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Escola Superior de Enfermagem do Porto

UC: Bioética

Ano Letivo 2019/2020

CLE 2º ano 1º semestre

Bioética
CONCEITOS

ÉTICA

• É a ciência prática que estuda os atos humanos, enquanto voluntários, uma parte da filosofia que
estuda o agir humano;
• É uma reflexão filosófica, uma tematização fiel sobre o agir do homem;
• A filosofia procura obter conceitos sobre as essências das coisas.
• A filosofia procura captar a realidade de uma forma conceptual
• A ética procura a fundamentação do agir
• A ética é “mais pessoal”, “mais interior”
• A ética pode ser considerada como o fundamento da moral

Ser

NOTA: A ética é filosofia e tem uma parte pratica e é não arbitraria. É relativa à reflexão filosófica sobre as
coisas e tem a haver com as nossas ações. O objeto da ética são os atos humanos quanto a sua bondade
ou maldade.

MORAL

• Estuda a relação entre a lei moral e a autonomia do agir, aplicando esta relação à multiplicidade dos
casos que surgem no decurso da existência;
• Diz respeito à lei, algo que se impõe a nós;
• Diz respeito ao conjunto de leis que o homem deve observar no seu agir;
• É, portanto, o estudo da natureza humana, do seu fim próprio.
• A moral é uma “aplicação institucional” da ética
• A moral mostra como as leis morais se formam, se hierarquizam, se aplicam aos casos concretos...

Dever Ser
Ética e moral

Ethos significa “ética”, subsistindo nesta tradução próprio do homem”, “morada” (reportando-se ao
alguma ambiguidade ou indefinição quanto ao seu princípio dos atos, pegé).
carácter normativo ou fundamentador do agir
Moral corresponde à tradução latina do ethos com
humano. Tomando a ética como reflexão sobre os
o sentido de “modo de ser” ou “carácter”
fundamentos da ação humana, recupera-se o
(reportando-se ao resultado de atos, héxis,
sentido mais originário do ethos como “lugar
habitus).

Ato  interioridade da ação. O ato fica “em mim”.

Facto  exterioridade da ação. O facto fica “fora de mim”.

Ética e moral

A ética provém do termo gergo “ethos”, o qual, A ética procura a fundamentação do agir, ao passo
contudo, tinha duas grafias ligeiramente que a moral mostra como as leis morais se formam,
diferentes, o que faz com que se tratasse na se hierarquizam, se aplicam aos casos concretos
verdade de dois termos “êthos” e “éthos”; o mediante a decisão e o recurso a valores. Neste
primeiro termo “êthos”, sofreu uma derivação de sentido, a ética aparece como uma metamoral, e a
sentido: no principio, ele designava o lugar onde se moral como uma ampliação institucional da ética.
guardavam os animais; depois, o lugar onde se
Quando o ser humano acede à tomada de
brotam os atos, isto é, a interioridade dos homens,
consciência reflexiva, ele encontra no seu universo
o carácter; o segundo termo “éthos” significava o
ou mundo cultural a presença de hábitos,
hábito e, daí, referia-se ao agir habitual. Quando
costumes, obrigações sociais, individuais, de leis
os Latinos tiveram de traduzir “ethos”,
“morais” que ele não inventou. Segue-se daí que
condensaram, de modo provavelmente
este conjunto de “normas” ou de incitações para
inconsciente, os sentidos dos dois termos no termo
encaminhar o agir num determinado sentido é
de “hábito”, isto é, no segundo “éthos”, o que se
apreendido como provindo da exterioridade do
diz “mos” (genitivo: moris), de onde provém o
sujeito humano; esta exterioridade pode ser a
termo de moral. A consequência de todo este
instância parental ou familiar, ou também a prática
processo etimológico é a de que houve uma
social habitual sem rosto específico. De todo o
mudança implícita de sentido entre o primeiro
modo, o sujeito recebe estas proposições de ação
termo grego (“êthos”) e o termo latim “mores”: o
e compreende que, entre elas, algumas são mais
grego sublinhava principalmente o foco interior de
que proposições, são obrigações, leis morais.
onde provinham os atos do ser humano, ao passo
Enquanto essas leis são aceites, praticadas ou
que o termo latino se centrava sobre a dimensão
recusadas, elas não ultrapassam o grau de
repetitiva dos atos “habituais”, os quais podiam
exterioridade com o qual se apresentam
corresponder a um hábito “virtuoso” ou “vicioso”
inicialmente o sujeito. Falar-se-á de moral
de atos conscientes, mas também é vertente
heterónoma enquanto o sujeito não interiorizar o
habitual-maquinal, isto é, quase automática e
conteúdo das leis morais, obrigações, etc. Ora,
despersonalizada dos atos humanos.
para efetuar reflexivamente esta interiorização, é
preciso remontar da moral para a ética; É com Kant, na segunda metade do séc. XVIII, que
reciprocamente, para dar o peso da obrigação aos surgiu com força um pensamento de natureza
fundamentos que a ética desdobra, é preciso que a deontológica, que inaugura uma moral que, com
ética opere a sua viragem para a moral. razão ou sem ela, se passou a chamar moral formal:
é a forma do dever que se impõe imediatamente à
Nesta abordagem, a ética é a teoria que percorre o
consciência moral. Na medida em que o ser humano
itinerário desde a interioridade do agir para a sua
é um ser racional, os seus atos devem ser
fundamentação, ao passo que a moral analisa o
conformes à razão; a conformidade à razão é,
percurso que vai da heteronomia do agir e da sua
portanto, o “nervo” do primeiro imperativo que
institucionalização para a compreensão da sua
sustenta toda a legalidade das leis morais
normatividade ou legalidade. A moral estuda assim
particulares. O primeiro imperativo é categórico,
a relação entre a lei moral e a autonomia do agir,
porque não precisa de ser enraizado numa
aplicando esta relação à multiplicidade dos casos
finalidade outra que não ele próprio; por isso
que surgem no decurso da existência. É no percurso
mesmo, ele dá origem a uma ética não teleológica,
da moral que se determina a problemática do bem
mas deontológica.
e do mal, enquanto bem moral e mal moral.
Do ponto de vista destas duas tradições,
a ética ocupa-se com o problema da
respetivamente teleológica e deontológica, deve-
fundamentação da moral; se a moral trata da
se dizer que o utilitarismo pertence à tradição
obrigação, isto é, do “dever ser”, e se a
teleológica; ele tenta, com efeito, justificar o
fundamentação da obrigação pode ser analisada em
dever moral na base de uma reflexão centrada no
termos não especificamente morais, o corolário
interesse do sujeito, do maior número de sujeitos,
será que entre a linguagem do “dever ser”
etc.
(inerente à moral) e a linguagem do ser (procurado
na ética), não existe na irredutibilidade.

O lugar da ética e da moral

“A ética é a ciência do que o homem deve fazer carácter, o modo de ser, o hábito que se vai
para viver como deve viver, para ser aquilo em que constituindo através da repetição dos atos
se deve tornar, para que alcance o seu valor humanos. A ética está assim ligada ao agir, aos atos
supremo, para que realize dentro da sua natureza e aos hábitos, trata dos atos responsáveis e
o que se apresenta como a justificação da sua irresponsáveis e avalia até que ponto estes de
existência, para quê e porque é que existe.” tornam bons ou maus.

A palavra ética deriva do vocábulo grego ethos que Relativamente à palavra “moral”, esta não deriva,
possui, na Grécia antiga, três significados, sendo como a anterior, de um termo grego, mas sim de
por ordem cronológica: “residência”, “local onde um vocábulo latino: mos – que significa costume.
os homens se reúnem”, “lugar que o homem traz
Podemos então pensar que, na medida em que a
em si mesmo”. Sugere-nos, assim, um local, um
pessoa é um ser singular possui hábitos e enquanto
centro interior do homem, de onde emanarão todos
ser institucional possui costumes. Assim, a ética
os seus atos. Um outro vocábulo grego,
atenderá à interioridade de cada qual, enquanto a
intimamente ligado a este – éthos – representa o
moral respeitará ao comportamento institucional,
englobando este último, inevitável e
primordialmente, o seu eu interior.

O COMPORTAMENTO HUMANO PASSA PELA RACIONALIDADE

FATORES QUE TÊM INFLUÊNCIA NA REALIZAÇÃO DE UM ATO HUMANO

• A violência
• As paixões:
- o amor,
- o ódio,
- a esperança,
- o medo, etc.
• A ignorância

LEI NATURAL

• A natureza humana é a lei e a norma da atividade humana


• Apenas através do conhecimento da natureza humana poderemos saber o que é bom ou mau para o
homem
• O homem pode descobrir com a sua razão, a lei moral natural
• A lei moral natural só pode ser descoberta pelo homem analisando o homem, vendo que está dotado
de consciência e vontade livre
• A lei natural é universal e imutável. Existe em todo o ser dotado de razão e ao longo do tempo

Lei natural  advém da própria natureza do Homem. A universalidade da lei natural não é
incompatível com a unicidade de cada
Lei positiva  é determinada pelo Homem. ser humano.

A ÉTICA E A MORAL AO LONGO DO TEMPO


• Aristóteles (384-322 a.C.)
• Kant (1724-1804)
• Paul Ricoeur (1913-2005)
Aristóteles e a sua “ÉTICA A NICÓMACO” - (Primeira grande obra de ética do Ocidente)
• LIVRO I: O bem e a felicidade
• LIVRO II: A virtude
• LIVRO III: A virtude - coragem, temperança
• LIVRO IV: As diferentes virtudes
• LIVRO V: A justiça
• LIVRO VI: As virtudes intelectuais
• LIVRO VII: A intemperança e o prazer
• LIVROS VIII E IX: A amizade
• LIVRO X: A felicidade

Qual o fim último que o homem procura?

• O bem
- É aquilo para que tendemos em todas as circunstâncias
- É a perfeição correspondente a cada natureza
- A naturezas diferentes correspondem diversos bens
- Todas as nossas ações tendem por princípio e naturalmente para o BEM
• A virtude
- É um estado habitual que dirige a ação, consistindo no justo meio, relativo a nós
- Não se ensina, não é um dom da natureza. É fruto do agir
- Nasce da prática educada das disposições
- É a medida de cada pessoa
- É própria da pessoa educada
- “Fazer em face de quem se deve, tanto quanto se deve, para o resultado e da maneira que se
deve, eis o que não está ao alcance do primeiro sem dificuldade”. “É um rude trabalho ser-se
virtuoso” - Aristóteles, E.N.
• A amizade
- É uma virtude
- É benevolente
- É mútua
- É durável
- É rara
- É confiante
- É íntima
• Vida ética
- É pessoal: cada um tem de “fazer” o seu caminho
- É uma praxis, uma prática convivida
- É um comportamento transformador
- “Nós somos aquilo que fazemos”
O Pensamento Kantiano

• Fundamenta a moral na razão


• O comportamento moral tem de ser igual para todos
• A razão não admite interferências do desejo ou da sensibilidade
• Todo o comportamento moral só tem valor se é desenvolvido por dever
• Imperativo categórico
- “Age segundo uma máxima tal, que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei
universal”
- O Homem nunca deve ser tratado simplesmente como um meio, mas sempre como um fim em
si mesmo
〉 Fundamentação da Metafísica dos Costumes
〉 Crítica da Razão Pura
〉 Crítica da Razão Prática

Paul Ricoeur

• “Soi-même comme un Autre”


• Ricoeur apresenta a perspetiva ética como englobando três componentes
o Vida boa
- Vida realizada
- Vida de acordo com as nossas finalidades
o Com e para os outros
- Não posso avaliar as minhas ações sem a mediação do outro
- A ação bondosa é a que é realizada em função do outro, com respeito pelo outro
- “Não posso estimar-me eu mesmo sem estimar outrem como eu mesmo”
o Em instituições justas
- O “eu” e o “outro” não vivem isolados, pertencem a uma sociedade, vivem em
comunidade.
- É necessária a justiça para reger as relações de poder existentes nas instituições

Paul Ricoer na sua obra: “Soi-même comme un “Vida boa” é, para ele, o próprio objeto da
Autre”, empenha-se em estabelecer o primado da perspetiva ética. Se pretendemos viver uma “vida
ética sobre a moral. Apresenta a perspetiva ética boa” ela tem de ser vivida com e para os outros.
como englobando o primado da ética sobre a moral. Não posso avaliar as minhas ações, e consequente
Apresenta a perspetiva ética como englobando três a mim mesmo, sem a medição do outro. Uma ação
componentes, definindo-a como “a perspetiva da não poderá ser considerada bondosa se não for feita
vida boa com e para os outros, em instituições em função do Outro, com respeito pelo Outro. Se
justas”, e esta só terá o seu significado completo eu me estimo a mim mesmo e se sou solícito para
no final da análise destas três componentes. com os outros, então existe o que domina por
similitude, o que me autoriza a dizer que “não justas”. Como refere Ricoeur, “por mais evasivo
posso estimar-me a mim mesmo sem estimar que seja o poder na sua estrutura fundamental, (…)
outrem como a mim mesmo”. O ser não é apenas é ele, como querer agir e viver junto, que traz à
interioridade. É também exterioridade, alteridade. perspetiva ética o ponto de aplicação da sua
Por isso, o que torna possível a existência de um indispensável terceira dimensão: a justiça,
pluralismo em sociedade é o frente-a-frente. surgindo esta, portanto, com a finalidade de
Assim, a ética não pode limitar-se ao “viver uma “fiscalizar” o poder, sempre presente devido à
vida boa”, mas tem de atender a que ela deve ser pluralidade de relações em instituição.
vivida “com e para os outros” e em “instituições

DEONTOLOGIA – Dever ser profissional

• Normas determinadas pelos profissionais, depois da reflexão sobre a prática e sobre o que prejudica
ou favorece a profissão:
• Conhecimento sobre o apropriado, o conveniente, o dever;
• Manutenção da ordem na sociedade.

BIOÉTICA: “Uma ponte para o futuro”

“Uma ciência da sobrevivência deve ser uma única ciência e, por isso proponho o termo bioética, para
sublinhar os dois ingredientes mais importantes em ordem a se conseguir uma nova sabedoria de que
carecemos desesperadamente: o conhecimento biológico e os valores humanos”

Van Rensselaer Potter

Dos julgamentos de Nuremberga à ciência da sobrevivência

BIOÉTICA

“É a decisão da sociedade sobre as tecnologias que lhe convêm. É a expressão da consciência pública da

humanidade” (ARCHER, 1996)

Bioética e constituída por duas palavras de origem perspetiva restrita, seja, cada vez mais, à vida na
grega: bios e ethos. A bioética refere-se, pois, ao sua aceção holista. Em qualquer dos casos, refere-
comportamento ou conduta do homem em relação se não à vida tomada na sua espontaneidade
à vida seja, por vezes, apenas â vida humana, numa natural – o que nos levaria a afirmar que a bioética
é, afinal, tão antiga quanto o homem -, mas à vida -, conquista um poder ímpar sobre a vida na
artificializada ou artificializável pela ação humana, multiplicidade das suas expressões. A bioética
a vida que se encontra sob o poder (ou controle) do designa, então, uma “ética aplicada à vida”, uma
homem – o que confirma a constituição da bioética. ética para as ciências da vida, particularmente
Afinal, é no curso do desenvolvimento das atenta aos princípios fundamentadores do agir
biotecnologias que o homem – qual Prometeu humano e sem descurar uma função normativa que
desagrilhoado, nas palavras do filósofo Hans Jonas é sua também.

DE UMA ÉTICA BIOMÉDICA A UMA CIÊNCIA DA SOBREVIVÊNCIA


Ética Biomédica (Hellegers, 1971)
• Centrada na prática da medicina Reflexão ética aplicada à vida:
• Necessidade de novos referenciais éticos
• Exigência de reflexão;
Ciência da sobrevivência (Potter, 1971)
• Exigência prática.
• Uma disciplina que interessa a todas as ciências da vida

Bioética: uma ética aplicada?

A bioética, porém, não se identifica (mais) com Será então uma ética aplicada, como também é
uma “ética biomédica”, tomada no seu sentido frequentemente designada? Isto é, será a bioética
específico. Esta refere-se ao relacionamento a expressão concreta e mesmo pragmática de uma
interpessoal no contexto da investigação científica ética focalizada numa questão especifica? Hoje
(experimentação humana) e do processo fala-se amplamente de uma ética ambiental, de
terapêutico (prática clínica), enquanto a bioética, uma ética profissional, empresarial, dos
hoje reconhecidamente, não só ultrapassa o nível engenheiros, dos media, etc. as designadas “éticas
das relações pessoais no domínio da saúde, como aplicadas”, que têm vindo a proliferar sobretudo na
extravasa o plano das questões exclusivamente última década, propõe-se, como objetivo geral,
humanas. Também não se confunde com uma desenvolver uma ética ao nível de realidades
deontologia ou ética profissional. Esta define-se concretas particulares. As vantagens mais
por um conjunto de regras morais, jurídicas e imediatas são as de clarificarem necessariamente a
administrativas de ação próprias aos membros de natureza da ética, seu sentido e linguagem, e de
uma determinada profissão, enquanto a bioética beneficiarem do estímulo que as situações reais
pondera sobre a legitimidade moral das diferentes sempre inéditas exercem sobre a reflexão.
modalidades da ação humana sobre a vida, sem Introduzem a exigência de racionalidade da ação
outras restrições. A bioética tao pouco se esgota num domínio específico da atividade humana,
como parte da ética, ciência dos princípios da ação, impõe a sistematização do pensamento na
ou da moral, conjunto de normas que regulam o elaboração de uma normativa, e orientam-se para
agir humano, precisamente porque combina em si a resolução efetiva de problemas ou conflitos.
a exigência de fundamentação do agir com o Neste sentido, as éticas aplicadas deverão ser
imperativo da intervenção efetiva. capazes de, sem reduzir a dimensão especulativa
da filosofia moral, alcançar a singularidade da bioética, é a de se ultrapassar efetivamente a
prática, o que farão sem se confinarem ao nível da dicotomia entre a teoria e a prática, sem o
tradicional casuística e reportando-se sempre a um atrofiamento de qualquer um dos planos: no
plano teórico, a uma filosofia moral. Apenas assim reconhecimento da necessidade de normativas
poderão manter a sua credibilidade, conquistando especificas de ação, como ligação originária e vital
ainda operacionalidade. à filosofia moral ou à ética como disciplina
filosófica; e na reivindicação de uma intervenção
A questão fundamental que é colocada pelas
efetiva e pertinente ao nível da ação singular que
“éticas aplicadas”, entre as quais e de modo mais
imprima a mudança na realidade quotidiana como
destacado podemos incluir sem preconceitos a
no curso da história da humanidade.

Nem tudo o que é tecnicamente possível e aparentemente útil é eticamente aceitável

O campo da bioética é vastíssimo e a bioética encontra-se na área de interseção de vários saberes

• Enfermagem
• Planeamento familiar
• Medicina
• Procriação medicamente assistida
• Biologia
• Transplantes e doação de órgãos
• Ética
• Doenças transmissíveis
• Psicologia
• Toxicodependência
• Sociologia
• Investigação
• Direito
• Experimentação em seres humanos
• Antropologia
• Eutanásia/suicídio assistido
• Engenharia genética
• Cuidados intensivos
• Diagnóstico pré-natal
• Ecologia
• Aconselhamento genético
• Etc.
• Interrupção voluntária da gravidez

BIOÉTICA

• UMA NOVA DISCIPLINA, enquanto forma de saber distinta dos demais


• UMA NOVA CIÊNCIA, enquanto logos ou discurso que procura a compreensão do real
• UMA “TRANSDISCIPLINA”, que “pretende manter a autonomia e a independência tanto das áreas
científicas como das humanistas, respeitando e aceitando os seus diferentes métodos, linguagem,
objetivos e conclusões, mas procurando encontrar a sua complementaridade na busca de respostas
consensuais para a defesa da dignidade da pessoa humana” (ARCHER, 1996)
Podemos considerar a bioética como uma disciplina enquanto engloba um leque de conhecimentos
particulares, distinto dos demais, mas podemos considera-la também uma ciência, pois apresenta-se como
discurso que procura a compreensão de uma determinada área da realidade.

Bioética

O termo “bioética” foi proposto, pela primeira vez abusos na experimentação em seres humanos; b) o
em 1970, por um médico cancerólogo: Van surgir das novas tecnologias, que põem questões
Rensselaer Potter. Ainda que este autor não tenha inéditas; c) a perceção da insuficiência dos
inicialmente atribuído ao novo termo todo o referenciais éticos tradicionais.
conteúdo que hoje lhe damos, a verdade é que a
partir dessa mesma altura se começou a designar
por bioética o conjunto de preocupações, discursos Alguns abusos na experimentação em seres

e práticas que então surgiam e que se vieram e humanos

estruturar num novo saber. Quando, a seguir à segunda Guerra Mundial, vieram

Esta estruturação desenvolveu-se com ao conhecimento público as experiências em seres

extraordinária rapidez e pujança, de modo que em humanos efetuadas por médicos nazis em hospitais

poucos anos a bioética se tornou uma referência de alienados e em campos de concentração, a

indispensável para a medicina, biologia, filosofia, consciência coletiva reagiu fortemente. O Tribunal

sociologia, direito e até para a ação política. Por de Nuremberga, que julgou os crimes de guerra

isso, a verdade é que estamos hoje na era da redigiu, em 1947, um Código (Nuremberg Military

bioética. E interessa começar por estudar, do ponto Tribunals, 1982) que reconhece a dignidade de toda

de vista dos seus fundamentos biológicos, os a pessoa humana e prescreve que nenhuma

antecedentes históricos, as origens científicas e o experiência seja realizada em seres humanos sem

âmbito característico que a definem. o seu consentimento livre e esclarecido. Pouco


depois (1948), a Declaração Universal dos Direitos
Apesar da sua origem tão recente, a bioética tem
do Homem, na ONU, consagrou o mesmo princípio.
raízes remotas que são tão antigas como a medicina
e remontam a Hipócrates e ao seu Juramento, o Mesmo assim, outros abusos se continuaram a

qual, segundo muitos, plasmou a mentalidade praticar, de que seleciono apenas três. No Hospital

médica em todo o Ocidente. Mas, até aos meados de Willowbrook (Nova Iorque) realizou-se

do século XX, a grande maioria dos problemas investigação, de 1956 a 1971, em 700 a 800 crianças

morais que se punham à biomedicina podiam se deficientes mentais, inoculando-lhes vírus da

resolvidos por uma deontologia profissional e uma hepatite com o objetivo de buscar uma terapia

ética de inspiração hipocrática, apoiada apenas em imunizante. No Jewish Chronic Disease Hospital,

algumas virtudes básicas como a compaixão e o investigadores injetaram, sob a pele de doentes

desinteresse, assim como no principio de que o idosos, células cancerosas sem lhes fornecer

médico deve agir sempre e só em beneficio do qualquer informação ou pedir consentimento. Em

paciente. Tuskegee, no estado de Alabama, 431 negros


pobres foram privados de cuidados contra a sífilis,
Três factos históricos se podem mencionar como
tendo desencadeado uma nova bioética: a) alguns
entre 1932 e 1972, para permitir o estudo do curso benefícios/riscos e a seleção equitativa dos
natural da doença. sujeitos de experimentação.

Ao serem conhecidos, estes escândalos


desencadearam uma forte reação e a consciência
O surgir das novas tecnologias
viva de que a prática da investigação clínica em
seres humanos tem de ficar sujeita a critérios Outro antecedente importante que contribui para

rigorosos que respeitem os direitos e dignidade de desencadear o surgir da nova bioética foi o rápido

toda a pessoa humana. Já em 1953, os National desenvolvimento de tecnologias médicas e

Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos terapêuticas que deram origem a situações inéditas

estipulavam que toda a investigação em seres de decisão moral.

humanos que se viesse a realizar nas suas clínicas Basta pensar nas tecnologias de cuidados intensivos
teria de ser previamente aprovada por um comité que permitem manter vivo um recém-nascido com
responsável pela proteção dos direitos dos doentes. múltiplas e graves afeções ou prolongar a vida de
Em 1962, descobrem-se os trágicos efeitos um doente terminal. Quando é ético administrar ou
teratogénicos da talidomida e altera-se a legislação interromper estes cuidados intensivos? Noutros
dos Estados Unidos de modo a exigir que os tempos, o problema não se punha; na ausência de
fabricantes de medicamentos, antes de obter alternativas técnicas, a morte inevitável
autorização para a comercialização de um novo encarregava-se de resolver o problema. Mas hoje,
fármaco, demonstrem cientificamente a sua a existência das técnicas de ventilação e circulação
segurança e eficácia através de ensaios clínicos em artificiais põem escolhas éticas difíceis. O mesmo
seres humanos. Mas estes ensaios teriam de ser se diga de tecnologias que permitem a
eticamente avaliados. Em 1964, a Associação transplantação de órgãos, o suprimento da
Médica Mundial aprovou, na sua assembleia que infertilidade, o diagnóstico pré-natal, a terapia
teve lugar em Helsínquia, um conjunto de génica e muitas outras. À medida que a ciência
recomendações destinadas a servir de guia para transfere para as mãos do Homem poderes antes
cada médico na investigação clínica. Este conjunto reservados à fatalidade da natureza, no que
de princípios e normas é conhecido como respeita ao nascer, viver e morrer, pergunta-se até
Declaração de Helsínquia. Pouco depois, em 1966, que ponto estamos autorizados a exercer esses
o Departement of Health, Education and Welfare poderes e em que medida aquilo que é
dos Estados Unidos determinou, através do NIH, os tecnicamente possível será eticamente aceitável.
princípios que devem reger as investigações em
A criação de comissões de ética hospitalares,
seres humanos para poderem receber subsídio de
também chamadas assistenciais, teve como
fundos públicos. Seguiu-se a ação de várias
objetivo resolver conflitos éticos que se põem na
comissões nacionais e presidenciais nos Estados
assistência hospitalar e elaborar protocolos
Unidos e a publicação, em 1978, do Relatório
assistenciais nos casos em que seja necessária uma
Belmont que propõe os princípios fundamentais
política institucional pela dificuldade do problema
para a investigação em seres humanos: o respeito
ou pela frequência com que ocorre.
pela autonomia da pessoa, o princípio da
beneficência e o da justiça. As suas aplicações
práticas são, respetivamente, o consentimento
informado, uma razão favorável de
A perceção da insuficiência dos referenciais ambiente. E porque o Homem depende do meio em
éticos tradicionais que vive, e está por vezes em concorrência com
ele, a bioética também se preocupa com a proteção
A incapacidade de referenciais éticos tradicionais
do ambiente, a exploração dos recursos naturais,
para dar resposta a estas perguntas criou um
desertificação, poluição, extinção de espécies,
ambiente de inquietação que também contribuiu
equilíbrios ecológicos, a utilização em condições
para desencadear o processo de criação de uma
éticas de animais e plantas, desequilíbrios entre
nova bioética.
países ricos e pobres e problemas nucleares. Esta
O código hipocrático já não era suficiente numa bioética do ambiente tem preocupações a longo
época em que se começava a acentuar os direitos prazo. Trata-se não só de gerir da melhor forma de
do paciente: o direito à autonomia, verdade, proteção jurídica de invenções biotecnológicas.
informação e ao consentimento informado, assim
como a ética filosófica, a teologia moral, a ética
médica e a própria ciência não conseguiam dar A dimensão social
respostas éticas às novas e permanentes questões
Um outro aspeto da bioética que a distingue da
que se punham. Este foi o terceiro fatore
clássica ética é a sua dimensão social.
determinantes da busca de um paradigma bioético
diferente. No passado, a medicina era fundamentalmente
uma arte e a ética médica preocupava-se sobretudo
A bioética não é simplesmente uma nova versão
com a relação médico/ doente e com as relações
antiga da ética médica. Uma das razões desta
profissionais dos médicos. As respetivas normas de
afirmação pode buscar-se no facto de a bioética
conduta podiam ser estabelecidas exclusivamente
incluir áreas que não são médicas.
pela classe médica.
Com o surgir, nos meados dos anos 70, da
Mas, a partir do séc. XIX, a medicina começou a ser
engenharia genética (técnicas do DNA
menos uma arte do que uma ciência experimental
recombinante) começou a ser possível transferir
e, a partir da segunda metade do sec. CC, tornou-
genes de uns seres vivos para outros, mesmo
se uma tecnociência complexamente equipada e
quando estes sejam filogenicamente muito
associada a outras tecnologias, nomeadamente
afastados. Logo se puseram graves questões éticas
biológicas e cibernéticas. Nessa medida, a
acerca dos limites que devem ser impostos, por
biomedicina passou a partilhar do forte impacto
confinamento físico ou biológico, à utilização de
social que as ciências experimentais adquiriram no
microrganismos geneticamente modificados na
nosso século. Se é certo que se deve defender o
investigação e na indústria.
direito à liberdade de investigação, não é menos
Posteriormente, com interesse económico de certo que esse direito não é absoluto e tem de ser
libertar deliberadamente no ambiente organismos considerado em articulação com o bem público e a
geneticamente modificados (microrganismos, vontade de uma sociedade livre, sobretudo quando
plantas ou animais), levantaram-se novas questões essa investigação se realiza nos próprios seres
acerca dos limites dentro dos quais será ético humanos.
modificar o ambiente. Trata-se de uma ética do
Muitas das novas tecnologias médicas têm hoje
mundo vivo que está atenta à complexidade e
repercussões que ultrapassam em muito as relações
interdependência dos seres vivos entre si e com o
médico/ paciente e terão fortes consequências ao
futuro da humanidade, refletindo-se em áreas consensuais para a defesa da dignidade da pessoa
sociais que têm a ver com a família, a economia, o humana.
direito, a psicologia, além da filosofia, tecnologia
e outras. A gestão dos conflitos que eventualmente
surgirão dessas situações já não pode nem deve ser A participação do pública

assumida somente pela classe médica, mas exige a Bioética deve ser uma decisão da sociedade sobre
participação de toda a sociedade e das suas várias as tecnologias que lhe convêm. Por isso, ao
especialidades profissionais. caracter pluridisciplinar e pluralista da bioética
liga-se um outro que é a sua abertura aos profanos,
aos leigos, aos simples utilizadores das técnicas ao
Transdisciplinaridade e pluralismo
publico em geral. As decisões políticas necessitam
Devido à introdução desta dimensão social, a de ser tomadas sobre uma opinião publica
bioética situa-se em zonas de interseção de vários minimamente sensibilizada e preparada, a bioética
saberes, nomeadamente das tecnociências não pode ser imposta ao publico pela autoridade,
(sobretudo a biologia e a medicina), das mas deve ser discutida e construída com ele. É
humanidades (filosofia, ética, teologia, psicologia, necessário dar às populações sólida formação e
antropologia), ciências sociais (economia, ampla informação objetiva, fornecer-lhes
politologia, sociologia, impacto social) e doutras fundamentos éticos, critérios e princípios, ajudá-
disciplinas como o direito. las a encontrar o sentido da vida e dos seus
problemas. Só é ético o agir que realiza o eu na
Não se trata somente de uma confrontação
linha das suas potencialidades mais autênticas.
interdisciplinar, mas antes de um diálogo
pluridisciplinar que alguns designam de
transdisciplinar para significar que os cientistas
Bioética e governação nacional
têm de integrar na sua estrutura mental os valores
e os critérios dos humanistas, assim como estes têm Decisões bioéticas interessam ao bem prático das

de incorporar, nos seus paradigmas, os métodos e nossas sociedades e devem fazer parte de uma

critérios científicos. Os discursos do cientista e do correta política de saúde.

filósofo não falam dos mesmos objetos nem usam a


mesma linguagem, mas podem esclarecer
Harmonização internacional
diferentemente a mesma realidade concreta – por
exemplo, a eutanásia. Neste sentido, a bioética A ciência é universal, mas as culturas são regionais.
não é propriamente uma disciplina, mas antes uma Por isso e porque a bioética é transcientifica e
nova transdisciplinar. depende também de pressupostos culturais, os
mesmos dados científicos poderão ter diferente
A transdisciplinaridade da bioética pretende
valoração bioética em diferentes países. As
manter a autonomia e independência tanto das
assimetrias resultantes suscitam problemas e
áreas científicas como das humanistas, respeitando
dificultam as políticas de integração. Por essas
e aceitando os seus diferentes métodos, linguagem,
razões, várias instâncias internacionais têm
objetivos e conclusões, mas procurando encontrar
acionado mecanismos que possam conduzir a uma
a sua complementaridade na busca de respostas
possível harmonização.
Conclusão políticas nacionais num esforço de harmonização
internacional.
Podemos, portanto, concluir que a bioética surgiu,
há cerca de um quarto de século, como um Perante os novos poderes que a ciência dá ao
conjunto de preocupações éticas levantadas por Homem sobre a vida e sobre si próprio, é
cientistas. Impulsionada pela consideração dos importante que ele segure as rédeas do progresso
problemas morais decorrentes das novas e tome as decisões éticas que lhe tornem possível
tecnologias médicas, a bioética estendeu também plasmar um futuro autenticamente humano. E,
a sua preocupação a problemas da biologia, da assim, poderemos definir bioética como o saber
interdependência dos seres vivos numa visão a transdisciplinar que planeia as atitudes que a
longo prazo, assim como da sobrevivência do humanidade deve tomar ao interferir com o nascer,
Homem no nosso planeta. Passou a caracterizar-se o morrer, a qualidade de vida e a interdependência
por uma dimensão social, pela sua natureza de todos os seres vivos. Bioética é a decisão da
transdisciplinar e pluralista, pela abertura à sociedade sobre as tecnologias que lhe convém. É
participação do público e pelo assessoramento de expressão da consciência publica da humanidade.

