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2020

Palestrantes

Dra. Ana Marta Gomes


Dra. Ana Ventura
Dra. Carla Moreira
Dra. Catarina Almeida
Dra. Catarina Ribeiro
Dra. Clara Almeida
Dra. Clara Santos
Dra. Daniela Alferes
Dra. Daniela Lopes
Dr. João Carlos Fernandes
Dr. Luís Costa
Dra. Marina Reis
Dr. Paulo Espiridião
Dra. Rute Carmo
Dra. Sara Rodrigues
Dra. Sónia Sousa
Dra. Susana Pereira

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Índice

4 I. Alterações do Potássio

25 II. Alterações do sódio

38 III. Alterações equilíbrio ácido-base

55 IV. Exames complementares de diagnóstico em Nefrologia

71 V. Proteinúria e Hematúria

81 VI. Insuficiência renal

94 VII. Lesão renal aguda no doente internado

104 VIII. Substituição da função renal: A Diálise e o transplante

116 IX. Alterações renais nas doenças Sistémicas

128 X. Nefropatia Diabética

137 XI. Diuréticos

151 XII. Síndrome Cardio-renal

165 XIII. A Hipertensão arterial de causa renal

175 XIV. Fármacos e rim

194 XV. Infeções do tracto urinário

211 XVI. Litíase urinária

219 XVII Referenciação à Nefrologia


I.

Alterações
do Potássio

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ALTERAÇÕES DO POTÁSSIO

1- Conceitos Básicos

A manutenção de um balanço de potássio normal é essencial para uma


variedade de funções celulares e neuromusculares.
A reserva de potássio de um adulto normal é aproximadamente 3000 a 4000
mEq, e noventa e oito por cento deste potássio é intra-celular, daí que nos distúrbios
do potássio não é possível determinar o défice ou excesso deste ião no organismo e o
tratamento envolve a determinação seriada do seu valor.

2- Factores envolvidos na homeostase do K+

A ingestão diária normal de potássio é cerca de 40-120 mEq/dia, é armazenado


principalmente nas células e é excretado sobretudo na urina e em menor quantidade
no suor e nas fezes.
A alteração da concentração do potássio plasmático envolve a modificação de
um ou mais destes processos.

Dieta

K+ plasmático células

Suor Fezes Urina

Os 3 mecanismos fisiológicos principais para a regulação do K+ envolvem:


• Transporte celular (entrada/saída das células)
• Eliminação urinária
• Eliminação gastrointestinal

De forma a minimizar aumentos transitórios da concentração plasmática do


potássio, após a ingestão e antes da excreção, o organismo desenvolveu vários
mecanismos fisiológicos para transportar o potássio para dentro das células. O
transporte celular do potássio através da membrana celular faz-se pela bomba Na+K+-
ATPase, que é activada pela acção da insulina e pela estimulação dos receptores

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β2-adrenergicos. É o principal mecanismo de adaptação às alterações rápidas da
concentração do K+.

Figura 1. Hormonas envolvidas na homeostase normal do potássio (Insulina, catecolaminas β-


adrenérgicas, aldosterona)

3- Homeostasia renal do K+

Nas 4 horas seguintes à ingestão/administração de potássio o rim excreta


cerca de 50% do valor total.
O potássio é livremente filtrado no glomérulo. A maioria do K+ é reabsorvida no
túbulo contornado proximal e na ansa de Henle, daí que em condições fisiológicas
normais, a chegada de K+ ao túbulo distal é mínima e praticamente constante.
A secreção de K+ ocorre no túbulo distal sobretudo na parte inicial do túbulo
colector e no túbulo colector cortical. A secreção de K+ no túbulo distal é geralmente
responsável pela maioria da excreção urinária do K+.
A célula principal do túbulo colector é a responsável pela secreção deste ião e
os reguladores fisiológicos mais importantes neste processo são a actividade
mineralocorticóide e a chegada de Na+ e água ao túbulo distal.

1. Mineralocorticóides

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1. Mineralocorticóides

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Os mineralocorticóides estimulam a secreção de potássio pelas células do
ducto colector por três mecanismos principais:
a. Aumentam a concentração intracelular de potássio por estimulação directa
da bomba Na+/K+-ATPase.
b. Aumentam a permeabilidade da membrana apical da célula principal ao K+.
c. Estimulam a reabsorção do sódio na membrana apical, o que despolariza a
célula relativamente ao lúmen tubular, aumentando o gradiente eléctrico,
favorecendo a secreção de K+. A reabsorção do sódio pela membrana
apical é feita por um canal de Na+ sensível ao amilorido.

Figura 2. Célula principal do ducto colector

2. Aumento de sódio e água no túbulo colector

O aumento do ião sódio no ducto colector estimula a absorção celular deste a


este nível, despolarizando a célula, levando a que a bomba de Na+/K+-ATPase
funcione a um ritmo mais rápido e, consequentemente, aumente a secreção do
potássio. O aumento de fluxo tubular de água também aumenta a secreção do K+
porque dilui o K+, baixando a sua concentração luminal.

Em condições normais estes dois factores (mineralocorticóides e sódio tubular)


são inversamente regulados pelo volume arterial efectivo não havendo alterações na
concentração plasmática do potássio.
A redução do volume arterial efectivo está associada a um aumento da
secreção de aldosterona (por estimulação do eixo renina-angiotensina-aldosterona),
de que resulta um aumento da secreção de potássio, contrariado pela redução do
sódio no túbulo colector (por reabsorção no túbulo proximal). Por esta razão, a

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excreção renal de K+ e o seu valor plasmático são independentes do volume arterial
efectivo.
Só em determinadas condições patológicas é que a aldosterona e a chegada
de sódio ao túbulo distal actuam da mesma forma, tais como os diuréticos (provocam
depleção de volume provocando estimulação do eixo renina-angiotensina-aldosterona,
e aumentam a excreção de sódio estimulando a secreção de potássio no túbulo
colector).
No hiperaldosteronismo primário o defeito está no aumento da secreção de
aldosterona, que provoca aumento da reabsorção de água e sódio e excreção de
potássio; a hipervolémia consequente provoca também um aumento da excreção de
água e sódio renal e a chegada de iões sódio ao túbulo distal, que potencia a excreção
de potássio. O resultado final é a hipocaliémia. No hipoaldosteronismo o contrário
acontece, há depleção de volume e retenção de potássio (pelo défice de aldosterona e
pela menor chegada do sódio ao túbulo distal).

[Na+] tubo Secreção de


Mineralocorticóides Exemplos
distal K+

Volume extra-celular ↑ ↓ ↑ S/alteração Hipervolemia


Volume extra-celular ↓ ↑ ↓ S/alteração Desidratação
Hiperaldosteronismo 1ário
↑ Primário mineralocorticoides ↑ ↑ ↑
Estenose da artéria renal
↓ Primário mineralocorticoides ↓ ↓ ↓ D. Addison
↑ [Na+] tubo distal ↑ ↑ ↑ Diuréticos
↓ [Na+] tubo distal ↓ ↓ ↓ Glomerulonefrite aguda

Fig 3. Regulação da secreção de potássio

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Hipocaliémia

K+ plasmático < 3,5 mEq/L

1. Mecanismos de hipocaliemia

Causas de Hipocaliémia

Ingestão diminuída
Caquexia
Anorexia
Redistribuição celular
Alcalose metabólica ou respiratória
Aumento de insulina
β2-agonistas
Paralisia periódica hipocaliémica
Intoxicação por cloroquina
Perdas extra-renais
Diarreia
Uso de resina permutadora de iões
Uso de laxantes
Perdas cutâneas (queimaduras)
Perdas renais
Diuréticos tiazídicos ou de ansa
Excesso de mineralocorticoides
Síndrome de Liddle
Síndrome de Gittelman ou Bartter
Hipomagnesiemia
Poliúria
Fármacos (anfotericina B, L-dopa)

1.1. Ingestão diminuída de K+

É uma causa rara de hipocaliémia. Numa dieta sem K+ o rim mantém uma
excreção constante de cerca de 5-25 mEq/dia de K+. Esta incapacidade de o rim
diminuir a excreção do K+ para quase zero poderá reflectir a prioridade em proteger o

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organismo da hipercaliémia, mas que em situações de ingestão muito diminuída
associada ou não a outros factores (ex. diuréticos), em que o consumo é inferior às
perdas, pode levar a hipocaliémia.

1.2. Redistribuição celular do K+

A hipocaliémia pode resultar de um aumento do movimento do K+ para as


células. As catecolaminas promovem a entrada o K+ para as células (por estimulação
do receptor β2 adrenérgico) assim como a insulina. Ambos aumentam a actividade da
bomba Na+/K+-ATPase.
A alcaliemia, metabólica ou respiratória, promove a entrada de K+ para as
células. Nos estados de alcalose, os iões H+ saem das células para o fluido extra-
celular na tentativa de minimizar a elevação do pH. Para preservar a
electroneutralidade do líquido extracelular o K+ entra para as células. Em geral este
efeito é pequeno e a concentração de K+ sofre uma redução inferior a 0,4 mEq/L por
cada aumento de pH de 0,1 unidades. Embora o efeito directo da alcaliemia seja
reduzido, a hipocaliémia é frequente na alcalose metabólica. Possivelmente, a razão
principal desta associação é a perda concomitante de H+ e K+ pela condição médica
subjacente (vómitos, diuréticos, hiperaldosteronismo).
A ingestão de alguns fármacos tais como a cloroquina ou a risperidona
provoca hipocaliémia, presumivelmente, devido a um shift celular do K+. A ingestão de
bário bloqueia os canais de K+ celulares que permitem a sua saída.
A paralisia periódica hipocaliémica é uma doença rara caracterizada por
fraqueza muscular ou paralisia devido à movimentação súbita do K+ para dentro das
células. Pode ser familiar ou adquirida e é de transmissão autossómica dominante.
Resulta da mutação do gene que codifica uma subunidade do canal de cálcio ou do
sódio muscular.

1.3 Perdas extra-renais de K+

As perdas gastrointestinais de K+ são uma das causas mais frequentes de


hipocaliémia. Pode ocorrer por diarreia, fístulas intestinais, pelo uso de sondas de
drenagem (biliar, SNG, etc.), pela presença de adenomas vilosos ou pelo uso abusivo
de laxantes.

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As resinas permutadoras de iões são usadas frequentemente no tratamento da
hipercaliémia; do consumo abusivo destas substâncias pode resultar hipocaliémia,
hipomagnesiemia e ocasionalmente alcalose metabólica.

NOTA: Os vómitos causam por vezes hipocaliémia mas não se deve a perdas GI
porque a concentração de K+ nas secreções gástricas é baixa (5-10 mEq/L). Os
vómitos aumentam a excreção de bicarbonato, desta forma aumentando a chegada de
NaHCO3 ao túbulo colector. O aumento do sódio no túbulo colector e o aumento de
aldosterona (pela depleção de volume) provocam espoliação renal de K+.

Raramente a hipocaliémia pode resultar de perdas cutâneas de K+. Em


situações de exercício físico intenso num ambiente quente e húmido pode-se perder
cerca de 10L de suor diários. Destas perdas pode resultar hipocaliémia apesar de a
concentração de K+ no suor não ser superior a 5 mEq/L.
As queimaduras extensas são também uma fonte de perda de fluidos e K+
significativa.

1.4. Perdas renais de K+

A. Aumento da actividade mineralocorticóide primária

O aumento da actividade mineralocorticóide pode resultar de:


-Aumento primário da secreção da renina plasmática (tumores produtores de
renina, estenose da artéria renal)
-Aumento primário da secreção da aldosterona (hiperaldosteronismo primário –
adenoma, carcinoma, hiperplasia)
-Aumento de outros mineralocorticóides (síndrome paraneoplásico, S. Cushing)
-Síndrome de excesso aparente de mineralocorticóides

O diagnóstico diferencial a ter em consideração num doente com hipertensão


arterial, hipocaliémia e alcalose metabólica assenta nos níveis plasmáticos de renina e
de aldosterona. Aproximadamente 15% dos doentes com estenose da artéria renal
desenvolvem hipocaliémia em associação com níveis de renina e aldosterona
aumentados.

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No síndrome de excesso aparente de mineralocorticóides os níveis de renina e
aldosterona estão suprimidos. Trata-se de uma doença rara, autossómica recessiva. O
receptor mineralocorticoide é capaz de se ligar ao cortisol e à aldosterona com a
mesma afinidade. Em situações normais a ligação do cortisol a este receptor é
impedida porque é rapidamente degradado pela enzima 11β-hidroxiesteroide
desidrogenase tipo 2. Nesta patologia a actividade desta enzima está diminuída
permitindo a activação persistente destes receptores pelo cortisol.

B. Aumento do sódio no túbulo distal

Os diuréticos tiazidicos e de ansa são a causa mais frequente de hipocaliémia.


Um dos factores responsáveis é o aumento da concentração de sódio no túbulo
colector (inibição da reabsorção de sódio e água) associado à depleção de volume
induzida pelos diuréticos que estimula a produção de aldosterona, contribuindo
conjuntamente para a hipocaliémia. A hipocaliémia secundária aos diuréticos é dose-
dependente.
No défice de magnésio há uma reabsorção diminuída de sódio tubular,
aumentando desta forma a sua excreção e concentração tubular, daí a relação
frequente entre a hipomagnesiemia e a hipocaliémia refractária ao tratamento.
Em determinadas condições, tais como os vómitos e a Acidose Tubular Renal
proximal, a hipocaliémia resulta da presença de bicarbonato excretado na forma de
bicarbonato de sódio.
No Síndrome de Liddle há um aumento da densidade e da actividade dos canais
de sódio no ducto colector, havendo, desta forma, um aumento da reabsorção do Na+
e da excreção de K+. Este síndrome distingue-se do hiperaldosteronimo 1ário pela
presença de níveis plasmáticos reduzidos de renina e aldosterona.

2. Manifestações Clínicas

A gravidade das manifestações tende a ser proporcional ao grau e duração da


hipocaliémia. Os sintomas habitualmente aparecem quando a concentração de K+ é
inferior a 3 mEq/L ou há uma redução rápida dos valores.

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Manifestações clínicas da hipocaliémia aguda

• Fraqueza muscular ou paralisia (incluindo íleo paralítico)


• Arritmia cardíaca
• Rabdomiólise, caimbras

3. Diagnóstico

A abordagem do doente hipocaliémico deve incluir pelo menos:


- História clínica (fármacos, vómitos, diarreia, etc.)
- Exame físico (volume extracelular, TA) e resultados analíticos
- Determinação da excreção urinária de potássio (um K+ < 20 mEq/L na urina
de 24h sugere uma causa extra-renal de hipocaliémia)

1º → Se a perda de K+ é renal, vamos avaliar o volume vascular efectivo de


forma a distinguir entre as situações causadas por um aumento primário de
mineralocorticoides ou um aumento do Na+ no tubo colector.

2º → Se o doente se apresenta com um aumento do volume arterial efectivo,


frequentemente com HTA, mede-se a renina e aldosterona.

3º → Se o doente está depletado de volume vamos medir o bicarbonato


sérico:
 se for baixo é uma acidose tubular renal;
 se for alto, o que é muito mais comum, a hipocaliémia deve-se ao aumento do Na+
no tubo colector.

Se a história clínica não permite diferenciar a causa da alcaliemia, mede-se o Cl- na


urina:
 se o Cl- for baixo significa que há outro anião na urina que impediu a reabsorção
do Na+
.

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[K+] urina

< 20 mEq/L > 20 mEq/L

Perdas extra-renais Pressão arterial e volume


arterial efectivo

Diarreia
Baixo – Normal

Alto [HCO3-]

Renina, Aldosterona Baixo Elevado

↑R, ↑A ↓R, ↑A ↓R, ↓A


ATR [Cl-] urina

Estenose Adenoma SR S. Cushing


artéria Hiperplasia SR Excesso aparente
renal Hiperaldosteronismo mineralocorticoides Baixo Elevado
remediável S. Liddle

Diuréticos
Vómitos 2+
↓ Mg
Bartter
Fig 4. Diagnóstico Gittelman

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5. Tratamento

A redução do K+ plasmático de 4 para 3 mEq/L deve-se à perda de cerca de


200 a 400 mEq de K+, assumindo que a distribuição de K+ dentro e fora das células é
normal. Mas, como já referido, não é possível determinar o défice real de K+ dado a
que é um ião maioritariamente intra-celular e há situações clínicas variadas que
alteram a proporção da distribuição intra-extra celular do potássio.
O tratamento da hipocaliémia consiste em repor o défice de K+ via oral ou
endovenosa consoante a gravidade da hipocaliémia. Deve-se identificar e tratar, em
simultâneo, a causa da hipocaliémia.
Após o início do tratamento deve-se dosear frequentemente a sua
concentração plasmática de forma a suspender ou manter o tratamento.

No tratamento da hipocaliémia ligeira a moderada (3-3,4 mEq/L):

1. Nos doentes com hipocaliémia ligeira a moderada, sem perdas de K+ renais


activas, poderão ser tratados com formulações orais de K+ na dose de 10 a 20
mEq de K+ 2-4x/dia (cerca de 80 mEq/dia). Devemo-nos assegurar que o
doente tem trânsito intestinal activo.

2. Nos doentes com perda crónica de K+ (Tratamento crónico com diuréticos, S.


Gittelman/Bartter, hiperaldosteronismo primário) o tratamento é de preferência
com um diurético poupador de potássio.

3. Se um diurético poupador de potássio é usado em combinação com


suplementação de potássio oral, é necessário a monitorização frequente dos
valores do K+, especialmente se houver doença renal crónica ou uso de outros
fármacos com potencial de causar hipercaliémia (IECA, ARA II, inibidores da
renina).

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No tratamento da hipocaliémia severa (<3 mEq/L) ou sintomática (arritmias, fraqueza
muscular, rabdomiólise):

1. É necessária monitorização cardíaca


2. O KCl pode ser dado por via oral cerca de 40 mEq 3-4 vezes por dia. Se
existirem manifestações severas de hipocaliémia ou em doentes incapazes de
ingestão, a via endovenosa é recomendável.
3. Em geral a administração em bólus e.v. está contra-indicada
4. A administração de soros com glicose está contra-indicada (potência a
entrada celular de K+ agravando a hipocaliémia)
5. O ritmo de administração de KCl deve ser inferior a 10-20 mEq/hora
excepto nos casos de arritmias com risco de vida.
6. A quantidade de KCl por litro de soro deve ser limitado para diminuir o risco e
administração inadvertida de grandes quantidades de K+ (usar bombas
perfusoras):
a. Cada 1000cc de soro deve conter, no máximo, 60 mEq de KCl
(habitualmente 40 mEq/L devido ao risco de flebite).
b. Frascos de 100-200cc de soro a administrar em veia periférica, a
quantidade de KCl não deve exceder os 10 mEq.
c. Frascos de 100-200cc de soro a administrar em veia central, a
quantidade de KCl não deve exceder os 40 mEq.

7. Se houver acidose e hipocaliémia concomitantes, significa que o défice de


K+ é muito superior ao aparente (a acidose aumenta o K+ extra-celular e
diminui o intracelular). Se a correcção da acidose exigir administração de
bicarbonato, corrigir sempre primeiro a hipocaliémia ou vai-se agravar ainda
mais a concentração sérica de K+.
8. Se coexistir hipomagnesiemia corrigir o défice com sulfato de magnésio. Em
hipocaliémias refractárias ao tratamento com potássio deve-se dosear sempre
o magnésio.

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Hipercaliémia

K+ plasmático > 5,5 mEq/L

1. Pseudohipercaliémia

A causa mais frequente de pseudohipercaliémia é a hemólise que pode


ocorrer numa colheita de sangue.
Em indivíduos normais, é libertado K+ das plaquetas e leucócitos antes da
centrifugação do sangue colhido e o nível sérico aumenta cerca de 0,1-0,5 mEq/L.
Habitualmente o aumento mantém os níveis de K+ dentro dos limites normais mas
podem, no entanto, ocorrer erros na medição na presença de trombocitose ou
leucocitose marcadas.

2. Mecanismos de hipercaliémia

2.1. Redistribuição celular

Alterações na redistribuição celular causa mais frequentemente hipercaliémia


do que hipocaliémia.
A destruição celular provoca a saída do potássio intra-celular para o plasma.
Como causas temos a rabdomiólise, traumatismo tecidular, queimaduras, lise tumoral
(após tratamento) ou coagulação intravascular disseminada massiva.
O aumento da osmolaridade plasmática promove a saída do K+ das células,
este mecanismo ocorre frequentemente nos diabéticos quando a glicemia sobe.
Na acidose metabólica há saída de K+ das células de forma a manter a
electroneutralidade entre o espaço intra e extracelular (devido ao excesso de iões H+
dentro da célula). O efeito na concentração plasmática depende do grau de acidemia e
do estado de repleção corporal de K+. A hipercaliémia é mais grave em situações de
acidose mais severa e em doentes com reserva corporal de K+ normal-alta.
A Paralisia Periódica Familiar também tem uma variante hipercaliémica.
Resulta de uma mutação do gene que codifica um dos canais do Na+ das células
musculares.

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2.2. Diminuição da Excreção renal

A diminuição da excreção renal do K+ deve-se a 3 mecanismos principais:

A- Doença Renal

A lesão renal aguda pode levar, em algumas situações, à diminuição da


chegada de sódio e água ao túbulo colector, que consequentemente poderá diminuir a
secreção de K+. Quando é oligúrica a hipercaliémia é um achado frequente.
Na Doença renal crónica (DRC), em acréscimo à diminuição da taxa de
filtração glomerular (TFG), e portanto diminuição da chegada de sódio e água ao
túbulo colector, o número total de nefrónios também está diminuído havendo menos
túbulos colectores para secretar potássio. Esta situação é contra-balançada por vários
mecanismos de defesa:
- os ductos colectores remanescentes adquirem uma maior
capacidade de excretar K+
- a redistribuição celular é mais rápida nos IRC
- a excreção intestinal de K+ é maior (aumento de canais de K+)
Dado estes mecanismos, a hipercaliémia é habitualmente incomum até que a
TFG seja inferior a 5 ml/min. A ocorrência de hipercaliémia em doentes com TFG > 10
ml/min deve-se normalmente a níveis de aldosterona baixos ou a lesões no ducto
colector.

B- Disfunção do túbulo distal

Determinadas doenças intersticiais podem afectar, especificamente, o túbulo


distal, provocando hipercaliémia na ausência de insuficiência renal avançada e na
presença de níveis de aldosterona normais.
Existem situações geneticamente transmitidas, pseudohipoaldosteronismo
tipo I e tipo II, que se acompanham também de hipercaliémia.

C- Diminuição da actividade mineralocorticoide

A redução da actividade mineralocorticoide pode resultar de uma anomalia em


qualquer ponto do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Estes distúrbios podem
ser resultado de uma patologia ou secundários a fármacos. Como exemplos temos a
Doença de Addison e fármacos tais como os IECA, ARA II e a espironolactona.

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A heparina parece reduzir a secreção de aldosterona por inibição directa
glandular. A hipercaliémia pela heparina só é evidente quando existe um distúrbio
adicional, por exemplo, insuficiência renal.

Fig 4. Fármacos que interferem no sistema renina-angiotensina-aldosterona podendo desta forma alterar
a concentração de potássio plasmático.

Na ausência de uma causa óbvia (lesão renal aguda oligúrica, diuréticos


poupadores de K+, IECA’s, etc.), o síndrome de hipoaldosteronismo
hiporeninémico, é a causa de 50% a 75% da hipercaliémia nos adultos. Esta
patologia caracteriza-se por:
- Insuficiência renal leve a moderada (clear creat 20-75 ml/min)
- 50% têm diabetes mellitus, os restantes têm NTI crónica
- Actividade da renina plasmática diminuída na maioria dos casos
- Hipercaliémia, tipicamente assintomática

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3. Manifestações Clínicas

Manifestações clínicas da hipercaliémia

• Fraqueza muscular ou paralisia (>8 mEq/L)


• Arritmia cardíaca (fibrilação ventricular, bradiarritmia)

Alterações electrocardiográficas
o Ondas T altas e pontiagudas
o Desaparecimento da onda P
o Alargamento do QRS
o Paragem cardíaca

4. Diagnóstico

A avaliação de um doente com hipercaliémia deve incluir:


-História clínica completa (consumo de K+ diário e antecedentes de
doença renal crónica, diabetes mellitus, fármacos)
-Exame físico (fraqueza muscular, depleção de volume ou edema)
-ECG
-GSA (pH)
-Bioquímica (glicose, ureia, creatinina, ionograma, cálcio, DHL, CK,
mioglobina)
Com esta informação, o diagnóstico pode ser simplificado considerando 3
grupos de condições clínicas, já expostas previamente:
1. Aumento da ingestão
2. Saída das células
3. Redução da excreção renal

5. Tratamento

O tratamento da hipercaliémia varia com a gravidade do distúrbio electrolítico.


Os sintomas severos não são normalmente evidentes até que a concentração
plasmática do potássio seja superior a 7,0 mEq/L, embora varie de doente para
doente. A presença de uma concentração plasmática de K+ superior a 8 mEq/L, de
alterações no ECG marcadas ou de fraqueza muscular severa obrigam ao tratamento

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imediato englobando praticamente todas as abordagem descritas na seguinte
tabela:

Tratamento da hipercaliémia

Antagonismo das acções na membrana celular


Cálcio (gluconato/cloreto)
Promoção da entrada de K+ para as células
Glicose e insulina
NaHCO3 (doentes seleccionados)
Agonistas β2-adrenérgicos
Remoção do excesso de K+ do organismo
Diuréticos
Resina permutadora de iões
Hemodiálise

Para que o tratamento seja eficaz é essencial a saída do K+ do organismo. Os


fármacos que promovem a entrada K+ para as células têm apenas um efeito
transitório havendo posteriormente, caso não haja excreção do excesso de K+, novo
aumento dos níveis de K+. Esta excreção pode ser feita pelo rim, pelo intestino ou
através da diálise.

Fármacos de acção rápida e efeito transitório

Estes fármacos permitem uma redução de K+ transitória até ao início do efeito


das terapêuticas que permitem a remoção do excesso de K+ do organismo.

Indicações para o seu uso:


1. Hipercaliémia e alterações electrocardiográficas
2. K+ superior a 6,5-7 mEq/L
3. Concentrações de K+ menores que 6,5 mEq/L mas com um esperado aumento
rápido das concentrações (Síndrome de lise tumoral, “Crush syndrome”)

Os doentes devem manter monitorização cardíaca contínua e o potássio sérico


deverá ser determinado a cada hora após o início da terapêutica.

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Cálcio
O cálcio antagoniza directamente as acções do K+ na membrana celular
cardíaca. O efeito é iniciado poucos minutos após a administração mas a duração de
acção também é curta (30 a 60 minutos), daí que esta terapêutica só está indicada nas
manifestações severas de hipercaliémia (arritmias) potencialmente letais não sendo
possível esperar 30 a 60 minutos até a insulina actuar.
O cloreto de cálcio tem o triplo da concentração de cálcio elementar do
gluconato de cálcio.

Doses:
- gluconato de cálcio: 10 mL de uma solução a 10% (1000 mg) infundida
durante 2-3 minutos sob monitorização cardíaca.
- cloreto de cálcio: 5-10 mL de uma solução a 10% (500 a 1000 mg) infundida
durante 2-3 minutos sob monitorização cardíaca.
As doses podem ser repetidas após 5 minutos se as alterações no ECG
persistirem.

Insulina com glicose

A glicose é dada para prevenir as hipoglicemias, no entanto, se a glicemia for


superior a 250 mg/dl, a insulina pode ser administrada isoladamente. A glicose sérica
deve ser monitorizada 1 hora após a administração de insulina.
O efeito da insulina inicia-se em 10-20 minutos, com o pico de acção aos 30-60
minutos, tendo efeito até 4 a 6 horas. Na maioria dos doente a concentração de
potássio reduz 0,5 a 1,2 mEq/L.
A administração de glicose sem insulina está contra-indicada.

Dose:
-10 unidades de insulina de acção rápida em 500cc de Soro glicosado a 10%.
Perfusão durante 1 hora.
- Alternativa: bólus de 10U de insulina seguida da administração de 50mL de
glicose a 50%. Este regime promove uma descida mais eficaz dos níveis de K+, no
entanto a hipoglicemia ocorre em cerca de 75% dos pacientes tipicamente 1 hora
após. Para evitar pode-se proceder à perfusão contínua de SG a 10% a 50-75 mL/h
com monitorização frequente dos níveis de glicemia.

18
NPNN 2020 22
Agonistas beta-2 adrenérgicos
São eficazes na redução da concentração do K+ em cerca de 0,5 a 1,5 mE/L.
Habitualmente usa-se o salbutamol em concentrações cerca de 10 vezes superiores
às usadas como broncodilatador. O pico do efeito ocorre 90 minutos após a
nebulização.

Dose:
- Nebulização com 5-10 mg de salbutamol em 4cc de SF durante 10 minutos.

Bicarbonato de sódio

Este fármaco tem uma eficácia limitada, e portanto, não está recomendada a
sua administração como único tratamento nos doentes com acidose ligeira ou
moderada. Nos doentes com doença renal crónica avançada não tem mesmo efeito na
redução das concentrações do K+.
Deve ser usado quando coexiste acidose metabólica grave.

Dose:
- 50 mmoL endovenoso durante 5 minutos (precaução nos doentes
hipervolémicos)

Remoção do potássio

Existem três alternativas para a remoção do potássio: resina permutadora de


iões, diuréticos e hemodiálise.

Diuréticos
O seu uso apenas tem interesse nas situações de hipercaliémia crónica
sobretudo se houver concomitantemente doença renal crónica.

Resina Permutadora de iões (polistireno sulfonato de cálcio)


Efeito tardio (várias horas após administração). Não tem interesse o seu uso
em dose única e deve ser administrada juntamente com um laxante (lactulose). O uso
de sorbitol está contra-indicado pelo risco de isquemia intestinal.

19
NPNN 2020 23
Dose: oral – 15g 3x/dia,
enema (se a via oral não é possível) – 50g em 150cc de água à
temperatura corporal, permanecendo pelo menos 30 a 60 min. O enema pode
ser repetido a cada 2-4 horas.

Diálise
Se as medidas já mencionadas forem ineficazes, se a hipercaliémia é severa e
se espera um aumento da concentração de potássio deve-se fazer hemodiálise. Com
a hemodiálise consegue-se remover cerca de 25 a 50 mEq de K+ por hora.

20
NPNN 2020 24
II.

Alterações
do Sódio

NPNN 2020 25
SÓDIO

BALANÇO DE ÁGUA

As membranas celulares são permeáveis à água e a manutenção da água dentro das células
depende da relação entre os solutos (proteínas, fosfatos, sódio, potássio) intracelulares e
extracelulares.
Uma partícula osmoticamente activa não atravessa livremente as membranas celulares e retém
água no local onde se encontra (intracelular, extracelular ou intravascular). O potássio e fosfatos
são as principais osmóis efectivos intracelulares enquanto que o sódio é o do espaço extracelular.
A água desloca-se livremente entre os vários compartimentos corporais de forma a manter a
osmolaridade sérica igual em todos os compartimentos.

A osmolaridade sérica ( osmolaridade = concentração de solutos ou partículas de um fluído) é determinada pela


concentração em mmol/L dos principais solutos séricos, de acordo com a equação seguinte:

Osm sérica = (2* [Na] ) + ([Glucose]mg/dl /18) + (BUNmg/dl /2.8)

BUN: blood urea nitrogen

A contribuição da glucose e do BUN para a osmolaridade sérica é geralmente pouco importante.


Numa situação normal, 95% da tonicidade do plasma é da responsabilidade do sódio daí que
todas as hipernatrémias cursam com hipertonicidade (tonicidade=osmolaridade efectiva). No entanto, as
hiponatrémias podem cursar com hipotonicidade, normotonicidade ou mesmo hipertonicidade
do plasma.

A concentração de sódio sérica e, consequentemente, a osmolaridade sérica são reguladas pela


homeostasia da água, que é controlada pelo mecanismo da sede, pela hormona antidiurética
(ADH – antidiuretic hormone) e pelos rins. Este sistema de regulação é tão eficiente que a
osmolaridade plasmática é mantida dentro de um intervalo muito estreito (variações de 1-2%)
apesar das grandes variações diárias na ingestão de sal e água.
A capacidade de diluir ou concentrar a urina permite uma grande flexibilidade no volume de
urina. Quando há uma sobrecarga de água os mecanismos de diluição permitem excretar 20 a 25
litros de água por dia e, em momentos de privação, o volume de urina pode ser reduzido até
500ml/dia.
Uma desregulação no balanço de água manifesta-se por alterações na concentração de sódio –
hipernatrémia ou hiponatrémia, pois as membranas celulares são funcionalmente impermeáveis
ao sódio. Daí que, o sódio contribui para a tonicidade e induz o movimento de água através das
membranas celulares.

NPNN 2020 26
Mecanismos para manutenção da osmolaridade plasmática
Retirado Comprehensive Clinical Nephrology

Hormona anti-diurética – ADH ou vasopressina

A ADH tem um papel primordial na determinação da concentração urinária. É produzida no


hipotálamo, tem uma semi-vida de 15-20 minutos e actua a nível do túbulo colector do nefrónio.
Estímulo osmótico para libertação de ADH – As substâncias que se confinam ao espaço extra-
celular (sódio, manitol) provocam o movimento osmótico da água de dentro para fora das
células, por serem osmóis efectivos, levando à diminuição do volume celular. Este mecanismo, a
nível do hipotálamo, estimula a libertação de ADH. Os osmorreceptores localizados no
hipotálamo são sensíveis a alterações da osmolaridade tão pequenas como 1%. O limiar para
libertação da ADH é 280-290mosm/kg. Este sistema é tão eficiente que, geralmente, a
osmolaridade plasmática não varia mais que 1-2% apesar das grandes flutuações na ingestão de
água.
Estímulo não osmótico para libertação de ADH – Há vários outros estímulos para a secreção de
ADH. A diminuição do volume circulante efectivo (ex. insuficiência cardíaca congestiva, cirrose,
vómitos) estimula os barorreceptores dos seios carotídeos e aumenta a secreção de ADH. O nível
de ADH atinge valores muito superiores com hipovolémia do que com hiperosmolaridade,
contudo uma diminuição significativa do volume sanguíneo (7%) é necessária para activar esta
resposta. Outros estímulos não osmóticos incluem náuseas, dor pós-operatória e gravidez.

HIPONATRÉMIA
Sódio <135meq/L

NPNN 2020 27
A hiponatrémia representa um excesso relativo de água em relação ao sódio e pode estar
associada a tonicidade baixa, normal ou aumentada.
Em contraste com a resposta de indivíduos normais, os doentes que desenvolvem hiponatrémia
tipicamente tem uma incapacidade de excretar água, na maior parte das vezes, devido a uma
supressão insuficiente da secreção de ADH. A diminuição da perfusão tecidular é um potente
estímulo para a secreção de ADH e a redução do volume circulante efectivo pode ocorrer em
duas situações: depleção real do volume ou em doentes edemaciados (insuficiência cardíaca,
cirrose e síndrome nefrótico). Assim, a retenção de água e hiponatrémia podem ocorrer em
doentes com um distúrbio que cause redução do volume arterial efectivo.

A hiponatrémia dilucional, de longe a mais frequente, é causada pela retenção de água. Se a


ingestão de água excede a capacidade dos rins para a excretar, ocorre diluição dos solutos
corporais resultando em hipo-osmolaridade e hipotonicidade. A hipotonicidade, por seu lado,
pode originar edema cerebral potencialmente fatal.

Efeitos da hiponatrémia no cérebro e respostas adaptativas

A hiponatrémia hipotónica pode estar, também, associada a situações de osmolaridade normal


ou aumentada se quantidades suficientes de solutos que conseguem atravessar as membranas

NPNN 2020 28
celulares (ex. ureia, etanol) estiverem retidos. As hiponatrémias não-hipotónicas podem ser:
hiponatrémias hipertónicas (ou translocacionais), hiponatrémias isotónicas ou
pseudohiponatrémias.

Pseudohiponatrémia
Ocorre em situações em que a concentração de sódio está artificialmente diminuída em
consequência da redução da fracção aquosa sérica por aumento de proteínas (mieloma múltiplo)
ou de lípidos. A determinação directa da concentração de sódio através de eléctrodos ião-
específicos eliminou quase por completo este artefacto.

Hiponatrémia hiperosmolar (ou translocacional ou hipertónica)


Há situações em que a hiponatrémia se associa a uma osmolaridade sérica elevada. A causa
principal desta situação é a hiperglicemia marcada em doentes com cetoacidose diabética ou
estados hiperosmolares hiperglicémicos. A glucose não se move através das membranas
celulares na ausência de insulina e na presença de hiperglicemia ocorre saída de água intracelular
para o meio extracelular, como resultado ocorre desidratação intra-celular e diminuição do sódio
sérico. Daí que na hiperglicemia a concentração plasmática de sódio diminui 2,4mmol/L por cada
100mg/dl de elevação da glicemia.

Hiponatrémia iso-osmolar (ou isotónica)


Resulta da passagem de solutos iso-osmóticos sem sódio para o espaço extra-celular – recessão
transuretral da prostática ou vesical, histeroscopia, laparoscopia.

Hiponatrémia hipo-osmolar ou hipotónica


Na maior parte das situações de hiponatrémia hipotónica ocorre uma secreção inapropriada de
ADH, com excepção dos indivíduos com polidipsia primária (doenças psiquiátricas, uso de anti-
psicóticos, lesões hipotalámicas) que se tornam hiponatrémicos porque não conseguem excretar
as enormes quantidades de líquidos que ingerem (o rim é capaz de excretar até 20L de água/dia),
em situações de muito baixa ingestão de sódio (dieta “chã e bolachas”, bebedores de cerveja) e
insuficiência renal avançada.

Abordagem diagnóstica de hiponatrémias

NPNN 2020 29
Abordagem diagnóstica de hiponatrémias

Hipovolémia devido a perdas gastrointestinais (vómitos, diarreia) ou renais (diuréticos


tiazídicos). Nestas situações há uma depleção de volume real.

Normovolémia na maior parte dos casos associam-se a SIADH (síndrome de secreção


inapropriada da ADH). As principais causas de SIADH são: doença do sistema nervoso central,
malignidade, fármacos e pós-cirurgia. Alterações hormonais (insuficiência adrenal, hipotiroidismo
e gravidez) podem, também, estar associados a hiponatrémia euvolémica.

Achados no SIADH
o Osmolaridade sérica diminuída
o Osmolaridade urinária inapropriadamente elevada (acima de 100mosmol/kg e geralmente acima de
300mosmol/kg)
o Concentração do sódio urinário normalmente acima de 40meq/L
o BUN e acido úrico diminuídos
o Creatinina sérica normal
o Balanço acido-base e potássio sérico normais
o Funções tiroideia e adrenal normais
o Exclusão de uso de diuréticos

Hipervolémia devido a insuficiência cardíaca, cirrose ou síndrome nefrótico. Nestas situações há


uma depleção do volume circulante efectivo com diminuição da perfusão tecidular devido a
diminuição do débito cardíaco ou a vasodilatação sistémica associada à cirrose. Acresce que os

NPNN 2020 30
níveis séricos de ADH tendem a variar com o grau de severidade destas situações, pelo que o
desenvolvimento de hiponatrémia é um sinal de mau prognóstico.

A hiponatrémia também pode ocorrer nos doentes com insuficiência renal crónica avançada.
Estes doentes podem parecer euvolémicos, mas se retêm sódio e água podem desenvolver
edema (hipervolémia)

O diagnóstico da causa de hiponatremia baseia-se fundamentalmente na história clínica e exame


objectivo. A bioquímica sérica (ionograma, ureia, creatinina, glucose), osmolaridade sérica,
osmolaridade urinária e concentração urinária de sódio podem esclarecer os casos em que a
informação clínica não é indicativa do diagnóstico, assim como a resposta à expansão de volume
com solução isotónica salina também pode ser definidora da patologia de base.

Manifestações clínicas de hiponatrémia


Ligeiras: tonturas, lapsos de memória, distúrbios da marcha
Moderadas: confusão e letargias
Graves: convulsões, coma
As manifestações da hiponatrémia estão relacionadas com o sistema nervoso central e são mais
notórias quando a diminuição da concentração do sódio sérico é mais pronunciada e rápida. A
maior parte dos doentes com sódio sérico superior a 125mmol/L são assintomáticos.
A hiponatrémia hipotónica causa entrada de água no cérebro resultando em edema cerebral.
Dado que a caixa craniana limita a expansão cerebral, desenvolve-se hipertensão intracraniana
com risco de lesão cerebral. Contudo, um mecanismo de adaptação inicia-se e solutos deixam o
tecido cerebral dentro de horas, provocando a perda de água e melhorando o edema cerebral.
Este processo de adaptação cerebral explica as poucas manifestações clínicas que surgem em
casos de hiponatrémia grave com instalação lenta. Ao Invés, a adaptação cerebral é também
responsável pelo risco de desmielinização osmótica.

Tratamento da hiponatrémia
A escolha do tratamento da hiponatrémia baseia-se na presença de sintomas neurológicos e na
causa e gravidade da hiponatrémia.
Em todos os doentes devemos seguir estas regras de segurança:
• Aumento do sódio sérico inferior a 10meq/L nas primeiras 24 horas
• Aumento do sódio sérico inferior a 18meq/L nas primeiras 48 horas

A taxa de correcção da hiponatrémia é importante porque a correcção demasiado rápida pode


causar desmielinização osmótica provocando lesões neurológicas graves e irreversíveis. As
mulheres na pré-menopausa parecem ter um risco acrescido desta complicação. Um grupo de

NPNN 2020 31
doentes que parece não ter risco desta complicação são doentes com hiponatrémia hiperaguda
(corredores de maratona, doentes psicóticos, abuso de ecstasy) uma vez que, nestes casos, a
hiponatrémia desenvolveu-se num período de poucas horas devido à ingestão exagerada de água
e, por isso, o cérebro não teve tempo para desencadear os mecanismos de adaptação.
A desmielinização osmótica tipicamente ocorre nos doentes em que a concentração de sódio
aumentou mais de 10-12meq/L nas primeiras 24horas e mais de 18meq/L nas primeiras 48horas.

NPNN 2020 32
A desmielinização osmótica afecta principalmente a ponte e daí também ser chamada de desmielinólise pôntica. Ocorre

em todas as idades. Os sintomas são bifásicos. Inicialmente há uma encefalopatia generalizada que se associa a uma

correcção demasiado rápida do sódio sérico. Dois a 3 dias após correcção surgem alterações comportamentais,

paralisia de nervos cranianos, fraqueza progressiva que culmina em tetraplegia e síndrome locked in. As lesões podem

não ter tradução imagiológica até duas semanas após o início do evento.

A maioria dos doentes com hiponatrémia tem uma evolução crónica apresentando um sódio
sérico acima dos 120meq/L e encontrando-se assintomática (em alguns doentes podem estar
presentes anormalidades neurológicas subtis quando o sódio sérico está entre 120 e 130meq/l). O
tratamento inicial tipicamente consiste na correcção lenta da hiponatrémia através da restrição
da ingestão de água ou soro isosalino ou diurético de ansa dependendo da situação. Em estados
edematosos (cirrose, ICC, síndrome nefrótico) e de SIADH (excepto em situações de hemorragia
subaracnoideia uma vez que a restrição de líquidos pode agravar o vasospamo), a restrição de ingestão de
líquidos é a primeira medida para correcção da hiponatrémia. Em geral, a ingestão de líquidos
diária deve ser inferior a 800ml. Se necessário podem utilizar-se diuréticos de ansa. No SIADH
pode, também, associar-se suplementos orais de sódio. Em casos de depleção de volume utiliza-
se soro fisiológico.

Os doentes com sintomas moderados de hiponatrémia geralmente apresentam sódio sérico


inferior a 120meq/L, nestes casos o tratamento varia dependendo da causa.
Nos doentes com SIADH com sintomas moderados recomenda-se a administração de soro
hipertónico a 3% (3% = 900ml SF + 5amp (100ml) de NaCl a 20%), com o objectivo de aumentar o
sódio sérico 1meq/L em cada hora durante 3-4horas. O tipo e o ritmo do soro administrado devem
ser ajustados tendo em conta as regras de segurança mencionadas acima. Para isso devem
repetir-se as determinações de sódio sérico cada 2-3horas.

A maioria dos doentes com depleção de volume deve ser tratada com soro fisiológico pois, após
a normalização volémica, a libertação de ADH é adequadamente suprimida; isto pode conduzir a
uma correcção demasiado rápida da hiponatrémia ao se utilizarem soros hipertónicos. Deve
sempre respeitar-se as regras de segurança e as determinações do sódio sérico cada 2-3horas.

Se o doente apresenta sintomas de hiponatrémia grave (convulsões, doentes com lesões intra-
cerebrais que não toleram graus ligeiros de edema cerebral) é necessário uma intervenção
urgente com soro hipertónico (3%). Um regime eficaz é um bólus de 100ml de soro hipertónico
(pode aumentar o sódio sérico entre 1,5 a 2meq/L) reduzindo o edema cerebral. Se os sintomas
neurológicos persistem ou agravam-se, um novo bólus pode ser administrado (máximo 3 bólus
espaçados de 10min). Após este esquema inicial pode iniciar-se correcção com soro hipertónico
em administração contínua (1 a 2ml/h por quilo). A taxa de correcção nas primeiras horas pode,

NPNN 2020 33
no máximo, atingir 2mmol/L e deve-se sempre respeitar as regras de segurança e as
determinações do sódio sérico cada 2-3horas. Nestes casos, não esquecer o uso de anti-
convulsivantes e a protecção da via área.

Tratamento da doença de base


Em algumas circunstâncias a doença de base pode ser corrigida rapidamente permitindo a rápida
correcção da hiponatrémia:
Administração de corticóides a doentes com insuficiência supra-renal que vão suprimir a ADH
directamente. A presença de hipercaliémia pode levar a suspeitar desta situação.
Reversão rápida do SIADH em situações auto-limitadas (ex. náuseas, dor, cirurgia), ou após
suspensão de terapêutica farmacológica responsável pelo síndrome, como a desmopressina,
clorpropamida e inibidores da recaptação da serotonina (fluoxetina, sertralina).
Noutras situações associadas a hiponatrémia, a sua correcção permite uma normalização do
sódio mais lenta, ex: reposição de hormona tiroideia, tratamento de tuberculose ou meningite e
suspensão de fármacos com duração de acção superior.

HIPERNATRÉMIA
Sódio >145meq/L
A hipernatrémia é um problema relativamente comum e pode ter origem na administração de
soros hipertónicos ou, muito mais vulgarmente, pela perda de água livre. Contudo, raramente a
ingestão de sal e a perda de água resultam em hipernatrémia, isto porque a elevação da
osmolaridade sérica estimula a libertação de hormona antidiurética e a sede, o que vai minimizar
a perda e aumentar a ingestão de água conduzindo a uma diminuição do sódio sérico. Assim, a
hipernatrémia é observada essencialmente em pessoas que não expressam sede: crianças e
adultos com alterações do estado mental. Os idosos são aqueles que parecem ter maior limitação
na ingestão de água devido a alterações mentais, grau de dependência e, por outro lado, por
aparente estimulação osmótica diminuída cujo mecanismo é desconhecido. Os doentes
hospitalizados, quer sejam jovens ou idosos, podem tornar-se hipernatrémicos como resultado
de uma prescrição inadequada de fluidos ou alteração do mecanismo da sede. Para além disso,
muitos idosos hospitalizados têm depleção de volume devido a perdas de água e sódio
secundárias a diuréticos, vómitos e diarreia. Em contraste, um doente ambulatório que se
encontre consciente, que não tenha sede e que apresenta um sódio sérico superior a 150meq/l
tem com certeza uma lesão hipotalâmica.

