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Mircea Eliade: “O Sagrado e

o Profano”
Mircea Eliade na sua obra estuda a forma como estas categorias permitem
estruturar e organizar espaços e temporalidades distintas que moldam a
organização social (caos e ordem).

O autor põe em evidência a experiência religiosa e o modo como esta surge


na existência do homem, desde a primitividade até aos tempos modernos, e
a sua forma de estar e ser no Mundo em duas realidades concetuais opostas,
sagrado e profano, mas que coexistem, uma vez que de certa forma esta
dualidade se interliga, conferindo sentido à vida das pessoas, práticas e atos
do quotidiano.

O sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no


mundo, duas situações existenciais assumidas pelo homem ao longo da sua
história, sendo que a primeira definição que se pode dar ao sagrado é que
ele se opõe ao profano.” (Eliade, 1992:13).

Sagrado: diz respeito à existência de uma transcendência que extrapola os


quadros da realidade
Sagrado: diz respeito à existência de uma transcendência que extrapola os
quadros da realidade
imediatamente visível e sensível mas que se manifesta na ordem natural
como hierofanias. É tudo aquilo que divinizamos ou está relacionado ao
divino, foco de respeito, veneração e até
mesmo de adoração.
Profano: é na aceção tudo o que opõe ao sagrado e por ordem lógica se
relaciona ao Mundo
Profano: é na aceção tudo o que opõe ao sagrado e por ordem lógica se
relaciona ao Mundo
com as práticas quotidianas que não se relacionam com a divindade ou
divindades e também todo o ato de violação das coisas sagradas.

A ideia de modernidade onde a sociedade atual cada vez mais secularizadas


(onde a religião diminuiu a sua influência cultural como fator agregador)
perpassa o entendimento de que o
homem moderno adotou uma vida profana, não corresponde á realidade
aparecendo como perspetiva recente na trajetória do pensamento humano,
uma vez que a dessacralização se deve
entender como as práticas do homem não religioso nas atuais sociedades.

- Ac

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1- A relação sagrado e profano - Mircea Eliade

Na sua obra o autor coloca em evidencia a experiência religiosa e o


modo como esta surge na existência do homem, deste os tempos
primitivos ate aos dias de hoje, bem como a maneira de estar no
mundo em duas realidades conceptuais, o sagrado e o profano.
Para Eliade o sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser
no mundo, sendo o sagrado tudo aquilo que divinizamos ou está
relacionado ao divino (veneração, adoração) e o profano é todo o ato
de violação das coisas sagradas, é tudo o que se opõe ao sagrado e
por ordem lógica se relaciona ao mundo com as práticas quotidianas
que não se relacionam com a divindade. A primeira experiência
religiosa do Homem é a manifestação do sagrado, ou seja, é a sua
oposição ao profano. Assim Eliade defende que o sagrado é em
primeiro lugar diferente do profano, pois ele já se mostra como algo
diferente. Sendo assim temos duas modalidades de experiência a
sagrada e a profana, ou seja, dois modos de ser no mundo.
A partir destes dois modos de ser no mundo, Eliade relaciona a
manifestação do sagrado (experiência religiosa) como fundante para a
experiência do mundo como mundo.
Eliade na sua obra faz uma análise sobre o espaço e tempo e conclui
que o espaço para o homem religioso, não é um espaço homogéneo,
existindo diferenças entre o espaço sagrado e não sagrado. Assim, se
constitui dois tipos de espaço – o sagrado – que é real e que existe, e
o profano – com o resto e extensão. Quanto ao tempo, para o homem
religioso também se apresenta de forma heterogénea, com intervalos
- O tempo sagrado e o tempo profano. Eliade recorre a temporalidade
para fazer a diferença entre a história sagrada e a história. Para um
religioso a história sagrada é constituída por mitos e pela sua
reactualização, o que não ocorre no tempo histórico – profano – que
está ligado a acontecimentos contínuos, com início e fim.
Também é através da sua obra que faz uma descrição comparada das
religiões e tenta demonstrar a origem e a evolução da mesma,
defendendo a tese de que a ciência da religião é uma disciplina
autónoma e tem como objeto a analise dos diversos elementos das
diversas religiões. Sendo a antropologia a ciência que estuda o homem
em todas as suas dimensões, a religião esteve sempre presente como
tema nos estudos epistemológicos.
Para além de nos apresentar na sua obra um pequeno histórico do
desenvolvimento da historia do estudo da religião, expões também a
abordagem na qual Eliade e alguns historiadores elegem como método
de se estudar a religião, fazendo a analise da postura de dois
historiadores da religião em duas abordagens metodológicas: uma que
se concentra nas estruturas especificas dos fenómenos religiosos e
outra pelo contexto histórico de fenómenos religiosos.
Para demonstrar a sacralidade do mundo e da natureza, Eliade dá
exemplos simbólicos com o céu, a terra, a água, a mulher, a árvore,
estes símbolos são símbolos primordiais que aparecem de imediato
numa análise da Natureza como natureza sagrada.
Numa sociedade moderna e atual cada vez mais secularizada (onde a
religião diminui a sua influência cultural como fator agregador), fica o
pensamento que o homem moderno adotou uma vida profana, não
corresponde a realidade, uma vez que a dessacralização se deve
entender como as praticas do homem não religioso nas atuais
sociedades.