BIOÉTICA E DIREITO

• É a filosofia moral da investigação e da prática biomédica.


Bioética • Diz respeito à inter-relação entre a atividade livre do homem com as ciências
da vida.
• Lugar onde se traduz, sob a ideia de justiça, a combinação de valores éticos
Direito superiores e de utilidades sociais relativas.
• Instância de julgamento

BIODIREITO

• Visa formular normas e princípios que rejam a aplicação das tecnologias à vida
• Abrange um campo amplo e diverso
• Direito Constitucional (Direitos fundamentais)
• Direito Civil (início e termo da personalidade jurídica)
• Direito Penal (crime de aborto)

Qual deve ser a atitude da sociedade perante os novos poderes que as biotecnologias lhes dão sobre a
natureza e o próprio Homem?

A sua aplicação à revelia de uma reflexão prudente sobre as suas implicações, para o homem e para a
sociedade, representa um enorme perigo.
Bioética e Biodireito
• 4 Direitos Fundamentais (CRP)
- Eminente dignidade da pessoa humana
- Inviolabilidade da vida
- Integridade pessoal
- Liberdade e segurança
• A pessoa é o alicerce da ordem jurídica
• O biodireito não pode limitar-se a dar cobertura a factos consumados
• O progresso tecnológico deve ser também um progresso para o Homem

Biodireito

Para averiguar se deve ou não concluir-se, hoje, Outro critério é o que distingue os planos de
pela existência, com autonomia cientifica de uma “heteronomia” dos da “autonomia”: a primeira
disciplina a que chamaríamos de Biodireito, seria própria do direito, a segunda seria inerte à
forçoso será partir da clássica distinção entre ética: aqui prevalecia a autovinculação
direito e ética como duas ordens normativas (autonomia) pelos ditames da própria consciência,
distintas que o são na medida em que se traduzem ali a exigibilidade e aceitação da norma teriam
em normas ou regras de condutas de âmbitos como apoio indispensável a coercibilidade
diversos. (heteronomia). Também este critério se revela
insuficiente. No entanto, tem sido observado que
Na verdade, tem havido a preocupação em
ele se evidenciou sobretudo com a evolução
distingui-las consoante certos critérios.
político-jurídica do conceito de democracia: nesta,
Um deles é o chamado critério do “mínimo ético”: àquela heteronomia do direito, deve acrescer uma
o direito seria um “mínimo” em relação à moral, autónoma e progressiva aceitação global da ordem
mas um “mínimo” cuja observância se reclama com jurídica por parte da sociedade e dos cidadãos que
“um máximo de intensidade”, melhor dizendo, o a torne legitima; mas a coercividade, essa, já será
direito seria o conjunto daquelas regras morais sempre própria do direito para garantir uma ordem
básicas sem as quais a ordem social careceria de social de convivência que é o suporte indispensável
paz, liberdade e justiça. Se bem que da paz, da liberdade e da justiça, em suma, da
manifestamente incompleto, este critério permite “humanidade2, pois o subjetivismo ou a
alertar para a necessidade de o direito poder (e consciência de cada um, âmbito típico da ética,
dever) consagrar determinadas normas éticas, que seria terreno demasiado inseguro.
constituam a “ossatura” (o esqueleto, o tal mínimo
Por outro lado, tem sido sustentado o critério que
escondido) do ordenamento jurídico.
repousa sobre a diferença entre a “exterioridade”
e a “interioridade”: o direito versaria o lado Seremos, pois, levados a concluir que há,
exterior da conduta, a sua manifestação externa, o efetivamente, uma profunda interligação entre o
cumprimento da norma; a moral focaria, mais direito e a moral, a ponto de poder falar-se em
profundamente, a intenção ou atitude interior que áreas de plena convergência, a despeito da
comanda o comportamento (a ação ou a emissão). diversidade de funções das duas ordens normativas,
Todavia, tem sido curialmente obtemperado que o como se viu.
direito está cheio de normas que fazem apelo aos
Isto desde que se evite correr o risco de uma
aspetos mais íntimos do comportamento
excessiva tutela de normas éticas pelo direito
(personalidade do arguido”, “culpa”, “dolo”,
poder converter-se numa tutela moral da sociedade
“negligência, “boa-fé”, “má-fé”, “abuso de
pelo Estado, “tutela” essa capaz de provocar uma
direito”), pelo que bem poderá dizer-se que o
“pedagogização” (passe o neologismo) da mesma
direito evolui à medida que se reporta ao Homem
sociedade e de promover a intolerância geral, qual
na sua interioridade. Mas isso não quer dizer que,
vertigem de “éticocracia” (passe o outro
efetivamente, não seja a ordem ou atitude interior
neologismo), travestida de outros tipos de
a primeira valorização da ética, enquanto é pela
ideologia e de totalitarismo.
manifestação externa do comportamento que
começa por valorizar-se no plano jurídico. É esta interligação prudente que se nos afigura que
é tanto mais evidente quanto mais se desenvolve a
Em suma, em todos estes grandes critérios algo
consciência social do Homem, como valor cimeiro
existe de certo: a efetiva existência de um “núcleo
da sociedade e da sociabilidade e dos hoje
forte” em que as normas e as jurídicas convergem;
designados seus direitos fundamentais, por sua
a necessidade de coação social (atê judicial) da
essência ligados à sua natureza intrínseca e integral
norma jurídica, sob pena de impossibilidade da
– por isso durante muito tempo designados como
organização da sociedade, a realização do
“direitos do Homem” ou, por justa reivindicação
ordenamento jurídico em função da sociedade (ou
feminista, “Direitos Humanos”.
comunidade, em sentido mais correto), da sua
conservação, da ordem das relações efetivas entre Dir-se-á, então, que o ordenamento jurídico

os homens, de um certo conceito de “bem comum” recebe, com muito mais “significado”,

que é algo de diferente do bem moral. transcendência e resultados práticos, aquele valor,
desde sempre afirmado como comum à ética e ao
Forçoso será convergir em que certo é que qualquer
direito, que é a justiça, pois que esta só tem apoio
destas ordens normativas tem de ser orientada por
seguro quando respeita o homem como pessoa
valores, que lhe deem coerência – pelo que o
(personalismo) e não cede à tentação de o
caracter ontológico não é privativo da ética.
sacrificar, definitiva ou utilitariamente, a certo
Acontece, porém, que há valores que não são do “bem comum” que se pretende, mas que contra ele
campo estrito da moral e antes enformam o atenta, ou de o “dissolver” nos interesses de uma
ordenamento jurídico e podem traduzir-se em “sociedade” (porventura utópica).
comportamentos pelo menos amorais, senão
É nesta senda que se inscrevem as declarações
mesmo imorais: os mais típicos são os da segurança
(universais, na medida do possível, face às
e da certa. E fácil é outrossim constatar que muitas
diferenças culturais) de direitos.
regras jurídicas são anódinas no plano moral,
substancialmente neutras.
O seu efeito pedagógico junto dos Estados é daquela (melhor entendida, insistimos, como
inestimável desde que proclamadas (mesmo antes verdadeira comunidade).
da adesão de um Estado concreto), nada mais fica
São eles que permitem alicerçar e desenvolver os
como dantes; uma “consciência” universal tende a
grandes valores político-jurídicos que são os da
formar-se, o que bem demonstra o carácter ético
construção, nunca terminada, da democracia e do
que os envolve, e será sempre com “má
Estado de direito.
consciência” que esses direitos serão violados, e
essa violação será objeto de uma cada mais intensa É esta nova perspetiva de tão candente tema que

exautoração publica e internacional, com se nos depara como particularmente sensível e

tendência para a institucionalização de um novo óbvia na subdisciplina da ética (por sua vez

“direito de ingerência” na soberania de cada disciplina da filosofia) que é a bioética.

Estado pela comunidade internacional, ainda que Ao mesmo tempo, por isso, somos levados a admitir
sob os auspícios de novas instituições a existência de um verdadeiro biodireito.
supraestaduais (ex.: ONU, tribunais internacionais,
Na verdade, tanto a bioética como o biodireito têm
CE, etc).
as suas raízes na globalidade dos muitos e muitos
Nessa conformidade, parece poder concluir-se que temas de que a primeira se ocupa, em, além do
é já possível encontrar os tais “núcleo duro”, mais, quatro cimeiros direitos fundamentais,
“ossatura”, “esqueleto”, que se transforma no garantidos pela generalidade das constituições e,
aludido “mínimo ético” em que os dois em especial, pela Constituição da República
ordenamentos convergem de maneira progressiva, Portuguesa.
harmónica, e coerente porventura jamais acabada
Referimo-nos (citando entre parêntesis as normas
mas em sucessivas “conquistas”.
portuguesas) ao da eminente dignidade da pessoa
A evolução do direito leva, assim, à consagração humana (art. 1º), ao direito à via ou, melhor ao da
dos direitos fundamentais por via constitucional, ou inviolabilidade da vida (art. 24º-1), ao do direito à
seja, ao nível de diploma fundamental que sirva de integridade pessoal (moral e física – art. 25º-1) e ao
referência jurídico-moral a todo o demais do direito à liberdade e segurança (art. 27º-1).
ordenamento jurídico – por forma, por exemplo, a
Daí resulta, designadamente, que, por “melhores”
provocar a declaração de inconstitucionalidade das
e mais pragmáticas ou úteis soluções que sejam
“normas menores” que os ofendam ou a exigir a
pretendidas em qualquer política legislativa
prolação de normas até aí omitidas e que a sua
(mesmo sectorial ou “integrada”, como hoje é
garantia exija.
costume dizer-se), jamais as respetivas normas
Esses direitos fundamentais são, também e afinal, poderão, uma vez corretamente analisadas, colidir
normas morais basilares, sem as quais a própria com aqueles magnos princípios.
ética não passaria de “moralismos”.
Deste modo, justo será concluir que o biodireito
Tal, então, mais curialidade beneficiar, desta tem acompanhado a bioética, designada e
feita, do controvertido papel pedagógico das especificamente quando se trata de aplicar aqueles
normas jurídicas, na medida em que elas sejam quatro direitos fundamentais nos seus reflexos
expressão de valores desejáveis para a sociedade, sobre a vida humana.
a promover para o bem da pessoa como para o bem
É este o cerne do biodireito. Como também o pode bioética, o direito deve vir sempre “depois” da
ser quando se estende às garantias nos seus ciência e depois da reflexão ética. Daí a
reflexos sobre a vida humana. necessidade e vantagem de órgãos vocacionados
para esse trabalho reflexivo multidisciplinar e
É este o cerne do biodireito. Como também o pode
interdisciplinar, como é, por exemplo, o Conselho
ser quando se estende às garantias do ambiente,
Nacional de Ética para as Ciências da Vida
por exemplo.
português, que só indesculpavelmente o legislador
Assim, quando não existam ainda normas pode desconhecer.
especificas (o que aconteceu, por exemplo, nos
Sobretudo há que ter em conta a vertiginosa
casos de investigação clínica e de definição de
evolução científica das chamadas ciências da vida,
“morte” como “morte cerebral”, ou sucede ainda
o que exige de quem legisla uma particular
na falta de legislação eletiva sobre a “fecundação
prudência e nenhuma pressa, sob pena de se
in vitro” ou sobre a experimentação em embriões
“criarem” regras jurídicas “moralizantes” e, por
humanos), deve fazer-se apelo aos princípios gerais
isso, redutoras e transitórias em excesso ou
da bioética e do biodireito, radicados nos direitos
“anticientíficas”, isto quanto é sabido ser muito
fundamentais.
difícil mudar uma lei promulgada.
Mas, entretanto, vastas são as matérias por que se
Diremos, pois, que é, entretanto, preferível a
espraia e onde se aplica o biodireito, sob os
análise jurídica dos “comportamentos” (ativos ou
auspícios dos princípios gerais atras definidos,
omissivos, das pessoas, como do Estado e demais
desde as de largo espectro, e com especial relevo
instituições) por referência aos grandes princípios,
às relativas ao ato médico e à responsabilidade
dos que pelas peias de normas menores.
médica aí compreendidas, mas não só as referentes
à investigação clinica, à experimentação humana, Deste modo, o legislador deve tomar em conta: a)
ao abortamento ou à eutanásia, como até às da que só atos que atinjam de maneira notória e direta
responsabilidade do Estado e das instituições (ex.: aqueles direitos e o bem comum merecem
hospitais) face aos aluídos direitos fundamentais proibição; b) que só deve publicar leis que sejam
(por exemplo, perante a indisponibilidade de meios suscetíveis de vir a ser aplicadas, enão meras
terapêuticos considerada desconforme às normas programáticas, sem esquecer, porém, o seu
exigências dos orçamentos para a saúde ou diante possível (e muitas vezes desejável) caracter
da aprovação de normas desrazoáveis sobre a pedagógico; c) que a lei deve ser equitativa nas
interrupção voluntária da gravidez, ou sobre suas exigências e sanções e não atingir
procriação assistida, ou sobre ofensas à desigualmente os cidadãos; d) que a lei proibitiva
inviolabilidade da vida humana, etc). ou sancionadora não deve gerar maiores males do
que aqueles que pretende suprimir, ou seja, que os
Contudo, deverá dizer-se que, nestas matérias
“custos sociais” da não penalização devem ser
fundamentais da vida que são a essência da
inferiores aos da penalização.
PRUDÊNCIA

• Nas matérias fundamentais da vida o direito deve vir sempre depois da ciência e depois da ética
• Ao nível dos cuidados de saúde o direito é chamado a intervir:
- Responsabilidade
- Decisão
- Consentimento informado
- Ofensas à integridade física
- Interrupção voluntária da gravidez
- Eutanásia, suicídio assistido
- Procriação medicamente assistida
- Etc...
A PESSOA
Fundamento da ética

Persona Prósopon

Máscara

PESSOA
• Fazer-se ouvir
• Construir uma personagem
• Desempenhar um papel

Etimologicamente “pessoa” deriva de despersonalizar-se para que outro, que não


“personare”, termo que indicava a ele, possa surgir diante do público. A pessoa
intensificação do som que se verifica no encontra-se no cenário do mundo, o ator no
interior das máscaras utilizadas no teatro cenário do palco; portanto, por trás da
gergo. O termo latino, persona seria máscara encontra-se uma personalidade que é
equivalente ao termo grego. O termo grego necessário fazer desaparecer, para que se
prósopon significando máscara, algo que oculta possa representar bem a personagem. Dentro
a face. É curioso pensarmos, que para deste contexto etimológico, à pessoa
representar uma personagem, o ator tem de contrapõe-se sempre a coisa.
esconder a sua própria pessoa,

A PESSOA NO PENSAMENTO FILOSÓFICO

• Boécio: “substância individual de natureza racional”


• São Tomás de Aquino: subsistência e incomunicabilidade
• Descartes: res cogitans
• Kant: racionalidade, inteligência, liberdade e dignidade
• Merleau-Ponty: “consciência aberta ao mundo através do corpo”

A partir de Boécio, último filósofo romano, a pessoa São Tomás de Aquino, ao falar de pessoa, evidencia
é definida como uma substância individual de a sua subsistência e incomunicabilidade, ou seja, a
natureza racional, o que equivale a dizer que os pessoa como ser que existe por sie que não se
homens diferem entre si enquanto indivíduos, mas comunica a um outro. Aliás, “do tipo de
participam todos na mesma essência, caracterizada subsistência própria do ser pessoal retira São Tomás
pela racionalidade. a sua dignidade: a pessoa é o ser mais digno entre
todos os seres; a pessoa humana é o entre mais
digno “em toda a natureza”, por ser precisamente inquestionável, devendo ser sempre um fim em si
natureza intelectual e ser dotada do mais nobre mesma e nunca somente um meio para atingir um
modo de existir, que é o de existir por si. Na medida fim. A pessoa apresenta-se, assim, como um ser
em que é individuo e inteligente – suposto racional absoluto, um “para si”, revelando apenas do campo
– a pessoa, e só ela, é capaz de ser senhora e autora da moral, o centro do puro dever e do respeito pela
dos seus atos. lei.

Em Descartes, a pessoa é uma substância pensante, Em Merleau-Ponty a pessoa apresenta-se como


sendo a afirmação “eu penso, logo existo” uma “uma consciência, aberta ao mundo, através do
manifestação da res cogitans, isto é, de um eu corpo” e, neste sentido, a pessoa é um vir-a-ser,
permanente e substancial. não apenas um facto biológico ou uma substância
metafisica, mas um acontecimento gradual, ao
Para Kant a pessoa é uma natureza racional,
longo da vida.
inteligente e livre, e a sua dignidade é

A PESSOA NO PENSAMENTO FENOMENOLÓGICO

• Consciência
• Mundo
• Corpo

O ser humano é, antes de mais, irredutível a como constitutivas da pessoa, mas também da
qualquer das suas características e esta é também presença de um contexto em que está inserida e na
uma forma de o definir. Mais do que um “produto” qual esse desabrochar acontece.
acabado ele é um projeto, uma realidade em
Ontologicamente, e como São Tomás nos ensinou,
construção no sentido de um cada vez maior
a pessoa é uma síntese viva dum corpo e dum
aperfeiçoamento e complexidade. Sendo um
espirito mas, ao contrário da ideia cartesiana de
processo dinâmico, “não se pode falar de um
um espirito aprisionado num corpo, ela hoje em dia
momento do processo em que se é a pessoa e outro
é tematisada pela fenomenologia como uma
momento em qie ainda se não é, ou só se é
consciência aberta ao mundo atrves de um corpo,
potencialmente. Globalmente é-se sempre
o que alarga substancialmente o campo da sua
“pessoal”, ainda que em processo de
definição. À dualidade corpo/ alma opõe-se nesta
personalização.
tese o corpo como “espaºo de experiência de uma
Nas palavras de Frei Bernardo “a pessoa dispõe de alteridade vivida ou transcendência fundamental”.
uma capacidade virtual, duma potencialidade para O corpo é marcado pelo mundo que é sempre
a autoconsciência e liberdade, que poderá passar a “mundo vivido” e pela consciência que o
ato segundo, a real efetivação, à medida que movimenta. Quando algo nos acontece de bom
desbrocha e assume a própria personalidade e ficamos alegres, e se estamos alegres a nossa
identidade no tempo, num espaço e circunstância alegria é visível para quem nos cerca, o nosso corpo
que a tornam histórica”. Nestas palavras estão está doente, o nosso estado de espirito dificilmente
implícitas as ideias de corpo físico e de consciência será outro que não o da tristeza ou da preocupação.
PODEMOS CARACTERIZAR A PESSOA:

• Um ser que tem um corpo bioquímico da espécie humana;


• Um ser marcado por uma sexualidade fundada na afetividade, tanto no plano biológico como
psicológico;
• Um ser individual, ao qual se pode tirar um órgão, mas que não é possível dividir em dois;
• Um ser relacional, ativo, num mundo carregado de significações diversas, que evolui nesta capacidade
de comunicação com o outro à medida que cresce e se desenvolve;
• Na sua forma adulta e em boa saúde é capaz de dizer “eu”, pois tem uma consciência reflexiva;
• Um ser livre, liberdade que implica responsabilidade, eplas quais ele é digno;
• Um ser singular, único no mundo, não apenas pelo seu corpo, mas também pelo seu psiquismo, pelo
exercício da sua liberdade e pela sua história...

A pessoa não pode ser reduzida a nenhuma das suas dimensões

O “CAMINHO DA PERSONALIZAÇÃO”

Caminho de uma vida ética  Agir de acordo com a natureza humana, no respeito pelo outro, pela sua
dignidade e projeto existencial.

→ O que é uma “vida ética”?


→ Ser pessoa é um processo dinâmico. É um caminho que se vai fazendo.
→ É através do fazer e do agir que o Homem se dignifica e se vai transformando em Pessoa
→ “O homem encontra nele todas as possibilidades, tanto para se desenvolver como para se destruir”
(Erich Froom)

O agir “faz o homem um sujeito ético e permite- ética coincide com o caminho da personalização:
lhe, como já foi dito, organizar e hierarquizar a “agir (como um eu) consciente, livre e social face
vida e a ação segundo uma “norma” que ao mundo e a um tu é o sinal de um processo de
necessariamente encontra no dinamismo do seu personalização”. Se esse agir não for de encontro à
próprio ser, isto é, na sua natureza que é ser natureza humana, ao respeito pelo outro e pela sua
pessoa. A vida ética, de acordo com a sua natureza, dignidade e ao respeito pelo seu próprio projeto
conduzirá o homem à felicidade, ao supremo bem, existencial, então a pessoa “despersonaliza-se”,
que ele sempre procura. não se realizando como pessoa na globalidade e
amplitude do conceito que tentamos explanar.
A virtude torna-se essencial, sendo o bem agir o
que nos torna boas pessoas. O caminho da vida
DIGNIDADE HUMANA (CNECV)

Reflexão Biológica

• A natureza biológica do corpo humano não é mais do que o substrato, suporte ou mediação da pessoa,
que está subjacente em toda a reflexão sobre a dignidade humana.
• O corpo não é portador de dimensão ética, mas é a pessoa no seu corpo que é portadora desta
dimensão.

Reflexão Filosófica

• Respeito
• Reconhecimento
• Autonomia
• Liberdade
• Procura de realização de si próprio
• Alteridade

Reflexão Psicológica

• Hoje em dia há um maior conhecimento da mente humana, mas permanece a questão: como é que os
processos neurobiológicos desencadeiam os estados mentais que constituem a consciência?
• A consciência psicológica diz respeito à consciência empírica, ao aparecer desta dignidade para si
mesmo e para os outros.