DOENTES EM RISCO DE DESENVOLVER HIPERNATRÉMIA SEVERA


Doentes idosos ou crianças
Doentes hospitalizados: com fluidos hipertónicos, alimentação parenteral, diurese osmótica,
lactulose, ventilação mecânica

NPNN 2020 34
Alteração do estado mental
Diabetes mellitus não controlada
Distúrbios poliúricos
Adapatado Comprehensive Clinical Nephrology

Abordagem diagnóstica da hipernatrémia

Retirado Comprehensive Clinical Nephrology

Tal como na hiponatrémia, os doentes com hipernatrémia dividem-se em 3 categorias de acordo


com o seu estado de volémia:

Hipernatrémia hipovolémica
Os doentes com hipernatrémia hipovolémica tem perdas sustentadas de água e sódio, mas com
uma perda relativamente maior de água. No exame objectivo tem sinais de hipovolémia
(hipotensão ortostática, taquicardia, veias colapsadas, diminuição do turgor cutâneo e, as vezes
alterações mentais). Estes doentes têm, geralmente, perdas hipotónicas pelos rins ou pelo tracto
gastrointestinal.

Hipernatrémia hipervolémica
A hipernatrémia com aumento do sódio corporal total é a forma menos comum de
hipernatrémia. Resulta da administração de soluções hipertónicas como NaCla3% (intra-amniótico

NPNN 2020 35
-abortamentos, para tratamento de acidose metabólica, hipercaliémia e paragem cardio-
respiratória) e comprimidos de sódio.

Hipernatrémia euvolémica
A maior parte dos doentes com hipernatrémia secundária a perda de água estão euvolémicos
com sódio corporal total normal porque a perda de água sem sódio não provoca contracção de
volume. A perda de água por si só não provoca hipernatrémia a não ser que seja acompanhada
de diminuição da ingestão de água. Dado que a hipodipsia é pouco comum, a hipernatrémia
normalmente desenvolve-se em pessoas que não têm acesso á água (crianças, idosos
dependentes, hospitalizados). A defesa contra o desenvolvimento de hiperosmolaridade requer
a estimulação apropriada da sede e a capacidade de beber água.
As perdas de água extra-renais ocorrem através da pele e tracto respiratório/ gastrointestinal.
As perdas de água renais que conduzem a hipernatrémia euvolémica resultam de um defeito na
produção ou libertação da ADH (diabetes insipidus central) ou uma falência do túbulo colector
em responder ao estímulo da ADH (diabetes insipidus nefrogénica).

Se as funções hipotalâmicas e renais estiverem intactas, a osmolaridade urinária na presença de


hipernatrémia deve ser acima de 600mosmol/kg.

Manifestações clínicas
Tal como na hiponatrémia, as manifestações clínicas de hipernatrémia reflectem essencialmente
o comprometimento do sistema nervoso central e são mais notórias quando a concentração de
sódio é muito elevada ou ocorre rapidamente (período de horas).
A “desidratação” cerebral induzida pela hipernatrémia pode causar ruptura vascular, com
hemorragia cerebral subaracnóideia e lesões neurológicas permanentes ou morte. Se a
hipernatrémia se desenvolve lentamente o cérebro tem capacidade de se adaptar, primeiro
através da entrada de electrólitos para as células e, posteriormente, pela acumulação nas células
cerebrais de solutos orgânicos que retêm água. Se a hipernatrémia se desenvolve rapidamente,
este mecanismo adaptativo não é activado oportunamente e surgem sintomas.

A maioria dos doentes não hospitalizados são crianças ou idosos. Os sintomas mais frequentes
nas crianças são taquipneia, fraqueza muscular, irrequietude, insónia, letargia e mesmo coma.
Geralmente não ocorrem convulsões excepto em caso de sobrecarga inadvertida de sódio ou
rehidratação intensa. Ao contrário das crianças, os idosos geralmente têm poucos sintomas até
que o sódio exceda os 160mmol/L. Inicialmente pode estar presente sede intensa, mas esta
dissipa-se à medida que o distúrbio progride e está ausente em doentes com hipodipsia. O nível
de consciência correlaciona-se com a gravidade da hipernatrémia. Fraqueza muscular, confusão e

NPNN 2020 36
coma são muitas vezes manifestações de patologias concomitantes, além da própria
hipernatrémia.
A hipernatrémia pode ocorrer em doentes hospitalizados de todas as faixas etárias. As
manifestações clínicas são ainda mais difíceis de valorizar quando existem alterações
neurológicas prévias. Tal como nas crianças, a administração rápida de sódio nos adultos pode
provocar convulsões e coma. A prescrição de soros em doentes hospitalizados deve ser revista
em intervalos regulares de acordo com o estado clínico do doente e os dados laboratoriais.

Tratamento da hipernatrémia
O tratamento da hipernatrémia implica a correcção da causa subjacente e administração de água
e soros, quando necessário.
Deve preferir-se, quando possível, a via oral para administração de fluidos. Se for necessária a
correcção por via parenteral, devem-se usar soros hipotónicos (soro glicosado a 5% ou soro
heminormal). Caso se trate de uma situação de hipernatrémia hipovolémica pode utilizar-se soro
fisiológico até correcção da volémia. Em situações de hipernatrémia hipervolémica, os diuréticos
de ansa estão indicados.
O ritmo de correcção deve ser proporcional ao ritmo de instalação da hipernatrémia e depende
da presença de sintomas neurológicos.
Em todos os doentes devemos seguir esta regra de segurança:
• Diminuição do sódio sérico inferior a 10meq/L nas primeiras 24 horas
• Diminuição do sódio sérico máxima de 2meq/L nas primeiras duas horas
É fundamental a determinação do sódio sérica cada 2-3horas numa primeira fase e o ritmo de
administração do soro deve ser tanto mais lento quanto mais hipotónico for o soro.

Bibiliografia
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Adrogué H, Madias N. Hypernatremia. N Eng J Med 2000; 342; 1493-1499
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Sterns R. Overview of the treatment of hyponatremia. UptoDate 19.1
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Rose B. Causes of hypernatremia. UptoDate 19.1
Rose B. Evaluation of the patient with hypernatremia. UptoDate 19.1
Parikh C, Berl T. Disorders of Water Metabolism. Comprehensive Clinical Nephrology: 8:100-116

NPNN 2020 37
III.

Alterações
do equilíbrio
ácido base

NPNN 2020 38
ALTERAÇÕES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO BASE

Objectivos:

• Conhecer as causas dos principais desequilíbrios àcido-base


• Compreender os mecanismos fisiopatológicos dos principais desequilíbrios àcido-
base
• Saber abordar um doente com desequilíbrios àcido-base

O estado ácido base do organismo é regulado de forma a manter o pH arterial entre


limites muito estreitos (7.35 e 7.45) e o pH intracelular entre 7.0 e 7.3.
Diariamente são geradas substâncias ácidas e alcalinas da dieta e do metabolismo que
rapidamente alterariam o pH do organismo.
A defesa imediata contra estas substãncias são os chamados tampões fisiológicos intra
e extracelulares que minimizam a alteração do pH. Estes tampões são moléculas
capazes de aceitar ou ceder hidrogeniões, e são constituídos na sua maioria pelas
proteínas, fosfatos e pelo sistema bicarbonato-ácido carbónico. Estes tampões são
saturáveis e portanto têm uma capacidade limitada para atenuar as alterações do
equilíbrio ácido-base. Eles minimizam as alterações ácido-base, mas não são capazes
de remover os ácidos e bases do organismo
A remoção é efectuada pelo pulmão e pelo rim. O pulmão actua regulando a PaCO2 e o
rim regulando a concentração de bicarbonato. O rim actua a dois níveis: reabsorvendo
o bicarbonato filtrado no tubulo proximal e regenerando bicarbonato através da
excreção de acidez titulável, sob a forma de amónia. A compensação respiratória
demora apenas 12 a 24 horas, enquanto a renal é mais lenta demorando até 5 dias.
Quando há diminuição da taxa de filtração glomerular a capacidade do rim regular o
equilibrio ácido base fica comprometida.

NPNN 2020 39
Neste capítulo propomos uma forma sistematizada de analizar e abordar um doente
com alteração do equilibrio ácido base:

História clinica
Antecipação dos desequilibrios ácido-base

Análise dos dados da gasometria

Qual o disturbio primário

Há perigo eminente?
Estado hemodinâmico
oxigenação
Electrólitos

A compensação é adequada?

Verificar variação HCO3- e PaCO2

Qual a causa do distúrbio?


História clinica
GAP aniónico

Com os dados da história clinica, conseguimos a maioria das vezes antecipar o


distúrbio. Exemplos a considerar:

Situação Alteração Previsível


Sépsis Acidose Metabólica
Vómitos Alcalose Metabólica
Diuréticos Alcalose Matabólica
Coma Diabético Acidose Metabólica
Paragem Cardio-Respiratória Acidose Respiratória e Acidose Metabólica
DPOC Acidose Respiratória
Hiperventilação Alcalose Respiratória
Overdose de Opiácios Acidose Respiratória

Passamos em seguida à análise dos dados da gasimetria de sangue arterial para


determinar o distúrbio primário.

As alterações do equilibrio ácido base podem ter na sua origem uma causa respiratória
ou metabólica (desequilíbrio primário).

NPNN 2020 40
A hipoventilação de causa respiratória ou central, leva a uma retenção primária de CO2
e a consequente diminuição do pH. Daqui resulta uma acidose respiratória. A
compensação renal consiste no aumento de bicarbonato. A hiperventilação tem o efeito
oposto.
Quando há um aumento da produção de ácidos ou perda de bicarbonato o pH também
diminuí, resultando acidose metabólica. A compensação pulmonar consiste na
hiperventilação de forma a diminuir a Pa CO2.
A alcalose metabólica terá o efeito oposto, ou seja, hipoventilação e retenção de CO2.

Distúrbio pH Distúrbio primário Resposta


Do Eq. AB compensadora

Acidose Retenção de CO2 Produção de HCO3-


Respiratória ↓

Alcalose ↑ Perda de CO2 Consumo de HCO3-


Respiratória

Acidose Perda de HCO3- ↑ ventilação



Metabólica

Alcalose ↑ Retenção de HCO3- ↓ ventilação


Metabólica

É importante na análise imediata dos dados da gasimetria, avaliar se o doente corre


perigo eminente. O risco é sobretudo relacionado com a condição hemodinâmica do
doente (hupotensão grave), a presença e gravidade da hipóxia e as alterações
iónicas associadas. Os valores do pH só colocam a vida em risco quando as variações
são extremas e podem comprometer os processos enzimáticos.

Em seguida vamos avaliar se o distúrbio está compensado. Os níveis de compensação


esperados em face de um distúrbio primário estão determinados e podem ser
avaliados.

NPNN 2020 41
Níveis de compensação

Acidose respiratória aguda Por cada ↑ de 10 mmHg da PaCO2, ↑ 1 mEq/l de HCO3-

Acidose respiratória crónica Por cada ↑ de 10 mmHg da PaCO2, ↑ 3,5 mEq/l de


HCO3-

Alcalose respiratória aguda Por cada ↓ de 10 mmHg da PaCO2, ↓ 2 mEq/l de HCO3-

Alcalose respiratória crónica Por cada ↓ de 10 mmHg da PaCO2, ↓ 4 mEq/l de HCO3-

Acidose metabólica Por cada ↓ de 10 mEq/l de HCO3-, ↓ 12 mmHg da PaCO2

Alcalose metabólica Por cada ↑ de 10 mEq/l de HCO3-, ↑ 7 mmHg da PaCO2

Uma
regra simples para a acidose e alcalose metabólica é que a PaCO2 esperada é igual
aos 2 últimos dígitos do pH.
Quando a compensação não é a esperada, significa que há um distúrbio misto. Isto
pode acontecer por patologia respiratória ou renal associada que impede a
compensação ideal do dísturbio, ou se coexistem situações patológicas que
proporcionam mais que um distúrbio, por exemplo um doente com intoxicação alcoólica
e vómitos pode apresentar uma acidose metabólica (cetoacidose alcoólica) e uma
alcalose metabólica pelos vómitos.
É importante notar que a compensação respiratória ou renal do desequilíbrio não
conduz à correcção do valor do pH, portanto se tivermos uma alteração do HCO3- ou da
PaCO2, com pH normal, isso significa que há um distúrbio misto.

Em seguida vamos determinar a causa do distúrbio, para poder proceder à sua


correcção.

NPNN 2020 42
ACIDOSE METABÓLICA

Como vimos, a causa é habitualmente antecipável pela história clinica. O cálculo do


GAP aniónico é um procedimento essencial para ajudar a determinar/confirmar a
etiologia no caso das acidoses metabólicas. Mesmo nos outros distúrbios o GAP
aniónico deve ser calculado, pois ele pode ajudar a identificar um desequilibrio oculto.

O conceito de GAP aniónico baseia-se no facto do organismo manter sempre a


electroneutralidade. Ou seja, a soma das cargas positivas é igual às cargas negativas.

[Na+] + [outros catiões] = [Cl-] + [HCO3-] + [outros catiões]

Na prática clinica diária só se medem o sódio, o cloro e o bicarbonato, portanto há um


“défice” de aniões (GAP aniónico) que corresponde aos aniões não medidos. O valor
normal do GAP aniónico varia entre 8 e 12.
As cargas negativas não medidas, em condições normais, correspondem
maioritáriamente à albumina, daí que o valor do GAP aniónico deve ser corrigido para o
valor da albumina: por cada diminuição de 1g de albumina o valor do GAP aniónico
dimunui 2,5.
Valorizamos o valor do GAP aniónico quando ele é maior que 5 que o GAP normal
(corrigido para a albumina). Este valor significa sempre que há acidose metabólica,
mesmo com pH normal.
Quando há acidose metabólica, há diminuição do bicarbonato. A compensação da
diminuição das cargas negativas pode ser à custa de um aumento do cloro, e nesse
caso o valor do GAP aniónico não se altera, ou à custa de outros aniões não medidos
que desta forma vão aumentar o valor do GAP aniónico.

A etiologia da acidose metabólica pode ser por aumento de ácidos (endógenos ou


exógenos), por perda de bicarbonato ou ainda pela incapacidade do rim reabsorver ou
regenerar bicarbonato.

NPNN 2020 43
Acidose Metabólica

Ânion-gap Ânion-gap Ânion-gap


8 a 12 8 a 12 30

Na Na 4 Bicabornato Na
Bicabornato
24

140 140 140 4 Bicabornato

106 Cloro 126 Cloro 106 Cloro

Catiões Aniões Catiões Aniões Catiões Aniões

Acidose metabólica com GAP normal Acidose metabólica com GAP aumentado
Hiperclorémica Normoclorémica

As primeiras são acidoses com GAP aumentado, correspondendo o aumento dos


aniões não medidos a ácidos orgânicos (láctico, cetoácidos, ..). As segundas são
acidoses metabólicas com GAP normal, pois associam-se a aumento de cloro que
compensa a perda de aniões.
Com esta forma de abordagem, as causas de acidose metabólica são mais simples:

Acidose Metabólica - causas

Ac. Metabólica com GAP aumentado Ac. Metabólica com GAP normal

Aumento da produção de ácidos


Perda de bicarbonatos
Endógenos:
Digestiva
Acidose láctica
Acidose tubular renal tipo II
Cetoacidose
Insuficiência renal avançada
Exógenos:
Metanol Diminuição da excreção de ácidos/
Etilenoglicol incapacidade de formar HCO3-
Salicilatos Insuficiência renal
Acidose tubular renal tipo I e IV

NPNN 2020 44
Conjugando o valor do GAP aniónico e os dados da história clinica, a etiologia da
acidose metabólica é clara na maioria dos casos.

A excepção, são as acidoses tubulares renais, que podem não ter uma história clinica
clarificadora. Estas acidoses são habitualmente moderadas (excepto a tipo I que pode
ser mais grave) e crónicas, permitindo uma análise mais atempada e detalhada para a
sua etiologia.
Segue-se um resumo das características principais de cada uma das acidoses
tubulares renais e das patologias associadas mais frequentes.

ATR tipo II (proximal)


•Incapacidade em reabsorver o HCO3- filtrado
•Pode coexistir S. Fanconi (alteração da reabsorção de Doenças genéticas
glicose, fosfato, ác. úrico, aminoácidos) Disproteinémias
•Hipocalémia Fármacos
•A terapêutica com bicarbonato aumenta o pH da urina
e agrava a hipocalémia

ATR tipo I (distal)


•Diminuição da secreção de H+ no tubo distal
Doenças autoimunes
•Nefrolitíase /nefrocalcinose Hipergamaglobulinémia
•Sintomas osteoarticulares Fármacos
•Hipocalémia
•Corrige-se com citrato de potássio

ATR tipo IV Diabetes


•Diminuição da excreção de H+ e K+ no tubo distal Hipoaldosteronismo
•Hipercalémia Fármacos
•Habitualmente não necessita terapêutica

A avaliação da função do tubulo proximal e o potássio sérico, são pistas para o


diagnóstico.
Por vezes são necessário estudos mais detalhados, que saem do âmbito deste
capitulo.
Apresenta-se um algorítmo simples de abordagem das acidoses tubulares renais:

NPNN 2020 45
Acidose tubular renal

Função
Normal Anormal
túbulo proximal

K+ sérico ATR tipo II

Aumentado Diminuído

ATR tipo IV ATR tipo I

O tratamento das acidoses metabólicas incluí:

1. Tratamento imediato das situações de perigo iminente


- optimização do estado hemodinãmico
- correcção da hipóxia
- correcção das alterações electrolíticas

2. Correcção da causa

2.1. O tratamento das acidoses metabólicas com GAP aumentado, faz-se


corrigindo o distúrbio primário (por ex. insulina para a cetoacidose diabética).
A administração de bicarbonato só deve efectuar-se em situações de acidose
extrema que coloque o doente em risco (pH<7,0) e de forma a elevar o HCO3- para
8 a 10mEq/L. A rapidez de administração vai depender da gravidade da acidemia e
da situação cardíaca do doente.
Pode administrar-se uma dose inicial de 1mEq/Kg e reavaliar o pH.
Temos à disposição ampolas de 20ml, de bicarbonato de sódio a 8,4%, com 20mEq
de bicarbonato; e frascos de 500ml, de bicarbonato de sódio a 1,4% com 83mEq de
bicarbonato.

NPNN 2020 46
2.2. O tratamento das acidoses metabólicas com GAP normal faz-se corrigindo o
disturbio primário e administrando bicarbonato para repor o défice. O objectivo é
manter o HCO3- maior que 20mEq/L.

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ALCALOSE METABÓLICA

Objectivos:

 Conhecer as causas de alcalose metabólica

 Compreender os mecanismos que perpetuam a alcalose metabólica

 Abordagem da alcalose metabólica

Definição

A alcalose metabólica manifesta-se por um aumento da concentração de


bicarbonato e habitualmente associa-se a hipocalémia.

Compensação respiratória

A primeira compensação do organismo ao aumento do bicarbonato é a


hipoventilação, com aumento da PaCO2. Por cada aumento de 10meq de
HCO3- a PaCO2 aumenta 7mmHg.
.
Fisiopatologia

Na clínica da alcalose metabólica interessa, além da identificação da causa é


necessário identificar os mecanismos de manutenção, já que a resposta
fisiológica do organismo ao excesso de HCO3- é o aumento da excreção renal
(maior filtração glomerular, menor reabsorção tubular). O que, em termos
práticos, significa que para tratarmos a alcalose temos que corrigir a causa e os
mecanismos que contribuiram para a sua perpetuação.

Causas de alcalose metabólica

1. Perda de valências ácidas

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Gastrointestinal
 Vómitos
 Drenagem gástrica
 Tratamento com antiácidos
Renal
 Diuréticos da ansa e tiazidas
 Hipercalcémia
 Hipocalémia

2. Ganho de HCO3-
 Administração de bicarbonato
 Pós-hipercapnia

3. Hiperaldosteronismo primário

Mecanismos de perpectuação (situações em que o rim perde capacidade de


excretar bicarbonato de forma eficiente)

 Contracção de volume
 Insuficiência renal
 Deplecção de Cl- ou K+
 PaCO2 elevada
 Hiperaldosteronismo

O rim corrige a alcalose metabólica excretando o excesso de bicarbonato na


urina. Se um sujeito normal ingerir diariamente 1000meq de bicarbonato
durante 2 semanas, todo o excesso de bicarbonato é excretado na urina e não
se desenvolve alcalose metabólica. As alterações que causam alcalose
metabólica estão associadas a ganho de bicarbonato muito menor, o que
significa que para se desenvolver alcalose metabólica o rim tem que perder
a capacidade de excretar o excesso de bicarbonato. A redução da taxa de
filtração glomerular (TFG) e o aumento da reabsorção tubular de bicarbonato
contribuem para este processo. O aumento da reabsorção tubular é o

NPNN 2020 49
mecanismo mais importante, já que a diminuição da TFG isolada, como a
insuficiência renal crónica, habitualmente não cursa com alcalose.

 A deplecção de volume arterial efectivo aumenta a reabsorção de HCO3-


no tubo proximal na tentativa de preservar volume.
 O hiperaldosteronismo secundário também contribui porque aumenta a
reabsorção de Na+ no tubo colector cortical, o lúmen tubular fica mais
electronegativo, criando-se assim um gradiente favorável à secreção de H+ e
K+.

 A deplecção de Cl- também tem um papel importante no aumento da


reabsorção de HCO3- no nefrónio distal. A reabsorção de Na+ neste
segmento não é seguida pelo Cl-, há falta de Cl-, o que aumenta o gradiente
eléctrico que promove da secreção de H+. O resultado final é a reabsorção
quase completa do bicarbonato filtrado e o achado paradoxal de uma urina
ácida num doente que está alcalémico.

 A hipocalémia é um estímulo potente para a secreção de H+. A


hipocalémia condiciona acidose intracelular, por entrada de H+ para a célula
e saída de K+, esta acidose intracelular estimula, nas células tubulares, a
produção e excreção de NH4+ que em si gera mais HCO3-, perpetuando a
alcalose.

 A hipercapnia compensatória também aumenta a reabsorção de


bicarbonato no nefrónio distal.

Abordagem do doente com alcalose metabólica

1. Integrar o quadro clínico e laboratorial

Clinicamente e para efeitos práticos podemos considerar quatro grupos:

 Doentes com depleção de volume, hipocalémia e hipoclorémia

NPNN 2020 50
É o tipo mais comum. Normalmente a causa é a perda de ácido pelo tubo
digestive em consequência de vómitos ou drenagem gástrica. Estes doentes
apresentam aumento da reabsorção de bicarbonato no túbulo proximal em
resposta à deplecção de volume. A deplecção de volume leva ao aumento da
aldosterona que estimula a secreção de H+ e K+ no tubo colector, contribuindo
para perpetuar a alcalose.

O uso de diuréticos também causa deplecção de volume e de potássio e desta


forma associam-se frequentemente a alcalose metabólica.

As drogas aniónicas, como a carbenicilina, também se associam a alcalose


metabólica. Estes fármacos são livremente filtrados e não reabsorvidos, como
têm carga negativa impedem a reabsorção de Na+, desta forma mais Na+
chega ao tubo distal o que aumenta a secreção de K+ e H+. A hipocalémia e a
deplecção de volume perpetuam a alcalose metabólica.

A hipercalcémia estimula a secreção renal de H+ e a reabsorção de HCO3-


resultando em alcalose metabólica. A desidratação e a insuficiência renal que
habitualmente se associam à hipercalcémia contribuem para a perpetuar a
alcalose.

 Doentes com expansão de volume, hipocalémia

Estes doentes têm aumento primário de mineralocorticóides e não respondem


à reposição de volume. A etiologia do aumento de mineralocorticoides pode ser
diferenciada medindo a renina plamática.

 Administração exógena de bicarbonato

A administração de bicarbonato nos casos de acidose metabólica pode resultar


em alcalose metabólica. Isto ocorre particularmente nos casos de acidose
láctica ou cetoacidose diabética, em que o bicarbonato endógeno é substituido
por lactato ou β-hidroxibutirato. Não há perda de bicarbonato e quando o
distúrbio de base é corrigido o bicarbonato volta a ser regenerado. Assim, o

NPNN 2020 51
bicarbonato administrado contribui para o excesso de bicarbonato, podendo
provocar alcalose metabólica.

Um problema semelhante ocorre quando se administram grandes quantidades


de bicarbonato a doentes com insuficiência renal, incapazes de excretar o
excesso de bicarbonato.

 Alcalose pós-hipercápnia

A acidose respiratória crónica está associada a um aumento da excreção renal


de H+ e retenção de bicarbonato, que representam a resposta compensatória
apropriada à acidose. O tratamento destes doentes com ventilação mecânica
pode levar à redução rápida da PaCO2 corrigindo a acidose respiratória,
mantendo-se o bicarbonato sérico elevado, já que a excreção renal é mais
lenta. Desta forma desenvolve-se alcalose metabólica com aumento rápido de
pH intracerebral o que pode originar alterações neurológicas graves e morte.

2. Examinar os gases do sangue

 Há perigo iminente?
 Como está o K+?
 Como está o pH?
 Qual é a alteração primária?
 A compensação é adequada?
 Há aumento do gap aniónico?

3. Identificar distúrbios mistos

Depois de identificar o distúrbio primário, vamos verificar se a compensação é


apropriada. Nos casos de alcalose metabólica, sabemos que por cada aumento
de 10 mEq de bicarbonato a PaCO2 aumenta 7mmHg. Se a PaCO2 não
aumenta de forma apropriada significa que coexiste alcalose respiratória.

NPNN 2020 52
Em seguida vamos calcular o gap aniónico. Se há aumento do gap aniónico,
calculamos a variação do bicarbonato. Se a variação do gap aniónico for maior
que a variação do bicarbonato é porque há acidose metabólica.

4. Medir os electrólitos na urina

Como vimos, a etiologia da alcalose metabólica é habitualmente clara


atendendo à história clínica e exame físico do doente. No entanto, há casos em
que a história é inexistente ou não é clarificadora, como na ingestão surreptícia
de diuréticos ou vómitos induzidos. Nestes casos, a medição do Na+, Cl- e pH
urinários podem ser úteis no dianóstico diferencial das causas de alcalose.

Quando o doente tem vómitos recentes o pH urinário é elevado, dado o


aumento da filtração e excreção de bicarbonato, e por isso o Na+ na urina
também se encontra elevado. O Cl- na urina, neste caso, é baixo. Quando o
doente deixa de vomitar e há deplecção de volume, há retenção de Na+ e
bicarbonato, assim, o pH na urina é baixo, o Na+ é baixo e o Cl- é baixo. Como
a chegada de Na+ ao tubo distal está diminuida, menos K+ será secretado.

Se o Na+, K+ e Cl- na urina estão todos elevados devemos pensar em:


 uso de diuréticos,
 deficiência de magnésio ou
 alterações tubulares raras como os Síndromes de Bartter ou Gitelman.

Na+
Cl- urina K+ urina pH urina
urina

Vómitos recentes alto baixo alto alto

Vómitos tardios baixo baixo baixo baixo

Diuréticos alto alto alto

Tratamento da alcalose metabólica

NPNN 2020 53
O tratamento da alcalose metabólica deve considerar o tratamento da causa e
a correcção dos mecanismos que perpetuam a alcalose, ou seja corrigir o
défice de volume e Cl- e o défice de K+, o que começa pela administração de
soro fisiológico e cloreto de potássio.

O doente com insuficiência cardíaca congestiva, síndrome nefrótico ou cirrose,


desenvolvem muitas vezes alcalose metabólica secundária ao uso de
diuréticos. Nestes casos a administração de soro fisiológico não está indicada
pois iria agravar mais os edemas. O tratamento da alcalose, nestes casos,
pode fazer-se com acetazolamida (250 a 375mg PO). A acetazolamida é um
diurético inibidor da anidrase carbónica que aumenta a excreção de
bicarbonato.

A acetazolamida também pode ser usada nos doentes com edemas por cor
pulmonale e hipercapnia crónica. A correcção da alcalose é particularmente
importante nestes doentes porque o aumento do pH é em si próprio depressor
do centro respiratório. O uso de acetazolamida tem que ser cauteloso e
monitorizado de forma estricta pois pode agravar a acidose nestes doentes.

Os casos de aumento primário de mineralocorticoides não respondem a estas


medidas. O tratamento consiste nestes casos na correcção da causa primária.

NPNN 2020 54
IV.

Exames
complementares
de diagnóstico
em Nefrologia

NPNN 2020 55
EXAMES
EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO
COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO EM
EM NEFROLOGIA
NEFROLOGIA

A doença renal pode apresentar-se de diferentes formas: sinais/sintomas que indiciem


doença renal subjacente (hematúria macroscópica, edema, dor no flanco/cólica renal),
doença sistémica associada a doença renal ou assintomático com alterações em exames
de rotina (aumento da creatinina sérica ou alterações do exame de urina). A história clínica,
exame objectivo e exames complementares de diagnóstico (ECD) são fundamentais para o
diagnóstico de doença renal. Permitem ainda determinar a etiologia e a gravidade da
mesma.

1. AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL

A determinação da taxa de filtração glomerular (TFG) é clinicamente usada para avaliar a


gravidade e evolução da doença renal. Contudo, não fornece qualquer informação acerca
da sua etiologia.
O valor normal da TFG é de cerca de 130 e 120 ml/min/1,73m2 para homens e mulheres,
respetivamente, mas varia com a idade, sexo, área de superfície corporal, atividade física,
dieta e outras variáveis individuais.
A TFG é igual à soma das taxas de filtração de cada um dos nefrónios funcionantes e
é um índice da massa renal funcionante. Contudo, não há uma correlação exata entre a
perda de massa renal (perda de nefrónios) e a perda de TFG, dado que o rim se adapta à
perda de alguns nefrónios. Por exemplo, a perda de metade dos nefrónios funcionantes (ex:
nefrectomia unilateral) leva a uma descida na TFG, que pode ser só de 20-30% e não de
50%, devido a uma hiperfiltração compensatória dos nefrónios restantes.

A medição da TFG é complexa, morosa, e pouco exequível na prática clínica, pelo que esta
é habitualmente estimada a partir de marcadores séricos – TFG estimada (TFGe). O
marcador de filtração ideal para estimar a TFG seria um soluto que fosse livremente filtrado
no glomérulo, não tóxico, não secretado nem reabsorvido nos túbulos renais e não
modificado durante a excreção pelo rim.
O gold-standard de marcadores de filtração exógenos é a inulina, que se trata de uma
substância inerte fisiológica (polissacarídeo) que preenche os critérios enunciados
anteriormente. Sendo assim, a quantidade de inulina filtrada é igual à quantidade de inulina
excretada na urina, podendo ser medida.

NPNN 2020 56
TFG x SIn = UIn x V <-> TFG=(UIn x V)/SIn
SIn- concentração sérica de inulina UIn- concentração urinária de inulina V-volume de inulina

O clearance da inulina (Clin) reflecte com precisão a TFG, mas não é usado na prática
clínica por ser complicado, moroso e caro.

Os métodos mais comuns utilizados para estimar a TFG são:


 Medida do clearance de creatinina
 Fórmulas de estimativa baseadas na creatinina sérica (SCr):
o Fórmula de Cockcroft-Gault,
o Fórmula Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) study
o Fórmula Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-
EPI).

As últimas duas equações (MDRD e CKD-EPI) têm sido crescentemente utilizadas. Tanto a
medida do clearance de creatinina como as equações para estimativa da TFG usadas
na prática clínica usam a creatinina como marcador de função renal.
A creatinina deriva do metabolismo da creatina no músculo esquelético e da ingestão diária
de carne, sendo libertada na circulação a uma taxa relativamente constante. É livremente
filtrada pelo glomérulo e não é reabsorvida nem metabolizada pelo rim, mas cerca de 10-
40% da excreção da creatinina urinária é derivada da secreção tubular.

A SCr apresenta limitações como marcador da TFG, o que obriga a uma interpretação
cautelosa dos resultados de acordo com as características do doente, em particular
de acordo com a massa muscular e estado nutricional. Como exemplos:
- A relação entre a TFG e a SCr é dependente da produção de SCr, que é função da massa
muscular do doente. Assim, um mesmo valor SCr representa TFG muito diferentes num
jovem de 80Kg ou numa idosa de 40Kg.
- A destruição muscular está associada a aumento desproporcional da SCr, com
consequente redução da TFG estimada mas não se traduzindo necessariamente em
alteração verdadeira da TFG (risco de subestimar TFG).
- Nos doentes desnutridos ou com insuficiência hepática pode ocorrer uma diminuição da
produção de creatinina levando a valores de SCr anormalmente baixos (risco de
sobrestimar TFG).

NPNN 2020 57
A forma da curva que relaciona a TFG com a SCr tem uma importante implicação clínica:
na doença renal ligeira (TFG> 60ml/min/1,73m2) um declínio significativo na TFG pode
conduzir apenas a um discreto aumento na SCr, enquanto na doença renal avançada um
pequeno declínio da TFG corresponde a um aumento marcado na SCr. Isso acontece
porque à medida que a TFG cai até valores de ~60ml/min/1,73m2 ocorre aumento
progressivo da secreção tubular de creatinina.
O resultado é que doentes com TFG de ~60 ml/min/1,73m2 (medidas pelo clearance de um
marcador de filtração verdadeiro como a inulina) podem continuar a ter uma creatinina
sérica ≤1 mg/dl. Assim, uma SCr de valor normal ou próximo do normal (SCr<1,5mg/dl)
relativamente estável não implica necessariamente que a doença renal esteja estável. No
entanto, quando a SCr é superior a 1,5-2,0 mg/dl, o processo secretor está efectivamente
saturado, a partir daí, um pequeno declínio da TFG corresponde a um aumento marcado na
SCr, logo um valor estável de SCr representa habitualmente uma TFG estável.

A SCr só deve ser usada para estimar a TFG em doentes com função renal estável,
altura em que a excreção de creatinina iguala a produção de creatinina. Quando há redução
da TFG, há retenção de creatinina com consequente aumento progressivo do seu nível
sérico até a creatinina filtrada voltar a ser igual à excretada. Daí que a SCr só deva ser
usada para estimar a TFG em doentes com função renal estável.

O método mais usado para estimar a TFG é o Clearance da creatinina (ClCr).

ClCr= (UCr x V) /SCr


UCr- concentração urinária de creatinina V- volume de urina

O ClCr tende a exceder a TFG verdadeira em cerca de 10-20%, correspondendo este


valor à fracção de creatinina urinária derivada da secreção tubular.

NPNN 2020 58
Há dois erros major que podem limitar a precisão do ClCr:
 Uma colecção de urina das 24h incompleta
A colecção correcta pode ser avaliada pela excreção diária de creatinina, que deve
ser de 20-25mg/Kg de massa corporal magra no homem e 15-20mg/kg na mulher.
Se a quantidade de creatinina na amostra de urina das 24h for inferior ao valor
calculado, significa que foi efectuada uma colheita incompleta.
 Aumento da secreção de creatinina
O aumento na secreção de creatinina à medida que a TFG desce pode limitar a
interpretação do ClCr. Como exemplo, se a TFG cair para um valor entre 80 a
60ml/min/1,73m2 e a quantidade absoluta de creatinina secretada aumentar em
mais de 50%, a secreção de creatinina corresponderá a mais de 35% da creatinina
urinária. Sendo assim, em alguns doentes com doença renal crónica, a excreção de
creatinina pode ser muito maior que a carga filtrada, resultando numa sobrestimação
significativa da TFG quando o clearance de creatinina é usado para avaliar o nível
de TFG.

As fórmulas mais usadas são as equações Cockcroft-Gault e a MDRD. A equação


Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI) é mais precisa que a
MDRD.

A equação de Cockcroft-Gault (CG) é uma das equações mais usadas, mesmo entre os
idosos, embora tenha sido originalmente derivada sobretudo a partir de indivíduos jovens.

CCr (mL/min)= (140 - idade) x peso corporal magro (Kg)


Cr (mg/dL) x 72

(em mulheres multiplica-se o total por 0,85)

Esta equação permite estimar o ClCr, que não é igual à TFG, dado o efeito da secreção
tubular de creatinina. Além disso, esta equação não está ajustada à superfície de área
corporal, usando em vez disso o peso corporal como “substituto” da massa muscular.
Sendo assim, sobrestima o clearance de creatinina nos estados edematosos e tem mau
desempenho nos indívíduos com peso corporal extremo.
Estudos revelam que a equação CG subestima a TFG nos idosos (>65anos), especialmente
para valores mais altos de TFG. Contudo, a maioria dos valores estimados por esta
equação não divergem mais do que 30% do valor da medição da TFG, o que é um
desempenho aceitável e superior à SCr isoladamente.

NPNN 2020 59
A equação MDRD study foi desenvolvida usando a informação de 1628 doentes
(recrutados para o MDRD study), de meia-idade com TFG inferior a 60ml/min/1,73m2, não
diabéticos, para a estimativa da TFG ajustada à área de superfície corporal. Tem sido
recomendada pelo KDOQI Study Group para diagnóstico e classificação da doença renal
crónica (DRC).

Fórmula MDRD TFG, em mL/min per 1.73m2= 175 x SCr (exp(-1,154)) x idade
(exp(-0,203)) x (0,742 se sexo feminino) x (1,21 se raça negra).

Vantagens - Ajustada à área de superfície corporal (ao contrário da CG);


- Adequa-se a indivíduos com baixo IMC;
- Mais precisa nos idosos em relação à equação CG.
Desvantagens - Menor precisão para níveis de TFG >60ml/min/1,73m2,
originando erros no diagnóstico de DRC em doentes com DRC
ligeira;
- Sobrestima a TFG em doentes idosos (inferior a CKD-EPI).
Exemplo de sites www.kidney.org/professionals/KLS/gfr_calculator.cfm
disponíveis para www.nephron.com/mdrd/default.html
cálculo por esta
fórmula

A equação CKD-EPI foi desenvolvida para fornecer uma estimativa mais precisa da TFG
em indivíduos com TFG normal ou próxima do normal (≥ 60mL/min/1,73m2). Nos restantes
doentes (TFG ≤ 60mL/min/1,73m3) esta equação tem uma precisão semelhante à da
MDRD. Actualmente sugere-se o uso da equação CKD-EPI.

Fórmula CKD-EPI
Vantagens - Ajustada à area de superfície corporal (ao contrário da CG);
- Adequa-se melhor a níveis de TFG superiores (≥
60mL/min/1,73m2) e a subgrupos definidos por sexo, raça,
diabetes, status transplante, nos idosos e em níveis elevados de
índice de massa corporal.
Desvantagens - Menor precisão em doentes com baixa TFG e com baixos

NPNN 2020 60
índices de massa corporal (IMC<20Kg/m2) – MDRD superior
nestes casos.
Exemplo de sites www.kidney.org/professionals/kdoqi/gfr_calculator.cfm.
disponíveis para
cálculo por esta
fórmula

Devido a problemas com alterações na produção e secreção de creatinina, outros


possíveis marcadores de filtração endógenos têm sido avaliados.

O BUN (blood urea nitrogen), embora varie inversamente com a TFG, é geralmente
menos útil que a creatinina sérica dado que também varia independentemente da TFG.
- A taxa de produção de ureia não é constante, aumentando com a elevada ingestão
proteica e com aumento do catabolismo muscular devido a hemorragia, trauma ou terapia
com glucocorticóides.
- Aproximadamente 40-50% da ureia filtrada é passivamente reabsorvida no TCP.
- Na depleção de volume há aumento da reabsorção proximal de água e sódio e
aumento simultâneo na reabsorção de ureia.
A medição do clearance da ureia é útil apenas na DRC avançada (por exemplo, com
SCr>2,5mg/dl). Nesses doentes, o clearance de ureia subestima significativamente a TFG e
o clearance de creatinina sobrestima a TFG, logo um método para estimar a TFG é a média
dos clearances de creatinina e de ureia (Estimativa da TFG= (CCr+CUr)/2).

A cistatina C é outro marcador de filtração renal endógeno estuado. Trata-se de uma


proteína de baixo peso molecular produzida por todas as células nucleadas, que é filtrada
no glomérulo, não é reabsorvida ou secretada e apresenta uma taxa de produção
relativamente constante. Contudo, é metabolizada nos túbulos, o que impede o seu uso
para medir directamente o clearance.
Verificam-se níveis mais elevados de cistatina C no sexo masculino, raça negra, indivíduos
de maior peso e/ou estatura, maior índice de massa corporal magra, condições clínicas com
elevado turnover celular (patologia tiroideia, corticoterapia), diabetes e a elevação de
marcadores de inflamação (proteína C reactiva). No entanto, acistatina C sérica continua a
ser menos susceptível aos factores demográficos que a SCr.
Foi recentemente relatada uma equação (equação CKD-EPI baseada em cistatina C),
incorporando a idade, sexo e raça, tendo sido concluído que esta equação dá uma melhor
estimativa da TFG que a realizada com o valor da creatinina.

NPNN 2020 61
Contudo, a análise sanguínea para a cistatina C não está universalmente disponível e pode
ser dispendiosa.

2. EXAME DE URINA NO DIAGNÓSTICO DE DOENÇA RENAL

O exame de urina é um teste básico para avaliar a doença renal. É acessível, não invasivo
e informativo. Deve ser pedido sempre que se suspeite de doença renal. A amostra de
urina deve ser apropriadamente colhida para permitir a obtenção de achados fidedignos
e maximizar a sua utilidade diagnóstica:
- Evicção de exercício físico extenuante nas 72h prévias à colheita, para evitar a
proteinúria, hematúria ou cilindrúria induzidas pelo exercício.
- Na mulher, a colheita não deve ser efectuada durante a menstruação.
- Lavagem cuidadosa dos orgão genitais externos.
- Usar a primeira ou segunda amostra de urina da manhã;
- A amostra deve ser examinada à temperatura ambiente até 2 horas após colheita.
Se isso não for possível, as amostras devem ser refrigeradas a 2 a 8º celsius.

Um exame de urina completo é constituído por 3 componentes:


 Avaliação macroscópica
 Análise das tiras-teste (combur)
 Exame microscópico do sedimento urinário

2.1 Avaliação macroscópica da amostra de urina


A cor normal da urina varia de incolor a amarelo-escuro, dependendo da concentração da
amostra. Alterações anormais da cor da urina ocorrem devido a:
 Várias condições patológicas: hematúria macroscópica, hemoglobinúria,
mioglobinúria (urina rosa, vermelha, castanha ou preta); icterícia (urina amarela
escura a acastanhada); quilúria (urina branca leitosa); cristalúria massiva do ácido
úrico (urina rosa); infecções do tracto urinário (ITU) por alguns tipos de Escherichia
coli (urina violeta) e porfirinúria e alcaptonúria (urina vermelha que se torna preta
com tempo).
 Vários fármacos: rifampicina (urina alaranjada a vermelha), fenitoína (urina
vermelha), cloroquina e nitrofurantoína (urina castanha), propofol (urina verde), azul

NPNN 2020 62
de metileno (urina azul), metronidazol, metildopa e cilastatina-imipenem (urina
escura com o tempo).
 A alimentos: beterraba (urina vermelha), ruibarbo (urina amarelo-acastanhada ou
vermelha) e carotenos (urina castanha).
A urina é normalmente transparente. Pode tornar-se turva devido ao aumento da
concentração de qualquer partícula na urina. As causas mais frequentes de turbidez são
infecção, hematúria marcada e contaminação por secreções genitais.

O odor da urina é normalmente sui generis. Nas infecções pode haver um odor fétido devido
à produção de amónia, enquanto que na presença de corpos cetónicos na urina está
habitualmente presente um odor frutado.

2.2 Análise das tira-teste


A tira-teste (combur) permite uma avaliação rápida semi-quantitativa das características da
urina. Permite uma análise dos seguintes parâmetros da urina: pH, gravidade específica,
heme, glucose, albumina, detecção da esterase leucocitária,nitritos e corpos cetónicos.

2.2.1 pH da urina
A concentração de iões hidrogénio na urina, medida como pH, reflecte o grau de
acidificação da urina. O pH urinário varia de 4,5 a 8, dependendo do equilíbrio ácido-base
sistémico. A resposta renal apropriada à acidémia é aumentar a excreção urinária de
ácidos, com o pH urinário a cair abaixo dos 5. Um valor alto de pH pode indicar a presença
de acidose tubular renal.
2.2.2 Gravidade específica
A densidade relativa pode variar de 1,000 a 1,060. Um valor de 1,000-1,003 é consistente
com diluição urinária marcada (ex. diabetes insípidus), um valor de 1,010 corresponde a
uma urina isostenúria dado à sua gravidade específica e osmolalidade serem semelhantes
à do plasma, sendo observado em condições nas quais a concentração urinária está
comprometida (ex. necrose tubular aguda e doença renal crónica); e um valor >1,040 quase
sempre indica a presença de algum agente osmótico extrínseco (ex. agentes de contraste).
2.2.3 Detecção do heme
Uma tira-teste positiva para heme pode resultar não só de hemoglobina livre ou mioglobina
livre, mas também de hematúria (heme originário de eritrócitos intactos). Sendo assim, uma
tira-teste positiva para heme não estabelece a presença de eritrócitos na urina, e o
diagnóstico de hematúria requer confirmação por microscopia.
2.2.4 Glucose

NPNN 2020 63
A glucose é detectada por tira-teste em concentrações de 0,5-20g/L. Os falsos positivos
podem resultar da presença de detergentes oxidantes (lixívia) e os falsos negativos de ITU.
2.2.5 Proteínas (albumina)
Uma proteinúria fisiológica não excede 150mg/24h em adultos. As tiras-teste são altamente
sensíveis para albumina, mas apenas para albuminúria na faixa ≥300mg/dia, enquanto
apresentam uma sensibilidade muito baixa para outras proteínas como proteínas tubulares
e cadeias leves de imunoglobulinas.
Ocorrem falsos positivos na presença de urina pigmentada (hemoglobinúria, mioglobinúria,
hematúria) e na presença de urina alcalina. Podem ocorrer falsos negativos na presença de
urina muito diluída.
Trata-se de apenas uma medida semi-quantitativa da albumina na urina, pelo que pode ser
requerida a quantificação precisa da proteinúria. Para tal, recorre-se a um de 2 métodos:
- Proteinúria na urina de 24h: continua a ser o método gold standard.
- Ratio proteína-creatinina numa amostra ocasional de urina: é uma alternativa
prática à colecção de urina das 24h, uma vez haver uma forte correlação entre o resultado
dos dois exames. Contudo, embora um ratio proteina-creatinina seja suficiente para excluir
proteinúria patológica, um ratio elevado deve ser confirmado e quantificado com a colecção
de urina das 24h.
2.2.6 Detecção de esterase leucocitária
A esterase leucocitária é libertada por neutrófilos e macrófagos lisados e é um marcador da
presença de leucócitos. Pode ser positiva quando a microscopia é negativa, quando os
leucócitos são lisados. A lise leucocitária pode ocorrer devido a baixa densidade (urina
excessivamente diluída), pH alcalino e demora na entrega da amostra da urina para análise.
Ocorrem falsos positivos quando é usado formol como produto para preservação da urina.
A piúria (leucócitos na urina) está frequentemente associada a bacteriúria.
2.2.6 Nitritos
A tira-teste para nitritos detecta bactérias que reduzem nitratos a nitritos, pela actividade da
enzima nitrato reductase. Essa enzima está presente em várias enterobacteriaceae, que
frequentemente são causa de ITU. Contudo, bacteriúria ou ITU podem estar presentes na
ausência de positividade para nitritos.
2.2.7 Corpos cetónicos
A tira-teste avalia ainda a presença de acetoacetato e acetona que são excretados na urina
durante cetoacidose diabética, jejum, vómitos ou exercício extenuante.

2.3 Exame microscópico do sedimento urinário

NPNN 2020 64
O exame microscópico do sedimento urinário é uma parte essencial do exame de urina,
uma
vez que permite a confirmação e clarificação dos achados da tira-teste e permite a
identificação de estruturas que não são avaliáveis pela tira-teste. O sedimento urinário pode
conter células, lípidos, cilindros, cristais, microorganismos e contaminantes.
Para a realização do exame do sedimento urinário, são centrifugados pelo menos 10ml de
urina durante 5 minutos.

