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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Escola Superior de Educação Física

Curso de Fisioterapia

Tratamento com Exercícios Dinâmicos em Formato de Circuito em um


Paciente Adulto com Agenesia Parcial do Corpo Caloso

Julia Braga Dias

Gabriela Krause da Silva

Pelotas, 2023
Tratamento com Exercícios Dinâmicos em Formato de Circuito em um
Paciente Adulto com Agenesia Parcial do Corpo Caloso

Resumo

O corpo caloso (CC) é uma estrutura do encéfalo que transmite informações


e sinais pelos dois hemisférios, permitindo assim comunicação de um lado ao outro.
Alguns indivíduos podem apresentar uma anormalidade chamada agenesia do
corpo caloso (ACC), que é uma condição onde existe a falta dessa estrutura que
pode ser parcial ou completa. Assim, os pacientes que possuem essa anormalidade,
normalmente apresentam alterações de força, equilíbrio, coordenação motora,
aumento de tônus e déficit cognitivo com hiperatividade. O objetivo deste artigo é
desenvolver um plano de tratamento com exercícios dinâmicos em formato de
circuito, destinado a um paciente adulto com ACC parcial. O paciente do presente
estudo de caso é um adulto de 34 anos, do sexo masculino, com agenesia do corpo
caloso parcial (apenas mínima porção anterior dessa estrutura). Nesse sentido, foi
realizado um tratamento em formato de circuito, com uma série de estações de
trabalho, contendo exercícios de força, equilíbrio, coordenação, alongamentos,
propriocepção e estímulos posturais. Esse tipo de tratamento é uma abordagem
eficaz para garantir uma participação bem-sucedida de um indivíduo com ACC
parcial nas atividades propostas, no qual permitiu que o paciente se envolvesse em
diversas atividades que exigiam diferentes habilidades motoras e cognitivas, o que
contribuiu para o desenvolvimento de uma gama mais ampla de competências.

Palavras-chave: Agenesia. Fisioterapia. Circuito.


Introdução

O corpo caloso (CC) é uma importante estrutura do encéfalo que transmite


informações e sinais pelos hemisférios, permitindo assim comunicação de um lado
ao outro. Seu desenvolvimento final no embrião ocorre por volta de 20 semanas, de
forma craniocaudal. Sua sequência de desenvolvimento é importante pois pode
apontar anormalidades como a agenesia do corpo caloso (ACC), uma condição
heterogênea que pode ser causada por distúrbios cromossômicos, infecciosos,
vasculares ou tóxicos. (SANTO, et al., 2012) (FILOMENA, et al., 2020)

ACC é uma das anomalias cerebrais congênitas mais comuns, com prevalência
estimada variando de 1,8 por 10.000 na população em geral, a 230-600 por 10.000
em crianças com deficiências do neurodesenvolvimento (FRANCESCO, et al.,
2016). Anomalias cromossômicas são encontradas em 5% das crianças com ACC
Isolado, mas em até 18% dos fetos quando a ACC é associada a outras anomalias
do SNC e extra-SNC. Podendo ser completa (ausência de todos os componentes)
ou parcial (presença de um pequeno remanescente), sendo que disgenesia e
hipogênese (desenvolvimento incompleto) também se referem a ACC parcial. Nesse
sentido, ACC parcial envolve a porção anterior, geralmente é devido a um evento
disruptivo (como evento vascular ou causa infecciosa). Por outro lado, se a porção
posterior estiver ausente, pode sugerir uma parada no desenvolvimento. (SANTO, et
al., 2012)

Os pacientes que possuem essa anormalidade, normalmente apresentam


alterações de força, equilíbrio, coordenação motora, aumento de tônus e déficit
cognitivo com hiperatividade. O objetivo deste artigo é desenvolver um plano de
tratamento com exercícios dinâmicos em formato de circuito, destinado a um
paciente adulto com ACC parcial, para mantê-lo com foco nas atividades propostas
e obter os efeitos benéficos que o exercício proporciona.