Reflexão biológica

A dignidade humana só é uma característica de etapas que trouxeram a humanidade até à etapa
cada ser humano na medida em que é a biogenética atual.
característica fundamental de toda a humanidade.
Poderá também ser na diferença de dignidade e de
A dignidade está na totalidade do humano e cada
respeito existente entre o ser humano e o animal
ser emerge com a sua própria dignidade dessa
que radica o conceito de Dignidade Humana. Essa
totalidade do humano. Daí a importância
diferença não se fundamenta na afetividade, uma
fundamental do processo de individualização de
vez que o ser humano também a partilha com
cada ser. A capacidade de exprimir uma
grande parte dos animais e possivelmente basear-
representação simbólica de tudo o que vê, conhece
se-á na qualidade específica que ele possui de
ou faz, foi-se estruturando ao longo das várias
simbolizar, capaz de representar e projetar no
exterior os conteúdos da sua consciência e usá-los
na criação da cultura humana. Parece existir, sim, pode perguntar-se de novo se há uma
uma diferença radical ao nível da manifestação do fundamentação biológica para a dignidade humana.
inconsciente no consciente do ser humano. Onde é
A resposta a esta pergunta depende da posição que
que o inconsciente se enraíza biologicamente? Ou é
se tome com respeito às relações existentes entre
um construto cultural e, portanto, exclusivo do ser
a pessoa e o seu corpo.
humano? A capacidade para a simbolização tem ou
não um fundamento biológico? Tem ou não uma Numa posição dualista extrema de corpo e espírito

explicação neurobiológica? Pelo aspeto biológico (cartesiana ou outra, hoje ultrapassadas)

ligado à teoria da evolução não se encontram evidentemente que não haveria qualquer forma de

suportes que fundamentem um estatuto especial fundamentação corpórea da dignidade humana.

para o ser humano. Nesse sentido, torna-se difícil Mas na tese contemporânea da profunda e tensa

definir o conceito de Dignidade Humana sobretudo unidade do ser humano, a questão já se pode pôr.

quando, objetivamente, se refere a um Por um lado, a análise biológica do ser humano,


determinado ser humano: quando tem início o ser mesmo a nível molecular, não encontra nada que
humano? No momento da fecundação do óvulo? justifique uma dignidade especificamente superior
Durante a gestação, quando se manifestam as à de outros animais. Não há justificação biológica
primeiras ondas elétricas no encéfalo do feto ou os da dignidade humana. É certo que o substrato
primeiros batimentos cardíacos? No momento do biológico é, sem dúvida, uma condição
nascimento completo? Quando o indivíduo adquire indispensável para a existência da pessoa e,
consciência de si mesmo? E quando termina a portanto, da sua dignidade: se os seus mecanismos
dignidade do ser humano: quando é verificado o bioquímicos colapsam, a pessoa extingue-se, e com
óbito? Quando entra em estado vegetativo ela a sua dignidade. Mas não são esses mecanismos
persistente? Ou o ser humano deve ser sempre bioquímicos (basicamente idênticos aos dos
respeitado na sua dignidade, independentemente animais) que justificam, especificam ou medem a
da respetiva condição biológica? Será possível dignidade humana. E, por isso, talvez se possa dizer
aceitar sem dignidade humana a pessoa que padece que a qualidade
de grave perturbação mental ou deficiência física
biológica de uma vida humana não altera a sua
profunda? E os mais capazes, os mais inteligentes e
dignidade. O demente, o doente terminal que está
mais cultos, serão biologicamente mais dignos?
inconsciente ou em estado vegetativo persistente
Poderá existir uma dignidade biológica? Pode-se ser
têm a mesma dignidade que eu.
biologicamente indigno ou, pelo contrário, não há
qualquer indignidade na forma como existimos? Mas, por outro lado, o ser humano parece ser o
Pode-se ser mais ou menos biologicamente digno? único animal em que a realidade biológica foi
Existe um determinismo biológico para a dignidade inteiramente assumida e redimensionada pela
ou indignidade? Pensamos que não. Todo e integração numa outra ordem, que é simbólica e
qualquer ser humano é portador à nascença da sua cultural. Nesse sentido, o corpo puramente
própria dignidade só pelo facto de ser pessoa. biológico é uma abstração. O corpo real não é só
biológico ou mecânico: é um corpo assumido ou
A dignidade humana é, pois, um valor que se baseia
corpo-vivido ou corpo-pessoal. Esse corpo constitui
nas capacidades originais da pessoa e supera a
a mediação obrigatória da pessoa em todas as suas
estrutura biológica do ser humano. Mesmo assim,
relações para dentro e para fora de si mesma. Se
pensa, se reflete, se decide, se comunica com os Há uma ética para a pessoa que vive no seu corpo.
outros ou se capta deles nova informação, é sempre O corpo não é portador de dimensão ética, mas é a
e obrigatoriamente através do corpo e do seu pessoa no seu corpo que é portadora desta
mecanismo biológico. Neste sentido, todo o dimensão. Para o corpo humano isolado, não há
biológico humano é assumido pela pessoa e, nessa ética.
medida, toda a violência contra o corpo biológico
Deste modo, a sociabilidade do ser humano funda-
se pode assumir como violência contra a pessoa, e
o em dignidade. A história do "Enfant sauvage"
toda a instrumentalização do corpo biológico
contribuiu para afirmar que a pessoa humana só
significa instrumentalização da pessoa.
advém na comunidade humana. O isolamento
A dignidade humana é sentida e expressa através torna-a igual aos animais. Também a conhecida
do corpo humano como suporte biológico da história "Lord of the flies" demonstra que o
existência. Nem a pessoa é o seu corpo, nem tão processo de individuação, garante da dignidade
pouco é proprietária do seu corpo. A pessoa é um humana, tem etapas de socialização até atingir a
sistema psicossomático que toda a vida humana nos maturidade. É a comunidade humana que confere
torna cada vez mais presente. a cada ser a capacidade de linguagem, de dar um
nome a cada coisa e de estruturar, assim, a sua
Como se disse, a diferença fundamental entre o ser
agilidade e amplitude de representação simbólica.
humano e os animais não radica na afetividade,
mas sim na sua capacidade de pensar Estamos, assim, em face de uma situação em que
simbolicamente, de representar e projetar no os mecanismos biológicos estão implicados em
exterior os conteúdos da sua consciência e usá-los todas as atividades da pessoa como condição básica
na criação da cultura humana. Ou seja, na esfera inespecífica, mas não constituem a sua justificação
do cognitivo. A consciência de si mesmo como causal e determinante. E à pergunta sobre se há
pessoa e dos outros também como pessoas, uma fundamentação biológica da dignidade
consequente dessa capacidade simbolizadora do humana, teríamos que responder sim e não. Sim,
ser humano, será condição sine qua non para a na medida em que os mecanismos biológicos
reflexão ética. Por consequência, a natureza constituem o suporte indispensável do campo de
biológica do corpo humano não é mais do que o ação de todas as atividades pensantes, volitivas e
substrato, suporte ou mediação da pessoa, que está relacionais da pessoa. Não, na medida em que as
subjacente em toda a reflexão sobre a dignidade capacidades de autorrealização na linha de um
humana. projeto pessoal, as quais constituem a verdadeira
fundamentação da dignidade humana, não são, de
Existe, pois uma dimensão ética na existência
modo nenhum, determinadas especificamente por
humana, isto é, a pessoa existe enquanto pessoa
mecanismos biológicos conhecidos.
somente quando é reconhecida por outras pessoas.

Reflexão filosófica

O conceito de dignidade humana tem fundamentos e/ou legais de proteção, o certo é que a filosofia
na filosofia do mundo ocidental. Embora a história ocidental já se tinha preocupado com esta questão.
nos informe que nem sempre a dignidade humana Infelizmente, foi necessário um conflito mundial
foi respeitada, ou mesmo objeto de normas éticas para uma tomada de consciência que levou à
proclamação da Declaração Universal dos Direitos mesmo tempo, como um fim e nunca simplesmente
Humanos, em 1948. E, tal como se demonstra pela como um meio. (Kant)
Convenção dos Direitos Humanos e da Biomedicina,
"Para [Kant], o ser humano é um valor absoluto, fim
assinada em 1997, foi necessário quase meio século
em si mesmo, porque dotado de razão. A sua
para que os países signatários da mesma chegassem
autonomia, porque ser racional, é a raiz da
à fase da aplicação da mesma à medicina.
dignidade, pois é ela que faz do homem um fim em
A História, desde a Antiguidade Oriental até à Idade si mesmo" (Roque Cabral, 1998: 33).
Contemporânea, demonstra que nem sempre houve
Devemos ainda pensar em dois conceitos: em Kant
reconhecimento do primado do ser humano. Desde
é principalmente o conceito de respeito que é
a escravatura, reinante nas civilizações orientais,
sublinhado e em Hegel o conceito de
clássicas e europeias, até às perseguições da
reconhecimento, mais básico do que o de respeito.
Inquisição, a discriminação social foi notória e
Para ser humano é preciso ser reconhecido
pacificamente aceite pelos filósofos coevos. Já
enquanto tal e não somente reconhecido como
Aristóteles (384-322 a. C.) e S. Agostinho (354-430)
organismo biológico. Por exemplo, se a criança não
se tinham debruçado sobre a distinção entre coisas,
é reconhecida como aquilo para que tem
animais e seres humanos.
capacidade (autonomia, liberdade) mas que ainda
Deve-se a Immanuel Kant (1724-1804), através das não realiza, não é considerada como um ser digno.
suas críticas e análises sobre as possibilidades do É na relação com o outro que se é reconhecido
conhecimento, nomeadamente a partir das como ser humano. A dignidade é, neste sentido, o
questões: o que posso conhecer? o que posso fazer? efeito deste reconhecimento e a sua
e o que posso esperar? na Crítica da Razão Pura, na fundamentação e neste reconhecimento recíproco
Crítica da Razão Prática e na Fundamentação da o ser humano torna-se capaz de liberdade.
Metafísica dos Costumes, uma das contribuições Aprendemos com Hegel que todo o processo da
mais decisivas para o conceito de dignidade cultura é um processo no qual procuramos aceder
humana. a níveis cada vez mais profundos de
reconhecimento da igualdade. Neste sentido
"No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma
enquanto o outro não for totalmente livre, eu não
dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode
sou livre. Em resumo, a dignidade do ser humano
pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como
repousa sobre o seu ser real, enquanto esta
equivalente; mas quando uma coisa está acima de
realidade é capacidade daquilo que ele pode ser, e
todo o preço, e, portanto, não permite
não apenas sobre o que ele faz efetivamente desta
equivalente, então ela tem dignidade" (Kant, 1991:
capacidade.
77)
Depois da capacidade de autonomia, de
Como o próprio Kant reconheceu, as respostas às
autenticidade e de liberdade mediante o
questões colocadas dependiam do nosso
reconhecimento do outro, há um outro momento da
conhecimento da natureza do próprio ser humano.
fundamentação da dignidade: o ser humano é capaz
O que posso conhecer, fazer ou esperar, depende,
de se elevar acima das circunstâncias imediatas do
em última análise, da minha própria condição
seu ambiente para colocar questões sobre o sentido
humana. Age de tal modo que trates a humanidade,
do real. Nesta perspetiva o ser humano é
tanto na tua pessoa como na do outro, sempre e ao
atravessado pela "visée" da verdade.
Temos, porém, de reconhecer que nós, como que somos é devido a outros que se debruçaram
indivíduos, em referência às questões acima sobre nós e nos transmitiram uma língua, uma
enunciadas (o que posso conhecer, o que posso cultura, uma série de tradições e princípios. Uma
fazer, o que posso esperar), somos condicionados vez que fomos constituídos por esta solidariedade
não só pela nossa condição biológica, como ontológica da raça humana e estamos
também pelo contexto sociocultural em que nos inevitavelmente mergulhados nela, realizamo-nos
inserimos. a nós próprios através da relação e ajuda ao outro.
Não respeitaríamos a dignidade dos outros se não a
Nas raízes filosóficas do conceito de dignidade
respeitássemos no outro.
humana, embora correndo o risco de omitir outros
nomes, cremos ser de referir John Stuart Mill (1806- Na ética moderna, a dignidade humana exprime-se
1873). Não resistimos a transcrever uma passagem em um 'nós-humanidade' que não é a soma dos 'eus'
do seu livro Sobre a Liberdade: "Não é procurando individuais. Segundo Levinas, "'nós' não é o plural
reduzir à uniformidade o que é individualidade, de 'eu'". O ponto de partida para a expressão dessa
mas cultivando esta, dentro dos limites impostos dignidade situa-se na totalidade dos seres humanos
pelos direitos e interesses de terceiros, que os e por isso foi possível afirmar-se que enquanto um
seres humanos se tornam dignos da sua condição. ser humano não for livre, nenhum ser humano será
Nos trabalhos que produzem, contribuem para o livre.
enriquecimento da própria sociedade de que fazem
A socialização não é, porém, uma diluição do 'eu'
parte. Assim tornarão esta mais útil e profícua, e
no conjunto da comunidade humana. Como vemos
eles próprios mais orgulhosos de dela fazerem
todos os dias, todo o ser humano aspira a repetir o
parte. Nesta medida, em proporção com a
seu "paraíso perdido", que foi a fusão total com a
respetiva contribuição, cada pessoa sentir-se-á
mãe. Daí a procura, por vezes desenfreada, de uma
mais válida para consigo mesma e, nessa medida,
relação dual. Ora, o indivíduo acede à sua condição
mais útil para os outros."
de ser único quando torna possível essa passagem
Em resumo, o termo Dignidade Humana é o da fusão com a mãe à autonomia. É a aprendizagem
reconhecimento de um valor. É um princípio moral do 'eu/tu' que Martin Buber tão eloquentemente
baseado na finalidade do ser humano e não na sua descreveu e onde alicerçou as condições
utilização como um meio. Isso quer dizer que a indispensáveis para a alteridade efetiva. Quanto
Dignidade Humana estaria baseada na própria maior e mais alargado for o número de pessoas com
natureza da espécie humana a qual inclui, quem estabelecemos a relação 'tu/eu', maior é a
normalmente, manifestações de racionalidade, de nossa participação na noosfera e mais forte é a
liberdade e de finalidade em si, que fazem do ser nossa dignidade humana.
humano um ente em permanente desenvolvimento
Foi esta noção de uma camada de humanos que
na procura da realização de si próprio. Esse projeto
envolve toda a Terra que Teilhard de Chardin
de autorrealização exige, da parte de outros,
chamou a noosfera. Ela é interdependente da
reconhecimento, respeito, liberdade de ação e não
biosfera e da atmosfera. A evidência desta
instrumentalização da pessoa. Essa autorrealização
afirmação encontra-se no nosso quotidiano
pessoal, que seria o objeto e a razão da dignidade,
(vivemos das espécies biológicas e respiramos
só é possível através da solidariedade ontológica
porque imersos na atmosfera). Mas também a
com todos os membros da nossa espécie. Tudo o
encontramos em certas manifestações religiosas
que têm marcado profundamente algumas do humano sobre a biosfera e sobre a atmosfera.
civilizações. Assim, por exemplo, no Budismo não Daí poder inferir-se que a contribuição para a
há separação entre o humano e toda a realidade integridade e diversidade das espécies biológicas e
natural que o rodeia. No nosso tempo, esta para o equilíbrio da atmosfera é, afinal, também
interdependência é sentida através da ação nefasta contribuir para a defesa da dignidade humana.

Reflexão Psicológica

Enquanto a biologia se ocupa do estudo da matéria Os progressos tecnológicos, em especial no âmbito


viva, desde as moléculas que constituem os seres da eletrofisiologia e da imagiologia cerebral, que
vivos até à globalidade do próprio ser, a psicologia vão desde a eletroencefalografia (EEG), até à
tem por objetivo o estudo da atividade psíquica ressonância magnética nuclear funcional (RMN f),
desses mesmos seres vivos. Poderá a reflexão sobre passando obviamente pela tomografia axial
a psicologia dos humanos contribuir para nos computorizada (TAC), de emissão protónica (PET) e
aproximar duma melhor compreensão da dignidade pela própria ressonância magnética nuclear (RMN),
humana? trouxeram, nos últimos anos, contribuições
significativas para uma melhor compreensão das
Se imaginarmos os domínios da investigação
atividades psíquicas, não só em termos de
psicológica definidos por dois eixos cartesianos,
psicologia normal, como também de
normal /patológico e social/biológico, teremos
psicopatologia. Já é habitual falar-se de cartografia
esquematizado a maior parte dos sectores que são
cerebral, perante as localizações de maior
atualmente objeto de investigação dos psicólogos
atividade cerebral quando o indivíduo é submetido
contemporâneos (fig. 1).
a diferentes tipos de estímulos.
No entanto, as dificuldades encontradas pelos melhor conhecimento da mente humana, das
cientistas são grandes. Estima-se, atualmente, que nossas sensações e perceções, de como funciona a
o cérebro humano contenha mais de 100 biliões de nossa memória, ou ainda de como verbalizamos os
neurónios, e que o número de ligações sinápticas nossos pensamentos para comunicarmos uns com os
entre dois neurónios possa ir de centenas a dezenas outros. Começamos a compreender a função
de milhar - sistema tão complexo que escapa à catárquica dos nossos sonhos. Mas todos estes
nossa imaginação. Nem mesmo os sistemas progressos da psicologia não explicam por si sós os
computorizados que simulam a chamada motivos porque os seres humanos são merecedores
inteligência artificial se aproximam minimamente de uma dignidade própria da sua espécie, diferente
da complexidade do cérebro humano. A psicologia e superior à de outras espécies animais.
do desenvolvimento mostra, no entanto, que no
Se a dignidade humana tem como suporte a biologia
cérebro esta rede complexa se vai estruturando
do ser humano, não é menos verdadeiro que desta
desde o estádio de feto, à medida que o recém-
dimensão biológica decorre o respetivo suporte
nascido se vai integrando no ambiente que o
psicológico.
rodeia, através dos estímulos sensoriais e do
desenvolvimento da própria linguagem. Se quisermos adotar uma posição de positivismo,
sentimos a falta do elo essencial que nos permita
Perguntar-se-á se estes conhecimentos trouxeram
compreender como uma estrutura tão complexa
alguma contribuição à definição do "eu como
quanto o cérebro humano permite alcançar os
pessoa em relação aos outros, pois, como já foi
fundamentos da dignidade: a consciência da
afirmado, é nesta base e consequente
própria pessoa, a capacidade de relacionamento
estabelecimento relacional que se justifica a
com outros e também do pensamento simbólico ou
própria ética. Na metáfora de Daniel Defoe,
abstrato, que são partes integrantes da nossa
Robinson Crusoe, vivendo numa ilha deserta,
cultura e da história da própria humanidade.
precisou de um Sexta-feira para se referenciar a si
próprio. O conceito de autoconsciência da dignidade pessoal
é flutuante: ao longo da vida cada pessoa tem
Vários são os cientistas, nomeadamente físicos e
conceitos diferentes da sua própria dignidade.
matemáticos contemporâneos, tais como Francis
Crick, Roger Penrose ou Gerald Edelman que têm 1º É enquanto ser psicológico que o ser humano

procurado estabelecer a ponte entre os progressos adquire uma dimensão mais forte da sua própria

das neurociências e o fenómeno da consciência, dignidade. Os grandes valores do ser humano,

propondo modelos mais ou menos complexos. Mas, aqueles que lhe dão originalidade no quadro da

apesar de tudo, em termos científicos, a questão criação, são exatamente os aspetos da natureza

nuclear permanece: como é que os processos psicológica.

neurobiológicos desencadeiam os estados mentais 2º A Dignidade Humana situa-se ao nível psicológico


que constituem a consciência de cada um de nós no quadro de valores que cada pessoa possui. As
como pessoa e dos outros como pessoas com quem pessoas que não forem capazes de adquirir a
nos devemos relacionar. autonomia têm dificuldade em afirmar a sua

Em resumo, diríamos que os progressos verificados própria dignidade. Respeitar a autonomia nos

nos domínios das neurociências, nomeadamente na outros é também uma forma de respeitar a

psicologia, contribuíram sem dúvida para um dignidade de cada um.


3º Os aspetos psicológicos da Dignidade Humana segunda é a dignidade do eu trazida pelos outros. É
têm a ver com o que nós sentimos que somos e com uma alo imagem, uma alo-estima. É o eu que saiu
a perceção que os outros têm de nós. Ao mesmo a exprimir-se fora, e regressa diferente a mim
tempo esta questão é influenciada pelo meio em próprio. Estas duas imagens não são, em geral,
que se vive e pelo modo como se coexiste com ele: coincidentes e o problema está em gerir esta
pode-se ser visto como digno em determinado duplicidade. Poderemos ter de confrontar o eu
meio, como p. ex. o meio familiar e ao mesmo miserável com que convivemos constantemente
tempo ser-se considerado como indigno no meio com o eu glorioso que nos vem de fora. Ou, pelo
profissional. Os aspetos psicológicos da Dignidade contrário, o eu auto -realizado que somos com o eu
Humana não são valores absolutos em si, têm fracassado com que a sociedade nos agride e de que
sempre critérios de relatividade. somos vítimas. Na gestão desta duplicidade de
imagens, o auto-ele poderá submeter-se ao alo-eu,
Uma pessoa pode ser vista pela sociedade como um
ou então rejeitá-lo.
ser indigno e sentir-se digno. Coloca-se de novo a
seguinte questão: o que é a Dignidade Humana? É a Tanto a autoimagem como a alo-imagem da
sensação que os outros têm de nós ou a sensação dignidade pessoal podem ser hipertrofiadas ou
que nós próprios temos de nós? Não se podendo, hipotrofiadas.
pois, falar propriamente de fundamentação
A hipertrofia da autoimagem poderá expressar-se,
psicológica da dignidade humana, a não ser, talvez,
por exemplo, em formas de megalomania ou em
que se quisesse entender como tal uma eventual
situações em que se ganha súbita consciência do eu
fundamentação fenomenológica. Como conceito
(adolescência, por exemplo) ou em reações
ético, a dignidade não pode ter a psicologia, a
espontâneas à insegurança ou complexos de
montante, como fundamentação. Mas pode tê-la, a
inferioridade. A hipotrofia poderá encontrar-se em
jusante, como corolário. Trata-se, então, da
estados depressivos ou em consequência de
perceção subjetiva duma dignidade que é objetiva.
situações de opressão, sujeição, doença, prisão,
Trata-se, não da dignidade como valor em si, nem
confinamento forçado e outros. Nesses casos, a
da sua compreensão racional por mim, mas da sua
dignidade objetiva pode ser subjetivamente
conotação intuitiva e emocional em mim. E este
atenuada ou até eliminada.
especto, menos essencialista, mas mais
existencialista, não deve ser minimizado. A dignidade é um conceito ético e não psicológico:
a sua fundamentação é ao nível ético e a diferença
Que significado pode ter uma dignidade humana
que se encontra na análise da dignidade na
que se possa provar em termos racionais, mas não
perspetiva psicológica provém da diferença entre a
tenha qualquer impacto nas minhas motivações
consciência empírica que temos de dignidade e o
reais? Em termos do meu viver existencial, ela não
seu ser. A consciência psicológica diz respeito à
existe. Há que distinguir, pois, entre a perceção
consciência empírica, ao aparecer desta dignidade
que cada um tem da sua dignidade pessoal, que
para si próprio ou para os outros: a estima de si, o
vem de dentro da própria pessoa, e aquela que vem
modo como vejo e respeito o outro e o modo como
de fora, através dos outros e do que eles pensam
o outro tem a consciência psicológica empírica do
de nós. A primeira tem a ver com a autoimagem,
respeito que tenho para com ele.
autoconsciência, autoestima. É a dignidade do eu
para mim, é a imagem reflexiva de mim mesmo. A Podemos ainda mencionar a nível psicológico o
especto dinâmico, que começa a construir-se desde
os primórdios da conceção, até à morte, com dois Podem existir objetivamente perdas de dignidade
sentidos, na consciência de si próprio e na da nas situações de guerra ou de prisão política, na
relação com os outros. Estas duas vertentes vão pobreza, na miséria social. Mas também pessoas
formando o conceito de Dignidade Humana. Este nessas situações podem manter uma postura de
conceito varia ao longo da vida de cada um, enorme dignidade, não se sentindo por isso indignos
havendo uma evolução, uma pessoalização aos olhos dos outros. Voltamos por isso à questão
permanente deste conceito. A criança adquire a da subjetividade do conceito. No entanto, existem
ideia de dignidade a partir do modo como é situações de grande indignidade,
tratada, considerada e respeitada pela mãe e essa independentemente dessa mesma subjetividade. A
ideia não tem interrupções nem separações, perda forçada da liberdade por razões políticas,
embora seja somente mais tarde que apreende a ideológicas ou religiosas, a degradação física e
ideia de dignidade para com os outros, na medida psíquica por motivos de natureza social ou de
em que é ensinada a partilhar e a respeitar os abandono familiar, ou mesmo, se bem que a um
limites dos outros. outro nível, a degeneração a que levam certas
doenças terminais, são situações que podem pôr
Nesse sentido, cada pessoa cria um estilo único, ao
em causa a dignidade humana, seja qual for a ótica
nível psicológico, no modo de viver os seus
pela qual sejam encaradas. A perda de dignidade é
comportamentos públicos e privados: embora haja
aqui claramente objetiva.
uma diversidade de modos de perceber a dignidade
psicológica, existe uma unidade de estilo que Mas, independentemente da legitimidade e
atravessa os comportamentos e a autoconsciência, significado destes aspetos psicológicos da
que explicam a reciprocidade dialética entre o dignidade humana, é importante sobrepor-lhes, no
modo como nos sentimos e como respeitamos o momento devido, a realidade ontológica, ética e
outro. jurídica da dignidade. As sociedades evoluídas, que
aprenderam as lições da História e cresceram em
Não só há fases na evolução temporal da dignidade,
sabedoria, estão cada vez mais preparadas para
como existem também fases da consciência desta
defender os direitos dos arguidos, dos prisioneiros
dignidade. As situações de perda progressiva da
e dos condenados. É neles que, com maior pureza,
dignidade, a velhice P.e., geram na consciência
ressalta aquela dignidade que não se baseia em
uma espécie de indignidade existencial e exigem
nada mais que não seja no ser-se humano.
por parte do outro um suplemento de respeito,
como se devêssemos restituir-lhe a sua dignidade Os direitos humanos são, pois, a expressão da
psicológica. Esta restituição é de natureza ética - é dignidade ética da pessoa.
uma dimensão ética de ajuda psicológica.
Liberdade  É uma demonstração da existência de inteligência.

Racionalidade  É a única criatura que pode conhecer, compreender, prever, modificar o mundo à sua
volta.

“No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em
vez dela, qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e,
portanto, não permite equivalente, então ela tem uma dignidade.”

Kant

“...a dignidade está na totalidade do ser humano e cada ser emerge com a sua própria dignidade dessa
totalidade do humano.”

Reflexão Ética sobre a Dignidade Humana CNECV

“Despersonalizar”  Tratar o outro sem respeitar a sua humanidade, expressa pela sua presença, não
apenas corporal, mas através dela de todas as outras realidades constitutivas da sua
pessoalidade. O anonimato despersonaliza.

Despersonalizar, num contexto de saúde/doença, acrescido de sofrer uma despersonalização, o que


não é mais do que tratar o outro sem respeitar a pode acontecer, por exemplo, quando se trata um
sua condição de humanidade, expressa pela sua doente pelo diagnóstico e não pelo seu nome,
presença, não apenas corporal, mas através dessa quando se ignoram as suas necessidades mais
presença, de todas as outras realidades, elementares tais como a higiene e a alimentação,
constitutivas da sua pessoalidade. A pessoa, quando se dificulta a presença dos seus familiares
contexto da bioética e, mais particularmente, no e amigos ou quando se colocam em listas de espera
contexto dos cuidados de saúde, corre um risco muitas vezes assassinas, etc.

“O cuidado de enfermagem é o cuidado de uma vida humana. O cuidado de enfermagem desenvolve-se no


contexto do processo vital humano que é um processo dinâmico, que se inicia com a vida e termina com a
morte, onde a saúde e a doença se encontram dentro deste processo, onde a saúde se constitui como vida
presente e a doença como vida minimizada.”

Maria Mercedes Hackspiel


PESSOA

• Máscara
• Intensificação do som
• Construção de uma personagem
• Central no pensamento filosófico
• Consciência aberta ao mundo através do corpo”
• Os cuidados de enfermagem devem ser prestados dando atenção à manutenção da dignidade humana
- Racionalidade através do corpo”
- Liberdade
- Características biológicas
- Espiritualidade
- Relação com o outro...
• Os cuidados de Enfermagem podem levar à “despersonalização” à “desumanização”
• Devemos estar atentos à unicidade particularidade e vulnerabilidade de cada pessoa de quem cuidamos

Na opinião de França (2003, p. 272), “a sociedade A pessoa é um ser aberto, em crescimento


pretende enfermeiros competentes tanto do ponto constante e consciente, que se vai realizando ao
de vista da ciência como da técnica e que possuam “passar pelos outros”. A pessoa também se faz a si
uma formação humana que os torne capazes de no agir: personaliza-se e constrói a sua
prestar cuidados tendo em atenção a pessoa na sua personalidade. Agir de forma consciente, livre e
globalidade de ser bio-psico-social-espiritual, social face ao mundo é sinal de um processo de
integrada numa família e numa comunidade que personalização. A pessoa ao tomar consciência do
fazem parte intrínseca do seu estar-no-mundo”. seu agir, organiza um quadro de valores,
Podemos então referir que a humanização está hierarquiza-os, assume como “bem” o que o realiza
intimamente ligada à pessoa que, como parece e humaniza e como “mal” o que o despersonaliza.
evidente, é única e torna-se diferente nos modos Cada pessoa tem uma forma pessoal de estar no
como se relaciona com o outro, age segundo aquilo mundo, consoante as suas opções particulares têm
que é e de acordo com a sua personalidade. sentido num projeto de vida.
DA ÉTICA BIOMÉDICA À BIOÉTICA GLOBAL:
OS PERCURSOS DO PENSAMENTO

BIOÉTICA: “Uma ponte para o futuro” (Potter)

Uma ponte entre:

• O presente e o futuro
• A ciência e os valores
• A natureza e a cultura
• O Homem e a natureza
Consciência
Bioética

Conhecimentos Científicos Reflexão Ética

Sabedoria
Prática

“O propósito deste livro [Bioética: Ponte para o e se isso é parte da razão de que o futuro parece
Futuro] é o de contribuir para o futuro da espécie (estar) em dúvida, então, possivelmente, nós
humana por promover a formação de uma nova podemos construir uma “ponte para o futuro” por
disciplina, a disciplina da “bioética”. Se existem edificar a disciplina da bioética como uma ponte
“duas culturas” que parecem incapazes de entre as duas culturas. [...]”
dialogarem entre si – a ciência e as humanidades –

A SABEDORIA

• É através dela que determinamos o justo meio que levará à ação virtuosa
• Dirige a ação moral em direção ao bem
• Participa da nossa reflexão para a escolha

“Sabedoria é o conhecimento de como usar o conhecimento para melhorar a condição humana e este é o
conhecimento mais importante de todos”. O conhecimento de como usar o conhecimento é concebido como
conhecimento moral, isto é, como “sabedoria”. “A ciência é conhecimento, mas não é sabedoria. Sabedoria
é o conhecimento de como usar a ciência e de como equilibrá-la com outros conhecimentos”.
NÍVEIS DE ANÁLISE ÉTICA

• Meta-ética (princípios)
• Ética normativa (regras)
• Casuística (casos)

Meta-ética certa ou errada. Aqui trata-se de adquirir boas práticas,


saber quais são as nossas obrigações e quais podem ser
A meta-ética investiga a origem dos princípios
as consequências das nossas ações nos outros. A regra
éticos e o seu significado. Reflete acerca de
questões tais como “os princípios éticos são apenas de ouro da ética normativa é a seguinte: “faz aos outros

invenções sociais?” e “os princípios éticos aquilo que gostarias que te fizessem a ti”. O princípio

envolvem mais do que expressão das nossas orientador da ética normativa é que só existe um critério

emoções individuais?” A Meta-ética responde a de conduta moral correto, este critério pode ser
estas questões baseada em paradigmas humanos constituído por um princípio ou por um conjunto de
tais como: a verdade universal, a vontade dos princípios
deuses, o papel da pessoa humana em julgamentos
Casuística
éticos e o significado dos termos éticos por si
mesmo. Dedica-se essencialmente a dois tipos de A casuística analisa os problemas éticos por meio de
questões: questões metafísicas (analisa a procedimentos de equacionamento baseados em
existência de moralidade independentemente da paradigmas, analogias e opiniões de especialistas sobre
existência de seres humanos) e as questões a existência e rigor das obrigações morais, em situações
psicológicas (analisa as questões mentais particulares. As obrigações enunciam-se como regras e
subjacentes ao nosso julgamento moral e à máximas gerais, não universais ou invariáveis, porque
conduta). asseguram o bem somente nas condições típicas do

Ética normativa agente e das circunstâncias da situação em foco. Na


casuística, a habilidade para reconhecer detalhes e
Aplica-se a uma tarefa mais específica ou a uma
características relevantes do caso é o que mais importa
determinada prática e pretende estabelecer os
para a resolução dos problemas éticos.
standards que regulam o que se considera uma conduta

Meta-ética

Ética Normativa

Casuística
ORIGENS DA BIOÉTICA

1947: Código de Nuremberga – Formulação de exigência moral de consentimento no âmbito da


experimentação humana (natureza jurídica)

1962: God’s Committee – Primeira Comissão de ética clínica

1974: Belmont Report: ethical principals and guidelines for the proteccion of human subjects of research
(natureza ética)

NEVES, Maria do Céu P. – Comissões de ética. Das bases teóricas à actividade quotidiana. Gráfica de
Coimbra, 2ª Ed.

