissão (168º, n. 2 CPA). Porém, os atos constitutivos de direitos podem ser
objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, a contar da data da respetiva
emissão em três circunstâncias específicas (168º, n. 4 CPA):
a) Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à
obtenção da sua prática. Ou seja:

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→ Se o beneficiário do ato constitutivo de direito está de boa-fé, vale o prazo de um
ano para a anulação administrativa (168º, n. 2 CPA).
→ Se o beneficiário do ato constitutivo de direito está de má-fé, vale o prazo de cinco
anos para a anulação administrativa.
b) Apenas com eficácia para o futuro, quando se trate de atos constitutivos de
direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação continuada.
c) Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja
legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização
administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição
das quantias indevidamente auferidas.
De acordo com o artigo 164º, n. 1 CPA, os atos anuláveis podem ser objeto de
ratificação, reforma ou conversão.
- Ratificação de atos anuláveis: A ratificação é um ato administrativo secundário
através do qual se confirma um ato administrativo anterior considerado inválido
(ratificação-confirmação) ou se supre a invalidade de que padecia (ratificação-sanação).
- Reforma de atos anuláveis: A reforma é um ato administrativo secundário através do
qual se aproveita um ato administrativo anterior considerado inválido, do qual é
extirpada a parte inválida e se conserva a parte não afetada de invalidade.
- Conversão de atos anuláveis: A conversão é um ato administrativo secundário
através do qual se aproveitam aspetos válidos de um ato administrativo anterior
considerado inválido para, com eles, praticar um outro ato administrativo válido.

9. Distinção entre revogação e anulação administrativa


A distinção entre a revogação e a anulação administrativa está expressamente
consagrada no artigo 165º CPA. Segundo este artigo:
- A revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato,
por razões de mérito, conveniência ou oportunidade.
- A anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos
efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade.
Tanto a revogação como a anulação administrativa são atos administrativos secundários
ou de 2º grau, ou seja, são atos que têm por objeto um outro e anterior ato
administrativo. Contudo, apresentam diferenças quanto ao fundamento:
→ A revogação visa cessar os efeitos de outro ato administrativo, por se entender
que não é conveniente para o interesse público manter a produção de efeitos pelo ato
administrativo primário ou de 1º grau.
→ A anulação administrativa visa destruir os efeitos de outro ato administrativo,
com fundamento na sua invalidade, ou seja, o ato administrativo primário ou de 1º grau
tem que padecer de invalidade para que a anulação administrativa destrua a produção
dos seus efeitos.

10. Garantias administrativas


De acordo com o artigo 169º, n. 1 CPA, os atos administrativos podem ser objeto de
revogação ou anulação administrativas por iniciativa dos órgãos competentes ou a
pedido dos interessados (184º, n. 1 e 2 e 186º CPA), mediante reclamação
administrativa ou recurso hierárquico administrativo.
10.1 Reclamação administrativa
Através da reclamação administrativa, os interessados (184º, n. 1 e 2 e 186º CPA)
solicitam ao órgão autor do ato administrativo a revisão deste no prazo de 15 dias (191º,
n. 3 CPA) ou, em caso de omissão ilegal de atos administrativos, no prazo de um ano

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(187º CPA).
→ O órgão competente tem 30 dias para decidir a reclamação (192º, n. 2 CPA).
A reclamação é, em regra, facultativa, mas pode ser necessária (185º, n. 1 CPA):
- Reclamação facultativa: A reclamação é facultativa quando a possibilidade de acesso
aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido não
dependa da sua prévia utilização.
- Reclamação necessária: A reclamação é necessária quando a possibilidade de acesso
aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido dependa
da sua prévia utilização.
→ De acordo com o artigo 185º, n. 2 CPA, as reclamações têm caráter facultativo,
salvo se a lei as denominar como necessárias.
10.2 Recurso hierárquico administrativo
Através do recurso hierárquico administrativo, os interessados podem solicitar ao
superior hierárquico do órgão autor do ato administrativo a revisão deste no prazo de 30
dias ou de 3 meses ou, em caso de omissão ilegal de atos administrativos, no prazo de
um ano (193º, n. 1 CPA).
→ O recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias (198º, n. 1 CPA).
O recurso hierárquico é, em regra, facultativo, mas pode ser necessário (185º, n. 1
CPA). De acordo com o artigo 185º, n. 2 CPA, os recursos hierárquicos têm caráter
facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários.
→ O recurso hierárquico facultativo deve ser apresentado no prazo de impugnação
contenciosa do ato em causa, ou seja, no prazo de 3 meses (193º, n. 2 CPA).
→ O recurso hierárquico necessário deve ser apresentado no prazo de 30 dias (193º, n.
2 CPA).

