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ABDOME AGUDO

em cães e gatos
UMA ABORDAGEM PRECOCE E DESCOMPLICADA
Quem é o renan
Oi! Aqui é o Renan!

Conclui a graduação em Medicina


Veterinária em 2009 e a Residência
em Clínica Médica de Pequenos
Animais dois anos depois.

O desejo por conhecimento aumen-


tava e o destino me enviou um
presente: conquistei a primeira
colocação em um concurso de bolsas
e iniciei a pós-graduação em
Medicina Intensiva Veterinária.
Seja você quem for, seja qual for a
Nessa especialização me deparei
posição social que você tenha na
com a endoscopia e fiquei vidrado
vida, a mais alta ou a mais baixa,
naquilo! Busquei diversos cursos e
tenha sempre como meta muita
treinamentos na área e em 2016
força, muita determina çã o e
fundei a VET SCOPE.
sempre faça tudo com muito amor
e com muita fé em Deus, que um
Concluí minha especialização em
dia você chega lá. De alguma
Gastroenterologia de Cães e Gatos
maneira você chega lá.
em 2019 e atualmente trabalho
como gastroenterologista e endos-
Ayrton Senna
copista veterinário, ministro cursos e
treinamentos sobre esses temas.

Eu acredito que podemos evoluir


juntos, através do compartilhamento
de conhecimento.

Por isso estou compartilhando este


e-book com você!

Espero que goste!


índice
1. Apresentação

2. O que é abdome agudo afinal?

3. Diagnósticos diferenciais para ter no radar

4. E como tudo acontece?

5. Identificando o abdome agudo

6. Paciente deu entrada no hospital, qual a primeira coisa a fazer?

7. Exames complementares para fazer na sala emergência

8. Focused assessment with sonography in trauma

9. Hot topics da avaliação laboratorial complementar

10. Protocolo de tratamento emergencial

11. Prognóstico

12. Agradecimentos

13. Contatos
INTRODUÇÃO
Muitos médicos veterinários sentem um certo frio na barriga quando atendem
um paciente com abdome agudo.

Eu mesmo já passei por isso diversas vezes no início da minha carreira, é natural.
Isso acontece porque o cenário das emergências é muito desafiador!
Na maioria das vezes estamos lidando com pacientes graves, tutores
desesperados e precisamos agir rapidamente, caso contrário nosso paciente
pode morrer.
É neste cenário complexo que iniciamos o atendimento dos cães e dos gatos
com abdome agudo.

Calma, não desanime!


Eu produzi este e-book com muito carinho para você!

Aqui eu vou te apresentar os conceitos mais importantes da gastroenterologia


e do intensivismo para te ajudar a superar de vez esses desafios.

Lembre-se, quando estamos falamos de abdome agudo, uma abordagem


precoce, sistemática e descomplicada é a chave do sucesso!

Vamos salvar vidas?

BOA LEITURA!
O QUE É ABDOME AGUDO AFINAL?
Utilizamos o termo “abdome agudo” para descrever pacientes que apresentam
doença emergencial de origem abdominal que cursa com dor de início súbito,
porém ainda não temos diagnóstico definitivo.

Essa síndrome, apesar de frequente na rotina clínica dos médicos veterinários,


representa um grande desafio, já que a lista de diagnósticos diferenciais é
extensa e o tempo ideal para as tomadas de decisão é curto.

Devemos entender, de antemão, que o sucesso nestes casos depende de uma


anamnese detalhada e uma avaliação clínica precisa, só assim podemos indicar
os melhores métodos diagnósticos para cada paciente e instituir de forma
imediata o tratamento correto.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS PARA TER NO RADAR
Como estes quadros clínicos podem estar associados a diversas doenças intra-
abdominais e extra-abdominais eu trouxe aqui uma lista completa dos
principais diagnósticos diferenciais que você deve ter no radar para não “comer
bola” nos seus atendimentos!