A Teorização da Bioética - pág. 37-38

A origem remota da bioética é situada, por alguns progresso biomédico e a necessidade de uma
comentadores, no termo da segunda guerra reflexão ética específica sobre os mesmos se
mundial, mais concretamente por ocasião da vinham verificando, alcançam proporções
redação do Código de Nuremberga, em 1947, e dramáticas durante o regime nazi na Alemanha,
respetiva formulação da exigência moral de obrigando a uma regulamentação daquela prática;
consentimento no âmbito da experimentação as dificuldades quanto ao processo de seleção de
humana. Outros comentadores situam-na mais insuficientes renais para acesso à hemodiálise,
próxima e significativamente em 1962, por ocasião situação inédita na atividade clínica, reclamam a
da constituição do que corresponde à primeira elaboração de critérios objetivos para a sua
comissão de ética clínica (ou assistencial), o God’s efetivação.
Committee, e o seu tácito reconhecimento de que
Em ambos os casos, afinal, a prática antecedeu e
a complexificação da prática clínica impõe a
exigiu a teoria. E esta é a origem da bioética: uma
necessidade do recurso à multidisciplinaridade na
nova prática, um comportamento a inventar face à
apreciação de algumas situações que ultrapassam a
vida ineditamente manipulável acompanhada por
ponderação técnica em prol de uma qualificação
um enorme e impressionante esforço de teorização
humanista.
das diretrizes para a ação. Aliás, apenas um
O primeiro evento reporta-se a uma iniciativa sistema teórico do pensamento sobre a ação, a
externa de regulamentação da ação médica no construção de uma nova lógica da ação ou ciência
domínio da investigação científica; o segundo, a da prática, permite à bioética alcançar um estatuto
uma iniciativa interna ou própria da medicina de epistemológico, isto é, um lugar entre os outros
apelo ao contributo possível de outras disciplinas saberes já constituídos, sem o qual se dissipará
para a humanização da assistência clínica. Ambos, inevitavelmente nas vicissitudes do tempo que
de diferente modo e num diferente plano, ilustram passa.
o surgimento de problemas morais no curso do
RELATÓRIO BELMONT

Respeito pelas pessoas

• Os indivíduos devem ser tratados como agentes autónomos


• As pessoas com uma autonomia diminuída devem ser protegidas

Beneficência

• Esforços para garantir o bem-estar (obrigação)

Justiça

• Equidade na distribuição para cada pessoa:


— Uma parte igual
— De acordo com a necessidade individual
— De acordo com o esforço individual
— De acordo com o contributo para a sociedade
— De acordo com o mérito

NEVES, Maria do Céu P. – Comissões de ética. Das bases teóricas à actividade quotidiana. Gráfica de
Coimbra, 2ª Ed.

1. As primeiras iniciativas de teorização bioética: o principalismo - pág. 39-42

Podemos afirmar que o Relatório Belmont vem, de ⇒ Respeito pelas pessoas;


alguma forma, numa linha de desenvolvimento
Exprime o que é designado por duas “convicções
próxima da que conduziu à elaboração do Código
éticas”:
de Nuremberga: ambos os documentos incidem
exclusivamente sobre a experimentação humana no — Os indivíduos devem ser tratados como
sentido de estabelecerem regras legitimadoras da agentes autónomos;
sua prática e assim previnem eventuais abusos — As pessoas com uma autonomia diminuída
futuros. Porém, enquanto o documento de 1948 é têm direito a proteção.
de natureza jurídica o de 1978 é de natureza ética,
o que constitui um aspeto decisivo para o processo
Neste sentido, e tal como é explicitado no
de teorização de uma ética biomédica e o identifica
Relatório, este princípio enuncia duas exigências
indubitavelmente como constituindo o primeiro
morais:
esforço de enunciação de princípios éticas para o
— Reconhecimento da autonomia da
novo domínio da biomedicina.
generalidade dos indivíduos;
No cumprimento do objetivo que presidiu à criação
— Proteger aqueles que possuem uma
daquela Comissão Nacional, o Relatório Belmont
autonomia diminuída.
propõe três princípios éticos, fundamentados na
moral comum:
O princípio do respeito pelas pessoas antecede por uma visão do bem pode ter no âmbito da
claramente o princípio da autonomia sem que, prestação dos cuidados de saúde.
todavia, se estabeleça uma correspondência
Alem disso, evidenciamos assim também que não
perfeita entre ambos os princípios. Com efeito, no
basta enunciar um princípio de ação, mas é ainda
contexto do “Relatório Belmont”, a autonomia é
indispensável defini-lo rigorosamente para a sua
entendida como capacidade de autodeterminação
correta e maximamente objetiva aplicação. Por
e não exclui absolutamente uma tradicional atitude
isso, as CES, no âmbito da sua autoformação bem
paternalista – aspetos que os autores não
como no curso das suas atividades, devem refletir
subscreveram.
sobre os fundamentos teóricos dos pareceres ou
deliberações formulados, enunciando-os e
definindo-os. Veja-se, por exemplo, que o princípio
⇒ Beneficência;
da beneficência enunciado pelo Relatório Belmont
É enunciado num sentido bastante amplo que exprime uma dupla obrigatoriedade, o que já não
envolve não só a obrigatoriedade de considerar as se verifica em Principles of Biomedical Ethics. A
pessoas no respeito pelas suas decisões e de as beneficência pode também ser entendida como
proteger do mal, mas exigindo também “esforços essencialmente como uma virtude.
para garantir o seu bem-estar”.
Neste contexto, o Relatório Belmont prossegue
A beneficência vai para além do cumprimento afirmando que entende a beneficência com um
estrito das obrigações, incentivando a ações, que sentido mais forte do que o de virtude; toma-a
podem mesmo ser de caridade, absolutamente como “obrigação” – daí ser enunciada como um
desinteressadas e eventualmente espontâneas. princípio.
Esta ultima afirmação é bastante importante e
O estatuto de “principio” ou de “virtude” não é
exemplifica bem o interesse da referência que aqui
obviamente indiferente e também este aspeto deve
fazemos à primeira formulação dos princípios
merecer a atenção dos membros das CES:
éticos biomédicos: ainda hoje o debate entre uma
ética estruturada deontologicamente, por — Os princípios exprimem uma
princípios, ou teleologicamente, pelas virtudes, se obrigatoriedade da ação;
mantém em aberto, no conforto entre o impacto — As virtudes, exprimem uma disposição para
que uma ação determinada pelo dever ou orientada agir segundo uma determinada orientação.

Assim, o princípio da beneficência enuncia “duas ética hipocrática de promover sempre o bem do
regras gerais”, as quais “têm sido formuladas como doente – beneficência -, englobando igualmente o
expressões complementares de ações beneficentes que Beauchamp e Childress virão a destacar como
neste sentido: o “principio da não-maleficência”.

— Não fazer o mal;


— Maximizar os benefícios possíveis e
⇒ Justiça”.
minimizar os malefícios possíveis”.
O seu conteúdo não chega a desenvolver para além
Deste modo, este princípio corresponde
do sentido genérico de “equidade na distribuição”
essencialmente ao princípio axial e hegemónico da
(fairness) ou do “que é merecido”. O Relatório — Igualitária (a justa distribuição dos bens é a
Belmont enumerará ainda algumas modalidades que promove oportunidades para a
possíveis a adotar para a distribuição dos benefícios equidade no bem-estar, isto é, que procede
e dos encargos, sem que venha a optar por qualquer de acordo com a necessidade de cada
uma. Referindo-nos a pessoa).

— Para cada pessoa uma parte igual; O Relatório Belmont não se restringe, porém, à
— Para cada pessoa de acordo com a apresentação dos três indicados princípios gerais e
necessidade individual; avança para a enunciação de três requisitos para a
— Para cada pessoa de acordo com o esforço respetiva aplicação daqueles: o “respeito pelas
individual; pessoas” exige a prática do “consentimento
— Para cada pessoa de acordo com o informado”, o qual inclui a obrigatoriedade de
contributo para a sociedade; informação, compreensão e voluntariedade; a
— Para cada pessoa de acordo com o mérito. “beneficência” exige uma avaliação de
“riscos/benefícios”, sendo a investigação sempre
Estas diferentes perspetivas mantêm-se hoje atuais
justificada em termos de uma ponderação
e importa tomá-las em consideração na formulação
favorável aos benefícios; e a “justiça” exige a
do conceito de justiça por que a CES venha a optar,
seleção de sujeitos para investigação, segundo
sendo aas mais decisivamente estruturantes do
critérios de justiça individual e social. Trata-se,
debate contemporâneo:
efetivamente, de regras práticas de atuação que
— A libertária (a justa distribuição dos bens é operam a transição dos princípios abstratos para a
proporcional à necessidade das pessoas, sua aplicação aos casos concretos – necessidade
atendendo também à maximização da geral evidenciada por todo o modelo principalista.
utilidade social);

PRINCIPALISMO (Beauchamp e Childress)

• Princípios
— Autonomia
— Beneficência
— Não Maleficência
— Justiça
• Regras essenciais
— Veracidade
— Confidencialidade
— Fidelidade
— Privacidade
NEVES, Maria do Céu P. – Comissões de ética. Das bases teóricas à actividade quotidiana. Gráfica de
Coimbra, 2ª Ed.

1. As primeiras iniciativas de teorização bioética: o principalismo (cont.) - pág. 42-46

O principalismo vem a ser maximizantemente benefício), dos riscos (mal ou prejuízo futuro
desenvolvido e de forma paradigmática pela já entendidos como contrariedades relativamente a
referida obra Principles of Biomedical Ethics. As interesses como a vida, a saúde e o bem estar) e
semelhanças (estruturais e até de conteúdo) entre dos benefícios (conceito que, ao contrário dos
eles são evidentes e não negligenciáveis. anteriores, não é probabilístico, referindo-se a algo
de valor positivo como a vida ou a saúde) – ou
Principles of Biomedical Ethics propõe quatro
“utilidade” -, o que em alguns casos de estimado
princípios éticos fundamentais – autonomia,
equilíbrio torna qualquer decisão extremamente
beneficência, não maleficência, justiça - a que
difícil. A regra da confidencialidade contribui para
correspondem, respetivamente, quatro regras
uma maior confiança do doente no médico o qual,
essenciais – veracidade, confidencialidade,
desta sorte, estará em melhores condições para
fidelidade, privacidade – segundo um designado
promover o bem do doente.
modelo “aplicado” da ética.
O princípio da não maleficência determina o não
Além disso, o interesse em tomar os 2 textos
infligir de qualquer mal e dele decorre a regra da
comparativamente não está tanto nas suas
fidelidade, entendida como a obrigatoriedade de
semelhanças como nas suas diferenças reveladoras
manter as promessas e, a limite, de se manter fiel
do sentido de amadurecimento da reflexão:
à promessa de procurar sempre o bem do doente.
— Desenvolvimento e sistematização da A aplicação deste princípio pode conduzir à
doutrina; consideração do princípio do “duplo efeito”, o qual
— Consolidação da justificação da teoria; sustenta que uma consequência negativa
— Aperfeiçoamento da aplicação da teoria à decorrente de uma ação que visa primeira, direta
prática; e intencionalmente um bem, não é moralmente
— Extensão do domínio de aplicação dos condenável. Este princípio do duplo efeito suscita,
modelos teóricos da bioética - da entretanto, dificuldades de vária ordem como a
investigação científica (experimentação determinação da natureza de uma ação (ou
humana) à prática clínica. omissão) intencional ou do que é um efeito

O princípio da beneficência enuncia a intencional e ainda a eventual relevância moral da

obrigatoriedade do profissional de saúde ou distinção entre ações e efeitos.

investigador de promover, prioritariamente e Em Principles of Biomedical Ethics a beneficência


sempre, o bem do doente e nele se fundamenta a e a não maleficência são apresentadas como
regra da confidencialidade. A aplicação do princípios distintos (ao contrario do que verificava
princípio da beneficência exige uma ação positiva no Relatório Belmont), refletindo assim,
no providenciar de reais benefícios – ou respetivamente, a diferença real entre obrigações
“beneficência positiva” – e uma ponderação acerca positivas (que exigem ação) e negativas (que
dos custos (recursos necessários para operar um podem consistir apenas na omissão de agir): a
benefício, bem como os efeitos negativos “moralidade exige que se contribua para o bem-
decorrentes da procura e realização desse estar das pessoas”, o que justifica um princípio da
beneficência individualizado. Além disso, uma vez são o acesso aos cuidados de saúde
perspetivados exclusivamente como princípios, (particularmente em países sem sistemas nacionais
ambos enunciam obrigações morais a cumprir de saúde), as prioridades na distribuição dos cada
necessariamente. A conjugação destes aspetos, vez mais escassos recursos para a saúde e o
permite algumas expressões de paternalismo, sob financiamento do próprio sistema. Na já apontada
condições determinadas, não obstante o objetivo impossibilidade de opção por um princípio de
conseguido dos autores de o eliminarem na sua justiça, na exclusão dos restantes, para
forma tradicional através da conceção de regulamentação destes problemas, os autores
autonomia que apresentam. consideram urgente o estabelecimento de um
consenso social acerca da conceção de justiça a
Os princípios do respeito pela autonomia e da
implementar.
justiça são, enquanto tais não obstante a justiça
constituir uma das virtudes cardeais desde a O princípio do respeito pela autonomia afirma a
Antiguidade clássica. Beauchamp e Childress capacidade que a pessoa tem de se autodeterminar
formulam o princípio do respeito pela autonomia a e exige a regra da veracidade como condição
partir da moralidade kantiana, que enuncia a mínima para a sua aplicabilidade. Este princípio
autonomia da vontade como principio supremo da pela capacidade de decisão autónoma envolve 2
moralidade, e o da justiça a partir dos contributos aspetos complementares: por um lado, o
da filosofia liberal que diversificam reconhecimento da capacidade comum a todas as
substancialmente o conceito geral aristotélico (ou pessoas de tomar as suas próprias decisões,
conceito geral de justiça) de que iguais têm de ser baseadas nos seus valores pessoais e crenças; por
tratados igualmente e desiguais desigualmente, outro, a promoção efetiva de condições que
introduzindo a noção de justiça distributiva ou favorecem o exercício da autonomia. O desrespeito
equidade. pela autonomia da pessoa implica a sua
desconsideração como sujeito e fim em si mesmo e
O princípio da justiça impõe que todas as pessoas
a sua perspetivação como simples meio, suscetível
sejam tratadas de igual modo, não obstante as suas
de objetivação. A distinção fundamental entre o
diferenças e dele parte a regra da privacidade
princípio do respeito pela autonomia suprime, a
entendida, em termos gerais, como o acesso
este nível, qualquer expressão de paternalismo
limitado à pessoa e visando manter o respeito pela
ativo. No que se refere às condições de exercício
dignidade de ser pessoa. É evidente que neste
da autonomia, indicam-se diversas formas de ação
princípio entram em consideração várias teorias da
absolutamente necessárias, entre as quais se
justiça e os autores destacam os modelos
destacam a transmissão de informação por parte do
igualitário, comunitário, libertário e utilitário,
profissional de saúde e a verificação da
afirmando que “não existe um único princípio de
compreensão da mesma, avaliação da competência
justiça capaz de responder a todos os problemas de
e vontade do doente, cumprimento do processo de
justiça”. Entretanto verifica-se facilmente que a
consentimento informado.
adoção de diferentes e concorrentes teorias
implica diferentes modelos de justiça distributiva Os quatro princípios são invariavelmente ditos
com resultados também substancialmente prima facie, isto é, exprimem uma efetiva e
diferentes em questões hoje fundamentais, se não incontornável obrigatoriedade, pelo que todos
mesmo estruturantes dos sistemas de saúde, como obrigam igualmente, nenhum podendo ser
suprimido ou subvalorizado em relação a outro. A si. Nesse caso, importa considerar as obrigações
moralidade da ação exige igualmente o impostas pela situação, ponderando a relação do
cumprimento dos quatro princípios. Os diferentes certo com o errado.
princípios podem, todavia, entrar em conflito entre

MODELO LIBERTÁRIO (Tristam Engelhardt) – “The Foundations of Bioethics”

• Mundo moral pós-moderno


• Amplo pluralismo moral
• Relativismo e nihilismo axiológico
• Moral partilhada
• Enunciação de um mínimo ético
• O consentimento como única autoridade possível

Princípios:
• Permissão
• Beneficência

NEVES, Maria do Céu P. – Comissões de ética. Das bases teóricas à actividade quotidiana. Gráfica de
Coimbra, 2ª Ed.

2. A multiplicação dos modelos teóricos da bioética: fundamentação e normatividade - pág. 49-51

Engelhardt situa a sua reflexão no mundo moral conjunto de normas ou regras orientadoras do
pós-moderno, caracterizado pela abdicação de sentido da ação: afinal, uma determinada ação
qualquer pretensão a uma fundamentação considerada moralmente preconizável num dado
universal da ação, pela existência de um amplo contexto cultural pode ser reprovável num outro.
pluralismo moral, pelo crescente relativismo moral Engelhardt acrescentará que este tipo de moral
aberto ao abissal nihilismo axiológico. Face a esta com conteúdo só pode florescer entre pessoas que
realidade, o autor questiona-se sobre a partilham os mesmos valores, independentemente
possibilidade de uma moral partilhada por todas as da fundamentação racional dos mesmos, o que, em
pessoas e, sobretudo, sobre a possibilidade de todo o caso, se torna cada vez mais raro em
enunciação de um mínimo ético que permita e sociedades pluralistas e fora de comunidades
favoreça um relacionamento não violento entre a religiosas.
diversidade das pessoas que compõem as nossas
Assim sendo, no atual contexto ocidental, as vias
sociedades contemporâneas.
que se abrem para escapar ao nihilismo não são
O pluralismo ético que vigora nas sociedades atuais muitas e o autor, depois de as considerar – “força,
não permite formular qualquer moral substancial, conversão de uma parte ao ponto de vista de
uma moral de “pleno-conteúdo” (content-full outrem, argumento racional são e acordo” -,
ethics), ou seja, uma moral concebida como conclui que apenas a última – o acordo – subsiste
como viável. Isto é, a única moralidade possível, O princípio da permissão ou consentimento é a
para o autor, é a que nasce do acordo entre as condição mínima necessária para a constituição de
pessoas interessadas em colaborar na sua uma comunidade moral. Trata-se de um princípio
construção, através de um processo de negociação secular, sem qualquer conteúdo e puramente
e na abstenção de consensos. Na ausência de procedural. É ele o verdadeiro critério da
consentimento, e dada a ausência previa de um moralidade – uma moralidade do respeito mútuo -,
critério de validação moral, todos os uma vez que a ação só é moral se obedecer ao
procedimentos parecem manter-se igualmente princípio da permissão, isto é, se decorrer do
legítimos ou, pelo menos, não há qualquer consentimento daqueles a quem diz respeito. De
autoridade que o negue. O “consentimento” é a facto, as ações realizadas por “beneficência” são
única autoridade possível numa moral “sem- mais difíceis de justificar e esta tão pouco é um
conteúdo”, isto é, numa moral procedural, afinal, requisito indispensável para a coerência do mundo
também ela a única possível no mundo pluralista moral, pelo que será sempre o princípio de
que habitamos. Procura-se assim “construir” uma permissão o prevalecente no modelo libertário de
nova moral, não a partir do exercício da razão, mas Engelhardt.
da convergência de vontades.
Para além da importância já apontada deste
No âmbito de uma política de saúde, tal implica modelo libertário ao nível do delinear de políticas,
que seja indispensável negociar consensos para ele intervém igualmente ao nível das relações
legitimar moralmente qualquer medida de interpessoais no âmbito da prestação de cuidados
atuação, caso contrário todas as ações são de saúde através do corroborar do compromisso de
permissíveis: desde o aborto e a eutanásia, todo o profissional de saúde com o bem. Intervém
exemplos comuns para situações em que a opinião ainda através da chamada de atenção da
pública se encontra fortemente dividida; até à impossibilidade de uma definição substancial e
seleção de sexo dos embriões, hoje tecno- universal deste bem e consequente exigência de
cientificamente possível mas regra geral obtenção de consentimento como única autoridade
condenável; ou a reprodução humana por verdadeiramente legitimadora da ação a
clonagem, ainda apenas antevista, mas já envolta desenvolver. Num período em que também a
em celeuma. sociedade portuguesa se torna cada vez mais
homogénea, resultado do fenómeno crescente da
Nesta nova fundamentação da ética os únicos
imigração, principalmente de África e da Europa de
princípios reconhecidos são os de “permissão”
Leste, acentuam-se as questões éticas suscitadas
(deontológico) e de “beneficência”
pelo relativismo cultural, às quais Engelhardt
(consequencialistaa), no desenvolvimento dos
pretende responder. O pluralismo axiológico de que
quais o autor virá a introduzir alguns outros
este autor é, sem dúvida, uma realidade comum
princípios.
nas sociedades ocidentais e que não pode ser
O princípio de beneficência é simplesmente o negligenciada por quantos trabalham no setor da
princípio de “fazer o bem”, sem encerrar qualquer saúde, sob o risco de se concorrer para a
definição de “bem”, sem qualquer conteúdo. É desumanização da assistência.
positivo na medida em que exprime um
compromisso com o “bem” – pressuposto de toda a
moral.
MODELO DA VIRTUDE (Pellegrino e Thomasma) – “For the Patient’s Good. The Restoration
of Beneficence in Health Care”

• Enraizado na ética aristotélica e hipocrática


• Pretende restaurar o valor da beneficência: “beneficência em confiança”
• Ética de “virtudes” em oposição a uma ética de “dever” (englobando profissionais e doentes)
• Formação do carácter dos profissionais de saúde

NEVES, Maria do Céu P. – Comissões de ética. Das bases teóricas à actividade quotidiana. Gráfica de
Coimbra, 2ª Ed.

2. A multiplicação dos modelos teóricos da bioética: fundamentação e normatividade - pág. 51-54

Os autores procuraram “restaurar” o valor O modelo da virtude aposta, assim, não na


indispensável da “beneficência”, princípio axial da formulação de princípios que em si mesmos contêm
ética hipocrática, e fim supremo da ação curativa, e refletem obrigações e direitos, mas no
sob crescente e fortemente ameaçado pela investimento empenhado na formação do carácter
tendência hegemónica do princípio da autonomia. dos profissionais de saúde, isto é, no
desenvolvimento de virtudes de acordo com a
Com efeito, Pellegrino e Thomasma consideram
finalidade da atividade dos mesmos. No âmbito
que a valorização dos direitos e o consequente
específico da prestação de cuidados de saúde, o
individualismo trazidos para a ética médica por via
profissional virtuoso é definido em relação ao fim
do liberalismo não se harmonizam com o fim da
da medicina, cujo princípio arquitetónico é o bem
prestação de cuidados de saúde ou com a essência
da pessoa doente expresso na saúde, no curar, no
da relação entre profissionais de saúde e pessoas
cuidar. Sendo a virtude uma disposição para agir
doentes. A assistência clínica – dirão – não é
bem que se aperfeiçoa pelo hábito, há que apelar
espartilhável em parâmetros formalizados,
a este sentido da ação na educação dos
frequentemente legais ou mesmo contratuais. Por
profissionais da saúde e na prática clínica. Uma
isso, os autores retomam uma ética das virtudes
pessoa virtuosa agirá sempre bem em qualquer
como alternativa a uma ética estruturada por
circunstância, de acordo com a sua própria
normas a cumprir, isto é, à ética do dever. Afinal –
natureza.
acrescentarão – a simples existência de regras não
implica que venham a ser cumpridas, o que só virá For the Patient’s Good engloba igualmente a
a acontecer entre pessoas cujo carácter impele a pessoa doente no modelo da virtude como
respeitá-las. Não se trata, pois, de dispensar todas estruturante da prestação de cuidados de saúde,
as regras de ação moral, mas tao simplesmente de pronunciando-se não só sobre o “bom” profissional
criar condições para assegurar o efetivo de saúde, mas também sobre o “bom” doente. Este
cumprimento daquelas que existem e garantir uma deverá evidenciar também algumas virtudes
ação boa mesmo em situações inéditas que não importantes, entre as quais se destacam a
foram ainda sujeitas a regulamentação. sinceridade, a probidade, a justiça e a tolerância,
e a confiança – assim se estabelecendo um “bom”
relacionamento entre o profissional de saúde e a confiança” como novo modelo nas relações médico-
pessoa doente, de empenho na máxima doente, assente numa relação fiduciária.
beneficência do primeiro para o segundo e de Salvaguarda-se, deste modo, o curar como primeira
manifestação da máxima confiança, do segundo e mais fundamentalmente obrigação do médico e
para o primeiro, na consolidação de um mantém-se a atenção à vontade do doente.
relacionamento “fiduciário” entre ambos.
“Beneficência em confiança” (beneficência
Este modelo fiduciário caracteriza-se pela fiduciária) exprime a relação fiduciária entre
consideração da pessoa na sua integridade e por médico e doentes, traduzindo a unidade de ambos
incorporar o centro moral da medicina. O “bem” do no objetivo comum de agir no melhor interesse de
doente, mais do que o respeito (formal) dos seus cada um. Em caso de conflito de valores não será
“direitos”, é o fim a ter em conta. Evidencia-se, possível, no âmbito de um pluralismo cultural,
pois, mais uma vez, que se coloca a ênfase na recorrer a quaisquer princípios estabelecidos a
beneficência (numa tradição hipocrática), sem, priori, tão pouco se poderá admitir que a decisão
todavia, cair num paternalismo ou atropelar a final seja de apenas um dos intervenientes do
autonomia do doente (integra-se plenamente o processo terapêutico. Dever-se-á, então,
doente no processo de decisão médica), até porque desenvolver o diálogo, tomando como base os
o bem do doente é uma realidade composta. O seu valores que afirmam a vida, comuns à profissão
bem não é apenas determinado sob o ponto de vista médica. Entretanto, a possibilidade do profissional
biomédico, mas envolve aspetos subjetivos de saúde se afastar voluntariamente de um caso
diversos, entre os quais se destacam os seus valores (evocando objeção de consciência) permanece em
que devem também entrar em linha de aberto.
consideração no diálogo acerca do tratamento
Este modelo é aparentemente de aplicação mais
médico.
difícil do que os anteriores mencionados na medida
Em todas as características do modelo da virtude em que, em vez da ação ser estruturada por
ressalta invariavelmente o equilíbrio procurado normas, estas são uma síntese das orientações
entre uma atitude paternalista, decorrente do fundamentais da ação virtuosa. Não obstante,
tradicional absolutismo do princípio da evidencia contributos não negligenciáveis pelos
beneficência, e a obediência à autonomia do diversos intervenientes na prestação de cuidados
doente, decorrente de uma crescente consciência de saúde, como sejam: a recuperação da tradição
dos direitos individuais. Tanto uma postura de ética médica adequando-a às atuais exigências
paternalista por parte do profissional de saúde, da biomedicina, tornando-se assim de fácil
como a afirmação da autonomia do doente, são compreensão e aceitação por parte dos
criticadas quando tomadas singularmente: a profissionais de saúde (sendo, também,
primeira, porque pode conduzir ao desrespeito do certamente, o modelo bioético que melhor
doente como pessoa; a segunda, porque pode responde a uma ética da enfermagem); o empenho
esquecer o fim da medicina e a missão dos seus dispensado à formação da pessoa doente; o
profissionais. Afirmando a necessidade de articular contributo para uma designada “ética preventiva”,
ambos os princípios – beneficência e autonomia -, evitando alguns conflitos decorrentes do não
no que de melhor trazem para a reflexão bioética, cumprimento de aspetos formais e facilmente
os autores propõem uma “beneficência em
ultrapassáveis no plano existencial do encontro e
diálogo entre duas ou mais pessoas.