11. Regulamento administrativo


11.1 Noção de regulamento administrativo
De acordo com o artigo 135º CPA, consideram-se regulamentos administrativos as
normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-
administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos.
→ Trata-se de uma noção ampla de regulamento administrativo que engloba, entre
outros, os documentos normativos estatutários (ex. Estatutos da Universidade de
Coimbra, Estatutos da Ordem dos Advogados, etc.).
11.1.1 Normas jurídicas gerais e abstratas
Os regulamentos administrativos são normas jurídicas gerais e abstratas.
- Generalidade: Os regulamentos administrativos produzem efeitos jurídico-
administrativos na esfera jurídica de um número indeterminado de destinatários,
definindo a sua situação jurídica.
- Abstração: Os regulamentos administrativos visam resolver um número
indeterminado de situações.
11.1.2 Exercício de poderes jurídico-administrativos
Os regulamentos administrativos são normas jurídicas gerais e abstratas adotadas no
exercício de poderes jurídico-administrativos, ou seja, no exercício de poderes
públicos de autoridade que são conferidos à Administração Pública por normas de
Direito Público. Tal permite à Administração Pública sobrepor o interesse público ao
interesse privado e assegurar a prossecução e realização do interesse público de forma
unilateral (autotutela declarativa) e independentemente do consentimento dos
particulares (autotutela executiva). Porém, a Administração Pública, no exercício de

30
poderes públicos de autoridade, tem que respeitar os direitos e interesses legalmente
protegidos dos particulares (4º CPA).
11.1.3 Produção de efeitos jurídicos externos
Os regulamentos administrativos são normas jurídicas gerais e abstratas adotadas no
exercício de poderes jurídico-administrativos que visam produzir efeitos jurídicos
externos, ou seja, na esfera jurídica de um número indeterminado de destinatários,
definindo a sua situação jurídica.

12. Classificação dos regulamentos administrativos


12.1 Regulamentos internos
Os regulamentos internos são normas jurídicas que disciplinam a organização e o
funcionamento da Administração Pública.
12.2 Regulamentos externos
Os regulamentos externos são normas jurídicas que disciplinam relações intersubjetivas,
incluindo relações inter-administrativas.
Os regulamentos externos, em função da relação que estabeleçam com a lei, podem ser
qualificados:
- Regulamentos executivos: Os regulamentos executivos são regulamentos externos
que facilitam a boa execução de uma determinada lei, clarificando-a, pormenorizando-a.
→ No que toca à admissibilidade dos regulamentos executivos no ordenamento jurídico
português, muito embora o artigo 112º, n. 5 CRP suscite dúvidas, para o Governo
existe uma previsão constitucional expressa no artigo 199º, al. c) CRP.
- Regulamentos complementares: Os regulamentos complementares são
regulamentos externos que desenvolvem determinados aspetos de uma determinada lei.
→ No que toca à admissibilidade dos regulamentos complementares no ordenamento
jurídico português, muito embora não sejam proibidos pelo artigo 112º, n. 5 CRP, não
têm razão de ser em face da figura dos decretos-leis de desenvolvimento (198º, n. 1, al.
c) CRP).
- Regulamentos independentes: Os regulamentos independentes são, de acordo
com o artigo 136º, n. 3 CPA, regulamentos externos que visam introduzir uma
disciplina jurídica inovadora no âmbito das atribuições das entidades que os emitam. Ou
seja, os regulamentos independentes não têm como objetivo pormenorizar ou
desenvolver uma determinada lei, mas antes dinamizar um determinado conjunto de
leis/a ordem jurídica em geral. Enquadram-se neste âmbito:
-» Regulamentos independentes autónomos: Os regulamentos independentes
autónomos são regulamentos independentes que são emitidos pelas Regiões
Autónomas, Autarquias Locais, associações públicas profissionais e universidades
públicas.
→ No que toca à admissibilidade dos regulamentos independentes autónomos no
ordenamento jurídico português, enquanto que os regulamentos regionais e locais estão
constitucionalmente garantidos (227º, n. 1, al. d) e 241º CRP), os regulamentos
provenientes de associações públicas profissionais e de universidades públicas são
igualmente admitidos.
-» Regulamentos independentes do Governo: Os regulamentos independentes do
Governo são regulamentos independentes que são emitidos pelo Governo.
→ No que toca à admissibilidade dos regulamentos independentes do Governo no
ordenamento jurídico português, existe uma divergência doutrinal. Há alguns autores
que defendem que os regulamentos independentes do Governo necessitam de uma lei
habilitante que defina a competência objetiva e subjetiva para a sua emissão (112º, n. 7
31
CRP e 136º, n. 2 CPA) e outros que os admitem desde que incidam sobre matérias
constitucionalmente não reservadas à intervenção primária da lei (112º, n. 6 e 199º, al.
g) CRP), considerando que tais normas constituem uma habilitação direta do Governo.
- Regulamentos de substituição ou delegados: Os regulamentos de substituição ou
delegados são regulamentos externos em que a Administração é admitida a atuar em vez
do legislador.
→ No que toca à admissibilidade dos regulamentos de substituição ou delegados no
ordenamento jurídico português, são proibidos pelo artigo 112º, n. 5 CRP.
- Regulamentos autorizados: Os regulamentos autorizados são regulamentos
externos em que a Administração, com base em habilitação legal expressa, regula
matéria que, em princípio, caberia à lei.
→ No que toca à admissibilidade dos regulamentos autorizados no ordenamento
jurídico português, em princípio devem considerar-se constitucionalmente proibidos,
muito embora sejam excecionalmente admitidos em certos domínios.
12.3 Regulamentos mediatamente ou indiretamente operativos
Em regra, os regulamentos administrativos são regulamentos mediatamente ou
indiretamente operativos, ou seja, são normas jurídicas que só produzem efeitos
jurídico-administrativos na esfera jurídica dos seus destinatários através da prática de
um ato administrativo ou judicial de aplicação.
12.4 Regulamentos imediatamente ou diretamente operativos
Os regulamentos administrativos, todavia, também podem ser imediatamente ou
diretamente operativos, ou seja, podem ser normas jurídicas que produzem efeitos
jurídico-administrativos na esfera jurídica dos seus destinatários sem necessidade da
prática de um ato administrativo ou judicial de aplicação.

