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PSICOPATOLOGIA SOB A

PERSPECTIVA PSICODINÂMICA

CLASSIFICAÇÃO NOSOGRÁFICA PSICANALÍTICA FREUDIANA

1915 Neurose atual Psiconeuroses

Neurose de Neurose Narcísica


transferência

1924 Neurose atual Neuroses Neurose Psicose


Narcísica

Classificação Afecções Neuroses Psicoses


atual Psicossomáticas

A psicopatologia psicanalítica, que desde o início do século se tem firmado sobre


o complexo esquema causal de explicação do sofrimento psíquico, conhecido como
SÉRIES COMPLEMENTARES (FREUD, 19116), reconhece que a experiência
emocional infantil é fundamental no que tange à possibilidade do adulto atingir um
grau de maturidade condizente com a realização de suas potencialidades.

As experiências infantis são cruciais para entender as


psicopatias.
Experiências atuais podem ativar os traumas, ou concorrer
para a vulnerabilidade emocional.

Nas novas conferências introdutórias sobre Psicanálise, Freud lança um modelo


explicativo sobre fenômenos psicopatológicos.
Freud estabeleceu que a disposição para a doença se instala através de SÉRIES
COMPLEMENTARES, que são as bases da personalidade e da saúde.
Fatores
Experiências
Congênitos e
Infantis
Hereditários

Disposição

Fatores
Atuais ou Efeitos,
Desencadea Sintomas
ntes

Busca descrever uma sequência interdependente de causas que interagem


entre si, constituída por uma série que se compõe de fatores congênitos e hereditários
e, ainda por elementos que se instituem na vida intrauterina.
A segunda série proposta por Freud inclui as experiências infantis, que
adquirem relevância de acordo com a idade em que ocorrem, sendo decisivas na
formação da personalidade.
E estas duas séries em conjunto (fatores congênitos e hereditários e experiências
infantis) ao se combinarem (em proporções variáveis) resultam na DISPOSIÇÃO a
alguma psicopatologia que somada a fatores atuais ou desencadeadores podem
produzir a sintomatologia psicopatológica.

Fatores congênitos e hereditários + Experiências infantis =


Disposição + Fatores atuais (ou desencadeantes) = Sintomas

O sintoma ou um conjunto deles é o produto final de uma complexa série de


fatores e situações que apareceram hoje, mas que na realidade se originaram em
outro tempo e em outro lugar.
O presente e o passado se articulam em uma interação constante.

Psicopatologia é o ramo da ciência que trata da natureza essencial


da doença mental - suas causas, as mudanças estruturais e
funcionais associadas a ela e suas formas de manifestação.
CONCEITO DE CAUSALIDADE

O conceito de causalidade na psicanálise reside na possibilidade de explicação


do fenômeno a partir de fatos presentes em interação com fatos passados.
Referência a um passado e não o passado considerado em si mesmo.
Na mente nada acontece ao acaso, sendo que cada acontecimento psíquico é
determinado por outros que o precederam.
As forças inconscientes tendem a influenciar: comportamentos, sentimentos,
memórias e pensamentos.
CAUSALIDADE MÚLTIPLA: Várias causam produzem vários e diferentes efeitos.
Cada evento mental é causado pela interação consciente ou inconsciente e é
determinado pelos fatos que o precederam.

As vicissitudes dos cinco primeiros anos de


vida marcam a disposição posterior para a
saúde ou para a doença.

CAUSAS OU MOTIVAÇÕES EM PSICOPATOLOGIA PSICANALÍTICA

1. Todo fato psicopatológico se origina no passado, mas só se manifesta e se


mantém devido a fatores presentes.
2. Não existe simplicidade causal. Um fenômeno psicopatológico é
multideterminado e possui PLASTICIDADE.
3. O diagnóstico deve contemplar toda a história de vida, o contexto atual, aspectos
genéticos e congênitos.