2.3.1 Células

Células Notas Interpretação


Eritrócitos Isomórficos*: Hematúria glomerular: presença de
- Formas e contornos ≥40% de eritrócitos dismórficos ou de
regulares pelo menos 1 cilindro eritrocitário.
- Derivados do sistema
urinário
Dismórficos*:
- Formas e contornos
irregulares *Nota: a avaliação da morfologia
- Origem glomerular. eritrocitária é subjectiva.
Leucócitos Embora todo o espectro de Neutrófilos: sobretudo na colonização
leucócitos possa ser ou ITU; também na glomerulonefrite
observado na urina, os (GN) proliferativa, nefrite intersticial ou
neutrófilos e os eosinófilos são nefrolitíase.
as células com maior interesse Eosinofilúria: tem sido classicamente
prático. considerada marcador de nefrite
intersticial alérgica.
Células Derivam da exfoliação do Marcadoras de lesão tubular e não
epiteliais epitélio tubular. estão presentes no indivíduo saudável.
tubulares Estão presentes na lesão renal aguda
(LRA) nomeadamente na necrose
tubular aguda (NTA), na nefrite
intersticial aguda e na rejeição celular
aguda do enxerto renal.
Células Derivam da exfoliação do Dano do uroepitélio: cistite, neoplasia,

NPNN 2020 65
uroepiteliais uroepitélio que cobre o tracto litíase, obstrução, stents ureterais,
urinário dos cálices à bexiga algaliação prolongada.
nas mulheres, e à uretra
proximal nos homens.
Células Origem na uretra ou genitália Contaminação por secreções genitais.
escamosas externa.

2.3.2 Lípidos
Os lípidos na urina são típicos de doenças glomerulares associadas a proteinúria na faixa
nefrótica.

2.3.3 Cilindros
Os cilindros são estruturas cilíndricas que são formadas no lúmen tubular (tubo contornado
distal e ductos colectores). Vários fatores favorecem a formação de cilindros: estase
urinária, pH baixo e aumento da concentração urinária. Os cilindros assumem a forma e o
tamanho do túbulo no qual são formados.
Todos os cilindros têm uma matriz orgânica composta primariamente pela glicoproteína de
Tamm-Horsfall, que constitui a arquitectura básica de qualquer cilindro. Os cilindros são
definidos pela natureza das células ou outros elementos que estejam fixados na matriz do
cilindro. Alguns cilindros podem ser encontrados em indivíduos normais.

Tipos de cilindros Interpretação


Hialinos - Podem ocorrer em urina normal,
(incolores) especialmente na deplecção de volume que
cursa com uma urina concentrada e ácida
(favorecendo a precipitação das proteínas
de Tamm-Horsfall).
Hialino-granulares - Raros em indivíduos saudáveis
(grânulos dentro da matriz hialina) - Comuns nas GN.
Granulares - Ambos os tipos são característicos de
 Grosseiros (cilindros celulares doença renal, mas não são específicos.
degenerados que resultam da
degradação de cilindros
eritrocitários, leucocitários ou de

NPNN 2020 66
células tubulares renais)
 Finos (resultam da agregação de
proteínas dentro da matriz do
cilindro).
Céreos - Aparecem na doença renal crónica.
(Parecem feitos de cera; em geral grandes
e largos)
Eritrocitários - Hematúria glomerular, sugerindo GN
subjacente
Leucocitários - Indicam inflamação renal, que pode ser
infecciosa (pielonefrite) ou não infecciosa
(GN proliferativa, nefrite interticial).
De células epiteliais tubulares renais - Ocorrem em qualquer quadro onde ocorra
descamação do epitélio tubular.

Gordos - Típicos de doenças glomerulares


(Contêm quantidades variáveis de associadas a síndrome nefrótico.
gotículas lipídicas, isoladas ou agregadas)

2.3.4 Cristais
A correta identificação de cristais na urina requer conhecimento da morfologia dos cristais,
do pH urinário, e aparência sob luz polarizada. Várias formas diferentes podem ser
observadas em doentes saudáveis e em doentes com alterações definidas:
 Cristais de ácido úrico
 Cristais de fosfato de cálcio ou de oxalato de cálcio
 Cristais de cistina: Apresentam forma hexagonal característica; são diagnósticos de
cistinúria.
 Cristais de fosfato de magnésio-amónio (estruvite) e de carbonato de cálcio (apatite)
são constituintes dos cálculos de estruvite.

A observação de cristais na urina é útil em doentes com litíase renal suspeita ou conhecida
e é um fator de risco para formação recorrente de cálculos.
Os cristais de ácido úrico, oxalato de cálcio e fosfato de cálcio são comuns e podem não ter
importância clínica uma vez que podem refletir supersaturação transitória da urina devido à
ingestão de alguns alimentos (carne, espinafres/ chocolate, ou lacticínios, respetivamente)

NPNN 2020 67
ou a desidratação ligeira. Alguns cristais são sempre patológicos como é o caso dos de
cistina, que são marcadores de cistinúria.

3. EXAMES IMAGIOLÓGICOS NA DOENÇA RENAL

Um grande número de estudos imagiológicos são usados para avaliar o paciente com
doença renal.. Os estudos imagiológicos usados incluem: ecografia, radiografia simples do
abdómen, tomografia axial computorizada (TAC), ressonância magnética (RMN), urografia
intravenosa (UIV), angiografia renal e venografia renal, pielografia retrógrada ou
anterógrada, cistouretrografia e cintigrafia renal (radionuclídeos em medicina nuclear).

Dada a sua segurança, facilidade de uso, informação fornecida e baixo custo, a ecografia
renal é o exame imagiológico mais frequentemente usado em doentes com doença renal.

 Ecografia renal
Ecografia renal é o exame de escolha para excluir obstrução do tracto urinário, pois na
maioria dos doentes afectados detecta hidronefrose e, em muitos casos, identifica a causa
(cálculos, massas renais). Dado não necessitar de agentes de contraste, evita as
complicações tóxicas e alérgicas associadas.
A ecografia é frequentemente usada para avaliar o tamanho, a forma e a diferenciação
parenquimo-sinusal dos rins. Rins de pequenas dimensões e aumento da ecogenicidade
estão associados a DRC.
Embora menos sensível que a TAC, pode ser útil na diferenciação entre um simples quisto
benigno de um quisto mais complexo ou de um tumor sólido. Também é comummente
utilizada para rastrear e diagnosticar doença renal poliquística.
O Doppler renal permite a avaliação do fluxo vascular renal, determinante em casos de
trombose da veia renal, enfarte renal e estenose da artéria renal.
A ecografia é um exame altamente dependente do operador. As limitações da ecografia
renal são a não visualização do sistema colector, incapacidade de distinguir uma dilatação
obstrutiva de uma não obstrutiva e dificuldade em avaliar anormalidades não litiásicas do
aparelho urinário (neoplasias, coágulos, necrose papilar).

 Radiografia simples do abdómen


Em doentes com sintomas sugestivos de nefrolitíase, pode identificar cálculos radiopacos
(cálcio, estruvite ou cistina), mas não cálculos de ácido úrico, radiolucentes.

NPNN 2020 68
 TAC
Frequentemente fornece informação complementar à obtida por ecografia. Distingue quistos
renais simples de complexos, identifica neoplasias e diagnostica alterações da vasculatura
renal (angioTAC). Além disso, a TAC não contrastada é o gold standard para diagnóstico
imagiológico de cálculos renais.

 RMN
RMN é o gold-standard para o diagnóstico de trombose da veia renal (angioRMN), a par
com a venografia renal e com a TAC, e tem um papel fundamental na avaliação de doentes
com suspeita de hipertensão renovascular em detrimento da angiografia renal.
Contudo, é recomendado que o gadolínio seja evitado em doentes com TFG
<30mL/min/1,73m2 dado o risco marcado de fibrose sistémica nefrogénica.

 Urografia intravenosa (UIV)


Previamente era a principal técnica imagiológica usada para avaliar o doente com suspeita
de doença renal. Implica a administração de contraste intravenoso e permite a avaliação
dos rins, sistema pielocalicial, ureteres e bexiga. Contudo, tem-se tornado progressivamente
menos popular dado a necessidade de contraste e de exposição a radiação quando existem
outras técnicas que fornecem informação semelhante.

 Angiografia renal
Esta é usada menos frequentemente dada a disponibilidade de testes não invasivos como
TAC ou RMN. Actualmente, a angiografia é realizada mais frequentemente para
intervenções terapêuticas, tais como embolectomia, angioplastia e colocação de stents,
precedida por angiografia diagnóstica para avaliar possível estenose das artérias renais.
Contudo, continua útil em certos quadros como em doentes com suspeita de poliarterite
nodosa, demonstrando múltiplos aneurismas e constrições irregulares em grandes vasos.

 Venografia renal: Útil no diagnóstico de trombose da veia renal.

 Pielografia retrógrada ou anterógrada


A pielografia retrógrada é realizada quando os ureteres são mal visualizados nos estudos
de imagem ou quando é necessário obter amostras de urina do rim para citologia ou cultura.
Esta técnica permite uma óptima visualização da pélvis renal e do ureter e pode ser usada
para colher amostras citológicas de áreas suspeitas. Os doentes com alergia aos agentes
de contraste ou função renal comprometida podem ser avaliados com este exame. A
pielografia anterógrada é realizada através da injecção percutânea renal de agente de

NPNN 2020 69
contraste e é realizada quando a pielografia retrógrada não é possível. Tanto a pielografia
retrógrada como anterógrada são exames invasivos pelo que só devem ser realizados
quando os outros estudos são inadequados.

 Cistouretrografia
Uma cistografia é obtida quando é requerida avaliação radiográfica mais detalhada da
bexiga. A cistografia miccional é realizada para avaliar a função da bexiga e a anatomia da
uretra. É colocado um catéter na bexiga e a urina é drenada; é infundido material de
contraste e a bexiga é preenchida sob controlo fluoroscópico.

 Cintigrafia renal
Utiliza radioisótopos como technetium Tc-99m succimer (DMSA) destinados a acumularem-
se em tecidos ou orgãos com base na função subjacente desse tecido ou orgão, fornecendo
informação acerca da anatomia e da função do órgão em estudo. Possibilita a detecção
precoce de refluxo vesicouretral e cicatrizes (é mais sensível que a UIV a detectar cicatrizes
renais). É o exame escolhido para avaliação de transplantes renais e da obstrução funcional
(especialmente quando a ecografia é equívoca).

NPNN 2020 70
V.

Proteinúria
e Hematúria

NPNN 2020 71
Proteinúria e hematúria

A proteinúria e a hematúria são duas das principais manifestações de doença


renal, nomeadamente de doença glomerular.

1. Proteinúria
Nos adultos a excreção urinária normal de proteínas é inferior a 150mg/24h.
Destas, a mais abundante é a proteína de Tamm-Horsfall, que é secretada a nível das
células tubulares renais. A albumina (<10mg/24h) assim como outras proteínas
(imunoglobulinas, cadeias leves e outras) estão também presentes, mas em muito
pequena quantidade.

Medição da proteinúria

A forma mais usual de deteção da proteinúria é pelo uso das tiras-teste. As


tiras-teste só detetam a presença de albumina, não sendo sensíveis à presença de
outras proteínas, como por exemplo cadeias leves de imunoglobulinas, que podem
ocorrer nas gamopatias monoclonais (proteinúria de Bence Jones). As tiras-teste são
semi-quantitativas e apenas são positivas quando a excreção de albumina é superior a
cerca de 300 mg/dia. Podem ser falsamente positivas, como acontece nos casos em
que é testada uma urina muito concentrada ou na presença de hematúria
macroscópica franca. Por outro lado, numa urina diluída o resultado poderá ser
falsamente negativo.

A avaliação dos doentes com proteinúria persistente implica a sua


quantificação. O método que é considerado gold-standard é o doseamento de
proteínas nas 24 horas. Um método alternativo, muito mais simples e que tem sido
cada vez mais usado, é a determinação da razão proteínas:creatinina numa amostra
de urina ocasional, preferencialmente na primeira urina da manhã.

Nos indivíduos normais, a razão proteínas:creatinina é inferior a 0.2, o que


corresponde a uma excreção urinária inferior a 200 mg/dia. Um valor igual ou superior
a 3.5, correspondendo a uma excreção de proteínas igual ou superior a 3.5 g/dia,
sugere a presença de síndrome nefrótico.

NPNN 2020 72
A microalbuminúria (ou albuminúria moderadamente aumentada, como tem
sido mais recentemente designada) corresponde a uma excreção aumentada de
albumina na urina, mas em quantidade inferior ao limiar de deteção das tiras-teste. A
excreção normal de albumina é inferior a 10mg/dia. Um teste é positivo se revelar
valores entre 30 a 300 mg/dia. Em pessoas com Diabetes Mellitus, isto permite a
identificação de risco aumentado de nefropatia diabética estabelecida e, na população
geral, de risco aumentado de DRC, morbilidade cardiovascular e mortalidade global. A
pesquisa de microalbuminúria pode ser também efetuada através da razão
albumina:creatinina numa amostra de urina ocasional. Neste caso, por exemplo, um
resultado de 100 mg/g é equivalente a 100 mg/dia de albuminúria.

Etiopatogenia

A proteinúria pode ter causa glomerular, tubular, pós-renal ou ser por overflow.
(tabela 1)

Tabela 1: Tipos de proteinuria.


Origem glomerular
• Resulta do aumento de permeabilidade da membrana do
capilar glomerular
• Constituída maioritariamente por albumina
• Estão presentes outras manifestações de doença glomerular –
hematúria, cilindros hemáticos
• Típica das doenças glomerulares
Origem tubular
• Resulta de uma menor reabsorção tubular das proteínas de
baixo peso molecular que são livremente filtradas (ex.: beta 2-
microglobulina)
• Típica de patologia tubular / túbulo – intersticial (ex.:
pielonefrite aguda, nefrite intersticial, tubulopatia por
toxicidade por fármacos)
• Tipicamente < 2 g/24 horas
• As tiras-teste são negativas
Overflow
• Resulta da filtração de proteínas de baixo peso molecular
presentes em quantidade aumentada no sangue e que, por

NPNN 2020 73
serem pequenas, são livremente filtradas, excedendo a
capacidade de reabsorção normal dos túbulos
• Ex: cadeias leves no mieloma múltiplo (proteinúria de Bence
Jones)
• As tiras-teste são negativas
Pós-renal
• Resulta da inflamação do trato urinário (ex.: ITU, nefrolitíase,
tumores)
• Constituída por IgA, IgG

Duas outras formas de proteinúria não se enquadram bem nesta classificação:

• Proteinúria ortostática - é encontrada nas crianças e adolescentes, que


apresentam valores de excreção proteica aumentada em ortostatismo, mas cujos
valores de excreção em decúbito são normais. O diagnóstico é feito pela
demonstração da ausência de proteinúria patológica na colheita efetuada após o
período noturno, estando ela presente em valores anormalmente elevados na colheita
correspondente ao período diurno. Nestes casos o sedimento urinário é normal e o
prognóstico a longo prazo favorável, com resolução espontânea na maioria dos casos;

• Proteinúria funcional - é transitória e acompanha situações tão diversas como


febre, insuficiência cardíaca descompensada e exercício físico violento, tendendo a
desaparecer com a resolução do quadro ou a cessação do exercício.

Abordagem do doente com proteinúria

A proteinúria persistente, sobretudo se acompanhada de hematúria é geralmente


causada por lesão glomerular, embora outras doenças parenquimatosas renais (por
ex. nefrite intersticial aguda, DRPAD, síndrome de Alport) possam cursar também com
proteinúria, que é geralmente de baixa quantidade. Quando a proteinúria é nefrótica (>
3.5 g/24 horas) a etiologia glomerular é quase certa.

Na avaliação de um doente com proteinúria, a história, o exame físico e alguns


exames complementares de diagnóstico, podem sugerir o diagnóstico etiológico,

NPNN 2020 74
nomeadamente identificando a presença de doenças sistémicas com envolvimento
renal. Nas doenças glomerulares primárias só a biopsia renal permite o diagnóstico
preciso da lesão glomerular subjacente.

 Proteinúria não-nefrótica assintomática


Quando a proteinúria é inferior a 1-1.5g/24h, o doente é normotenso e a função
renal é normal, a realização de biopsia renal é controversa, uma vez que o prognóstico
é geralmente benigno e o resultado da biopsia não modifica, na maior parte dos casos,
o tratamento destes doentes. Um follow up cuidadoso é, contudo, necessário, pois
desde que a proteinúria persista, existe sempre o risco de progressão da doença
renal.
Nos doentes com proteinúria superior a 1000 mg/dia deve ser considerado o
uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) ou antagonistas dos
recetores da angiotensina (ARA) II como medida anti-proteinúrica.

 Síndrome nefrótico
O síndrome nefrótico é caracterizado pela presença de proteinúria maciça
(>3.5g/24h) acompanhada por hipoalbuminemia, edema, hiperlipidemia e lipidúria. A
presença de síndrome nefrótico é patognomónica de doença glomerular que pode ser
primária ou secundária à presença de uma doença sistémica.

Tabela 2: Causas de síndrome nefrótico.


SN primário
• Nefropatia membranosa
• Glomeruloesclerose Segmentar e Focal (GESF)
• Doença de lesões mínimas

SN secundário
• Nefropatia Diabética
• Amiloidose
• Doenças auto-imunes (ex.: LES)
• Infeções (Hepatite B, Hepatite C, HIV)
• Neoplasias (mama, pulmão, trato GI)

Nos adultos, as doenças glomerulares primárias que mais frequentemente


causam síndrome nefrótico são a glomerulonefrite membranosa, a glomeruloesclerose

NPNN 2020 75
focal e segmentar e a doença das lesões mínimas. No síndrome nefrótico de causa
primária a realização de biópsia renal é mandatória, permitindo estabelecer o
diagnóstico etiológico, o prognóstico e a terapêutica.
Das causas de síndrome nefrótico secundário, sem dúvida a mais frequente é a
nefropatia diabética. Outras doenças que podem cursar com síndrome nefrótico são a
amiloidose, doenças do tecido conjuntivo (LES, AR), infeções crónicas (hepatite B,
HIV) e neoplasias (adenocarcinomas, linfoma de Hodgkin).
O tratamento dos doentes com síndrome nefrótico envolve, por um lado, o
tratamento das complicações do síndrome e, por outro, e em determinados casos, a
instituição de tratamento “específico”. No caso das glomerulonefrites primárias, o
tratamento “específico” depende do padrão histológico encontrado na biópsia. Nos
casos de síndrome nefrótico secundário o tratamento é dirigido à doença sistémica
implicada.

É especialmente importante o controle da pressão arterial, a redução da


proteinúria, o tratamento da dislipidemia e o tratamento do edema.
As medidas que visam o controle da pressão arterial e a redução da proteinúria
adquiriram particular importância, uma vez que se tornou evidente que, quer o controle
da pressão arterial quer a redução da proteinúria, poderão atrasar a progressão da
doença renal. Tanto os IECA como os ARA II podem ser usados como fármacos de
primeira linha. O objetivo é reduzir a proteinúria para valores inferiores a 500 a
1000mg/24h. Já quanto ao controle tensional, os objetivos são conseguir valores
inferiores a 130/80mmHg, o que implica muitas vezes a utilização de múltiplos
fármacos.
O tratamento da dislipidemia parece ter também efeito benéfico na prevenção
da progressão da doença renal.
No tratamento do edema é fundamental o uso de diuréticos acompanhado de
restrição salina. A furosemida é o fármaco de primeira escolha no síndrome nefrótico.
A vigilância do peso do doente é a forma mais eficaz e objetiva de monitorizar a
eficácia da terapêutica diurética instituída.

O tratamento “específico” envolve a utilização de imunossupressores. O seu


uso deve ser considerado quando a proteinúria é persistentemente grave, apesar das
medidas atrás referidas, ou quando há evidência de deterioração da função renal.
Apesar dos avanços verificados na compreensão dos mecanismos imunes
subjacentes às doenças glomerulares, os tratamentos são ainda pouco precisos e
pouco específicos, com efeitos laterais importantes, não podendo ser esquecido que a

NPNN 2020 76
diálise é uma forma eficaz de tratamento de substituição da função renal, muitas vezes
mais segura que cursos prolongados e repetidos de tratamentos tóxicos, quando sem
aparente beneficio.
2. Hematúria

A hematúria é a presença de um número aumentado de eritrócitos na urina.


Num sedimento urinário normal, o número de eritrócitos é igual ou inferior a 2 por
campo. A hematúria pode ser macroscópica (visível a olho nu) e nestes casos é
descrita como urina vermelha ou cor de coca-cola, ou microscópica sendo detetada
apenas pelo exame da urina.

A presença de hematúria microscópica é um achado relativamente frequente.


Nos adultos jovens é muitas vezes transitória e sem significado. Por outro lado, em
doentes com mais de 40 anos e quando não explicada por uma causa óbvia implica
uma avaliação cuidada já que pode ser tradutora de lesão importante subjacente.

As principais causas de hematúria são apresentadas na Tabela 3.

Tabela 3.
Infeções trato urinário
 cistite, prostatite, tuberculose
Litíase
Neoplasias do trato urinário
 >40 anos, fumadores, exposição ocupacional, ciclofosfamida, abuso
analgésicos, cistite crónica
Doenças glomerulares (predomínio de micro-hematúria):
 Nefropatia de IgA
 Doença da membrana basal fina
 GN membranoproliferativa
 GN pós-infeciosa
 Vasculites
 Nefropatia lúpica

As doenças glomerulares que cursam com hematúria têm frequentemente


proteinúria associada ou outros sinais de doença glomerular.

NPNN 2020 77
Abordagem do doente com hematúria

Na avaliação de um doente que refere hematúria é importante confirmar que se


trata de hematúria verdadeira e excluir outras causas de coloração alterada da urina,
como hemoglobinúria ou mioglobinúria.
Nas mulheres, também é necessário excluir contaminação vaginal. Além do
contexto clínico ser importante, o exame do sedimento urinário confirmará a presença
de glóbulos rubros em número aumentado no caso de hematúria.

Muitas vezes a história clinica sugere o diagnóstico. Assim a presença


concomitante de disúria e piúria sugere a presença de ITU e pode ser confirmada
através de urocultura. A presença de dor em cólica no flanco pode sugerir um cálculo.
Queixas de polaquiúria e urgência miccional poderão apontar para hipertrofia benigna
da próstata.
Quando a causa não é óbvia é importante determinar se a hematúria é de
origem glomerular ou extra-glomerular, já que esta distinção tem implicações em
termos de investigação.
A origem glomerular da hematúria deve ser suspeitada nos casos em que
estão presentes:
 eritrócitos dismórficos,
 cilindros eritrocitários,
 proteinúria concomitante.

Na hematúria macroscópica de origem glomerular a urina tem geralmente uma cor


escura (cor de coca-cola) e praticamente nunca se observam coágulos. Se estes
achados estão presentes pode ser presumida uma etiologia glomerular, não sendo
necessário investigar uma patologia urológica subjacente.
Se os achados não sugerem uma causa glomerular então é obrigatória uma
avaliação do trato urinário, sobretudo em indivíduos com idade superior a 40 anos.
Não existem ainda guidelines estabelecidas quanto ao método de imagem a utilizar na
abordagem inicial. A ecografia renal era até recentemente o método inicial mais
utilizado, por ser barato e de fácil realização. No entanto cada vez mais se utiliza a
TAC helicoidal (Uro-TAC) como método inicial na avaliação destes doentes.

NPNN 2020 78
Em todos os indivíduos com hematúria macroscópica deve ser considerada a
realização de cistoscopia. Esta também deverá ser efetuada nos indivíduos com
hematúria microscópica caso a avaliação imagiológica não aponte para o diagnóstico,
particularmente quando estão presentes fatores de risco para neoplasias do trato
urinário.

São considerados fatores de risco para neoplasia do trato urinário a idade >35
anos, sexo masculino, tabagismo, exposição profissional a químicos e corantes, cistite
crónica, radioterapia pélvica prévia, tratamento prévio com ciclofosfamida e abuso de
analgésicos.

Caso a avaliação inicial seja negativa, estes doentes deverão manter um


seguimento periódico repetindo exame da urina e citologia aos 6, 12, 24 e 36 meses.
Alguns autores recomendam também repetir ecografia e cistoscopia aos 12 meses. Se
em alguma altura se verificar novamente hematúria macroscópica, então deverá ser
considerado repetir a avaliação global.

As doenças glomerulares que mais frequentemente causam hematúria


microscópica isolada são a nefropatia de IgA e a doença da membrana fina. A
nefropatia de IgA pode também cursar com episódios de hematúria macroscópica,
tipicamente coincidentes com episódios de infeção do trato respiratório superior, ou
manifestar-se por proteinúria e hematúria assintomática.

Nas doenças glomerulares a presença de hematúria traduz a existência de


inflamação a nível glomerular. A inflamação pode ser tão severa que se associa a
deterioração da função renal e oligúria. A proteinúria está quase sempre presente,
embora raramente na faixa nefrótica, e o sedimento urinário tem as características de
um sedimento muitas vezes chamado de “nefrítico” ou “ativo”, isto é, com eritrocitúria e
cilindros eritrocitários, refletindo precisamente a presença de inflamação a nível
glomerular e traduzindo atingimento renal severo. Estes quadros podem apresentar-se
como um síndrome nefrítico (como por ex. a glomerulonefrite pós-estreptocócica e a
nefrite lúpica) ou como um quadro de insuficiência renal rapidamente progressiva,
como é o caso das vasculites ANCA ou do síndrome de Goodpasture.

Contrariamente ao síndrome nefrótico, cuja característica principal é a proteinúria,


no síndrome nefrítico é a inflamação glomerular, traduzida por hematúria, a alteração
mais marcante (tabela 4).

NPNN 2020 79
Tabela 4. Caracteristicas principais do síndrome nefrótico e nefrítico

Síndrome Nefrótico Síndrome Nefrítico

Início Insidioso Agudo

Proteinúria ++++ ++

Hematúria Presente ou não +++

Cilindros Eritrocitários - +/-

Edema ++++ ++

Oligúria Ausente Presente

Normal / ligeiramente
Albumina Baixo reduzida

NPNN 2020 80
VI.

Insuficiência
renal

NPNN 2020 81
INSUFICIÊNCIA RENAL

Insuficiência renal corresponde à diminuição da taxa de filtração glomerular,


expressa por uma elevação da creatinina e ureia séricas. O tempo de
instalação permite classificar a insuficiência renal em:
 aguda (se se instala em dias ou horas),
 rapidamente progressiva ( se se instala em semanas)
 crónica ( evolução há mais de 3 meses).

Para efeitos práticos e porque nem sempre a evolução temporal é bem


conhecida, distinguimos habitualmente dois padrões: lesão renal aguda (LRA)
ou rapidamente progressiva (IRRP) e doença renal crónica (DRC).

Perante um doente que se apresente com insuficiência renal o primeiro


objectivo é determinar se ela é aguda ou crónica (fig. 1). A distinção é
habitualmente simples, sendo a história clínica a maior parte das vezes a chave
do diagnóstico:
 O doente tem alguma patologia que se associa a doença renal crónica,
como por exemplo diabetes mellitus, doença renal poliquística?
 O doente tem sintomas de deterioração do estado geral progressivas ou
nictúria há mais de 6 meses?
 Há na história marcadores de problemas renais como HTA, proteinúria
detectada em análises de rotina ou durante a gravidez?
 Há história de procedimentos urológicos ou litíase?
A resposta positiva a estas questões põem-nos na pista de deterioração
prolongada da função renal, ou seja doença renal crónica.

A revisão de exames analíticos anteriores, quando disponíveis, e das


medicações em curso é fundamental.

O exame objectivo é também útil. Nos casos de DRC é muitas vezes


inexpressivo, para além da presença de HTA ou o achado de rins volumosos
na doença renal poliquística. Nos casos de LRA pelo contrário, o exame físico
é fundamental sobretudo no que diz respeito à avaliação do estado de
hidratação/ preenchimento vascular. A oligúria é sempre indicativa de
deterioração aguda da função renal.

Dos exames auxiliares de diagnóstico, a ecografia renal é o mais importante


para esta distinção. O achado de rins de tamanho diminuído com diminuição da
espessura cortical, aumento da ecogenicidade e perda de diferenciação
cortico-medular, são inequívocos de um processo crónico. No entanto, na
diabetes e amiloidose a DRC pode cursar com rins de tamanho normal.

Os exames laboratoriais são menos específicos para esta diferenciação, mas


podem fornecer pistas importantes:
 o achado de anemia normocítica e normocrómica é usual na DRC, mas
pode aparecer no contexto de LRA associada a doenças sistémicas
como mieloma múltiplo ou vasculite. Nestes casos a anemia é
habitualmente desproporcionada ao grau de insuficiência renal.

NPNN 2020 82
 o achado de cálcio baixo e fósforo elevado são habituais na insuficiência
renal, mas não permitem a distinção entre LRA e DRC.
 O doseamento de hormona paratireodeia (PTH) se elevado favorece o
diagnóstico de DRC

Doentes com valores elevados de ureia e creatinina (por exemplo


ureia>200mg/dl, creatinina>6mg/dl) que se apresentam pouco sintomáticos e
relativamente bem (deambulam, conversam) e com diurese mantida, têm
frequentemente DRC.

Insuficiência renal
história clinica
antecedentes : DM , HTA, doença aterosclerótica, função renal
prévia
 fármacos: Nefrotóxicos, AINE’s, IECA / ARA, diuréticos
 contexto clinico em que surge
duração dos sintomas
 hx familiar de doença renal
 hx genésica
exame físico
oliguria / anúria
 HTA / hipotensão
 estado de hidratação/ avaliação da volémia
 Pele: rash, púrpura, microenfartes
exames laboratoriais
anemia
 relação ureia/creatinina (N:20)
 cálcio e fósforo
 PTH
ecografia renal

Aguda/rapidamente Crónica
progressiva

Fig. 1 – distinção entre LRA e DRC

LESÃO RENAL AGUDA

A LRA é um problema clínico comum. Não é uma doença única mas sim um
síndrome causado por uma multiplicidade de doenças e mecanismos
fisiopatológicos.

Após estabelecer o diagnóstico de LRA, importa perceber a sua causa.


Tradicionalmente dividem-se as causas de LRA em (fig. 2):
 pré-renal,
 renal (parenquimatosa)
 pós-renal

NPNN 2020 83
Esta classificação é útil porque permite uma base lógica para a investigação e
tratamento da LRA.
As causas pré e pós renais podem ser facilmente diagnosticadas e além de
serem as causas mais frequentes de LRA, permitem após o seu diagnóstico , o
estabelecimento de um plano terapêutico que rapidamente pode conduzir à
restauração da função renal.
Na prática, a avaliação clinica da LRA faz-se respondendo às seguintes
questões:
 Trata-se de LRA ou DRC agudizada?
 Há obstrução do tracto urinário?
 Há redução do volume circulante efectivo?
 Há nefrotóxicos que possam ser implicados?
 Há evidência de oclusão de grandes vasos?
 Há doença parenquimatosa renal diferente de necrose tubular aguda?

Hipovolémia
Pré-renal Redução do volume intravascular efectivo

Oclusão das artérias renais


Vasos
SHU/PTT
HTA maligna
Ateroembolismo

Glomérulos
Renal Parênquima Glomerulonefrite aguda ou rapidamente progressiva

Túbulos
NTA isquémica
NTA tóxica: toxinas endógenas, toxinas exógenas

Interstício
Nefrite intersticial aguda

Oclusão das veias renais

Pós-renal Obstrução do tracto urinário

Fig. 2 – causas de lesão renal aguda

A LRA pré-renal ocorre como um mecanismo de resposta renal às situações


de diminuição da sua perfusão (fig.3):
 estados de desidratação,
 hipovolémia,
 diminuição do volume circulante efectivo como ICC ou sépsis
 alteração da autorregulação renal

NPNN 2020 84
LRA pré-renal

Redução do volume
intravascular efectivo

Hipovolémia Insuficiência Vasodilatação


Hemorragia Cardiaca sistémica
Perda de volume: Disfunção miocárdica Sépsis
(GI, pele, Disfunção valvular Cirrose
respiratório) Tamponamento Anafilaxia
3º espaço cardíaco Anestesia

Alteração da
autorregulação renal

Vasoconstrição pré-glomerular Vasoconstrição pós-


(arteríola aferente) glomerular (arteríola eferente)
Hipercalcémia IECA
Síndrome hepato-renal ARA II
Fármacos: AINE’s, CsA, adrenalina

Fig. 3 – causas de LRA pré-renal

Nestas situações há activação dos sistemas renina-angiotensina-aldosterona,


sistema nervoso simpático e libertação de ADH. Daqui resulta a retenção ávida
de sódio e água pelo rim como forma de restaurar a volémia (fig. 4).
Por esta razão, a LRA é habitualmente oligúrica e se medirmos o Na+ urinário
este é baixo (<10mEq/L).

hipovolémia insuf. cardíaca cirrose sépsis

redução do volume intravascular efectivo

activação dos barorreceptores centrais

activação do sistema libertação de activação do sistema


renina-angiotensina- vasopressina nervoso simpático
aldosterona

vasoconstrição sistémica ⇒ manutenção da pressão arterial


retenção renal de sódio e água ⇒ preservação do volume intravascular

Fig. 4 – Fisiopatologia da LRA pré-renal

NPNN 2020 85
Se a perfusão renal não é reestabelecida há lesão isquémica dos tubulos
renais e desenvolvimento de necrose tubular aguda (NTA). Nestes casos, os
mecanismos de retenção de Na+ estão comprometidos pela lesão tubular,
razão pela qual o Na+ urinário não é baixo (>20mEq/L).
A história clinica associada a uma avaliação cuidadosa do estado de volemia
do doente (fig. 5) , permitem a maior parte das vezes o diagnóstico.

Depleção de volume Aumento de volume


História
 sede  Aumento de peso
clinica
 oligúria  ortopneia
 Dispneia paroxística
 perdas de fluídos
nocturna
 balanço hidrico negativo  balanço hidrico positivo
 diminuição de peso
Exame  diminuição do turgor
 Edema
físico cutâneo
 Turgescência venosa
 mucosas secas
jugular
 S3 na auscultação
 Ausência de suor axilar
cardíaca
 Crepitações
 Diminuição da PV jugular
pulmonares
 Taquicardia ou hipotensão  Derrame pleural / ascite
postural
Fig. 5 – avaliação do estado de hidratação

A LRA pós renal resulta da obstrução do sistema colector urinário. Tal como a
LRA pré-renal, ocorre sem existir dano estrutural do parênquima renal e por
isso pode ser rapidamente reversível quando se resolve a causa. A obstrução
pode ocorrer em qualquer local do tracto urinário desde os tubulos renais ao
meato urinário (fig. 6).

Causas ureterais
 Litíase
 Coágulos
 Tumores (pélvicos, retroperitoneais)
Causas uretrais
 Estenoses uretrais (pós-instrumentação, pós-infecciosas,
pós-trauma)
 Válvulas uretrais posteriores
Causas prostáticas
 Hipertrofia benigna da próstata
 Carcinoma da próstata
Causas vesicais
 Tumores da bexiga
 Cálculos
 Schistosomiase
 Bexiga neurogénica (trauma ou deficiência medular,
diabetes, esclerose múltipla, AVC, paramiloidose)
Fig. 6 – causas de obstrução do tracto urinário

NPNN 2020 86
As causas mais comuns são habitualmente sugeridas pela história clinica:
história de prostatismo, antecentes de litíase renal ou doentes com contexto
para bexiga neurogénea. A LRA obstrutiva cursa habitualmente com anúria se
a obstrução for total, ou com diureses “flutuantes” (poliúria alternando com
oligúria) se a obstrução for parcial.

A ecografia reno-vesical facilmente permite o diagnóstico, mostrando dilatação


caliceal. A ecografia é muito sensível para o diagnóstico de obstrução, mas
muitas vezes não consegue evidenciar a causa.
A presença de hidronefrose unilateral sugere obstrução do tracto urinário alto
por litíase, coágulos ou tumores; neste caso só existirá insuficiência renal se a
obstrução for num rim único funcionante. Pelo contrário, hidronefrose bilateral
sugere obstrução ao nível do ureter pélvico ou da uretra (neste caso existirá
globo vesical).
Há casos raros em que a dilatação pode não ser evidente na ecografia (fig. 7).

Falsos negativos Falsos positivos


 Obstrução recente  Inexperiência do operador
 Diminuição do débito urinário  Quistos renais múltiplos
(desidratação, insuficiência renal)
 “encarceramento” dos ureteres
(fibrose retroperitoneal, tumores)
Fig. 7 – causas de diagnósticos errados de obstrução do tracto urinário

A ecografia poderá ser complementada com Rx reno-vesical ou uro TAC no


sentido de detectar a presença de cálculos como causa da obstrução.

Ultimamente tem sido sugerida a realização de TAC como exame de 1ª linha


para a avaliação de LRA obstrutiva alta. A imagem por TAC não é mais
sensível que a ecografia para diagnosticar obstrução do tracto urinário, mas
pode fornecer informações adicionais em relação á causa da obstrução ureteral
(patologia retroperitoneal, hematomas, cálculos e tumores).

A maioria dos casos de LRA renal ou parenquimatosa é devida a NTA de


causa isquémica ou tóxica. É pois necessário a revisão sistemática da
terapêutica do doente na procura de potenciais fármacos nefrotóxicos , não
esquecendo os “tóxicos endógenos” como por exemplo a mioglogina nas
situações de rabdomiólise.

Excluídas estas etiologias (habitualmente pela história clinica), devem


considerar-se causas menos comuns de origem vascular, glomerular ou
interstícial.
O exame sumário de urina é fundamental nestes casos, podendo, pelas suas
características, permitir a diferenciação da lesão parenquimatosa (pequenos
vasos, interstício ou glomerulos). Fig. 8

NPNN 2020 87
Condição proteinúria sedimento
eritrócitos leucócitos cilindros
Vasos +/- + - -
Glomérulos +++ +++ +/- eritrocitários
Interstício ++ + ++ leucociários
Fig 8- exame sumário de urina na LRA de causa parenquimatosa renal não NTA

A investigação complemantar com exames diferenciados (antiestreptolisina,


doseamento de anticorpos antinucleares, ANCA, anti-MBG, níveis de
complemento, detecção de crioglobulinas, factor reumatoide…) permite em
alguns casos estabelecer a etiologia da LRA, mas, por vezes, só a biópsia
renal permite o diagnóstico definitivo e o estabelecimento do prognóstico.

As catástrofes vasculares (trombose ou embolia das artérias ou veias renais)


são raras como causa de LRA. Devem ser suspeitadas em doentes com
contexto clínico favorecedor de hipercoagulabilidade (síndrome nefrótico,
síndrome antifosfolipideo, tumores) ou doença aterosclerótica severa, que se
apresentam com anúria. Nestes casos serão necessários exames
diferenciados como a angioressonância renal ou angiografia.

O tratamento da LRA passa pela resolução da causa (fig.9). A terapêutica de


suporte pode incluir diálise até que haja recuperação da função renal.
A terapêutica de substituição da função renal na LRA faz-se habitualmente com
hemodiálise intermitente, mas em alguns casos, a instabilidade hemodinâmica
não o permite. Nestas situações usam-se terapêuticas dialíticas contínuas
como a hemofiltração ou hemodiafiltração.

As indicações absolutas para início de diálise na LRA são:


 Presença de síndrome urémico
 Hipervolémia resistente
 Hipercaliémia resistente
 Acidose resistente.

Na prática, a hemodiálise é também habitualmente iniciada quando há oligúria


ou valores elevados de ureia e creatinina, na ausência de evidência de
recuperação da função renal a curto prazo, com base no conhecimento de que
as complicações da uremia são frequentes nestas circunstâncias.

NPNN 2020 88
Hipovolémia Suspender diuréticos
Redução do volume intravascular efectivo Administrar coloides/cristaloides/sangue
Pré-renal Inotrópicos
Antibióticos se sépsis

Alteração da auto regulação renal Suspender AINE’s; IECA

Oclusão das artérias renais Anticoagulação/ trombólise


Angioplastia/stent/cirurgia

Vasos
SHU/PTT Imunossupressão
Plasmeferese

HTA maligna Controlo da TA

Ateroembolismo Tx suporte

Glomérulos
Glomerulonefrite aguda Tx de suporte de pós-infeciosa
Antibióticos se endocardite

GNRP Imunossupressão

Renal Parênquima

Túbulos
NTA isquémica Tx de suporte
Restaurar perfusão renal
NTA tóxica Suspender nefrotóxicos

Interstício Suspender o fármaco implicado


Nefrite intersticial aguda Considerar corticoides

Obstrução intratubular
Mieloma múltiplo Quimioterapia/ plasmaferese

Cristais Diurese alcalina se rabdomiólise ou nef. úrica

Oclusão das veias renais Anticoagulação


Tx da doença glomerular se síndrome nefrótico

Pós-renal Obstrução do tracto urinário Cateter vesical / nefrostomia


Tx cirúrgico

Fig. 9 – tratamento da LRA

NPNN 2020 89
DOENÇA RENAL CRÓNICA

A doença renal crónica é uma deterioração permanente e progressiva da


função renal.

A prevalência da DRC não é conhecida, porque muitos casos não são


reconhecidos, mas estima-se que seja aproximadamente 2000 casos por
milhão de habitantes.
As causas mais frequentes de DRC estão expressas na figura 10.

outras Glomerulonefrite
9% 13%
Indeterminada
19%

Hipertensão
Diabetes
9%
38%
Pielonefrite crónica
Doenças císticas
7%
5%

Fig. 10 – causas de DRC

Na abordagem de um doente com DRC procuramos:


 Definir a causa
 Procurar factores reversíveis
 Prevenir e tratar as complicações associadas
 Preparar para a terapêutica de substituição da função renal

O estabelecimento da causa da DRC é importante no sentido de, quando


possível, iniciar uma terapêutica que possa ser eficaz e prevenir a deterioração
posterior da função renal. Por outro lado, o conhecimento da causa tranquiliza
o doente, permite inferir o prognóstico e fazer o aconselhamento genético no
caso de nefropatias hereditárias. Na maioria dos doentes a causa da DRC é
clara na história clínica e exames iniciais (diabetes, HTA, doença renal
poliquística, pielonefrite crónica, doenças glomerulares crónicas, doenças
sistémicas com envolvimento renal...). O problema põe-se nos doentes que se
apresentam com insuficiência renal avançada, rins pequenos na ecografia e
sedimento urinário inexpressivo. As etiologias mais prováveis nestas
circustâncias serão nefropatia isquémica, ateroembolismo crónico, nefrite
intesticial crónica ou glomerulonefrite crónica. A biópsia destes rins pequenos
acarreta riscos importantes e as implicações para o tratamento são mínimas ou
ausentes, pelo que não deve ser realizada.

A segunda questão é se há factores de agravamento da função renal, ou seja,


lesão renal aguda sobreposta em DRC (fig. 11).

NPNN 2020 90
Causas de agravamento da função renal na DRC

 Desidratação  Obstrução
 Diminuição da perfusão renal (ICC,  Hipercalcemia
sépsis)  Hipertensão
 Alteração da autoregulação renal  Nefrite intersticial
(AINE’s, IECA, ARA)  Infecção
 Nefrotóxicos  Recidiva da doença de base

Fig. 11 – causas de LRA em DRC

A procura sistemática destes factores permite a sua resolução e restauração do


estádio anterior de DRC.

A determinação da TFG é importante para estimar a severidade da DRC e as


suas consequências, no sentido de implementar medidas de prevenção da
progressão da insuficiência renal.
Definem-se 5 estádios de gravidade (fig.12).

Estádio Descrição TFG Consequências


(ml/min/m2)
1 Lesão renal com TFG normal ou ↑ >90 -

2 Lesão renal com ↓ ligeira da TFG 60-89 HTA +/-

3 ↓ moderada da TFG 30-59 HTA


Hiperparatiroidismo 2º
4 ↓ severa da TFG 15-29 HTA
Hiperparatiroidismo 2º
Anemia
5 Falência renal <15 ou diálise HTA
Hiperparatiroidismo 2º
Anemia
Retenção hidro-salina
Síndrome urémico
Fig.12 – Estádios da DRC

A TFG pode ser determinada pela medição do clearance da creatinina. Esta


determinação implica a colheita de urina de 24 horas o que além de incómodo
para o doente se associa a uma grande margem de erro condicionada por
colheitas inapropriadas. Por outro lado, a medição do clearance da creatinina
sobreestima a TFG,já que a creatinina é secretada no tubo distal. A forma mais
acurada de a determinar seria fazer a média do clearance da ureia e da
creatinina.
Uma forma rápida e prática de determinar a TFG é o recurso a fórmulas como
a fórmula de Cockroft-Gault, MDRD, CKD-EPI.

Em todos os estádios de DRC devem ser iniciadas medidas de prevenção da


progressão da DRC (renoprotecção):

 Dieta

NPNN 2020 91
Há mais de 50 anos, Addis especulou que a gravidade da doença renal
crónica poderia ser melhorada se se reduzisse a carga azotada a excretar,
através da redução das proteinas ingeridas.
Em animais de laboratório a restrição proteica diminui a progressão da DRC.
A confirmação do efeito benéfico da restrição proteica em ensaios clínicos tem
sido discutível. No entanto, é comummente aceite fazer restrição proteica
moderada na doença renal. Uma meta análise recente de 5 ensaios
randomizados e controlados de restrição proteica na progressão da DRC não
diabética mostra haver benefício com este tipo de intervenção.

 Controlo da HTA
O primeiro grande estudo a demonstrar e efeito renoprotector dos IECAs, no
caso na Nefropatia Diabética tipo 1, foi o estudo Colaborativo Americano
publicado em 1993.
Depois deste estudo sucederam-se um grande número de outros tendo como
finalidade demonstrar se os IECAs e os ARA II, seriam capazes de diminuir a
progressão da doença renal, e se esse efeito renal era independente do
controlo tensional.
Dessa multitude de estudos podem-se tirar as seguintes conclusões:
- o bloqueio do sistema renina-angiotensina é benéfico na maior parte das
nefropatias crónicas
- os IECAs e os ARA II são superiores aos outros tratamentos anti-
hipertensores na prevenção da progressão da DRC
- a redução da tensão arterial é benéfica nos doentes com nefropatia

 Redução da proteinúria
A proteinúria por si só poderá contribuir para a progressão da lesão renal.
Achados experimentais e clínicos dão suporte à hipótese que a filtração
excessiva de proteinas séricas através de capilares glomerulares doentes
contribui directamente para a progressão do dano renal.
A forte associação entre redução da proteinúria e a renoprotecção nos estudos
clínicos implica que a redução da proteinúria seja um objectivo terapêutico
importante nas estratégias de renoprotecção.

 Tratamento da hiperlipidémia
A doença renal crónica está frequentemente associada a anormalidades dos
lipídeos plasmáticos, caracterizadas por níveis elevados dos triglicerídeos, das
VLDL e LDL e por níveis baixos das HDL.
Para além de aumentar o risco de doença cardiovascular, estas anormalidades
lipídicas podem acelerar a progressão da doença renal.
Aguardam-se resultados de grandes ensaios em curso, no entanto, os
resultados de estudos mais pequenos e o facto do elevado risco e mortalidade
cardiovascular dos doentes com insuficiência renal, justificam uma intervenção
dietética e farmacológica para a correcção da hiperlipidemia

 Correcção da obesidade e evicção tabágica


São medidas que tem mostrado eficácia na diminuição da progressão da
doença renal crónica.