13. Procedimento de elaboração de regulamentos administrativos


13.1 Noção de procedimento (repetição)
De acordo com o artigo 1º, n. 1 CPA, o procedimento administrativo consiste na
sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e
execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.
→ Esta noção legalmente consagrada suscita algumas críticas, entendendo-se que se
deveria passar a definir o procedimento administrativo como um conjunto ordenado e
sequencial de atos e formalidades tendentes à formação, manifestação e execução de
atos de caráter jurídico-administrativo adotados pelos órgãos da Administração Pública
ou por quaisquer entidades no exercício de poderes públicos (2º, n. 1 CPA).
13.2 Fases do procedimento administrativo
À semelhança do que sucede com o procedimento de formação do ato administrativo,
também é possível analisar o procedimento de elaboração do regulamento
administrativo em diversas fases.
13.2.1 Fase preparatória
A fase preparatória compreende a fase de iniciativa, a fase de instrução, a fase da
audiência dos interessados e a fase da elaboração do projeto final do regulamento
administrativo.
13.2.1.1 Fase de iniciativa
O procedimento administrativo dos regulamentos administrativos é sempre de natureza
oficiosa, ou seja, é desencadeado pelos órgãos administrativos (53º CPA). Contudo, o
artigo 97º CPA prevê o direito de petição aos interessados (65º e 68º CPA), através do
qual estes podem solicitar aos órgãos administrativos competentes a elaboração,
32
modificação ou revogação de regulamentos (n. 1). Com base nessa petição, os órgãos
administrativos competentes decidem se querem ou não intervir, tendo o dever de
informar os interessados do destino dado às petições formuladas e dos fundamentos da
posição que tome em relação às mesmas (n. 2).
Tendo em conta o princípio da transparência, o início do procedimento é publicitado
na Internet, no sítio institucional da entidade pública, com a indicação de um conjunto
de elementos previstos no artigo 98º, n. 1 CPA.
13.2.1.2 Fase de instrução
De acordo com o artigo 55º, n. 1 CPA, a direção do procedimento cabe ao órgão
competente para a decisão final. Contudo, o n. 2 do presente artigo diz que a regra geral
deve ser a da delegação do poder de direção do procedimento por parte do órgão
competente para a decisão final em inferior hierárquico seu.
Na fase da instrução, elabora-se o projeto de regulamento que, em termos do artigo 99º
CPA, deve incluir uma ponderação dos custos e benefícios das medidas projetadas e ser
acompanhado de uma nota justificativa fundamentada.
13.2.1.3 Fase da audiência dos interessados
Quando o regulamento contenha disposições que afetem de modo direto e imediato
direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, o órgão responsável pela
direção do procedimento tem de submeter o projeto de regulamento, dentro do prazo
razoável (mas não inferior a 30 dias), a audiência dos interessados (100º CPA).
Dispensa ou inexistência da audiência dos interessados
Sem embargo, de acordo com o artigo 100º, n. 3 CPA, o órgão responsável pela direção
do procedimento pode não proceder à audiência dos interessados nas seguintes
hipóteses, tendo que indicar os fundamentos da não realização da audiência (n. 4):
a) A emissão do regulamento seja urgente
b) Seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a
utilidade do regulamento
c) O número de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne
incompatível, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública
d) Os interessados já se tenham pronunciado no procedimento sobre as questões que
importam à decisão
Consulta pública
De acordo com o artigo 100º, n. 3, al. c) e 101º, n. 1 CPA, quando o número de
interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne incompatível ou quando
a natureza da matéria o justifique, o órgão responsável pela direção do procedimento
deve submeter o projeto de regulamento a consulta pública para recolha de sugestões,
procedendo, para o efeito, à sua publicação na 2ª série do Diário da República ou na
publicação oficial da entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade
pública em causa.
Acordos endoprocedimentais
Em termos do artigo 98º, n. 2 CPA, quando as circunstâncias o justifiquem, podem ser
estabelecidos os termos de acompanhamento regular do procedimento por acordo
endoprocedimental com as associações e fundações representativas dos interesses
envolvidos e com as Autarquias Locais em relação à proteção de interesses nas áreas
das respetivas circunscrições.

33
13.2.1.4 Fase da elaboração do projeto final do regulamento administrativo
No fim da fase de instrução é elaborado o projeto final do regulamento administrativo
cujo preâmbulo tem que fazer menção de que o projeto de regulamento foi objeto a
consulta pública, quando efetivamente tenha sido esse o caso (101º, n. 3 CPA).
13.2.2 Fase constitutiva
Elaborado o projeto final do regulamento administrativo, o órgão responsável pela
direção do procedimento apresenta-o ao órgão competente para a decisão final.
13.2.3 Fase integrativa de eficácia
Aprovado o projeto final do regulamento administrativo pelo órgão competente para a
decisão final, procede-se à fase integrativa de eficácia. Esta fase é constituída pelas
formalidades que desencadeiam a produção dos efeitos jurídicos externos do
regulamento, nomeadamente a publicação em Diário da República (119º, n. 1, al. h)
CRP), sem prejuízo de tal publicação poder ser feita também na publicação oficial da
entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade em causa (139º CPA).
-» A falta de publicidade implica a sua ineficácia jurídica (119º, n. 2 CRP).

