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A SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS INTERIORES DO REINO

No início do século XVIII, a administração do Reino, embora tutelada directamente pelo monarca, era coordenada,
essencialmente, por três secretarias que tinham a função de organizar e de submeter a despacho régio as "consultas"
dos diversos órgãos da administração central - tribunais, conselhos ou mesas - com responsabilidades na condução
dos negócios do Reino.

Desde logo, D João V encontrou na estrutura administrativa concebida pelos seus antecessores um obstáculo ao
projecto de centralização dos mecanismos de decisão e execução das ordens régias. Com efeito, a orgânica
administrativa obedecia a um complicado mecanismo burocrático que, ao invés de tornar mais célere e eficiente o
papel da administração central, concorria não só para a sua ineficácia como para a subsistência das instituições típicas
da época feudal.

O monarca, pela sua carta de 28 de Julho de 1736, reorganizou as três Secretarias, designando-as todas de "Estado":
Secretaria de Estado dos Negócios Interiores do Reino, Secretaria de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos e
Secretaria de Estado dos Estrangeiros e Guerras. Esta reestruturação correspondeu a um maior grau de
especialização das pastas governamentais, bem como à definição mais precisa das atribuições de cada uma das
Secretarias.

A função desempenhada pelos Secretários de Estado revestiu-se, ao tempo de D. João V, de maior prestígio e
protagonismo políticos. Equiparados aos mais altos dignitários do reino, aqueles Secretários passaram a ter voto no
Conselho de Estado e a ocupar um lugar cada vez mais proeminente junto do soberano, influenciando, desde então, a
tomada de decisão em relação aos negócios que tutelavam através das respectivas secretarias.

Desta forma, foram dados os primeiros passos para a subordinação de alguns órgãos da administração "proto-
estadualista", que, dadas as suas características, constituíam um entrave à intervenção directa do soberano. Os
Secretários de Estado acabaram mesmo por afastar os conselheiros de Estado do despacho ordinário dos negócios,
tendo a actividade do Conselho diminuído francamente durante o reinado de D. João V. Por seu turno, as Secretarias
de Estado foram absorvendo as competências que dantes eram apanágio dos diversos Conselhos, concorrendo,
assim, para a sua gradual desvalorização política.

Da análise das competências conferidas às referidas secretarias, ressalta inequívoco o papel central que o Secretário
de Estado dos Negócios do Reino desempenhava no seio da própria administração central e na relação desta com a
administração periférica. Cabiam ao Secretário de Estado do Reino as tarefas de apoio à decisão régia,
nomeadamente propondo medidas legislativas e executivas em todas as áreas do governo interior do Reino. Era de tal
forma importante a sua posição que, nas funções públicas da Corte, fazia as vezes do escrivão da puridade como
notário público da Casa Real, enquanto fiel depositário dos selos reais.

De acordo com o Alvará de 28 de Julho de 1736, competia então à Secretaria do Reino "o governo interior do Reino,
administração da justiça, da sua Real Fazenda, polícia (1) , bem comum dos povos, ou interesse particular dos
Vassalos do mesmo Reino, que se lhe houverem de ser presentes, ou sejam por Consultas dos Tribunais, ou por
cartas de conta, ou por petições das partes, se encaminharão pela dita Secretaria...e pela mesma se expedirão as
resoluções, que Sua Mag. for servido tomar, e quaisquer outras ordens, que não tocarem ao Expediente particular das
outras Secretarias(2)".

O modelo das Secretarias de Estado, concebido no reinado de D. João V, manteve-se praticamente inalterado até ao
reinado de D. Maria I, e até mesmo na composição dos Gabinetes se adoptou uma política de continuidade,
permanecendo vários elementos de ligação no staff dos novos monarcas. O caso da Secretaria do Reino é, neste
aspecto, paradigmático, porquanto a chefia deste organismo se manteve durante vários anos sob a tutela das mesmas
figuras públicas.(3)

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Durante o período de governação de D. José e, posteriormente, de D. Maria I, a actividade do Estado alargou-se a
novos domínios da vida social. As novas tarefas que daí resultaram recaíram sobre uma estrutura administrativa
concebida com base em pressupostos de organização ainda muito vinculados ao universo medievo.

A própria natureza das atribuições dos órgãos da administração central alterou-se, em resultado da dinâmica dos
grupos sociais e da crescente internacionalização da economia, sem que tivesse sido desenvolvido um suporte
burocrático consentâneo com o volume de trabalho que se impôs às três secretarias de estado existentes.

Esta situação teve grandes repercussões na Secretaria de Estado do Reino, à qual estavam cometidas todas as áreas
da administração interna, desde a economia, à justiça, à administração dos actos políticos, entre outras.