NPNN 2020 92
Terapêutica de Renoprotecção Específica

IECA ou ARA II para: Proteinúria < 0,5 gr/dia e declínio na TFG < 2 ml/m/ano

Terapêutica Protectora Cardio-renal Adjuvante

Outros antihipertensores para: T.A < 130/80 mmHg


Restrição Proteica: 0,6 a 0,8 gr/Kg/dia
Restrição Salina: 3 a 5 gramas/dia
Controlo da Diabetes: HgbA1c ~7%
Valores normais do produto cálcio-fósforo
Correcção da Anemia: Hgb 10-12 gr/dl-
LDL < 100 mg/dl
Parar de fumar
Controlo do Peso: BMI ideal
Fig. 13 – estratégia para a diminuição da progressão da DRC

No estádio 3, a prevenção do hiperparatiroidismo secundário deve ser iniciada:


controlo da ingestão de fósforo, prescrição de captadores do fósforo e análogos
da vitamina D.
A imunização para a hepatite B também deve ser efectuada nesta fase, altura
em que se pode esperar uma resposta mais eficaz. A vacinação nestes
doentes deve ser feita com doses duplas da vacina, seguindo o calendário
habitual.

No estádio 4, para além das medidas anteriores, importa iniciar o tratamento da


anemia, se presente. O tratamento da anemia visa não só uma melhoria da
qualidade de vida, mas também a redução da morbilidade cardiovascular e da
mortalidade.
Quando a TFG é <20ml/min a preparação para uma terapêutica de substituição
renal (hemodiálise, diálise peritoneal ou transplante) deve ser equacionada.

NPNN 2020 93
VII.

Lesão
renal aguda
no doente
internado

NPNN 2020 94
LRA NO DOENTE HOSPITALIZADO

INTRODUÇÃO:

A LRA carateriza-se por um declínio abrupto da TFG, suficiente para diminuir a eliminação de
produtos nitrogenados (ureia e creatinina) e de outras toxinas urémicas.

Pode definir-se como uma redução da função renal em 48h, demonstrada por:

 elevação absoluta da creatinina sérica igual ou superior a 0,3mg/dL ou


 elevação creatinina sérica 1,5 vezes o valor basal ou
 redução do débito urinário (<0,5mL/kg/h >6h)

Nos doentes hospitalizados, a LRA é frequentemente multifatorial. Mais comummente é de


etiologia pré-renal/necrose tubular aguda (NTA) isquémica (no contexto de depleção de
volume e hipotensão), NTA por exposição a nefrotoxinas ou no contexto de sépsis. Outras
causas frequentes de LRA incluem a obstrução urinária, a glomerulonefrite intrínseca e o
ateroembolismo.

Todos os doentes que apresentem LRA devem ser avaliados cuidadosamente, tanto para
despiste de causas reversíveis, como hipotensão, depleção de volume ou obstrução, como pela
presença de eventuais complicações. A avaliação inicial do doente com LRA deverá ser
criteriosa, direcionada para a determinação da causa e para a identificação de alterações que
possam requerer intervenção imediata; deverá incluir a avaliação da volémia e a medição dos
eletrólitos séricos, em particular potássio, bicarbonato, fosfato, cálcio e albumina.

EPIDEMIOLOGIA:

Estima-se que a incidência da LRA em doentes hospitalizados seja cerca de 1,9%, com
tendência crescente nas últimas décadas. Atualmente sabe-se que esta complica 5 a 7% de
todas as admissões hospitalares e mais de 40% das admissões em unidades de cuidados
intensivos. A LRA associa-se a um aumento do risco de morte em doentes internados,
constituindo um fator preditor de mortalidade independente.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS:

Doentes com LRA podem apresentar sintomas e sinais resultantes diretamente do


agravamento da função renal. Estes últimos incluem tipicamente o edema periférico, a
hipertensão arterial e a diminuição da diurese. Contudo, não raras vezes, os doentes
apresentam-se assintomáticos, sendo detetado um aumento da creatinina sérica nas análises
laboratoriais, rotineiramente pedidas em regime de internamento. Toda a avaliação
subsequente deverá ser dirigida à determinação da etiologia.

NPNN 2020 95
ETIOLOGIA:

Em muitos casos, a LRA é reversível se a causa subjacente for rápida e corretamente


identificada e abordada. As causas da LRA são tradicionalmente classificadas de acordo com a
etiologia clínica como pré-renal (hipoperfusão renal), renal intrínseca (patologia dos vasos,
glomérulos ou túbulos-interstício) ou pós-renal (obstrutiva). No entanto, estas entidades
cruzam muitas vezes as fronteiras nosológicas. É exemplo disso, a azotemia pré-renal
prolongada que leva à NTA, e a obstrução do trato urinário não tratada que eventualmente
causa fibrose e atrofia renal.

 Doença pré-renal - A lesão pré-renal aguda ocorre em estados hipovolémicos, como


hemorragia aguda, vómitos, diarreia ou no caso de perdas insensíveis não
regeneradas. A perfusão renal pode estar comprometida em estados hipervolémicos
pela diminuição do volume circulante efetivo, como é exemplo a insuficiência cardíaca
com FE reduzida (síndrome cardio-renal) ou a doença hepática aguda descompensada
(síndrome hepato-renal).
 Doença vascular renal intrínseca - As doenças vasculares renais intrínsecas afetam
diretamente os vasos sanguíneos renais (de pequena e grande dimensão). As doenças
intrínsecas agudas que envolvem principalmente os pequenos vasos sanguíneos
incluem as vasculites de pequenos vasos e as microangiopatias, incluindo a púrpura
trombocitopénica trombótica, a síndrome urémica hemolítica, a esclerodermia e a
hipertensão maligna. Doenças que afetam vasos maiores e causam LRA incluem o
enfarte renal por dissecção aórtica, o aneurisma da artéria renal e a trombose venosa
renal.
 Doença glomerular intrínseca - Os distúrbios que causam doença glomerular são
muito vastos, podendo ser classificados como primários (idiopáticos, não associados a
doenças sistémicas) ou secundários (como paraneoplásicos, induzidos por fármacos ou
em contexto de doença sistémica, nomeadamente autoimune).
 Doença tubular e intersticial intrínseca - A doença túbulo-intersticial aguda mais
comum é a NTA que ocorre tipicamente após administração de contrastes (ou outras
nefrotoxinas), após cirurgias cardíacas ou em situações de sépsis ou choque. Outras
incluem a nefrite intersticial aguda (NIA), frequentemente a fármacos, e a nefropatia
de cilindros no mieloma múltiplo (rim de mieloma). Causas menos comuns incluem a
síndrome de lise tumoral (mais frequente nas doenças linfoproliferativas com carga
tumoral elevada ou após quimioterapia); a nefropatia cristalina associada ao aciclovir;
e a nefropatia aguda do fosfato (causada por enemas e produtos de preparação e
limpeza intestinal).
 Uropatia obstrutiva - A obstrução pode ocorrer em qualquer porção do trato urinário.
Nos doentes que não apresentam doença renal crónica subjacente, uma redução
substancial na TFG pode sugerir obstrução bilateral (ou obstrução unilateral se rim
único funcionante). Isto ocorre sobretudo devido a doença prostática (hiperplasia ou
neoplasia) ou a doença metastática. A fibrose retroperitoneal é uma causa rara de
obstrução ureteral crónica.

NPNN 2020 96
INVESTIGAÇÃO ETIOLÓGICA:

 REVISÃO DA HISTÓRIA E MOMENTO DE INÍCIO DA LRA:

A revisão detalhada da história clínica com identificação do timing de início da LRA sugere
frequentemente a etiologia subjacente. A análise crítica do histórico analítico do doente (e a
sua evolução), nomeadamente da creatinina sérica e do exame de urina, é parte essencial da
investigação. Um pequeno apontamento para os doentes que sofrem ressuscitação volémica
agressiva, que podem ter um aumento analítico da creatinina sérica falseado pela diluição num
volume de distribuição maior.

 REVISÃO CUIDADOSA DA MEDICAÇÃO:

Uma revisão cuidadosa dos fármacos é também fundamental. Muitas vezes, os nefrotóxicos
foram iniciados antes do início da LRA (exemplo: AINE e aminoglicosídeos), o que pode por si
só sugerir uma etiologia. Além disso, mesmo fármacos de longa data (como IECA ou ARA II)
podem tornar os doentes vulneráveis à LRA pré-renal ou à NTA.

 EXAME OBJETIVO:

Achados no exame objetivo podem revelar a etiologia. Exemplos comuns incluem: sinais de
depleção de volume (LRA pré-renal); rash cutâneo após início de um novo fármaco (NIA); blue
toes (ateroembolismo); hipervolémia / sinais de insuficiência cardíaca (síndrome cardio-renal).

 EXAME DE URINA:

A avaliação inicial deve incluir um exame de urina, sempre que possível com avaliação do
sedimento e quantificação da proteinúria (razão proteínas-creatinina em amostra de urina
ocasional). Nos doentes que apresentem hematúria e/ou proteinúria deverá ser despistada
doença glomerular ou vasculite sistémica. Na presença de piúria estéril deve ser considerada a
possibilidade de nefrite intersticial.

 ECOGRAFIA RENAL:

Deve ser realizada essencialmente para exclusão de componente obstrutivo, sobretudo nos
casos em que a causa da LRA não é imediatamente aparente.

 ESTUDO SEROLÓGICO/IMUNOLÓGICO E PAPEL DA BIÓPSIA RENAL:

Dependendo da anamnese, do exame objetivo, dos achados laboratoriais e imagiológicos,


poderá ser necessário complementar-se a investigação com o estudo serológico/imunológico
(sobretudo na suspeita de doença glomerular). A biópsia renal realiza-se sobretudo quando a
avaliação não invasiva se mostrou inconclusiva no estabelecimento do diagnóstico.

NPNN 2020 97
AVALIAÇÃO DO ESTADO DE VOLUME NA LRA:

Deverá realizar-se uma avaliação rigorosa do estado de volume em todos os doentes que
apresentem LRA, uma vez que a correção adequada do mesmo poderá melhorar ou até
mesmo reverter a lesão renal.

 HIPOVOLÉMIA:

A menos que contraindicado, num doente com história de perda de fluídos (exemplo: vómitos,
diarreia) e um exame objetivo consistente com hipovolémia (hipotensão e taquicardia) o
primeiro passo é iniciar fluidoterapia imediata para reposição volémica. Múltiplos estudos têm
demonstrado que a rápida reversão da depleção de volume pode prevenir ou limitar a lesão
renal por NTA isquémica. Como nota, alguns doentes com depleção de volume relativamente
ligeira podem não possuir uma história óbvia de perda de volume. Além disso, a hipovolémia
pode ser difícil de detetar no exame objetivo, especialmente em doentes idosos e obesos.

Por outro lado, é importante alertar que a administração de fluídos está contraindicada em
doentes com quadros óbvios de congestão / sobrecarga de volume.

Os fluídos a administrar podem ser cristalóides ou colóides. As soluções cristalóides, tais como
a solução salina isotónica, são preferidas para a terapia inicial, uma vez que estudos
demonstraram que as soluções colóides não proporcionam nenhum benefício adicional e são
mais dispendiosas. Soluções cristalóides contendo potássio, como o lactato de Ringer, devem
ser evitadas, já que no doente com LRA podem resultar em hipercalémia.

A quantidade total de volume administrado depende do grau de depleção de volume na


apresentação e das perdas em curso. A restauração do fluxo urinário adequado e a melhoria
analítica da função renal com a ressuscitação de fluidos são consistentes com a etiologia pré-
renal. Os doentes que não respondam ao volume administrado com um aumento da diurese
ou diminuição da creatinina sérica têm pouca probabilidade de ter doença pré-renal.
Possivelmente terão estabelecido uma NTA ou outras formas de LRA intrínseca como a
glomerulonefrite aguda ou rapidamente progressiva ou a nefrite intersticial aguda.

 HIPERVOLÉMIA:

A hipervolémia pode estar presente na avaliação inicial ou ocorrer devido à administração


excessiva de fluídos num contexto da reduzida capacidade de excreção de sódio e água na LRA.
Isto é especialmente verdade nos doentes com sépsis que comummente recebem reanimação
com fluidoterapia EV agressiva. Assim, em doentes críticos com NTA o balanço diário de fluidos
é comumente positivo, como resultado da ingestão de líquidos, inerente à administração de
antibióticos ou outros medicamentos EV, derivados sanguíneos e aporte nutricional. Isto pode
resultar em expansão progressiva de volume e edema pulmonar, podendo conferir particular
gravidade em doentes críticos. Mais raramente, a sobrecarga de volume pode resultar da
disfunção primária do ventrículo esquerdo e causar LRA ou síndrome cardio-renal tipo 1.

Os diuréticos não têm papel na prevenção nem tratamento da LRA, mas estão indicados no
caso da hipervolémia. Nestas situações o doente deve ser regularmente avaliado para ver se a
diurese está a ser eficaz. Se não houver aumento na produção de urina, então terapias

NPNN 2020 98
alternativas como a diálise devem ser consideradas. Os diuréticos de ansa (furosemida) são os
agentes preferidos, uma vez que proporcionam um efeito natriurético maior em comparação
com os tiazídicos.

COMPLICAÇÕES - MONITORIZAÇÃO E ABORDAGEM:

Não existem dados precisos sobre a frequência com que os eletrólitos séricos devem ser
monitorizados. Assume-se que o potássio deverá ser obrigatoriamente doseado em doentes
oligúricos ou hemodinamicamente instáveis, sendo igualmente importante o registo do peso
diário, da ingestão hídrica e do débito urinário.

As principais complicações da LRA incluem sobrecarga de volume, hipercalémia, acidose


metabólica, hipocalcémia e hiperfosfatémia. Nas formas graves, alterações do estado de
consciência poderão estar presentes; hiperuricemia e hipermagnesémia também poderão
existir.

 HIPERCALÉMIA:

A hipercalémia é uma complicação comum e potencialmente fatal da LRA. É especialmente


prevalente em doentes oligúricos que são catabólicos ou têm evidência de lesão celular ativa,
como na rabdomiólise e na síndrome de lise tumoral.

A terapia imediata torna-se obrigatória se houver alterações eletrocardiográficas ou


anormalidades neuromusculares periféricas, independentemente do grau de hipercalémia. O
tratamento deve ser dirigido a antagonizar os efeitos membranares do potássio, promover a
translocação do potássio extracelular para o interior das células e promover a sua eliminação
(discutido em mais detalhe noutro capítulo deste manual). Em geral, todos os doentes com
LRA e hipercalémia refratária à terapêutica médica devem ser dialisados, a menos que a
hipercalémia seja moderada (<5,5mEq/L) e a causa da LRA seja facilmente reversível (como na
LRA pré-renal por depleção de volume ou secundária a toma de IECA ou ARA II). Nos doentes
que necessitam de diálise, a terapêutica médica de hipercalémia é frequentemente realizada
enquanto a diálise está a ser organizada.

Em todos os doentes com LRA, a ingestão de potássio dietético deve ser limitada a
aproximadamente 2g por dia. Os doentes com hipercalémia grave (>6,5mEq/L) ou potássio
sérico rapidamente aumentado não devem receber qualquer potássio dietético até que a
hipercalémia possa ser tratada (seja por diálise ou terapêutica médica).

 ACIDOSE METABÓLICA:

A excreção de ácido e a regeneração de bicarbonato fica comprometida com estabelecimento


de uma baixa TFG, resultando em acidose metabólica. Grande parte do ácido que é
normalmente excretado pelo rim é o produto do metabolismo diário. No entanto, outros
fatores geralmente contribuem para a acidose grave nos doentes com LRA. Por exemplo,
doentes com LRA em contexto de sépsis, trauma e/ou falência multiorgânica têm
frequentemente aumento da produção de ácido láctico ou cetoácidos. Outros doentes que

NPNN 2020 99
tenham LRA podem ter acidose metabólica resultante da perda de bicarbonato, da diarreia ou,
menos comumente, de acidose tubular renal.

Nos doentes com LRA, a escolha da terapia depende da ausência ou presença de sobrecarga
de volume e da causa subjacente e da gravidade da acidose.

A diálise está geralmente indicada na LRA oligoanúrica grave com sobrecarga de volume e
acidose metabólica grave (pH <7,1), independentemente da causa da acidose. A diálise é
preferida à administração de bicarbonato nos doentes com sobrecarga de volume, uma vez
que a administração de bicarbonato resulta numa grande carga de sódio. Em geral, aa diálise
também está indicada em doentes com LRA e acidose láctica ou cetoacidose e pH <7,1, mesmo
que não estejam hipervolémicos e especialmente se estiverem oligoanúricos. No entanto, nos
doentes com LRA que não têm sobrecarga de volume e não têm nenhuma outra indicação
para diálise aguda, o bicarbonato pode ser administrado em vez de diálise nas seguintes
situações:

 Acidose não-aniónica relacionada à diarreia


 Acidose orgânica severa (pH <7,1mEq/L) enquanto aguarda a diálise ou em doentes
nos quais a causa da LRA é prontamente reversível
 O bicarbonato EV também pode estar indicado em doentes com LRA devido a
rabdomiólise, a fim de prevenir lesões renais adicionais (isto é, NTA), desde que não
existam outras indicações para diálise e o doente não esteja hipervolémico

Um objetivo razoável para doentes com acidose metabólica devido à perda de bicarbonato por
diarreia é atingir um bicarbonato sérico entre 20 e 22mEq/L e pH >7,2. Nesses doentes, a
quantidade total de bicarbonato que será necessária pode ser estimada a partir do défice
calculado de bicarbonato. A taxa de administração de bicarbonato depende da gravidade da
acidose e do estado de volume do doente.

Não se dialisam doentes com acidose orgânica ligeira (isto é, pH ≥7,1), a menos que tenham
outra indicação. O tratamento destes doentes é dirigido essencialmente para a reversão das
causas subjacentes da produção excessiva de ácido. Isto inclui o tratamento da sépsis, a
otimização da ventilação e da perfusão sanguínea para redução da produção de ácido láctico e
a administração de insulina na presença de cetoacidose diabética. Fontes exógenas de ácidos
(tais como salicilatos) devem ser removidas.

 HIPOCALCÉMIA:

Os níveis séricos de cálcio devem ser seguidos de perto nos doentes com LRA. A hipocalcémia
é comum nestes doentes e está principalmente relacionada com aumento dos níveis séricos de
fósforo causados pela redução da TFG. Outros fatores que contribuem para a hipocalcémia
incluem a resistência à hormona paratiroideia e a diminuição da síntese de 1,25(OH)2D3.

O cálcio sérico ionizado deve ser medido adicionalmente ao cálcio sérico total. A concentração
total de cálcio sérico não reflete com precisão a concentração de cálcio ionizado nos doentes
com valor alterado de albumina sérica, uma vez que o cálcio se liga a esta proteína. Além disso,
uma vez que a ligação do cálcio à albumina é dependente do pH, a quantidade de cálcio livre
pode ser alterada por desequilíbrios ácido-base ou pela rápida correção dos mesmos.

NPNN 2020 100


O tratamento da hipocalcémia depende da gravidade e da presença dos sintomas. Se o doente
é assintomático e a hiperfosfatémia está presente, a medida terapêutica inicial deve ser a
correção da hiperfosfatémia. A redução do fosfato sérico, como resultado do tratamento com
ligantes fosfato orais, é muitas vezes suficiente para melhorar o cálcio sérico. Os doentes
sintomáticos devem ser tratados de forma mais agressiva com cálcio EV. No entanto, a
administração de cálcio a doentes que são severamente hiperfosfatémicos pode resultar na
deposição de fosfato de cálcio na vasculatura e nos órgãos.

Doentes com hipocalcémia sintomática na presença de níveis séricos de fósforo> 8 a 10mg/dL


devem ser dialisados para corrigir tanto a hiperfosfatémia como a hipocalcémia.
Ocasionalmente, os doentes poderão desenvolver sintomas de hipocalcémia com risco de vida
enquanto aguardam diálise. Esses doentes devem ser tratados com cloreto de cálcio EV
intermitente ou gluconato de cálcio, mesmo que haja um risco de calcificação metastática
associado. Os sintomas de hipocalcémia incluem parestesias, tetania, confusão, convulsões,
sinal de Trousseau (espasmo do carpo ocorrendo após oclusão da artéria braquial com
manguito de pressão arterial por três minutos), sinal de Chvostek (contração do músculo facial
em resposta ao toque do nervo facial anterior à orelha) ou prolongamento do intervalo QT.

Inicialmente pode-se administrar a perfusão de cálcio EV (1 a 2g de gluconato de cálcio,


equivalente a 90 a 180mg de cálcio elementar, em 50mL de dextrose a 5% durante 10 a 20
minutos). O cálcio não deve ser administrado mais rapidamente, devido ao risco de disfunção
cardíaca grave, incluindo a assistolia. Esta dose de gluconato de cálcio aumentará a
concentração sérica de cálcio durante apenas duas ou três horas enquanto são feitos arranjos
para diálise. Pode-se utilizar 10% de gluconato de cálcio (90mg de cálcio elementar por 10mL)
ou 10% de cloreto de cálcio (270mg de cálcio elementar por 10mL) para preparar a solução
para perfusão. O gluconato de cálcio é geralmente preferido porque é menos provável causar
necrose de tecido se extravasado.

 HIPERFOSFATÉMIA:

A hiperfosfatémia é observada em muitos doentes com LRA. Geralmente tratamos todos os


doentes com LRA que tenham concentrações de fosfato sérico moderada a severamente
elevadas (>6mg/dL). Não tratamos doentes com hiperfosfatémia ligeira (ou seja, 4,5 a
6,0mg/dL) devida a LRA.

A seleção do quelante de fosfato depende do nível de concentração sérica de cálcio ionizado.


Se a concentração sérica de cálcio ionizado for baixa, podem ser administrados quelantes do
fosfato contendo cálcio, tais como acetato de cálcio ou carbonato de cálcio, para controlar os
níveis séricos de fosfato, desde que os doentes possam tomar medicação oral. Se a
concentração sérica de cálcio ionizado for elevada, devem ser dados quelantes de fosfato sem
cálcio, tais como carbonato de lantânio ou sevelamer. Nestes doentes, preferem-se os
quelantes sem cálcio para evitar aumentos no produto cálcio / fosfato.

Não há diretrizes específicas em que nível iniciar hemodiálise no cenário de hiperfosfatémia, e


a decisão de iniciar a hemodiálise muitas vezes é baseada em resultados clínicos e laboratoriais
concomitantes (como oligoanúria, desenvolvimento de hipervolémia e hipercalémia).
Geralmente dialisam-se doentes com hiperfosfatémia severa (>12mg/dL): a diálise funciona

NPNN 2020 101


mais rapidamente que os quelantes de fosfato e, portanto, pode ser mais eficaz na prevenção
de lesões devido à precipitação de cálcio e fosfato.

INDICAÇÕES PARA DIÁLISE:

As indicações para diálise em doentes com LRA geralmente incluem:

 Sobrecarga de volume refratária à terapêutica diurética


 Hipercalémia (definida como concentração sérica de potássio >6,5mEq/L), refratária à
terapêutica médica
 Acidose metabólica (pH <7,1) resistente à terapêutica médica
 Sinais de uremia, tais como pericardite, neuropatia ou um declínio inexplicável do
estado de consciência

SUPORTE NUTRICIONAL:

O principal objetivo do suporte nutricional em doentes críticos com LRA é fornecer as


quantidades adequadas de calorias, proteínas e nutrientes. As necessidades nutricionais
dependem da gravidade da doença subjacente, do estado nutricional pré-existente e das
comorbilidades. Embora os requisitos variem com base no estado catabólico subjacente,
alguns investigadores consideram que os doentes necessitam de aproximadamente 25 a
30kcal/kg por dia. Outros assumem contudo que a subalimentação permissiva poderá ser a
abordagem preferida, apesar da falta de dados específicos sobre a mesma.

A perda de energia proteica é comum entre doentes com LRA e contribui de forma significativa
para a mortalidade; a necessidade proteica aumenta com a gravidade da doença subjacente e
com o início da diálise. Considerando que os doentes não dialisados com doença ligeira a
moderada necessitam apenas de 0,8 a 1,2g/kg por dia, os doentes críticos ou doentes em
diálise necessitam geralmente de 1,2 a 1,5g/kg por dia ou mais. Atualmente considera-se que a
nutrição entérica deve ser, sempre que possível, preferida à nutrição parentérica devido ao
seu menor custo, complicações menos frequentes e graves, menor permeabilidade da mucosa,
maior cicatrização e menores taxas de infeção.

PONTOS-CHAVE A RETER:

 A LRA corresponde a um declínio abrupto da função renal que resulta na elevação de


produtos nitrogenados e outros resíduos metabólicos normalmente excretados pelo
rim
 Os doentes com LRA podem apresentar sintomas e sinais resultantes diretamente da
diminuição da função renal; estes incluem edema periférico, hipertensão arterial e
diminuição da diurese; contudo, alguns doentes não apresentam sintomas clínicos
sendo o aumento da creatinina sérica detetado em exames laboratoriais de rotina

NPNN 2020 102


 A abordagem tradicional da LRA segue a classificação etiológica: pré-renal
(hipoperfusão renal), renal intrínseca (patologia dos vasos, glomérulos ou túbulos-
interstício) e pós-renal (obstrutiva)
 O estado do volume deve ser avaliado em todos os doentes com LRA; em doentes
depletados não se deve atrasar o início da reposição volémica com fluidoterapia EV
 As principais complicações decorrentes da LRA incluem sobrecarga de volume,
hipercalémia, acidose metabólica, hipocalcémia e hiperfosfatémia

NPNN 2020 103


VIII.

Substituição
da função renal:
A Diálise e o
transplante

NPNN 2020 104


SUBSTITUIÇÃO DA FUNÇÃO RENAL: A DIÁLISE E O TRANSPLANTE

1. INTRODUÇÃO

Com a evolução da doença renal crónica (DRC), a função dos rins torna-se insuficiente
para assegurar a vida ou um estado aceitável de saúde e torna-se fundamental recorrer a técnicas
que procuram a sua substituição.
A função renal é essencialmente depuradora e homeostática, mas existem outras funções
de carácter metabólico, como a síntese de eritropoetina ou a activação da vitamina D que têm um
papel fisiológico importante. As técnicas de substituição da função renal (TSFR) de que dispomos
são a diálise e a transplantação renal.
O transplante renal, que substitui integralmente a função dos rins nativos, é a terapêutica
ideal para quase todos os doentes, mas não é possível para todos. A diálise tem uma função
essencialmente depuradora e são necessárias terapêuticas adjuvantes para suprir as funções de
síntese, que naturalmente não são asseguradas pela diálise, como os fattores estimuladores da
eritropoiese e os análogos da vitamina D.

2. PREPARAÇÃO PARA INÍCIO DE TERAPÊUTICA DE SUBSTITUIÇÃO DA FUNÇÃO RENAL

A preparação para iniciar TSFR deve começar no estádio 4 de DRC


(TFG<30mL/min/1.73m2).
Um dos objectivos do programa pré-diálise é assegurar que os doentes e os seus
familiares tenham o conhecimento desejado sobre a DRC e o seu tratamento antes que seja
necessário iniciar uma TSFR.

No Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, todos os doentes com DRC a partir do
estádio 4 têm uma Consulta de Esclarecimento de Doença Renal Crónica, de acordo com a norma
da DGS nº 017/2011 de 29/09/2011 atualizada a 14/06/2012, dada por um nefrologista e um
enfermeiro de Nefrologia, na qual são explicadas as opções de substituição da função renal e
fornecida a possibilidade de contactarem com outros doentes que já estão em diálise, observando
na prática as especificidades de cada modalidade.

Há doentes que, pelas suas comorbilidades, não beneficiam de um tratamento substitutivo


da função renal e, portanto, permanecem em tratamento conservador da DRC. Patologias
incuráveis, como a demência irreversível, caquexia irreversível, neoplasia metastizada, ausência
de vida de relação são exemplos de situações clínicas em que não há benefício deste tipo de
tratamento.

NPNN 2020 105


Os doentes com DRC estádio 5 (TGF<15mL/min/1.73m2) devem ser avaliados
regularmente e devem iniciar uma TSFR quando os sintomas de uremia desenvolvem.
São indicações formais para o início de diálise:
1. Hipervolémia refratária aos diuréticos
2. Hipercaliémia refratária
3. Malnutrição secundária à uremia
4. Disfunção neurológica urémica
5. Serosite urémica
6. Fenómenos hemorrágicos frequentes
7. Deterioração do estado geral sem outra razão explicável

3. A ESCOLHA ENTRE HEMODIÁLISE E DIÁLISE PERITONEAL

A escolha entre estas 2 modalidades é feita pelo doente e familiares. O papel dos médicos
e enfermeiros é o de auxiliar nesta escolha e identificar situações que possam contra-indicar a
opção do doente. Na ausência de contra-indicações (Tabela I), ambas devem ser apresentadas
para permitir uma opção consciente. É explicado ao doente que, não havendo contra-indicação,
ele pode mudar de uma modalidade para outra em caso de falência ou não adaptação à técnica
que escolheu.

Tabela I
Contra-indicações às modalidades de Diálise
Diálise peritoneal
Absolutas Relativas
Perda da função peritoneal Prótese aórtica abdominal recente
Clearance inadequado Shunt ventriculoperitoneal
Aderências que prejudicam a drenagem do líquido Intolerância ao líquido intraperitoneal
Hérnia abdominal não corrigível Grande massa muscular
Estoma na parede abdominal Obesidade mórbida
Fuga de líquido peritoneal Malnutrição severa
Inaptência em executar a técnica e ausência de
Infecção cutânea
ajuda de terceiros
Doença intestinal
Hemodiálise
Absolutas Relativas
Acesso vascular difícil
Fobia de agulhas
Acesso vascular não possível
Insuficiência cardíaca grave
Coagulopatia

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4. A DIÁLISE

A diálise é um processo físico-químico de separação de moléculas e iões através de uma


membrana semipermeável. As duas soluções postas em contacto por essa membrana são o
plasma do doente e uma solução dialisante. O movimento dessas partículas dá-se por três
mecanismos (Figura 1): a difusão, a ultrafiltração e a convexão. O resultado deste movimento é a
eliminação de substâncias prejudiciais e a aquisição de substâncias em falta.

Princípios básicos da diálise - movimento de partículas e água


Difusão
• Movimento de solutos através da membrana
semi-permeável, através de um gradiente de
concentração
• Ocorre nos 2 sentidos até ao equilíbrio:
Do sangue para a solução dialisante: o
potássio, o fósforo e as toxinas urémicas
Da solução dialisante para o sangue: o cálcio
e o bicarbonato

Ultrafiltração
• Movimento de água através da membrana
semi-permeável através de um gradiente de
pressão (hidrostática, osmótica ou oncótica)

Convexão
• Movimento de solutos durante a ultrafiltração
• Enquanto a difusão é eficaz na remoção de
moléculas de pequeno tamanho, a convexão
permite o movimento de moléculas de
pequeno e médio tamanho

Figura 1

4.1. A Hemodiálise

A hemodiálise (HD) é a TSFR mais prevalente em todo o mundo. Em Portugal, é


maioritariamente realizada em clínicas de HD. É um tratamento gratuito para o doente e também
está incluído o transporte casa – clínica – casa. Na sua grande maioria, os doentes fazem 3
sessões de 4h de HD por semana (2as, 4as e 6as ou 3as, 5as e sábs).

NPNN 2020 107


O objetivo do sistema de hemodiálise é levar o sangue do doente para o dialisador (filtro),
que é eficaz na remoção de toxinas urémicas e água, e devolver o sangue depurado ao doente.
Os principais componentes do sistema de HD são o circuito de sangue extracorporal, o
dialisador, a máquina de diálise e o sistema de purificação da água (Figura 2).
O dialisador é um filtro com aproximadamente 30 cm de comprimento que possui, no seu
interior, milhares de fibras tubulares, compostas por uma membrana semi-permeável (Figura 3).
A máquina de diálise tem sensores de pressão, bombas de propulsão e de heparina,
aquecedor da solução, doseadores de sódio, bicarbonato e cálcio e ainda a bomba responsável
pela criação da pressão transmembranar que permite a ultrafiltração. O sangue deve circular a
uma velocidade não inferior a 300 ml/min e a solução dialisante a 500ml/min, para uma diálise
eficaz.

Figura 2 – Sistema de Hemodiálise

Figura 3 – Dialisador

NPNN 2020 108


É um tratamento globalmente bem tolerado. As complicações agudas da hemodiálise são
cada vez menos frequentes, devido à sofisticação tecnológica que os equipamentos e as soluções
atingiram. A hipotensão continua a ser o mais frequente. Outros mais raros: reações alérgicas,
HTA, hemólise, síndrome de desequilíbrio, precordialgia, arritmias, etc.

4.1.1. Acessos vasculares para HD

Para a realização da HD, o sangue tem que ser extraído da circulação do doente a uma
velocidade que é impossível de se conseguir com o calibre das veias periféricas. Assim, é
essencial assegurar um acesso ao sistema vascular. Os acessos vasculares podem ser divididos
em dois grandes grupos: os provisórios e os de longa duração. Os primeiros são utilizados em
situações de falência renal aguda. Há 3 tipos de acessos de longa duração: a fístula arteriovenosa
(FAV) de Cimino-Brescia, as próteses vasculares e os catéteres venosos centrais (CVC)
tunelizados.

a. Fístulas arteriovenosas

As fístulas arteriovenosas (FAV) são uma


comunicação entre uma artéria e uma veia do membro
superior construída cirurgicamente (Figura 4). As
diferenças de pressão entre os sistemas arterial e
venoso fazem com que parte do sangue seja desviada
do seu trajecto, contribuindo para dilatar a veia,
aumentando o seu calibre e permitindo a extracção de
sangue para a diálise à velocidade pretendida. Uma
FAV madura tem um fluxo entre 600 a 1200mL/min
poucas semanas após a sua construção.
Existem 6 possíveis locais para a construção da
FAV: punho, antebraço e prega do cotovelo, de cada
lado. Figura 4 - Fístula arteriovenosa

A FAV representa o acesso vascular com a maior longevidade e a menor taxa de


complicações, nomeadamente infeção e trombose e, portanto, é o acesso preferível, sempre que
existir património vascular compatível. São, em quase todos os centros, feitos pelos cirurgiões
vasculares. O maior inconveniente é a necessidade de algum tempo de maturação após a sua
construção cirúrgica, normalmente semanas a meses. Por este facto, a sua construção deve ser
programada de forma atempada, com o objetivo de se evitar o uso de um CVC.

NPNN 2020 109


b. Próteses vasculares

As próteses vasculares são constituídas por


politetrafluoroetileno (PTFE) e são uma alternativa quando
a FAV não pode ser construída (Figura 5). Teoricamente,
podem ser colocadas em qualquer sítio entre uma artéria
e uma veia, mas são necessários excelentes fluxos
arterial e venoso. Apresentam algumas vantagens,
incluindo um elevado fluxo sanguíneo inicial, a
possibilidade de serem usadas 2-3 semanas após a
construção e a sua substituição cirúrgica fácil. As grandes
desvantagens são a a elevada taxa de trombose pela
hiperplasia da neoíntima e um maior risco de infeção.

Figura 5 - Prótese vascular para HD


c. Catéteres venosos centrais

Os catéteres venosos centrais (CVC) podem ser provisórios (ou de curta duração) ou
tunelizados (ou de longa duração).
Os catéteres provisórios (Figura 6) são apropriadamente colocados nos doentes que se
apresentam com falência renal aguda e devem ser colocados nas veias femorais ou jugulares
internas. Não devem permanecer > 5-7 dias nas veias femorais e para além das 3 semanas nas
veias jugulares internas. Não devem ser colocados nas veias subclávias, pelo maior risco de
trombose, podendo condicionar a futura construção de um acesso vascular definitivo bem
sucedido.

Cuff

Figura 6 – CVC provisórios ou de curta duração Figura 7 – CVC tunelizados ou de longa duração

Os catéteres tunelizados (Figuras 7 e 8) representam um mal necessário, permitindo a diálise nos


doentes que não têm património vascular para construção de FAV ou colocação de próteses. São
catéteres habitualmente de silicone, de duplo lúmen, que são introduzidos numa veia central (a

NPNN 2020 110


grande maioria das vezes na jugular direita) e fazem um trajecto subcutâneo, denominado túnel,
até ao quadrante supra-externo da região mamária, local onde se exteriorizam à pele.
As infeções representam a complicação mais comum dos catéteres, assumindo por vezes
gravidade significativa. Num doente com CVC e febre, a hipótese de infecção do CVC deve ser
logo considerada e deve ser logo instituída antibioterapia para gram positivos e negativos. O uso
de vancomicina é mandatório porque cobre MRSA,
agente isolado em 50% dos casos de bacteriémia
associada ao CVC, e um aminoglicosídeo ou uma
cefalosporina de 3ª geração (ceftazidima) são boas
opções na cobertura dos gram negativos.
Outras complicações são: a disfunção do
catéter por kink ou trombose ou o aparecimento de
trombose venosa associada ao catéter, que pode
impossibilitar a colocação de outros catéteres e
motiva o mau funcionamento dos mesmos.
Figura 8 – CVC tunelizado na veia jugular direita

4.2. A Diálise Peritoneal

A outra técnica dialítica é a diálise peritoneal


(DP). Todos os princípios físicos anteriormente
referidos (difusão, convexão e ultrafiltração) estão
presentes. A grande diferença é que o dialisador é a
membrana peritoneal, o compartimento do sangue é
a circulação sanguínea peritoneal e a solução
dialisadora é introduzida na cavidade abdominal Figura 9 – Posição paraumbilical do catéter de
DP
através de um catéter que se coloca na região
abdominal, numa posição paraumbilical (Figura 9). O
catéter de DP mais utilizado é o catéter de Tenckhoff
(Figura 10). Tem 2 cuffs de fixação, uma que fica na
entrada do peritoneu e outra na saída cutânea,
destinadas a fixar o catéter e a proteger dos micro-
organismos.

Figura 10 – Tipos de catéter de Tenckhoff.


A – standard; B – curvo

NPNN 2020 111


Periodicamente, é feita uma infusão de
solução peritoneal osmoticamente ativa, que fica em
contacto com o peritoneu o tempo suficiente para se
dar o movimento de moléculas e iões necessário ao
equilíbrio do doente e as toxinas passam dos
capilares do peritoneu para essa solução (Figura 11).
Essas soluções contêm glicose (simples ou
polimerizada), cuja força osmótica permite a remoção
do excesso de água. Existem sacos com três
concentrações de glicose diferentes (1.5%, 2.3% e
4.25%), que são utlizados de acordo com a
ultrafiltração desejada. O gradiente osmótico e
químico entre a solução e o sangue esgota-se e, ao Figura 11 – Sistema de Diálise Peritoneal

fim de algum tempo, é necessário substituí-la para


voltar a haver gradiente e, consequentemente,
filtração. O líquido saturado de toxinas e com a água
retirada é então drenado. Primeiro drena-se o líquido
da permanência e depois infunde-se novo líquido.
Estas trocas repetem-se várias vezes ao dia, de
acordo com a prescrição médica. (Figura 12).

Figura 12 – Trocas na Diálise Peritoneal


Contínua Ambulatória
4.2.1. Modalidades de Diálise Peritoneal

A DP pode ser manual - Diálise Peritoneal Contínua Ambulatória (DPCA) - ou automática –


Diálise Peritoneal Automática (DPA) (Figura 13). Na DPCA o doente faz entre 3 e 5 trocas diárias
de sacos, sendo que cada permuta demora cerca de 30 min. A DP tem a grande vantagem de dar
autonomia ao doente. Quando é necessário aumentar a frequência para > 5 trocas, a qualidade
de vida fica significativamente comprometida, pelo que se torna mais cómodo que as trocas sejam
realizadas durante a noite, durante o sono. Neste caso, a transição para DPA poderá ser uma
vantagem.
Na DPA, o doente conecta-se à cicladora quando se deita, a máquina vai fazendo as
trocas durante a noite e de manhã o doente desconecta-se, podendo ficar ou não com líquido no
abdómen. A DPA também pode ser uma óptima opção para os doentes laboralmente activos e
que não têm disponibilidade ou condições para realizar DPCA.

NPNN 2020 112


Figura 13 – Modalidades de DP: DPCA e DPA

O carácter contínuo deste tratamento faz com que todas as variáveis bem como o estado
metabólico do doente tenham um padrão mais constante relativamente à HD. A complicação mais
típica e mais alarmante da DP é a peritonite, que requer tratamento rápido. Outras complicações
possíveis são infecções do orifício de saída ou do túnel, hérnias, fugas de líquido peritoneopleural
ou peritoneoinguinal, descontrolo glicémico, obesidade e a dislipidemia. O elevado risco CV a
longo prazo é, tal como na HD, o problema principal.

5. O TRANSPLANTE RENAL

O transplante renal é o método de substituição da função renal mais completo, porque


substitui todas as funções e não apenas a função depurativa. Em relação à diálise, está associado
a uma sobrevida do doente significativamente maior, maior qualidade de vida e menor risco
cardiovascular.
O transplante é possível de 2 formas: dador vivo ou dador cadáver. No processo de
seleção de um dador vivo, deve garantir-se que o dador é um indivíduo saudável, mentalmente
capaz de afirmar a sua vontade de doação, sem pressões de ordem emocional ou sócio-
económica. No caso da doação de rim ou fígado, em Portugal são aceites como possíveis
dadores, familiares, cônjuges, amigos ou qualquer outra pessoa, independentemente de haver
qualquer relação de parentalidade (Lei nº 22/2007, de 29 de Junho). Antes de ser aceite como
dador, o indivíduo é submetido a minuciosos exames físicos, laboratoriais, radiológicos e outros,
de forma a detetar quaisquer factores que possam tornar mais arriscada a doação no seu caso.
Qualquer pessoa, ao falecer, é um potencial dador de órgãos ou tecidos para transplante,
desde que, em vida, não se tenha manifestado contra esta possibilidade, nomeadamente através
de inscrição no Registo Nacional de Não-Dadores.

A probabilidade de um doente renal ser transplantado depende do aparecimento de um rim


compatível com os grupos sanguíneos AB0 e o maior número possível de compatibilidades HLA.

NPNN 2020 113


Cada centro transplantador tem a sua lista de candidatos ativos e, quando é colhido um rim,
atribui-o ao melhor receptor da sua lista.
O enxerto renal é normalmente colocado na fossa ilíaca, retroperitoneal, com anastomose
à artéria e veia ilíacas (Figura 14). A menos que haja conflito de espaço (por exemplo, na doença
renal poliquística), os rins nativos nunca são removidos. Se a nefrectomia de rins nativos for
necessária, tem que ser realizada de forma programada num período antes do transplante.

Em geral, os doentes candidatos a TR


têm até 65-70 anos. As contra-indicações para
são doença extra-renal crónica grave (cardíaca,
vascular periférica, pulmonar..), estados
inflamatórios e infeciosos ativos, neoplasias com
menos de 5 anos de follow-up, doenças renais
com probabilidade de recidiva no enxerto renal
de quase 100%, alterações urológicas não
corrigíveis ou incapacidade conhecida de o
doente cumprir a medicação imunossupressora.
Figura 14 – Localização mais comum do rim
transplantado (fossa ilíaca)

Ao receber um rim transplantado, o organismo vai reconhecê-lo como um “objeto” estranho


e, portanto, o seu sistema imunitário vai atacá-lo. O objetivo da imunossupressão é evitar esta
resposta imunológica. Os protocolos terapêuticos variam entre os centros, e, na maior parte das
vezes, assentam em dois ou três fármacos: os inibidores da calcineurina (ciclosporina, tacrolimus),
os inibidores da mTOR (sirolimus, everolimus), antiproliferativos (azatioprina, micofenolato de
mofetil) e corticóides.

As principais complicações do transplante renal são, além das complicações cirúrgicas e


da possibilidade de rejeição aguda, as infeções, neoplasias, os efeitos laterais e as interações
medicamentosas e a recorrência da doença renal primária. Um problema importante e ainda mal
resolvido é a rejeição crónica, que leva a perda de função do enxerto a longo prazo. O rim
transplantado funciona, em média, durante 10 anos.
Apesar destes problemas, o transplante renal é, sem dúvida, o método de substituição da
função renal que melhor se aproxima do orgão original, permitindo, quando não há complicações,
a melhor reabilitação.
A sobrevida global de um transplantado renal aos 5 anos é de 85-90%. A esperança de
vida é menor que a da população saudável, mas é muito maior que a dos doentes em diálise

NPNN 2020 114


6. A REALIDADE DE PORTUGAL

Os dados do gabinete de registo da Sociedade Portuguesa de Nefrologia mostram que, no


ano de 2018, estavam em TSFR 20.730 doentes, dos quais 62.7% em diálise (HD e DP) e 37.3%
transplantados renais.

Em 2018, 2.634 doentes iniciaram TSFR: 90.3% HD, 8.7% DP e em 1.0% dos doentes o
primeiro tratamento foi o transplante renal. Em 2018, encontravam-se a realizar HD 12.227 doentes,
distribuídos por 124 centros de HD e 787 doentes em DP, distribuídos por 25 unidades. No que
respeita à transplantação renal, existem em Portugal 8 centros capacitados para a sua realização.

Em 2018, foram efetuados 505 transplantes renais (446 de dador cadáver e 59 de dador
vivo) e cerca de 2000 doentes estavam em lista de espera. O número de transplantes renais de
dador vivo tem aumentado nos últimos anos, mantendo-se contudo ainda aquém da realidade de
outros países. Nesse sentido, nas últimas décadas verificou-se um esforço crescente dos
profissionais na sensibilização da população geral para a esta temática.

7. BIBLIOGRAFIA

1. Jurgen Floege, Richard J. Johnson and John Feehally. Comprehensive Clinical Nephrology. 5th edition, 2014

2. Scott Gilbert and Daniel E. Weiner. National Kidney Foundation Primer on Kidney Diseases. 6th edition, 2014

3. John T. Daugirdas, Peter Gerard Blake and Todd S. Ing. Handbook of Dialysis. 5th edition, 2015

4. Gabriel M Danovitch. Handbook of Kidney Transplantation. 5th edition, 2009

5. Registo da Sociedade Portuguesa de Nefrologia

http://www.spnefro.pt/tratamento_da_doenca_renal_terminal/2018/tratamento_da_irct/305

NPNN 2020 115


IX.

Alterações renais
nas doenças
Sistémicas

NPNN 2020 116


ALTERAÇÕES RENAIS
ALTERAÇÕES NAS
RENAIS NASDOENÇAS
DOENÇASSISTÉMICAS
SISTÉMICAS

Os rins são frequentemente envolvidos em diversas doenças sistémicas quer estas tenham
natureza inflamatória, infecciosa, secundárias à deposição de proteínas anómalas
(disproteinemias) ou microangiopatias trombóticas - síndrome hemolítico urémico (SHU).
Na maior parte das doenças sistémicas o glomérulo é a estrutura do parênquima renal
envolvida e a sua lesão traduz-se pelo aparecimento de hematúria e/ou proteinúria.
Contudo outras zonas do parênquima ou interstício renal também podem estar
envolvidas.
O reconhecimento da doença renal (alteração no exame de urina, azotemia) é, muitas
vezes, o primeiro achado que nos aponta o diagnóstico de doença sistémica, sobretudo na
presença de outra sintomatologia (sintomas constitucionais marcados e envolvimento de
outros órgãos e sistemas) não justificada pela doença renal isolada. Por outro lado, em
determinadas patologias sistémicas é obrigatório o despiste de envolvimento renal.