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3 - A origem das religiões (Obadia, 2011);

Antropologia é a ciência que estuda o Homem em todas as suas


dimensões, do contato com a alteridade. A religião sempre esteve
presente como tema nos estudos antropológicos. A antropologia auxilia
a ciência da religião no que se refere à discussão dos aspetos
simbólicos que envolvem o fazer religião no interior das sociedades
humanas, tendo por excelência o estudo de elementos básicos das
religiões como o ritual, a mitologia e o sistema de crenças em geral.
A Antropologia das Religiões nasceu nos finais do Séc. XIX e foi
designada como a “antropologia académica”. As diferentes
manifestações de religião eram relatadas por testemunhos de
geógrafos, exploradores, etc através da observação de religiões
longínquas. A religião foi um elemento fundamental para o
reconhecimento do estatuto dos povos não europeus (não cristã). As
constantes dúvidas sobre a existência ou não de religião, permitiram
que através da expansão colonial europeia no sec. XIX houvesse uma
recolha de informação sobre os diversos sistemas religiosos,
beneficiando o desenvolvimento dos estudos antropológicos.
O estudo antropológico das religiões não se baseou na intensa busca
de uma definição mais precisa do conceito religioso, sendo os rituais,
mitos, símbolos e crenças características das religiões particulares que
foram estudadas e que ganharam um estatuto de objeto de estudo.

A religião é um aspeto universal da cultura e, juntamente com a magia,


tem despertado o interesse de vários cientistas, desde o século
passado. Todas as populações estudadas pelos antropólogos
demonstraram possuir um conjunto de crenças em poderes
sobrenaturais de alguma espécie A antropologia da religião envolve o
estudo das instituições religiosas em relação a outras instituições
sociais, e da comparação de crenças e práticas religiosas em diferentes
culturas. O estudo da Antropologia da Religião procura não apenas
refletir sobre o fenómeno religioso, mas também uma compreensão do
ser humano presente em tais manifestações culturais e religiosas. Com
isso pretende-se contribuir para a construção de uma civilização
alternativa que se fundamente nos grandes valores da verdade, da
bondade, da beleza, da justiça, do amor, da solidariedade.
Não existe uma definição única para o conceito de religião. Desde os
primitivos que se procura explicar tudo o que está para além da
compreensão dando poderes a seres sobrenaturais, os fenómenos
naturais serviam de avisos como aprovações ou reprovações das suas
ações. Com isto o homem sentiu necessidade de questionar a sua
existência e a sua morte.
Os primitivos argumentavam que as religiões seriam uma forma de
explicar aquilo que para o homem era inexplicável e dando a garantia
que a ciência progredisse, o espaço para a religião seria cada vez
menos, até deixar de ser “precisa”. Contudo o que se verificou foi o
contrário. Para a antropologia das religiões a posição só pode ser uma
das religiões existem, são um facto incontornável, têm a maior
importância no destino das sociedades que as adotam e são, por outro
lado, mais ou menos influenciadas pelas culturas das sociedades.
(inculturação).
O elemento comum a todas as religiões é o facto de as mesmas
procurarem um sentido para a vida e um significado para a morte. O
Homem é o único animal que cuida dos seus mortos, a forma de o fazer
varia de cultura.
A maioria da Humanidade confessa uma religião, seja ela qual for,
existem pessoas que são agnósticos (indiferentes à questão religiosa),
ou mesmo ateus (posição claramente contraria a qualquer religião).
Com o estudo comparado das religiões, tem-se verificado a existência
de “religiões sem Deus” como o caso do Budismo, o que levou à revisão
do conceito, em busca de um denominador comum que permitisse
abordar todas as religiões conhecidas. Todas as religiões procuram
encontrar um sentido para a vida e um significado para a morte.
Obadia fala-nos de uma multiplicidade de definições possíveis de
diversos autores, mas alega que os antropólogos acabaram por seguir
as definições de dois grandes autores. Por um lado, o conceito de Tylor
que defende e diz que o animismo seria universal e o primeiro estágio
do processo evolutivo daquilo que viria a tornar-se a religião. Os
primitivos mesmo não acreditando em Deuses, atribuía os fenómenos
naturais à intervenção dos espíritos “bons e maus”. Quando vivem a
experiência da morte e da doença leva o primitivo a imaginar que
existe um ser espiritual. Com a evolução das culturas, o animismo deu
lugar ao politeísmo e depois ao monoteísmo. Sendo assim para Taylor
a religião é crença em seres sobrenaturais ou espiritualizados, num
gradiente evolutivo haveria desde a crença animista até à formulação
mais sofisticada do divino.
Por outro, Émille Durkheim, defende a ideia do sagrado, em oposição
do profano, que evidencia o religioso. Para Durkheim a religião e suas
cerimónias cumprem um papel social ao colocar várias pessoas
coletivamente em uma celebração. Ele considera a religião um dos
sistemas sociais mais importantes. São estes ideais que compõe uma
sociedade e não somente um grupo indivíduos agregados em condições
materiais, sendo o ideal moral um dos principais.
Outros autores como Marcel Mauss, define religião como conjunto de
crenças e ritos, discursos e atos, definição essa bastante abrangente e
inclusiva, mas que permite delinear os contornos de um sistema
religioso ou outro sem reduzi-los a um lugar como. Já Clifford Geertz
defende que a religião para ele é um sistema de símbolos e a
possibilidade de estudo se dá por uma via hermenêutica e semiótica.
Procura focar no que a religião representa para seus autores e como
ela estabelece a nossa própria noção de realidade. Não fala de
sobrenaturalidade ou divindade, muito menos em sagrado. Para
finalizar Danièle Hervieu–Léger sociólogo das religiões, entende que
para a sociologia a religião pode ser definida em termos de hierofanía,
lugares sagrados, prática religiosa ou participação no culto.