MODELO PERSONALISTA/HUMANISTA

• A pessoa é o fundamento e finalidade de todo o agir ético


• Trata-se essencialmente de um raciocínio deontológico
• Categorias essenciais da pessoa:
— A unicidade da subjetividade
— Carácter relacional na intersubjetividade
— Solidariedade em sociedade

Perspetiva consequencialista

Avalia a moralidade de uma ação a partir do efeito por esta produzido, do bem
alcançado de acordo com a finalidade desejada

Relativistas Perspetiva situacionista e discursiva

Subordina a moralidade do agir ao juízo da maioria, numa abdicação evidente de


princípios

Perspetiva deontológica

Universalista Considera a moralidade da ação a partir do princípio que a desencadeia, da


intencionalidade que a anima, ainda que esta possa não vir a realizar-se

BASIC ETHICAL PRINCIPALS IN EUROPEAN BIOETHICS AND BIOLAW (2000)

• Projeto da UE
• Apresentação de princípios éticos na bioética e no biodireito tendo em vista propostas políticas no
domínio da biomedicina:
— Autonomia
— Dignidade
— Integridade
— Vulnerabilidade
• Alargamento da ética do humano ao biológico em geral
• Valorização ímpar da pessoa humana
NEVES, Maria do Céu P. – Comissões de ética. Das bases teóricas à actividade quotidiana. Gráfica de
Coimbra, 2ª Ed.

3. Análise crítica e reflexão criativa - pág. 56-58

Esta obra corresponde à concretização de um intrínseco da pessoa, sempre tomada como um fim
projeto da União Europeia de apresentação de em si mesma, que constitui o núcleo do conceito de
princípios éticos na bioética e no biodireito, “dignidade” encerra que a distingue da
enraizados na cultura europeia continental, em “autonomia” (frequente e indevidamente
vista da formulação de propostas políticas no confundidas). Em suma, é a dignidade que confere
domínio da biomedicina. Neste contexto são estatuto moral à pessoa.
apresentados “quatro princípios éticos básicos” –
O princípio da “integridade” exprime dois sentidos,
autonomia, dignidade, integridade e
à semelhança dos princípios anteriores, a saber: a
vulnerabilidade – o que, por vezes, tem sido
exigência de não ser magoado, lesionado ou
criticamente interpretado como pretensão de
alterado, mas sim respeitado e protegido, no
apresentar a versão europeia dos quatro princípios
respeito pela sua privacidade; a totalidade, a
de Beauchamp e Childress. De facto, as
completude e unidade da pessoa humana, no
semelhanças são apenas formais – na paralela
respeito pela sua coerência de vida. Daí que a
enunciação de quatro princípios – mais do que de
integridade pessoal se manifeste
conteúdo – na definição substancial dos mesmos.
preferencialmente numa perspetiva narrativa,
Deter-nos-emos brevemente na definição de cada
através da história de uma vida, do contexto de
um deles. Do ponto de vista formal avançaremos
uma vida, da totalidade de uma vida. A identidade
apenas na explicitação de que os designados
pessoal é entendida como integridade narrada.
“princípios” são fundamentalmente ideias
orientadoras ou diretrizes para a reflexão de O princípio da “vulnerabilidade” exprime também

profissionais de saúde e cidadãos em geral sobre as dois sentidos: o da fragilidade e finitude da vida; e

implicações éticas da biomedicina e biotecnologia. o da exigência de cuidado para os vulneráveis, ou


seja, aqueles que estão ameaçados na sua
A “autonomia” é genericamente entendida como
autonomia, dignidade e integridade. Assim, o
liberdade individual – incluindo uma liberdade
princípio da vulnerabilidade reclama o cuidado dos
positiva e escolhas ativas por parte do individuo -,
outros para que eles próprios se venham a realizar
relacionada também com a organização política da
plenamente.
sociedade, e como “possibilidade de um
desenvolvimento harmonioso da pessoa humana”. Neste modelo, verificamos que os quatro princípios
estão profundamente imbrincados. Aliás, podíamos
O princípio da “dignidade humana” exprime, em
acrescentar que é a “autonomia” como verdadeiro
geral, a posição destacada que uma pessoa tem:
princípio que estabelece as relações com e entre os
originariamente, na sociedade, significando a
restantes (definidos também como traços
qualidade de ser uma pessoa honrável ou meritória,
universais de carácter ou virtudes). Neste sentido,
o que implica reconhecimento de outros;
a autonomia é aqui sempre entendida no contexto
posteriormente e de forma mais marcante,
do cuidado pelos outros, fundada numa ética da
significando o “valor intrínseco da humanidade da
solidariedade, da responsabilidade e da justiça e
pessoa”, o que tradicionalmente justificou a
concorrendo, juntamente com os restantes
superioridade do homem na natureza. É o valor
princípios nomeados, para uma ética do cuidado. filosóficas contemporâneas, como o personalismo e
Para além deste aspeto, dois outros merecem-nos existencialismo. A “pessoa humana” é o cerne de
particular atenção neste modelo: o alargamento da toda a moralidade – o que permite desenvolver uma
ética do mundo humano ao biológico em geral (que reflexão ética subordinada à exigência de
aqui não desenvolvemos dado situarmo-nos apenas condições para o florescimento humano, num
no plano humano); e a valorização ímpar da pessoa processo de autorrealização. Consideramos que a
humana. Particularmente este último constitui o fundamentação antropológica da ética e a
traço mais inovador da teorização da bioética, ao conceção da ética como diferença antropológica
mesmo tempo que revelador do seu perfil europeu constituem parâmetros irredutíveis para a reflexão
– na senda de uma tradição judaico-cristã, e a prática morais.
diferentemente corroborada por tendências

BIOÉTICA GLOBAL

• A bioética ultrapassa, hoje, a ética biomédica


• Os códigos deontológicos não são suficientes para dar resposta às questões suscitadas pelas práticas
biomédicas e pela ciência, em geral
• Relação entre ciência, ética e liberdade
• As questões da Bioética ultrapassam fronteiras
• Necessidade de elaborar um instrumento universal no campo da bioética que defendesse a dignidade
humana e os direitos e liberdades fundamentais, num espírito de pluralismo cultural

Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO, 2005)

UNESCO

United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

UNESCO works to create the conditions for dialogue among civilizations, cultures and peoples, based upon
respect for commonly shared values. It is through this dialogue that the world can achieve global visions of
sustainable development encompassing observance of human rights, mutual respect and the alleviation of
poverty, all of which are at the heart of UNESCO’S mission and activities.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS (UNESCO, 2005)

• “Ao consagrar a bioética entre os direitos humanos internacionais e ao garantir o respeito pela vida
dos seres humanos, a Declaração reconhece a interligação que existe entre ética e direitos humanos
no domínio específico da bioética.”
• “…a Conferência Geral da UNESCO adaptou uma resolução em que apela a todos os Estados-membros
para que desenvolvam todos os esforços no sentido da efetiva aplicação dos princípios enunciados na
Declaração…”

Koïchiro Matsuura
PRINCÍPIOS

Dentro do campo de aplicação da presente Declaração, os princípios que se seguem devem ser respeitados
por aqueles a que ela se dirige, nas decisões que tomem ou nas práticas que adotem.

Artigo 3º Dignidade humana e direitos humanos

1. A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser plenamente


respeitados.

2. Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem prevalecer sobre o interesse exclusivo da ciência ou da


sociedade.

Artigo 4º Efeitos benéficos e efeitos nocivos

Na aplicação e no avanço dos conhecimentos científicos, da prática médica e das tecnologias que lhes estão
associadas, devem ser maximizados os efeitos benéficos diretos e indiretos para os doentes, os participantes
em investigações e os outros indivíduos envolvidos, e deve ser minimizado qualquer efeito nocivo suscetível
de afetar esses indivíduos.

Artigo 5º Autonomia e responsabilidade individual

A autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões, desde que assumam a respetiva
responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, deve ser respeitada. No caso das pessoas incapazes de
exercer a sua autonomia, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses.

Artigo 6º Consentimento

1. Qualquer intervenção médica de carácter preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser realizada
com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa, com base em informação adequada.
Quando apropriado, o consentimento deve ser expresso e a pessoa em causa pode retirá-lo a qualquer
momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo.

2. Só devem ser realizadas pesquisas científicas com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa
em causa. A informação deve ser suficiente, fornecida em moldes compreensíveis e incluir as modalidades
de retirada do consentimento. A pessoa em causa pode retirar o seu consentimento a qualquer momento
e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo. Exceções a este
princípio só devem ser feitas de acordo com as normas éticas e jurídicas adotadas pelos Estados e devem
ser compatíveis com os princípios e disposições enunciados na presente Declaração, nomeadamente no
artigo 27ª, e com o direito internacional relativo aos direitos humanos.

3. Nos casos relativos a investigações realizadas sobre um grupo de pessoas ou uma comunidade, pode
também ser necessário solicitar o acordo dos representantes legais do grupo ou da comunidade em causa.
Em nenhum caso deve o acordo coletivo ou o consentimento de um dirigente da comunidade ou de
qualquer outra autoridade se substituir ao consentimento esclarecido do indivíduo.
Artigo 7º Pessoas incapazes de exprimir o seu consentimento

Em conformidade com o direito interno, deve ser concedida proteção especial às pessoas que são incapazes
de exprimir o seu consentimento:

(a) a autorização para uma investigação ou uma prática médica deve ser obtida em conformidade com
o superior interesse da pessoa em causa e com o direito interno. No entanto, a pessoa em causa deve
participar o mais possível no processo de decisão conducente ao consentimento e no conducente à
sua retirada;

(b) a investigação só deve ser realizada tendo em vista o benefício direto da saúde da pessoa em causa,
sob reserva das autorizações e das medidas de proteção prescritas pela lei e se não houver outra
opção de investigação de eficácia comparável com participantes capazes de exprimir o seu
consentimento. Uma investigação que não permita antever um benefício direto para a saúde só deve
ser realizada a título excecional, com a máxima contenção e com a preocupação de expor a pessoa
ao mínimo possível de riscos e incómodos e desde que a referida investigação seja efetuada no
interesse da saúde de outras pessoas pertencentes à mesma categoria, e sob reserva de ser feita nas
condições previstas pela lei e ser compatível com a proteção dos direitos individuais da pessoa em
causa. Deve ser respeitada a recusa destas pessoas em participar na investigação.

Artigo 8º Respeito pela vulnerabilidade humana e integridade pessoal

Na aplicação e no avanço dos conhecimentos científicos, da prática médica e das tecnologias que lhes
estão associadas, deve ser tomada em consideração a vulnerabilidade humana. Os indivíduos e grupos
particularmente vulneráveis devem ser protegidos, e deve ser respeitada a integridade pessoal dos
indivíduos em causa.

Artigo 9º Vida privada e confidencialidade

A vida privada das pessoas em causa e a confidencialidade das informações que lhes dizem pessoalmente
respeito devem ser respeitadas. Tanto quanto possível, tais informações não devem ser utilizadas ou
difundidas para outros fins que não aqueles para que foram coligidos ou consentidos, e devem estar em
conformidade com o direito internacional, e nomeadamente com o direito internacional relativo aos
direitos humanos.

Artigo 10º Igualdade, justiça e equidade

A igualdade fundamental de todos os seres humanos em dignidade e em direitos deve ser respeitada para
que eles sejam tratados de forma justa e equitativa.

Artigo 11º Não discriminação e não estigmatização

Nenhum indivíduo ou grupo deve, em circunstância alguma, ser submetido, em violação da dignidade
humana, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, a uma discriminação ou a uma
estigmatização.
Artigo 12º Respeito pela diversidade cultural e do pluralismo

Deve ser tomada em devida conta a importância da diversidade cultural e do pluralismo. Porém, não devem
ser invocadas tais considerações para com isso infringir a dignidade humana, os direitos humanos e as
liberdades fundamentais ou os princípios enunciados na presente Declaração, nem para limitar o seu
alcance.
Artigo 13º Solidariedade e cooperação
A solidariedade entre os seres humanos e a cooperação internacional nesse sentido devem ser incentivadas.

Artigo 14º Responsabilidade social e saúde


1. A promoção da saúde e do desenvolvimento social em benefício dos respetivos povos é um objetivo
fundamental dos governos que envolve todos os sectores da sociedade.

2. Atendendo a que gozar da melhor saúde que se possa alcançar constitui um dos direitos fundamentais
de qualquer ser humano, sem distinção de raça, religião, opções políticas e condição económica ou social,
o progresso da ciência e da tecnologia deve fomentar:

(a) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e aos medicamentos essenciais, nomeadamente no


interesse da saúde das mulheres e das crianças, porque a saúde é essencial à própria vida e deve ser
considerada um bem social e humano;

(b) o acesso a alimentação e água adequadas;

(c) a melhoria das condições de vida e do meio ambiente;

(d) a eliminação da marginalização e da exclusão, seja qual for o motivo em que se baseiam;

(e) a redução da pobreza e do analfabetismo.

Artigo 15º Partilha dos benefícios


1. Os benefícios resultantes de qualquer investigação científica e das suas aplicações devem ser partilhados
com a sociedade no seu todo e no seio da comunidade internacional, em particular com os países em
desenvolvimento. Com vista a dar efetivação a este princípio, os benefícios podem assumir uma das
seguintes formas:

(a) assistência especial e sustentável às pessoas e aos grupos que participaram na investigação e
expressão de reconhecimento aos mesmos;

(b) acesso a cuidados de saúde de qualidade;

(c) fornecimento de novos produtos e meios terapêuticos ou diagnósticos, resultantes da investigação;

(d) apoio aos serviços de saúde;

(e) acesso ao conhecimento científico e tecnológico;

(f) instalações e serviços destinados a reforçar as capacidades de investigação;

(g) outras formas de benefícios compatíveis com os princípios enunciados na presente Declaração.

2. Os benefícios não devem constituir incitamentos indevidos à participação na investigação.


Artigo 16º Proteção das gerações futuras

As repercussões das ciências da vida sobre as gerações futuras, nomeadamente sobre a sua constituição
genética, devem ser adequadamente tomadas em consideração.

Artigo 17º Proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade

Importa tomar na devida conta a interação entre os seres humanos e as outras formas de vida, bem como
a importância de um acesso adequado aos recursos biológicos e genéticos e de uma utilização adequada
desses recursos, o respeito pelos saberes tradicionais, bem como o papel dos seres humanos na proteção
do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade.

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

Artigo 18º Tomada de decisões e tratamento das questões de bioética

1. O profissionalismo, a honestidade, a integridade e a transparência na tomada de decisões, em particular


a declaração de todo e qualquer conflito de interesses e uma adequada partilha dos conhecimentos,
devem ser encorajados. Tudo deve ser feito para utilizar os melhores conhecimentos científicos e as
melhores metodologias disponíveis para o tratamento e o exame periódico das questões de bioética.

2. Deve ser levado a cabo um diálogo regular entre as pessoas e os profissionais envolvidos e também no
seio da sociedade em geral.

3. Devem promover-se oportunidades de um debate público pluralista e esclarecido, que permita a


expressão de todas as opiniões pertinentes.

Artigo 19º Comités de ética

Devem ser criados, encorajados e adequadamente apoiados comités de ética independentes,


multidisciplinares e pluralistas, com vista a:

(a) avaliar os problemas éticos, jurídicos, científicos e sociais relevantes no que se refere aos projetos
de investigação envolvendo seres humanos;

(b) dar pareceres sobre os problemas éticos que se levantam em contextos clínicos;

(c) avaliar os progressos científicos e tecnológicos, formular recomendações e contribuir para a


elaboração de princípios normativos sobre as questões do âmbito da presente Declaração;

(d) promover o debate, a educação e bem assim a sensibilização e a mobilização do público em matéria
de bioética.

Artigo 20º Avaliação e gestão dos riscos

Será conveniente promover uma gestão apropriada e uma avaliação adequada dos riscos relativos à medicina,
às ciências da vida e às tecnologias que lhes estão associadas.
Artigo 21º Práticas transnacionais

1. Os Estados, as instituições públicas e privadas e os profissionais associados às atividades transnacionais


devem empenhar-se em garantir que qualquer atividade respeitante à presente Declaração,
empreendida, financiada ou de outro modo conduzida, no todo ou em parte, em diferentes Estados, seja
compatível com os princípios enunciados na presente Declaração.

2. Quando uma investigação é empreendida ou de outro modo conduzida em um ou vários Estados (Estado(s)
anfitrião(anfitriões)) e financiada por recursos provenientes de outro Estado, esta atividade de
investigação deve ser objeto de uma avaliação ética de nível apropriado, tanto no Estado anfitrião como
no Estado em que se situa a fonte de financiamento. Esta avaliação deve basear-se em normas éticas e
jurídicas compatíveis com os princípios enunciados na presente Declaração.

3. A investigação transnacional em matéria de saúde deve dar resposta às necessidades dos países anfitriões
e é necessário reconhecer a importância da investigação para o alívio dos problemas urgentes de saúde
no mundo inteiro.

4. Na altura da negociação de um acordo de investigação, as condições da colaboração e o acordo sobre os


benefícios devem se definidos com uma participação equitativa das partes na negociação.

5. Os Estados devem tomar medidas apropriadas, tanto a nível nacional como internacional, para combater
o bioterrorismo e o tráfico ilícito de órgãos, tecidos, amostras, recursos e materiais de natureza genética.

DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 26º Interdependência e complementaridade dos princípios

A presente Declaração deve ser entendida como um todo e os princípios devem ser entendidos como
complementares e interdependentes. Cada princípio deve ser considerado no contexto dos outros, na medida
apropriada e pertinente, de acordo com as circunstâncias.

Artigo 27º Limites à aplicação dos princípios

Se a aplicação dos princípios enunciados na presente Declaração tiver de ser limitada, deverá sê-lo por lei,
nomeadamente pelos textos legislativos sobre a segurança pública, a investigação, deteção e demanda
judicial em caso de delito penal, a proteção da saúde pública ou a proteção dos direitos e liberdades de outras
pessoas. Qualquer lei deste tipo deve ser compatível com o direito internacional relativo aos direitos humanos.

Artigo 28º Exclusão dos atos contrários aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à
dignidade humana

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como suscetível de ser invocada de
qualquer modo por um Estado, um grupo ou um indivíduo para se entregar a uma atividade ou praticar um
ato para fins contrários aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana.
VALORES E PRINCÍPIOS

VALOR

• Aquilo que uma coisa vale;


• O que é considerado bom, positivo e útil;
• Na Grécia antiga:
— aquilo que é precioso, digno de ser estimado ou preferido;
— aquilo que tem peso ou que vale a pena.

Os valores são critérios segundo os quais Não atribuímos a todos os valores. A hierarquização
valorizamos ou desvalorizamos as coisas e é a propriedade que os valores têm de se
expressam-se nas razões que justificam ou motivam subordinarem uns aos outros, isto é, de serem uns
as nossas ações, tornando-as preferíveis a outras. mais valiosos que outros. As razões por que o
Por isso se aforma que os valores se reportam a fazemos são múltiplas e, de certa forma, os nossos
ações e as justificam – são conceitos que traduzem valores tendem a organizar-se em polaridades ou
as nossas preferências. oposições – por exemplo, preferimos e opomos a
verdade à mentira, a justiça à injustiça.

CONFLITOS DE VALORES

• Os valores não são algo imutável, algo que permanece num indivíduo ou num grupo para sempre e de
um modo estável;
• Não estão ao abrigo das mudanças sociais, políticas, económicas, etc.
• Não sendo estáticos, os valores encontram-se em constante mutação, quer na sociedade, quer dentro
de nós próprios, e de acordo com os condicionalismos que nos cercam.
• O modo como cada membro de uma sociedade estrutura os valores é muitas vezes diferente, o que
pode levar a conflitos de várias ordens.
• A pessoa hierarquiza os valores de acordo com as suas finalidades para a ação e cada pessoa tem a sua
maneira particular de hierarquizar os valores que será tanto “melhor” quanto “mais” educada ela for.
CÓDIGO DEONTOLÓGICO DO ENFERMEIRO

Art.º 99º

1. As intervenções de enfermagem são realizadas com a preocupação da defesa da liberdade e da


dignidade da pessoa humana e do enfermeiro.

2. São valores universais a observar na relação profissional:

a) A igualdade;

b) A liberdade responsável, com a capacidade de escolha, tendo em atenção o bem comum;

c) A verdade e a justiça;

d) O altruísmo e a solidariedade;

e) A competência e o aperfeiçoamento profissional.

Igualdade

→ Exprime a equivalência de dignidade, de direitos fundamentais e de direitos e deveres sociais entre as


pessoas.
→ O valor da igualdade como projeto ético e social reside na radicação e na persistência ontológica das
desigualdades existenciais.

Igualdade ≠ Igualitarismo

Todos os homens nascem iguais em direitos em outros deveres, como o de “Cuidar da pessoa sem

direitos e em dignidade. O princípio da distinção”. (Artigo 81.º, a). Podemos ver esta

universalidade acompanha esta igualidade igualdade fundamental como traço decorrente da

fundamental – está na base da Constituição, por dignidade humana, partilhada por todos pela

exemplo, e encontrar-se-á na operacionalização de essência da natureza do ser humano.


Liberdade

→ A ação dita livre é a ação pela qual o agente pode responder.


→ É-se tanto mais livre quanto mais responsável se for.
→ Livre é a ação conforme as razões com que se consente e que não são fisicamente determinantes.
(intencionalidade da ação)
→ Não livre é a ação por inconsciência, loucura, irresponsabilidade (física ou moral).

A liberdade responsável articula duas noções: direito, a moral e a ética, e relacionam-se com os
responsabilidade é uma das noções éticas interesses (no sentido de verdadeiros interesses,
fundamentais e é correlativa da liberdade, uma vez determinados de acordo com critérios éticos e
que só se pode ser responsável pelas ações que se jurídicos). Ou seja, de acordo com Michael Renaud,
escolheu, voluntariamente, realizar. Aqui entronca o bem pessoal abrange interesses em que o titular
a ideia de autonomia da conduta, já que agir é a pessoa (e não um grupo, em que existem
eticamente é agir autonomamente. A interesses particulares, mas não pessoais) ao passo
responsabilidade é construtiva do ato e não que o bem comum compreende interesses da
consecutiva ao ato – de onde se entende que se é comunidade no seu todo, mas que revelam das
responsável pelo ato ao escolhê-lo e ao realizá-lo e categorias de bem e mal (e distingue-se bem
não apenas pelo que decorre das suas comum do conceito de interesse público). Entende-
consequências. Ou seja, é-se responsável pelas se, por isso, que o bem pessoal esteja protegido,
suas decisões (de agir ou não agir), pelos atos (no na ordem jurídica, como parte integrante do bem
sentido da ação ou da omissão) e pelas comum – aliás, os direitos e as liberdades
consequências (e a responsabilidade detalha-se fundamentais dizem respeito ao ser humano,
adiante, enquanto princípio orientador). enquanto membro da sociedade e enquanto
cidadão. O fim que procuramos atingir é mais
A liberdade que define o ser pessoal manifesta-se
elevado do que o nosso bem individual, embora o
nas escolhas e liga-se, também, à autenticidade – a
inclua. Muitas vezes prescindimos do bem pessoal
exigência de viver de acordo consigo mesmo e de
em benefício do bem comum, cuidando e
acordo com os princípios que assume como seus.
garantindo o cuidado aos nossos concidadãos. Note-
Todavia, esta liberdade responsável, com
se que o “bem comum” não é o “bem da maioria”
capacidade de escolha (ligada ao livre arbítrio e ao
nem um conjunto de bens que possam ser
processo de tomada de decisão), tem em vista o
desfrutados pelo público – é o bem de que
bem comum – e se o bem comum não se dissocia do
participam todas as pessoas que integram uma
bem pessoal, também não se confunde com ele.
comunidade.

As noções de bem pessoal e bem comum


enquadram-se nas esferas da relação entre o
Verdade

→ Acordo da inteligência e suas operações com a realidade conhecida ou afirmada;


→ Conformidade do juízo com uma realidade transcendente à consciência.

Verdade Moral

Todos os homens devem reconhecer e respeitar a verdade e traduzi-la na vida, de modo que a conformidade entre a
inteligência e a realidade se torne conformidade entre o pensamento e a ação.

A verdade – referência “às coisas como elas são” -, que julgamos ser verdade e sermos fiéis, em

no seu esforço de convergir com o real e também palavras e atos, às nossas convicções. Muitas vezes,

por contemplar a vida íntima do homem, assume- a verdade traduz-se na forma como percebemos a

se como um encontro (entre o pensamento e o realidade, na forma como a assimilamos,

objeto, entre o sujeito e o real, entre sujeitos, ou interpretamos e transmitimos. O facto de

de uma pessoa consigo mesma). Na tradição dos interpretarmos implica a possibilidade, ainda que

países anglo-saxónicos, é usual “dizer a verdade involuntária, de faltar à verdade objetiva. Ser

seja ela qual for”; nos países latinos, predomina o verdadeiro comporta ser congruente e comunicar

“dizer a verdade, na medida da capacidade do com verdade, agir na veracidade – assim,

outro para a receber”. A verdade diz respeito à submetemo-nos à verdade. De acordo com Comte-

verdade positiva dos factos, mas também à Sponville, a boa fé não proíbe o silêncio – e dizer a

capacidade de assimilação do outro. Dizer a verdade pode não ser um absoluto, mas um valor a

verdade não é simplesmente comunicar uma par de outros, às vezes mais necessários ou mais

mensagem objetiva. Corresponde à realidade tal urgentes. Salvaguarde-se tanto a compaixão como

como ela é vivida pelo ser humano e manifesta-se, a devida solicitude no cuidado e tenhamos a noção

enquanto tal, na unidade do pensar, agir e ser. de que, em primeiro lugar, cabe ao cliente, quando
pode decidir da importância que atribui à verdade.
As relações com a verdade passam,
necessariamente, pela boa-fé – que é dizermos o
Veracidade

→ Virtude que leva a ser verdadeiro na comunicação com os demais


→ Autenticidade
→ Fidelidade a si mesmo
→ Sinceridade - não exige que se diga ou comunique tudo aos demais. É compatível com a discrição ou
prudência na comunicação.

Justiça

→ Platão: virtude universal com dimensões psicológicas, éticas, políticas e jurídicas


→ Aristóteles: virtude de natureza exclusivamente social concernente à repartição de bens entre os
homens – dar a cada um o que é seu.
→ São Tomás: virtude cardeal de índole social – “hábito segundo o qual, com constante e perpétua
vontade, se dá a cada qual o seu direito.”
→ Paul Ricoeur: fundamental para reger as relações de poder dentro das instituições (“Vida ética, com
e para os outros, em instituições justas”)

Quanto à justiça, “das quatro virtudes cardinais, (a se estende para lá do estritamente formal (e da

justiça) é certamente a única que é boa em regra jurídica de “dar a cada um o que lhe é

absoluto. A prudência, a temperança ou a coragem devido”), entenderemos que a justiça implica

só ao serviço do bem são virtudes ou então tratar coisas similares de forma semelhante e

relativamente a valores – por exemplos, a justiça – coisas diversas de forma diferente. “Dar a cada um

que as ultrapassam ou que as motivam. Assim é o o que lhe é devido”, ou de acordo com as suas

horizonte de todas as virtudes e a lei da sua necessidades, não pode ser confundido com “dar o

coexistência. Diz-se em dois sentidos: no da mesmo a todos”, sendo antes o dar a cada um de

conformidade com o direito – legalidade – e no da acordo com as suas circunstâncias, o que, muito

igualdade ou proporção – e torna-se equidade. provavelmente, é diferente para diversas pessoas.

Assim, a justiça surge como o “dar a cada um o que Estamos, claramente, no domínio da equidade. No

lhe é devido”, na conformidade com o direito campo dos cuidados de saúde, a justiça pode

(legalidade) e sendo uma proporção (igualdade); referir-se à distribuição de recursos (e estaremos

justiça é igualdade dos direitos – quer sejam na esfera da justiça distributiva, intimamente

juridicamente estabelecidos ou moralmente ligada à alocação de recursos, humanos e

exigidos. Se ajuizarmos que a exigência da justiça materiais, respetiva distribuição e rentabilização).


Altruísmo

“Amei tanta gente que esqueci de me amar.”- Mário Annuza

→ “Vivre pour autrui”


→ Amor; caridade; filantropia; solidariedade.

Pensar nos outros e fazer por eles o que necessitam, colocando-nos a nós próprios em último lugar.

O altruísmo, por definição, resulta da ação (até atendendo à raiz da palavra, à ideia de

realizada em função do interesse do outro, surge solidez). Desta ideia decorre uma dupla

como valor do benefício dos outros, em vez do de responsabilidade: das pessoas entre si, entre

si mesmo. Está associado à solidariedade que, grupos e com a sociedade. Ser solidário implica

enquanto comunhão de interesses e tomada de respeito pelo outro, assim como a partilha de

consciência desta comunhão, resulta numa conhecimentos e saberes, a promoção de valores e

interdependência mútua. Ser solidário é um estado a interação na busca de melhores cuidados.

de espírito, um valor de pertença a um conjunto

Solidariedade

→ “Influência e dependência dos diversos elementos de um determinado grupo, entre si e relativamente


ao grupo ou sociedade em questão” (Roque Cabral)
→ Radica na essência social do ser humano
→ À solidariedade corresponde um dever de mútua responsabilidade, enunciado no “princípio de
solidariedade”

Competência e Aperfeiçoamento Profissional

→ Ser competente torna-se uma exigência ética, um DEVER.