Métodos

Esse estudo de caso foi realizado na Associação de Pais e Amigos de Jovens


e Adultos com Deficiência (APAJAD), pelo curso de Fisioterapia da Universidade
Federal de Pelotas (UFPEL), no período de 10 de fevereiro a 24 de março de 2023.
O paciente do presente estudo de caso é um adulto de 34 anos, do sexo masculino,
com agenesia do corpo caloso parcial (apenas mínima porção anterior dessa
estrutura), associada a alteração gênica cromossômica (46, xy, 21q+). Apresentou
uma gestação normal, porém o nascimento ocorreu prematuramente, 20 dias antes
do previsto, por falta de líquido amniótico, o diagnóstico aconteceu aos seis meses
de idade. Posteriormente, foi descoberto escoliose cervical congênita de
convexidade direita e cervico-dorsal convexa à esquerda. Além disso, presença de
hemi-vertebras C7-T1, com ausência da primeira costela direita, aliado a isso,
calcâneos com inversão, em especial a direita, concluindo pés planos valgos.
Ocorreram quadros de convulsões aos 3 anos e desde então é controlada com uso
de medicamentos. Aos 16 anos realizou cirurgia para colocação de hastes e pinos
na coluna vertebral por conta do avanço da escoliose. Dessa forma, começou a
apresentar alterações de equilíbrio e desenvolver uma postura cifótica. Ademais,
apresenta alterações na fala e visão, audição preservada e, atualmente,
comunica-se através de sons e gestos.

Nesse contexto, realizou-se avaliação de diversos componentes, como o equilíbrio,


pelos testes Romberg e Romberg-Barré, apresentando-se ambos positivos. Além
disso, a função muscular através de manobras deficitárias onde observou-se
Mingazzini MMSS e MMII positivo. A coordenação motora avaliada através do teste
index-index, index-nariz, index-dedo do terapeuta e calcanhar-joelho, tendo como
resultado 1, mostrando que o paciente completou a tarefa com alteração da
velocidade e/ou pouca destreza. A marcha observada com mínima flexão de quadril
e joelho na fase de balanço, dorsiflexão ausente na fase de apoio, valgo de joelho e
passos curtos. Através da escala de Ashworth modificada, observou-se grau 1
(aumento do tônus no final do movimento).

Já na avaliação postural, foi observado hipercifose torácica com gibosidade e


inclinação lateral à esquerda, evidenciando sua escoliose. Transferência de
ortostase para sedestação na cadeira necessita de auxílio dos membros superiores,
de ortostase para o colchonete no solo não realiza o movimento de agachamento
por conta de fraqueza da musculatura envolvida, necessitando de ajuda do
terapeuta. Com base nos resultados das avaliações foi criada a intervenção com
exercícios em formato de circuito.
Resultados

A intervenção foi realizada durante 6 semanas, com sessões 1 vez por


semana, em torno de 35 minutos cada. Foi utilizado um método de exercícios
combinados em formato de circuito com o objetivo de manter o paciente com foco
nas atividades propostas. O circuito dinâmico era composto por exercícios de
fortalecimento com flexão de quadril e joelho passando por obstáculos, flexão de
ombro com peso de 1 kg, senta e levanta da cadeira; equilíbrio e lateralidade ao
passar por bambolês alternando as pernas; coordenação ao passar argolas finas de
um lado para o outro encaixando-as de forma correta no local indicado;
alongamento ao levantar um bastão o mais alto possível, passar bola para as
terapeutas de uma lado para o outro entregando-a o mais alto possível, escrever em
um quadro negro com giz o mais alto possível (associando o estímulo de postura e
coordenção), no espaldar era estimulado tocar com as duas mãos o mais alto
possível e o mais baixo possível; propriocepção caminhando em superfície instável
(colchonetes no chão).

Os exercícios realizados em cada semana estão descritos nos Quadros 1, 2, 3 e 4.

Quadro 1: exercícios realizados na primeira semana do circuito.

Exercícios Equilíbrio Propriocepção Alongamento Postural

Dia 17/02 Caminhar sob Caminhar sob Dissociação de Estímulo para


linha reta em superfície cintura estender o tronco
percurso de 3 instável de 2 escapular e utilizando bola com
metros por 3 colchonetes. pélvica movimentos de
vezes; passando bola flexão de ombro e
Desviar de para as extensão de coluna
cones em terapeutas por (3x5); Estímulo de
zigue-zague em 4 vezes. escrever no quadro
um percurso de com o membro
3 metros ida e contralateral a
volta. escoliose.

(3x5) três séries de cinco repetições.


Quadro 2: exercícios realizados na segunda semana do circuito.