4 - Antropologia da religião e história (Asad, 2011);

Asad defende que não é possível apresentar uma única definição de


religião, pois os seus constituintes e as suas ligações são construídas
ao longo da história e a sua definição é um produto histórico que
resulta das práticas discursivas, contrariamente a Geertz que defende
que o estudo antropológico da religião é uma intervenção em dois
estádios, sendo o primeiro uma análise do sistema de significados
integrados nos símbolos que formam a religião e o segundo é o
relacionamento desse sistemas aos processos socio-estruturais e
psicológicos.
Faz uma análise do que era considerado religião na época cristã
medieval e o que é considerado religião numa sociedade moderna. A
igreja medieval procurava submissão e uma autoridade unifocada
como se de uma autêntica e única se tratasse, os seus discursos
autoritários, os seus ensinamentos e as suas práticas decorrem de

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grande preponderância. Nesta época o poder religioso tinha um peso
muito grande numa sociedade pois era diferente tanto nas categorias
do conhecimento quanto no que disponibilizava.
Com o aparecimento das sociedades modernas e da ciência existiu a
necessidade da fazer a diferença do que é religioso e do que é secular,
direcionando para o individuo crente o compromisso com a religião
através da sua crença e motivação.
Uma das apreensões de Asad com a presença da religião na esfera
publica das sociedades é por ser marcada por um pluralismo religioso
e cultural, mencionando que a ciência (teoria) e a tecnologia (aplicação
pratica) são essenciais juntas para a organização das vidas modernas
e que uma religião não é vazia.
Nos primeiros seculos o povo Grego e o Romano foram os primeiros a
sistematizar os pensamentos religiosos surgindo a fusão da filosofia
grega ao cristianismo. Com a expansão europeia pelos continentes
levou a religião ocidental pelo mundo.
Até fim da Idade Média a Igreja Católica conquistou e manteve grande
poder económico, político, jurídico e social. Novos pensamentos
surgiam através do homem renascentista que tinha mais acesso a
livros e informação de todo o mundo, fazendo o confronto com
pensamentos e teorias já existentes.
Asad defende que a secularização, que é o processo pelo qual a religião
deixa de ter influência sobre a vida social, não é decisiva para a
consubstancialização da modernidade.
Com a globalização começamos a ter num só espaço várias culturas e
religiões o que por vezes poderá originar conflitos. Atualmente existem
várias religiões, espalhada por todo o mundo, mas as três que têm
mais fiéis são o Cristianismo, o Islamismo e o Hinduísmo.
Através do estudo comparado das religiões, ciência moderna, verificou-
se a existência de religiões sem deus como é o caso do Budismo, o que
levou à revisão do conceito em busca de algo em comum com vista a
permitir abordar todas a religiões.
A propagação da religião demonstrou estar compatível nos dias de
hoje