METÁFORA DO CRISTAL

As estruturas psíquicas são consideradas como CRISTAIS


que não se quebram ao acaso, mas seguem suas linhas de
clivagem. Isso quer dizer que existe um arranjo que rege o
funcionamento de tais estruturas e que quando algo se
quebra, não o faz de qualquer maneira.
DESORGANIZAÇÃO DO EGO

● TENDÊNCIA PARA A ORGANIZAÇÃO EGÓICA;


● Id -> Ego Corporal -> Ego (a organização se produz a partir de uma
desorganização)
Funções egóicas: controle e regulação dos impulsos instintivos; relação com a
realidade; defesa
● O ego vai se estruturando em torno da internalização e instalação do objeto bom
interno.
● Toda irrupção de angústia, leva o ego a se desorganizar.

Organização egóica Desorganização egóica Ausência de organização


egóica

Organização total do ego Houve o princípio de uma Nunca houve uma


organização, mas houve a organização
dissolução transitória ou
duradoura de uma
organização não
suficientemente
consolidada.

Quanto maior o grau de organização do ego, menor a possibilidade de


irrupção de angústias maciças e desorganizadoras, = PIRÂMIDE EVOLUTIVA (base:
potencialidade do ego ao nascer)
ESTRUTURAS

O ser humano possui pontos de referência estruturais conhecidos pela sua


estabilidade. A partir disso é possível conhecer a forma que o psiquismo se organiza e é,
consequentemente, tratado. Diagnóstico errôneo pode levar a confusões relacionais,
sociais e terapêuticas visto que cada estrutura possui diferentes características, como por
exemplo o fato de as estruturas neuróticas e psicóticas possuírem diferentes
sintomas e defesas.
Constituição e estrutura são equivalentes, pois se tratam de formas de
organização permanente mais profundas do indivíduo, a partir do qual se desenrolam
os ordenamentos funcionais.
Estrutura é o modo de estar com o outro. É o modo de se fazer sujeito com
o outro.

ESTRUTURA DE PERSONALIDADE

É quando a personalidade se encontra organizada de modo estável,


com mecanismos de defesa pouco variáveis, tendo um modo seletivo
de relação de objeto, um grau definido de evolução libidinal e egóica,
uma atitude fixada de modo repetitivo diante da realidade e com um
jogo recíproco e bastante invariado dos processos primários e
secundários.

ENFERMIDADES

ANGÚSTIAS X
DEFESAS
PSÍQUICAS

Traços de caráter, inibições ou


sintomas

“Existência de sintomas psíquicos, psicossomáticos ou da vida de relação,


ocasionados por conflitos inconscientes que determinaram inúmeras carências de
aprendizagem, a desorganização do ego" (SOIFER, p. 154, 1992)
● TEMPERAMENTO: estado psicológico que é essencialmente estabelecido por
fatores biológicos constitucionais, resultantes de uma herança genética que
determina uma “têmpera”. É inato
● CARÁTER: são os traços que caracterizam determinada pessoa, como
resultado da forma de como os mecanismos de defesa se organizam, desde as
fases mais prematuras, em uma forma definida e cristalizada. Padrões de conduta
mais generalizadas. É construído
NEUROSES - teoria FREUDIANA