LESÕES DE PAREDE ABDOMINAL CAVIDADE PERITONEAL

• Trauma • Peritonite séptica/química


• Abscesso • Trauma abdominal penetrante
• Contusão • Linfadenite
• Hematoma • Ruptura mesentérica
• Hérnia • Trombo mesentérico

GASTROINTESTINAIS UROGENITAIS

• Dilatação gástrica • Pielonefrite


• Dilatação vólvulo gástrica • Litíase
• Vólvulo mesentérico • Obstrução uretral/ureteral
• Perfuração • Trauma/ruptura renal ou vesical
• Úlcera • Neoplasias
• Obstrução • Tromboembolismo renal
• Corpo estranho • Prostatite
• Neoplasia • Abscesso/cisto prostático
• Intussuscepção • Orquite
• Íleo adinâmico • Torção testicular
• Gastroenterite • Abscesso testicular
• Torção uterina
• Piometra
• Ruptura uterina
• Cisto ovariano
• Distocia
• Metrite
• Síndrome urêmica
• Cistite severa
HEPATOBILIARES ESPLÊNICAS

• Hepatite/colangite • Ruptura esplênica


• Abscesso hepático • Neoplasia esplênica
• Neoplasia hepática • Hiperplasia esplênica
• Torção do lobo hepático • Abscesso esplênico
• Colelitíase • Torção esplênica
• Obstrução biliar
• Mucocele biliar
• Ruptura biliar
• Tromboembolismo portal

PANCREÁTICAS EXTRA ABDOMINAIS

• Pancreatite • Doença do disco intervertebral


• Abscesso pancreático • Discoespondilite
• Neoplasia pancreática • Polimiosite
• Toxicidade por metal pesado
• Envenenamento
• Hipoadrenocorticismo
E COMO TUDO ACONTECE?
Por estar relacionado a diversos diagnósticos diferentes a patogenia do
abdome agudo também é bastante variável.

Mas nós podemos identificar que os principais mecanismos responsáveis pelas


manifestações clínicas dos nossos pacientes com abdome agudo estão
relacionados à dor, inflamação, processo obstrutivo, hemorragia, isquemia,
distensão, deslocamento, perfuração, rotura, síndrome compartimental,
síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) e sepse.
IDENTIFICANDO O ABDOME AGUDO
É fato que todos os animais com abdome agudo apresentarão algum grau de
dor abdominal, mas isso não é tudo, por isso preparei uma lista de
manifestações clínicas e alterações do exame físico que podemos observar em
cães e gatos com abdome agudo.

• Dor abdominal
• Distensão abdominal
• Vômito
• Diarréia
• Alterações posturais e de marcha
• Inquietação
• Sialorréria
• Náusea
• Hiporexia ou anorexia
• Hematoma abdominal
• Prostração/letargia
• Mucosas pálidas ou congestas
• Taquipnéia
• Taquicardia
• TPC reduzido ou aumentado
• Pulso forte ou fraco
• Hipotensão
• Choque

Haaa... Uma dica importante é nunca negligenciar a dor abdominal de um


paciente, principalmente se ele for um cão de grande porte, pois esses animais
frequentemente não demonstram dor intensa até que o quadro esteja
bastante avançado. Cuidado!
PACIENTE DEU ENTRADA NO HOSPITAL, QUAL A
PRIMEIRA COISA A Fazer?
A dor abdominal aguda pode representar desde situações simples e
autolimitantes até doenças com elevado índice de mortalidade, portanto todos
os pacientes nestas condições devem receber uma TRIAGEM previamente à
instituição do plano diagnóstico, com objetivo de identificar disfunções
orgânicas graves com alto potencial de mortalidade. É importante neste
momento “separar o joio do trigo”, para promover aos pacientes “grau I” e “grau
II” o suporte terapêutico imediato, sempre que possível.

Ficou com dúvida sobre a classificação de triagem hospitalar? Então confere o


quadro abaixo que vai ficar tudo mais claro!

CLASSES DE NECESSIDADE DE
EXEMPLOS
TRIAGEM ATENDIMENTO
Pacientes com quadro Insuficiência respiratória
clínico emergencial que ou parada respiratória,
GRAU I requerem atendimento obstrução de via aérea e
imediato. pacientes inconscientes.

Pacientes com quadro Lesões múltiplas, choque,


clínico grave que hemorragia grave com via
GRAU II requerem atendimento aérea patente e ventilação
em até 1 hora. adequada.

Pacientes com quadro Fraturas, feridas abertas,


clínico urgente que queimaduras, corpo
requerem atendimento estranho penetrante,
GRAU III
em poucas horas. convulsão e traumas com
estabilidade hemo-
dinâmica.

