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Cartas Pedagógicas- Carta Pedagógica 3

Material para a disciplina Infância e Educação do corpo - 2020.2

CARTA 3
Carolina Picchetti Nascimento
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA UM carolina_picchetti@hotmail.com
CONCEITO DE MOVIMENTO CORPORALi Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Ciências da Educação
Departamento de Metodologia de Ensino

Falarmos em “movimento corporal” qual imagem concreta que vem na nossa


parece nos remeter, em um primeiro momento, cabeça? Ou... qual o significado ou sentido
a vermos uma “lista”, mais ou menos desse correr? Em última instância, correr,
inesgotável, de ações com o corpo: correr, chutar, saltar com qual objetivo?
saltar, arremessar, rastejar, rolar, trepar, Façamos um primeiro exercício
engatinhar, equilibrar, chutar, rebater. Por um analítico a partir de alguns movimentos
lado, é relevante conhecermos esses “nomes” e corporais destacados nas Figuras 1 a 4. Quando
existência dessas muitas possibilidades de comparamos as imagens 1 e 2 ou as imagens 3
movimentos corporais. Por outro lado, quando e 4 podemos dizer que estamos diante dos
falamos em “correr” ou “chutar” ou “saltar” mesmos movimentos corporais?

Figura 11 Figura 22

Figura 3.3 Figura 44

1
Disponível em http://negociol.com/p41739-pintura-limpeza-fachadasbalancinhorapel.html
2
Disponível em http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/06/rapel-e-futebol-americano-promovem-
virada-esportiva-em-sp.html
3
Disponível em http://cantodarola.blogspot.com.br/2010_06_01_archive.html
4
Disponível em http://www.culturamix.com/saude/esporte/coletivo/como-praticar-curling

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Cartas Pedagógicas
Disciplina Infância e Educação do Corpo- 2020.1 (semestre no meio da Pandemia)

Apesar de termos formas de respeito do motivo de tais atividades, bem como


“movimentos corporais” muito similares nas uma ideia dos objetivos que orientam as ações
imagens trazidas nas Figuras 1 e 2 (“descer pela corporais de “descer na corda” e de “esfregar o
corda”) e em 3 e 4 (“esfregar o chão com uma chão”.
vassoura”) observar os sujeitos em ação nas Entretanto, para as outras duas
imagens parece nos levar a crer, também, que, atividades (o rapel esportivo e o jogo de
a despeito da aparente similaridade na forma Curling), nossa possível falta de experiência e
externa dos “movimentos” estamos diante de conhecimento para com elas pode ter feito com
movimentos corporais diferentes. Mas a que, ao vermos tais imagens, não tivéssemos
pergunta que segue seria: o que permitiria muitas ideias sobre seus motivos e objetivos. E
falarmos em movimentos distintos mesmo sem compreendermos esses motivos e objetivos
estando diante de formas muito parecidas? Eis que efetivamente orientam o movimento
a resposta inicial: o que muda são os objetivos daqueles sujeitos, as ações de “esfregar o chão”
que orientam esses sujeitos a “descer pela ou mesmo “descer pela corda” parecem carecer
corda”, em um caso, e a “esfregar o chão”, no de sentido.
outro, que mudam a atitude dos sujeitos ao No jogo de Curling, por exemplo,
realizar “um mesmo” movimento corporal. “esfrega-se” o chão de gelo como um meio de
Apenas olhando as imagens talvez não controlar a direção e velocidade do disco,
sejamos capazes, ainda, de reconhecer quais fazendo-o aproximar-se o máximo possível do
objetivos são esses. Mas com o auxílio de uma alvo almejado (o centro de pontuação ou a peça
“legenda”, ou explicação das atividades da outra equipe). Esse movimento de esfregar o
representadas nas imagens, podemos ter mais chão visa contribuir para criar uma situação de
elementos para nossas discussões e hipóteses: oposição para a outra equipe ou superar a
Figura 1: pintura de edifício; Figura 2: rapel oposição imposta pela outra equipe através das
esportivo; Figura 3: limpeza de chão; Figura 4: peças do jogo.
jogo esportivo “Curling”. No caso do Rapel esportivo, “desce-se”
Os movimentos corporais, sendo muito por uma a corda de um prédio alto como um
similares na forma externa, são realizados a meio para testar as próprias destrezas corporais
partir de motivos e objetivos distintos: o e buscar desafios cada vez maiores em relação
trabalho em um caso (Figuras 1 e 3) e o esporte ao domínio das próprias ações corporais.
em outro (Figuras 2 e 4). Podemos dizer, então, Assim, podemos dizer que um
como uma primeira síntese, que os movimentos movimento corporal “descolado” de seu motivo
corporais são diferentes em virtude daquilo que e de objetivo é um movimento abstrato, porque
não aparece imediatamente nas imagens, isto é, o movimento humano existe sempre em relação
distinguem-se pelo motivo2 da atividade, e que à uma atividade concreta na qual o sujeito
passa a orientar a relação do sujeito com o toma parte. Retomando aquela “lista” de
movimento corporal. movimentos (correr, saltar, arremessar,
O motivo de uma atividade não pode rastejar, rolar, trepar, engatinhar, equilibrar,
mesmo ser captado em uma foto. O que chutar, rebater) parece importante
acontece é que se já nos apropriamos desses perguntarmos: quais objetivos orientam esses
motivos, podemos “vê-los” nas imagens movimentos corporais do sujeito? E como nós,
representadas. Este, provavelmente, foi o caso, professores e professoras, muitas vezes
para a maioria de nós, em relação às imagens organizamos esses motivos de forma não
vinculadas ao trabalho. “Pintar o prédio” e intencional (“vamos ver quem chega primeiro?!
“limpar o chão” são atividades para as quais “Vamos ver quem pula mais alto!?).
temos uma bagagem cotidiana bastante sólida e Para finalizar essa carta e essa primeira
um conhecimento relativamente preciso a reflexão sobre o conceito de movimento

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corporal façamos a seguinte consideração: O nosso trabalho pedagógico, não basta


movimento corporal aparece e se realiza em simplesmente criarmos situações para que as
TODAS as instâncias do trabalho pedagógico3, crianças “movimentem-se muito” ou “mexam-
posto que, como vimos brevemente em nosso se”. É preciso orientarmos de forma consciente
exercício de análise das imagens, o movimento os objetivos e os sentidos desse se movimentar.
não é outra coisa senão o próprio sujeito em Eis nossa afirmação para estudo sobre o
atividade (orientado por objetivos). Assim, para “movimento corporal”: nós não ensinamos as
o nosso fazer pedagógico, o que importa é crianças a “se movimentarem”, mas
reconhecermos a qualidade desses ensinamos uma determinada relação com os
“movimentos”, isto é, os motivos e objetivos movimentos corporais. Seguimos pensando
que organizam a atividade na qual o movimento sobre essa ideia ou posição pedagógica!
aparece. Sendo assim, do ponto de vista de

i
Essa carta foi construída a partir do capítulo “Cultura Corporal da Proposta Curricular de Bauru. Pasqualini, Juliana
Campregher. (Org.). Proposta pedagógica da educação infantil do sistema municipal de ensino de Bauru. 1ed.Bauru:
Secretaria Municipal de Educação, 2016, v. 1, p. 199-241.
2
Consultar texto de Charlot a respeito do conceito de motivo ou móbile. O ‘filho do homem’: obrigado a aprender
para ser (2000)
3
Podemos nos remeter, também, ao texto de Alexandre Vaz: VAZ, Alexandre. Aspectos, contradições e mal-entendidos
da educação do corpo e a infância, 2002.

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