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5 - Religião e colonialismo (Mbembe, 2013)

O cristianismo em Africa, está profundamente ligado à violência e ao


conflito entre negros, persistindo um relacionamento entre tradições
pré-coloniais e tradições cristãs clássicas. Na colonização os factos
culturais foram colocados no âmbito da selvajaria e do primitivismo.
No período pós-colonial procurou-se resgatar a tradição africana. É
notório um processo de inculturação da fé católica, onde o cristianismo
e a inteligência africana se influenciam.
Perante este paradigma a teologia afasta-se da história, ou seja, o
pretendido é passar por provas que constituem o património cultural
africano, através da inteligência e racionalidade. Com a justificação de
“inculturalizar”, o cristianismo não é possível excluir os espaços-
tempos que se confrontam.
As práticas ancestrais são construções históricas que têm por base
formas de dividir o espaço, um ficar, existir e de relações de poder,
resultado das relações de força nas sociedades ancestrais.
A “cultura africana” estabelece categorias de perceção de como os
grupos estruturam o espaço social. A compreensão do uso de
simbolismos ancestrais está ligada ao conflito e luta pela sobrevivência.
A experiência diária dos negros com conotações demasiadamente
negativas (trafico, colonização, humilhação, morte, doença, etc.)

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explicam a recorrência aos rituais que demarcam a cultura africana e
explicam a sua luta constante colonial onde vigoram desigualdades e
onde muitos são excluídos da redistribuição de bens

O conceito de religião é um conceito ocidental forjado no ambiente cultural


e linguísticodo cristianismo. Existem duas grandes definições de religião:

E.Tylor estabelece como critério principal da sua definição de religião a


existência de entidades personalizadas que são os espíritos e de uma forma
mais sofisticada que é o Divino. E. Durkheim é a ideia do sagrado que se
revela central na definição de religião.
O lugar da religião na Antropologia admite variações de interesse,
peso científico, centralidade nos objectos da disciplina.

O TEMPO SAGRADO E OS MITOS – MIRCEA ELIADE


DURAÇÃO PROFANA E TEMPO SAGRADO

O tempo para o homem religioso nem homogéneo nem contínuo. Há por um


lado os intervalos de Tempo sagrado, o tempo das festas; por outro lado o
Tempo profano. Entre esses dois tempos existe continuidade, mas por meio
de ritos o homem religioso passa da duração temporal ordinária para o
Tempo sagrado. O Tempo sagrado apresenta-se sob o aspecto de um
Tempo circular, reversível e recuperável, espécie de eterno presente
mítico. O homem religioso recusa-se a viver unicamente do presente
histórico, esforça-se por voltar a um Tempo sagrado que pode ser
equiparado à eternidade. Para o homem não religioso também existe um
tempo descontínuo, entre o tempo do trabalho e o tempo do lazer. Também
vive em ritmos temporais diferentes como quando escuta
sua música favorita ou espera pela pessoa amada , experimenta um tempo
diferente de quando trabalha ou se entedia. Mas em relação ao
homem religioso, ele conhece intervalos que são sagrados, o tempo
sagrado é primordial, santificado pelos deuses.
Para o homem não religioso o tempo não pode apresentar nem rotura nem
mistério, constitui a mais profunda dimensão existencial do homem, está
ligado à sua existência, portanto tem um começo e um fim que é a morte, o
aniquilamento da existência. Para o homem religioso, a duração temporal
profana pode ser parada por meio de ritos.

TEMPLUM-TEMPUS
O termo mundo é igualmente utilizado no sentido de Ano, em
algumas línguas das populações aborígenes da América do Norte. O
Cosmos é concebido como uma unidade viva que nasce, desenvolve-se e
extingue-se no último dia do ano, para renascer no dia do Ano Novo. A
correspondência cósmico temporal é de natureza religiosa.
Templum exprime o espacial, tempus o temporal. O conjunto desses dois
elementos constitui uma imagem circular espaço-temporal. O templo é
um lugar santo por excelência e a imagem do mundo, ele santifica o
cosmos como um todo e a vida cósmica. Para o homem religioso das
culturas arcaicas, toda criação, toda existência começa no tempo: antes que
o Cosmos viesse à existência, não havia tempo cósmico. Antes de uma
espécie vegetal ter sido criada, o tempo que a faz crescer, dar fruto e perecer
não existia. É por esta razão que toda a Criação é imaginada como
tendo ocorrido, no começo do tempo.