Exercícios Força Propriocepção Equilíbrio Alongamento

Dia 03/03 Passar por cima Caminhar sob Desviar de cones Alongamento da
de obstáculos superfície em zigue-zague musculatura
em uma instável de 2 em um percurso flexora de tronco
distância de 3 colchonetes. de 3 metros ida e com bastão,
metros, volta; Estímulo flexionando o
realizando para ampliar o ombro e
grande flexão de passo passando estendendo a
quadril e joelho; por bambolês em coluna vertebral.
Senta e levanta percurso de 3
(3x5). metros.

(3x5) três séries de cinco repetições.

Quadro 3: exercícios realizados na terceira semana do circuito.

Exercícios Força Equilíbrio Alongamento Coordenação

Dia 17/03 Passar por Estímulo para Dissociação de cintura Passar


cima de ampliar o escapular e pélvica pequenas
obstáculos passo passando bola para argolas de um
em uma passando por as terapeutas por 4 lado a outro
distância de bambolês em vezes; encaixando
3 metros, percurso de 3 Alongamento da corretamente no
realizando metros. musculatura de local indicado.
grande flexão MMSS e MMII no
de quadril e espaldar.
joelho.

(MMSS) Membros superiores. (MMII) Membros inferiores.


Quadro 4: exercícios realizados na quarta semana do circuito.

Exercícios Força Equilíbrio Alongamento Postural

Dia 24/03 Passar por cima Estímulo para Dissociação de Estímulo de


de obstáculos em ampliar o cintura escapular escrever no
uma distância de 3 passo e pélvica quadro com o
metros, realizando passando por passando bola membro
grande flexão de bambolês em para as contralateral a
quadril e joelho; percurso de 3 terapeutas por 4 escoliose.
Flexão de ombro metros. vezes;
até o final da ADM Alongamento da
com halter de 1kg musculatura de
(2x5). MMSS e MMII no
espaldar.

(MMSS) Membros superiores. (MMII) Membros inferiores. (ADM) amplitude de movimento.(2x5) duas
séries de cinco repetições.

Nas semanas dos dias 24/02 e 10/03 o paciente não compareceu aos atendimentos
por motivos de exame médico.

Discussão

O tratamento em formato de circuito, com uma série de estações de trabalho,


oferece benefícios em termos de velocidade de marcha, distância percorrida, subida
de escadas e transferências (PORT, et al., 2012). Nesse sentido, foi elaborado um
circuito com intuito de obter os benefícios citados acima, além de manter o paciente,
que se apresentava hiperativo, com foco nos exercícios. Esse formato em
sequência se mostrou útil por não ocasionar distração, assim gerando boa adesão à
terapia.

O treinamento orientado a tarefas (TOT) se mostra eficaz para pacientes com


distúrbios neurológicos (KO, et al., 2019). Dessa forma, nos exercícios de força,
foram utilizados obstáculos com cones de média altura para modular o ambiente e
estimular o paciente a realizar flexão de quadril e joelho. Assim, foi possível recrutar
mais efetivamente essa musculatura envolvida em atividades como a marcha, que
mostrou-se alterada na avaliação, possuindo pouca amplitude de movimento,
advinda da fraqueza presente, também observada no teste de mingazzini para
MMII. Além disso, as transferências que se mostraram alteradas no exame físico,
foram estimuladas através do exercício senta e levanta, que também promove
ativação da musculatura importante para execução dessa tarefa. O teste mingazzini
para MMSS, também apresentou-se positivo, evidenciando fraqueza dessa
musculatura, nesse sentido, foram propostos exercícios com flexão de ombro até
90° com halter de 1kg, conforme tolerado pelo paciente.

O TOT em formato de circuito possui melhoras evidentes na resistência da marcha


e equilíbrio em pacientes com déficits neurológicos (JEON; KIM; YOUNG, 2015).
Nesse contexto, o equilíbrio foi trabalhado através de exercícios dinâmicos, como
caminhar sobre linha reta (marcada no solo com uma fita), caminhar em
zigue-zague desviando de cones e dar passos alternando bambolês são atividades
que estimulam os sistemas visual, vestibular e proprioceptivo, importantes na
manutenção do equilíbrio, que se apresentou alterado nos testes de romberg e
romberg-barré.