14. Formas regulamentares mais importantes


→ Os regulamentos do Governo revestem a forma de decretos regulamentares
(quando sejam regulamentos independentes (112º, n. 6 CRP)), resoluções normativas
do Conselho de Ministros (quando contenham regulamentos), portarias genéricas
(quando são emitidos por um ou mais Ministérios em nome do Governo) ou despachos
normativos (quando são emitidos por um ou mais Ministros).
→ Os regulamentos das Regiões Autónomas revestem a forma de decretos
regulamentares regionais (233º, n. 1 CRP).
→ Os regulamentos das Autarquias Locais não revestem uma forma típica.
→ Os regulamentos das demais entidades públicas não revestem uma forma típica,
salvo quanto aos estatutos que sejam aprovados pelas próprias pessoas coletivas
públicas.

15. Princípios jurídicos relativos à atividade regulamentar externa


15.1 Princípios gerais da atividade regulamentar administrativa
A atividade regulamentar encontra-se sujeita aos princípios jurídicos gerais da atividade
administrativa, designadamente:
- Princípios da legalidade
-» Princípio do primado da lei: A lei ocupa uma posição hierárquica superior ao
regulamento. Portanto, o regulamento que contrarie uma lei é ilegal.
-» Princípio da precedência da lei: O regulamento tem que indicar expressamente
a lei habilitante.
- Princípios substanciais da juridicidade
-» Princípio da igualdade (6º CPA)
-» Princípio da proporcionalidade (7º CPA)
-» Princípio da justiça e da razoabilidade (8º CPA)
-» Princípio da imparcialidade (9º CPA)
15.2 Regime especial aplicável à atividade regulamentar externa
Existe um regime normativo, definido pela doutrina e pela jurisprudência, próprio dos
regulamentos externos que consta dos artigos 137º a 147º CPA:
1. Obrigatoriedade da emissão e proibição da simples revogação de regulamentos
executivos, na medida em que quando a adoção de um regulamento seja necessária para

34
dar exequibilidade a ato legislativo carente de regulamentação, o prazo para a emissão
do regulamento é, no silêncio da lei, de 90 dias (137º CPA)
2. Caducidade do regulamento como consequência da revogação da lei que visa
executar, salvo na medida em que sejam compatíveis com a lei nova e enquanto não
houver regulamentação desta (145 CPA)
3. Proibição da retroatividade dos regulamentos desfavoráveis (141º, n. 1 CPA)
4. Inderrogabilidade singular dos regulamentos, na medida em que os regulamentos não
obrigam só os particulares, mas também a própria Administração que os elaborou (142º,
n. 2 CPA)
5. Admissibilidade excecional da recusa de aplicação de regulamentos administrativos
que se considerem inconstitucionais, contrários ao Direito da União Europeia ou ilegais,
mas desde que a antijuridicidade seja manifesta e esse juízo seja feito por ministros ou
órgãos superiores da Administração autónoma e quando estes tenham competência
regulamentar
6. Impugnabilidade administrativa, na medida em que os interessados têm direito a
solicitar a modificação, suspensão, revogação ou declaração de invalidade de
regulamentos administrativos diretamente lesivos dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos, assim como a reagir contra a omissão ilegal de regulamentos
administrativos mediante reclamação para o autor do regulamento ou recurso
hierárquico para o órgão com competência para o efeito (147º, n. 1 e 2 CPA)
7. Impugnabilidade judicial direta, fundada em ilegalidade, dos regulamentos para os
tribunais administrativos (268º, n. 5 CRP)

16. Relações entre regulamentos externos


Nas relações entre regulamentos externos vigora a regra geral da inexistência de
hierarquia, uma vez que o âmbito de aplicação dos regulamentos é delimitado pelas
atribuições e competências de cada pessoa coletiva pública que os aplica, pelo que não
haverá, na maior parte dos casos, conflitos entre regulamentos externos.
Porém, no caso de se gerarem situações de conflito entre regulamentos externos, o
regulamento externo que estabeleça um regime especial prevalecerá sobre o
regulamento externo que estabeleça um regime geral. É o que acontece relativamente à
relação entre regulamentos municipais e regulamentos das freguesias (138º, n. 2 CPA).
Já no que toca aos regulamentos do Governo, o artigo 138º, n. 3 CPA estabelece a
seguinte ordem de prevalência:
1. Decretos regulamentares
2. Resoluções normativas do Conselho de Ministros
3. Portarias
4. Despachos
Importantíssima análise deve ser feita no que diz respeito aos conflitos que podem
emergir entre regulamentos governamentais e regulamentos autárquicos:
1) Em princípio, os regulamentos governamentais, no domínio das atribuições
concorrentes do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais, prevalecem
sobre os regulamentos regionais e autárquicos e demais entidades dotadas de autonomia
regulamentar em matérias de interesse nacional (138º, n. 1 CPA).
2) Contudo, se se verificar uma sobreposição de atribuições e competências
governamentais com atribuições e competências autárquicas, a prevalência deve ser

35
analisada caso em caso, tendo em conta os princípios da subsidiariedade, da autonomia
das autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública que
limitam o princípio do interesse nacional (6º, n. 1 CRP).
3) Se a aplicação cumulativa dos regulamentos governamentais e autárquicos não for
possível, então aplica-se o artigo 138º, n. 1, última parte CPA, devendo o regulamento
que estabelece um regime especial prevalecer sobre o regulamento que estabelece um
regime especial.
4) Se se verificar uma insuficiência/deficiência do regulamento autárquico ou se
estivesse perante situações de necessidade imperiosa de assegurar uma realização
uniforme do interesse nacional, o regulamento do Governo deverá prevalecer.