REPETIÇÃO ANUAL DA COSMOGONIA

O ano novo é uma ritualização da cosmogonia, a restauração do tempo


primordial, puro, aquele que existia no momento da Criação. É por essa
razão que por ocasião do Ano novo se procede a purificações e à expulsão
dos pecados, dos demónios ou de um bode expiatório. Não é apenas a
cessação de um intervalo temporal e do inicio de outro mas também a
abolição do ano passado e do tempo decorrido. A cosmogonia é a suprema
manifestação divina.

REGENERAÇÃO PELO REGRESSO AO TEMPO ORIGINAL


Visto que o tempo sagrado é o tempo da Origem, o homem religioso
esforçar-se-á a por voltar a unir-se periodicamente a esse tempo original.
Essa reactualização ritual está na base de todos os calendários sagrados:
a festa não é a comemoração de um acontecimento mítico mas sim sua
reactualização.
O mito cosmogónico serve aos polinésios de modelo para todas as
criações em qualquer plano: biológico, psicológico, espiritual. A vida
não pode ser reparada mas somente recriada pela repetição simbólica da
cosmogonia. Quase todos os rituais de cura evocam o começo, quando o
mundo ainda não existia, segue-se a cosmogonia a aparição das serpentes e
conta-se de seguida o aparecimento do primeiro curandeiro e a aparição
dos medicamentos. Nas práticas de cura dos povos primitivos o
medicamento só alcança eficácia quando se evoca na presença do doente a
origem dele. Ex: dor de dente, têm de evocar a criação do mundo, o
nascimento do verme e da doença e a cura.

O TEMPO FESTIVO E A ESTRUTURA DAS FESTAS


A reactualização periódica dos atos criadores efectuados pelos seres divinos
constitui o calendário sagrado, o conjunto das festas. Uma festa desenrola-
se sempre no tempo original. A reintegração deste tempo original e sagrado
que diferencia o comportamento humano durante a festa daquele de antes e
depois. O homem religioso crê que vive num outro tempo durante a festa.
O tempo festivo que se vive durante as cerimónias é caracterizado por
certas proibições (tabu): nada de ruido, jogos ou danças. Assim,
periodicamente o homem religioso torna-se contemporâneo dos deuses,
visto que reatualiza o tempo primordial no qual se realizaram as
obras divinas. As festas religiosas voltam a ensinar os homens a
sacralidade dos modelos. Os participantes da festa saem do seu tempo
histórico e reúnem-se no tempo primordial, que é sempre o mesmo, que
pertence à eternidade. Para o homem religioso, o tempo sagrado é que torna
possível o tempo ordinário, a duração profana em que se desenrola
toda a existência humana. Na festa, reencontra-se a dimensão sagrada da
vida, experimenta-se a santidade da existência humana como criação divina.

TORNAR-SE PERIODICAMENTE O CONTEMPORANEO DOS


DEUSES
Restabelecer o tempo sagrado da origem equivale a tornarmo-nos
contemporâneos dos deuses, portanto a viver na presença deles. O tempo
mítico é um tempo santificado pela presença divina e o desejo de viver
na presença divina e num mundo perfeito corresponde à nostalgia de
uma situação paradisíaca. Pode dizer-se que o homem religioso,
sobretudo o das sociedades primitivas é por excelência um homem
paralisado pelo mito do eterno retorno.

MITO=MODELO EXEMPLAR
O mito conta uma história sagrada, um acontecimento primordial que
teve lugar no começo do tempo. As personagens dos mitos são deuses ou
heróis civilizadores. O mito é a narração daquilo que os deuses ou seres
divinos fizeram no começo do tempo, uma
vez revelado, funda a verdade absoluta. É evidente que se trata de
realidades sagradas pois o sagrado é real por excelência, participa do
Ser. O que se faz sem modelo mítico pertence à esfera do profano e é
irreal. O mito revela a sacralidade absoluta porque relata a actividade
criadora dos deuses, desvenda a sacralidade da obra deles. A função mais
importante do mito é fixar os modelos exemplares de todos os ritos
actividades humanas significativas, o homem imita os gestos exemplares
dos deuses, repete as acções deles, quer se trate de uma função
fisiológica ou uma actividade social, económica, etc. A repetição fiel dos
modelos divinos têm um duplo significado: por um lado ao imitar os deuses,
o homem mantém-se no sagrado e na realidade; por outro lado, graças a
reactualização ininterrupta dos gestos divinos exemplares, o mundo é
santificado. O comportamento religioso dos homens contribui para manter a
santidade do mundo.