Pacientes com quadro Anorexia, apatia, êmese,


clínico relativamente claudicação, feridas
GRAU IV urgente que requerem infectadas, miíases e
atendimento em até 24 abcessos.
horas.
Quando necessária, a sequência de atendimento emergencial deve
contemplar a realização de uma anamnese rápida, conforme o mneumônico
“CAPUM” (cena, alergias, passado/prenhês, última refeição, medicações em
uso) e a aferição dos seguintes parâmetros básicos: temperatura, frequência
cardíaca (FC), frequência respiratória (FR), pressão arterial (PA), saturação
arterial de oxigênio (SpO2), tempo de preenchimento capilar (TPC), qualidade
de pulso, nível de consciência e grau de desidratação.

As abordagens direcionadas aos animais que apresentam instabilidade


hemodinâmica e/ou respiratória serão discutidas mais à frente, no capítulo 10.

Por outro lado, os pacientes estáveis poderão ser avaliados com mais
tranquilidade conforme as orientações descritas a seguir.

Uma rápida avaliação do abdômen através da inspeção visual, palpação,


auscultação e percussão pode permitir ao clínico constatar sinais
contundentes de algumas afecções.

O “sinal de Cullen”, representado por hematoma periumbilical (imagem 1), é


patognomômico de hemorragia abdominal e a constatação de massa
abdominal firme pode indicar provável neoplasia primária ou metastática!

Imagem 1: Cão com sinal de Cullen e hemorragia abdominal devido a ruptura


de hemangiossarcoma esplênico.

Fonte: arquivo pessoal.


exames complementares para fazer na sala
de emergência
Exames básicos como hematócrito, proteína plasmática total, glicose e lactato
séricos idealmente devem ser considerados em todos os pacientes.

O eletrocardiograma pode revelar arritmias malignas e, portanto, também


deve ser avaliado na sala de emergência.

Sempre que estiver disponível e não existirem contraindicações explícitas, a


avaliação ultrassonográfica de emergência (conhecida como “FAST”), deve ser
realizada.

A técnica FAST (focused assessment with sonography in trauma) é uma


ferramenta extremamente útil na rotina dos atendimentos emergenciais e
pode nos ajudar a definir se o caso deve ser conduzido de forma clínica ou
cirúrgica, por isso reservei um capítulo inteiro do e-book para falar sobre ela!
FOCUSED ASSESSMENT WITH SONOGRAPHY IN
TRAUMA
A técnica FAST (focused assessment with sonography in trauma), inicialmente
descrita com objetivo de identificar hemorragia abdominal em pacientes
humanos traumatizados, também representa uma ferramenta interessante
para avaliação de cães e gatos com abdome agudo, uma vez que a
identificação de líquido livre abdominal e a posterior coleta e análise das
amostras obtidas por abdominocentese guiada permitem o diagnóstico de
diversas situações clínicas como peritonite séptica, hemorragia, rutura de vias
biliares e urinárias.

A técnica é simples, o que garante uma curva de aprendizado rápida, mesmo


para médicos veterinários que ainda não tem muita familiaridade com a
ultrassonografia. De forma objetiva ela consiste em avaliar a presença ou
ausência de líquido livre em quatro regiões do abdome conforme
demonstrado na Figura 1.

LEGENDA

• DH: hepatodiafragmático
• SR: esplenorenal
• CC: cistocólico
• HR: hepatorenal.

Figura 1: Técnica FAST de avaliação de fluido libre abdominal em cães e gatos (LISCIANDRO et al., 2009.)

Escores 1 a 2, em animais com hemorragia abdominal, representam


sangramentos de pequeno volume e, portanto, passíveis de tratamento clínico
e monitorização intensiva. Escores 3 a 4, por sua vez, representam
sangramentos de grande volume, com risco iminente de óbito e necessitam de
intervenção imediata.
Procedimentos como empacotamento, transfusão de sangue e/ou
hemoderivados e cirurgia geralmente são comtemplados nessas situações.

Em atualização recente o sistema de pontuação de fluido aplicado ao AFAST


(abdominal focused assessment with sonography in trauma) foi modificado,
considerando não apenas a presença de líquido nos quadrantes avaliados, mas
também o volume presente em cada quadrante.

Para tal, devemos ponderar que, em gatos, áreas de líquido <5mm denotam um
escore AFS de ½ ponto e áreas >5mm denotam um AFS (abdominal fluid score)
de 1 ponto.

Já no caso dos cães, a classificação é de ½ ponto para acúmulos de fluido <1cm e


1 ponto para a acúmulos >1cm, conforme demonstrado na Figura 2.

Figura 2: Classificação AFS de acordo com o volume de fluido livre abdominal em cães e gatos.
LISCIANDRO, 2021.