Nas NEUROSES, existe um conflito entre o ego, as pulsões e o recalque


destas, uma adesão ao princípio de realidade, uma atividade pelo menos relativa da
libido objetal e um importante jogo de processos secundários, ocorre a expressão
simbólica do sintoma, aspecto parcial das regressões e fixações, funções do fantasma da
realidade que deforma a realidade sem jamais negá-la.
● O aparelho psíquico cujo desenvolvimento ocorre ao longo do eixo narcísico
chegou relativamente a um bom termo (fase fálica);
● Manutenção da capacidade de discriminação entre realidade externa e interna;
● Manutenção da capacidade de se comunicar;
● O que caracteriza as neuroses são: angústias de castração, sentimentos de
insegurança e mal-estar ligados a formações sintomáticas;
● Subjetividade: possui o eu/ego relativamente bem estruturado;
● O narcisismo primário está bem constituído, o que significa que o eu não se
sente constantemente ameaçado em sua integridade;
○ É importante que não se acabe o narcisismo primário. Ele fortalece a
autoestima. A ausência do narcisismo primário cria uma pessoa que só vive
em relações abusivas. O oposto cria uma pessoa autocentrada (“rei na
barriga"). O narcisismo secundário se dá quando está passando pela fase
anal.
● Na neurose se dá um tipo de negação que Freud chama de RECALCAMENTE
(mecanismo de defesa - estímulos excessivos vão para o inconsciente);
● O indivíduo consegue manter um pensamento racional e distinguir o certo do
errado;
● Tem a necessidade de seguir as normas (devido a dominância do superego),
sentindo-se culpado quando não consegue cumprir com essa expectativa.
As atividades normais do dia a dia da pessoa não se vêm afetadas pela estrutura
neurótica, porém, a pessoa não consegue resolver de forma satisfatória esses
conflitos internos. Quando foge à regra, precisa justificar seu comportamento e
para isso recorre a argumentos. Mas mesmo assim, não consegue se sentir
aliviado.
PSICOSE - teoria FREUDIANA

A estrutura não neurótica (psicótica) apresenta seus maiores problemas no eixo


narcísico. O eu/ego não se constitui de modo satisfatório, o que significa dizer que seu
desenvolvimento estancou-se (fixação) em algum momento do longo e trabalhoso
processo de separação do objeto primário (da fase oral para anal). Por este motivo, o
sofrimento desses analisados diz respeito à própria sobrevivência do eu (angústia
de morte e aniquilamento).
É uma perturbação primária com a realidade na qual há a tentativa secundária
de restauração do laço objetal. Na psicose não há o outro (relação fusional com o
objeto), há apenas o indivíduo (ele É o mundo). Ele busca a fusão com outras pessoas.
Nas psicoses, a libido permanece fixada em um estágio autoerótico. Perde
sua mobilidade e não encontra mais o caminho para os objetos. O conflito é a realidade,
pois ela impede a obtenção de prazer imediato.
A perturbação nas relações interpessoais é mais fundamental (primitivo;
fundamental no sentido inicial do desenvolvimento), pois deriva de estágios primitivos
do desenvolvimento, visto que o começo da capacidade da criança para percepção e
comprovação da realidade, pensamento, linguagem e afetividade surgem da primitiva
relação materna. O indivíduo psicótico tem as mesmas características psíquicas de um
bebê (autoerotismo, ausência de ego, …). Há a falta de controle do próprio
comportamento.
É Bergeret quem vai introduzir o termo “Teste de realidade”. Freud coloca
que o indivíduo psicótico possui um maior comprometimento em lidar com a
realidade do que o indivíduo neurótico.
Na psicose há uma não inscrição. Algo não se inscreveu. Como não se instala
no simbólico, isso volta não no simbólico, mas no real. Os sintomas na psicose são,
portanto, a alucinação, delírio, intrusões do pensamento, ecos do pensamento,
estranhamento e invasão corporal, formas de angústia avassaladores (de morte,
aniquilamento = inimagináveis).
Esses sintomas mostram o sujeito acuado pelo real (realidade é
intolerável/insuportável), pois esse retorno lhe surge como o retorno do que não
consegue se reconhecer, surgindo assim uma perturbação cósmica, que saem do
real.
Na ESQUIZOFRENIA (transtorno psicótico), o corpo é tomado pelo
real, o que situa o esquizofrênico nos fenômenos corporais de
despedaçamento, desaparecimento, cadaverização (angústias de
morte e aniquilamento).
O esquizofrênico nos mostra um inconsciente a céu aberto.