1. Doenças inflamatórias

1.Quadro resumo
Idade Sexo Síndrome Atingimento de outros orgãos
Nefrológico
Vasculite 5ª-7ª M>F • IRRP/LRA - Sintomas inespecíficos: astenia,
ANCA década • Hematoproteinúria mal-estar, febre, emagrecimento
- Artralgias
- Púrpura palpável
- Anemia NN
- Tracto respiratório superior:
estenose subglótica, sinusite,
rinite, otite média e inflamação
ocular
- Pulmonar: hemorragia pulmonar,
nódulos, cavitações
LES Jovens F>M • Hematoproteinúria Praticamente todos os órgão e
• IRRP/LRA sistemas
• Síndrome nefrótico • Sintomas inespecíficos: mal-estar,
• DRC febrícula, anorexia, perda de peso
• Alopecia
• Ulcerações nasais ou orais
• Artralgias ou artrite não
deformativa
• Fotosenssibilidade
• Fenómeno de Raynaud
• Rash malar
• Envolvimento neuropsiquiátrico:
cefaleias, coreia, coma e psicose
• Serosite: pleurite e pericardite
• Esplenomegalia e linfoadenopatia
• Anormalidades hematológicas:
anemia, leucopenia e
trombocitopenia.

NPNN 2020 117


1.A. Vasculites sistémicas

O envolvimento renal é frequente nas vasculites sistémicas, sobretudo nas vasculites de


pequenos vasos. Nas vasculites de grandes vasos (ex: Arterite Temporal ou Arterite de
Takayasu) a vasculite atinge predominantemente os vasos de grande calibre (aorta,
artérias renais) condicionando isquemia renal ou hipertensão reno-vascular. Nas
vasculites de pequenos vasos (Granulomatose associada a poliangeíte (anteriormente
denominada Granulomatose de Wegener), Poliangeíte microscópica, Púrpura Henoch-
Scholein, Crioglobulinemia) o envolvimento renal é muito mais frequente e atinge
sobretudo os capilares glomerulares, manifestando-se como glomerulonefrite.

Granulomatose associada a poliangeíte, Poliangeíte microscópica e Síndrome de


Churg-Strauss
Estas vasculites caracterizam-se por uma poliangeíte necrotizante que afecta geralmente
arteríolas, capilares e vénulas. A nível renal, o glomérulo é a estrutura renal
predominantemente atingida e manifesta-se como glomerulonefrite.
O diagnóstico do subtipo de vasculite baseia-se na sintomatologia acompanhante:
• Na Granulomatose associada a poliangeíte existe frequentemente atingimento do
tracto respiratório superior.
• No Síndrome de Churg-Strauss (CS) ocorre asma e eosinofilia.
• A Poliangeite Microscópica (PAM) ocorre na ausência evidente de GAP e de CS, isto
é, na ausência de asma, eosinofilia e sem evidência de lesões granulomatosas.

A GAP, CS, PAM estão associadas à presença de autoanticorpos séricos contra os


componentes do citoplasma dos neutrófilos: ANCA. Geralmente, estes anticorpos podem
ser dirigidos contra a mieloperoxidase (MPO), ou contra a proteinase 3 (PR3).
Observações in vitro sugerem que estes anticorpos activam os neutrófilos, e estes
provocam a lesões dos vasos.

Os doentes afectados geralmente encontram-se entre a quinta e sétima década de vida e


há um ligeiro predomínio no sexo masculino.
O envolvimento renal é muito frequente na Granulomatose associada a poliangeíte e na
Poliangeite microscópica, mas menor no Síndrome de Churg-Strauss. As manifestações
renais são consequência do envolvimento glomerular e incluem hematúria, proteinúria e
insuficiência renal (IR) que, na maior parte dos casos, tem uma evolução rapidamente
progressiva.
Sintomas gerais inespecíficos estão presentes e são bastante marcados. Os doentes
referem frequentemente mal-estar geral, febre, anorexia, emagrecimento e artralgias.
O envolvimento cutâneo é frequente e manifesta-se por púrpura palpável.
O atingimento pulmonar é mais frequente na Granulomatose associada a poliangeíte e no
Síndrome de Churg-Strauss. Quando ocorre atingimento pulmonar este pode apresentar-
se como hemorragia pulmonar. Na Granulomatose associada a poliangeíte e Síndrome de
Churg-Strauss podem, também, ocorrer nódulos pulmonares e cavitações que são a
tradução radiológica de lesões granulomatosas necrotizantes.
O comprometimento do tracto respiratório superior é mais frequente na GW e as suas
manifestações incluem estenose subglótica, sinusite, rinite, otite média e inflamação
ocular.
Outros órgãos e sistemas, nomeadamente coração, sistema nervoso periférico e
gastrointestinal, podem estar comprometidos mas com uma frequência muito inferior.
O tratamento de indução consiste na combinação de corticóides e ciclofosfamida. O
tratamento combinado induz remissão em aproximadamente 75% dos doentes aos 3
meses, e em 90% dos doentes aos 6 meses. A plasmaferese tem um papel importante no
tratamento de indução particularmente nos doentes dependentes de diálise e com

NPNN 2020 118


hemorragia pulmonar. Após 3 meses de tratamento, a ciclofosfamida é substituída por
azatioprina. Com um tratamento imunossupressor adequado, a sobrevida renal e do
doente após 5 anos é de cerca de 65 e 75%, respectivamente.
Factores presentes no momento de apresentação associados a mau prognóstico são idade
avançada, creatinina sérica elevada, hemorragia pulmonar e, especialmente dependência
de diálise.

1.B. Lúpus Eritematoso Sistémico

O Lúpus Eritematoso Sistémico (LES) é uma doença auto-imune que pode virtualmente
afectar qualquer órgão. Tipicamente tem um curso clínico com períodos de actividade da
doença seguidos de períodos de remissão.
A Nefropatia Lúpica (NL) é uma das manifestações mais graves do LES. O glomérulo está
geralmente atingido. Em alguns casos os vasos e os túbulos renais também podem
apresentar lesões.

Os doentes com nefropatia lúpica têm tipicamente autoanticorpos dirigidos contra dsDNA,
antigénio Sm e C1q, mas o papel patogénico destes autoanticorpos e dos imunocomplexos
que surgem têm sido debatido.

O LES é mais frequente nos indivíduos de raça caucasiana. Na raça negra as manifestações
são, em geral, mais graves. O sexo é o maior factor de risco para o desenvolvimento de LES,
sendo o sexo feminino atingido em 90% dos casos.
Cerca de 30 a 50% dos doentes com LES têm atingimento renal na apresentação da
doença. Contudo, o envolvimento renal pode manifestar-se mais tarde. Os achados mais
importantes são proteinúria, microhematúria e cilindros eritrocitários, hipertensão e IR
progressiva.
Muitos doentes apresentam-se com sintomas inespecíficos como mal-estar, febrícula,
anorexia, perda de peso. Podem também surgir alopécia, ulcerações nasais ou orais,
artralgias ou artrite não deformativa e vários achados cutâneos incluindo
fotosenssibilidade, fenómeno de Raynaud e o clássico rash malar. O envolvimento
neuropsiquiátrico é um dos mais importantes e pode manifestar-se por cefaleias, que
podem ser persistentes e muitas vezes migratórias, coreia, coma e psicose. A serosite pode
estar presente sob a forma de pleurite e pericardite e afecta mais de 40% dos doentes.
Esplenomegalia e linfoadenopatia estão presentes em ¼ dos doentes. As anormalidades
hematológicas são comuns nos doentes com lúpus e incluem anemia, leucopenia e
trombocitopenia.

Critérios para o diagnóstico de LES da


American College of Rheumatology

A presença de 4 ou mais destes critérios tem cerca de 96% de sensibilidade e


especificidade para o diagnóstico de LES
1. Rash Malar

2. Rash Discoide

3. Fotosensibilidade

NPNN 2020 119


4. Úlceras Orais

5. Atrite Não-erosiva

6. Pleuropericardite

7. Doença Renal

8. Distúrbios Neurológicos (convulsões, psicose na ausência de eventos precipitantes)

9. Anormalidades hematológicas (anemia hemolítica, leucopenia/linfopenia,

trombocitopenia)

10. Células LE positiva, aumento dos títulos de dsDNA, anti-SM presente, teste para o

treponema falso positivo)

11. ANA’s positivos na imunofluorescência

A abordagem terapêutica da nefropatia lúpica depende dos achados histológicos


encontrados na biópsia renal.
Nos casos com indicação terapêutica, o tratamento é dividido em duas fases: fase de
indução e manutenção. A fase de indução é crucial. Nesta fase a doença está muito activa e,
na maior parte dos casos, atinge vários órgãos e sistemas, pelo que a instituição de um
tratamento agressivo e eficaz é mandatória. Após os primeiros 3 meses de tratamento de
indução, segue-se a fase de tratamento de manutenção da doença. Nesta fase a protecção
contra os efeitos laterais do tratamento e a prevenção das recidivas são prioritários. Os
esquemas terapêuticos mais recentes incluem a utilização de ciclofosfamida na fase de
indução convertida posteriormente para azatioprina ou micofenolato mofetil. Outra opção
cada vez mais utilizada é a utilização do micofenolato mofetil como tratamento de indução
e manutenção. Os corticóides são utilizados, também, em todas as fases do tratamento.
Devem também ser instituídas medidas de profilaxia da doença cardiovascular e da
osteoporose, para além da instituição de medidas de renoprotecção.
Alguns achados epidemiológicos, clínicos e laboratoriais têm sido associados a um
prognóstico desfavorável: raça negra, baixo status sócio-económico, idade jovem (menos
de 24 anos), hipertensão, alta actividade na biopsia renal, presença de crescentes,
creatinina sérica e proteinúria na apresentação elevadas, anemia e trombocitopenia,
hipocomplementemia, aumento do dsDNA e atraso no início da terapêutica.

2. Doenças Infecciosas

Uma GN pode ocorrer em várias doenças causadas por bactérias, vírus, fungos e helmintas.
Em alguns casos o atingimento é subclinico e transitório; noutros conduzem a IR crónica
terminal (IRCT). A maioria das doenças renais associada a infecção é mediada por
imunocomplexos.

NPNN 2020 120


2.Quadro resumo
Idade Síndrome Padrão histológico Achados
Nefrológico laboratoriais
Infecção Criança • Síndrome nefrótico • GM • AgHBs +, anti-HBs
crónica s • Proteinúria +
HBV (Ásia) • DRC • Transaminases
N/
Adultos • Hematoproteinúria • GNMP • AgHBs +, anti-HBs
+
Hipertensão • Transaminases
aumentadas
Infecção • Hematoproteinúria • GNMP • Transaminases
crónica • Síndrome nefrótico • GM aumentadas
HCV • IR • Crioglubulinemi • Complemento
a (atingimento diminuido
Hipertensão cutâneo: púrpura)

Infecção • LRA • HIVAN


HIV • Síndrome nefrótico • GN por IC
• Distúrbios • MAT
electrolíticos • Pré-renal/NTA
GN pós Criança • Síndrome nefrítico • GNMP • Complemento
infecciosa s diminuido
(associada
a infecção
extra- Adultos • IRRP/LRA • GNMP • Complemento
renal) • Síndrome nefrítico diminuido

GM: glomerulopatia membranosa; GNMP: glomerulopatia membranoproliferativa; IR: insuficiência renal;


HIVAN: nefropatia associada ao HIV (HIV associated nephropathy); GN: glomerulonefrite; IC: imunocomplexos;
MAT: microangiopatia trombotica.

2. A. Hepatite B

A infecção aguda pelo HBV pode estar associada a uma doença do soro de curta duração:
urticária ou rash maculopapular, neuropatia, artralgias ou artrite, hematúria microscópica
e proteinúria não nefrótica. Geralmente este quadro resolve-se quando a hepatite melhora.
A associação de hepatite B crónica e doença glomerular está bem documentada. Os
portadores crónicos podem apresentar envolvimento glomerular e histologicamente
podem ser encontradas 2 tipos de lesão: Glomerulopatia Membranosa (GM), GN
Membranoproliferativa (GNMP).
A GNMP é a lesão glomerular mais observada nos adultos. Hematúria microscópica está
frequentemente presente, 53% dos casos têm hipertensão arterial e 20% IR. O AgHBs e o
anti-HBs estão sempre presentes. No momento da apresentação, os doentes podem não ter
história de doença hepática, mas geralmente têm transaminases elevadas. Se realizada a
biopsia hepática mostra hepatite crónica activa ou persistente e ocasionalmente cirrose.

NPNN 2020 121


A GM é mais frequente na Ásia. Tipicamente atinge crianças entre os 2 e os 12 anos de
idade, na maior parte dos casos do sexo masculino, com síndrome nefrótico, hematúria
microscópica e função renal normal. Outras apresentações clínicas incluem a proteinúria
assintomática e a IR crónica. Muitas vezes não há história ou evidência clínica de hepatite
e as enzimas hepáticas podem estar normais, mas AgHBs e anti-HBc estão presentes. O
AgHBe está presente em cerca de 80% dos casos. A biópsia hepática mostra hepatite
crónica persistente. Nas crianças geralmente resolve-se espontaneamente associando-se à
seroconversão para anti-Hbe positivo. Nos adultos a sua resolução é pouco comum e, na
maior parte dos casos, a doença progride.
O tratamento antiviral está recomendado nos adultos.

2.B. Hepatite C

Há relação forte e causal entre a infecção crónica pelo vírus da hepatite C (VHC) e doença
glomerular. Três tipos principais de doença renal têm sido reconhecidos: Glomerulonefrite
associado a crioglobulinemia, GN Membranoproliferativa e Glomerulopatia Membranosa.
A maior parte destes doentes têm evidência de doença hepática reflectida pela elevação
das concentrações de aminotransferases. Contudo, as aminotransferases séricas são
normais em alguns casos e uma história de hepatite aguda está muitas vezes ausente.
Assim, uma função hepática normal não excluiu a presença de VHC.

A Crioglobulinemia mista é uma vasculite sistémica que tipicamente está associada a


infecção crónica pelo HCV. Os doentes afectados tipicamente apresentam sintomas gerais
inespecíficos, púrpura palpável, necrose da pele de áreas expostas, presença de
crioglobulinas em circulação, hipocomplementemia (C4<C3) e doença renal. As
manifestações clínicas de doença renal incluem hematúria, proteinúria (que muitas vezes
é na faixa nefrótica), e insuficiência renal em graus variáveis.
A infecção pelo HCV é, também, responsável por muitos casos de GNMP que se apresenta
com hematoproteinúria, hipertensão e insuficiência renal e hipocomplementemia.
A infecção pelo HCV pode também estar associada a GM apresentando-se sobretudo como
proteinúria nefrótica.

Se é determinado que o grau de lesão hepática e/ou de outras manifestações extra-renais


não são uma indicação para terapêutica antiviral, a decisão de tratar baseia-se entre o
potencial benefício do tratamento da doença renal em relação ao seu potencial de
toxicidade. Assim como noutras formas de GNMP ou GM as principais indicações
terapêuticas são doença moderada a severa (síndrome nefrótico, elevação da creatinina
plasmática, hipertensão de novo) ou doença progressiva.
O tratamento da infecção crónica do VHC actualmente baseia-se em combinações de DAA
(direct acting antivirals) de acordo com o genótipo e a taxa de filtração glomerular que os
doentes apresentam. Esta terapêutica, muito recente ,associa-se a taxas de cura
muitíssimo elevadas e sustentadas. Os doentes com glomerulonefrite ou crioglobulinemia
associada ao HCV constituem um grupo prioritário para tratamento imediato com estes
novos fármacos.

2.C. Vírus de Imunodeficiência Humana Adquirida


A infecção pelo VIH está associada a um número variado de síndromes renais, incluindo a
nefropatia associada ao HIV, GN por imunocomplexos, microangiopatia trombótica, IR
aguda e distúrbios electrolíticos. Para além disso, outras nefropatias causadas por outro
tipo de infecção (HBV, HCV, sífilis) podem coexistir. Alguns fármacos utilizados no
tratamento da infecção podem também causar disfunção renal.

NPNN 2020 122


3. Disproteinemias

3.Quadro resumo

Idade Síndrome Atingimento de outros Exames complementares


média Nefrológico orgãos
Rim de 70 • IR • Sintomas gerais: fadiga, • Rins tamanho N ou
mieloma ou anos perda de peso aumentado
Nefropatia • Dores ósseas • Pesquisa proteínas
de cilindros combur: negativa
• Proteínas urinárias
aumentadas (à custa
de cadeias leves)
• Cálcio sérico
aumentado
• Ig monoclonal (sangue
e/ou urina)
• Lesões osteolíticas
• Citopenias
• Biópsia MO
Amiloidose
o AL 64 • Síndrome • Sintomas gerais: fadiga, • Rins tamanho N ou
anos nefrótico perda de peso aumentado
• Proteinúri • Cardíaco (principal • Ig monoclonal (sangue
a causa de morte): e/ou urina)
• IR cardiomiopatia restritiva • Anemia NN
ou dilatada, arritmias, • Biópsia MO
doença nó auricular
• GI: macroglossia,
distúrbios da motilidade,
má absorção,
hemorragia e obstrução,
hepatomegalia
• Sistema nervoso
periférico: neuropatia
sensitiva dolorosa
seguida de deficits
motores
• Sistema nervoso
autonómo: hipotensão
ortostática, ausência de
sudorese, distúrbios
gastrointestinais e

NPNN 2020 123


vesical e impotência
• Pele: púrpura (em redor
dos olhos), equimoses,
pápulas, nódulos e
placas na face e região
superior do tronco
o AA • Síndrome • Gastrointestinais: • Rins tamanho N
(associada a nefrótico distúrbios da motilidade, aumentada
doenças
crónicas
• Proteinúri má absorção
inflamatórias ou a • Hepatoesplenomegalia
infecciosas) • IR

3.A. Mieloma Múltiplo

O Mieloma Múltiplo é uma neoplasia hematológica pouco frequente em que ocorre a


produção monoclonal de uma imunoglobulina de forma desregulada. A produção
monoclonal de cadeias leves afecta particularmente o rim.

No momento do diagnóstico mais de 50% dos doentes com MM têm evidência de alteração
da função renal traduzida pela elevação dos níveis séricos de creatinina. Os doentes com
MM de cadeias leves e IgD apresentam um risco acrescido de doença renal.

A nefropatia de cilindros é uma lesão inflamatória túbulo-intersticial do rim.


Caracteristicamente, múltiplos cilindros proteináceus são identificados principalmente a
nível do túbulo distal. A persistência destes cilindros provoca uma reacção inflamatória de
células gigantes e atrofia tubular que caracterizam o rim de mieloma. Os glomérulos
geralmente têm uma aparência normal.

A idade média de apresentação dos doentes com MM é de 70 anos.


A maior parte dos doentes apresenta-se com sintomas constitucionais (fadiga e perda de
peso) e dores ósseas. A insuficiência renal é comum e as suas características inespecíficas.
Geralmente, os rins têm um tamanho normal e o sedimento é inactivo. A excreção urinária
de proteínas pode ser marcada dada a eliminação de cadeias leves. O exame de fita é
negativo uma vez que este detecta só albumina. Um cálcio sérico elevado, presença de
lesões osteolíticas, hipogamaglobulinemia ou níveis das outras Ig diminuídos e citopenias
significativas são chaves que nos podem levar ao diagnóstico de MM.

O tratamento do rim de mieloma passa pelo tratamento da doença hematológica, pela


identificação atempada e tratamento de possíveis factores contribuidores da disfunção
renal, presentes em cerca de metade dos doentes. Os factores precipitantes mais comuns
são: hipercalcemia, sépsis e o uso de anti-inflamatórios não-esteróides.

A maior parte dos doentes, após o tratamento ou eliminação dos factores precipitantes da
IR (suspensão de nefrotóxinas, hidratação, tratamento da hipercalcemia, tratamento da
sépsis) e redução da carga de CL através da quimioterapia apresenta uma resposta
favorável com recuperação da função renal. Contudo, cerca de 10% evoluem para IRCT.

3.B. Amiloidose

A Amiloidose caracteriza-se pela deposição de proteínas anómalas no espaço extracelular.


As fibrilas amilóides são lineares, não ramificadas, com configuração beta pregueada. O

NPNN 2020 124


potencial amiloidogénico está aumentado quando há um excesso de produção de
proteínas, uma alteração na eliminação do precursor proteico ou por mutações
transmitidas geneticamente.
A classificação do tipo de Amiloidose depende do tipo de proteína precursora. As mais
frequentes são a Amiloidose L (AL), cuja proteína anómala é uma cadeia leve de
imunoglobulinas, e a Amiloidose A (AA) cuja proteína anómala é uma proteína de fases
aguda A. Em Portugal, a Paramiloidose familiar secundária à deposição de uma proteína
anómala de transtirretina também é uma causa frequente de amiloidose.

Devemos suspeitar de amiloidose nas seguintes situações:


- presença de albuminúria em não diabéticos
- cardiomiopatia não isquémica (especialmente se o ecocardiograma mostrar
hipertrofia ventricular esquerda concêntrica)
- aumento do pró-BNP na ausência de doença renal ou cardíaca
- hepatomegalia
- aumento da FA sem dilatação do tracto biliar
- neuropatia autonómica ou periférica sem causa evidente
- lesões tipo púrpuricas na face e pescoço
- macroglossia

Amiloidose AL
A idade média de apresentação da AL ocorre em média aos 64 anos de idade, com
predomínio no sexo masculino.
As manifestações renais incluem proteinúria, síndrome nefrótico e pode ocorrer IR.
Tipicamente, não cursa com hematúria.
As queixas principais são fraqueza e perda de peso. A amiloidose AL pode infiltrar
qualquer órgão com excepção do cérebro. Quando ocorre envolvimento cardíaco podemos
encontrar uma cardiomiopatia restritiva ou dilatada, arritmias e doença do nó auricular. A
patologia cardíaca é responsável por cerca de metade das mortes ocorridas nestes
doentes. Macroglosia, distúrbios da motilidade, má absorção, hemorragia e obstrução
surgem quando ocorre infiltração do tracto gastrointestinal. O envolvimento do sistema
nervoso periférico é responsável por uma neuropatia sensitiva dolorosa seguida de
deficits motores. A neuropatia autonómica é responsável por hipotensão ortostática,
ausência de sudorese, distúrbios gastrointestinais e vesical e impotência. Podem ocorrer
alterações cutâneas como púrpura (em redor dos olhos), equimoses, pápulas, nódulos e
placas na face e região superior do tronco.
O diagnóstico de amiloidose AL deve ser considerado em qualquer doente que se
apresente com proteinúria nefrótica com ou sem IR, cardiomiopatia, neuropatia periférica,
hepatomegalia ou neuropatia autonómica.
A AL é uma das complicações mais graves da discrasias de células plasmáticas. A sobrevida
média é de cerca de 10 meses. O envolvimento cardíaco com insuficiência cardíaca
congestiva e arritmias contribui para cerca de 40% das mortes.
O objectivo do tratamento é a eliminação do clone de células plasmáticas. Os doentes com
AL devem ser submetidos a quimioterapia dada a melhoria da sobrevida nos
respondedores. A resposta terapêutica baseia-se na resposta hematológica
(desaparecimento de proteína monoclonal do soro e urina, normalização da razão das
cadeias leves livres séricas e menos de 5% de células plasmáticas na biopsia da medula
óssea) e dos órgãos envolvidos.

Amiloidose AA
A AA desenvolve-se em cerca de 5% dos doentes com elevação sustentada da proteína
amilóide sérica A. Os doentes em risco são aqueles com doenças inflamatórias ou

NPNN 2020 125


infecciosas crónicas, o período de latência entre o inicio da infecção/inflamação e o
diagnostico de amiloidose AA pode variar de menos de 1 ano até várias décadas, com uma
média de cerca de 17 anos.
O rim é o principal alvo da AA. A disfunção renal pode ser aguda com síndrome nefrótico
ou pode ser insidiosa. Os distúrbios gastrointestinais e a hepatoesplenomegalia são a
seguir as manifestações mais frequentes. Em contraste com a AL, a insuficiência cardíaca
congestiva, a neuropatia periférica, a macroglossia e o síndrome do túnel cárpico ocorrem
menos frequentemente.
O tempo de sobrevida dos doentes com AA é geralmente superior ao dos doentes com AL.
Tal como na AL, uma creatinina sérica elevada e uma albumina sérica baixa são factores de
mau prognóstico. As principais causas de morte são as infecciosas e as complicações
relacionadas com a diálise.
O tratamento das doenças subjacentes é fundamental. No caso de se tratar de doenças
inflamatórias deve-se tentar atingir níveis de proteína sérica A inferior a 5mg/L. Um novo
fármaco – eprodisato de sódio pode ser considerado em determinadas situações
(clearance superior a 25ml/min, proteinúria >1g/dia) e integrado em estudos clínicos.

4. Síndrome hemolítico urémico


Surge após lesão das células endoteliais que conduz à formação de trombos na
microvasculatura com consequente consumo de plaquetas e destruição de glóbulos rubros
(anemia hemolítica microangiopática) – o conjunto destas alterações traduz-se
histologicamente por microangiopatia trombótica (MAT).
Clinicamente, o SHU distingue-se da púrpura trombocitopenica trombótica (PTT) por
haver sobretudo compromisso renal no SHU e do sistema nervoso central (SNC) na PTT.
Outras doenças sistémicas ou situações que podem cursar com MTA são: o síndrome
antifosfolípidio, esclerodermia, hipertensão maligna, infecção pelo HIV, neoplasias e
gravidez.
Na idade pediátrica, sobretudo inferior a 2 anos, o SHU é sobretudo secundário a uma
infecção gastrointestinal por estirpes de E.Coli (toxina Shiga) ou Shigella dysenteriae
produtoras de potentes toxinas SHU D+. Nos adultos as formas idiopáticas ou familiares
são mais frequentes, sobretudo as relacionadas com alterações das proteínas do
complemento – SHU atípico (SHUa).

4.Quadro resumo

Síndrome Nefrológico Sintomatologia Exames complementares


acompanhante
SHU • LRA - Raramente: Deficits • Anemia hemolitica
neurológicos; - anemia
- Convulsões e coma – - bilirrubina (indirecta)
associadas a HTA elevada
severa ou refractária - reticulocitose
- SHU D+: precedido de - haptoglobulinas elevada
diarreia, vómitos. - DHL elevada
- Febre • Trombocitopenia
- Envolvimento • Esquizócitos
cardíaco: arritmias, • Teste de Coombs negativo
morte súbita, EAM, • C3 diminuído (ocasionalmente)
choque cardiogénico, • Valores de: tempo de
ICC. protrombina, tempo de
tromboplastina, factor V, Factor
VIII e fibrinogénio: normais

NPNN 2020 126


• Urina II: proteinúria e
eritrocitúria; Uprot/creat: 1-2;

Na maior parte das situações, não é efectuada biópsia renal pela trombocitopenia
associada

Em termos de tratamento, a presença de anemia hemolítica microangiopática e


trombocitopenia, sem outra causa associada, são suficientes para estabelecer o
diagnóstico de SHU/MAT e indicar a necessidade de iniciar tratamento com plasmaferese.
No caso do SHU D+:
- Tratamento de suporte;
- Pausa alimentar – em caso de colite enterohemorrágica;
- Devem ser evitados os antibióticos – excepto se associada a infecção por Shigella ou
bateriémia sistémica severa por E.Coli;
- Considerar plasmaferese se:
o Adultos: sinais neurológicos ou azotemia severa
o Crianças: anúria
- Geralmente tem bom prognótico.
No caso do SHUa
- Tratamento de suporte;
- Plasmaferese;
- Eculizumab – após comprovação da alteração da proteína do complemento por testes
genéticos; extremamente dispendioso.
A contagem de plaquetas e os níveis de DHL sérica são úteis para o diagnóstico e
monitorizar a resposta ao tratamento.

Bibliografia:
Hawkins P e tal. Natural History and Outcome in Systemic AA Amyloidosis. N Eng J Med; 356:2361-71; 2007
Arthur Gillmore, J.D. and Hawkins, P.N. Nat Rev Nephrol. 9, 574-586; 2013
Greenberg ed. Primer on Kidney Diseases 4th. Elsevier, 2005
Daugirdas John et al. Handbook of Dialysis, 4th Edition, Lippincott Williams and Wilkins, 2007
Richard J. Johnson John Feehally . Comprehensive Clinical Nephrology, 4rd ed, Elsevier, 2010
Up toDate 2013
Norma DGS 011/2012 actualizada a 30.04.2015

NPNN 2020 127


X.

Nefropatia
Diabética

NPNN 2020 128


DOENÇA RENAL DIABÉTICA
Clinicamente a Nefropatia Diabética é caracterizada pela presença de albuminúria, sendo resultado de
um conjunto de lesões glomerulares, túbulo-intersticiais e da vasculatura renal que se podem
desenvolver quer na DM tipo 1 quer na DM tipo 2.

Na sua forma clássica está geralmente associada ao aumento progressivo da albuminúria,


desenvolvimento de hipertensão arterial (HTA), e, posteriormente, a um declínio lento e progressivo da
taxa de filtração glomerular (TFG).

Nos últimos anos tem sido, no entanto, proposta outra entidade de doença renal associada à Diabetes
Mellitus que não cursa com proteinúria e que parece associar-se a lesões de caráter principalmente
vascular e a alterações histopatológicas ainda não totalmente estabelecidas, mas com menor tradução
no glomérulo.

Neste âmbito, tem sido aplicado o termo “Doença Renal Diabética” para englobar quer a via
albuminúrica quer a via não albuminúrica da nefropatia, uma vez que a expressão Nefropatia Diabética
tende a remeter classicamente para a primeira entidade.

Neste capítulo, abordaremos a ND na sua conceção clássica, para a qual as guidelines atuais se
dirigem na generalidade.

Epidemiologia

A ND é a principal causa de doença renal crónica, incluindo a DRC estadio 5. Em Portugal é a etiologia
em cerca de 30 a 34% dos doentes que iniciam terapêutica de substituição da função renal (TSFR).

O risco de desenvolver ND parece ser igual na DM tipo 1 ou tipo 2 mas dada a elevada prevalência da
DM tipo 2 (90%), a maior parte dos doentes com ND tem DM tipo 2. Contudo, apenas 20 a 40% dos
doentes diabéticos irão desenvolver nefropatia.

Factores de Risco

Estão descritos vários factores de risco para o desenvolvimento de ND, dos quais se salientam:

▪ Factores genéticos: a incidência da ND está aumentada na raça negra e noutros grupos raciais o que
sugere a existência de diferenças genéticas. Por outro lado também parece haver agregação familiar
dos casos de ND. Doentes com DM que tenham familiares em primeiro grau com ND tem um risco
aumentado de desenvolver ND em relação a doentes sem familiares afetados. Estão em curso estudos
que procuram identificar os fatores genéticos envolvidos no desenvolvimento da ND, mas tem sido difícil
a sua identificação até porque provavelmente estarão envolvidos múltiplos genes e estes poderão ser
diferentes entre populações diferentes.

▪ Controlo Glicémico: a ND tem maior probabilidade de ocorrer em doentes com pior controlo glicémico.

▪ Hipertensão Arterial: a ocorrência de ND é mais frequente em doentes com HTA.

▪ Obesidade: um índice de massa corporal elevado está associado a risco de doença renal crónica.

▪ Tabagismo: o tabagismo está associado a uma variedade de efeitos adversos na DM que incluem
evidência de aumento da albuminúria e risco de DRC 5.

Patofisiologia

Embora existam vários fatores envolvidos na patogénese da ND, esta resulta principalmente das
alterações provocadas a longo prazo pela hiperglicemia. A concentração elevada de glicose está

NPNN 2020 129


associada à geração e circulação de produtos de degradação da glicose, ao aumento de fatores de
crescimento e a alterações hemodinâmicas e hormonais que levam à libertação de mediadores
inflamatórios e de radicais livres de oxigènio. Em conjunto, estes fatores provocam hiperfiltração
glomerular, hipertensão glomerular, hipertrofia renal e alteração da composição glomerular, o que se
manifesta clinicamente por albuminúria e hipertensão.

A hiperfiltração glomerular é comum nas fases iniciais da DM e deve-se ao aumento de fluxo a nível da
arteríola aferente e vasoconstrição da arteríola eferente, que são provocadas por mediadores
vasoativos. entre os quais o TGF β, insulin-like growth factor 1 (IGF-1), vascular endotelial growth factor
(VEGF), óxido nítrico, prostaglandinas e glucagon. A importância da hiperfiltração e hipertensão
glomerular na ND é reforçada pelos efeitos benéficos do bloqueio do SRAA na história natural da
doença.

A ND está também associada a alterações a nível tubular, nomeadamente, reabsorção tubular


aumentada de sódio a nível do tubo contornado proximal.

Histopatologia

As alterações histopatológicas características da ND são observadas mesmo antes do desenvolvimento


de albuminúria. As alterações glomerulares principais são a expansão mesangial (Fig.1), e o
espessamento da membrana basal glomerular. Por vezes a expansão mesangial pode ter aparência
nodular (lesão de Kimmelstiel-Wilson) (Fig. 2). Lesões a nível da arteriola aferente e eferente são
também comuns e traduzem-se por depósitos de material hialino.

Fig 1 - Expansão mesangial difusa Fig 2 -Glomerulosclerose nodular

A patologia tubulointersticial é vista precocemente na ND e correlaciona-se com o prognóstico. Os


mecanismos patológicos subjacentes à fibrose tubulointersticial e à atrofia tubular são semelhantes aos
subjacentes à doença renal progressiva não diabética.

História Natural da Doença

A história natural da nefropatia diabética na DM1 e na DM2 parece ser semelhante. No entanto, está
melhor caracterizada nos doentes com DM1, uma vez que na maior parte das vezes não se identifica o
momento preciso do início da DM2 e por isso, estes doentes podem permanecer com hiperglicemia não
diagnosticada durante vários anos. Daí que no momento do diagnóstico, cerca de 5 a 20% dos doentes
com DM2 têm já uma excreção anormal de albumina.

O sinal mais precocemente detetável de ND é a excreção de quantidades muito pequenas de albumina


na urina (microalbuminúria, 30 -300mg/g creatinina), e esta precede o desenvolvimento de proteinuria
estabelecida (macroalbuminúria, >300mg/g creatinina). Posteriormente há declinio progressivo da TFG.

A microalbuminuria reflete disfunção endotelial generalizada, e está não só associada a risco de lesão
renal progressiva como se associa também a maior risco cardiovascular e de mortalidade, sendo esse

NPNN 2020 130


risco tanto maior quanto mais elevado for o grau de proteinúria.

A história natural da ND (Figuras 3 e 4), tal como foi descrita antes da implementação da terapêutica
atual, pode ser dividida em 5 estadios, de acordo com a excreção de albumina urinária, pressão arterial
sistémica e taxa de filtração glomerular.

Fig. 3.

História natural da DM tipo 1

Estádio 1: Hipertrofia/hiperfiltração: caracteriza-se pela hipertrofia e hiperfunção renal. Cerca de 50%


dos doentes com DM1, com menos de 5 anos de evolução, têm uma TFG elevada (25-50% acima do
normal). A hiperfiltração glomerular está associada a hipertrofia glomerular e ao aumento do tamanho
renal.

Estádio 2: Fase silenciosa: neste estádio surgem alterações histopatológicas (proliferação mesangial
e espessamento da MBG ), contudo a excreção de albumina e a pressão arterial (PA) são ainda
normais.

Estádio 3: Nefropatia incipiente: ocorre em geral 5 anos após o início da DM. Caracteriza-se pela
excreção persistente de albumina entre 30 a 300mg/dia (microalbuminúria). A TFG geralmente tem
valores normais. Em alguns doentes cursa com HTA. As lesões glomerulares tendem a ser mais
graves, Neste estádio também já se podem verificar outras complicações da DM como retinopatia,
doença vascular periférica, doença coronária e doença cerebrovascular.
Estádio 4: Nefropatia estabelecida: ocorre entre 10 a 20 anos após o início da DM. A ND
estabelecida surge quando a excreção de albumina é superior a 300mg/dia. Pode evoluir para
sindrome nefrótico. A HTA está presente em 75% dos doentes e a dislipidemia é comum. A TFG declina
cerca de 10ml/min/ano. Esta taxa de declínio está fortemente correlacionada com a presença de HTA.

Estádio 5: Insuficiência renal crónica terminal: Ocorre cerca de 5 a 15 anos após o desenvolvimento
da proteinúria estabelecida.

NPNN 2020 131


Fig 4. Evolução da Nefropatia diabética
(Radica Z. Alicic et al. CJASN 2017;12:2032-2045)

Dados de estudos mais recentes sugerem que, pelo menos na DM tipo 1 e possivelmente também na
DM tipo 2, alguns dos indivíduos que desenvolvem microalbuminuria podem reverter para uma
excreção normal de albumina na urina (fig. 5). Além disso, a progressão para DRC estadio 5 é,
atualmente, menos frequente e a taxa de progressão mais lenta.

Figura 5. Visão atual da evolução da nefropatia diabética.

Diagnóstico

Para fazer o diagnóstico de Nefropatia Diabética (na sua conceção “clássica”) é necessária a presença
de excreção aumentada de albumina em pelo menos duas a três amostras ocasionais de urina,
espaçadas por 3 a 6 meses, tendo também em conta, pelo menos na DM tipo 1, a evolução temporal
descrita anteriormente.

Existem fatores confundidores que podem causar albuminúria transitória e que devem ser excluídos,
nomeadamente:
- febre,
- exercício físico vigoroso,
- infecção do trato urinário
- insuficiência cardíaca descompensada,
- HTA não controlada,
- hiperglicemia não controlada.

Os doentes com DM1 geralmente apresentam retinopatia antes do início da nefropatia (85-99%). Desta
forma, os doentes com DM1 com ND quase sempre apresentam retinopatia, apesar de o contrário poder
não ocorrer (um número importante de doentes com retinopatia não terá envolvimento renal). A relação
entre nefropatia e retinopatia é menos previsível na DM2; aqui a retinopatia estará presente em apenas
cerca 60 a 65% dos doentes com ND, pelo que a sua ausência não exclui o diagnóstico.

Num doente diabético a presença de proteinúria nem sempre traduz a presença de ND. A exclusão de
outras glomerulopatias (nomeadamente por biópsia renal) deve ser considerada nas seguintes
situações:
• DM1 com proteinúria, na ausência de retinopatia;
• Início agudo da doença renal, síndrome nefrótico abrupto ou evolução atípica;
• Pesença de hematúria macroscópica ou de um sedimento urinário activo

NPNN 2020 132


Rastreio

Para uma detecção precoce da nefropatia e estabelecimento de um programa de prevenção eficaz está
recomendado avaliar anualmente a albuminúria e creatininémia / TFGe com início:
• na DM1 com ≥5 anos de duração;
• na DM2 ao diagnóstico.

A determinação da razão albumina/creatinina numa amostra ocasional de urina é o melhor método de


rastreio para todos os doentes diabéticos, uma vez que se correlaciona razoavelmente bem com a
proteinúria obtida na urina de 24h, sendo ao mesmo tempo de fácil colheita e pouco dispendioso. A
presença de albuminúria deverá ser confirmada em duas ou mais amostras nos 3 a 6 meses seguintes.

Tratamento e Prevenção

Intervençao não farmacológica

Intervenções não farmacológicas que implicam alterações no estilo de vida devem ser encorajadas e
são fundamentais no tratamento da diabetes. Estas incluem o seguimento de um plano alimentar
adequado, a promoção de exercício físico regular, a obtenção e manutenção de um índice de massa
corporal adequado e a cessação tabágica.

Controle glicémico

Vários estudos mostraram o efeito benéfico do controlo apertado da glicemia na redução do risco e na
diminuição da progressão das complicações microvasculares da diabetes, não só da nefropatia mas
também da retinopatia e neuropatia.

O controlo apertado da glicemia não só reduz a ocorrência de proteinúria como mostrou estabilizar ou
mesmo poder reverter a microalbuminúria, efeito que pode demorar vários anos a ter expressão clínica.
A principal evidencia relativa à efecácia do controle glicemico no desenvolvimento da nefropatia na DM
1, surge a partir do estudo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) que comparou 2 grupos de
doentes: um com controle intensivo da glicemia (obj: HbA1c < 6.05%) versus um grupo com controle
“convencional” da glicemia (HbA1c média de 9%). O grupo com controle intensivo teve uma redução do
risco relativo de desenvolvimento de microalbuminuria de 39% e uma redução do risco relativo de
desenvolvimento de macroalbuminúria de 56%. Na DM 2 o controle intensivo da glicemia (obj. HbA1c de
7%) também mostrou ser benéfico na prevenção da nefropatia, tal como foi demonstrado no estudo UK
Prospective Diabetes Study (UKPDS).

Em geral, o valor alvo de HbA1c deve ser inferior a 7%,. Valores alvo mais baixos (<6.5%) podem ser
apropriados se forem conseguidos sem um risco elevado de hipoglicemia, em doentes jovens, com DM
de curta duração, esperança de vida elevada e sem DCV significativa
Por outro lado, um alvo mais conservador, de HbA1c <8%, deve ser considerado em indivíduos mais
idosos, com história de episódios de hipoglicemia grave, com complicações micro e macrovasculares
avançadas, esperança de vida reduzida e comorbilidades significativas. Este é assim o valor alvo na
maioria dos doentes com DRC avançada.

O resultado dos estudos recentes com inibidores do SGLT2 parecem tornar esta classe de
medicamentos altamente promissora na prevenção e/ou redução progressão da nefropatia diabética,
efeitos estes que parecem ser diretos , isto é independentes do .efeito glicémico.
Dados do estudo EMPA – REG e do estudo CANVAS sugerem que quer a empagliflozina quer a
canagliflozina parecem reduzir o risco relativo de agravamento ou aparecimento de nefropatia diabética
e ter efeito benéfico na diminuição da redução da TFG em comparação com o placebo. Mais
recentemente dados do estudo DECLARE-TIMI 58 com a dapagliflozina mostraram também uma
redução da progressão da doença renal diabética.
Embora estes resultados sejam notáveis, é preciso ter em conta que por um lado a maioria dos doentes
incluídos nestes estudos não tinha evidência de doença renal diabética (definida com TFG < 60ml/m
e/ou albuminúria) e por outro são outcomes secundários. Daí que seja preciso esperar pelos resultados
dos estudos já em curso em doentes com doença renal estabelecida, para se tirarem conclusões

NPNN 2020 133


definitivas.

Também resultados de estudos com os agonistas GLP1 (LEADER e SUSTAIN-6) sugerem beneficio
destes fármacos na progressão da nefropatia diabética. Mais uma vez são outcomes secundários que
necessitam ser confirmados.

Em face destes resultados é atualmente recomendado que em doentes com doença renal diabética seja
considerada a utilização de um inibidor da SGLT2 ou de um agonista do GLP1, em associação com a
metformina, se possível o uso desta e se necessário para obter um controle glicémico adequado, com o
objetivo de reduzir o risco ou a progressão da doença renal diabética.

Particularidades dos ADO:

Metformina: a metformina adquire concentrações séricas aumentadas na DRC, aumentando a


frequência e a gravidade dos efeitos adversos, nomeadamente da acidose láctica, que embora rara, é
potencialmente fatal. Recomenda-se:
• Redução da dose se TFGe <60 ml/m/1,73m2
• Descontinuação em doentes com TFG < 30 ml/m/1,73m2;
• Instruir os doentes para suspender temporariamente a metformina na presença de
provável desidratação, quando submetidos a exames com contraste, em situações com um risco
elevado de LRA, ou em doentes instáveis/em regime de internamento.

Sulfonilureias, a glipizida e a gliclazida são as sulfunilureias de escolha na DRC. A primeira não


precisa de ajuste de dose. A gliclazida deve ser iniciada com dose baixa e aumentada gradualmente. A
gliblenclamida e a glimepirida originam metabolitos ativos devendo ser reduzidas em 50% quando TFG
<60 ml/m/1,73m2 e suspensas se TGF <30 ml/m/1,73m2.

Inibidores da DPP-4 podem ser usados com segurança na DRC em todos os seus estadios. A
linagliptina não necessita de ajuste de dose à função renal, as restantes sim.

inibidores da SGLT2 – a canagliflozina e a empagliflozina podem ser usadas em doentes com TFG >
45ml/m, devendo a dose ser ajustada. Não devem ser iniciadas com TFG < 45ml/m. O uso de
dapagliflozina não é recomendado em doentes com TFG < 60ml/m. Existe risco de cetoacidose e de
ITU associado a estes agentes, bem como de candidiase vulvovaginal. Por provocarem diurese
osmótca, em doentes idosos, doentes medicados com diuréticos ou inibidores do sistema RAA podem
causar hipotensão sintomática.

Agonistas dos recetores da GLP há pouca experiência na DRC. O exenatide e o lixisenatide não
devem ser usados em doentes com TFG < 30ml/m.

Tiazolidinedionas (glitazonas) – pioglitazona e rosiglitazona – associaram-se a osteopenia e fraturas


patológicas na DRC, não estando por isso aconselhadas. Além disso, não devem ser usadas na
presença de doença renal crónica ou patologia cardíaca por provocarem retenção hidrossalina e edema

Inibidores da alfa-glucosidase (acarbose) são contra-indicados em geral na DRC. No entanto,


algumas guidelines recentes advogam o seu uso em dose baixa (<50mg/dia) mesmo na presença de
DRC avançada.

Meglitinidas (glinidas) – nateglinida – são fármacos secretagogos de insulina com mecanismo de ação
mais rápida e breve que as sulfonilureias e menor risco de hipoglicemia. Estão desanconselhadas na
DRC por haver experiência limitada.

Controlo da tensão arterial

A hipertensão (>140/90mmHg) é comum tanto na DM 1 como na DM2 e normalmente está associada a


expansão de volume e sensibilidade ao sal. É um importante factor de risco quer para doença
cardiovascular quer para doença renal diabética. Numerosos estudos demonstraram o efeito benéfico
da redução da pressão arterial na redução dos eventos cardio-vasculares e na redução das
complicações microvasculares.

NPNN 2020 134


Valores alvo de TAS <130mmHg e TAD <80mmHg estão recomendados em doentes com albuminúria
ou diminuição da TFG, se alcançados em segurança. Contudo nos idosos valores de TA<130/70mmHg
não estão recomendados como alvo
O tratamento da HTA na DM na presença de albuminúria deve incluir uma IECA ou ARA II. A
combinação destes fármacos não está recomendada. Geralmente é necessário mais de um fármaco, de
classes diferentes, incluindo um diurético, para atingir estes objetivos. Na presença de sindrome
nefrótico e/ou a DRC em geral é necessária a utilização de diuréticos de ansa, para controlo da
retenção de fluidos e da hipertensão. Com a optimização do controlo da TA, é possível diminuir a taxa
de progressão da DRC de cerca de12ml/min/ano para cerca de 5ml/min/ano.

Renoproteção com bloqueio do sistema renina angiotensina (SRA)

O bloqueio do SRA com IECA ou ARA II confere renoproteção que é independente da redução da TA.
De facto a medida isolada mais eficaz para atrasar a progressão da ND é o bloqueio do SRAA.
Nos doentes com “macroalbuminúria” e7ou redução da TFG há forte evidência de que os IECA na DM1
e os ARA II na DM2 conferem benefício quer em termos de progressão da nefropatia, redução da perda
de TFG e evolução para DRCT.
Apesar do efeito renoprotetor dos fármacos inibidores do SRAA estar melhor estabelecido para os IECA
na DM1 e para os ARA II na DM2, as guidelines internacionais têm preconizado o início de IECA ou
ARA II indistintamente, seja na DM1 ou na DM2, na presença de macrolbuminúria ≥300mg/g
(recomendação forte) mesmo em doentes normotensos, como medida renoprotetora. Nos casos de
microalbuminúria (≥30-299mg/g), o início de IECA/ARA II em doentes normotensos também está
recomendado, dados os benefícios potenciais e o baixo risco.

O quadro seguinte resumo os estudos mais significativos do bloqueio do SRAA na DM:

Embora a combinação de agentes que atuam no SRAA (IECA + ARA II) tenha demonstrado uma
redução significativa da albuminúria em comparação com qualquer um dos agentes isoladamente, esta
não está recomendada nos doentes diabéticos, por não haver evidência de maior benefício a longo
prazo, quer cardiovascular quer na progressão da DRC, e por serem maiores os afeitos adversos
associados – hipercaliémia, síncope e disfunção renal.