→ O nosso agir deve ser pautado por o mais elevado nível de competência o que poderemos conseguir
também através dum aperfeiçoamento constante.
o Excelência do Exercício
o Manutenção da dignidade humana
Partindo do principio de que a competência O aperfeiçoamento profissional, mais do que mera
profissional se caracteriza “fundamentalmente atualização dos conhecimentos com que se cumpre
como juízo e ação sensata em situações complexas, o dever de zelo é o caminho da construção de
únicas e incertas, com valores em conflito … competências. Não é acidentalmente que se
também requer conhecimento reflexivo para lidar encontra associado à competência e entende-se
com áreas que não se prestam a soluções comuns”, que as formas de operacionalizar e promover o
entende-se que caracterizar a competência na desenvolvimento pessoal e profissional passam pela
prestação de cuidados de enfermagem assume autoformação, pela formação contínua e pelo
foros de circunstancialidade apreciável. Ou seja, os processo de avaliação do desempenho. Ou seja, a
elementos que configuram a competência estarão aprendizagem ao longo da vida, num eixo de
relacionados, de forma intrínseca, com a atualização e desenvolvimento profissional.
circunstância e os contextos em que decorre a
intervenção de enfermagem. A competência é da
ordem do saber mobilizar e transferir.

NOTA DO DOCUMENTO:

A enfermagem tem uma dimensão moral que se constitui pelo facto de a profissão ter um mandato social, ou seja, de a
sociedade esperar alguma coisa dos enfermeiros. Assim, considera-se o exercício das chamadas virtudes institucionais a
saber: o respeito, o serviço, a competência e a justiça.

A relação destas virtudes prende-se com o facto de cada pessoa se apresentar como um ser de direitos e de deveres,
tendo um lugar que merece respeito. Cada um presta serviço na sociedade, aos mais diversos níveis. Serviço este que tem
de ser prestado de forma competente. E entende-se que pessoas verdadeiramente competentes agem a partir de
processos de pensamento … e não apenas e estritamente a partir de regras aceites … e, por isso, podem superar o facto
evidente de as respostas puramente habituais não serem, muitas vezes tão estruturadas quanto a infinita variedade de
circunstâncias com que lidamos e que estamos em condições de enfrentar.

Art.º 99º

3. São princípios orientadores da atividade dos enfermeiros:

a) A responsabilidade inerente ao papel assumido perante a sociedade;

b) O respeito pelos direitos humanos na relação com os clientes;

c) A excelência do exercício na profissão em geral, e na relação com outros profissionais.


Responsabilidade

Respondere; comprometer-se (spondere) perante alguém em retorno (re)

→ Capacidade e obrigação de responder ou prestar contas pelos próprios atos e seus efeitos, aceitando
as suas consequências.
→ Só uma pessoa pode ser responsável e é-o primariamente por si mesma e perante si mesma.
→ Uma pessoa só é responsável pelos atos que são verdadeiramente seus (livremente praticados)
→ É-se também responsável pelos efeitos desses atos.

Este ponto assinala os princípios orientadores de que um ato pode ser atribuído a alguém, que é o

atividade profissional, destacando-se os aspetos de autor. Isto é imputar e mostrar que é

concretização. Por exemplo, a responsabilidade é primeiramente a partir de uma obrigação ou dever

“inerente ao papel assumido perante a sociedade”, que é assacada responsabilidade a alguém: isto é,

como o respeito pelos direitos humanos se a responsabilidade é imputada ao agente pela

configura “na relação com oc clientes” e a verificação da infração do dever não cumprido.

excelência do exercício “na profissão em geral e na Trata-se de colocar na “conta” de alguém a

relação com outros profissionais”. responsabilidade, a “culpa”, pelos atos praticados


– por isso dizemos de alguém que “tem muitas
Quanto à responsabilidade, a palavra deriva do culpas no cartório”, como se houvesse uma
latim respondere, comprometer-se (spondere) com contabilidade própria para os méritos e deméritos
alguém e é habitualmente usada referindo “a de ação individual.
capacidade-e-obrigação de responder ou prestar
contas pelos próprios atos e seus efeitos, aceitando Mas a responsabilidade é também a que se exerce

as consequências. A “responsabilidade” inclui no compromisso assumido perante uma missão que

também e simultaneamente as ideias de estado nos é atribuída; quando a obrigação é a de cumprir

(por exemplo, ser pai ou mãe comporta o sentido certos deveres ou de assumir certos encargos ou

de responsabilidade na medida em que os pais são compromissos; isto é, quando se trata de responder

responsáveis pelos seus filhos e, por algo que nos foi confiado ou por alguém que

consequentemente, pelos prejuízos causados pelos temos ao nosso cuidado.

filhos, quando menores), de capacidade (é função


Quando se pretende saber quem é responsável por
do nível de discernimento de que o individuo pode
uma ação já praticada (e se quer obter resposta às
fazer prova, razão pela qual uns podem ser
questões “Quem fez isto?”, “Quem deveria ter feito
responsabilizados e outros não) e de obrigação (de
isto?”), trata-se de atribuir responsabilidade a
responder pelos atos praticados e pelos
alguém, de imputar a alguém tal ação. A atribuição
compromissos assumidos).
de responsabilidade é habitualmente iniciada por

Quando se aborda a responsabilidade, a primeira um processo de investigação que levará à

ideia que surge é a de que se pretende reconhecer identificação do agente e à sua imputação, o que
poderá, por sua vez, ser seguido de medidas confiada uma tarefa a cumprir ou função a realizar
sancionatórias ou elogiosas. por um determinado agente. A tarefa será
realizada segundo regras reconhecidas ou
No caso de ações futuras (em que se pretende
específicas para a circunstância ou, de um modo
resposta à questão “Quem fará isto?”, trata-se de
geral, o agente deverá empreender ações ainda não
uma missão que é atribuída a alguém. Isto é, é
especificas que a função assumida implica.

É o que acontece quando iniciamos a profissão e responder pelos nossos atos – o que diz respeito

assumimos a missão de cuidar daqueles que nos tanto aos atos que se reportam a uma ação

vierem a ser confiados. Enquanto enfermeiros, concreta como aos que decorrem da decisão de não

assumimos a missão, isto é, a responsabilidade de agir.

agir de determinado modo (“com a preocupação da


O primeiro princípio a tomar em consideração é o
defesa da dignidade e liberdade da pessoa”) e,
de que os enfermeiros são profissionalmente
quando respondemos a certas solicitações
responsáveis pelos seus atos. Pode considerar-se,
especificas, assumimos realizar tarefas concretas
por um lado, a relação com a intencionalidade na
(como gerir um serviço, organizar jornadas, cuidar
prestação de cuidados e o modo como cada
de um doente em particular).
profissional tem em conta a dignidade da Pessoa, e

Somos igualmente responsáveis pelo que decidimos por outro lado, o papel do enfermeiro como

não fazer. É por isso que, muito rapidamente, pode defensor ou advogado do doente, transmitindo

ser associada à noção de negligência – não agir ou informação e apoiando-se nos processos de

contentar-se com o esboço de uma ação depende escolha.

plenamente da responsabilidade. Devemos

Respeito

→ Sentimento moral inspirado pela eminente dignidade da pessoa, reconhecida como um valor a
salvaguardar
→ O seu objeto é a lei, que o Homem como ser racional, a si mesmo se impõe. (Kant)
→ Não devo tratar o outro simplesmente como um meio, mas sempre como um fim em si mesmo.

O respeito pelos direitos humanos encontra-se irredutível, a que se ligam a autonomia e a

vinculado à assunção do outro como um ser digno, individualidade.

sujeito de direitos (e deveres). A Declaração


Os direitos fundamentais têm algumas
Universal dos Direitos do Homem corresponde à
características próprias, pois são:
tentativa de institucionalizar os elementos
constituintes da dignidade humana como algo,
1 – Naturais e Universais – isto é, são inerentes à igualdade e à dignidade, bem como ao pleno
pessoa humana e transcendem as fronteiras e as desenvolvimento da sua personalidade.
leias nacionais, bem como se aplicam a todas as
Na Constituição da República Portuguesa estão
pessoas, independentemente da nacionalidade,
definidos os direitos fundamentais. Destes, por
sexo, raça ou convicções;
relação com a deontologia, salientamos: o direito à
2 – Imprescritíveis – ou seja, são permanentes, não vida (24º), o direito à integridade pessoal (25º), o
se perdem com o decurso do tempo, não têm um direito à identidade pessoal, à capacidade civil, à
“prazo de validade” determinado; cidadania, ao bom nome e à boa reputação, à
imagem, à palavra e à reserva da intimidade da
3 – Inalienáveis – isto é, não se podem transferir de
vida privada e familiar (26º) – os chamados direitos
uma pessoa para outra, por mais que se goste
de personalidade -, o direito à liberdade e à
dela ou por melhor que um terceiro possa pagar;
segurança (27º), o direito à inviolabilidade do

4 – Irrenunciáveis – ou seja, não se pode renunciar domicilio e da correspondência (34º), os direitos

a eles, mesmo em favor de outra pessoa; relativos à família, ao casamento e à filiação (36º),
o direito de livre expressão do pensamento e o
5 – Invioláveis – motivo pelo qual nenhuma lei nem direito de informação (37º), a liberdade de
autoridade podem desrespeitá-los impunemente consciência, religião e culto (41º), a liberdade de
(se tal acontecer, há razão para criação intelectual, artística e cientifica (42º), a
responsabilização civil e criminal); liberdade de aprender e de ensinar (43º), o direito
de deslocação e de emigração (44º).
6 – Indivisíveis e Interdependentes – isto é, têm
de ser tomados em conjunto e de forma Na Carta dos Direitos Dos Doentes, estão previstos
relacionada; não podemos escolher alguns que o direito a ser tratado, no respeito pela dignidade
nos interessem em detrimento de outros, pois os humana, no respeito pelas respetivas convicções
direitos humanos fundamentais têm de ser culturais, filosóficas e religiosas; o direitos a
interpretados de forma conjunta, com a receber cuidados apropriados ao respetivo estado
finalidade da sua plena realização. de saúde, o direito à prestação de cuidados
continuados; à informação acerca dos serviços de
No preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos
saúde existentes, respetivas competências e níveis
do Homem considera-se que “o reconhecimento da
de cuidados; o direito a ser informado sobre a
dignidade inerente a todos os membros da família
respetiva situação de saúde e a obter uma segunda
humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis
opinião; o direito de dar ou recusar o
constitui o fundamento da liberdade, da justiça e
consentimento; o direito à confidencialidade e o
da paz no mundo.” A razão por que “os povos das
acesso aos dados registados no seu processo clínico;
Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos
o direito à privacidade na prestação de todo e
direitos fundamentais do homem, na dignidade e
qualquer ato; e o direito, diretamente ou através
valor da pessoa humana, na igualdade de direitos
de quem o represente, a apresentar sugestões e
dos homens e das mulheres” é, no fundo, por se
reclamações.
acreditar que há que garantir ao ser humano o
respeito pelo seu direito à vida, à liberdade, à
Um aspeto básico que se relaciona com a garantia nunca se colocar acima do direito da pessoa
efetiva dos direitos diz respeito à acessibilidade, à humana, devendo o progresso científico estar ao
aplicação e distribuição dos recursos, cada vez mais serviço desta.
caros e escassos, o que é de difícil decisão e
Quanto ao exercício profissional, uma ampla gama
intensifica, com elevada relevância e pertinência,
de deveres situa-se na promoção, defesa e garantia
o debate em torno do princípio da justiça, que se
dos direitos daqueles a quem se prestam cuidados
transmuta em equidade. Na compatibilização das
… porque “nada que seja desumano ou participe no
necessidades e dos direitos com os recursos da
desprezo pelos outros pode ser aceite pelos
saúde, nenhuma escolha pode ser feita sem o
profissionais de cuidados”.
reconhecimento de que a pessoa é sempre sujeito
e não objeto. O interesse da ciência não pode

Excelência do Exercício

A Excelência do exercício diz respeito à meta de com prontidão, com correção técnica, privacidade

qualidade no cuidado prestado numa perspetiva e respeito”, é necessário que a prestação de

holística da pessoa. A avaliação da qualidade dos cuidados concreta seja boa, por ser zelosa e

cuidados poderá ser realizada segundo uma tríade competente. Ou seja, não se trata da pura

de vertentes (estrutura, processo e resultados), satisfação de um direito formal, mas da associação

mas o que se pretende salientar é a dimensão moral da competência técnica, científica e moral com

do serviço que se presta e que os outros esperam vista à prestação de um cuidado de qualidade nas

de nós. esferas física, emocional, espiritual, intelectual e


social. No global, o desenvolvimento de boas
Não basta saber que os utentes têm direito a ser práticas, na sintonia dos saberes mais atuais.
“tratados pelos meios adequados, humanamente e
DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E DIREITO HUMANOS
conceitos e princípios éticos

Artigo 3º - Dignidade humana e direitos humanos

1. A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser plenamente


respeitados.
2. Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem prevalecer sobre o interesse exclusivo da ciência ou
da sociedade.

Artigo 5º - Autonomia e responsabilidade individual

A autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões, desde que assumam a respetiva
responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, deve ser respeitada. No caso das pessoas incapazes de
exercer a sua autonomia, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses.

Artigo 6º - Consentimento

1. Qualquer intervenção médica de carácter preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser realizada
com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa, com base em informação
adequada. Quando apropriado, o consentimento deve ser expresso e a pessoa em causa pode retirá-lo
a qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou
prejuízo.
2. Só devem ser realizadas pesquisas científicas com o consentimento prévio, livre e esclarecido da
pessoa em causa. A informação deve ser suficiente, fornecida em moldes compreensíveis e incluir as
modalidades de retirada do consentimento. A pessoa em causa pode retirar o seu consentimento a
qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou
prejuízo. Exceções a este princípio só devem ser feitas de acordo com as normas éticas e jurídicas
adotadas pelos Estados e devem ser compatíveis com os princípios e disposições enunciados na
presente Declaração, nomeadamente no artigo 27ª, e como direito internacional relativo aos direitos
humanos.
3. Nos casos relativos a investigações realizadas sobre um grupo de pessoas ou uma comunidade, pode
também ser necessário solicitar o acordo dos representantes legais do grupo ou da comunidade em
causa. Em nenhum caso deve o acordo coletivo ou o consentimento de um dirigente da comunidade
ou de qualquer outra autoridade substituir-se ao consentimento esclarecido do indivíduo.
Artigo 7º - Pessoa incapazes de exprimir o seu consentimento

Em conformidade como direito interno, deve ser concedida proteção especial às pessoas que são incapazes
de exprimir o seu consentimento:

a) A autorização para uma investigação ou uma prática médica deve ser obtida em conformidade com o
superior interesse da pessoa em causa e como direito interno. No entanto, a pessoa em causa deve
participar o mais possível no processo de decisão conducente ao consentimento e no conducente à sua
retirada;
b) A investigação só deve ser realizada tendo em vista o benefício direto da saúde da pessoa em causa,
sob reserva das autorizações e das medidas de proteção prescritas pela lei e se não houver outra opção
de investigação de eficácia comparável com participantes capazes de exprimir o seu consentimento.
Uma investigação que não permita antever um benefício direto para a saúde só deve ser realizada a
título excecional, com a máxima contenção e com a preocupação de expor a pessoa ao mínimo possível
de riscos e incómodos e desde que a referida investigação seja efetuada no interesse da saúde de
outras pessoas pertencentes à mesma categoria, e sob reserva de ser feita nas condições previstas
pela lei e ser compatível com a proteção dos direitos individuais da pessoa em causa. Deve ser
respeitada a recusa destas pessoas em participar na investigação.

Artigo 8º - Respeito pela vulnerabilidade humana e integridade pessoal

Na aplicação e no avanço dos conhecimentos científicos, da prática médica e das tecnologias que lhes estão
associadas, deve ser tomada em consideração a vulnerabilidade humana. Os indivíduos e grupos
particularmente vulneráveis devem ser protegidos, e deve ser respeitada a integridade pessoal dos indivíduos
em causa.

Artigo 9º - Vida privada e confidencialidade

A vida privada das pessoas em causa e a confidencialidade das informações que lhes dizem pessoalmente
respeito devem ser respeitadas. Tanto quanto possível, tais informações não devem ser utilizadas ou
difundidas para outros fins que não aqueles para que foram coligidos ou consentidos, e devem estar em
conformidade com o direito internacional, e nomeadamente com o direito internacional relativo aos direitos
humanos.

Artigo 10º - Igualdade, justiça e equidade

A igualdade fundamental de todos os seres humanos em dignidade e em direitos deve ser respeitada para que
eles sejam tratados de forma justa e equitativa.
Artigo 11º - Não discriminação e não estigmatização

Nenhum indivíduo ou grupo deve, em circunstância alguma, ser submetido, em violação da dignidade humana,
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, a uma discriminação ou a uma estigmatização.

Artigo 12º - Respeito pela diversidade cultural e do pluralismo

Deve ser tomada em devida conta a importância da diversidade cultural e do pluralismo. Porém, não devem
ser invocadas tais considerações para com isso infringir a dignidade humana, os direitos humanos e as
liberdades fundamentais ou os princípios enunciados na presente Declaração, nem para limitar o seu alcance.

Artigo 13º - Solidariedade e cooperação

A solidariedade entre os seres humanos e a cooperação internacional nesse sentido devem ser incentivadas.

Artigo 14º - Responsabilidade social e saúde

1. A promoção da saúde e do desenvolvimento social em benefício dos respetivos povos é um objetivo


fundamental dos governos que envolve todos os sectores da sociedade.
2. Atendendo a que gozar da melhor saúde que se possa alcançar constitui um dos direitos fundamentais
de qualquer ser humano, sem distinção de raça, religião, opções políticas e condição económica ou
social, o progresso da ciência e da tecnologia deve fomentar:
a) O acesso a cuidados de saúde de qualidade e aos medicamentos essenciais, nomeadamente no
interesse da saúde das mulheres e das crianças, porque a saúde é essencial à própria vida e
deve ser considerada um bem social e humano;
b) O acesso a alimentação e água adequadas;
c) A melhoria das condições de vida e do meio ambiente;
d) A eliminação da marginalização e da exclusão, seja qual for o motivo em que se baseiam;
e) A redução da pobreza e do analfabetismo.

Artigo 15º - Partilha dos benefícios

1. Os benefícios resultantes de qualquer investigação científica e das suas aplicações devem ser
partilhados com a sociedade no seu todo e no seio da comunidade internacional, em particular com os
países em desenvolvimento. Com vista a dar efetivação a este princípio, os benefícios podem assumir
uma das seguintes formas:
a) Assistência especial e sustentável às pessoas e aos grupos que participaram na investigação e
expressão de reconhecimento aos mesmos;
b) Acesso a cuidados de saúde de qualidade;
c) Fornecimento de novos produtos e meios terapêuticos ou diagnósticos, resultantes da
investigação;
d) Apoio aos serviços de saúde;
e) Acesso ao conhecimento científico e tecnológico;
f) Instalações e serviços destinados a reforçar as capacidades de investigação;
g) Outras formas de benefícios compatíveis com os princípios enunciados na presente Declaração.
2. Os benefícios não devem constituir incitamentos indevidos à participação na investigação.

Artigo 16º - Proteção das gerações futuras

As repercussões das ciências da vida sobre as gerações futuras, nomeadamente sobre a sua constituição
genética, devem ser adequadamente tomadas em consideração.

Artigo 17º - Proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade

Importa tomar na devida conta a interação entre os seres humanos e as outras formas de vida, bem como a
importância de um acesso adequado aos recursos biológicos e genéticos e de uma utilização adequada desses
recursos, o respeito pelos saberes tradicionais, bem como o papel dos seres humanos na proteção do meio
ambiente, da biosfera e da biodiversidade.

PARA REFLEXÃO E ANÁLISE

Caso 1

Antes de casar Amália consultou um médico para se aconselhar sobre as possibilidades de ter um filho com a
doença de Hunter, uma condição hereditária da sua família. Ela optaria por não ter filhos rapazes se houvesse
alguma possibilidade de isso acontecer. O médico, após efetuar os exames necessários, afirmou que não
haveria tal possibilidade. Amália decidiu engravidar e teve um filho rapaz, com a doença.

Caso 2

Um homem de meia-idade, desde a sua infância tem a sensação de que uma das suas pernas “não lhe
pertence” e decidiu, agora, que a quer amputar. O psiquiatra que o observou, a pedido do cirurgião, considera
que ele sofre de uma “dismorfia corporal” mas não aconselha a amputação. O cirurgião decide operá-lo e, a
partir daí o doente “sente-se completo”.

Caso 3

Maria, de 18 anos, ficou grávida após uma “falha” do método contracetivo.

Ela quer ter a criança, mas nem o namorado nem a família a apoiam e insistem para que ela proceda a uma
interrupção voluntária da gravidez. Ela acaba por ceder, mas sofre uma depressão após a intervenção.
Caso 4

Um doente de 40 anos, testemunha de Jeová, antes de ser operado diz ao médico que não pretende, em
hipótese alguma, fazer uma transfusão de sangue no contexto de uma intervenção cirúrgica programada.

Mas, durante a intervenção, o médico decide proceder a uma transfusão de 3 unidades de sangue para evitar
a morte do doente. O doente nunca foi informado acerca deste facto.

Caso 5

Enquanto efetuava uma colheita de sangue a uma criança internada a enfermeira Irene foi abordada por um
médico do serviço de pediatria que lhe pediu para colher mais uma amostra desse sangue para um trabalho
de pesquisa sobre a patologia de que a criança sofre. Quando esta o questionou acerca do pedido formal dessa
colheita o médico respondeu-lhe que não era necessária.

Caso 6

Foi diagnosticada a uma criança de 10 anos uma leucemia aguda, necessitando esta de um transplante de
medula óssea. Tendo-se procedido a avaliação de histocompatibilidade de todos os membros da família
concluiu-se que a única pessoa compatível é a irmã mais velha, de 19 anos e que sofre de uma oligofrenia
profunda.

Caso 7

Um enfermeiro, na urgência de um hospital, atendeu uma rapariga com uma hemorragia ginecológica que lhe
confidenciou que tinha feito um aborto ilegal. A rapariga foi tratada pela equipa médica e melhorou. O
enfermeiro apresentou uma queixa na PSP pois considerou que era sua obrigação de cidadão comunicar um
crime.

Caso 8

Duas parturientes chegaram em trabalho de parto prematuro ao hospital. Depois de se fazer a anamnese
verificou-se que uma é uma prostituta com uma gravidez indesejada, enquanto a outra está grávida de um
primeiro filho, nascido dentro de uma relação estável. Havendo apenas uma incubadora disponível decidiu-se
transferir a primeira para um hospital a 100 km de distância, a fim de ter acesso aos cuidados neonatais.

Caso 9

Um médico propõe a uma grávida um parto por cesariana, por estar convicto de que um parto normal vai
conduzir à morte do bebé e a um risco de morte para a mãe. A mulher recusa, argumentando que acredita
que Deus a vai ajudar durante o parto e que tudo correrá bem.

Caso 10

Um doente, esquizofrénico em remissão, está internado há 8 meses e não tem onde viver pois o irmão vendeu,
sem autorização, a sua casa. Neste momento o internamento está a ser contraproducente relativamente ao
seu estado de saúde. O irmão recusa recebê-lo na sua casa.
Caso 11

Um doente, de 40 anos, necessita de um transplante de fígado por insuficiência hepática em virtude de uma
situação de toxicodependência. Um outro doente, de 12 anos, com uma doença metabólica, necessita do
mesmo órgão.

Caso 12

Foi pedido a um doente com uma doença terminal que colabore num ensaio clínico que está a ser levado a
cabo relativo a um fármaco que poderá melhorar o tratamento da doença que o vítima. Ele recusa por
considerar que, pessoalmente, não irá usufruir de um eventual benefício, dada a sua condição.

Caso 13

Um país determinou uma política de natalidade que permite apenas um filho por casal e severas punições
para quem contrariar este objetivo. A interrupção voluntária da gravidez é obrigatória para quem ficar grávida
após já ter um filho. Deste modo conseguiu-se em 20 anos uma diminuição do aumento da população e
melhores condições de vida para a população em geral.
A CONSCIÊNCIA MORAL

CONSCIÊNCIA MORAL

Juízo do intelecto prático, que a partir da lei moral, dita acerca da bondade ou maldade de um ato concreto.
Se o ser humano se resumisse à sua existência biológica, a ética não teria razão de existir, na medida em que
as questões éticas advêm da ação humana, sempre comandada pela existência racional, do homem, pela sua
consciência.

Consciência

• É uma forma de conhecimento intelectual


• É através dela que as leis universais do homem se personalizam
• A lei moral não atua como uma lei física
• A lei moral está sujeita à compreensão, interpretação e aplicação por parte da consciência humana

O juízo da consciência pressupõe um juízo da razão que aprecia o valor da conduta à luz de uma verdade
moral objetiva  lei natural.

“A dignidade da pessoa humana implica e exige a retidão da consciência moral. E a consciência moral
compreende a perceção dos princípios da moralidade (“sindérese”), a sua aplicação em dada as circunstâncias
por um discernimento prático das razões e dos bens e, em conclusão, o juízo emitido sobre os atos concretos
a praticar ou já praticados.”

A raiz semântica da palavra consciência repousa no termo grego syneidesis, palavra formada por partículas
que expressam as ideias de acompanhamento (syn) e de conhecimento (oida), situando-se deste modo num
significado próximo a um conhecimento compartido ou concomitante, ideia que atualmente se situa mais
próxima ao conceito de consciência psicológica.
FORMAS DA CONSCIÊNCIA

• Pela sua relação com o ato:


- Antecedente: a que julga sobre a qualidade moral de um ato que se vai fazer, obrigando-o,
permitindo-o, aconselhando-o ou proibindo-o.
- Concomitante: a que atesta se a pessoa está a agir bem ou mal.
- Consequente: a que aprova ou desaprova um ato já executado.
• De acordo com a sua conformidade com a lei moral:
- Verdadeira ou reta: se julga a bondade/malícia de um ato em conformidade com a lei moral.
- Errónea: se julga a ação em desacordo com a lei moral, acreditando ser um bom ato que
efetivamente é mau, ou vice-versa. Se a ignorância da consciência (que a pessoa é capaz de
perceber) não puder ser ultrapassada – por exemplo, se, mesmo informando-se, a pessoa não
foi devidamente esclarecida, ou se ninguém é capaz de saber qual a reta razão – a pessoa não
é efetivamente culpada do ato mau que praticou. Nesta situação tratamos de uma consciência
invencivelmente errónea, enquanto nos casos em que a ignorância da consciência puder ser
ultrapassada se trata de uma consciência vencivelmente errónea. A obrigação de sair da
ignorância, procurando deste modo a melhor ação, faz parte do bem agir moral.
• De acordo com o grau de segurança com que se emite o juízo da consciência:
- Certa
- Provável
- Duvidosa

PRINCÍPIOS PARA DETERMINAR QUANDO UM JUÍZO DE CONSCIÊNCIA É REALMENTE REGRA


DE MORALIDADE

1- Só a consciência certa é regra moral


2- Para além de ser certa deve ser verdadeira ou invencivelmente errónea
3- A consciência vencivelmente errónea não é regra moral legítima
4- Não é lícito atuar com consciência duvidosa  a certeza da nossa escolha deve ser provada por bons
argumentos e se isso não for possível concretizar, devemos abster-nos de agir.

CONSCIÊNCIA MORAL

Malherbe define consciência moral como “a capacidade que o homem recebeu, de discernir, até mesmo de
inventar, como agir numa dada situação, em conformidade com os seus valores”. Para este filósofo, a
consciência moral recebêmo-la da educação e permite-nos escolher entre o bem e o mal.
DECISÃO MORAL (Malherbe)

Na decisão moral estão, assim, presentes três aspetos:

• Valores  quer tenham sido legados ou fruto da nossa própria pesquisa e empenhamento na procura
do melhor agir.
- Sentido – vai buscar à hierarquização de valores. A negligência deste elemento leva à
possibilidade de uma perversão da ética – situacionismo.
• Situações  dilemas problemáticos que nos impelem a uma decisão moral e que muitas vezes apelam
a uma certa inventividade.
- Enraizamento histórico – da própria situação. A negligência deste elemento leva à
possibilidade de uma perversão da ética – tradicionalismo.
• Consciência moral  através desta analisamos a situação e integramos os nossos valores, de modo a
decidir qual a ação mais adequada.
- Validade – fruto da liberdade da consciência. A negligência deste elemento leva à possibilidade
de uma perversão da ética – autoritarismo.

O situacionismo leva à decisão através do que subjetivamente se projeta na especificidade da situação,


levando a uma sobrevalorização da liberdade individual em detrimento da justiça e da solidariedade.

No tradicionalismo tenta encontrar-se o fundamento da ética apenas na tradição e, tal como acontece no
situacionismo, implica uma compreensão muito redutora do Homem, na medida em que não existe uma
tradição única nem é possível determinar qual delas é a mais correta do ponto de vista da moral. Mais do que
fruto de uma tradição, o seu humano, é “um ser encarnado na natureza da qual ele é, por outro lado, um dos
elementos” e coloca-lo exclusivamente sob uma perspetiva tradicionalista pode negar a sua pertença à
natureza. O contrário acontece no situacionismo sob a forma de cientismo, que pode levar à negação da
transcendência do ser humano.

O autoritarismo surge como outra das perversões, na medida em que não reconhece a liberdade do ser
humano, que lhe é intrínseca e da qual depende a consciência moral. Nenhuma destas linhas de pensamento
pode, então, ser considerada como fundadora da moral.