17. A invalidade dos regulamentos administrativos


Nos termos do artigo 143º CPA, são inválidos:
- os regulamentos que sejam desconformes com a Constituição, a lei e os princípios
gerais de direito administrativo ou que infrinjam normas de Direito Internacional ou de
Direito da União Europeia.
- os regulamentos que desrespeitem os regulamentos emanados dos órgãos
hierarquicamente superiores ou dotados de poderes de superintendência.
- os regulamentos que desrespeitem os regulamentos emanados pelo delegante, salvo se
a delegação incluir a competência regulamentar.
- os regulamentos que desrespeitem os estatutos emanados ao abrigo de autonomia
normativa nas quais se funde a competência para a respetiva emissão.
17.1 Regime da invalidade
De acordo com o artigo 144º, n. 1 CPA, a invalidade do regulamento administrativo
pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e pode, também a todo o
tempo, ser declarada pelos órgãos administrativos competentes. Contudo, os
regulamentos que enfermem de ilegalidade formal ou procedimental da qual não resulte
a sua inconstitucionalidade, só podem ser impugnados ou declarados oficiosamente
inválidos pela Administração no prazo de 6 meses, a contar da data da respetiva
publicação, salvo nos casos de carência absoluta de forma legal ou de preterição de
consulta pública exigida por lei (144º, n. 2 CPA).
A declaração administrativa de invalidade produz efeitos desde a data de emissão do
regulamento e determina a repristinação (reposição em vigor) das normas que ele haja
revogado, salvo quando estas sejam ilegais ou tenham deixado por outro motivo de
vigorar, devendo o órgão competente reconhecer o afastamento do efeito repristinatório,
quando este se verifique (144º, n. 3 CPA) Porém, em termos do artigo 144º, n. 4 CPA,
a retroatividade da declaração de invalidade não afeta os casos julgados nem os atos
administrativos que se tenham tornado inimpugnáveis, salvo, neste último caso, quando
se trate de atos desfavoráveis para os destinatários.
17.2 Requisitos de validade e invalidade do regulamento administrativo
17.2.1 Quanto ao sujeito
Atribuições do órgão
Os órgãos administrativos só podem adotar regulamentos quando atuem dentro das
atribuições (conjunto de matérias relativas a um determinado interesse coletivo
qualificado como interesse público) das pessoas coletivas em que se integram.
→ Consequência: A falta de atribuições ou a adoção de regulamentos estranhos às
atribuições da pessoa coletiva em que o órgão autor do ato administrativo se integra
traduz-se numa invalidade quanto ao sujeito do regulamento administrativo.

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Nota importante:
Os Ministérios, embora não sejam pessoas coletivas públicas, excecionalmente são
dotados de atribuições para delimitar os círculos de competência de cada Ministério. Por
conseguinte, se um Ministro pensa que tem certas atribuições e não tem, provoca a
invalidade quanto ao sujeito do regulamento administrativo.
Competência do órgão
Os órgãos administrativos só podem adotar regulamentos quando exerçam
competências (conjunto de poderes conferido por lei ou por regulamento a um órgão
administrativo) materiais e territoriais.
→ Consequência: A falta de competência (material ou territorial) ou a adoção de
regulamentos estranhos às competências (materiais ou territoriais) do órgão
administrativo traduz-se numa invalidade quanto ao sujeito do regulamento
administrativo.
Legitimação do órgão
1) Todos os vícios que digam respeito ao funcionamento dos órgãos colegiais
(inobservância do quórum legalmente exigida, tomada de deliberações com
inobservância da maioria legalmente exigível, tomada de deliberações
tumultuosamente) traduzem-se numa invalidade quanto ao sujeito do regulamento
administrativo.
2) A inobservância das garantias de imparcialidade (69º CPA) traduz-se numa
invalidade quanto ao sujeito do regulamento administrativo.
3) No âmbito das relações entre órgãos administrativos, se um órgão administrativo
necessita de uma autorização constitutiva de legitimação para a adoção de um
regulamento para a qual já é competente e o órgão administrativo autorizante não lhe o
confere, tal traduz-se numa invalidade quanto ao sujeito do regulamento administrativo.
Usurpação de poder
A usurpação (ação de se apoderar de função que não lhe pertence por direito) de poder
ou de funções constitucionalmente reservadas a outro órgão de soberania do Estado
traduz-se numa invalidade quanto ao sujeito do regulamento administrativo.
17.2.2 Quanto à habilitação legal
De acordo com o princípio da precedência da lei, os regulamentos têm que indicar
expressamente a lei habilitante.
→ Consequência: A inexistência de habilitação legal traduz-se numa invalidade
substancial do regulamento administrativo.
Nos termos do artigo 136º, n. 1 e 2 CPA, a emissão de regulamentos depende sempre
de lei habilitante que deverá ser indicada expressamente no seu preâmbulo.
→ Consequência: A falta da menção expressa da habilitação legal no preâmbulo do
regulamento traduz-se numa invalidade formal do regulamento administrativo.
17.2.3 Quanto ao conteúdo
De acordo com o artigo 143º, n. 1 CPA, os regulamentos devem ser conformes com a
Constituição, a lei e os princípios gerais de Direito Administrativo e respeitar as normas
de Direito Internacional e de Direito da União Europeia.
→ Consequência: A desconformidade com a Constituição, a lei e os princípios gerais
de direito administrativo ou o infração de normas de direito internacional ou de direito
da União Europeia traduz-se numa invalidade substancial do regulamento
administrativo.