O inicio de farmacos inibidores do SRAA não está recomendado na prevenção primária da DRC nos
doentes diabéticos normotensos, normoalbuminúricos e com TFGe normal.

NPNN 2020 135


O objetivo é reduzir a excreção de proteínas para valores entre 500-1000mg/dia mas dada a dificuldade
em obter estes valores, a redução mínima de 60% na excreção de proteínas é recomendada. Se valor
alvo da proteinúria não for conseguido após o alvo da TA ter sido atingido e/ou após inicio prévio de
IECA ou ARAII, sugere-se associar um bloqueador dos canais de cálcio do grupo não dihidropiridina
(diltiazem ou verapamil), caso o doente não esteja a ser tratado com betabloqueador. O diltiazem e o
verapamil são também eficazes na redução da excreção de proteínas em doentes diabéticos e os seus
efeitos antiproteinúricos são aditivos

Controlo lipídico

O início de estatina deve ser instituído de acordo com o risco CV e está recomendado como prevenção
primária (cardiovascular) em praticamente todos os DRC em estadios precoces. O início de estatina em
estadios mais tardios (DRC 5 pré-diálise) deve ser considerado, mas após início de diálise não está
indicado instituir estatina como prevenção primária.
A manutenção da estatina após o início de TSFR em doentes previamente medicados com o fármaco
deve ser avaliada caso a caso. A combinação estatina + ezetimibe pode ser útil na redução alvo de risco
CV, e pode ser usada na DRC em todos os estadios.
Os fibratos podem ser considerados nas situações em que a hipertrigliceridemia é mais preponderante,
mas apresentam potencial de toxicidade renal e são em geral desaconselhados na DRC.

Referências
• American Diabetes Association. Standards of Medical Care in Diabtes – 2019. Diabetes Care. 2019;
Jan; 42(Supplement 1):S124-S138.
• Uptodate on Diabetic Nephropathy: Core Curriculum 2018, AJKD XX(XX) 1-12, 2017
• Comprehensive Clinical Nephrology, 6th Edition

NPNN 2020 136


XI.

Diuréticos

NPNN 2020 137


Diuréticos
INTRODUÇÃO

Os diuréticos estão entre os fármacos mais utilizados na prática clínica.


Atuam diminuindo a reabsorção de sódio em diferentes locais do nefrónio, aumentando assim
a excreção urinária de sódio e água. A capacidade para induzir um balanço negativo, torna os
diuréticos úteis para o tratamento de uma variedade de patologias, em particular hipertensão
arterial (HTA) e estados edematosos.

TIPOS DE DIURÉTICOS

Os diuréticos são divididos em quatro classes principais, tendo em conta o local de ação, onde
eles diminuem a reabsorção de sódio:

1. Acetazolamida– atua no túbulo proximal;

2. Diuréticos da ansa – atuam no segmento


espesso do ramo ascendente da ansa de Henle;

3. Diuréticos tiazídicos – atuam no túbulo


contornado distal;

4. Diuréticos poupadores de potássio – atuam


nas células principais do túbulo coletor cortical.

Fig. 1 – Local de ação diuréticos


(referência 2)

NPNN 2020 138


1. ACETAZOLAMIDA

Local de ação: túbulo contornado proximal.


Mecanismo de ação: inibe a atividade da anidrase carbónica, que desempenha um papel
importante na reabsorção proximal de HCO3-, Na+ e Cl-. Como resultado, este fármaco conduz à perda
de NaCl e NaHCO3.
O efeito diurético é, no entanto, relativamente modesto, por duas razões:
- A maior parte da água que não é reabsorvida no túbulo proximal é reabsorvida posteriormente nos
segmentos mais distais, especialmente na ansa de Henle;
- A ação diurética é progressivamente atenuada pela acidose metabólica que resulta da perda de
bicarbonato na urina.
Principal aplicação clínica: Doentes com edema e alcalose metabólica nos quais a perda de
excesso de bicarbonato na urina tende a restaurar o equilíbrio ácido-base. Este efeito pode ser
particularmente importante em pacientes com doença pulmonar crónica hipercápnica, em que a
terapia diurética convencional pode produzir alcalose metabólica; a hipoventilação compensatória
induzida pelo aumento do pH arterial pode exacerbar a hipoxemia e retardar o desmame da
oxigenoterapia.

2. DIURÉTICOS DE ANSA

Local de ação: ramo ascendente espesso da ansa de Henle


Mecanismo de ação: bloqueiam a entrada de sódio mediada pelo transportador Na-K-2Cl na
membrana luminal.
Ação natriurética máxima: até 20 a 25 % do sódio filtrado.
Principais aplicações clínicas: Estados edematosos (principalmente); Utilizados na HTA quando
TFG <30 mL/min.

NPNN 2020 139


Farmacocinética

Furosemida Torasemida Bumetanida

Pico de ação 60 min 60 min 60-120 min

Biodisponibilidade oral 10-100% 80-100% 80-100%


Volume de distribuição Baixo Baixo Baixo
(>95% ligado à (>95% ligado à (>95% ligado à
albumina) albumina) albumina)
Interferência na Sim Não Sim
absorção dos alimentos
Duração de ação 6 - 8 horas 6 -16 horas 4 - 6 horas

Eliminação Renal Hepática Hepática

Equivalência de dose 40 mg 20 mg 1 mg

Doses disponíveis per os 40 mg; 60 mg 5 mg; 10 mg Não está disponível


em Portugal
Tabela 1 – Farmacocinética dos diuréticos de ansa (adaptado das referências 2 e 3)

1.Tempo de ação
Furosemida e bumetanida - tempo de ação curto (cerca de 6 horas), após o qual segue-se um
período longo de retenção salina (~18h). Deve ser administrado 2 vezes/dia.
Torasemida – tempo de ação longo, pode ser administrado 1 vez/dia.

2.Biodisponibilidade
Furosemida – Absorção gastrointestinal variável e consequentemente biodisponibilidade
pouco previsível. Por este motivo a dose endovenosa equivale a metade da dose oral.
Torasemida e bumetanida – óptima biodisponibilidade oral (80-100%).
Na análise post-hoc do estudo “Effect of Nesiritide in Patients with Acute Decompensated
Heart Failure” os doentes com Insuficiência Cardíaca (IC) que tinham alta com torasemida
apresentavam menor mortalidade. Pensa-se que efeito esteja relacionado com a maior
biodisponibilidade e tempo de ação da torasemida, no entanto, são necessários estudos controlados
e randomizados para comprovar estes dados.

NPNN 2020 140


3.Volume de distribuição

Os diuréticos de ansa apresentam um baixo volume de distribuição uma vez que > 95% se
encontra ligado a albumina.
Hipoalbuminemia severa diminui a eficácia diurética:
- Aumenta o volume de distribuição – menos fármaco chega ao local de ação.
- No caso do síndrome nefrótico, o diurético liga-se à albumina presente no fluido
tubular renal e torna-se inativo.
A infusão de furosemida com albumina, não tem benefício.

4.Eliminação

Furosemida apresenta eliminação renal. O aumento de semivida na insuficiência renal não se


traduz em aumento do efeito diurético, mas sim em maior risco de efeitos adversos.

Torsemida e bumetanida apresentam eliminação hepática, pelo que a semivida mantém-se


preservada na Doença Renal Crónica (DRC).

Princípios de utilização

 A dose utilizada tem que ultrapassar o threshold (limiar a partir do qual o diurético aumenta
a excreção fracionada de sódio) para ter efeito diurético [Fig.2];
 Após ter sido atingido o ceiling (limite máximo a partir do qual não há resposta) não há
resposta mesmo que a dose seja aumentada [Fig.2].

Fig 2 – Curva dose-resposta diuréticos de ansa (Referência 2)

NPNN 2020 141


Na DRC, a dose inicial e de manutenção dos diuréticos de ansa deve ser mais elevada, uma
vez que o threshold é mais alto e que, para a mesma dose de diurético, a excreção fracionada de
sódio é inferior [Fig.3].
A dose inicial a utilizar na DRC pode ser estimada pela fórmula Dose = (Idade + [Ureia /2.14] )
/2 e deve ser repetida 2 a 3 vezes/dia.

Fig 3. – Curva dose-resposta diuréticos de ansa na DRC (Referência 2)

O principal determinante da natriurese é o tempo acima do threshold. Assim, nos doentes


com edema grave, a administração oral tem menor efeito natriurético do que a administração
endovenosa [Fig. 4]
Excepção: Dar preferência à via oral na Doença Hepática Descompensada – absorção oral
preservada e tendência para diminuição marcada do volume efetivo.

Fig 4. – Diurético endovenoso vs oral nos estados edematosos como IC e Síndrome Nefrótico (Referência 2)

NPNN 2020 142


Esquema para o início de terapêutica diurética (no doente sem terapêutica diurética prévia)

Mecanismos de resistência aos diuréticos de ansa

 Incumprimento terapêutico
 Ingestão elevada de sal e/ou líquidos
 Dose não otimizada
 Dose máxima ineficaz
 Diminuição da absorção
 Uso de Anti – Inflamatórios Não Esteróides
 Uso de tiazolinedionas (glitazonas)
 Outra causa de edema – hipotiroidismo?

Medidas para ultrapassar a resistência aos diuréticos de ansa

 Esquema terapêutico compliance-friendly;


 Restrição de sódio na dieta é muito importante dado que mantém o balanço de sódio
negativo, aumentando assim a resposta aos diuréticos
 Aumento da dose ou associação de outros diuréticos. A associação de diuréticos deve ser
cautelosamente usada para evitar depleção de volume intravascular extrema, insuficiência
renal e distúrbios dos eletrólitos.

NPNN 2020 143


 Suspensão de fármacos que interferem com o efeito dos diuréticos.

Perfusão ou bólus?

Estudo DOSE (furosemida em perfusão vs bólus): eficácia diurética semelhante. Grupo


submetido a bólus com alívio sintomático mais precoce.
No entanto, existem alguns pormenores no estudo que podem constituir fatores confundidores:
- Os doentes randomizados para o grupo de bólus foram expostos a doses mais altas do que os
doentes do grupo da perfusão.
-A perfusão da furosemida não foi precedida por bólus, o que se sabe que está altamente
recomendado e que tem impacto na resposta à perfusão.

Estratégia mais consensual:


 Bólus é a estratégia inicial preferível - maior alívio sintomático
 Nos casos refratários à administração de bólus, inicar perfusão de furosemida.

Esquema de perfusão

Tabela 2 – Esquema de perfusão de furosemida

Efeitos adversos

 Reações de hpersensibilidade
 Depleção de volume extracelular
 Otoxicidade

NPNN 2020 144


 Hipomagnesémia
 Hiperuricémia
 Alcalose metabólica hipocalémica

3. DIURÉTICOS TIAZIDICOS

Local de ação: túbulo contornado distal.


Mecanismo de ação: inibem o co-transporte de Na+ e Cl-, inibindo assim a reabsorção de sódio.
Ação natriurética máxima: inibem a reabsorbção de 3-5% do sódio filtrado - esta característica torna-
os menos úteis no tratamento de estados edematosos (a menos que administrados em combinação
com um diurético de ansa no edema resistente), mas não é um problema no tratamento da
hipertensão arterial onde a perda de fluido marcada não é necessária nem desejável.
Principais aplicações clínicas:
-Anti-Hipertensor (se TFG > 30 mL/min)
-Hipervolémia ligeira (se TFG > 30 mL/min)
-Diabetes insíida nefrogénica
-Litíase renal (hipercalciúria idiopática)

Farmacocinética

Hidrocolotiazida Clorotalidona Indapamida Metolazona


Pico de ação 4-6 h 2-6 h 2–3h 2-6 h
Biodisponibilidade 50-60% 65% 65% 65%
Volume de distribuição Médio Médio Médio Médio
(67.9% ligado a (75% ligado às (71-79% ligado (65% ligado às
proteínas) proteínas) a proteínas) proteínas)
Duração ação 12-18h 24-36h 14-18h 14h
Eliminação Renal Renal Hepático Renal
Doses disponíveis 12,5 mg; 25 mg 50 mg; 25 mg; 1.5 mg; 2.5 mg 5 mg
12,5 mg
Tabela 3– Farmacocinética dos diuréticos tiazidicos (adaptado das referências 2 e 3)

As tiazidas são consideradas ineficazes quando a TFG < 30 ml/min.


A Metolazona é uma exceção: é uma tiazida que mantém a sua eficácia na insuficiência renal
ou outros estados de resistência aos diuréticos. Deve ser reservada para uso combinado com

NPNN 2020 145


diuréticos de ansa em doentes com hipervolémia, por um período que não exceda os 3 a 5 dias,
passando a uma administração de 3 vezes por semana quando a euvolémia é atingida.

Utilização de Tiazidas na HTA

Foram os primeiros agentes anti - hipertensores orais disponíveis.


Benefícios similares aos dos outros fármacos anti – HTA (Estudo ALLHAT - comparação com
amlodipina e lisinopril).
Os agentes de longa ação (ex. clorotalidona) são superiores aos agentes de curta ação (ex.
Hidroclorotiazida).

Doses habituais baixas:


Hidroclorotiazida: 12,5 a 25 mg/dia
Clortalidona: 12,5 mg/dia
Indapamida: 0,625 - 5mg/dia

Acção na HTA

A curto prazo:
 a diminuição inicial da tensão arterial é devida à redução dos volumes extracelular e
plasmático, o que leva a uma diminuição do débito cardíaco;
 ativação do sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA) como mecanismo
compensatório. Por isso, a sua ação anti-hipertensora é potenciada pela administração de um
IECA/ARA.
A longo prazo:
 mecanismo menos esclarecido, mas pensa-se que há uma diminuição da resistência sistémica
por vasodilatação periférica;
 têm um efeito residual após suspensão – a suspensão das tiazidas leva a uma expansão
rápida da volémia, ganho de peso e diminuição dos níveis de renina, mas a TA sobe
lentamente.
Mostram-se altamente eficazes:
 No controlo da HTA
 Na prevenção do AVC, da doença coronária e da insuficiência cardíaca

NPNN 2020 146


 Na redução da mortalidade

Efeitos adversos

 Reações de hipersensibilidade
 Dislipidemia
 Hipercalcémia
 Hiperglicémia
 Hiperuricémia
 Alcalose metabólica hipocalémica

4. DIURÉTICOS POUPADORES DE POTÁSSIO

Exemplos: Amiloride, triantereno (Inibidores do ENAC);


Espironolactona e eplerenona (Antagonistas do receptor mineralocorticoides - ARM)
Local de ação: células principais do túbulo coletor cortical.
Mecanismo de ação: Bloqueio dos canais de sódio sensíveis à aldosterona. A reabsorção seletiva de
sódio cria um gradiente de carga negativa, que favorece a secreção de potássio (através dos canais
seletivos de potássio) e iões de hidrogénio. Assim, a inibição da reabsorção de sódio neste local pode
conduzir a hipercalémia e acidose metabólica, devido à diminuição concomitante da excreção de
potássio e iões de hidrogénio.
Principais aplicações clínicas:
-Utilizados em combinação com outros diuréticos para minimizar perda de K+
-Diabetes insípida nefrogénica secundária a lítio (Amiloride)
-Hiperaldostronismo primário
-Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida
Farmacocinética: a espironolactona tem um tempo de semi-vida longa (~20h)

Utilização de ARM na IC

Recomenda-se adicionar um antagonista do receptor dos mineralocorticódes:

- em doentes com IC e FEVE ≤ 35% (já medicados com IECA ou ARA ou inibidor da niprisilina), mas
monitorizar cuidadosamente a função renal e ionograma;

NPNN 2020 147


- no período pós-enfarte agudo do miocárdio com supra-ST, em doentes com IC e FEVE<40% já
medicados com IECA ou ARA e que mantenham IC sintomática.

Utilização cautelosa na DRC (risco de hipercalémia)


Antagonistas da aldosterona:
- Mantêm a eficácia na DRC mas é necessária uma monitorização frequente do K+.
Amilorido e triantereno:
-Diminuição da eficácia na DRC moderada.

Efeitos adversos

 Reações de hpersensibilidade

 Hipercalémia

 Acidose Metabólica

 Ginecomastia e hemorragia vaginal (espironolactona)

CASOS PARTICULARES

A. Doença Hepática Crónica

O hiperaldostronismo secundário tem um papel fulcral na retenção hidrossalina na doença


hepática crónica. Por esse motivo a espirolonactona é diurético de 1ª linha.
Nos doentes com doença hepática crónica descompensada e ascite sugere-se iniciar uma
combinação de furosemida e espironolactona na proporção de 40: 100 mg. Na maioria dos casos,
esta estratégia preserva a concentração de potássio plasmático.
A infusão de albumina + furosemida não tem benefício.

B. Insuficiência Cardíaca

Os diuréticos são imprescindíveis no tratamento dos doentes com IC e sobrecarga de volume.


O seu efeito é maximizado se houver restrição de ingestão de sódio (< 2 gr/dia) e de fluidos (< 2
L/dia) para evitar hiponatrémia.

NPNN 2020 148


O uso de diuréticos está limitado pelo tipo e classe da insuficiência cardíaca:
 Na IC ligeira e função renal preservada – utilizar diurético tiazidico.
 Nas formas mais graves de IC há diminuição da resposta aos diuréticos por vários
mecanismos: redução do fluxo sanguíneo renal, redução da taxa de filtração glomerular,
aumento da reabsorção de sódio noutros pontos do nefrónio e ativação do sistema RAA e
simpático. Nestes casos, estará mais indicado o uso de diuréticos da ansa.

No caso de IC descompensada, em que há uma sobrecarga hídrica elevada, aumentar a dose de


diurético para 2.5 vezes da dose habitual (Estudo DOSE). A dose de manutenção depende da resposta
(monitorizar diurese, peso) e da função renal. Pode encontrar informações adicionais sobre a gestão
dos diuréticos na insuficiência cardíaca descompensada no capítulo do síndrome cardiorrenal.

C. Síndrome Nefrótico

Os casos de Síndrome Nefrótico devem ser seguidos pela Nefrologia devido à especificidade da
patologia e exigência de monitorização mais frequente pelas doses de diuréticos necessárias. Há uma
diminuição da resposta do nefrónio aos diuréticos, principalmente pela diminuição da ligação à
albumina plasmática (afeta a secreção tubular de diuréticos) e pela ligação dos diuréticos às
proteínas do fluido tubular, com descrito previamente.
Abordagem:
 Administrar doses mais elevadas (dose máxima eficaz de furosemida 120 mg) para conseguir
concentração mais elevada de furosemida livre no fluido tubular;
 Aumentar a frequência de administração;
 Usar associações de diuréticos com locais de ação diferentes.

A infusão de albumina + furosemida não tem benefício.

REFERÊNCIAS

1. D. Craig Brater., Diuretic Therapy, N Engl J Med 1998; 339: 387-395 3.


2. David H. Ellison, Clinical Pharmacology in Diuretic Use, CJASN 2019, 14.
3. D. Craig Brater. Mechanism of Action of Diuretics. UpToDate 2019.

NPNN 2020 149


4. Burton D. Rose, Wilson S. Colucci. Use of Diuretics in Patients with Heart Failure. UpToDate
2019.
5. D. Craig Brater. Treatment of Refratory edema in adults. UpToDate 2019.
6. Felker GM, Lee KL, Bull DA, et al. Diuretic strategies in patients with acute decompensated
heart failure. N Engl J Med 2011; 364: 797-805.
7. The ALLHAT Officers and Coordinators for the ALLHAT Collaborative Research Group. Major
outcome in high-risk hypertensive patients to angiotensinconverting enzyme inhibitor or
calcium channel blocker vs. diuretic. The Antihypertensive and Lipid-LoweringTreatment to
Prevent Heart Attack Trial (ALLHAT). Jama 2002;228(23): 2981-97.

NPNN 2020 150


XII.

Síndrome
Cardio-renal

NPNN 2020 151


SÍNDROME CARDIO-RENAL
SÍNDROME CARDIORRENAL

1. DEFINIÇÃO:
Condição clínica que resulta da interação entre coração e rim, na qual a disfunção aguda ou
crónica de um órgão induz disfunção aguda ou crónica do outro.

2. CLASSIFICAÇÃO:
As diferentes interações que podem ocorrer conduziram à seguinte classificação de
Síndrome Cardiorrenal (SCR):

Figura 1 – Classificação do Síndrome Cardiorrenal

SCR tipo 1 (cardiorrenal agudo)


Disfunção cardíaca aguda que resulta em lesão renal aguda. Exemplos:
• Insuficiência cardíaca descompensada
• Choque cardiogénico
• Síndrome coronário agudo
• Doença valvular aguda
• Cirurgia cardíaca

NPNN 2020 152


SCR Tipo 2 (cardiorrenal crónico)
Disfunção cardíaca crónica que conduz a uma doença renal crónica progressiva. Exemplos:
• Doença coronária
• Doença hipertensiva
• Doença valvular
• Arritmias
• Doenças cardíacas congénitas

SCR Tipo 3 (renocardíaco agudo)


Lesão renal aguda primária que causa disfunção cardíaca aguda. Exemplos:
• Doenças glomerulares
• Doenças intersticiais
• Necrose tubular aguda
• Obstrução urinária aguda

SCR Tipo 4 (renocardíaco crónico)


Doença renal crónica que evolui com disfunção cardíaca crónica progressiva. Exemplos:
• Nefropatia diabética
• Glomerulonefrite crónica
• Nefropatia isquémica
• Nefropatia obstrutiva

SCR Tipo 5 (secundário) – Doenças sistémicas de instalação aguda ou crónica que


causam disfunção cardíaca e renal
Exs:
- Sépsis
- Diabetes
- Amiloidose
- LES
- Neoplasias

NPNN 2020 153


3. FISIOPATOLOGIA:
Este ponto do capítulo pretende fazer uma breve descrição dos mecanismos fisiopatológicos
implicados em cada tipo de SCR:

SCR tipo 1

Figura 2 – Fisiopatologia do SCR tipo 1

Esta subcategoria de SCR é caracterizada por uma rápida deterioração da função cardíaca
que leva à LRA. O cenário clínico do SCR tipo 1 mais frequente é o de um doente internado
por ICC descompensada que experimenta um agravamento da função renal durante o
internamento.
A IC aguda é uma condição clínica muito heterogénea, com diversas apresentações e
múltiplos fatores precipitantes, variando de insuficiência cardíaca descompensada por
infeção ou por não adesão à terapêutica com diuréticos, edema pulmonar hipertensivo,
choque cardiogénico com hipotensão grave. Embora a hipotensão e diminuição do débito
cardíaco (com a ativação do sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina-
aldosterona [SRAA]) sejam as explicações tradicionais para o processo fisiopatológico da
LRA, atualmente as atenções têm-se virado para o papel do aumento da pressão venosa e
aumento da pressão intra-abdominal que condicionam congestão venosa renal, como
contribuintes igualmente importantes na diminuição da função renal (figura 3).

NPNN 2020 154


Os níveis aumentados das citocinas circulatórias, sinalizando lesão do coração para os rins,
também participam no processo de lesão renal aguda.
Por outro lado, a vasoconstrição renal persistente, várias substâncias vasoativas (adenosina
e endotelina), diminuição da capacidade de resposta renal aos peptídeos natriuréticos e aos
diuréticos e auto-regulação da TFG diminuída, podem contribuir para um efeito prejudicial no
sentido inverso.

Figura 3 - Mecanismos de lesão renal aguda no SCR tipo 1

SCR tipo 2

Figura 4 – Fisiopatologia do SCR tipo 2

NPNN 2020 155


A IR tem uma prevalência muito elevada nos doentes com IC e é um fator de prognóstico
negativo e independente, tanto na disfunção ventricular sistólica como na diastólica. A
prevalência de TFG <60 mL/min/1.73 m2 (DRC estágio 3 ou superior) pode ser tão alta
quanto 30% a 40%. As implicações práticas da multiplicidade de dados que ligam a DRC à
doença CV são de que deve ser prestada maior atenção e cuidado na redução de fatores de
risco e na otimização da terapêutica dos doentes.
Os mecanismos subjacentes à deterioração da função renal diferem da IC aguda. Na IC
crónica existe uma situação alongo prazo de perfusão renal reduzida, devido geralmente à
doença micro e macrovascular.
Atualmente existe pouco conhecimento sobre a fisiopatologia da disfunção renal num
quadro de IC crónica. Os mecanismos propostos são a isquemia renal crónica por
hipotensão e hipoperfusão secundárias a um baixo débito cardíaco, congestão venosa renal
crónica, a perpetuação de várias agressões renais por iatrogenia (excesso de diuréticos,
hipotensão e bloqueio do SRAA) e alterações neurohormonais (hiperatividade crónica do
SRAA e do sistema nervoso simpático e excesso de substâncias inflamatórias e marcadores
de stress cardíaco).
Com a progressão da DRC, vão surgindo várias complicações clínicas que, por sua vez, vão
ter um impacto negativo na função cardíaca, como a anemia, hipertensão arterial, a
retenção de água e sódio, alterações do metabolismo ósseo e acumulação de toxinas
urémicas.

SCR tipo 3

Figura 5 – Fisiopatologia do SCR tipo 3

NPNN 2020 156


Engloba as situações de LRA (glomerulonefrite aguda, necrose tubular aguda, nefrite
tubulointersticial aguda) resultando em disfunção cardíaca aguda (IC, arritmia, isquemia).
A LRA afeta a função cardíaca por diversas vias, cuja hierarquia ainda não está definida: a
sobrecarga hídrica que pode levar à HTA e ao desenvolvimento de edema pulmonar; a
hipercaliémia que pode originar arritmias e paragem cardíaca; a uremia que afeta a
contracilidade cardíaca, a acidemia que causa vasoconstrição pulmonar; a isquemia renal
que pode desencadear a ativação da inflamação e apoptose cardíaca.

SCR tipo 4

Figura 6 – Fisiopatologia do SCR tipo 4

Caracteriza-se por uma situação de DRC primária (exemplo: doença glomerular crónica,
nefropatia diabética), contribuindo para deterioração da função cardíaca, hipertrofia
cardíaca, disfunção diastólica e/ou risco aumentado de eventos cardiovasculares.
Os doentes com DRC têm um risco CV extremamente elevado, sendo que mais de 50% das
mortes em doentes com DRC estádio 5 são de causa cardiovascular. No entanto, estádios
menos avançados de DRC estão também associadas a um aumento do risco CV

NPNN 2020 157


SCR tipo 5

Figura 7 – Fisiopatologia do SCR tipo 5

Caracteriza-se pela presença simultânea de disfunção renal e cardíaca devida a uma


doença sistémica de instalação aguda ou crónica. É reconhecido que quanto maior a
falência orgânica, maior a mortalidade e que a disfunção de um órgão vai agravar a
disfunção do outro. Várias doenças crónicas podem afetar ambos os órgãos, como a
Diabetes, HTA, LES e amiloidose. No quadro das doenças agudas, a sépsis grave
representa a condição mais comum e grave.

4. TRATAMENTO:
É um desafio clínico dado o processo fisiopatológico tão heterogéneo e complexo.
O clínico deve ter sempre em conta que não existem guidelines que garantam o sucesso do
tratamento e que estas devem ser sempre adaptadas ao doente em causa.

4.1. Tratamento do SCR tipo 1:

A abordagem inicial do SCR tipo 1 em ambulatório divide-se em 3 passos:


• caracterização do tipo de insuficiencia cardíaca (sistólica/diastólica; esquerda/direita)
• identificação da causa precipitante
• identificação de critérios de referenciação ao serviço de urgência:
o Instabilidade hemodinâmica
o Alterações da consciência

NPNN 2020 158


o Síndromes coronários agudos
o Arritmias – ex: FA com RVR
o Dispneia em repouso ou insuficiência respiratória

O tratamento passa por:


• Redução da congestão – alívio sintomático
• Otimização hemodinâmica e da função cardíaca
• Restrição hidrossalina (< 2g/dia)
• Monitorização do peso corporal, se possível
• Evição de nefrotóxicos ou de outras situações que possam agravar a função renal

4.1.1. Terapêutica da Insuficiência Cardíaca:

Diuréticos
• 1ª linha no tratamento do SCR tipo 1
• Alívio dos sintomas associados à congestão
• Promovem a natriurese e a ↓ sobrecarga hídrica
• Controlo da HTA
• Os mais usados: diuréticos da ansa (furosemida)

• A dose de diuréticos deve ter em conta:


o Uso crónico de diuréticos
o Tensão arterial
o Função renal
• A dose inicial deve ser:
o Função renal normal - 20-40 mg
o Insuficiência renal - 40-160 mg
o Quando o doente toma diuréticos cronicamente, a dose inicial deve ser cerca de 2-
2.5 vezes superior à dose habitual
• A dose de manutenção vai depender da resposta diurética e da estabilidade do doente

• Monitorização da terapêutica com diuréticos:


o Vigilância do peso corporal e da TA
o Evitar a redução rápida do peso e a depleção intravascular de volume
o Objetivo : redução do peso em cerca de 0.5-1Kg por dia
o Prever distúrbios eletrolíticos (hipocaliémia, hipo/hipernatrémia, hipomagnesémia..)

NPNN 2020 159


o É fundamental que o doente esteja tensionalmente estável para receber a dose de
diuréticos adequada, de forma a que sua instituição não complique com hipotensão
relativa e hipoperfusão renal, com agravamento adicional da função renal. A
estabilidade tensional deve ser sempre preservada e, na grande maioria dos casos,
exige a suspensão de outros hipotensores até à resolução do quadro

• Em caso de resistência aos diuréticos, devemos excluir as causas “reversíveis”:


o Dose inadequada
o Incumprimento terapêutico
o Ingestão de sal
o Diminuição da absorção intestinal
o Uso de AINE´s

o Pode ser adicionado um diurético tiazídico ou espironolactona, atendendo às


possíveis complicações

Bloqueadores do SRAA
• Apesar do seu uso estar altamente recomendado na terapêutica crónica da IC
(associados a uma melhoria dos sintomas, redução das hospitalizações por insuficiência
cardíaca e aumento de sobrevivência), o seu uso na descompensação aguda da IC deve
ser altamente vigiado e nas seguintes situações deve ser descontinuado:
o Hipotensão arterial
o Lesão renal aguda
o Hipercaliémia

• Os doentes que não são cronicamente medicados com estes fármacos, também não
devem iniciá-los em situações de descompensação aguda (podem ficar mais hipotensos
e haver um agravamento adicional da função renal) e o seu início deverá ser protelado
para uma fase de estabilidade do quadro

Beta-bloqueadores
• Têm benefício comprovado em termos de sobrevida, especialmente na doença cardíaca
isquémica
• O seu uso nos quadros de descompensação cardíaca aguda também é controverso,
principalmente nos doentes com disfunção sistólica nos quais a taquicardia é necessária
para manter o débito cardíaco

NPNN 2020 160


• Se o doente estiver hemodinamicamente estável e pouco sintomático, poderão ser
mantidos, titulando-se a dose à tolerância do doente
• Devem ser descontinuados, se o doente estiver hipotenso ou muito sintomático
• Podem ser reiniciados ou iniciados na fase de estabilidade clínica

Antagonistas da aldosterona
• Benefício na sobrevida
• Promovem a natriurese e diminuição da sobrecarga hídrica e o controlo tensional
• Efeitos adversos principais: hipercaliémia e agravamento da FR

Nitratos
• Promovem o alívio dos sintomas de congestão, através da sua ação de diminuição da pré
e pós-carga
• Recomendados nos doentes com sobrecarga hídrica sintomática, mas não devem ser
usados se hipotensão arterial

Ultrafiltração isolada
• Nos últimos anos, alguns grupos de Cardiologistas têm sugerido a realização de
ultrafiltração isolada (remoção apenas de água por máquinas de diálise ou semelhantes)
nos doentes com síndrome cardiorrenal com alguma refractariedade aos diuréticos. A
opinião da Nefrologia é discordante dado que os 2 estudos que mostraram haver
vantagem da ultrafiltração isolada versus terapêutica diurética endovenosa (Rapid-CHF
de 2005 e o Unload de 2007) não utilizaram esquemas com doses de diuréticos
escalonadas e elevadas. Um estudo posterior, o Caress-HF publicado em 2012, que
comparou ultrafiltração isolada e diuréticos com escalonamento de dose e doses mais
elevadas em doentes com IC descompensada, não verificou haver diferenças entre os 2
grupos no que diz respeito à diminuição de volume às 96h e o endpoint primário
(elevação da creatinina) foi pior no grupo que fez ultrafiltração. Para além disso, este
grupo também teve mais efeitos adversos, nomeadamente mais eventos hemorrágicos,
anemia, trombocitopenia, alterações eletrolíticas, sépsis e IC e uma maior tendência de
morte.
• Para além não ter sido demonstrada a vantagem clínica da ultrafiltração isolada, também
há o problema das punções venosas periféricas repetidas para a obtenção de um acesso
vascular adequado para este tratamento, o que pode levar a um esgotamento do
património venoso para a construção de fistulas arteriovenosas de diálise caso sejam
necessárias

NPNN 2020 161


4.1.2. Monitorização da função renal, diurese, TA e peso corporal
• Durante o tratamento, é fundamental a monitorização destes parâmetros, no sentido de
que a deteção precoce de alguma complicação pode levar à prevenção de um novo
insulto renal
• É importante que as equipas médica e de enfermagem estejam sensibilizados para a
monitorização do peso corporal diário. O objetivo do tratamento é a redução do peso em
cerca de 0.5-1Kg por dia e se esta diferenção não está a ser cumprida, devem ser
instituídas medidas para contrariar essa diferença. O peso corporal talvez seja o
parâmetro a monitorizar mais importante e o mais preditivo de agravamento da função
renal

4.1.3. Restrição hidrossalina


• Ingestão de sal: < 2-3 g/dia
• Evitar ao máximo a ingestão de líquidos (se o doente está hipervolémico não precisa de
beber líquidos!!)

4.1.4. Evição de nefrotóxicos ou situações que possam agravar a função renal


• Este ponto está desenvolvido em outros capítulos mas salienta-se a evição do uso de
AINE´s, o excesso de hipotensores, o uso indevido de ATB´s e o não ajuste de fármacos
à função renal

4.2. Tratamento dos SCR tipo 2 e 4


• O tratamento do SCR 2 compreende medidas farmacológicas e não farmacológicas que
visam a otimização da função do coração e rim, o equilíbrio cardiorrenal e o atraso da
progressão da doença

NPNN 2020 162


• Para além do tratamento da Insuficiência cardíaca e dos fatores sistémicos é fundamental
a vigilância da função renal e a prevenção da sua deterioração:
o Avisar o doente que tem insuficiência renal e que o deve dizer sempre no caso de
nova prescrição
o Medidas antiproteinúricas (iECA/ARA II)
o Evitar TA baixas para o doente
o Evitar excesso de diuréticos – explicar como monitorizar o seu uso e quando devem
ser suspensos
o Adequar ao doente a ingestão hídrica necessária
o EVITAR o uso de AINEs - substituir por outros analgésicos ou anti-inflamatórios não
nefrotóxicos
o Minimizar os riscos do contraste nos exames radiológicos

• Tratamento específico das complicações associadas à Doença Renal Crónica


(anemia, hiperparatiroidismo secundário, hiperfosfatémia..) – âmbito do Nefrologista

4.3. Tratamento do SCR tipo 3 e 5:

• O tratamento do SCR tipo 3 deve ser dirigido à causa de LRA primária (retenção urinária,
glomerulonefrite aguda, nefrite intersticial aguda, nefropatia de cilindros, vasculite..), que
normalmente é iniciado pela Nefrologia
• O tratamento do SCR tipo 5 também deve dirigir-se à doença sistémica que causa a
disfunção de ambos os órgãos (sépsis, amiloidose AL, diabetes, LES)

5. BIBLIOGRAFIA

1. Scott Gilbert and Daniel E. Weiner. National Kidney Foundation Primer on Kidney
Diseases. 6th edition, 2014
2. Hatamizadeh P et al. Cardiorenal syndrome: pathophysiology and potential targets
for clinical management. Nat Rev Nephrol 2013; 9: 99–111
3. Bart AB et al. Ultrafiltration in Decompensated Heart Failure with Cardiorenal
Syndrome. N Engl J Med 2012; 367: 2296-2304
4. Dalzell, J. R. Diuretic strategies in patients with acute heart failure. N Engl J Med
2011; 364: 2066–2067
5. www.uptodate.com

NPNN 2020 163


SÍNDROME CARDIORRENAL

1. DEFINIÇÃO:
Condição clínica que resulta da interação entre coração e rim, na qual a disfunção aguda ou
crónica de um órgão induz disfunção aguda ou crónica do outro.

2. CLASSIFICAÇÃO:
As diferentes interações que podem ocorrer conduziram à seguinte classificação de
Síndrome Cardiorrenal (SCR):

Figura 1 – Classificação do Síndrome Cardiorrenal

SCR tipo 1 (cardiorrenal agudo)


Disfunção cardíaca aguda que resulta em lesão renal aguda. Exemplos:
• Insuficiência cardíaca descompensada
• Choque cardiogénico
• Síndrome coronário agudo
• Doença valvular aguda
• Cirurgia cardíaca

NPNN 2020 164


XIII.

A Hipertensão
arterial de
causa renal

NPNN 2020 165


A Hipertensão Arterial De Causa Renal
Autores Texto: Susana Pereira e João Carlos Fernandes

Introdução

A hipertensão arterial (HTA) é comum nos países industrializados e tende a aumentar com a idade.
É um factor de risco muito poderoso para doença cardiovascular. Em cerca de 89-95% dos casos a
etiologia é desconhecida pelo que se chama HTA primária ou essencial (Quadro 1).

Quadro 1

Causas Major De Hipertensão

CAUSA %

Essencial 90

Doença Parenquimatosa Renal 3


Hipertensão Renovascular 2

Contraceptivos Orais 2

Aldosteronismo Primário 2
Coartação da Aorta 0,2

Feocromocitoma 0,1

Outras 0,5

Adaptado de R. Johnson, J Fehally, Comprehensive Clinical Nephrology, 3nded.

O estudo inicial de qualquer doente hipertenso deve incluir história clinica detalhada que avalie os
factores de risco cardiovascular, e dirigida para avaliar sinais ou sintomas de HTA secundária. Não
esquecer os fármacos que intereferem com controlo da TA como os AINEs e pesqueisar
sinais/sintomas compativeis com síndrome obstrutivo de apneia do sono. Dos meios
complementares de diagnóstico fazem parte:

 Hemograma, função renal, glicose, ácido úrico, ionograma, colesterol,


triglicerideos, TGO e TGP, cálcio
 Função tiroideia
 Exame sumário de urina e microalbuminuria
 ECG

Deste modo simples avaliamos o grau de HTA, os factores de risco cardiovasculares associados, a
lesão de orgão alvo e se estamos perante uma causa secundária.
As situações clínicas major sugestivas de HTA secundária são:

 HTA severa ou refractária (definida como toma de de 3 ou mais hipotensores em


doses adequadas e um deles é um diurético)
 Aumento agudo da tensão arterial (TA), em doente com TA prévia estável
 Início de HTA antes da puberdade ou depois dos 50 anos

NPNN 2020 166


 Idade de início < 30 anos em doentes não-obesos, raça não-negra e sem história
miliar de HTA
 Quando na avaliação inicial:
- sintomas: palpitações, flush facial, sudação, cefaleias, apneia sono
- hipocalemia, hipercalcemia
- exame de urina com hematúria e/ou proteinúria
- insuficiência renal

Apenas nestes casos devem ser investigadas as causas secundarias. Assim, se um doente apresenta
HTA refractaria e hipocalemia o diagnóstico de hiperaldosteronismo secundário deve ser estudado.
Não é necessário excluir sistematicamente todas as doenças secundárias. A procura deve ser
dirigida em função do doente.

O rim é o principal responsável pela HTA secundária. Pode ter origem no parênquima renal ou na
artéria renal.

I. HTA de causa Parenquimatosa Renal


A HTA é uma característica comum na doença renal crónica e aguda, particularmente nas doenças
glomerulares e vasculares (Quadro 2).

Quadro 2

Causas de Doença Parenquimatosa Renal

Glomerulopatias
Doença Tubulointersticial
Doença Poliquística
Nefropatia Obstrutiva

A presença de doença renal primária é sugerida por:

 História familiar de patologia renal, antecedentes de litíase, pielonefrites ou de


abuso de medicamentos (analgésicos, AINEs), presença de sintomas urinários
(hematúria, poliúria, nictúria) ou de edema.
 Aumento da creatinina plasmática.
 Alterações do exame sumário de urina (proteinúria, hematúria, cilindrúria).
 Ecografia renal: alterações do tamanho e simetria renais, e alterações estruturais
ou obstrução.

Assim, perante uma insuficiência renal aguda ou crónica, hematúria e/ou proteinuria, ou alterações
ecográficas, a HTA associada designa-se de parenquimatosa renal.

NPNN 2020 167


Na doença renal crónica (DRC), a HTA é quase universal, sobretudo se secundária a
glomerulonefrites, nefropatia diabética e doenças vasculares. É menos frequente nas doenças
tubulo-intersticiais (nefrite intersticial, nefropatia obstrutiva, etc.). A sua prevalência e gravidade
tende a aumentar com a diminuição da taxa de filtração glomerular.
A proteinúria ligeira (< 500 mg/dia) pode ser sinal de lesão de orgão alvo, e portanto este achado
ser consequência e não causa de hipertensão. No entanto, na maioria dos casos traduz doença
renal que se manifesta com TA elevada.

Na doença renal parenquimatosa o controlo da HTA deve ter como objectivo valores inferiores a
130/80 mmHg, principalmente se a proteinúria for superior a 1g/dia e na nefropatia diabética. Nos
restantes casos sem proteinúria o alvo é 140/90 mmHg.
O SPRINT trial (estudo randomizado de 2015, NEMJ) comparou doentes com mais de 50 anos o
controlo da TA sistólica mais agressivo <120 mmHg versus < 140 mmHg, e concluiram que o grupo
de tratamento mais intensivo rediziu os eventos cardiovasculares fatai e não fatais. Foram excluídos
deste estudo os doentes com diabetes mellitus, doença renal poliquistica, TFG < 20 ml/min,
proteinuria > 1g/dia, AVC ou IC.

A HTA acelera o agravamento da função renal provocado pela doença original, gerando um ciclo
vicioso. O tratamento da HTA previne não só a progressão da doença cardiovascular como a
progressão da insuficiência renal. Por isso é importante a medição regular e frequente da TA como
meio de prevenir, e também detectar precocemente, o agravamento da função renal.

No controlo tensional é importante a medição regular da tensão arterial no domicílio ou em


ambulatório. No consultório os resultados são limitados pelo possível efeito de bata branca, pelo
facto de não existirem muitas vezes condições ideais de medição e não corresponder ao ambiente
basal e habitual do doente. Em casos seleccionados o MAPA deve ser usado:

 HTA refractária
 Despiste de HTA de bata branca ou mascarada
 HTA não controlada mas sem lesão de orgãos alvo
 Sinais sugestivos de hipotensão

Na maioria dos doentes com DRC a expansão do volume e a sensibilidade ao sal são os mecanismos
predominantes na fisiopatologia da HTA.
Nos doentes com doença parenquimatosa renal, qualquer classe de anti-hipertensores pode ser
usada, mas existem algumas particularidades no tratamento que ajudam à sua optimização:

• O controlo da HTA nos doentes com DRC implica frequentemente o uso de diuréticos:
- diuréticos de ansa se creatinina sérica > 1,5 mg/dl ou TFG < 30 ml/min
- espironolactona: contra-indicado se TFG < 30 ml/min

• iECA/ARA II devem ser incluídos no esquema terapêutico, particularmente nos doentes


com proteinúria e na nefropatia diabética, dado o seu papel de renoprotecção.

• Bloqueadores canais cálcio:


- dihidropiridinicos: 3ª geração (lercanidipina) menos edema mas menos potentes
- não-dihidropiridinicos : efeito anti-proteinúrico

Geralmente é necessário uma combinação de anti-hipertensores, que inclua diurético. O uso de


outros anti-HTA menos convencionados podem e dever ser associados à terapêutica como os

NPNN 2020 168


agonistas α-central (rilmenidina – pouco potente, clonidina, moxonidina) e os bloqueadores alfa
periféricos (doxasozina). O reforço da restrição salina (5-6 g/dia), é igualmente fundamental.

O controlo da TA na população idosa, em que o alvo não está definido, tem aspectos que devem ser
tidos em conta:
1. Incentivar medição da TA domicilio
2. Evitar sintomas de hipotensão ortostática
3. Vigiar função renal com controlo tensional
4. Ajustar valor da TA em função da idade
5. Atenção iECA/ARA II
6. Diurético fármaco escolha no idoso

II. HTA Renovascular


A HTRV é definida como HTA induzida por diminuição da pressão de perfusão renal secundária a
lesão estenosante da artéria, ou artérias renais. A lesão orgânica (estenose da artéria renal, EAR)
para ser hemodinamicamente significativa necessita de ser superior a 75% em 1 ou ambas as
artérias renais (ou superior a 50% com dilatação pós-estenótica). Nestes casos a HTA resultante é
de causa renovascular.
É uma etiologia importante de HTA secundária, eventualmente passível de correcção. A hipertensão
resultante é mediada pela activação do sistema renina-angiotensina-aldosterona causada pela
diminuição da perfusão sanguínea renal.
A HTRV é a causa de cerca de 1% da HTA moderada e de 10 a 45% da HTA maligna ou severa.

As manifestações clínicas associados a EAR variam de doente para doente e podem variar no
mesmo doente ao longo do tempo, e incluem:

 Assintomática (achado ocasional)


 Hipertensão renovascular
 Insuficiência renal isquémica
 Agravamento da insuficiência cardíaca congestiva ou por episódios recorrentes de
edema pulmonar agudo não explicados por outras patologias (‘flash pulmonar’).

1. Etiologia da estenose da artéria renal


As etiologias da estenose são a Aterosclerose e a Displasia Fibromuscular. Mais raramente a
estenose é causada por compressão extrínseca, neurofibromatose tipo I, Síndrome de Williams, ou
vasculite.

A doença aterosclerótica da artéria renal está na base de mais de 90% das EAR e da HTRV. Tem
tendência a aumentar com o envelhecimento da população e a sobrevivência a eventos vasculares
cardíacos e centrais. Existe estenose superior a 50-60% em 6.8% da população geral com mais de 65
anos (mais nos homens - 9.1% - que nas mulheres - 5.8%) e em cerca de um terço da população
com doença aterosclerótica significativa nos territórios coronário, aórtico ou periférico, ou nos
doentes com insuficiência cardíaca classe II-IV com mais de 65 anos de idade. Por outro lado as
estenoses renais podem não ter significado funcional e não provocarem qualquer sinal/sintoma.

NPNN 2020 169


O diagnóstico de EAR aterosclerótica depende da suspeita clínica. São geralmente doentes idosos,
com história anterior de HTA essencial. A HTA pode aparecer de novo depois dos 50 anos, ou uma
HTA fácil de controlar transformar-se de numa HTA mais grave. Têm outros factores de risco
cardiovascular, frequentemente com evidência de lesões ateroscleróticas noutros territórios.
Muitas vezes já existe insuficiência renal ou ela surge ou agrava-se com a introdução de IECA/ARAs.
O sedimento urinário geralmente é normal mas pode existir proteinúria ligeira a moderada. Pode
haver história de edemas pulmonares ou de insuficiência cardíaca congestiva de difícil
compensação.

A displasia fibromuscular, responsável por <10% das causas de estenose da artéria renal, é uma
doença que afecta as artérias de pequeno e médio calibre, mais frequentemente a carótida e a
artéria renal. A HTRV é a manifestação mais comum, e geralmente apresenta-se em mulheres dos
30-50 anos. A progressão da estenose é lenta e a função renal geralmente está preservada.