Objeção de consciência  recusa de cumprir uma ordem superior por motivos de consciência.
REGULAMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO À OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA

• A liberdade de pensamento, consciência e religião subjaz ao direito à objeção de consciência. Não


pode ser objeto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituam disposições necessárias
à segurança, à proteção da ordem, da saúde e moral públicas ou à proteção dos direitos e liberdades
de outros.
• Assim, o enfermeiro tem o direito de recusar a prática de ato da sua profissão quando tal prática entre
em conflito com a sua consciência moral, religiosa ou humanitária, contradiga o disposto no Código
Deontológico. Sendo necessário reconhecer e acautelar o direito de legítima e positiva atitude da
objeção de consciência, pressupõe-se que o profissional tem conhecimento concreto da situação e
capacidade de decisão pessoal, sem coação física, psicológica ou social.
• O direito à objeção de consciência é reconhecido pelo estatuto da ordem dos enfermeiros como um
direito dos membros efetivos, assumindo estes, no exercício deste direito, o dever, entre outros, de
proceder segundo os regulamentos internos que regem o seu comportamento de modo a não prejudicar
os direitos das outras pessoas.

ORDEM DOS ENFERMEIROS: regulamento de exercício do direito à objeção de consciência

Preâmbulo termos do previsto no artigo 113.º, bem como na


alínea i) do artigo 19.º, todos do Estatuto da Ordem
A liberdade de pensamento, consciência e religião
dos Enfermeiros, aprovado pelo Decreto -Lei n.º
subjaz ao direito à objeção de consciência. Não
104/98, de 21 de abril, alterado e republicado pela
pode ser objeto de outras restrições senão as que,
Lei n.º 156/2015, de 16 de setembro, por proposta
previstas na lei, constituam disposições necessárias
do Conselho Diretivo, ouvidos os conselhos diretivos
à segurança, à proteção da ordem, da saúde e
regionais e parecer do Conselho Jurisdicional, e
moral públicas ou à proteção dos direitos e
após a sua publicitação no sítio eletrónico da
liberdades de outros. Assim, o enfermeiro tem o
Ordem dos Enfermeiros pelo período de 30 (trinta)
direito de recusar a prática de ato da sua profissão
dias, conforme alínea h) do n.º 1 do artigo 27.º do
quando tal prática entre em conflito com a sua
mesmo Estatuto, a Assembleia Geral, reunida em
consciência moral, religiosa ou humanitária,
sessão ordinária em 25 de março de 2017, aprova o
contradiga o disposto no Código Deontológico.
seguinte Regulamento: Regulamento do exercício
Sendo necessário reconhecer e acautelar o direito
do direito à objeção de consciência
de legítima e positiva atitude da objeção de
consciência, pressupõe -se que o profissional tem
conhecimento concreto da situação e capacidade
Artigo 1.º - Direito à objeção de consciência
de decisão pessoal, sem coação física, psicológica
ou social. O direito à objeção de consciência é O direito à objeção de consciência está consagrado
reconhecido pelo Estatuto da Ordem dos no Código Deontológico como direito dos membros
Enfermeiros como um direito dos membros efetivos da Ordem dos Enfermeiros.
efetivos, assumindo estes, no exercício deste
direito, o dever, entre outros, de proceder segundo Artigo 2.º - Conceito de objetor de consciência
os regulamentos internos que regem o seu Considera -se objetor de consciência o enfermeiro
comportamento de modo a não prejudicar os que, por motivos de ordem filosófica, ética, moral
direitos das outras pessoas. Com a presente revisão ou religiosa, esteja convicto de que lhe não é
pretende -se adequar o Regulamento do Exercício legítimo obedecer a uma ordem concreta, por
do Direito à Objeção de Consciência ao novo quadro considerar que atenta contra a vida, contra a
normativo, resultante da alteração efetuada pela dignidade da pessoa humana ou contra o código
Lei n.º 156/2015, de 16 de setembro. Assim, Nos deontológico.
Artigo 3.º - Princípio da igualdade Jurisdicional Regional da Secção da Ordem onde
está inscrito, no prazo de 48 horas após a
1 — O objetor de consciência goza de todos os
apresentação da recusa.
direitos e está sujeito a todos os deveres
consignados no Estatuto para os enfermeiros em 2 — A informação à Ordem deverá conter a
geral, que não sejam incompatíveis com a situação identificação, número de cédula profissional, local
de objetor de consciência. e circunstâncias do exercício do direito à Objeção
de Consciência (exemplo em anexo II a este
2 — O enfermeiro não poderá sofrer qualquer
regulamento).
prejuízo pessoal ou profissional pelo exercício do
seu direito à objeção de consciência. 3 — Esta informação não dispensa do cumprimento
dos trâmites de caráter hierárquico, instituídos na
Artigo 4.º - Âmbito do exercício de objeção de
organização em que o enfermeiro desempenha
consciência
funções.
O direito à objeção de consciência é exercido face
Artigo 7.º - Deveres do objetor de consciência
a uma ordem ou prescrição concreta, cuja
intervenção de Enfermagem a desenvolver esteja Para além do estipulado no presente regulamento,
em oposição com as convicções filosóficas, éticas, o objetor de consciência deve respeitar as
morais ou religiosas do enfermeiro e perante a qual convicções pessoais, filosóficas, ideológicas ou
é manifestada a recusa para a sua concretização religiosas dos clientes e dos outros membros da
fundamentada em razões de consciência. equipa de saúde.

Artigo 5.º - Informação no contexto do local de Artigo 8.º - Cessação de situação de objetor de
trabalho consciência

1 — O enfermeiro deve anunciar por escrito, ao A situação de objetor de consciência cessa em


superior hierárquico imediato ou a quem faça as consequência da vontade expressa do próprio.
suas vezes, a sua decisão de recusa da prática de
Artigo 9.º - Ilegitimidade da objeção de
ato da sua profissão explicitando as razões por que
consciência
tal prática entra em conflito com a sua consciência
filosófica, ética, moral, religiosa ou contradiz o 1 — É ilegítima a objeção de consciência quando se
disposto no Código Deontológico (exemplo em comprove o exercício anterior ou contemporâneo
anexo I a este regulamento). pelo enfermeiro, de ação idêntica ou semelhante
àquela que pretende recusar, quando não se
2 — O anúncio da decisão de recusa deve ser feito
tenham alterado os motivos que a fundamentam,
atempadamente, de forma a que sejam
previstos no artigo 2.º deste regulamento.
assegurados, no mínimo indispensável, os cuidados
a prestar e seja possível recorrer a outro 2 — Para além da responsabilidade inerente, o
profissional, se for caso disso. exercício ilegítimo da objeção de consciência
constitui infração dos deveres deontológicos em
Artigo 6.º - Informação à Ordem
geral e dos deveres para com a profissão.
1 — O enfermeiro deve comunicar também a sua
decisão, por carta, ao Presidente do Conselho
ECOÉTICA

PRINCÍPIOS
Recordando que os princípios e as disposições da UNFCCC, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris,
aprovados sob os termos da Convenção, orientam os Estados para o esforço mundial contra a mudança
climática, os seguintes princípios devem ser considerados, respeitados e promovidos no âmbito desta
Declaração, assim como nas decisões tomadas ou nas ações realizadas em resposta à mudança climática:

Prevenção de Danos
• Considerando que a mudança climática não apenas corrói a sustentabilidade dos ecossistemas da Terra
e os serviços que eles oferecem, bem como ameaça o futuro bem-estar das pessoas e de seus meios
de subsistência, comunidades locais e indivíduos, por meio de consequências prejudiciais e negativas,
algumas das quais são potencialmente irreversíveis, Estados e todos os atores devem tomar medidas
apropriadas dentro de seus poderes para:
o Formular e implementar políticas e ações para mitigar e se adaptar à mudança do clima,
inclusive por meio da promoção da resiliência climática e da redução da emissão de gases
causadores do efeito estufa, de uma forma que não ameace a produção de alimentos;
o Antecipar, evitar ou minimizar, onde quer que apareçam, os danos causados pela mudança do
clima, bem como pela mitigação climática e pela adaptação de políticas e ações;
o Procurar e promover a cooperação transnacional antes de se implantar novas tecnologias que
possam ter impactos transnacionais negativos.

Abordagem Preventiva
• Onde existem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de certeza científica plena não deve
ser utilizada como razão para postergar medidas efetivas e economicamente viáveis para antecipar,
prevenir ou minimizar as causas da mudança climática e mitigar seus efeitos adversos.
Artigo 4: Equidade e Justiça
• A justiça em relação à mudança climática exige um tratamento justo e um envolvimento significativo
de todas as pessoas. Ao abordar a mudança climática, os atores relevantes, em todos os âmbitos,
devem trabalhar juntos em um espírito de justiça, parceria mundial, inclusão e, em particular, de
forma solidária para com as pessoas mais pobres e vulneráveis. O engajamento mundial que mobiliza
os governos, as organizações internacionais, incluindo o Sistema das Nações Unidas, o setor privado, a
sociedade civil e outros atores relevantes pode ser benéfico.
• É importante que todos tomem medidas para salvaguardar e para proteger os ecossistemas terrestres
e marinhos para as gerações presentes e futuras. A interação das pessoas com os ecossistemas é
particularmente importante, dada a alta dependência daquelas em relação a estes.
• Neste contexto, as medidas devem considerar a contribuição das mulheres na tomada de decisões,
uma vez que as mulheres são afetadas de forma desproporcional pela mudança do clima, enquanto,
ao mesmo tempo, elas têm menos acesso aos recursos e ainda desempenham um papel vital para que
o desenvolvimento sustentável inclusivo seja alcançado. Essas medidas também devem levar em
consideração as necessidades das pessoas sob maior risco, particularmente as mais pobres e as mais
vulneráveis.
• Os Estados e outros atores relevantes devem facilitar e incentivar a conscientização pública e a
participação na tomada de decisões e ações, fornecendo acesso à informação e ao conhecimento sobre
a mudança climática e às respostas que foram dadas ao tema, bem como sobre os meios de
implementar a mitigação e as ações de adaptação, amplamente disponíveis em tempo oportuno, tendo
em consideração as necessidades específicas e o acesso a recursos por parte dos mais vulneráveis.
• Em resposta aos efeitos adversos da mudança climática e às políticas e ações de mitigação e adaptação
no âmbito nacional, o acesso efetivo a processos judiciais e administrativos, inclusive reparações e
soluções, deve ser fornecido conforme estipulado na Declaração do Rio de 1992 e de acordo com as
leis nacionais.

Desenvolvimento Sustentável
• Para garantir que as gerações presentes e futuras sejam capazes de atender a suas necessidades, é
urgente que todos os Estados e atores pertinentes:
o Promovam a implementação da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável e seus ODS, especialmente pela adoção de padrões sustentáveis de consumo,
produção e gestão de resíduos; pelo uso de recursos de forma eficiente; e pela promoção da
resiliência climática e da baixa emissão de gases causadores do efeito estufa;
o Trabalhem para assegurar que cada pessoa se beneficie das oportunidades de desenvolvimento,
especialmente aquelas que são vulneráveis (ver Artigo 10) e, assim, contribuam para a
erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema;
o Enfrentem os efeitos adversos da mudança climática em áreas que merecem atenção especial
devido às suas implicações e consequências humanitárias, incluindo, mas não limitadas a:
insegurança alimentar, energética e hídrica, o oceano, a desertificação, a degradação da terra,
os desastres naturais, as populações deslocadas, bem como a vulnerabilidade de mulheres,
crianças, idosos e especialmente dos pobres.
Solidariedade
• A solidariedade implica que os seres humanos, coletiva e individualmente, devem ajudar as pessoas e
os grupos que são mais vulneráveis à mudança climática e aos desastres naturais, especialmente
quando ocorrem eventos catastróficos.
• Estados e outros atores relevantes, e aqueles que têm capacidade de enfrentar a mudança climática
devem agir e cooperar, tendo em conta:
o A importância de proteger e melhorar o mundo que compartilhamos, de uma forma que reflita
a solidariedade e a interdependência das pessoas de diferentes origens, e a interdependência
da humanidade com outros organismos, ecossistemas e o meio ambiente;
o O bem-estar, os meios de subsistência e a sobrevivência das gerações futuras, que dependem
do nosso uso atual de recursos e os resultados de seus impactos;
o A interligação dos sistemas físico, ecológico e humano, de todos os países, regiões e
comunidades por toda a terra.
• O conhecimento relacionado às causas, às modalidades e aos impactos da mudança climática e as
respostas a ela devem ser compartilhados de forma equitativa e em tempo hábil, a fim de aumentar
as capacidades adaptativas e de mitigação para todos e elevar a resiliência de pessoas e ecossistemas.
• Estados desenvolvidos e outros Estados, em uma base voluntária, bem como os atores relevantes,
devem se esforçar para fortalecer a ação cooperativa oportuna nas áreas de desenvolvimento e
transferência de tecnologia, apoiar à síntese de informações conhecimentos relevantes, capacitação,
meios e recursos financeiros para desenvolver países, em especial aqueles que são mais vulneráveis
aos efeitos adversos da mudança climática, particularmente os países menos desenvolvidos (PMDs) e
os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEIDs).
• Os Estados, em uma base voluntária, também podem enfrentar os desafios da mudança climática por
meio da cooperação Sul-Sul e da cooperação triangular.

Conhecimento Científico e Integridade na Tomada de Decisões


• A tomada de decisões com base na ciência é extremamente importante para atender aos desafios de
mitigação e adaptação a um clima em rápida mudança. As decisões devem se basear e orientar pelo
melhor conhecimento disponível das ciências naturais e sociais, incluindo a ciência interdisciplinar e
transdisciplinar, e levando em consideração, quando for apropriado, os conhecimentos locais,
tradicionais e dos povos indígenas.
• A fim de otimizar a ajuda na tomada de decisões, a ciência precisa atender aos mais altos padrões de
integridade nas pesquisas, sendo imparcial, rigorosa, honesta e transparente, devendo ainda fornecer
estimativas adequadas de incerteza, a fim de fornecer aos tomadores de decisão uma visão e uma
compreensão sobre os riscos e as oportunidades, e orientá-los na formulação de suas estratégias de
longo prazo.
• A cooperação científica e a construção de capacidades devem ser reforçadas nos países em
desenvolvimento, a fim de desenvolver uma compreensão abrangente sobre os impactos da mudança
climática, bem como ações potenciais de mitigação e adaptação.
• De acordo com o Artigo 6 da UNFCCC e com o Artigo 12 do Acordo de Paris, aprovados sob os termos
da Convenção, os Estados e os outros atores relevantes devem:
o Tomar medidas que ajudem a proteger e a manter a independência da ciência e a integridade
do processo científico. Isso inclui contribuir para a manutenção de padrões científicos fortes,
bem como para a transparência em todos os âmbitos, no que diz respeito ao financiamento
científico, às metodologias e às conclusões das pesquisas;
o Ampliar a conscientização e promover a instrução em ciências em todos os setores e dentro de
suas populações, a fim de sustentar uma ação forte e coletiva e a compreensão sobre como
responder à mudança climática;
o Promover uma comunicação precisa sobre a mudança climática com base na pesquisa científica
revisada por pares, incluindo a mais ampla divulgação das ciências na mídia e em outras formas
de comunicação;
o Construir mecanismos efetivos para fortalecer as ligações entre ciência e política, para garantir
uma forte base de conhecimentos na tomada de decisões.

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS


Com a finalidade de disseminar e promover a aplicação dos princípios éticos proclamados nesta Declaração,
recomenda-se aos Estados e aos atores relevantes:

Ciência, Tecnologias e Inovações


• Desenvolver estratégias para defender a integridade da pesquisa científica, na abordagem das
questões relacionadas à mudança climática.
• Usar as melhores evidências e o melhor conhecimento científico disponível nas tomadas de decisões
relacionadas com as questões da mudança climática.
• Desenvolver e ampliar cuidadosamente as tecnologias, a infraestrutura e as ações avaliadas que
reduzam a mudança climática e seus riscos associados.
• Aumentar o quanto for possível a participação de cientistas de todos os países em desenvolvimento,
PMDs e PEIDs nas ciências relacionadas ao clima.
• Promover o acesso a informações e a oportunidades de treinamento, incluindo dados abertos e recursos
educacionais abertos (REA), relevantes para o desafio e as soluções associadas à mudança climática,
de modo que sejam compartilhados por toda a comunidade científica e para outras comunidades
internacionalmente relevantes.
• Incentivar o desenvolvimento de conhecimento científico que ajude a transformar os padrões de
produção, gestão e consumo, para torná-los mais compatíveis com a sustentabilidade ambiental.

Avaliação de riscos e gestão


• Promover o desenvolvimento de mapas de risco locais, sistemas de alerta precoce, avaliações
ambientais e tecnológicas com base científica, e a gestão adequada dos riscos relacionados à mudança
climática e a desastres naturais.
Grupos vulneráveis
• Conferir prioridade às respostas à mudança climática relacionadas às necessidades dos grupos
vulneráveis que incluem, mas não se limitam, a pessoas deslocadas e migrantes, povos indígenas e
comunidades locais, e pessoas com deficiência, levando em consideração a igualdade de gênero, o
empoderamento das mulheres e a equidade entre gerações.

Educação
• Aprimorar os currículos, conforme o caso, levando em consideração o trabalho da UNESCO e as
iniciativas em educação para o desenvolvimento sustentável (EDS) e educação em mudança climática,
o Artigo 6 da UNFCCC e o Artigo 12 do Acordo de Paris, aprovados sob os termos da Convenção, para
que eles aumentem a conscientização e o conhecimento sobre a relação da humanidade com o sistema
climático e os ecossistemas da Terra, bem como sobre as responsabilidades das gerações presentes
para com as futuras, para que elas promovam os princípios desta Declaração.
• Garantir que, de acordo com as leis nacionais, todas as pessoas, independentemente de gênero, idade,
origem, pessoas com deficiência, migrantes, indígenas, crianças e jovens, especialmente aqueles em
situações vulneráveis, tenham acesso a oportunidades de aprendizagem ao longo da vida, que os
ajudem a adquirir e atualizar o conhecimento, as habilidades, os valores e as atitudes necessárias para
responder à mudança climática e para contribuir para o desenvolvimento sustentável.
• Promover a educação formal, não formal e informal em relação aos desafios e às soluções da mudança
climática, e incentivar a reciclagem de profissionais alinhados com esses objetivos.
• Encorajar instituições educacionais e educadores a integrar esses princípios em suas atividades de
ensino, da pré-escola até os níveis universitários.
• Promover, de acordo com as leis nacionais, em todos os níveis e em todas as formas de educação, que
o reconhecimento da diversidade cultural, social e de gênero é valioso e também é uma importante
fonte de conhecimento para promover o diálogo e a troca de conhecimento indispensável para
responder à mudança climática.
• Apoiar os países em desenvolvimento por meio da capacitação educacional e científica, bem como por
meios financeiros e pela facilitação de desenvolvimento tecnológico ecologicamente correto.

Conscientização Pública
• Promover a conscientização sobre a mudança climática e as melhores práticas para responder a ela,
por meio do fortalecimento do diálogo social e da comunicação pela mídia, por comunidades científicas
e organizações da sociedade civil, incluindo organizações religiosas e comunidades culturais.

Responsabilidade
• Assegurar uma política e uma ação efetivas em matéria de clima por meio de medidas de governança
adequadas, promovendo a transparência e prevenindo a corrupção; e forta-lecer, no âmbito estatal,
mecanismos de avaliação que apoiem a responsabilidade social, ambiental e corporativa de todos os
atores relevantes, incluindo corporações e empresas.
Cooperação Internacional1.
• Facilitar, apoiar e envolver-se em processos e programas internacionais para transmitir esses princípios
e para promover o diálogo multidisciplinar, pluralista e intercultural em torno deles.
• Facilitar, apoiar e participar de cooperações internacionais de pesquisas e iniciativas de capacitação
relacionadas à mudança climática.
• Promover o compartilhamento dos resultados da ciência, inovações tecnológicas e melhores práticas
em resposta à mudança climática, de maneira oportuna e equitativa.
• Agir com urgência sobre os compromissos assumidos em termos da UNFCCC, do Protocolo de Quioto e
do Acordo de Paris, aprovados sob os termos da Convenção, dos objetivos da Agenda 2030 das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e seus ODS, e do Marco de Sendai para a Redução de Riscos
de Desastres.
• Respeitar e promover a solidariedade entre os Estados, bem como entre indivíduos, famílias, grupos e
comunidades, com especial atenção aos que se tornaram vulneráveis devido aos impactos da mudança
climática e àqueles que têm capacidades mais limitadas.
• Promover a coerência entre os mecanismos de mudança climática e os mecanismos de cooperação
internacional já existentes, incluindo a cooperação para o desenvolvimento, com especial atenção
para as respostas à mudança climática que também possam contribuir na abordagem de outras metas
políticas que promovam o bem-estar de todos os povos.

Promoção e Divulgação pela UNESCO


• A UNESCO tem a vocação de ser a principal agência das Nações Unidas para promover e divulgar esta
Declaração, e, portanto, deve trabalhar em colaboração com outras agências das Nações Unidas,
incluindo, mas não se limitando, a COMEST, o Comitê Internacional de Bioética (IBC), o Comitê
Intergovernamental de Bioética (IGBC), o Programa Hidrológico Internacional (IHP), o Programa O
Homem e a Biosfera (MAB), o Programa Internacional de Geociências (PICG), o Programa Internacional
de Ciências Básicas (IBSP), a Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI), o Programa Gestão
das Transformações Sociais (MOST ), o IPCC, a UNFCCC, a Organização Meteorológica Mundial (OMM),
a ONU Meio Ambiente (PNUMA), a CBD, a UNCCD, a Organização Marítima Internacional (IMO), a
Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a União Internacional das Telecomunicações
(UIT ), o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) e outros
organismos internacionais relevantes que trabalham nas questões da mudança climática, incluindo o
Conselho Internacional de Ciências, o Conselho Internacional de Ciências Sociais, assim como o Future
Earth, o programa de Pesquisa para Sustentabilidade Global, do qual a UNESCO é copatrocinadora,
assim como qualquer outro órgão intergovernamental que trabalhe no campo da mudança do clima.
CONSENTIMENTO INFORMADO

Consentir  concordar com qualquer coisa, aceitando-a e dando permissão.

Informar  aumentar conhecimentos, dando esclarecimentos, informações.

Valores

• Questão deontológica
• Questão ética e moral
• Questão legal

DIGNIDADE HUMANA E CONSENTIMENTO INFORMADO

• Autonomia
• Liberdade
• Responsabilidade
• Respeito
• Veracidade

Respeito pela intimidade

• Não ser vítima de intrusões


• Respeitar as ideias, valores ou modo de ser próprios
• Não difundir informações confidenciais
• Não violar a autonomia do sujeito em decisões pessoais

DUBDH (UNESCO)

• Artigo 5º - autonomia e responsabilidade individual


• Artigo 6º - consentimento
• Artigo 7º - pessoas incapazes de exprimir o seu consentimento
Consentimento informado

“Autorização que a pessoa dá para que lhe sejam prestados os cuidados propostos, após lhe ter sido explicado
e a pessoa ter compreendido o que se pretende fazer, como, porquê e qual o resultado esperado da
intervenção de enfermagem” OE (2007)

Condições para o consentimento

• (Beauchamp e Childress, 1994)


o Competência
o Comunicação
o Compreensão
o Voluntariedade
o Consentimento
• Ordem dos Enfermeiros (2007)
o Competência e capacidade para decidir
o Informação correta, necessária para realizar uma escolha
o Validação da compreensão da informação fornecida
o Liberdade para decidir, voluntariamente, sem coação externa

Justificações para o consentimento (Engelhardt (1996) e Breton (2000))

• Obter a permissão para intervir sobre o corpo e a pessoa de outrem


• Respeitar os diversos aspectos da dignidade individual
• Respeitar a liberdade dos indivíduos
• Reconhecer que os indivíduos são, em geral, os melhores juízes dos seus próprios interesses
• Promover a satisfação da pessoa por poder contribuir nas escolhas e decisões que lhe digam respeito
• Contribuir para melhorar a relação de confiança entre o doente e o médico
Determinações legais

• Constituição da República
o Artº 25º - A integridade moral e física das pessoas é inviolável
• Código Penal
o Artº 156º - “… realizarem intervenções ou tratamentos sem conhecimento do paciente são
punidos com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”
o Artº 157º - “O consentimento só é eficaz quando o paciente tiver sido devidamente esclarecido
sobre o diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção
ou tratamento”
• Lei de Bases da Saúde - Base XIV (Estatuto dos Utentes)
o Os utentes têm direito a: decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes é
proposta, salvo disposição especial da lei
• Direitos dos utentes dos serviços de saúde Diário da República, 1.ª série — N.º 57 — 21 de março de
2014
o Artigo 3.º Consentimento ou recusa
 O consentimento ou a recusa da prestação dos cuidados de saúde devem ser declarados
de forma livre e esclarecida, salvo disposição especial da lei.
 O utente dos serviços de saúde pode, em qualquer momento da prestação dos cuidados
de saúde, revogar o consentimento.
o Artigo 7.º Direito à informação
 O utente dos serviços de saúde tem o direito a ser informado pelo prestador dos
cuidados de saúde sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a
evolução provável do seu estado. 2 — A informação deve ser transmitida de forma
acessível, objetiva, completa e inteligível.
o Artigo 11.º Menores e incapazes
 A lei deve prever as condições em que os representantes legais dos menores e incapazes
podem exercer os direitos que lhes cabem, designadamente o de recusarem assistência,
com observância dos princípios constitucionais.

Quem deve dar a informação?

“O médico que recomenda a intervenção ou outro profissional habilitado com os conhecimentos


indispensáveis, experiência profissional e capacidade de comunicação apropriada pode cumprir esta
obrigação” Oliveira e Pereira (2006)

Quem deve receber a informação?

“O titular do direito à informação é o paciente. A informação é o pressuposto de um consentimento informado;


e este é necessário para satisfazer o direito à autodeterminação do doente nos cuidados de saúde” Oliveira e
Pereira (2006)
E a família?

• Confidencialidade é um direito do utente


• Se houver autorização expressa e tácita
• Se o utente não estiver em condições de ser informado e sempre no seu maior interesse

Quantidade e tipo de informação

• Complexidade do tratamento
• Riscos associados
• Desejo do utente
• “A” Pessoa:
o Cultura
o Linguagem
o Valores
o Capacidade intelectuais

Direito à não informação

Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina

• Artº 10º - 2. Qualquer pessoa tem o direito de conhecer toda a informação recolhida sobre a sua saúde.
Todavia, a vontade expressa por uma pessoa de não ser informada deve ser respeitada

A não informação pode ser justificada em algumas situações

• Em situações de urgência
• A pedido do doente
• Se o risco é comummente conhecido
• Se o risco é desconhecido para o pessoal de saúde
• Quando é do interesse do doente (privilégio terapêutico)

Consentimento

• Código Penal
o Artº 38º - o consentimento pode ser expresso por qualquer meio que traduza uma vontade séria,
livre e esclarecida do titular do interesse juridicamente protegido, e pode ser livremente
revogado até à execução do facto
• Direcção Geral de Saúde
o Circular Informativa nº 15 - “… a existência de um formulário parece constituir a forma mais
simples, clara e facilitadora para o fornecimento e obtenção do consentimento”
Consentimento escrito

• Ensaios clínicos
• Interrupção Voluntária da Gravidez
• Procriação Medicamente Assistida
• Colheita de Órgãos e Tecidos em Dadores Vivos para fins de Transplante
• Electroconvulsivoterapia
• Tratamento automatizado de dados pessoais relativos ao estado de saúde

Consentimento presumido

“Vontade que o paciente provavelmente manifestaria se estivesse consciente ou tivesse capacidade de


discernimento” (Código Penal, artº 39º)

Deve-se agir no melhor interesse do doente, atendendo às preferências, crenças e valores que tiver
manifestado.