LEGENDA

• DH: hepatodiafragmático
• SR: esplenorenal
• CC: cistocólico
• HRU: hepatorenal.
Desta fora podemos optar por observar e monitorizar um cão com presença de
líquido livre hemorrágico em quatro quadrantes, caso ele tenha pequeno
volume de sangue em cada quadrante (<1cm), pois seu score será de 2 pontos.

As imagens 3A e 3B demonstram diferentes escores em pacientes com líquido


livre no espaço de Douglas. Na imagem 3A notamos um “AFS = ½” em paciente
canino com volume de fluido <1cm em espaço de Douglas, já na imagem 3B
observamos um “AFS = 1” em paciente canino com volume de fluido >1cm na
mesma região anatômica.

Imagem 3A Imagem 3B

Em alguns centros o FAST foi estendido ainda mais para incluir a avaliação da
veia cava abdominal durante o ciclo respiratório, como um método não invasivo
de avaliação de status volêmico de pacientes críticos.

Devemos enfatizar, no entanto, que as avaliações FAST não substituem os


exames completos de ultrassonografia realizados por profissionais
especializados. Inclusive, alguns estudos com cães e gatos demonstraram
correlação de 64%-86,9%, entre os achados ultrassonográficos pré-operatórios
e os relatos cirúrgicos, com exames citológicos e histopatológicos
corroborando com a ultrassonografia em 86,4% das lesões primárias e 66,2%
das lesões secundárias.

Pacientes diagnosticados com hemorragia abdominal ativa devem ser


abordados com a técnica do empacotamento (colocação de bandagens para
aplicar contrapressão externa nos membros pélvicos e abdome caudal) e uma
equipe cirúrgica deve ser acionada imediatamente.
HOT TOPICS DA AVALIAÇÃO LABORATORIAL
COMPLEMENTAR
Após um exame f ísico completo o clínico poderá solicitar exames
complementares mais abrangentes. Alguns exames laboratoriais são
pertinentes na maioria dos casos e por isso devem ser considerados, são eles:
hemograma completo, “perfil hepático” (albumina, bilirrubinas, fosfatase
alcalina, gama glutamil transferase, alanina amino transferase), “perfil renal”
(uréia, creatinina, urinálise), “perfil eletrolítico” (sódio, potássio, cloro, cálcio
ionizado, magnésio), coproparasitológico e perfil de coagulação (tempo de
protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativada, fibrinogênio),
particularmente nos pacientes com sinais clínicos relacionado à hemorragia. O
D-dímero e a tromboelastografia, apesar de indisponíveis na maioria dos
centros veterinários do Brasil, tem seu papel em algumas situações.

Existem vários testes rápidos para diagnóstico de pancreatite disponíveis no


mercado, porém nenhum ensaio isoladamente é capaz de diagnosticar de
forma conclusiva esta patologia. Portanto, a combinação de histórico, sinais
clínicos, exame físico, exames laboratoriais, ultrassonografia abdominal e o
teste de lipase pancreática, pode ser o método mais seguro de diagnóstico
nestes casos.

Salientamos que qualquer líquido livre abdominal passível de coleta deve ser
analisado com relação à presença de bactérias, células neoplásicas ou
neutrófilos degenerados e quanto a presença de conteúdo alimentar ou fecal.

A dosagem de bilirrubina e creatinina e sua comparação com os valores séricos


sanguíneos permite o diagnóstico de ruptura de vias biliares e urinárias
respectivamente.

A mensuração da glicose e lactato do líquido em relação ao plasma tem


relevante aplicação na identificação de foco séptico abdominal. Bonczynski e
colaboradores (2003) observaram menores valores de glicose e maiores valores
de lactato no líquido abdominal em relação aos valores séricos. Neste sentido,
um gap >20mg/dL da glicose e maior que >2mmol/L do lactato, no líquido
abdominal em relação aos valores séricos, apresentaram 100% de sensibilidade
e especificidade em cães. Em gatos a diferença da glicose do líquido abdominal
em relação a glicose sérica apresentou 86% de sensibilidade de 100% de
especificidade.
Quando o material obtido for sanguinolento é importante comparar seu
hematócrito com o hematócrito do sangue periférico para investigar a
possibilidade de um quadro hemorrágico.

Por fim, a classificação do fluido em transudato, transudato modificado e


exsudato pode colaborar na compreensão de sua natureza.