Perante uma probabilidade elevada de HTA renovascular aterosclerótica, devemos apenas


avançar para um diagnóstico imagiológico que identifique a estenose se o doente tiver critérios
para correcção da estenose. A razão prende-se com o facto da revascularização acrescer morbi e
mortalidade importante e não estar demonstrado que todas as estenoses beneficiem de tal
procedimento.

Então a primeira pergunta perante um doente com elevada probabilidade de HTA renovascular é
se é candidato a intervenção de revascularização para corrigir a estenose. Estes critérios estão
representados no quadro 3. Apenas nestes casos é que avançamos para um método imagiológico
para avaliar se existe tal estenose.

Quadro 3

Dados sugestivos de Hipertensão renovascular

Início da HTA < 30 anos, com história familiar negativa e sem outros factores de risco para HTA

Aparecimento de HTA estádio II ou HTA severa (TA > 160/100) após 55 anos

HTA resistente ou refractária

Aumento súbito de TA em doente com TA estável. HTA maligna

Aumento agudo da creatinina plasmática pós iniciar terapêutica com iECA’s e/ou ARA’s

HTA severa em doente com rim atrófico não explicado, ou com assimetria no tamanho renal >1,5 cm.

HTA moderada/severa em doente com doença aterosclerótica difusa, particularmente > 50 anos

HTA moderada a severa em doentes com EAP recorrente (Flash Pulmonar) ou IC não explicada.

Sopro abdominal sistólico-diastólico que se lateraliza num dos lados.

NPNN 2020 170


2. Exames complementares de diagnóstico de estenose das artérias renais
Apesar da angiografia das artérias renais ser o método “Gold Standard” para diagnóstico, os riscos
(0,5 a 2%) de nefrotoxicidade pelo contraste, embolização de colesterol e lesão das artérias
renal/femoral, limitam a sua escolha. São preferidos os métodos não invasivos, particularmente na
doença aterosclerótica.

A angiorressonância das artérias renais é superior aos outros métodos. A sensibilidade e


especificidade são superiores a 95%. A angioTC tem uma sensibilidade de 88-99% e especificidade
de 93-98%. O ecodoppler tem elevada especificidade mas é dependente do operador.
A angiorressonância com gadolínio está contra-indicada se a taxa de depuração da creatinina for
inferior a 30ml/min, não pela nefrotoxicidade do gadolínio, mas pelo risco de dermatopatia
fibrosante. Pode fazer-se Angiorressonância sem contraste (gadolíneo), com pouca perda de
sensibilidade e especificidade. A potencial nefrotoxicidade da angioTC constitui a principal limitação
ao seu uso. Pode e deve ser minorada com medidas de profilaxia de nefropatia de contraste a
instituir antes do exame.
A ecografia-dopller tem a vantagem adicional de fazer uma avaliação anatómica e funcional,
permitindo avaliar fluxos das artérias. Constitui um bom método de follow-up da lesão vascular.
Tem as desvantagens de ser muito dependente do operador e do perfil ecográfico do doente. A
ecografia-doppler pode ser um método de primeira escolha apenas em centros com experiência.

Se estes exames imagiológicos forem inconclusivos, e na presença de suspeita clínica elevada de


doença renovascular, está recomendada a angiografia.

Dada a elevada especificidade dos métodos anteriores, o teste do captopril, o renograma com
captopril ou a medição da renina plasmática, actualmente, são exames pouco utilizados para o
diagnóstico de lesão estenótica.

3. Tratamento médico da HTRV


Independentemente de um doente ser candidato a revascularização necessita de tratamento
médico.
Além do controle tensional, devem controlar-se os outros factores de risco cardiovascular: tabaco,
dislipidemia, obesidade, glicemia, etc. Uma redução agressiva da lipidemia pode levar a uma
regressão da lesão aterosclerótica.
Estes doentes apresentam elevada taxa de aterosclerose sistémica, ou seja um elevado risco
cardiovascular. São considerados como tendo equivalente a doença coronária, pelo que devem ser
tratados como tal.

Os valores da tensão devem ser <130/80 mmHg se microalbuminúria e <140/90mmHg se


marcoalbuminúria. A escolha dos anti-hipertensores baseia-se não só na presença de EAR, mas
também na presença de outras comorbilidades.
Porque a HTRV está dependente do sistema renina-angiotensina-aldosterona, pela implicação deste
sistema na aterosclerose, na hipertrofia miocárdica e na fibrose miocárdica e intersticial renal, e
pela presença frequente de diabetes mellitus, insuficiência cardíaca congestiva e alto risco
cardiovascular, os IECA/ARA serão de primeira escolha.
Uma preocupação major é o agravamento da função renal ou mesmo insuficiência renal aguda com
os IECAs, uma vez vez que este é mecanismo que mantém parte da perfusão renal na estenose. Este
potencial problema não deve no entanto limitar o seu uso, mas implica monitorização terapêutica
atenta da calemia e da função renal, no máximo dentro de 1 mês após o início da toma. Na maioria
dos doentes o aumento da creatinina é ligeiro, não exigindo suspensão do fármaco, ou é reversível

NPNN 2020 171


após a descontinuação do fármaco. Se após controlo da TA, a taxa de filtração glomerular diminuir
significativamente (mais de 30%) deverá ponderar-se a revascularização.

A progressão da doença aterosclerótica é comum (30-60% em 4 a 7 anos), estando portanto


indicado um follow-up regular. No entanto, a progressão para IRC estadio 5D é pouco frequente
dada a elevada taxa de mortalidade por outros eventos cardiovasculares.

4. Tratamento de revascularização
Após a suspeita clínica de HTRV o desafio que se coloca ao clínico é decidir quais os doentes em que
se deve fazer diagnóstico definitivo e revascularização. Não é possível definir com segurança se
quais os doentes que beneficiarão com revascularização.
Na aterosclerose, globalmente não existe diferença entre os resultados do tratamento médico e a
revascularização. O último estudo randomizado ASTRAL, que comparou a revascularização versus
tratamento médico, mostrou igual sobrevida em ambos os grupos ao longo de 5 anos de "follow-
up", e no subgrupo de revascularização ocorreram maior número de complicações graves. Está em
curso um grande estudo randomizado CORAL (Cardiovascular Outcomes in Renal Artery Lesions),
que irá provavelmente definir melhor o papel da revascularização na HTRV aterosclerótica. O
grande desafio é seleccionar os doentes que mais beneficiarão com cada uma das estratégias
terapêuticas.

Os doentes com indicações para revascularização são casos:

 Falência na terapêutica médica em controlar HTA


 Intolerância à terapêutica
 Se após controlo da TA, a taxa de filtração glomerular diminuir significativamente
 Insuficiência renal progressiva devido a doença bilateral
 HTA com rim unilateral pequeno não explicado por outra causa ou assimetria
renal > 1,5 cm
 Episódios recorrentes de flash pulmonar
 Suspeita de doença fibromuscular em doente jovem (e deste modo evitar anti-
hipertensores).

Os doentes com DRC grave (Scr > 3-4mg/dl) ou rins de tamanho diminuído (7-8cm), têm menor
probabilidade de beneficiarem com revascularização. A avaliação nos doentes com insuficiência
renal deve ser apenas realizada se existir doença renal isquémica potencialmente reversível.

A. Doença Aterosclerótica

A EAR pode ser um achado acidental (por exemplo durante a realização de estudo angiográfico
cardíaco, periférico, etc.) num doente assintomático. Nestes casos não está indicada terapêutica de
revascularização. De referir no entanto que a lesão estenótica pode progredir, pelo que é
importante um seguimento regular.

A escolha do método depende da idade, da localização e gravidade da lesão, e da preferência do


doente.

O método de revascularização mais indicado na doença aterosclerótica é a angioplastia com


colocação de stent, uma vez que as lesões são geralmente ostiais. A HTA só raramente é curada

NPNN 2020 172


(<10%). Melhora em 29-75% dos casos e não se altera em 30% (0-54%). A taxa global de sucesso é
de 65-80%, verificando-se re-estenose em 10-15% nos primeiros 6 meses.
Globalmente a angioplastia com stent não condiciona melhoria da função renal, mas há um grupo
que melhora, outro que não altera e outro que piora.
Na maioria dos doentes não há alteração da função renal, embora aparentemente diminua o risco
de progressão da DRC. Cerca de 27% dos doentes têm melhoria significativa da função renal. Por
outro lado, 20% dos doentes têm agravamento rápido da função renal, devido a ateroembolismo,
dissecção vascular e nefropatia de contraste – daqui a necessidade e dificuldade de uma correcta
selecção dos doentes para angioplastia.
O uso de um filtro distal à zona da angioplastia diminui os riscos de embolização distal de material
da placa e é hoje considerado indispensável para prevenir o agravamento da função renal por
embolização.

A revascularização cirúrgica está indicada quando existem múltiplas pequenas artérias renais,
quando é necessário reparação da aorta perto das artérias renais (aneurisma, dissecção) ou quando
há insucesso da angioplastia. Pode consistir numa pontagem, na endarterectmia ou na
vascularização extra-anatómica. A melhoria da TA é observada em 70-90% dos casos. No entanto a
mortalidade é de 3-6%. Comparando os resultados da revascularização por angioplastia ou
cirúrgica, parece não haver diferença na sobrevida.

B. Displasia fibromuscular

Ao contrário da origem aterosclerótica, nestes doentes a revascularização está quase sempre


indicada. A técnica de eleição é a angioplastia isolada. Os resultados da angioplastia são muito
melhores do que na estenose aterosclerótica (insucesso em menos de 15% e re-estenose em menos
de 10%).

Em Resumo, o objectivo da terapêutica da HTRV centra-se no controlo da tensão arterial e


estabilização da função renal.
A doença aterosclerótica renal reflecte doença aterosclerótica sistémica, e por isso o curso clínico
destes doentes é determinado fundamentalmente pelos eventos cardiovasculares, que por sua vez
também parecem depender da função renal. Os doentes com estenose bilateral ou unilateral em
rim único apresentam pior prognóstico.
A estratégia terapêutica tem como base o tratamento médico. No entanto, a doença vascular não é
estática, podendo progredir lentamente, o que implica um seguimento regular.
Existe um subgrupo de doentes candidatos a revascularização, ou seja, que apresentam maior
probabilidade de beneficiarem com esta a intervenção.
Quer com tratamento médico quer com revascularização, uma agudização da tensão arterial, da
função renal ou outras manifestações em orgãos alvo, requerem reavaliação da progressão da
doença ou da re-estenose.

NPNN 2020 173


Bibliografia recomendada

- R. Johnson, J Fehally, Comprehensive Clinical Nephrology, 5th


- Renovascular Hypertensison and Ischemic Nephropathy, Circulation; 112:1362-1374, 2005
- Catheter-based Therapy for Atherosclerotic RAS, Circulation, 113: 1464-1473, 2006
- Diagnosis and Treatment of Ischemic Nephropathy, Clin. J. Am. Soc. Nephrol., 1: 172-181, Mar
2006
- The Case for Renal Artery Stenting for Treatment of RAS. Circulation, 115; 263-270, 2007
- The Case Against Angioplasty and Stenting of Atherosclerotic RAS. Circulation, 115; 271-276, 2007
- Renal Artery Stenosis, NEMJ, 36:.20, Nov (12), 2009
- ASTRAL, NEMJ, 361:20, Nov (12), 2009
- Current Management of Atherosclerotic Renovascular Disease – What Have We Learned from
ASTRAL? Nephr Clin Pract, 115, 2010.
- The efficacy of renal angioplasty in patients with renal artery stenosis and flash oedema or
congestive heart failure: a systematic review. Eur J Heart, Mar 28, 2012
- www.coralclinicaltrial.org
- A Randomized Trial of Intensive versus Standard Blood-Pressure Control, SPRINT trial, N Engl J Med
2015; 373:2103-2116

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XIV.

Fármacos
e rim

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Fármacos e Rim
Sónia Sousa – Assistente Hospitalar de Nefrologia do CHVNG / E EPE

A doença renal pode afetar a forma de prescrição e os fármacos usados. Os rins recebem cerca
de 1 litro de sangue por minuto (1/4 do débito cardíaco), por isso são expostos a grandes
quantidades de fármacos circulantes. Têm elevada atividade metabólica e consumo de oxigénio,
possuem múltiplos sistemas enzimáticos e a maior superfície de endotélio por grama de tecido
do organismo. Além disso, muitos fármacos acumulam-se no epitélio e no interstício, outros
atingem grandes concentrações no tubo colector distal, favorecendo a sua criatalização e
provocando obstrução tubular. Por isso, os rins são muito suscetíveis a agressões por fármacos e
vários podem ser nefrotóxicos.

Os doentes com insuficiência renal são frequentemente polimedicados, o que exige muita
atenção em relação às interações medicamentosas. Por outro lado, os rins são a principal via de
excreção de muitos fármacos e como consequência a prescrição requer frequentemente um
ajuste posológico de acordo com a função renal.
No entanto, a insuficiência renal não deve nunca inibir a prescrição de fármacos fundamentais.

I. PRESCRIÇÃO DE FÁRMACOS NA INSUFICIÊNCIA RENAL

A insuficiência renal pode alterar a farmacocinética e a farmacodinâmica e consequentemente,


os doentes com IRC têm um risco acrescido para efeitos adversos. Para uma prescrição segura e
eficiente deveria haver um conhecimento pleno acerca da farmacocinética dos fármacos nos
vários estádios de insuficiência renal. Infelizmente a maior parte dos estudos clínicos excluem
os doentes com IRC e em diálise.

A prescrição (dose e/ou intervalo) de fármacos com eliminação renal deve ser ajustada ao grau
de disfunção renal, sob risco de acumulação e toxicidade importante. Nunca devemos prescrever
um fármaco a um doente com insuficiência renal sem ter a certeza de que não é necessário
ajustar a posologia. Por outro lado, nunca devemos deixar de prescrever um fármaco essencial
pelo facto de o doente ter insuficiência renal.

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1- Princípios farmacocinéticos

A biodisponibilidade define-se como a quantidade de fármaco disponível na circulação


sistémica após a administração (não por via endovenosa). Um fármaco administrado por via
endovenosa tem uma biodisponibilidade de 100%. A insuficiência renal pode influenciar a
absorção sendo difícil de quantificar em que proporção. Por exemplo, o edema do tubo
digestivo pode limitar a absorção da furosemida; as náuseas e os vómitos consequentes da
uremia também. Na uremia grave a ureia alcaliniza a saliva e pode alterar a absorção de
fármacos melhor absorvidos em meio ácido.
Após absorção os fármacos distribuem-se pelo plasma e o compartimento extravascular. O
volume de distribuição não corresponde a um espaço anatómico mas sim à quantidade de
fármaco necessária para atingir a concentração plasmática desejada; deve-se ter em conta que
parte deste se distribui pelos outros compartimentos e esta distribuição varia entre fármacos. O
volume de distribuição é usado para calcular a dose de carga necessária. Os fármacos
lipossolúveis têm maior volume de distribuição que os hidrossolúveis. O edema, ascite ou as
infeções podem aumentar o volume de distribuição, não se atingindo a concentração plasmática
desejada se a mesma dose de fármaco for usada (particularmente nos fármacos hidrossolúveis).
O contrário pode acontecer na depleção de volume e redução de massa muscular. A distribuição
pode também ser influenciada pela ligação às proteínas, que pode estar alterada na doença renal,
quer por diminuição da albumina plasmática (por ex. no síndrome nefrótico) ou pela alteração
da ligação às proteínas pelas toxinas urémicas. É difícil prever o efeito destas alterações. Como
exemplo temos a fenitoína que tem menor ligação às proteínas plasmáticas na IRC e poderá
haver toxicidade mesmo com concentração plasmática normal ou baixa, pelo aumento da sua
fração livre.
O rim é o órgão mais importante para a eliminação dos fármacos e seus metabolitos. A semivida
de um fármaco define-se como o tempo necessário para a concentração plasmática se reduzir a
50% e está relacionada com o volume de distribuição e com a depuração. A depuração renal de
um fármaco depende da TFG, da secreção tubular e da reabsorção tubular. Assumindo que a
depuração extra-renal não se altera, à medida que a função renal diminui a depuração dos
fármacos também diminui e a sua semivida aumenta.

2- Prescrição na doença renal crónica

Atendendo às alterações da farmacocinética na insuficiência renal, sobretudo na excreção, o


esquema de prescrição de um fármaco pode adivinhar-se complexo. No entanto, na prática, o
ajuste da posologia pode fazer-se de forma simples e habitualmente as alterações de dose só
serão necessárias até que a TFG seja inferior a 30 mL/min.

NPNN 2020 177


Primeiro é necessário estimar a taxa de filtração glomerular. Na DRC estável usam-se os meios
habituais: taxa de depuração da creatinina, fórmulas de MDRD ou Cockroft-Gault. Esta última é
a mais acessível e para efeitos de ajuste posológico perfeitamente aceitável. No entanto
devemos ter em mente que nos extremos de peso (doentes muito musculados ou muito magros)
pode dar valores enganadores e que na DRC avançada sobrestima bastante a TFG.
Na insuficiência renal aguda (IRA), devemos ter em conta que o valor da creatinina pode ser
enganador. Nos doentes oligúricos ou com creatinina em crescendo a taxa de depuração da
creatinina é inferior a 5-10 ml/min e nos anúricos é, obviamente, zero, independentemente do
valor da creatinina nesse dia. Por outro lado, no período de recuperação da função renal também
não é fácil de determinar pelos métodos descritos e o valor da creatinina é inútil.
A decisão de modificar a dose na insuficiência renal é influenciada pela janela terapêutica. Se
esta é ampla pode não haver necessidade de alterar a dose (ex. algumas cefalosporinas), se é
estreita (ex. digoxina), é essencial o ajuste de dose.

Existem duas formas de ajustar a posologia dos medicamentos com eliminação renal: reduzir a
dose ou aumentar o intervalo entre as tomas.
A dose de carga não é alterada de forma a se atingir mais rapidamente uma concentração
plasmática do fármaco estável. Como a IRC pode prolongar a semivida, simplesmente
reduzindo a dose pode ser um erro terapêutico, pois esta estratégia só irá atrasar o atingimento
de uma concentração de fármaco estável. Por este motivo as doses de carga não requerem
modificação nos doentes com insuficiência renal. A dose dos aminoglicosídeos poderá ter que
ser aumentada nos doentes com um aumento do volume de distribuição (hipervolemia ou
sépsis).
As doses de manutenção devem ser reduzidas proporcionalmente à disfunção renal e à
proporção de eliminação renal do fármaco. Nos fármacos em que é importante o pico de
concentração (p. ex. aminoglicosídeos) deve manter-se a dose e o intervalo entre as doses deve
ser prolongado. Nos fármacos em que o objetivo é manter concentrações constantes é mais
apropriado reduzir a dose e manter o intervalo entre as tomas.

Nos doentes sob técnicas dialíticas a depuração dos fármacos pela diálise pode reduzir a eficácia
deste. Há duas situações em doentes em hemodiálise que tem que se ter em consideração:
muitos estudos reportam resultados de uma altura em que se usavam filtros de baixo fluxo, que
são menos eficientes a remover fármacos e atualmente é quase generalizado o uso de filtros de
alto fluxo, e que embora muitas recomendações indicam o uso de doses suplementares no fim
da diálise estas são raramente usadas sobretudo se menos de 30% do fármaco é removido

NPNN 2020 178


durante a sessão de hemodiálise e porque se ajusta a altura da administração do fármaco para o
fim do tratamento dialítico.

Para o cálculo das doses nos insuficientes renais crónicos, incluindo aqueles sob terapêutica
dialítica convencional ou técnicas contínuas, existem tabelas disponíveis para determinar a dose
inicial e dose de manutenção do fármaco. Deve-se avaliar também a necessidade de monitorizar
os níveis séricos dos fármacos para ajustar a posologia. A monitorização é sobretudo útil nos
doentes com LRA em que a função renal é instável, mas deve também fazer-se nos tratamentos
crónicos com fármacos de eliminação renal (digoxina, carbamazepina, fenitoína, valproato, lítio,
etc). O doseamento pode ser feito em pico (após a toma) ou, em vale (antes da toma).

O bem-estar do doente deverá ser primordial em detrimento do ajuste de dose à função renal.
Doses acima do recomendado podem ser apropriadas quando houver uma indicação clínica. Por
exemplo, nas infeções graves que põem em risco a vida do doente e as consequências da
falência da terapêutica são maiores que as da sua toxicidade.

II. FÁRMACOS E NEFROTOXICIDADE

Uma variedade de fármacos podem ser nefrotóxicos e podem estar envolvidos diferentes
mecanismos.
1- A nefrotoxicidade idiossincrásica (ex. nefrite intersticial) é imprevisível e independente
da dose. Este tema será falado noutro capítulo.
2- Nefrotoxicidade por alterações hemodinâmicas
Podem ocorrer com os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), inibidores do
receptor da angiotensina (ARA), AINES, diuréticos e anti-hipertensores.
3- Toxicidade tubular direta
Pode ser desencadeada pelo uso de aminoglicosídeos, vancomicina, anfotericina, cisplatina,
inibidores da calcineurina e meios de contraste.
4- Uropatia obstrutiva
Pode ocorrer com agentes tais como aciclovir.
5- Glomerulonefrite imuno-mediada e microangiopatia trombótica, são raras mas ocorrem
também com o uso de fármacos

NPNN 2020 179


Clinicamente a toxicidade renal é manifestada por síndromes nefrológicas. Um agente pode
causar mais do que uma síndrome nefrológico e existem 3 formas major de apresentação de
lesão renal (Tabela 1):

SÍNDROME NEFROLÓGICO FÁRMACO

Insuficiência Renal Aguda Pré- Ciclosporina, Tacrolimus, Contraste,


renal/hemodinâmica iECA/ARAII, anfotericina B, AINE’s
Necrose Tubular Aguda Aminoglicosídeos, anfotericina B,
Cisplatina, algumas cefalosporinas
Nefrite Intersticial Penicilinas, cefalosporinas,
Aguda Sulfonamidas, Rifampicina, AINE’s,
Interferon
Pós-renal/obstrutiva Aciclovir, analgésicos, ciclosporina,
metotrexato, indinavir, sulfadiazina
Insuficiência Renal Crónica Lítio, AINE’s, Ciclosporina,
Tacrolimus, Cisplatina
Síndrome Nefrótico Ouro, penicilamina, AINE’s, captopril,
interferon
Tabela 1 – síndromes nefrológicos provocados por fármacos. Alguns fármacos podem provocar
diferentes tipos de lesão.

2- Nefrotoxicidade por alterações hemodinâmicas

Alguns fármacos provocam azotemia pré-renal por vasoconstrição ou inibição da vasodilatação


adaptativa. Por definição, a função renal melhora rapidamente após a suspensão do fármaco. Em
alguns casos a insuficiência renal pode persistir, resultante da manutenção do fármaco ou da
coexistência de outros factores. Os fármacos nefrotóxicos por este mecanismo geralmente
agravam a função renal em doentes desidratados, com diminuição do volume efectivo
(insuficiência cardíaca, cirrose) ou com insuficiência renal prévia.

A. Antagonistas do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRRA)

A inibição do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) é atualmente uma das pedras


basilares do tratamento da HTA. É também uma das armas terapêuticas mais importantes na
prevenção da progressão da DRC, mormente quando existe proteinúria. Há uma relação direta
entre o grau de proteinúria e a velocidade de progressão da DRC.
Os inibidores do SRAA atrasam a progressão da DRC quer por via do controle da HTA quer
pelo seu efeito direto na redução da proteinúria.
Os IECA e ARA inibem (quer por diminuição da conversão da angiotensina ou por antagonizar
o receptor) a acção vasoconstritora da angiotensina II na arteríola eferente. Como consequência
diminuem a pressão intraglomerular.

NPNN 2020 180


Enquanto este efeito é benéfico em termos de redução da proteinuria e progressão da DRC em
pacientes estáveis, o mesmo não acontece em situações, habitualmente agudas, em que há
diminuição do volume circulante efetivo (insuficiência cardíaca, cirrose hepática, síndrome
nefrótico, sépsis, hemorragia, ou outros estados de depleção de volume intravascular), em que a
vasoconstrição da arteríola eferente é importante para manter uma pressão de perfusão do
glomérulo e manter a função renal adequada, desenvolvendo-se insuficiência renal aguda

B. AINE´s

São dos fármacos mais usados na prática clínica. Embora a probabilidade de toxicidade renal
não seja muito alta (1-5%), o uso alargado destes fármacos faz com ela seja encontrada
frequentemente na prática clínica. A lesão renal pode ocorrer com qualquer classe de AINE
desde os não selectivos aos inibidores da COX-2. Os inibidores da COX-2 têm perfil
nefrotóxico em tudo idêntico aos AINES não selectivos.

A LRA vasomotora ou hemodinâmica dos AINES ocorre quando a manutenção da função renal,
isto é, da TFG, é criticamente dependente das prostaglandinas vasodilatadoras. Quando há
diminuição do volume circulante efectivo ou situações em que há aumento da produção de
vasoconstritores intra-renais (agentes de contraste, obstrução urinária, glomerulonefrite aguda),
o fluxo sanguíneo renal mantém-se por vasodilatação compensadora da arteríola aferente
provocada por aumento da síntese de prostaglandinas (PGs). Para além deste efeito glomerular,
o aumento de prostaglandinas renais provoca vasodilatação de outros vasos sobretudo nestas
situações em que há síntese aumentada de angiotensina II, NA, vasopressina ou endotelina,
impedindo a isquemia por vasoconstrição. A inibição da síntese de PGs pelos AINES leva à
diminuição da TFG por provocar diminuição da pressão de perfusão glomerular e por
vasoconstrição intrarenal.
O risco de LRA pelos AINES é também superior nos idosos, com o uso concomitante de
IECAS/ARA II e diuréticos.

Geralmente observa-se um aumento do valor de creatinina cerca de 3 a 7 dias após o início da


terapêutica. O exame de urina não demonstra alterações relevantes embora se possa observar
proteinúria de baixo grau (< 500mg/dia). O sedimento será normal.
O tempo até recuperação será dependente da presença de doença renal crónica prévia e se se
tiver desenvolvido NTA. Se a lesão for exclusivamente hemodinâmica, a recuperação será
evidente nas 24 a 72 horas após a suspensão do fármaco.

NPNN 2020 181


Outros efeitos dos AINES

Retenção hidrossalina- Em 25% dos doentes que tomam AINES há retenção hidrossalina,
provocada pela inibição das PGs e do seu efeito compensador na excreção de água e sódio. O
edema ocorre em 2.1% das pessoas medicadas com AINES.
A retenção hidrossalina interfere, agravando, o controlo da tensão arterial e pode também
provocar HTA de novo.
Hipercaliemia- associam-se a hipercalemia, mesmo em doentes com função renal normal. Nos
diabéticos, bem como nos idosos, este risco aumenta pela maior frequência de
hipoaldosteronismo-hiporreninémico.
Síndrome nefrótico associado a nefrite intersticial aguda (NIA)- Os AINEs que mais
frequentemente associados a NIA são o ibuprofeno, naproxeno e fenoprofeno. Podem surgir ao
fim de meses, até 1 ano de administração, associam-se a proteinúria nefrótica em cerca de 90%
e as manifestações extra-renais como febre, rash ou artralgias são muito raras. Cursa com
remissão espontânea com a retirada do fármaco. A recuperação da função renal pode demorar
dias a semanas e há um risco considerável de lesão renal permanente, o maior entre todos os
agentes causadores de NIA.
Insuficiência renal crónica- O uso prolongado de AINES está associado a um risco aumentado
de IRC provavelmente devido a necrose papilar ou NTI crónica idêntica ao observado com
outros analgésicos. O risco parece ser maior com os AINEs com longa duração de ação (> 4
horas).

3- Toxicidade tubular direta

Acontece por lesão tubular direta aquando da eliminação renal do fármaco, como no caso dos
aminoglicosídeos, vancomicina, anfotericina B ou cisplatina. Manifesta-se com instalação
progressiva de IRA não oligúrica. Geralmente há recuperação da função renal com a retirada do
agente, mas ela pode ser só parcial. O tempo de recuperação pode ir até várias semanas. Se ao
fim de 4 semanas não houver recuperação da função renal, deverá ser confirmada a toxicidade,
geralmente com biópsia renal, ou procurada outra causa para a insuficiência renal. Insuficiência
renal irreversível pode acontecer se houver exposição repetida ao tóxico tubular.

A. Aminoglicosídeos

A preocupação com o uso dos aminoglicosídeos é a potencial nefrotoxicidade e otoxicidade.


Os aminoglicosídeos são excretados por filtração glomerular e a nefrotoxicidade pode ocorrer se
a dose não for ajustada à função renal. Estes acumulam-se nas células do túbulo contornado

NPNN 2020 182


proximal (TCP) e podem atingir aqui uma concentração 100 a 1000 vezes superior à plasmática.
O seu acúmulo provoca stress oxidativo celular do que resulta necrose tubular.

A ocorrência de nefrotoxicidade varia entre 10 a 20% e aumenta com a dose e duração da sua
administração (risco de 50% se superior a 14 dias de terapêutica).
A gentamicina, a tobramicina e a netilmicina parecem ter efeitos nefrotóxicos similares e a
amicacina poderá ser a menos nefrotóxica. A Neomicina que tem alta afinidade para o receptor
no TCP, é o mais nefrotóxico dos aminoglicosídeos.
A nefrotoxicidade por estes agentes pode ser minimizada:
- Selecionar se possível o aminoglicosídeo menos nefrotóxico
- Corrigir hipocalemia e hipomagnesiemia previamente à administração dos fármacos
- Evitar o seu uso em doentes com depleção de volume (ou optimizar a volemia previamente à
administração), ajustar a dose à função renal, limitar o tratamento a 7-10 dias e evitar
medicações nefrotóxicas concomitantes
- Vigiar níveis plasmáticos sobretudo em doente de risco e optar por toma única diária
Embora se tenham estudados vários agentes com potencialidade para prevenir a nefrotoxicidade
dos aminoglicosídeos, tais como polioaminoácidos aniónicos e agentes antioxidantes, nenhum
foi ainda adoptado clinicamente.

A LRA é normalmente não oligúrica e ocorre após 5 a 10 dias de tratamento. Do envolvimento


de segmentos tubulares mais distais poderá resultar poliúria, hipocalemia e hipomagnesiemia.
A insuficiência renal é na maioria dos casos reversível com a suspensão do fármaco. No
entanto, o início da recuperação da função renal pode demorar, e a recuperação total pode levar
algumas semanas.

B. Vancomicina

A vancomicina é um glicopeptídeo. A dose e administração da vancomicina deverá ser ajustada


considerando a gravidade da infeção, local da infeção, o peso do doente, a função renal e a
susceptibilidade do patogéneo. A monitorização da concentração plasmática é importante para
determinar a dose de vancomicina.
Os efeitos adversos da vancomicina incluem reações cutâneas, ototoxicidade, reações
relacionadas com a infusão e a nefrotoxicidade. A absorção sistémica da vancomicina quando
administrada por via oral é habitualmente pequena e não ocorrem efeitos adversos, mas quando
há inflamação do cólon (ex. infeções por Clostridium difficile) a absorção pode estar aumentada,
aumentando o risco de efeitos laterais.

NPNN 2020 183


A lesão renal aguda atribuível à vancomicina em monoterapia é pouco frequente (cerca de 5-
15%), e o risco de nefrotoxicidade aumenta quando associada a outros fármacos nefrotóxicos
tais como aminoglicosídeos. Está descrito também um aumento deste risco com associações
com a piperacilina-tazobactan e cefepima.
É reversível e deve-se descontinuar o fármaco. Habitualmente observa-se quando os níveis em
vale são superiores a 15 mcg/mL. A nefrotoxicidade da vancomicina não é totalmente
compreendida e pode ser difícil distinguir da nefrite intersticial aguda e, sobretudo nos doentes
críticos, de outras causas de LRA.
Como fatores de risco para o seu aparecimento temos: doses diárias totais superiores 4g,
duração do tratamento, uso concomitante de outros nefrotóxicos e presença de insuficiência
renal.
A dose de vancomicina a administrar deve ser determinada e calculada de acordo com a
gravidade da doença, a TFG e o peso do doente. Na presença de insuficiência renal os intervalos
de administração devem ser maiores de acordo com as recomendações. Os níveis em vale da
vancomicina devem ser determinados após a quarta administração nos doentes sem alteração da
função renal.
O uso de perfusões contínuas não demonstrou ainda superioridade prognóstica em relação às
administrações intermitentes, no entanto, poderá estar associada a menor nefrotoxicidade. Serão
necessários mais estudos a comprovar a sua segurança e vantagem.

C. Anfotericina B

A anfotericina atua pela ligação aos esteróis das membranas celulares, quer dos fungos
(ergosterol), mas também das células dos mamíferos (colesterol). Desta ligação resulta um
aumento da permeabilidade da membrana, aumento do influxo de Na+ e consequentemente da
atividade do transportador Na+K+ATPase, com depleção das reservas energéticas celulares.
A nefrotoxicidade da anfotericina B relaciona-se com a dose cumulativa, ocorrendo após a
administração de 2 a 3 g.
Os primeiros sinais da toxicidade renal são a perda de capacidade de concentração da urina por
lesão tubular distal (poliúria, hipocalemia, hipomagnesiemia, acidose tubular distal), seguida de
declínio da TFG. A insuficiência renal é progressiva e não-oligúrica, e a recuperação muito
lenta com a suspensão farmacológica, podendo no entanto persistir as lesões tubulares distais.
Uma forma de prevenção é manter débitos urinários altos durante o uso deste fármaco, com
administração de soro salino, e o uso da forma lipossómica que reduz o risco de LRA na ordem
dos 50%.
Doses elevadas, cursos prolongados ou exposições repetidas podem causar DRC.

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D. Inibidores da Calcineurina

A ciclosporina e o tacrolimus podem causar LRA como resultado de vasoconstrição da arteríola


aferente em parte mediada pela endotelina. A nefrotoxicidade aguda geralmente é dose-
dependente, por isso sempre que se utilizam é obrigatório monitorizar os níveis plasmáticos. A
LRA é reversível quando se suspende o fármaco ou se reduz a dose.
A persistência da isquemia por vasoconstrição pode levar a fibrose intersticial crónica assim
como hialinose glomerular. Clinicamente caracteriza-se pela presença de HTA, hipercalemia,
hiperuricemia e espoliação de fósforo e magnésio por lesão tubular.
Os inibidores da calcineurina também podem causar outro tipo de manifestações renais tais
como disfunção tubular reversível e MAT (microangiopatia trombótica), pelos seus efeitos a
nível do endotélio.

E. Anti-neoplásicos

Vários anti-neoplásicos podem ser nefrotóxicos (tabela 2). Os mais frequentes são cisplatina,
ciclofosfamida e metotrexato.

TABELA 2. Nefrotoxicidade dos anti-neoplásicos

Cisplatina Lesão tubular. IRA. DRC. Hipomagnesemia


Ciclofosfamida Cistite hemorrágica. Hiponatremia
Estreptozocina LRA. Disfunção tubular

Mitomicina C Síndrome Hemolítico Urémico


Mitramicina NTA

Metotrexato LRA em doses elevadas


5-fluouracilo LRA

IL-2 LRA
Interferon-alfa Glomerulosclerose segmentar e focal. NTA

A cisplatina é um potente agente quimioterápico usado no tratamento de uma larga variedade de


neoplasias.
Vários mecanismos contribuem para a disfunção renal com o uso da cisplatina:
- Toxicidade celular tubular
Mais de 50% do fármaco é excretado pela urina nas primeiras 24h após administração e a
concentração de platina atingida no córtex renal é 7x maior que a do plasma e outros órgãos. A
lesão observa-se sobretudo no segmento S3 do TCP causando diminuição da TFG.
- Vasoconstrição da microvasculatura renal
- Efeitos pró-inflamatórios

NPNN 2020 185


A manifestação clínica mais importante na nefrotoxicidade pela cisplatina é a insuficiência renal
que pode ser progressiva. A incidência varia dependendo da dose e frequência de administração
e pode eventualmente tornar-se irreversível. A carboplatina é um análogo menos tóxico.
A não ser em situações de DRC avançada, o débito urinário nas 24h é tipicamente superior a
1000 mL por aquisição de um defeito de concentração urinária devido a lesão ao nível da ansa
de Henle.
Em 50% dos doentes com lesão renal, pode ser evidente hipomagnesiemia, que pode exacerbar
ainda mais a nefrotoxicidade da cisplatina. Pode também fazer-se acompanhar de uma Síndrome
de Fanconi.
A cisplatina pode também estar associada a outras formas de lesão renal. Quando administrada
com a bleomicina ou com a gemcitabina poderá desenvolver-se uma microangiopatia
trombótica, com características clínicas de síndrome hemolítica-urémica ou PTT. Este
fenómeno provavelmente reflete lesão vascular direta com ativação plaquetária concomitante. O
início da insuficiência renal poderá ser abrupto ou insidioso, e pode-se desenvolver meses após
a suspensão do tratamento.
A prevenção da nefrotoxicidade assenta no uso de dose mais baixas de cisplatina e no uso de
soro salino isotónico endovenoso. Embora vários agentes tenham sido estudados nenhum
provou eficácia na redução da toxicidade renal da cisplatina. O uso de uma solução salina e o
consequente aumento da diurese reduz dramaticamente a nefrotoxicidade da cisplatina. A
melhor solução e o regime de hidratação não é claro devido à falta de estudos comparativos.
Uma abordagem possível é a administração de 1000 mL de uma solução salina isotónica com 20
mEq de KCl e 2g de Sulfato de Mg, nas 2-3 horas antes da administração e 500 mL da mesma
solução nas 2 horas após. O objectivo é permitir um débito urinário de cerca de 100 mL/h nas 2
horas antes e nas 2 horas depois da toma da cisplatina. Geralmente não é necessário o uso de
furosemida a não ser em casos em que são evidentes sinais de hipervolemia.

4- Uropatia obstrutiva

Vários fármacos podem causar obstrução intra-tubular por cristais. Dos agentes mais frequentes,
contam:
- Aciclovir
- Sulfonamidas
- Metotrexato
- Inibidores da protéase

NPNN 2020 186


A LRA é frequentemente assintomática, detetando-se pela subida da creatinina plasmática, mas
ocasionalmente, cerca de 1-7 dias após o início da terapêutica, podem ocorrer sintomas de cólica
renal (dor lombar, náuseas ou vómitos). A análise de urina pode mostrar proteinúria ligeira,
cristalúria e o sedimento urinário hematúria e leucocitúria. O diagnóstico é sugerido pela
presença de cristais na urina.
Como fatores de risco comuns a todos os fármacos conta-se a depleção de volume intravascular,
relativa ou efetiva, a presença de DRC prévia ou doença hepática, alterações no pH urinário e o
uso de uma dose excessiva do fármaco.
O tratamento da LRA consiste sobretudo na repleção intravascular. Embora o benefício e
eficácia do uso de diuréticos de ansa ainda não tenha sido provado, habitualmente é
administrado de forma a aumentar o débito urinário e excreção dos cristais intratubulares.
O ajuste do pH urinário parece ser benéfico na LRA obstrutiva induzida por certos fármacos.

A. Aciclovir

O Aciclovir é rapidamente excretado na urina e tem pouca solubilidade. A administração ev,


sobretudo em doentes com depleção de volume, pode levar à deposição de cristais de aciclovir
nos túbulos. Também pode contribuir para a LRA a toxicidade tubular direta e inflamação
intersticial e focal pelo aciclovir.
A via oral é habitualmente bem tolerada devido a uma absorção e excreção mais lenta e o
desenvolvimento de obstrução por cristais é raro.

A deterioração da função renal ocorre nas 24-48 horas após a terapêutica. Podem ser observados
na urina cristais em forma de agulha, birrefringentes.
A alteração da função renal na maioria dos casos é ligeira e há recuperação total cerca de 4 a 9
dias depois da descontinuação do fármaco.
Como prevenção pode-se usar uma solução salina isotónica a 125 mL/h pelo menos 1 hora antes
da toma do aciclovir, mantendo esta perfusão 6 horas depois do término da perfusão do
fármaco, de forma a manter o débito urinário cerca de 75 mL/h.
O tratamento é apenas de suporte (fluidos e.v. + furosemida) como já descrito. Embora a
hemodiálise seja eficaz em remover o aciclovir, não demonstrou alterar o curso da apresentação
clínica da LRA e portanto não é usada com este objetivo, estando apenas recomendada em
alguns doentes com neurotoxicidade e se houver presença de critérios urgentes para hemodiálise
(hipervolemia, hipercalemia, acidose grave, etc).

NPNN 2020 187


B. Metotrexato

O metotrexato é outro fármaco com potencialidade, de quando administrado via endovenosa e


em dose alta, de precipitar nos túbulos renais. Cerca de 90% do metotrexato administrado é
eliminado na urina e os fatores de risco de toxicidade é idêntico aos outros agentes. A presença
de um pH urinário baixo aumenta também o risco de precipitação tubular. A alcalinização da
urina para um pH >7 reduz o risco de toxicidade em cerca de 10x.
Clinicamente caracteriza-se por ser não oligúrica e é usualmente reversível. O valor máximo de
creatinina observa-se na primeira semana, normalizando nas 3 semanas seguintes.
Como medida preventiva preconiza-se o uso de uma solução de bicarbonato de sódio num
volume total de 3 litros/dia (125mL/h). A infusão de bicarbonato deve ser iniciada 12 h antes da
toma do metotrexato e mantida nas 24 a 48 depois. Esta medida reduziu a incidência de LRA
pelo metotrexato para 1,8%.
Não existe, tal como para os outros fármacos, um tratamento específico para além da hidratação
e.v. e uso de furosemida. A alcalinização da urina como medida terapêutica é algo controversa e
sem benefício claro, dado à dificuldade na alcalinização da urina na LRA e pelos potenciais
riscos na alcalinização do plasma (promove a deposição de fosfato de cálcio, induz ou agrava as
manifestações da hipocalcemia). No entanto, na ausência de hipocalcemia, oligúria, alcalose
metabólica ou indicação para hemodiálise, poderá ser usada em conjunto com a furosemida. O
bicarbonato de sódio deverá ser descontinuado se o pH urinário não subir acima de 7 após 12h
de tratamento, ou se se desenvolver alcalose metabólica.
A remoção do metotrexato pelas técnicas depurativas (hemodiálise, hemoperfusão ou
plasmaferese) tem pouca utilidade. Trata-se de um fármaco com forte ligação às proteínas
plasmáticas e tem um volume de distribuição muito alto. Um pequeno estudo demonstrou que a
hemodiálise de alto fluxo diária (tratamentos de 4-6 horas de duração) poderá ser eficaz em
reduzir os seus níveis.

C. Indinavir

O indinavir é um inibidor da protease usado no tratamento do VIH. Pode causar cristalúria


assintomática ou LRA associada a deposição de cristais de indinavir e/ou nefrolitíase. O
indinavir tem baixa solubilidade em urina com pH> 6, mas embora a acidificação da urina possa
aumentar esta solubilidade, na prática clínica não está recomendado.
Recomenda-se hidratação oral pelo menos com 1,5L/dia de água, de preferência antes das tomas
do fármaco. Apesar desta medida, não é totalmente eficaz.
Os cálculos não são radio-opacos o que dificulta o diagnóstico.

NPNN 2020 188


III. FÁRMACOS E EFEITOS LATERAIS ASSOCIADOS Á INSUFICIÊNCIA RENAL

Alguns fármacos não apresentam um efeito adverso direto na função renal mas quando usados
em doentes com insuficiência renal podem agravar as consequências metabólicas da DRC ou
aumentar o risco para outras toxicidades. Como exemplos comuns temos os diuréticos
poupadores de potássio, os antagonistas da aldosterona e os bloqueadores do sistema RAA que
podem agravar ou desencadear hipercalemia; fármacos com sódio na sua composição poderão
provocar retenção hidrossalina e hipertensão.
Outros agentes de interesse no uso nos doentes renais crónicos são a metformina, os fibratos e a
colchicina.

A. Metformina

A metformina é uma biguanida usada no tratamento da diabetes, isolada ou em associação a


outros antidiabéticos. É o agente de primeira escolha na DM tipo 2 e o ADO mais usado no
mundo.
Não dá aumento de peso nem provoca hipoglicemia quando usada isoladamente. Tem uma
semivida de cerca de 5 horas mas está muito aumentada na DRC. É excretada intacta pelos rins
quer por filtração glomerular quer por secreção tubular proximal. O seu volume de distribuição
é muito alto.
O efeito adverso mais grave é a acidose lática. A intoxicação é rara em doentes sem
comorbilidades tais como IRC, insuficiência hepática ou infeções agudas; estima-se ser cerca de
5,1/100 000 habitantes/ano.
O mecanismo é complexo. Por um lado a metformina promove a conversão da glucose a lactato,
mas também reduz a gliconeogénese hepática a partir do lactato, e consequentemente, o seu
acúmulo.
A acidose láctica pela metformina ocorre na maioria das situações na presença de
comorbilidades, tais como:
- Insuficiência renal (taxa de depuração da creatinina < 60 ml/min, isto é, aproximadamente,
creatininemia superior a 1,4 mg/dL nas mulheres ou 1,5 mg/dL nos homens),
- Insuficiência hepática ou alcoolismo,
- Instabilidade hemodinâmica (hipoperfusão),

NPNN 2020 189


- Hipoxia ou doenças agudas severas
- Insuficiência cardíaca.
A intoxicação pela metformina tem uma elevada mortalidade (45-48%), pelo que é importante
reconhecê-la e tratá-la apropriadamente. A mortalidade não se relaciona com os níveis de
metformina nem com os níveis de lactato, mas principalmente com as comorbilidades,
sobretudo insuficiência hepática (avaliada pelo aumento do tempo de protrombina).
Pode acontecer também intoxicação aguda por overdose. Nestes casos a mortalidade está
relacionada com o grau de acidose e os níveis de lactato e não pela concentração da metformina.
O quadro clínico caracteriza-se por náuseas/vómitos, dor abdominal, diarreia, hipotensão,
taquipneia (acidose) e alterações do estado mental. Pode haver hipoglicemia, não por efeito
directo da metformina, mas por potenciação do efeito de outros antidiabéticos associados.

O tratamento consiste em:


- Medidas de suporte: fluidos IV, vasopressores, proteção da via aérea, etc
- Bicarbonato de sódio – algo controverso, pois pode ter efeitos adversos graves. Deve-se
reservar e limitar o uso para situações em que o pH é < 7.15.
- Hemodiálise – é bastante eficaz, mais pela correção da acidose do que pela remoção da
metformina. Embora seja necessário avaliar o benefício de iniciar hemodiálise para cada doente,
deve-se considerar nas seguintes situações de acidose láctica por intoxicação por metformina:
* Elevação dos lactatos> 15-20 mmol/L
* Acidose metabólica severa com pH ≤ 7
* Instabilidade hemodinâmica persistente ou choque apesar da fluidoterapia
* Alteração da função renal – creat > 2 mg/dL ou IRC
* Insuficiência hepática (INR> 1,5)
* Alteração do estado de consciência
* Ausência de melhoria após 2-4 h de tratamento de suporte e bicarbonato
- Técnicas dialíticas contínuas- Têm menor eficácia que a hemodiálise convencional mas
poderão ser uma alternativa nos doentes com instabilidade hemodinâmica marcada. No entanto,
em doentes em que a ultrafiltração não é um objetivo adicional ao tratamento, a hemodiálise
pode ser usada com alguma segurança nos doentes com instabilidade hemodinâmica.

Todos os doentes medicados com metformina, mesmo com função renal normal, e sobretudo os
que têm DRC, devem ser instruídos para que, em caso de desidratação (diarreias), de outras
doenças intercorrentes de alguma gravidade ou de exames contrastados suspendam as tomas de
metformina, pois a insuficiência renal secundária à desidratação ou nefropatia de contraste pode
levar à acumulação de metformina.