• Restauração das funções vitais


• Alivio do sofrimento
• Manutenção da qualidade de vida (OE, 2000)

A recusa – outra face do consentimento

• Também tem de ser informada


• Lei de Bases da Saúde
o Estatuto dos utentes:
 Os utentes têm direito a: decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes
é proposta, salvo disposição especial da lei

Menores

• CDHBM – a opinião do menor deve ser tanto mais determinante quanto mais próximo dos 18 anos
• Código Civil
o Artº 1878º - os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade
dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-
lhes autonomia na organização da própria vida
• Código Penal
o Artº 38º - o consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 14 anos e possuir
o desenvolvimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta
Representação legal

• Até aos 18 anos a incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal;
• Se forem órfãos ou os pais estiverem inibidos do exercício do poder paternal é nomeado um tutor
• Pessoas interditas são equiparados aos menores
• Basear-se nas decisões já
• Inábeis devem ser também representados legalmente
conhecidas e previamente
expressas
Estatuto da ordem dos enfermeiros • Respeitar crenças e valores

Artº 84º (105º)- Do Dever de Informação

• No respeito pelo direito à autodeterminação, assume o dever de:


o Informar o indivíduo e a família no que respeita aos cuidados de enfermagem
o Respeitar, defender e promover o direito da pessoa ao consentimento informado;
o atender com responsabilidade e cuidado todo o pedido de informação ou explicação feito pelo
indivíduo, em matéria de cuidados de enfermagem;
o Informar sobre os recursos a que a pessoa pode ter acesso, bem como sobre a maneira de os
obter

Enunciado de posição da ordem dos enfermeiros

• A Ordem dos Enfermeiros defende o direito de cada pessoa à autodeterminação e a uma adequada
informação que permita tomar decisões face aos projectos de cuidados que lhe são propostos
• A OE reforça a obrigação profissional de salvaguardar e proteger os direitos humanos
• Os enfermeiros têm o dever de informar e de obter consentimento para a realização de intervenções
de enfermagem
• A OE considera que a formação – inicial e contínua – deve prover as competências necessárias para
assegurar que os clientes são adequadamente informados

O enfermeiro na informação ao doente

• O relacionamento do enfermeiro com o doente é muito particular:


o Maior proximidade:
 Bom sistema de informação enfermeiro/enfermeiro
 Maior tempo na enfermaria
 Estatuto social
 Muito frequentemente entra na intimidade do doente
 Função: ajudar a fazer ou fazer o que o doente faria se tivesse força, vontade e
conhecimentos
• Os enfermeiros consideram que informar o doente é parte integrante da sua prática profissional
o Intervenções autónomas
o Intervenções interdependentes
O enfermeiro está numa posição priveligiada para … (Martins, 2008)

• Perceber o momento certo para dar a informação


• Perceber qual a quantidade de informação nesse momento
• Perceber quando o doente não entendeu o verdadeiro significado da informação
• Ajudar dando as explicações necessárias
• Estimular o doente a fazer perguntas e apresentar as suas queixas
• Garantir o exercício da autonomia pelo doente

O que devemos fazer?

• Abandonar o paternalismo/Manter o respeito pela autonomia dos utentes


• Informar o utente sobre tudo aquilo que necessita saber e do modo como necessita para compreender,
a fim de poder decidir em liberdade
• Atender também aos princípios da beneficência e não maleficência
• Manter a confidencialidade das informações
• Trabalhar em equipa

REGULAMENTO GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (RGPD)

Conceitos gerais

Dados pessoais  Informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos
dados»); É considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada,
direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por
exemplo: um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores
por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física,
fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular.

Dados sensíveis  Dados pessoais referentes a:

• Convicções filosóficas ou políticas;


• Filiação partidária;
• Filiação sindical;
• Fé religiosa;
• Vida privada e origem racial ou étnica;
• Saúde e vida sexual, incluindo os dados genéticos.
Dados genéticos  os dados pessoais relativos às características genéticas, hereditárias ou adquiridas, de
uma pessoa singular que deem informações únicas sobre a fisiologia ou a saúde dessa
pessoa singular e que resulta designadamente de uma análise de uma amostra biológica
proveniente da pessoa singular em causa.

Dados biométricos  Dados pessoais resultantes de um tratamento técnico específico relativo às


características físicas, fisiológicas ou comportamentais de uma pessoa singular que
permitam ou confirmem a identificação única dessa pessoa singular, nomeadamente
imagens faciais ou dados dactiloscópicos.

Dados relativos à saúde  Dados pessoais relacionados com a saúde física ou mental de uma pessoa
singular, incluindo a prestação de serviços de saúde, que revelem informações sobre o
seu estado de saúde.

Ficheiro  Qualquer conjunto estruturado de dados pessoais, acessível segundo critérios específicos, quer
seja centralizado, descentralizado ou repartido de modo funcional ou geográfico.

Tratamento  Uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre
conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como:

• A recolha,
• O registo,
• A organização,
• A estruturação,
• A conservação,
• A adaptação ou alteração,
• A recuperação,
• A consulta,
• A utilização,
• A divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização,
• A comparação ou interconexão,
• A imitação,
• O apagamento,
• Ou a destruição.

Pseudonimização  O tratamento de dados pessoais de forma que deixem de poder ser atribuídos a um
titular de dados específico sem recorrer a informações suplementares, desde que
essas informações suplementares sejam mantidas separadamente e sujeitas a
medidas técnicas e organizativas para assegurar que os dados pessoais não possam
ser atribuídos a uma pessoa singular identificada ou identificável.
Consentimento (do titular dos dados)  Uma manifestação de vontade, livre, específica, informada e
explícita, pela qual o titular dos dados aceita, mediante declaração ou ato positivo
inequívoco, que os dados pessoais que lhe dizem respeito sejam objeto de
tratamento.

CONSENTIMENTO PARA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

• Maior flexibilidade no grau de especificação e pormenorização das finalidades;


• Deve manter, tanto quanto possível, os seus principais elementos:
o Livre vontade;
o Informado;
o Esclarecido;
o Afirmativo;
o Expresso.
• Os investigadores devem garantir o cumprimento das normas éticas e metodológicas exigidas na sua
área.

Se, aquando da recolha de dados pessoais, os investigadores não conseguirem identificar plenamente as
finalidades do seu tratamento, “Nestes casos, podem pedir às pessoas que deem o seu consentimento para
determinadas áreas da investigação científica ou partes de projetos de investigação. No entanto, o
consentimento deve manter os seus principais elementos, ou seja, ser dado de livre vontade, informado,
obtido de modo claro e afirmativo e tão específico quanto a investigação em questão o permita. Os
investigadores devem garantir que cumprem as normas éticas e metodológicas exigidas na sua área.

Exemplo: Um grupo de investigadores quer estudar um tipo de cancro específico, mas tem consciência das
possíveis implicações do estudo para outros tipos de cancro. Neste caso, podem solicitar o consentimento da
pessoa para efetuarem tratamento de dados relacionados com investigação sobre cancro.”

Violação de dados pessoais  Uma violação da segurança que provoque, de modo acidental ou ilícito: a
destruição, a perda, a alteração, a divulgação, ou o acesso, não
autorizados, a dados pessoais transmitidos, conservados ou sujeitos a
qualquer outro tipo de tratamento.

Consequências da violação do RGPD

• Infração provável: advertência;


• Infração:
o Repreensão;
o Proibição temporária ou definitiva do tratamento;
o Aplicação de coimas – possibilidade de um regime próprio para a AP;
o Pagamento de indemnização aos particulares
Teórico-
Práticas
DOAÇÃO E TERAPÊUTICAS DE TRANSPLANTAÇÃO

TRANSPLANTAÇÃO

A transplantação de órgãos, tecidos e células é uma modalidade terapêutica de recurso para algumas
patologias humanas que evoluem com deterioração funcional progressiva e irreversível, e que não pode ser
adequadamente corrigida por meio de outras alternativas de tratamento.

TRANSPLANTAÇÃO DE TECIDOS E ÓRGÃOS

Processo terapêutico destinado ao restabelecimento de uma ou mais funções do organismo humano, mediante
a transferência de um órgão/órgãos ou tecido(s) de um dador para um recetor, com finalidade terapêutica.

Objetivo da transplantação: Dar mais vida à vida.

DOAÇÃO E TERAPÊUTICAS DE TRANSPLANTAÇÃO

Órgãos e tecidos humanos passíveis de colheita:

• Coração
• Pulmões
• Fígado
• Pâncreas
• Rins
• Útero
• Tecidos osteotendinosos:
− Osso
− Tendão
• Medula córnea
• Válvulas cardíacas
• Segmentos vasculares
• Pele
DOAÇÃO DE TECIDOS

Doação de gâmetas requerem Análise Ética especifica:

• Ovócitos
• Espermatozoides
• Doação e colheita de órgãos para fins de investigação cientifica
• Doação do cadáver

Colocam questões relacionadas com a dignidade humana!

TIPOS DE TRANSPLANTAÇÃO DE TECIDOS E ÓRGÃOS

• Transplantação autoplástica (autotransplante)  Transferência de tecidos no mesmo organismo


• Transplantação homóloga (homotransplante)  transplante entre indivíduos da mesma espécie
• Transplantação heteróloga (heterotransplante)  transplante entre espécies diferentes
• Transplante com recurso a órgãos artificiais

DOAÇÃO E TERAPÊUTICAS DE TRANSPLANTAÇÃO DE TECIDOS E ÓRGÃOS

Respeito pela dignidade, autonomia e integridade da pessoa, salvaguardando-se a sua saúde, segurança e
privacidade, bem como o respeito pela sua vulnerabilidade.

Dador vivo

• Tecidos com capacidade reparadora


− Pele
− Medula óssea
• Órgãos
− Duplo – rim
− Com capacidade regeneradora – lobo de fígado
− Fígado para transplantação sequencial (/) em dominó – o dador é também recetor, mas de
fígado de cadáver – Pessoa portadora de Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF)

Programa Nacional De Doação Renal Cruzada

(PNDRC) para inscrição de pares dador-recetor de rim e respetiva alocação cruzada.

• Par dador-recetor: o candidato a receber um órgão e a pessoa/ pessoas que se propõe dar-lhe 1 órgão.
• Doação renal cruzada com dador vivo: processo de alocação que permite a transplantação de órgãos
compatíveis, através do intercâmbio de rins de dois ou mais pares dador- recetor.
Contraindicações

• Marcadores víricos positivos: VIH+, VHB+, VHC+


• Sepsis não controlada/etiologia desconhecida
• Doença oncológica metastizada
• Comportamento de risco em portadores de doença infetocontagiosa
• Inscrição no RENNDA

Princípios éticos

• Autonomia: eu decido ser ou não dador, eu quero ou não ser transplantada


• Consentimento informado (só quando temos a certeza que a pessoa recebeu a informação)
o Consentimento do dador e do recetor
− O dador pode identificar o beneficiário, em situações muito especificas.
o Especificidade: pessoas incapazes de exprimir consentimento
• Confidencialidade e privacidade do dador e do recetor
• Gratuidade
o Dádiva de órgãos é voluntaria e não remunerada
o Atividade não pode ter caracter lucrativo para as unidades de colheita
• Proporcionalidade: efeitos benéficos/ efeitos nocivos
o A colheita não pode envolver riscos desproporcionados para o dador
o Em dador morto, que sejam evitadas mutilações

Em dador vivo

• Subsidiariedade
o Recolha em dador vivo só se não for possível a obtenção de tecidos ou órgãos de cadáver
• Solidariedade e cooperação
o Sustentam a decisão do dador
o Solicitude, altruísmo e capacidade de dar sem receber

Dador morto

É necessária a certificação de morte cerebral.

Após confirmação da morte

• Manter estabilidade do corpo até à colheita


• Possibilidade de colheita de múltiplos órgãos
• Apoio à família: corpo morto vs órgãos vivos
• Estudos de histocompatibilidade
Implicações éticas

• Ausência de inscrição no RENNDA ≥ 18 anos


• Obrigatoriedade de doação em alguns países
• A quem pertence o corpo morto?

Confirmação do óbito só ocorre após a realização de duas provas de confirmação de morte cerebral

• Certidão de óbito
• Identificação do médico
• Identificação completa do cadáver
• Registo de dados no sistema informático
• Ausência de registo no RENNDA (consentimento presumido)
• Comunicação à equipa de coordenação de transplante
TÉCNICAS PARA PROVOCAR FIM DE VIDA?

OBSTINAÇÃO TERAPÊUTICA

Utilização de meios extraordinários e desproporcionados à situação clínica da pessoa, prolongando a vida,


provocando sofrimento acrescido e pior qualidade de vida para a própria pessoa. Resumidamente, corresponde
a meios desproporcionados para manter a vida.

Limites ao prolongamento da vida humana a qualquer custo:

• Dignidade da vida;
• Grau de sofrimento.

Análise de cada caso, por toda a equipa de intervenção terapêutica:

• Não se deve iniciar uma intervenção que não se preveja/ tenha efeitos positivos;
• Intervenções sem efeito benéfico;
• Prolongam o processo de morrer e com sofrimento.

SUICÍDIO ASSISTIDO

O ato de matar está nas mãos do próprio, com utilização de meios proporcionados por outros, ou seja, a
pessoa quer morrer, mas precisa de alguém que despolitize o produto para que ela ingira, para poder morrer.

• Conflito de valores:
− Vida humana;
− Autodeterminação.
• Juízo ético: idêntico ao da eutanásia

O agente escolhe, interpreta e aceita o pedido de morte, facultando os meios para que o próprio o realize.

Autodeterminação da pessoa que quer morrer contra a autodeterminação da pessoa que favorece o produto.
EUTANÁSIA

Ato intencional de matar, praticado por uma pessoa a pedido de outra. (Daniel Serrão) É, portanto, um ato
voluntário. Morte desejada por uma pessoa e executada por outra pessoa (Daniel Serrão)

O pedido está associado:

• Ao sofrimento e dor
• À desesperança
• À perceção de que se é um peso para os outros
• À desvalorização de si
• À falta de valor atribuído pelos outros
• À falta de sentido para o sofrimento
• À solidão

É necessário identificar o porquê de a pessoa querer morrer.

Pedido associado ao sofrimento e dor. É fundamental:

• Minimizar a dor e o sofrimento


• Humanizar problemas associados ao final de vida
• Defesa da vida e da qualidade de vida (DUDH, artigos 3º e 25º)

A vida humana deve sempre ser respeitada.

A morte é sempre um limite, impondo um limite à vida humana e às possibilidades que a pessoa teria se
vivesse. Eutanásia não termina com o sofrimento, mas sim com a vida humana.

Principais valores em causa:

• Vida humana  responsabilidade de todos e de cada um.


• Autonomia da pessoa  suporte da liberdade e da responsabilidade individuais.
• Beneficência e não maleficência  dever ético dos profissionais de saúde.

Dever de viver vs. Direito a morrer

MORTE POR COMPAIXÃO

Provocar a morte intencionalmente a alguém que está doente, sem capacidade de expressar a sua vontade,
em situação irreversível e inconsciente, por se considerar que essa pessoa se pudesse expressar-se iria pedir
a morte ou simplesmente por se considerar que é preferível para o outro morrer do que se manter vivo nas
condições em que se encontra.
FUTILIDADE TERAPÊUTICA

Utilização de medidas terapêuticas sem benefício para a pessoa doente. Por exemplo, continuar a
quimioterapia, sendo que já não vai dar em nada.

ABSTENÇÃO TERAPÊUTICA

Não iniciar ou interromper uma intervenção terapêutica por vontade manifestada pelo doente (passível de
revogação).

Atitude dos profissionais, perante a pessoa em fase de fim de vida:

• Minimizar a dor e o sofrimento;


• Prestar cuidados de conforto;
• Melhorar a autoimagem da pessoa;
• Promover o conforto;
• Permitir presença de familiares.

DECISÃO ÉTICA

Decisões eticamente corretas:

• Interromper medidas extraordinárias de manutenção de vida, que já não são úteis e causam grande
sofrimento à pessoa, impedindo a pessoa de viver os seus últimos momentos em paz e com a família.
• Não iniciar manobras quando não se prevê benefício para a pessoa em situação de fim de vida.
• Utilizar fármacos eficazes pata minimizar a dor.
VULNERABILIDADE HUMANA E FIM DE VIDA

Vulnerabilidade  Vulmus  ferida

Vulnerabilidade  Suscetibilidade de ser ferido, relacionado com finitude. Condição humana universal que
apela a uma resposta ética. É apenas ao homem que compete cuidar da pessoa
vulnerável e de toda a criação porque é vulnerável.

SOFRIMENTO HUMANO

• Inerente à vida humana


• Experiência individual de dependência e de finitude, de natureza subjetiva, associado a sentimentos
de desconforto, de perda …
• Mas também pode constituir tempo de aprendizagem e sentido de vida.

ENVELHECIMENTO, SOFRIMENTO, HOSPITALIZAÇÃO EM FIM DE VIDA

• Ameaça à integridade pessoal


• Reduz a capacidade física/ mental (por doença, repouso no leito, …)
• Agressão física e vivência psíquica únicas (exposição do seu corpo, tem de expressar os seus
sentimentos a estranhos, … e, portanto, sente esta agressão)
• Sentimentos de perda ou de separação (lares ou centros de dia)
• Significativo impacto afetivo
• Alteração significativa do papel familiar/ parental
• Alteração de papéis sociais
• Respeitar
− Dignidade humana – manter/ restituir
− Vulnerabilidade humana
− Unicidade de cada ser humano – alteridade
− Sentimentos e valores espirituais da pessoa doente
• Proximidade com familiares e pessoas significativas
• Contribuir para melhorar a qualidade de vida da pessoa
NECESSIDADES EM FIM DE VIDA

• Rever a vida: seus limites e potencialidades


• Recapitular o vivido
• Avaliar a própria história, encontrar sentido para a vida encerrar o ciclo de vida biográfico
• Libertar-se de culpas, perdoar-se por erros ao longo da sua vida
• Estabelecer diálogo
• Fazer silêncio

DNR – DO NOT REANIMATE

Ausência de critérios clínicos para o recurso a medidas de Suporte Avançado de Vida, sob prescrição (sem
SAV). Muitas vezes não tem efeitos benéficos e levava ao gasto de recursos que serão uteis noutras situações.

DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE

DAV – lei nº 25/2012, de 16 de julho:

• Documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma pessoa
maior de idade e capaz, …, manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida,
no que concerne aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por
qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente. (art.º
2º,1)

Art.º 3º, 1, c) e d)

• As situações clínicas em que as diretivas antecipadas de vontade produzem efeitos; as opções e


instruções relativas a cuidados de saúde que o outurgante deseja ou não receber, no caso de se
encontrar em algumas das situações referidas na alínea anterior

CUIDADOS CONTINUADOS

Dirigidos às pessoas com dependência:

• Em qualquer faixa etária: crianças, jovens, adultos e idosos


• Cuidados geriátricos
• Cuidados de reabilitação
• Cuidados paliativos

Promover a autonomia da pessoa e o autocuidado


Os cuidados paliativos definem-se como uma resposta ativa aos problemas decorrentes da doença prolongada,
incurável e progressiva, na tentativa de prevenir o sofrimento que ela gera e de proporcionar a máxima
qualidade de vida possível a estes doentes e suas famílias. São cuidados de saúde ativos, rigorosos, que
combinam ciência e humanismo.

CUIDADOS PALIATIVOS

Cuidados ativos, coordenados e globais, prestados por unidades e equipas especificas, em internamento ou
no domicilio, a doentes em situação de sofrimento decorrente de doença incurável ou grave, em fase avançada
e progressiva, assim como às suas famílias, com o principal objetivo de promover o seu bem-estar e a sua
qualidade de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, com
base na identificação precoce e no tratamento rigoroso da dor e outros sintomas físicos, mas também
psicossociais e espirituais.

• Não apressam nem adiam a morte


• Ajudam a pessoa a viver o tempo que tem de vida

Intervenção nas várias áreas do sofrimento

• Controlo de sintomas
• Comunicação (pessoa doente, familiares)
• Trabalho em equipa interdisciplinar
• Apoio à família

FIM DE VIDA

• Ausência de expectativa de cura


• Esperança de vida não superior a 6 meses (fundamentada em conhecimento científico)
• Geralmente associado a sofrimento
• Iminência da morte

Será ético o recurso a tudo o que é tecnicamente factível?

Antigamente, perante doenças crónicas e terminais, as pessoas queriam morrer em casa, com dignidade
(morrer em paz):

• Abstenção terapêutica face à irreversibilidade da doença e inevitavelmente da morte


• Na presença de familiares
• Prática de rituais religiosos com a participação do próprio
Atualmente:

• A morte é tabu
• Deixou de ter expressão familiar e social
• Nas doenças crónicas o processo de morrer ocorre maioritariamente no hospital
• Grande envolvimento técnico e terapêutico
• A morte pode ocorrer em solidão afetiva

O empenho da sociedade e dos profissionais de saúde tem que ir ao encontro da humanização do processo
de morrer.

Permite que a pessoa:

• Verbalize medos, …, esperanças


• Possa expressar emoções
• Usufrua da presença de pessoas significativas
• Beneficie apoio espiritual e/ou religiosos se o deseja

MORTE

“Cessação irreversível de todas as funções cerebrais incluindo o tronco cerebral”

• Inicio do séc. XIX: morrer= paragem respiratória


• Conhecimento da circulação e auscultação: morrer= paragem cardíaca
• Atualmente, paragem cardíaca e respiratória são passiveis de recuperação
• Ocorre quando as duas funções cessam o tempo suficiente para que ocorra morte cerebral.

No inconsciente, cada um de nós está convencido da sua imortalidade:

• O homem não quer falar da morte e não prepara a sua morte


• Os profissionais de saúde “escondem” a realidade da morte

De qualquer forma, morremos! A morte é universal, de todos os tempos e de todos os seres vivos, é um
processo natural

A morte humana não é redutível à morte biológica e coloca-nos perante o nunca mais para sempre.
SIGILO PROFISSIONAL

• “O que não deve ou não pode ser revelado”


• “Silêncio ou discrição sobre uma coisa que se confiou a outrem ou que nos foi confiada”

SEGREDO
• Natural  exigido pela própria natureza da informação
• Prometido  existe a promessa de não ser revelada a informação
• Confiado  Comunicação feita sob o acordo, tácito ou expresso, de não a divulgar: amizade, pedido
de conselho, sigilo profissional

SIGILO PROFISSIONAL
“Interdição legal de divulgar informações confidenciais obtidas no âmbito do exercício da profissão”

JURAMENTO DE HIPÓCRATES
“... tudo o que verei ou ouvirei na sociedade, durante o exercício ou mesmo fora do exercício da minha
profissão e que não deverá ser divulgado, manterei segredo, considerando uma coisa sagrada...”

JURAMENTO DE FLORENCE NIGHTINGALE


“...tudo farei para manter e elevar o nível da minha profissão, usando de sigilo em todas as questões pessoais
que sejam confiadas à minha guarda ou nos assuntos familiares do meu conhecimento, durante o desempenho
do meu trabalho...”

VALOR DO SEGREDO
• Valor em si mesmo
• Valor instrumental
• Valor social

DIREITOS DOS DOENTES

• O doente tem direito à confidencialidade de toda a informação clínica e elementos identificativos que
lhe respeitam
• O doente tem direito à privacidade na prestação de todo e qualquer ato médico
LEGISLAÇÃO

• Constituição da República Portuguesa:


o “Todos têm direito de acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito, podendo exigia
a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos
termos da lei.”
• Lei da Protecção de dados Pessoais:
o O processamento de dados deve proceder-se de “forma transparente e no respeito pela reserva
da vida privada” …

CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS ENFERMEIROS

Artº 85º (106º) - Do dever do sigilo

O enfermeiro obrigado a guardar segredo profissional sobre o que toma conhecimento no exercício da sua
profissão, assume o dever de:

a) Considerar confidencial toda a informação acerca do destinatário dos cuidados e da família, qualquer
que seja a fonte;
b) Partilhar a informação pertinente só com aqueles que estão implicados no plano terapêutico, usando
como critérios orientadores o bem-estar, a segurança física, emocional e social do indivíduo e família,
assim como os seus direitos;
c) Divulgar informação confidencial acerca do indivíduo e família só nas situações previstas na lei,
devendo, para tal efeito, recorrer a aconselhamento deontológico e jurídico;
d) Manter o anonimato da pessoa sempre que o seu caso for usado em situações de ensino, investigação
ou controle da qualidade de cuidados.

Artº 86º (107º) - Do respeito pela intimidade

Atendendo aos sentimentos de pudor e interioridade inerentes à pessoa, o enfermeiro assume o dever de:

a) respeitar a intimidade da pessoa e protegê-la de ingerência na sua vida privada e na da sua família;
b) salvaguardar sempre, no exercício das suas funções e na supervisão das tarefas que delega, a
privacidade e a intimidade da pessoa.

O segredo profissional, no âmbito da saúde não é um valor absoluto...


• Doenças de declaração obrigatória.
• Situações de grave urgência, como por exemplo as epidemias.
• Consentimento Informado do interessado
• Exigência do bem comum
• Exigência do bem de terceiros.
• Para evitar um prejuízo grave ao próprio
• Para evitar prejuízos graves à pessoa depositária do segredo.
ÉTICA E INVESTIGAÇÃO

INVESTIGAÇÃO EM ANIMAIS E NA NATUREZA


• Poderá ser feita se não existir outra forma de atingir o conhecimento
• Deverá ser protegida e legislada
• É dever do Homem proteger a vida em todas as suas formas
Os meios nunca justificam os fins

INVESTIGAÇÃO EM SERES HUMANOS


• Insere-se no vasto domínio do conhecimento sobre a pessoa e a vida humana
• O conhecimento sobre o ser humano necessita de investigação, para se centrar nas especificidades e
compreender a sua totalidade
• A dignidade do ser humano exige que toda a intervenção sobre ele esteja protegida e legislada

RECONHECIMENTO DA NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO


• Declaração de Helsínquia
• Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina
• Pareceres do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV)
• Regulamento Geral de Proteção de Dados (Diretiva UE, 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho
de 27 de abril de 2016; Lei n.º 58/2019 de 8 de agosto - Diário da República, 1.ª série, nº 151)
• Comissão de Ética para a Investigação Clínica (CEIC)
• Comissões de Ética para a Saúde (CES)
• CE institucionais

INVESTIGAÇÃO EM SERES HUMANOS


• Princípio da justiça
• Princípio da autonomia
• Princípio da beneficência
• Princípio da não maleficência
• Princípio da utilidade
Exige Competência profissional e competência da instituição
Que a pessoa humana nunca seja um meio mas sempre um fim!

PRINCÍPIO DA UTILIDADE
A investigação deverá fornecer resultados úteis ao bem da sociedade que não possam ser obtidos por outro
meio ou método de estudo.
PRINCÍPIO DA INOCUIDADE
Não deverá ser feita experimentação humana quando for previsível a existência de riscos para a pessoa e para
a natureza.

PRINCÍPIOS
• Dignidade humana e direitos humanos
• Efeitos benéficos e efeitos nocivos
• Autonomia e responsabilidade individual
• Consentimento/pessoas incapazes
• Respeito pela vulnerabilidade humana
• Vida privada e confidencialidade
• Igualdade, justiça e equidade
• Não discriminação e não estigmatização
• Partilha dos benefícios
• …

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS


• Comités de ética
• Avaliação e gestão dos riscos
• Práticas transnacionais

PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO
• Aplicação do Princípio Efeitos benéficos e efeitos nocivos
o Balanço riscos/benefícios
o Não usar outro meio terapêutico na mesma pessoa
o Análise e aprovação da comissão de ética
• Aplicação do Princípio Autonomia e responsabilidade individual
• Aplicação do Consentimento Informado

EVITAR INVESTIGAÇÃO A GRUPOS VULNERÁVEIS


• Na mulher grávida
• No embrião e feto
• Na criança e adolescente
• Na pessoa com doença mental
• Nos reclusos
• Nos refugiados
• Nas pessoas com vulnerabilidade social
• Nas etnias minoritárias
• Sobre a intimidade sexual
INVESTIGAÇÃO EM SERES HUMANOS
• Investigação observacional
• Trabalhos por encomenda
• Ensaios clínicos - Fases I, II, III, IV

INVESTIGAÇÃO OBSERVACIONAL
• Benefício direto com a investigação
• População em estudo não deve ser identificada
• Consentimento informado (população e responsáveis)

TRABALHOS POR ENCOMENDA


• Devem servir os interesses das pessoas
• Não devem ser usados com fins políticos
• Não devem ter fins comerciais
Não se verificando estes princípios, dificilmente os trabalhos apresentam resultados corretos

ENSAIOS CLÍNICOS
• Incluem novas técnicas de diagnóstico e de tratamento
• Estão legislados em relação à investigação
• Exigem o cumprimento de todos os procedimentos para a sua realização
• Não pertencem à investigação no âmbito da enfermagem. O enfermeiro participa como colaborador

ÉTICA E ECODESIGN NA INVESTIGAÇÃO


• Ecodesign  conjunto de preocupações de não toxicidade de produtos quer na produção quer na
utilização
• Ecodesign na investigação  conjunto de preocupações com a produção de uma investigação de
forma a não ter desperdícios e a não provocar poluição em todas as suas fases

PROJETO DE INVESTIGAÇÃO - DESENHO ECOLÓGICO


Exige que se formule questões e se faça reflexões sobre o projeto
• Problema de investigação
• Planeamento e desenvolvimento
• Aplicação dos resultados
• Reciclagem de excedentes
Evita gastos supérfluos e lixos
ÉTICA NA RECOLHA DE DADOS
• Deficiente planeamento na recolha de dados
• Instrumento de recolha de dados desadequado
• Obtém mais dados que os necessários
• Omite dados essenciais para o estudo

ANÁLISE E COMUNICAÇÃO DOS RESULTADOS


• Respeitar os testes estatísticos escolhidos
• Tirar unicamente conclusões que se verifiquem na análise direta dos dados
• Comunicar os resultados com clareza

ESTUDOS DE INVESTIGAÇÃO EM ENFERMAGEM


• Integram-se no âmbito dos estudos das ciências sociais
• Privilegiam a observação
• Tem custos baixos
• São mais abertos
• Os instrumentos são mais simples
• Permitem identificar algo no passado e eliminá-lo no presente

RESUMINDO
“Sendo a experimentação no e com o Homem indispensável para o progresso da Medicina, com suas benéficas
consequências para a comunidade em geral, tal experimentação só pode ser praticada quando sejam
respeitadas normas de natureza ética, entre as quais sobressaem o respeito pela vida e dignidade humanas,
o consentimento informado do sujeito e a possibilidade de benefício para o mesmo”.
CNECV, RELATÓRIO-PARECER (15/CNECV/95)

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