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17.2.4 Quanto ao procedimento de formação
De acordo com o artigo 100º, n. 1 CPA, os regulamentos que contenham disposições
que afetem de modo direto e imediato direitos ou interesses legalmente protegidos dos
cidadãos devem ser submetidos a audiência dos interessados.
→ Consequência: A falta da realização da audiência dos interessados traduz-se numa
invalidade procedimental do regulamento administrativo.
Já nos casos em que o número de interessados seja de tal forma elevado que a audiência
dos interessados se torne incompatível ou quando a natureza da matéria o justifique,
deve proceder-se a consulta pública (100º, n. 3, al. c) e 101º CPA).
→ Consequência: A falta da realização da consulta pública traduz-se numa invalidade
procedimental do regulamento administrativo.
17.2.5 Quanto à forma
Os regulamentos têm que revestir uma determinada forma.
→ Consequência: A inobservância da forma traduz-se numa invalidade quanto à forma
do regulamento administrativo.
Nos termos do artigo 99º CPA, os regulamentos devem incluir uma ponderação dos
custos e benefícios das medidas projetadas e ser acompanhado de uma nota justificativa
fundamentada.
→ Consequência: A falta da ponderação dos custos e benefícios das medidas
projetadas traduz-se numa invalidade quanto à forma do regulamento administrativo.

18. Casos práticos


Caso prático:
O Governo, invocando quer a Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Proteção
Civil (Decreto-Lei n.º 163/2014, de 31/5) - que (também) desenvolve a Lei de Bases da
Proteção Civil (Lei n.º 27/2006, de 7/3) -, quer toda a legislação conexa com a matéria
da Proteção Civil, emitiu um regulamento, sob a forma de decreto regulamentar, que
pretendia disciplinar todas as situações relativas à prevenção de riscos coletivos
inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, à atenuação dos seus efeitos e à
proteção e socorro das pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram.
Por sua vez, a Lei n.º 75/2013, de 12/9, que estabelece o regime jurídico das autarquias
locais, também atribui aos municípios esta matéria, os quais devem salvaguardar
permanentemente, emitindo os regulamentos que se afigurem necessários para o efeito,
em função dos interesses públicos a proteger e dos interesses dos munícipes.
Alguns municípios alegam que aquele regime regulamentar esgota todas as matérias,
aniquilando o poder regulamentar que a Constituição lhes concede, com vista à
prossecução dos interesses próprios das respetivas populações (artigos 241.º e 235.º, n.º
2, da CRP). Alegam ainda que aquele decreto regulamentar revoga todos os
regulamentos já (antes) emitidos pelos municípios, atingindo, inclusivamente, interesses
legalmente protegidos dos munícipes e que eram salvaguardados por estes
regulamentos, designadamente em “múltiplos aspetos do quotidiano das respetivas
populações municipais”. E a elaboração do regulamento do Governo não foi sujeita a
qualquer participação dos interessados, nem a consulta pública, que era legalmente
exigida.
Por fim, argumentam que o regulamento do Governo também revoga alguns
regulamentos executivos daquela Lei, emitidos pelo próprio Governo, sem que os tenha
substituído por outros.

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O Governo contra-alega que o regulamento por ele emitido se destina a acautelar o
interesse nacional, que compete ao Governo zelar (e não às autarquias locais), tendo,
por isso, uma hierarquia normativa superior. Pelo que todos os regulamentos emitidos
pelos municípios em desconformidade com o regulamento do Governo seriam
inválidos, por violação das atribuições próprias da Administração do Estado.
Em função do texto, responda às seguintes questões:
1) Caracterize os regulamentos em causa (regulamento do Governo e regulamentos dos
Municípios).
2) Pronuncie-se sobre a relação entre os mesmos regulamentos.
3) Os regulamentos emitidos pelos municípios serão inválidos, considerando a alegação
do Governo? E será o regulamento do Governo inválido, tendo em conta as razões
invocadas pelos municípios?
4) E poderia o regulamento do Governo revogar todos os regulamentos, incluindo os
regulamento executivos que o mesmo tinha (antes) emitido?
5) Pronuncie-se sobre a eficácia do regulamento do Governo, designadamente quanto à
alegada intensidade de projeção/afetação de interesses próprios dos munícipes que eram
protegidos pelos regulamentos municipais ora revogados.
Resolução:
1) Tanto o regulamento do Governo como os regulamentos dos municípios são,
obviamente, regulamentos administrativos. Isto quer dizer que são normas jurídicas
gerais (…) e abstratas (…), adotadas no exercício de poderes jurídico-administrativos
(…) e que visam produzir efeitos jurídicos externos (…) (135º CPA). Mais
especificamente, atendendo às possíveis classificações dos regulamentos
administrativos, quer os regulamentos do Governo quer os regulamentos dos municípios
são regulamentos externos, uma vez que disciplinam relações intersubjetivas, incluindo
relações inter-administrativas. Os regulamentos externos, em função da relação que
estabeleçam com a lei, podem ser qualificados de diversas maneiras.
No que toca aos regulamentos do Governo, à primeira vista, pode dar-se a entender que
se tratam de regulamentos executivos, na medida em que visam facilitar a boa execução
de uma determinada lei, mais precisamente da Lei Orgânica da Proteção Civil, que
desenvolve a Lei de Bases de Proteção Civil, e toda a legislação conexa,
pormenorizando-a. No que toca à sua admissibilidade no ordenamento jurídico
português, muito embora o artigo 112º, n. 5 CRP suscite algumas dúvidas, para o
Governo existe uma previsão constitucional expressa no artigo 199º, al. c) CRP. No
entanto, diz o enunciado que com o regulamento do Governo pretende-se disciplinar
toda a matéria sobre a Proteção Civil, e não meramente esclarecendo-a,
pormenorizando-a. Coloca-se, assim, a questão de saber se o mesmo regulamento
também poderia ser qualificado como regulamento complementar, ou seja, como
regulamento externo que visa desenvolver determinados aspetos de uma determinada
lei, sendo esses aspetos “todas as situações relativas à prevenção de riscos coletivos…”.
No que toca à sua admissibilidade no ordenamento jurídico português, embora não
sejam proibidos pelo artigo 112º, n. 5 CRP, os regulamentos complementares do
Governo não têm razão de ser em face da figura dos decretos-leis de desenvolvimento
(198º, n. 1, al. c) CRP). Ainda assim, existe outra questão que se levanta: poderá o
regulamento do Governo, para além de executivo e complementar, ser qualificado como
um regulamento independente? Os regulamentos independentes, legislativamente
consagrados no artigo 136º CPA, não visam pormenorizar ou desenvolver uma
determinada lei, mas dinamizar um conjunto de leis/a ordem jurídica em geral e, em
termos do artigo 112º, n. 6 CRP, devem revestir a forma de decreto regulamentar, sendo