NEUROSE PSICOSE

Re-arranjo da realidade - protege o sujeito Substituição da realidade


do fragmento ameaçador

Ruptura com a realidade psíquica (interna) Ruptura com a realidade exterior

Serve-se de fantasias ligadas ao ego para Busca substituir a realidade pela


remodelar a realidade com a qual alucinação e pelo delírio. Cria uma outra
restabelece a relação realidade

O recalcado se impõe A realidade se impõe

O fracasso se dá porque a pulsão sempre O fracasso se dá porque a realidade


se impõe (mas na neurose, o superego sempre se impõe (realidade que ele não
fica constantemente tentando se sobrepor, reconhece)
e isso causa culpa posteriormente)

Não traz satisfação completa Não traz satisfação completa

Não já uma solução satisfatória A realidade não é satisfatória

Tarefa mal sucedida - não há um substituto Tarefa mal sucedida - não há uma
ideal para o material reprimido representação que crie uma realidade
satisfatória
resumão das estruturas para Freud

ESQUEMA NOSOGRÁFICO FREUDIANO

ESTRUTURA NEURÓTICA ESTRUTURA PSICÓTICA

INSTÂNCIA DOMINANTE Superego Id


NA ORGANIZAÇÃO

NATUREZA DO ID X EGO (Superego) ID X Realidade Externa


CONFLITO (ego nega a realidade e
obedece aos impulsos do
ID)

NATUREZA DA De castração De fragmentação


ANGÚSTIA

PRINCIPAIS DEFESAS Defesas secundárias Defesas Primárias

RELAÇÃO DE OBJETO Genital Fusional

ESTRUTURAÇÃO DO Ego estruturado Ego desestruturado ou


EGO inexistente

TIPOS DE Transtornos subjetivos Transtornos com a


TRANSTORNOS (culpa, angústias de realidade externa
castração, sintomas (angústias inimagináveis,
somáticos) inexistência, falta de
controle do comportamento,
alteração da percepção -
alucinação - e do juízo -
delírios. *

EXEMPLOS DE Histeria; Neurose Esquizofrenia; Paranoia;


TRANSTORNOS obsessivo-compulsiva; Melancolia
Fobia

“GRAVIDADE” “Menos grave” “Mais grave”

* Alucinação – não há objeto e eu vejo.


Delírio – há um objeto diverso, e eu deturpo e vejo outra coisa.
INFOS ADICIONAIS

● A não neurose se posiciona entre o nascimento e a fase fálica. A partir da fase


fálica (3 a 5 anos – complexo de édipo) surge a neurose.
● Pacientes não neuróticos não se coloca no divã.
● Pacientes não neuróticos precisam de total estabilidade. Pode ser até a roupa.
● O paciente neurótico você pode convidar a falar e deixar o consciente e o
inconsciente trabalharem. No paciente não neurótico é preciso deixar o seu
inconsciente fluir sem a consciência “contaminar”. Ex. o caso que a professora
falou do macramê.

● Relação objetal:
○ Fusional: fase oral (fusão com o outro)
○ Simbiótico: fase anal (relativa dependência)
○ Apoio: entre a fase anal e fálica
○ Independência: entre fase fálica e genital.

● Desejo libidinoso:
○ Autoerótico: fase oral (libido é investida no próprio indivíduo)
○ Libido do ego: fase anal (libido é investida no ego e nas representações do
indivíduo)
○ Libido objetal entre fase fálica e fase genital (libido investida no objeto)

● Transtorno ≠ Comorbidade
○ Transtorno: haver com o núcleo estrutural;
○ Comorbidade: Pode ser de outra estrutura
○ Exemplo: A pessoa possui Paranoia (Transtorno Psicótico), mas "camufla"
com alguma Fobia (Transtorno Neurótico), ou vice-versa.
ESTRUTURAS DE PERSONALIDADE - teoria de BERGERET

Definições: Modo de organização permanente mais profundo do indivíduo,


aquele a partir do qual desenrolam-se os ordenamentos funcionais ditos “normais”, bem
como, os aspectos da morbidade.
Sintomatologia: funcionamento mórbido de uma estrutura quando esta se
descompensa.
Cada estrutura é produto do alcance e da realização de determinadas etapas do
desenvolvimento psicoemocional.