A coordenação motora, observada pelos testes index-index, index-nariz, index-dedo


do terapeuta e calcanhar-joelho, mostrou-se com pouca velocidade e destreza.
Assim, foi trabalhada de forma global em todos os exercícios, porém mais
especificamente na atividade de passar pequenas argolas de um lado a outro, com
os MMSS, encaixando corretamente no local indicado.

Na avaliação postural foi observado hipercifose torácica com gibosidade e


inclinação lateral à esquerda, evidenciando sua escoliose. Para tanto, foram
realizados exercícios para estímulo de escrever no quadro com o membro
contralateral a lateralidade presente. Além disso, estímulo para estender o tronco
utilizando bola com movimentos de flexão de ombro e extensão de coluna, contra
hipercifose torácica apresentada. Ademais, também foram realizados alongamentos
ao elevar um bastão o mais alto possível, passar bola para as terapeutas de um
lado para o outro entregando-a o mais alto possível e, no espaldar, foi estimulado
tocar com as duas mãos o mais alto possível e o mais baixo possível.
É importante reconhecer e demonstrar as limitações tomadas durante o processo,
uma das isoladas identificadas neste estudo em questão foi a quantidade de
atendimentos que ocorriam apenas uma vez por semana. Essa limitação pode ter
impactado os resultados, uma vez que a frequência reduzida de atendimentos pode
não ter permitido uma avaliação completa das variáveis estudadas. Porém, é
relevante destacar que essa limitação não invalida o estudo, mas deve ser
considerada ao interpretar os resultados e generalizá-los para outras situações. Em
estudos futuros, seria interessante tentar aumentar a frequência de atendimentos ou
buscar outras fontes de dados para aprimorar a análise e obter resultados mais
precisos e competentes.

Conclusão

A agenesia do corpo caloso é uma condição em que o corpo caloso, que é


uma estrutura que conecta os hemisférios encefálicos, não se desenvolve
completamente. Isso pode afetar o funcionamento do cérebro e resultar em uma
série de adversidades. No entanto, por meio de intervenções terapêuticas, é
possível ajudar os pacientes a superar esses desafios e melhorar sua qualidade de
vida.

O tratamento com uma série de estações de trabalho organizadas em forma de


circuito, que foi utilizado neste caso, é uma abordagem eficaz para garantir uma
participação bem-sucedida de um indivíduo com ACC parcial nas atividades
propostas. Esse tipo de tratamento permitiu que o paciente se envolvesse em
diversas atividades que exigiam diferentes habilidades motoras e cognitivas, o que
contribuiu para o desenvolvimento de uma gama mais ampla de competências, que
por sua vez, podem ter efeitos positivos na qualidade de vida e no bem-estar geral
do paciente, melhorando a coordenação motora, a força muscular, o equilíbrio, e a
estabilidade postural, entre outros aspectos.

Referências

SANTO, S. Counseling in fetal medicine: agenesis of the corpus callosum. Ultrasound in


Obstetrics & Gynecology, Vol 40, Edição 5, Páginas 513-521, 2012. Disponível em
<DOI:10.1002/uog.12315>.
FILOMENA, Giulia Sileo. Role of prenatal magnetic resonance imaging in fetuses with
isolated agenesis of corpus callosum in the era of fetal neurosonography: A systematic review
and meta-analysis. Acta Obstetricia et Gynecologica Scandinavica, Vol 100, Edição 11, Páginas
7-16, 2021. Disponível em <DOI:10.1111/aogs.13958>.

FRANCESCO, D’Antonio. Outcomes Associated With Isolated Agenesis of the Corpus


Callosum: A Meta-analysis. Pediatrics, Vol 138, Edição 3, 2016. Disponível em
<DOI:10.1542/peds.2016-0445>.

PORT, Ingrid G L Van de. Effects of circuit training as alternative to usual physiotherapy
after stroke: randomized controlled trial. theBMJ, Vol 344, Edição 2672, 2012. Disponível em
<DOI:org/10.1136/bmj.e2672>.

KO, Eun Jae. Effect of Group-Task-Oriented training on Gross and Fine Motor Function,
and Activities of Daily Living in Children With Spactic Cerebral Palsy. Physical & Occupational
Therapy in Pediatrics, Vol 40, Edição 1, Páginas 18-30, 2020. Disponível em
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JEON, Byoung-Jin; KIM, Won-Ho; YOUNG, Parque Eun. Effect of task-oriented training for
people with stroke: a meta-analysis focused on repetitive or circuit training. Stroke
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