Para além das tarefas que sempre lhe foram atribuídas, a Secretaria de Estado do Reino viu, no período do Iluminismo,
a área da segurança e da assistência social emergir do leque das suas funções, ao mesmo tempo que a condução dos
negócios económicos exigia uma maior especialização e atenção. Esta sobrecarga de funções levou mesmo D. Maria I
a considerar a criação de uma nova Secretaria de Estado que se ocupasse apenas dessa área.

Com a criação da Intendência-Geral da Polícia (4), por Decreto de 25 de Julho de 1760, tentou-se, entre outros
aspectos, minimizar as dificuldades de gestão da Secretaria do Reino e melhorar a performance do Estado em matéria
de segurança. Esta medida inicia um novo ciclo na vida funcional da Secretaria do Reino que se viu, pela primeira vez,
dotada de uma estrutura especializada, com um grau de autonomia administrativa considerável, a quem incumbia a
execução de uma parte importante das suas tarefas.

Os problemas de segurança com que se debatia a população de Lisboa agravaram-se após o terramoto de 1755. A
definição, ainda que ténue, de uma política de prevenção e repressão da criminalidade tinha como objectivo debelar os
fenómenos de mendicidade, de "vagabundagem" e de ociosidade, identificados como principais causadores do clima
de insegurança.

Em resultado do reforço da política de assistência social, a estrutura orgânica da Secretaria de Estado do Reino
tornou-se mais complexa.

Ainda no reinado de D. Maria I, a política de prevenção e repressão da criminalidade foi sendo sucessivamente
associada à criação de estruturas de assistência social de natureza pública, com vista ao amortecimento dos
fenómenos de exclusão social, razão pela qual a tutela desses organismos foi confiada à Secretaria do Reino. A ela
cabia, através da acção da polícia, fazer a destrinça entre os verdadeiros e os falsos indigentes, e, através das
instituições públicas de assistência social, promover a inserção dos desvalidos.

A construção deste ordenamento sócio-político, complexo à época, contou ainda com o incremento da instrução
pública, embora o grande impulso nesta área se venha a registar mais tarde, durante o período da Monarquia
Constitucional. A assunção desta tarefa por parte do Estado visava não só a melhoria dos quadros profissionais como
o aumento dos níveis de integração social dos extractos mais desfavorecidos da sociedade portuguesa. Concebida
como parte integrante da promoção do bem-estar social, a instrução pública passou também a constituir atribuição da
Secretaria do Reino.

De 1760 até ao dealbar do século XIX foram, com efeito, dados passos importantes no sentido de dotar a máquina
administrativa de maior capacidade de resposta e de adequá-la às novas funções da Administração. O alcance destas
reformas não foi, no entanto, suficiente para empreender uma mudança profunda no modelo de administração
concebido com base na divisão territorial de funções - Reino, Domínios Ultramarinos e Exterior.

A manutenção da excessiva concentração de funções na Secretaria de Estado do Reino concorreu para um certo
estrangulamento da actividade do Estado em matéria de política interna. Esta situação só foi alterada no decurso do
século XIX após a consolidação dos ideais liberais.

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(1)No século XVIII, este conceito era utilizado no sentido de Administração Pública, ou seja, designava o conjunto de
actividades administrativas da responsabilidade do Governo do Reino.
(2)Do vasto leque de atribuições da Secretaria, que se manteve praticamente inalterável durante 48 anos, destaca-se a
criação e os provimentos de títulos e de oficias maiores da Casa Real; a doação de senhorios e terras, alcaidarias-
mores, jurisdições, privilégios e rendas; tomar os preitos ou homenagem de qualquer governo, fortaleza ou capitania;
despachar todas as mercês, por graça, ou por remuneração de serviços. Cabia-lhe, ainda, a função de expedir as
nomeações de todos os prelados do Reino e domínios ultramarinos, de prover à nomeação de presidentes e ministros
para todos os Tribunais, Relações e Lugares de letras; da eleição do reformador, reitor ou governador e lentes da
Universidade de Coimbra. Era, ainda, das suas atribuições tratar de assuntos relacionados com as ordens militares,
assim como decidir da concessão de benefícios às referidas ordens.
(3)Pedro da Mota e Silva (1736-1756), 21 anos; Marquês de Pombal (1756-1777), 22 anos; Visconde de Vila Nova de
Cerveira (1777-1788), 12 anos ( v. História de Portugal, Direcção de José Matoso, Vol. IV).
(4)Embora a Intendência-Geral da Polícia gozasse de considerável autonomia encontrava-se na dependência da
Secretaria de Estado do Reino.

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