REATUALIZAR OS MITOS
O homem religioso assume uma humanidade que tem um modelo
trans humano, transcendente, só se reconhece verdadeiramente homem
quando imita os deuses, os heróis civilizadores ou antepassados míticos e
também se considera feito pela história, mas pela história sagrada
revelada pelos mitos. Para os povos paleocultivadores o essencial
consiste em evocar periodicamente o acontecimento primordial que fundou
a condição humana actual e o homem deve evitar esquecer-se o que
se passou illo tempore, rememorar o acontecimento mítico. Existem
histórias divinas trágicas: O canibalismo ritual baseia-se nisso: não
deve esquecer-se o que aconteceu no illo tempore, a planta alimentar
não é dada pela natureza, é produto de um assassínio, sendo o canibalismo
aceite para assegurar a vida das plantas, o canibal assume a sua
responsabilidade no mundo, sendo um comportamento cultural, baseado
numa visão religiosa da vida. Para que a vida vegetal possa continuar tem
de matar e ser morto. É preciso ter em mente que o canibalismo foi fundado
por seres divinos, com o objectivo de permitir aos homens que assumissem
uma responsabilidade no Cosmos, para velar pela continuidade da vida
vegetal, sendo uma responsabilidade de ordem religiosa. O homem
religioso queria e acreditava imitar seus deuses mesmo quando se
deixava arrastar a acções com laivos de loucura, vileza e crime.

Pierre Sanchis: “Desencanto


e formas contemporâneas do
religioso”
As questões trazidas a debate por Sanchis mais do que pretenderem dar
resposta à dualidade entre desencanto - secularidade e formas
contemporâneas de religiosidade, constituem matéria de reflexão para uma
discussão atual e pertinente.
As transformações sociais verificadas, fruto da descolonização, do êxodo
para as cidades, do desenvolvimento tecnológico de pessoas e ideias,
transferiram o campo de estudo do “primitivo” religioso para o
moderno/contemporâneo que se pressuponha menos religioso.
Verifica-se, no entanto, que a globalização e a “modernidade” não
esgotaram, nem estagnaram, a diversidade de manifestações religiosas,
assistindo-se atualmente a reinvenções de fenómenos.

A Antropologia das Religiões volta a ganhar campo de investigação


nas sociedades contemporâneas com o desafio acrescido de corelacionar
“tradição” e “modernidade”, ou seja, debruçar-se sobre as transformações
nas chamadas religiões tradicionais e no advento de novas formas de
religiosidade, e as implicações sociais, económicas e políticas que estas
acarretam.
O autor levanta uma série de questões que equacionam o papel do
desencanto nas formas contemporâneas do religioso. Ao contrário do
defendido pelas teorias da secularização, as práticas religiosas continuam
a constituir parte fundamental da vida dos indivíduos.
Sanchis afirma, que é visível existirem modificações no que se denomina de
religião, e condensa este processo transformativo em três eixos ou direções:
Diferenciação – autonomização das instituições (antes submetidas à
religião) e independência
Diferenciação – autonomização
das instituições (antes
submetidas à religião) e
independência
dos princípios legitimadores das intervenções sociais;
Racionalização ou desencantamento – tanto nas esferas social como
privada, a razão passa a
Racionalização ou desencantamento – tanto nas esferas social como
privada, a razão passa a
comandar ações e comportamentos, em detrimento do antigo
ascendente da magia e do mistério;
Mundanização – a religião passa a rivalizar com outras áreas do saber,
como a economia, a
Mundanização – a religião passa a rivalizar com outras áreas do saber,
como a economia, a
politica, a estética, etc. na apreensão intelectual da realidade.

Refere, por outro lado, posições contrárias na defesa das duas dinâmicas no
que concerne, por exemplo, ao surgimento de manifestações religiosas
contemporâneas, ao pluralismo religioso,
e à secularização. Também na área das ciências sociais existe campo para
articulação entre o “desencanto” a que foi sujeito o processo de
amadurecimento enquanto ciência, e eventual “reencantamento”. O
pluralismo religioso impera nas sociedades contemporâneas.”

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