A lavagem peritoneal diagnóstica pode ser indicada nos casos em que há


pequeno volume de líquido livre, quando o mesmo encontra-se em local de
difícil acesso para punção ou em serviços onde a ultrassonografia não estiver
disponível.

Cultura bacteriana aeróbia e anaeróbica de sangue periférico e de líquido


ascítico, quando presente, sempre devem ser solicitadas a fim de guiar
possíveis mudanças de protocolo antibiótico, caso necessário.

As radiografias possuem especial utilidade em casos de suspeita de dilatação


vólvulo gástrica, pneumoperitôneo, corpos estranhos ou processos obstrutivos
gastrointestinais.

Algumas limitações como custo, necessidade de anestesia, acesso restrito em


algumas regiões do Brasil e necessidade de interpretação especializada,
tornam o uso da tomografia computadorizada menos frequente que as
demais técnicas de diagnóstico já comentadas, no entanto ela pode ser
notadamente útil em pacientes com abdome agudo que estejam
hemodinamicamente estáveis e cujos resultados clínicos, laboratoriais e de
outras técnicas de imagem foram inconclusivos.

Devemos considerá-la quando o objetivo é avaliar o espaço retroperitoneal,


detectar doença metastática, identificar e estadiar doenças pancreáticas e das
glândulas adrenais, uma vez que representa uma modalidade diagnóstica
superior à ultrassonografia nesses casos.
TRATAMENTO EMERGENCIAL DO ABDOME AGUDO
Todos as manobras emergenciais devem ser instituídas a fim de estabilizar as
funções vitais dos animais da forma mais rápida possível. O protocolo ABCD (ar,
boa respiração, circulação, deambulação) deve ser iniciado sempre que
identificada qualquer situação com risco iminente de óbito.

A suplementação de oxigênio e infusão de fluidos intravenosos a fim de corrigir


a hipovolemia, distúrbios ácido-base ou eletrolíticos e reestabelecer a perfusão
microcirculatória deve ser considerada. “Provas de carga” utilizando soluções
cristalóides (ringer lactato ou ringer acetato), são preferíveis na maioria dos
casos. A monitorização e reavaliação clínica utilizando métricas macro e
microcirculatórios são essenciais para guiar a terapia de reposição volêmica.

O uso de vasopressores deve ser instituído em pacientes com hipotensão


refratária à reposição adequada de fluidos intravenosos ou em casos de
hipotensão ameaçadora à vida (PAS <90mmHg no cão; PAS<100mmHg no
gato; PAM<65mmHg).

Inotrópicos positivos estão restritos a animais com disfunção sistólica e


normovolemia.

A analgesia é impreterível e não deve ser negligenciada. A classe dos opióides é


geralmente é a mais usada, porém técnicas de analgesia multimodais podem
ser necessárias para promover um bom controle da dor, em alguns casos.

De modo geral, os antiinflamatórios não esteroidais devem ser evitados até que
a etiologia seja esclarecida e a hemodinâmica do paciente reestabelecida.
Uma relação dos principais fluidos intravenosos e fármacos utilizados no
atendimento emergencial de cães e gatos com abdome agudo está descrita na
Tabela a seguir.
VIA DE
CLASSES DOSE
ADMINISTRÇÃO

INTRAVENOSOS
Dependente do
Ringer lactato Cristalóide IV
status perfusional

Dependente do
Ringer acetato Cristalóide IV
status perfusional

ANALGÉSICOS
25 mg/kg
Dipirona AINE SC/IM/IV
(cães e gatos)
4-6 mg/kg (cães) SC/IM/IV
Tramadol Opioide
1-2 mg/kg (gatos) SC/IM
0,2-0,4 mg/kg
Butorfanol Opioide SC/IM/IV
(cães e gatos)
0,1 mg/kg (cães) SC/IM/IV
Morfina Opioide 0,2-0,5 mg/kg (cães) SC/IM
0,05-0,1 mg/kg (gatos) SC/IM
0,5-1 mg/kg (cães)
Metadona Opioide SC/IM
0,3-0,6 mg/kg (gatos)

0,002-0,005 mg/kg
(cães)
IV
0,001-0,003 mg/kg
(gatos)
Fentanil Opioide
0,003-0,006 mg/kg/h
(cães)
IV em IC
0,002-0,003 mg/kg/h
(gatos)