NPNN 2020 190


B. Fibratos

O fenofibrato e o genfibrozil são fibratos muito usados na prática clínica. A dose do fibrato deve
ser ajustada à função renal e deve ser evitado nos doentes com disfunção renal severa.
Estão associados a toxicidade muscular sobretudo quando associados às estatinas e podem
interferir com o metabolismo da varfarina.
Em estudos randomizados, demonstrou-se que os fibratos provocam aumento dos valores da
creatinina plasmática sobretudo em doentes idosos. Embora o aumento dos níveis de creatinina
sejam motivo observação e intervenção, é pouco claro se esta elevação reflete lesão renal. O
aumento da creatinina plasmática é habitualmente revertida com a suspensão do tratamento.
O mecanismo para o aumento da creatinina plasmática não é muito claro.
Várias explicações foram propostas nomeadamente: pela interferência dos fibratos nos métodos
analíticos nos valores da creatinina, por aumento da produção da creatinina ou por redução do
clearance da creatinina. Vários estudos comprovaram que o valor da creatinina é real e não
dependente do método de análise. Há quem sugira que reflete uma diminuição da síntese de PG
vasodilatadoras pelos fibratos e quem sugira ser devida a alterações hemodinâmicas intrarenais
(aumentam a natriurese e levam a depleção de volume).
O aumento de produção da creatinina poderá ser a explicação mais plausível dado a que o
aumento da creatinina plasmática não se acompanhava de uma diminuição da creatinina urinária
e o cálculo da TFG pela inulina não se altera, e portanto o aumento da creatinina plasmática não
refletia uma verdadeira “lesão” renal.
Embora o papel dos fibratos no aumento da creatinina ainda não esteja totalmente esclarecido,
os seus potenciais efeitos deletérios na função renal obrigam a reconsiderar o seu uso nos
doentes de risco para DRC.

C. O tratamento da crise de gota nos doentes com insuficiência renal

O objetivo do tratamento na crise gotosa é a cessação rápida da dor e da impotência funcional.


Sem tratamento a crise gotosa resolve após alguns dias a várias semanas.
O tratamento deve iniciar-se o mais precocemente possível, de preferência nas primeiras horas e
deve manter-se enquanto existirem sintomas. Quando o quadro clínico melhora pode-se reduzir
a dose do fármaco utilizado, e suspender após 1-3 dias de ausência de sintomas.
Os medicamentos hipouricemiantes (ex. alopurinol) não têm benefício na crise de gota e não
devem ser iniciados durante a crise. No entanto, se o doente já os toma, deve mantê-los.

NPNN 2020 191


Os tratamentos disponíveis são os AINEs, colchicina, corticoesteróides (PO, IV ou intra-
articulares) e agentes biológicos ainda em investigação. Podem usar-se analgésicos para alívio
temporário da dor.
As comorbilidades, nomeadamente a insuficiência renal, podem condicionar a opção
terapêutica.

Na população em geral, o tratamento de eleição são os AINEs, p.ex. naproxeno 500 mg bid ou
indometacina 50 mg tid. Pode ser usado o celecoxib 800 mg seguido de 400 mg bid.
No entanto, como os AINEs podem agravar a insuficiência renal, não devem ser usados em
doentes com taxa de filtração glomerular menor que 60 ml/min.

A colchicina é a segunda opção, sobretudo se houver intolerância ou contraindicação para o uso


de AINES. Geralmente é mais eficaz se usada precocemente (12-24 horas), e pouco eficaz se
usada 3 ou 4 dias depois do início da crise. A dose recomendada é de 1 mg + 1 mg 1 hora
depois, ou 0,5 mg tid, no primeiro dias de tratamento. O tratamento deve continuar alguns dias
após o fim da crise, eventualmente em dose menor (1-0,5 mg/dia).
Muitos fármacos interferem no metabolismo da colchicina. Alguns por inibição do componente
CYP3A4 do sistema citocromo P450 (nicardipina, claritromicina, isoniazida, itraconazol,
ketoconazol, fluconazol, anti-retrovíricos inibidores das proteases, amiodarona, ciprofloxacina,
norfloxacina, co-trimoxazol, eritromicina, haloperidol, metronidazol, sertralina, tamoxifeno,
estatinas), outros pela inibição da P-glicoproteina (eritromicina, claritromicina, azóis, alcaloides
da vinca, amiodarona, verapamil, ciclosporina, tacrolimus) ou por ambos os mecanismos.

A dose de colchicina deve ser ajustada em doentes com TFG inferior a 45 ml/min, sendo
habitualmente 50% da dose recomendada. Não deve usar-se em doentes em hemodiálise nem
com insuficiência hepática. A colchicina não é removida pela hemodiálise.

Assim, nos doentes com insuficiência renal moderada ou severa a corticoterapia é o tratamento
mais seguro. É pelo menos tão eficaz como os AINEs ou a colchicina. A escolha da via, oral, IV
ou intra-articular depende das características do doente, do número de articulações atingidas e
da experiência do médico.

Se só há 1 ou 2 articulações atingidas pode usar-se a via intra-articular. É muito eficaz e pode


ajudar na confirmação do diagnóstico e na exclusão de artrite infeciosa ou pseudogota (artrite
por cristais de pirofosfato de cálcio). No entanto requer experiência em artrocentese.

NPNN 2020 192


Se não se tem essa experiência ou se o atingimento é de várias articulações devem usar-se a via
oral. Deve ter-se precaução nos doentes com ICC, HTA não controlada ou intolerância à
glicose. A via IV ou IM usa-se apenas se o doente não pode fazer medicação oral.

A dose oral é de 40 a 60 mg de prednisolona 1 vez/dia ou em repartida em 2 tomas. Depois de


melhorar deve reduzir-se gradualmente, geralmente até 7-10 dias. As recaídas são frequentes, e
nessas deve-se prolongar-se o tratamento e a redução da dose até aos 14-21 dias. Se a crise for
resistente deve-se iniciar-se alopurinol ainda sob terapêutica com corticoide.
Os efeitos mais comuns da corticoterapia de curto prazo são as alterações do humor,
hiperglicemia, retensão de fluidos e HTA, geralmente reversíveis após a suspensão do
tratamento.
A dose IV é metilprednisolona 20 mg 2 vezes/dia com posterior redução de dose para metade
quando os sintomas melhorarem.

Nos doentes já em diálise, e se já não tiverem função renal residual, podem usar-se AINEs.

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XV.

Infecções do
tracto urinário

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INFEÇÕES DO TRATO URINÁRIO

Objetivos
• Saber classificar as infeções urinárias consoante o local de infeção e as características
do hospedeiro
• Reconhecer os critérios de diagnóstico dos diferentes tipos de infeção
• Identificar os agentes microbianos mais frequentemente causadores de infeção
• Conhecer os critérios de requisição de exames complementares de diagnóstico
• Delinear e instituir um correto esquema terapêutico e o seu posterior follow-up

As infeções do trato urinário (ITUs) são das infeções bacterianas mais comummente
diagnosticadas, nomeadamente em ambulatório. A apresentação clínica é variável, desde a
cistite simples à urossépsis.

As ITUs desenvolvem-se tipicamente quando bactérias da flora fecal colonizam a


mucosa peri-uretral e alcançam, por via ascendente, a uretra, a bexiga e, em alguns casos,
ascendem pelo ureter até ao rim. A infeção hematogénea do rim, apesar de possível, é
incomum em indivíduos imunocompetentes.

As ITUs podem classificar-se de acordo com o local da infeção e as características do


hospedeiro em:

Consideram-se como ITUs não complicadas casos de cistite ou pielonefrite agudas em


doentes sem anomalia funcional ou anatómica do trato urinário, sem patologia renal ou outra
doença concomitante que possa contribuir para o desenvolvimento da infeção. Na maioria
dos casos, estas ocorrem em mulheres pré-menopausa saudáveis, não grávidas e sem história
sugestiva de alterações funcionais ou anatómicas do trato urinário. Esta distinção entre ITU
não complicada e complicada é importante quer na escolha do tratamento antimicrobiano
quer na sua duração.

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1.1. INFECÇÕES URINÁRIAS NÃO COMPLICADAS

PATOGÉNESE, FATORES DE RISCO E MICROBIOLOGIA

Na maioria dos casos, as ITUs não complicadas resultam da infeção por via
ascendente, com acometimento da bexiga (cistite) e/ou do rim (pielonefrite). A pielonefrite é
rara em mulheres com cistite não tratada e em homens e mulheres com bacteriúria
assintomática. Os fatores microbianos e do hospedeiro que contribuem para a progressão da
infeção vesical para renal, não totalmente esclarecidos, permanecem ainda em estudo.

Constituem fatores de risco para ITUs não complicadas: atividade sexual, uso de
espermicidas, novo parceiro sexual no último ano, obstipação (crónica), ITUs prévias e história
de ITUs em familiar de primeiro grau do sexo feminino. Este último fator aponta para uma
possível predisposição genética para o desenvolvimento deste tipo de infeções.

Nas mulheres, o agente microbiano mais frequentemente envolvido é a Escherichia


coli, responsável por cerca de 75 a 95% dos episódios de cistite e pielonefrite não
complicadas. Assim, o tratamento empírico deve ter sobretudo em consideração os padrões
locais de suscetibilidade antimicrobiana da Echerichia coli. Os restantes casos são
habitualmente causados por outras Enterobacteriaceas, como a Klebsiella pneumoniae e o
Proteus mirabillis, e bactérias gram positivas como o Staphylococcus saphrophyticus, o
Enterococcus faecalis e o Streptococcus agalactiae. No entanto, de salientar que estes dois
últimos, quando isolados na urina de mulheres com sintomas de cistite não complicada,
representam frequentemente contaminação.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

As infeções do trato urinário inferior manifestam-se habitualmente por disúria,


urgência miccional, polaquiúria, dor supra-púbica, hematúria, piúria e/ou urina com odor
fétido. No sexo masculino, não raras vezes, podem ocorrer sintomas obstrutivos. As infeções
do trato urinário superior incluem os sintomas e sinais acima referidos (podendo ou não estar
presentes), bem como pelo menos 1 dos seguintes: febre (temperatura corporal ≥38ºC),
calafrios, mal-estar geral, dor no flanco e à percussão no ângulo costo-vertebral, náuseas,
vómitos ou diarreia. Nos idosos, a abordagem torna-se mais particular, com uma
apresentação tendencialmente mais subtil, devendo ser suspeitada perante uma história de
quedas múltiplas, agravamento do estado confusional, prostração ou recusa alimentar. Em
alguns casos, a apresentação pode ainda simular doença inflamatória pélvica. Mais
raramente, os doentes podem apresentar-se com quadros de sépsis, disfunção multiorgânica
e/ou lesão renal aguda.

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DIAGNÓSTICO

O diagnóstico baseia-se essencialmente nas manifestações clínicas típicas. A


probabilidade de cistite é maior que 50% em mulheres com um qualquer sintoma de ITU e
maior que 90% na presença de disúria, aumentando a probabilidade de pielonefrite se existir
dor no flanco ou no ângulo costo-vertebral.

O teste fita Combur (com ou sem exame microscópico de urina para a pesquisa de
piúria) é o teste mais frequentemente usado numa primeira abordagem perante uma
suspeita de cistite aguda. Este permite a identificação da esterase leucocitária, libertada pelos
leucócitos e portanto indicador de piúria, e de nitritos, refletindo a presença de
Enterobacteriaceas (bem como espécies de Pseudomonas), que convertem os nitratos
urinários em nitritos. A presença de esterase leucocitária e/ou nitritos positivos favorece o
diagnóstico de ITU, com uma sensibilidade de 75% e especificidade de 82%. No entanto,
quando a clínica é muito sugestiva, mesmo resultados negativos não excluem infeção. De
notar que determinadas bactérias (como é o caso do Haemophilus, do Staphylococcus e do
Streptococcus) não possuem capacidade de conversão de nitratos em nitritos.

A piúria constitui uma das evidências laboratoriais de ITU, pelo que a sua ausência
favorece um diagnóstico alternativo ou, no caso da pielonefrite aguda, sugere a presença de
obstrução do trato urinário. A piúria estéril pode estar presente em infeções causadas por
Chlamydia, Ureaplasma urealyticum e Mycobacterium tuberculosis. A presença de cilindros
leucocitários faz o diagnóstico de infeção do trato urinário superior. A presença de hematúria,
comum na ITU (mas não na uretrite ou na vaginite, ajudando no diagnóstico diferencial), não
indica infeção complicada e não requer terapêutica mais prolongada.

O goldstandard no diagnóstico de ITU é a deteção do agente infecioso no exame


bacteriológico de urina (urocultura) em conjunto com a presença de sintomas típicos. A
urocultura é usada para confirmar a presença de bacteriúria (≥105 UFC/ml), permitindo
avaliar a suscetibilidade aos antimicrobianos do uropatogénio infetante, não sendo
necessário realizar-se em todos os casos. Encontra-se indicada na suspeita de pielonefrite
aguda, mas não na cistite aguda não complicada na mulher.

A urocultura prévia ao tratamento da infeção urinária está recomendada:

• na pielonefrite aguda (não complicada e complicada)


• nas ITUs complicadas ou recidivantes na mulher adulta
• na grávida
• no homem

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Exames de imagem (como a ecografia reno-vesical e a uro-TC) não são necessários por
rotina nem no diagnóstico de cistite nem no de pielonefrite aguda não complicadas. Estes
exames devem ficar reservados para as situações de persistência de sintomas às 72 horas de
tratamento das ITUs não complicadas e ao diagnóstico quando há sintomas e/ou fatores a
favor de ITU complicada.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

No sexo feminino, a disúria é também comummente encontrada na uretrite e na


vaginite, sendo a cistite mais provável aquando da presença concomitante de polaquiúria,
urgência miccional e hematúria, quando o início dos sintomas é súbito ou severo, e quando
não há irritação ou secreções vaginais. Quando estas últimas manifestações se verificam, é
razoável realizar primeiro exame vaginal e colher urocultura, decidindo posteriormente e com
base nos resultados o início de antibioterapia. No sexo masculino a prostatite bacteriana
aguda, a prostatite crónica e a uretrite são também diagnósticos diferenciais a considerar.

TRATAMENTO

• CISTITE AGUDA NÃO COMPLICADA

A cistite aguda não complicada raramente progride para doença grave, mesmo se não
tratada, pelo que o objetivo primário do tratamento é o alívio sintomático. A escolha do
tratamento deverá ter em conta não só a eficácia como também o efeito ecológico (seleção
de microrganismos resistentes).

O tratamento empírico de primeira linha inclui regimes terapêuticos de curta


duração, uma vez que estes possuem eficácia semelhante a regimes de longa duração no
alívio sintomático, têm menos efeitos adversos, maior adesão e menores custos. A escolha do
antibiótico deve basear-se na sua eficácia e no efeito ecológico adverso. Para o tratamento de
cistite aguda não complicada em mulheres não grávidas a Direção-Geral da Saúde (DGS)
preconiza a nitrofurantoína ou a fosfomicina e, se estes não estiverem disponíveis ou forem
contraindicados, a amoxicilina - ácido clavulânico. Outros antimicrobianos recomendados
como primeira linha em outras guidelines incluem a cefuroxima e o trimetropim -
sulfametoxazol (TMP-SMX).

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A escolha terapêutica deverá ser sempre individualizada, de acordo com história
prévia de intolerâncias ou alergias a antibióticos, com o padrão de resistências no local (se
previamente conhecido), com os efeitos adversos, a disponibilidade e o custo. De salientar
que a nitrofurantoína e a fosfomicina deverão ser evitadas perante suspeita inicial de
pielonefrite aguda, dado não atingirem os níveis terapêuticos adequados nos tecidos renais.
Para além disso, a nitrofurantoína está contraindicada se a clearance da creatinina for inferior
a 60ml/min.

O TMP-SMX deverá ser evitado se houver uma prevalência de resistência conhecida


superior a 20% ou se o doente foi medicado com TMP-SMX nos 3 meses prévios (exceto se
agente suscetível). Em Portugal estão descritas taxas de resistência elevadas. As
fluroquinolonas fazem parte do tratamento de segunda linha. A taxa de resistência às
quinolonas de uropatogénios frequentes são muito elevadas em Portugal (cerca de 30%).
Assim, pela menor eficácia e efeito ecológico importante, o seu uso deverá ser reservado a
casos com contraindicação ou intolerância reconhecida aos restantes antibióticos. As
elevadas taxas de resistência da Echerichia coli às quinolonas e ao TMP-SMX são
provavelmente consequência dos altos níveis de utilização destes antibióticos ao longo das
últimas décadas, potenciando significativamente o risco de falência da terapêutica.

NOTA: Na cistite aguda da grávida a DGS recomenda fosfomicina 3g, toma única, ou
amoxicilina - ácido clavulânico 625mg (500+125mg) de 8/8 horas durante 5 a 7 dias.

• PIELONEFRITE AGUDA NÃO COMPLICADA

A maioria dos casos de pielonefrite aguda não complicada pode ser tratada em
ambulatório com antibioterapia oral: mulheres não grávidas, sem critérios de sépsis e com via
oral patente (nomeadamente na ausência de vómitos). Deverá ser efetuada a colheita de
urocultura com teste da suscetibilidade a antibióticos previamente ao início da terapêutica.

NPNN 2020 199


Nos casos de pielonefrite grave com instabilidade hemodinâmica, presença de vómitos
ou com potencial importante de não adesão à terapêutica, o tratamento deverá realizar-se
em regime de internamento e com antibioterapia endovenosa. Deve colher-se urocultura e
hemoculturas, iniciando-se o tratamento o mais precocemente possível. Nestes casos está
também recomendado um exame de imagem (ecografia reno-vesical). A DGS sugere os
seguintes esquemas terapêuticos empíricos:

Em Portugal, pela elevada taxa de resistência às fluroquinolonas, estas não são


recomendadas no tratamento da pielonefrite aguda, constituindo apenas tratamento de
segunda linha. A ciprofloxacina oral (500mg de 12/12 horas durante 7 dias) ou a levofloxacina
(750mg por dia durante 5 dias) são escolhas apropriadas em doentes que não necessitem de
hospitalização e em locais com resistência a fluroquinolonas inferiores a 10%. Nos locais com
maior resistência (como é comum em Portugal), há guidelines que sugerem uma dose inicial
de antimicrobiano parentérico de longa ação, como 1g de ceftriaxone ou um aminoglicosídeo.

Outra opção é o TMP-SMX (160+800mg de 12/12h durante 14 dias) se o uropatogénio


for suscetível. Se suscetibilidade desconhecida, recomenda-se também uma dose inicial de
antimicrobiano parentérico de longa duração de ação (como acima referido). Os beta-
lactâmicos orais são menos eficazes que os outros fármacos no tratamento de pielonefrite. Se
o agente infecioso é sensível e o beta-lactâmico oral é continuado, deve ser administrado por
pelo menos 14 dias. Nos casos em que a hospitalização é necessária, o tratamento deve ser
iniciado com agente endovenoso: cefalosporina de largo espectro ou penicilina de largo
espectro com ou sem aminoglicosídeo, aminoglicosídeo com ou sem ampicilina,
fluroquinolona ou carbapenemo. A escolha deverá ser, sempre que possível, baseada na
resistência local e ajustada de acordo com o perfil de sensibilidades. Pielonefrites por agentes
produtores de beta-lactamases deverão ser tratadas com carbapenemo e a cobertura
empírica para estes agentes deverá ser igualmente considerada na urossépsis. Nos doentes
que melhoram clinicamente com tratamento endovenoso e que toleram fluídos orais, pode-
se passar a medicação para peros.

NPNN 2020 200


FOLLOW-UP

• CISTITE AGUDA NÃO COMPLICADA

Não é necessário realizar urocultura de controlo após tratamento da cistite aguda não
complicada, desde que os sintomas se tenham resolvido. Uma exceção são as mulheres
grávidas, nas quais a presença de bacteriúria persistente deve ser tratada mesmo que
assintomática. Sintomas urinários que persistam ou recorram em 1 ou 2 semanas após
tratamento de uma cistite não complicada sugerem infeção por uma estirpe resistente ao
antibiótico ou, mais raramente, recidiva. Nestes casos, deve colher-se urocultura e iniciar-se
tratamento empírico com um antibiótico diferente. Episódios de cistite que ocorram após 1
mês de uma ITU tratada com sucesso deverão ser tratados com um regime de curta duração
de primeira linha. Se a recorrência se verificar num período de até 6 meses, deverá ser usado
um agente diferente do primeiro.

PIELONEFRITE AGUDA NÃO COMPLICADA

Todos os casos de pielonefrite aguda deverão ser reavaliados 48 a 72 horas após o


início de antibioterapia. Nos casos de persistência de sintomas às 72 horas de tratamento
apropriado ou se sintomas recorrentes dias ou semanas após o tratamento, deve ser
despistada infeção complicada (nomeadamente com recurso a exames de imagem). Devem
rever-se os resultados da urocultura inicial, repeti-la, colher hemoculturas e, se ausência de
resultados microbiológicos prévios, iniciar tratamento empírico com agente antimicrobiano
de outro grupo (devendo a terapêutica ser modificada posteriormente de acordo com a
suscetibilidade do eventual agente isolado). Não se considera necessário fazer urocultura de
controlo após tratamento da pielonefrite aguda não complicada, desde que os sintomas se
tenham resolvido.

1.1.1. ITUs NÃO COMPLICADAS NO SEXO MASCULINO

Tradicionalmente as ITUs no sexo masculino (incluindo as bacteriúrias assintomáticas)


eram consideradas complicadas, uma vez que a maioria ocorria em crianças e idosos em
associação com anomalias urológicas várias, como a obstrução (por exemplo por hipertrofia
prostática) ou a instrumentação. ITUs não complicadas ocorrem numa pequena proporção de
homens com idade entre os 15 e os 50 anos.

O exame de urina (combur ou exame microscópico) e a urocultura com avaliação do


perfil de sensibilidade (positiva para ≥104 UFC/ml) devem ser realizados em todas as ITUs em
doentes do sexo masculino, incluindo cistites agudas não complicadas.

NPNN 2020 201


Devem procurar-se fatores predisponentes ou causais, pelo que se estes não forem
óbvios, deve considerar-se uma investigação adicional. Homens com cistites recorrentes
devem ser submetidos a avaliação da próstata. A avaliação urológica é provavelmente
desnecessária em homens jovens, sem fatores de complicação óbvios, que tenham um
episódio único e isolado de cistite com boa resposta a antibioterapia. Exames de imagem não
são feitos por rotina na pielonefrite aguda não complicada mas podem ser úteis em algumas
situações (suspeita de complicações). Constituem diagnósticos diferenciais a considerar a
prostatite bacteriana aguda, a prostatite crónica e a uretrite. Segundo as recomendações
terapêuticas da DGS, em indivíduos do sexo masculino, na ausência de prostatite, o
tratamento da cistite aguda não complicada deverá ter uma duração de 7 a 10 dias. A
nitrofurantoína e os beta-lactâmicos geralmente não são usados na cistite no homem por não
atingirem concentrações teciduais adequadas. Os dados na literatura sobre o uso da
fosfomicina são ainda limitados. Assim, o tratamento poderá ser realizado com TMP-SMX ou
fluroquinolonas. A pielonefrite no homem deverá ser igualmente tratada, como acima
explicado, no sexo feminino.

1.1.2. CISTITE AGUDA NÃO COMPLICADA RECORRENTE NA MULHER

As ITUs não complicadas recorrentes são comuns em mulheres jovens e saudáveis. Na


maioria dos casos as cistites recorrentes são reinfecções, muitas vezes causadas pela estirpe
inicial que faz parte da flora fecal. São fatores de risco para ITUs recorrentes:

• Fatores biológicos ou genéticos: primeira ITU antes dos 15 anos de idade; mãe com
história pregressa de ITUs
• Fatores comportamentais: uso de espermicida e diafragma para contraceção; um novo
parceiro sexual no último ano
• Em mulheres na pós-menopausa: incontinência urinária; cistocelo; urina residual pós-
miccional
• Obstipação crónica

Não há evidência de que as cistites agudas recorrentes se associem a problemas como


hipertensão arterial ou doença renal. O objetivo do tratamento a longo prazo é a melhoria da
qualidade de vida e a minimização da exposição a antimicrobianos.

Existem estratégias não antimicrobianas para mulheres com cistites recorrentes que
podem ter alguns benefícios, desde o aconselhamento comportamental (evicção do uso de
espermicidas e diafragma, micção após a relação sexual, aumento da ingesta hídrica e o não
adiamento da micção) a uso de mediadores biológicos (estrogénio tópico vaginal em
mulheres na pós-menopausa com 3 ou mais ITUs ao ano, ao normalizar a flora vaginal).
Melhorar o trânsito gastrointestinal em doentes com obstipação crónica é outra medida
também importante.

NPNN 2020 202


Por sua vez, a profilaxia antimicrobiana, reduz a recorrência de ITU em cerca de 95%
dos casos. No entanto, deve ser aplicadas apenas em:

• Mulheres com 3 ou mais episódios de ITU nos últimos 12 meses ou 2 ou mais ITU nos
últimos 6 meses (em que pelo menos uma foi confirmada em urocultura positiva) nas
quais as estratégias não antimicrobianas não foram eficazes

As estratégias antimicrobianas incluem autodiagnóstico e autotratamento; profilaxia


pós-relação sexual ou profilaxia contínua. A estratégia de autodiagnóstico e autotratamento
não é verdadeiramente uma estratégia preventiva - regimes antimicrobianos de primeira
linha são prescritos para uso futuro e doentes medicam-se de acordo com sintomas urinários.
Mulheres com cistites prévias conseguem fazer o autodiagnóstico em mais de 85 a 95% dos
casos e tratar-se com sucesso. Esta opção deve ser, no entanto, reservada a mulheres
motivadas, com cistites prévias confirmadas em urocultura que cumpram corretamente o
tratamento; deve igualmente ser realizada uma urocultura para confirmar a presença de ITU
e suscetibilidade a fármacos. As doentes devem ser instruídas a contactar o médico assistente
caso os sintomas não resolvam em 48 horas.

A profilaxia após a relação sexual pode ser um método mais eficiente que a profilaxia
contínua em mulheres cujas ITUs pareçam ter relação temporal com as relações sexuais,
permitindo a toma de menores quantidade de antimicrobianos. A profilaxia contínua deverá
ser realizada durante um período de 6 meses. No entanto, muitas mulheres voltam a ter o
padrão de ITUs recorrentes e sintomáticas com a suspensão da profilaxia. Alguns estudos
defendem a realização de profilaxia por 2 ou mais anos em mulheres que continuem a ter
infeções sintomáticas. Antes de se iniciar qualquer tratamento profilático, deverá assegurar-
se a erradicação da ITU prévia através de uma urocultura negativa 1 a 2 semanas após
término do tratamento. As estratégias antimicrobianas deverão ser revistas periodicamente
para avaliar se continuam a ser apropriadas. Deverão ser realizados exames de imagem
perante suspeita de anomalias funcionais ou anatómicas do trato urinário.

NPNN 2020 203


No sexo feminino há uma prevalência de até 5% de divertículos uretrais, geralmente
na faixa etária entre os 20 e os 60 anos. Podem ser assintomáticos ou associar-se a disúria,
polaquiúria e dispareunia. Estes são um importante fator de risco para as ITUs recorrentes e
podem ser identificados por exames de imagem. Um outro exemplo é o isolamento de
Proteus spp, frequentemente associado à formação de cálculos, que em doentes com ITUs
recorrentes deverá ser particularmente investigado.

1.2. INFECÇÕES URINÁRIAS COMPLICADAS

As ITUs complicadas, quer sejam localizadas no trato urinário superior quer inferior,
são as que mais se associam a aumento do risco de falência terapêutica.

MICROBIOLOGIA

O espectro de agentes microbiológicos envolvidos nas ITUs complicadas é mais


alargado que nas não complicadas: Echerichia coli, outras Enterobacteriaceae como Proteus
mirabilis, Klebsiella pneumoniae e Staphylococcus saprophyticus, mas também Pseudomonas,
Serratia, espécies de Providencia, Enterococcus e fungos. Nas ITUs complicadas há também
maior probabilidade de resistência à antibioterapia.

CLÍNICA

As manifestações clínicas são semelhantes às das ITUs não complicadas. De salientar


no entanto, que a pielonefrite complicada se pode associar a um quadro insidioso com
semanas a meses de evolução de sintomas inespecíficos, como mal-estar geral, astenia,
náuseas ou dor abdominal.

NPNN 2020 204


DIAGNÓSTICO

Nas ITUs complicadas deve realizar-se exame sumário de urina (combur ou exame
microscópico), urocultura e hemoculturas (previamente ao início do tratamento). A piúria e
bacteriúria estão normalmente presentes, podendo contudo estar ausentes se o local da
infeção não comunicar com o sistema coletor ou se houver obstrução do trato urinário.

A avaliação imagiológica do trato urinário deve ser realizada. A ecografia renal permite
uma avaliação do trato urinário sem exposição a radiação ou contraste. Em casos
selecionados pode ser necessário recorrer à uro-TC; o exame sem contraste tem boa
sensibilidade na deteção de cálculos, infeção enfisematosa, hemorragia, obstrução e
abcessos.

TRATAMENTO

A abordagem de uma infeção urinária complicada deve começar sempre pela


verificação dos critérios de internamento. Apesar de grande parte das infeções urinárias
complicadas exigir internamento, há situações nas quais o tratamento pode e deve ser feito
em ambulatório (nem todos os doentes diabéticos com infeções urinárias são internados, e o
mesmo se aplica aos doentes algaliados).

• CISTITE AGUDA COMPLICADA

O tratamento varia consoante a tolerância da medicação oral e a suspeita de infeção


por microrganismos resistentes.

Nota: Os aminoglicosídeos requerem avaliação dos seus níveis séricos em doentes de


risco (ex: insuficientes renais, idosos, doentes desidratados e/ou submetidos a exposição
concomitante de contraste ou outros agentes nefrotóxicos)

As fluroquinolonas são o tratamento de primeira linha nas cistites agudas


complicadas em doentes que toleram a medicação oral. Apesar da maior taxa de resistência,
têm um espectro de ação alargado com atividade antimicrobiana contra a maioria dos
NPNN 2020 205
agentes, incluindo Pseudomonas aeruginosa e atingem níveis elevados no trato urinário. A
duração do tratamento é de 5 a 14 dias, de acordo com a severidade do quadro infecioso. Os
esquemas de curta duração são apropriados em doentes com sintomas leves a moderados e a
resposta clínica rápida. No caso do tratamento endovenoso, após melhoria clínica deve-se
passar a medicação para oral, orientada, sempre que possível, pelo padrão de suscetibilidade
antimicrobiana.

• PIELONEFRITE AGUDA COMPLICADA

Os doentes com pielonefrite aguda complicada devem ser internados para tratamento
inicial. O tratamento empírico baseia-se em antibioterapia de largo espectro de administração
parentérica. A seleção deve ter em conta tratamento antimicrobiano prévio e os resultados
de uroculturas recentes.

O Staphilococcus aureus é mais comum nas ITUs complicadas que nas não
complicadas. Dada a elevada proporção de MRSA isolados, se houver suspeita de infeção por
este microrganismo, deve-se introduzir a vancomicina no regime terapêutico empírico
(vancomicina 1g de 12/12h). Outras preocupações nas ITU complicadas incluem o aumento
da prevalência da resistência a fluroquinolonas nas infeções associadas a cuidados de saúde,
bem como a maior frequência de infeções por Enterococcus (com necessidade de esquemas
com amoxicilina 500mg de 8/8h peros ou ampicilina 1g de 6/6h endovenosa). A duração do
tratamento é de 10 a 14 dias, embora dependendo das circunstâncias possa ser necessária
uma duração mais longa (até 21 dias). O tratamento pode ser completado com antibióticos
orais se o perfil de sensibilidades do agente infecioso e o estado clínico do doente o
permitirem: levofloxacina, ciprofloxacina ou TMP-SMX são antibióticos aceitáveis. Outras
intervenções devem ainda ser consideradas: os cateteres uretrais devem ser retirados ou,
quando não possível, substituídos. De salientar que os casos de ITU com obstrução do trato
urinário constituem uma emergência cirúrgica, sendo necessária a rápida desobstrução. As
coleções peri-renais necessitam de drenagem (percutânea ou cirúrgica).

NPNN 2020 206


FOLLOW-UP

Todos os casos de infeção urinária complicada devem ser reavaliados às 48 - 72 horas


após o início de antibioterapia. Doentes com sintomas persistentes após as 72 horas de
antibioterapia devem ser submetidos a estudo imagiológico do trato urinário superior; devem
ser revistos os resultados da urocultura e hemoculturas colhidas e repetidos os exames
microbiológicos, iniciando posteriormente o tratamento empírico com outro antimicrobiano.
Nos casos de tratamento em ambulatório devem ser revistos os critérios de internamento.
Não é necessário repetir as uroculturas em doentes cujos sintomas resolvem com
antibioterapia.

1.3. SITUAÇÕES PARTICULARES

• BACTERIÚRIA ASSINTOMÁTICA

A bacteriúria assintomática é comum e geralmente benigna. Considera-se o


diagnóstico de bacteriúria assintomática quando o doente não tem manifestações clínicas de
ITU e tem ≥105 UFC/ml em 2 uroculturas consecutivas pela técnica do jacto médio nas
mulheres ou 1 só urocultura no sexo masculino. A piúria está presente muitas vezes,
especialmente nos idosos, e antecipa uma ITU em alguns grupos de doentes. Não é, no
entanto, indicação para tratamento antimicrobiano. Os uropatogéneos encontrados são os
mesmos que causam as ITUs. O tratamento geralmente não é necessário. Contudo alguns
doentes apresentam alto risco de complicações importantes, necessitando por esse motivo
de uma abordagem diagnóstica e terapêutica mais agressiva. Neste grupo incluem-se as
grávidas e os doentes submetidos a intervenção do trato urinário com risco de lesão da
mucosa (cirurgia urológica com incisão do aparelho urinário, como a ressecção transuretral da
próstata - RTU-p).

• INFECÇÕES ASSOCIADAS A CATÉTERES URETRAIS

A incidência da bacteriúria associada à cateterização é de 3 a 10% por dia. Esta é


normalmente constituída por uma flora polimórfica e resistente a vários antibióticos. A
urocultura por rotina não tem indicação nos doentes com algaliação de longa duração, pois
estes apresentam, quase sempre, bacteriúria assintomática. O tratamento dos casos
assintomáticos não reduz as complicações da bacteriúria e pode, inclusive, precipitar o
aparecimento de estirpes resistentes, pelo que não está indicado. As complicações infeciosas
sintomáticas incluem cistites, pielonefrites e bacteriemias (a cateterização vesical é a causa
mais comum de bacteriemia por gram negativos nos doentes hospitalizados). Por serem
frequentemente polimicrobianas a causadas por uropatogéneos multirresistentes, é
necessário o recurso a agentes de largo espectro. Além disso, a remoção / substituição do
cateter uretral é um fator importante no sucesso da terapêutica, uma vez que as bactérias

NPNN 2020 207


envolvidas podem ficar retidas e protegidas dos antibióticos num biofilme formado na
superfície do cateter.

• ABCESSO RENAL

Os abcessos renais ocorrem em cada 1-10/10.000 admissões hospitalares. O quadro


clínico pode surgir de forma insidiosa e ser constituído por febre, dor abdominal ou lombar ou
na região do ângulo costo-vertebral. Os sintomas urinários podem estar presentes nos casos
em que o abcesso comunica com o sistema excretor.
A TC está recomendada no estabelecimento do correto diagnóstico, bem como na
identificação da localização da lesão abecedada. A terapêutica antimicrobiana empírica deve
ser de amplo espectro e cobrir Staphylococcus aureus e outros uropatogéneos associados a
ITU complicadas. Dependendo da localização pode ser necessária drenagem cirúrgica.

Os abcessos renais são classificados segundo a sua localização:


• Abcesso cortical - normalmente causado pelo Staphylococcus aureus, que
atinge o rim por via hematogénea; o tratamento antimicrobiano normalmente
é eficaz e a sua drenagem geralmente não é necessária
• Abcesso cortico-medular - a via de infeção é a ascendente, em associação com
anormalidades do trato urinário (ex: uropatia obstrutiva ou refluxo vesico-
ureteral); os microrganismos envolvidos são uropatogéneos comuns,
principalmente Echerichia coli; podem estender-se para o parênquima renal,
perfurar a cápsula e formar abcessos peri-renais; o tratamento antimicrobiano
isolado normalmente é eficaz; contudo em alguns casos pode ser necessária a
drenagem do abcesso e em caso de sépsis severa e de envolvimento renal
difuso pode ser necessário proceder a nefrectomia.
• Abcesso peri-renal - geralmente ocorrem associados a obstrução do sistema
excretor e resultam da rutura de abcessos intra-renais, da disseminação
hematogénea ou do crescimento a partir de uma infeção contígua; os
microrganismos etiopatogénicos incluem o Staphylococcus aureus e
Enterococcus; as infeções polimicrobianas são comuns; os agentes anaeróbios
e o Mycobacterium tuberculosis podem também estar envolvidos; o
tratamento destes abcessos implica a sua drenagem; em alguns casos está
mesmo indicada a nefrectomia.

• PIELONEFRITE ENFISEMATOSA

A pielonefrite enfisematosa é uma variante da pielonefrite aguda fulminante,


necrotizante e ameaçadora da vida. Mais de 90% dos casos ocorre em diabéticos e uma
obstrução urinária está normalmente presente. Pode ser detetada no Rx ou ecografia, mas a
TC é o método de diagnóstico de eleição pois permite localizar a presença de gás e distinguir a

NPNN 2020 208


pielonefrite enfisematosa de um abcesso renal ou de obstrução do sistema excretor com
infeção e gás. A nefrectomia de urgência em associação a antibioterapia de largo espectro é o
tratamento de primeira linha.

• PROSTATITE

Os sintomas de prostatite são experienciados por aproximadamente 50% dos homens


adultos mas só numa minoria são causados por infeções agudas ou crónicas. Os
microrganismos responsáveis na maior parte dos casos são gram negativos tais como a
Echerichia coli, Proteus spp, Klebsiella spp, Pseudomonas aeruginosa, numa minoria dos casos
são Staphylococcus aureus, Enterococcus.
De acordo com a apresentação e duração do quadro clínico existem duas entidades
distintas:
• Prostatite bacteriana aguda - apresenta-se com polaquiúria, urgência urinária,
dificuldade em iniciar a micção, febre e mialgias; a glândula prostática
encontra-se aumentada e dolorosa; a massagem está contraindicada dado o
risco de precipitar uma bacteriemia; o exame da urina apresenta piúria e o
exame cultural é positivo; os casos graves necessitam de hospitalização e
antibioterapia endovenosa; os antibióticos de primeira linha são as
fluroquinolonas; a duração do tratamento deve ser no mínimo de 30 dias para
prevenir o desenvolvimento de prostatite bacteriana crónica; a formação de
abcesso prostático é rara
• Prostatite bacteriana crónica - apresenta-se clinicamente por episódios de
ITUs recorrentes causados pelo mesmo uropatogéneo intervalados por
períodos assintomáticos; a próstata é normal durante os períodos
assintomáticos; carateriza-se pela presença de ≥10 leucócitos/campo e/ou
contagem de uropatogéneo 10 vezes superior nas secreções prostáticas ou na
urina após massagem prostática e ausência de piúria significativa na urina do
primeiro ou médio jacto; para além disso, nas secreções prostáticas observam-
se macrófagos proeminentes repletos de gotículas de gordura; os antibióticos
de escolha são as fluroquinolonas e recomenda-se 1 a 3 meses de tratamento

• DOENÇA RENAL POLIQUÍSTICA DO ADULTO

A infeção de quisto é difícil de tratar dada a dificuldade de penetração dos antibióticos


no epitélio do quisto. Os antibióticos com melhor penetração local são o TMP-SMX ou as
fluroquinolonas em curso prolongado. Em caso de persistência da febre para além de 1 a 2
semanas, apesar de antibioterapia adequada, está indicada a drenagem por via percutânea
ou cirúrgica.

NPNN 2020 209


NPNN 2020 210
XVI.

Litíase urinária

NPNN 2020 211


LITÍASE RENAL
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XVII.

Referenciação
à Nefrologia

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REFERENCIAÇÃO À NEFROLOGIA

João Carlos Fernandes


Curso de Nefrologia para não-Nefrologistas

A avaliação de um doente com patologia renal requer uma história clínica e exame físico
cuidados, alguns exames laboratoriais do sangue e da urina e uma ecografia reno-vesical.
(Quadro 1.) Os estudos analíticos prévios são muito úteis para clarificar a data e o modo de
início da lesão renal, a sua duração e evolução. Com estes dados geralmente é possível
classificar a lesão renal em aguda, rapidamente progressiva ou crónica e deste modo decidir
sobre a referenciação do doente a consulta de nefrologia ou ao Serviço de Urgência.

Quadro 1. Avaliação de um Doente com Lesão Renal

Exames Laboratorias:
Hemograma
Ureia, Creatinina, ionograma, glicose, cálcio, fósforo, ácido úrico,
TGO, TGP, albumina, colesterol e triglicerídeos
Exame sumário de urina com sedimento urinário
Relação Proteínas/creatinina em amostra ocasional urina
Ecografia Reno-vesical.
Exames laboratoriais prévios.

1. Envio a Serviço de Urgência:


O objectivo da referenciação ao Serviço de Urgência é diagnosticar e tratar atempadamente
uma lesão renal aguda (LRA) potencialmente reversível ou que necessite de suporte dialítico
agudo. São exemplos o síndrome nefrítico agudo e casos de lesão renal aguda ou rapidamente
progressiva, em que é necessário tratamento imediato para evitar a perda irreversível da
função renal. A referenciação urgente é também neceessária inclui nos casos de doença renal
crónica com agudização (por desidratação, obstrução, excesso de hipotensores, início de
iECA/ARA II, AINEs, etc.) que possa pôr em risco o doente ou com critérios para tratamento
dialítico urgente. Outro exemplo de emergência nefrológica é o síndrome hemolítico urémico

NPNN 2020 220


ou púrpura trombocitopénica trombótica. O atraso na instituição atempada de plasmaferese
põe em risco não apenas o rim mas a vida do doente. Os critérios estão resumidos no Quadro
2. Não são referidas situações extra-nefrológicas que podem necessitar de técnicas
depurativas (plasmaferese).

Quadro 2. Orientação para o Serviço de Urgência

Lesão renal aguda.


Insuficiência renal rapidamente progressiva.
Doença renal crónica em estadio 5, com indicação para diálise
urgente:
- azotemia grave
- sintomatologia urémica
- hipercalemia
- acidose metabólica grave
- hipervolemia/insuficiência cardíaca
- diátese hemorrágica
- pericardite urémica
Emergência hipertensiva com atingimento renal
Agudização importante da doença renal crónica prévia

2. Referenciação para Consulta Externa

A consulta externa de nefrologia destina-se a estudar e tratar doentes com doença renal
crónica (DRC).

A DRC é definida por um dos seguintes critérios:


1. Lesão renal com mais de 3 meses, definida por anormalidades estruturais ou
funcionais do rim, com ou sem diminuição da taxa de filtração glomerular (TFG).
2. TFG < 60 mL/min/1,73 m2, com duração superior a 3 meses, com ou sem lesão
renal.

NPNN 2020 221


Este grupo inclui a insuficiência renal crónica, hemato-proteinúria, doença renal poliquística
familiar, hipertensão reno-vascular e doenças sistémicas com envolvimento renal (exemplo:
lúpus eritematoso sistémico, artrite reumatóide, vasculites ANCA), situações que devem ser
referenciados para consulta de nefrologia para estudo. (Quadro 3.) Após a avaliação
diagnostica da DRC pelo nefrologista, os doentes estáveis, que apresentem valores de
creatinina inferior a 2,0 mg/dl, TFG superior a 30 ml/min ou proteinúria inferior a 1 g/dia
podem voltar a ser seguido pelo médico de família ou outro médico assistente. De realçar que
a ”microalbuminúria”, definida como a excreção de albumina inferior a 300 mg/di, apesar de
constituir uma manifestação precoce de DRC e de importante valor prognóstico renal e de
risco cardiovascular, não é um critério de referenciação para nefrologia.

Quadro 3. Critérios de Referenciação para Consulta Externa de Nefrologia

Doença renal crónica de etiologia não conhecida


Doença renal crónica de etiologia conhecida com:
- Creatinina > 2,0 mg/dl
- TFG < 30 ml/min
- Complicações da DRC (anemia, hiperfosfatemia, hiperparatiroidismo)
Hematoprotenúria > 1g/dia
Síndrome Nefrótico
Doença sistémica com atingimento renal (doença imunológica, neoplasia)
Doença Poliquística Renal Familiar
Hipertensão Renovascular

Ressalva-se o caso particular de doentes idosos que apresentam valores estáveis de creatinina
entre 1,4 e 1,6 mg/dl (e portanto, em alguns destes casos, TFG inferior a 30 ml/min) que são
enviados para a observação por nefrologia. Decorrente do normal envelhecimento há uma
perda progressiva de função renal. Por outro lado, as fórmulas actuais para cálculo da TFG,
como MDRD, não estão validadas para serem utilizadas nesta população, ou mesmo em
doentes com valores de creatinina normais. Consequentemente, estes valores de creatinina e
de TFG são esperados para a idade, e se estáveis, não necessitam de investigação etiológica
nem beneficiam com seguimento regular por nefrologia. É necessário a penas excluir a

NPNN 2020 222


obstrução urinária (com uma simples ecografia reno-vesical, com ou sem avaliação de resíduo
pós-miccional) e ajustar as doses de fármacos hipotensores. Exceptuam-se os casos que
apresentem concomitantemente proteinúria grave (> 1g/dia) ou nefrótica, ou agravamento
progressivo da doença renal crónica. O mesmo raciocínio não se aplica a doentes jovens com
creatinina entre 1,3-1,4 mg/dl, uma vez que este incremento ligeiro da creatinina pode
corresponder a uma perda significativa da função renal. Nestes casos a investigação etiológica
é essencial para o diagnóstico e tratamento atempado, de modo a evitar a progressão da DRC
ou mesmo induzir remissão da patologia nefrológica.

3. Normas de referenciação

De modo a realizar um agendamento atempado e uma triagem eficaz dos pedidos de consulta,
a informação que acompanha a referenciação deve sempre incluir:

• Idade, dados da história clínica relevantes


• Informação sobre o controlo tensional e estado da volémia
• Medicação
• Tempo de evolução da doença renal
• Valores da creatinina sérica
• Resultado do exame de urina e do doseamento da proteinúria
• Ecografia reno-vesical

A informação sobre a duração e evolução temporal da lesão renal é essencial, é muitas vezes
difícil de obter junto do doente, e por isso não deve ser esquecida.

Em determinadas patologias, a referenciação da consulta pode ser confundida com pedidos de


apoio a Urologia. Destacam-se pela sua frequência:

• Quistos renais. Recorda-se que os quistos simples, fazendo parte do processo de


envelhecimento renal normal, não merecem especial investigação nem vigilância,
independentemente do seu tamanho. Os quistos renais devem ser valorizados apenas
quando são complicados ou apresentam critérios ecográficos de doença renal
poliquística familiar.
• Massas renais sólidas

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• Litíase renal
• Infecções urinárias de repetição na mulher: devem realizar medidas de profilaxia,
como previamente abordado no curso.
A referenciação de um doente com lesão renal crónica levanta muitas vezes dúvidas, apesar
dos critérios estarem bem definidos. Nestes casos, o contacto telefónico com o serviço de
nefrologia ajudará a esclarecer as questões e até mesmo a agilizar todo o processo de
referenciação. O Serviço de Nefrologia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia pode ser
contactado todos os dias das 8:30-20:30, através do telefone 227865100 Extensão: 43806,
através do Alert P1 ou do correio eletrónico joao.fernandes@chvng. min-saude.pt.

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Organização Patrocínio científico

Sociedade Portuguesa
de Nefrologia

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