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esse o caso. No que diz respeito à admissibilidade dos regulamentos independentes do
Governo no ordenamento jurídico português, existe uma divergência doutrinal: Há
alguns autores que defendem que tais regulamentos necessitam de uma lei habilitante
que defina a competência objetiva e subjetiva para a sua emissão (112º, n. 7 CRP e
136º, n. 2 CPA) e outros que os admitem desde que incidam sobre matérias
constitucionalmente não reservadas à intervenção primária da lei (112º, n. 6 e 199º, al.
g) CRP), considerando que tais normas constituem uma habilitação direta do Governo.
Já no que diz respeito aos regulamentos dos municípios, para além de se inserirem no
conceito de regulamento externo, podem, neste caso concreto, ser qualificados como
regulamentos independentes autónomos, estando os regulamentos locais
constitucionalmente garantidos no artigo 241º CRP.
2) Nas relações entre regulamentos externos vigora a regra geral da inexistência de
hierarquia, uma vez que o âmbito de aplicação dos regulamentos é delimitado pelas
atribuições e competências de cada pessoa coletiva pública que os aplica, pelo que não
haverá, na maioria dos casos, conflitos entre regulamentos externos. Contudo, poder-se-
ão gerar realmente conflitos entre regulamentos externos, pelo que se deverá aplicar as
regras previstas no artigo 138º CPA. No que toca às relações entre regulamentos
governamentais e regulamentos autárquicos, em termos do artigo 138º, n. 1 CPA, deve
prevalecer o regulamento governamental quando estejam em causa matérias de interesse
nacional. Tal é alegado pelo Governo. Contudo, verificando-se uma sobreposição de
atribuições e competências governamentais e autárquicas, aparentemente sendo este o
caso, a prevalência deve ser analisada caso a caso, tendo em conta os princípios
constitucionais da subsidiariedade, da autonomia local e da descentralização
administrativa (6º CRP) que limitam o princípio do interesse nacional. Quando não for
possível aplicar os dois regulamentos cumulativamente, deve-se então recorrer à regra
de que o regulamento que estabeleça um regime especial deve prevalecer sobre o
regulamento que estabeleça um regime geral (138º, n. 1, última parte CPA).
3) Quanto à validade dos regulamentos dos municípios:
I) Quanto ao sujeito: Tendo em conta aquilo que já foi dito acerca das relações entre
regulamentos externos, de acordo com o artigo 138º, n. 1 CPA, o regulamento
governamental prevalece, à primeira vista, sobre os regulamentos autárquicos quando
em causa estejam matérias de interesse nacional, sendo tal alegado pelo Governo.
Contudo, verifica-se uma alegada sobreposição entre as atribuições (conjunto de
matérias relativas a um determinado interesse coletivo qualificado como interesse
público) e competências (conjunto de poderes conferidos por lei ou regulamento a um
órgão administrativo) governamentais e autárquicas no que diz respeito a matérias
ligadas à Proteção Civil. Nessa medida, a prevalência deve ser auferida analisando o
caso concreto. Os municípios, dispondo de poder regulamentar próprio, conferido pelo
artigo 241º CRP, que é exercido com vista à prossecução dos interesses próprios das
respetivas populações (235º, n. 2 CRP), limitam-se a “disciplinar múltiplos aspetos do
quotidiano das respetivas populações municipais” em matéria de Proteção Civil.
Por conseguinte, à partida, os dois regulamentos poderiam ser aplicados
cumulativamente, ou seja, o regulamento do Governo disciplinaria a matéria em geral,
enquanto que os regulamentos autárquicos disciplinariam a matéria específica que diz
respeito às respetivas populações. Se, ainda assim, o Governo insistir na prevalência do
decreto regulamentar sobre os regulamentos autárquicos, dever-se-á então aplicar a
regra segundo a qual o regulamento que estabelece um regime especial (regulamentos
municipais) deve prevalecer sobre o regulamento que estabelece um regime geral
(decreto regulamentar). Pelo exposto, não se verifica qualquer invalidade quanto ao