0,006-0,01 mg/kg/h
IV em IC
(cães)
Remifentanil Opioide
0,004-0,006 mg/kg/h
IV em IC
(gatos)
VIA DE
CLASSES DOSE
ADMINISTRÇÃO

ANALGÉSICOS

Antagonista 0,5-1,0 mg/kg


Cetamina IV
NMDA (cães e gatos)

Antagonista 0,5-1,0 mg/kg


Dextrocetamina IV
NMDA (cães e gatos)

0,001-0,007 mg/kg
Dexmedeto- Alfa-2 (cães)
IV
midina Agonista 0,001-0,009 mg/kg
(gatos)

REVERSOR
Alfa-2 0,1-0,3 mg/kg
Atipamazole IM/IV
Agonista (cães e gatos)

VASOPRESSOR
0,0001-0,001 mg/kg/min
Noradrenalina Catecolamina IV em IC
(cães e gatos)

INOTRÓPICO
0,005-0,02 mg/kg/min
(cães)
Dobutamina Catecolamina IV em IC
0,002-0,01 mg/kg/min
(gatos)

Legenda: AINE = antiinflamatório não esteroidal l SC = subcutânea | IM = intramuscular | IV = intravenosa


IC = infusão contínua

As doses de analgésicos acima referidas podem apresentar variação de acordo


com a literatura consultada e a sua associação com outros fármacos.

Os fármacos de administração intravenosa (bólus) devem ser diluídos e a


aplicação deve ser realizada de forma lenta a fim de minimizar efeitos adversos.
Antibioticoterapia empírica deve ser administrada tão precocemente quanto a
sepse for diagnosticada e amostras de fluídos e sangue devem ser
encaminhadas para cultura e antibiograma de bactérias aeróbias e anaeróbias,
conforme recomendação forte da Surviving Sepsis Campaign (guideline sobre
o manejo da sepse e do choque séptico na medicina humana e também
utilizado como guia no manejo das mesmas síndromes em cães e gatos).

A escolha do fármaco deve considerar o provável foco de infecção e o agente


etiológico envolvido, além da condição clínica do paciente e perfil de
resistência bacteriana local.

Devido ao crescente número de infecções por fungos, a profilaxia é


recomendada para pacientes de alto risco. Os fatores de risco conhecidos são
cirurgia, peritonite nosocomial, perfuração do trato digestivo alto,
imunodeficiência, uso prolongado de antibióticos, insuficiência renal aguda e
acesso venoso central.
Uma vez realizada a estabilização clínica com a abordagem inicial de
emergência um histórico completo do animal deve ser obtido e os animais que
necessitam de tratamento cirúrgico devem ser encaminhados para o bloco
cirúrgico o mais breve possível.

Algumas situações nas quais a cirurgia de emergência é indicada estão listadas


na Tabela 4.

· Hemorragia abdominal incontrolável


· Pneumoperitôneo
· Presença de líquido ascítico contendo:
- Bactérias intracelulares ou predomínio de
neutrófilos tóxicos
- Material fecal ou vegetal
- Bilirrubina.
· Obstrução intestinal completa (corpo estranho ou
intussuscepção)
· Corpo estranho linear
· Lesão abdominal penetrante
· Evisceração
· Ferida de projéteis no abdômen
· Piometra
· Torção esplênica ou mesentérica

Por fim, naquelas situações nas quais todos os esforços foram insuficientes
para diagnosticar a etiologia do abdome agudo a laparotomia exploratória
deve ser indicada. Se ainda assim a causa não for elucidada de forma imediata,
uma amostra de bile deve ser coletada e biópsias do f ígado, trato
gastrointestinal, rins, pâncreas e linfonodos devem ser obtidas.
PROGNÓSTICO
Devido a enorme variabilidade de etiologias do abdome agudo, a
determinação de um prognóstico geral seria errônea. Sabemos porém, que
p a c i e n te s s é p t i c o s c o m d i s f u n ç ã o r e s p i r a t ó r i a o u c i r c u l a t ó r i a ,
imunossuprimidos, idosos e com comorbidades como câncer tem pior
desfecho.
agradecimentos
Eu vou ficando por aqui, mas antes
gostaria de agradecer você que
chegou até o final deste e-book e
deu um UP no seu conhecimento.
Espero, humildemente, ter
colaborado com o seu crescimento
profissional e desejo que você seja
muito feliz na sua trajetória!

Nos vemos por aí!

Para mais conteúdos imperdíveis


acesse:
@vet.scope
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