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sujeito dos regulamentos autárquicos, na medida em que ambas as pessoas coletivas
públicas atuam dentro das suas atribuições e competências.
II) Quanto ao conteúdo: Considerando aquilo que já foi dito relativamente ao conflito na
relação entre regulamentos externos, os regulamentos autárquicos não violam o
regulamento do Governo nem as atribuições próprias da Administração do Estado, uma
vez que se limitam a “disciplinar determinados aspetos do quotidiano das respetivas
populações municipais” em matéria de Proteção Civil, continuando o regulamento do
Governo a disciplinar, em geral, “todas as situações relativas à prevenção de riscos
coletivos…”. Sendo assim, não se observa aqui qualquer invalidade substancial dos
regulamentos autárquicos, ou seja, do seu conteúdo.
Quanto à validade do regulamento do Governo:
I) Quanto ao sujeito: No que toca ao regulamento do Governo, de acordo com o artigo
138º, n. 1 CPA, este prevalece sobre os regulamentos autárquicos em matérias de
interesse nacional, salvo se estes disciplinarem um regime especial. Contudo, mesmo
nestes casos, o regulamento do Governo poderia prevalecer sobre os regulamentos
autárquicos caso se verificasse uma insuficiência/deficiência destes ou situações de
necessidade imperiosa de assegurar uma realização uniforme do interesse nacional.
Contudo, como nada nos é dito no enunciado, este regime não é aplicável ao caso
concreto, pelo que se continuará a posição à qual se aderiu, fundamentada nos
princípios constitucionais do artigo 6º e da regra geral da prevalência do regime especial
sobre o regime geral: prevalência geral do regulamento do Governo e prevalência
específica dos regulamentos municipais quando em causa estejam as suas populações.
Se, ainda assim, o Governo insistir na prevalência absoluta do regulamento por ele
emitido, ter-se-á que analisar se este não estará a atuar para além das suas atribuições e
competências, invadindo aquelas que pertencem aos municípios. Por conseguinte,
poder-se-á considerar a invalidade quanto ao sujeito do regulamento do Governo, por
este estar a disciplinar matéria quando essa constitui uma atribuição que, por lei (Lei n.
75/2013), é conferida aos municípios.
II) Quanto ao conteúdo: Atendendo à solução proposta no número anterior, uma vez que
o regulamento do Governo estaria a contrariar os princípios constitucionalmente
consagrados no artigo 6º, bem como a Lei n. 75/2003, poderia conter uma invalidade
substancial.
III) Quanto ao procedimento: De acordo com o artigo 100º CPA, na fase da audiência
dos interessados, no âmbito da fase preparatória respeitante ao procedimento
administrativo de elaboração de regulamentos administrativos, os regulamentos que
contenham disposições que afetem de modo direto e imediato direitos ou interesses
legalmente protegidos dos cidadãos, estando neste caso em causa os interesses próprios
das populações, o órgão responsável pela direção do procedimento deve submeter o
projeto de regulamento a audiência dos interessados. Se, todavia, se dispensasse a
audiência dos interessados, uma vez que o número de interessados é elevada e a
natureza da matéria o justifica, o órgão competente deve submeter o projeto de
regulamento a consulta pública (100º, n. 3, al. c) e 101º, n. 1 CPA). Não se tendo
procedido a consulta pública, e sendo esta legalmente exigida, o regulamento do
Governo padeceria de uma invalidade procedimental que pode ser invocada a todo o
tempo, uma vez que se verifica a preterição de consulta pública exigida por lei (144º, n.
2 CPA).
4) Quanto à revogação de regulamentos executivos, emitidos pelo próprio Governo,
vale a regra sobre a proibição da simples revogação de regulamentos executivos que
sejam necessários à execução de atos legislativos (137º, n. 1 CPA). Associadas a esta

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temática, em termos do artigo 137º CPA, vigoram a regra da obrigatoriedade da emissão
de regulamentos executivos quando a adoção de um regulamento seja necessária para
dar exequibilidade a ato legislativo carecente de regulamentação, assim como a regra
segundo a qual os regulamentos executivos caducam com a revogação das leis que
regulamentam, salvo na medida em que sejam compatíveis com a lei nova e enquanto
não houver regulamentação desta (145º, n. 2 CPA). Pelo exposto, conclui-se que o
regulamento do Governo não pode revogar os regulamentos executivos da Lei em
questão e, mesmo que se tivesse procedido à revogação dessa Lei, os regulamentos
executivos manter-se-iam em vigor se fossem compatíveis com uma lei por legislar e se
não houvesse regulamentação dessa.
5) Se se permitisse que o regulamento do Governo revogasse os regulamentos
autárquicos, essa revogação deveria necessariamente que dever respeito a um conjunto
de princípios que orientam a atividade regulamentar, mais precisamente os princípios da
proporcionalidade (7º CPA) e da imparcialidade (9º CPA), na medida em que as
decisões que colidam com direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares só
podem afetar as suas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos
objetivos a realizar, tendo que considerar todos os interesses relevantes. Naturalmente
que um regulamento com esta eficácia colide igualmente com os princípios da confiança
e da segurança e certeza jurídicas.

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