CRITÉRIOS PARA O DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL

1. Angústia predominante
2. Tipos de mecanismos de defesa
3. Pautas de relacionamento objetal
4. Grau de desenvolvimento libidinal
5. Relação com a realidade

1. ANGÚSTIA
Angústia confusional: corresponde a mistura de angústia de separação e perda
do objeto de amor associada à angústia paranóide/persecutória. As angústias
confusionais põem em perigo a coesão do ego e debilitam-no.
Angústias paranóides ou de tipo persecutório: representa uma ameaça de
objetos maus e perseguidores que ameaçam os bons objetos internos.

2. MECANISMOS DE DEFESA

DEFESAS PRIMÁRIAS DEFESAS SECUNDÁRIAS


(IMATURAS) (MADURAS)
● Idealização; ● Recalque;
● Identificação; ● Repressão;
● Identificação projetiva; ● Isolamento afetivo;
● Projeção; ● Racionalização;
● Introjeção; ● Intelectualização;
● Negação; ● Reparação maníaca;
● Controle onipotente; ● Sublimação;
● Desvalorização do objeto; ● Anulação;
● Cisão; ● Formação reativa;
● Acting out; ● Deslocamento.
● Somatização.

3. RELACIONAMENTO OBJETAL

4. GRAU DE DESENVOLVIMENTO LIBIDINAL


5. RELAÇÃO COM A REALIDADE (Teste de Realidade)

Teste de realidade ou processamento de realidade é o conjunto de


processos envolvidos na separação entre mundo interno e externo, entre
fantasia e realidade. A função do teste de realidade é a de DISCRIMINAR
mundo interno e externo.
É elemento fundamental da constituição do psiquismo.
Algo que se torna insuportável para o ego, leva ao rompimento da
realidade.
O ego tem que negar a realidade por esta ser insuportável, levando ao
desinvestimento do sistema Pcpt-Cs. Não se trata da recusa da realidade
como um todo, e sim, de um fragmento dela.
O problema é, portanto, a negação ou a recusa da realidade pelo
ego diante de uma angústia.

PROCESSOS ENVOLVIDOS NO TESTE DE REALIDADE (pertencem ao


EGO):
● Inibição: interrompe o processo de livre circulação de energia;
promove o retardo de descarga e o processo de pensar. Inibição leva o
indivíduo a possibilidade de esperar pela presença do objeto de
satisfação no mundo externo (realidade).
● Atenção: é a condição para que haja consciência dos objetos externos
percebidos e dos próprios pensamentos.
● Julgamento: é o substituto da repressão. Dizer não.
● Pensamento: modo que se dá a função de adiamento da descarga de
energia até que o objeto de satisfação esteja no mundo externo.
Promove a estabilidade e controle.
● Ação motora: a ação motora modifica a realidade de modo a alcançar
o objeto almejado. A ação põe fim aos estímulos que agem sobre o
indivíduo.

RELAÇÕES: LINHAGEM PSICÓTICA


ESTRUTURA NEURÓTICA ESTRUTURA PSICÓTICA

Ego íntegro (não clivado) Ego clivado/dissociado

Primado do Genital Primado do Pré-genital: Estágio pré-


edípico

Angústia de castração Angústia de aniquilamento; fragmentação;


agonia inimaginável

Regressão da libido (não do ego) Regressão do ego

Recalcamento Cisão, Projeção (negação da realidade e


obedece aos impulsos do ID)

Conflito entre ego e pulsões Conflito entre ego e realidade externa

*SINTOMA NEURÓTICO: Tentativas de


evitar a experiência penosa da
ansiedade/ansiedade coexiste com a
ansiedade do fracasso

NÍVEL DE ORGANIZAÇÃO DA
PERSONALIDADE - DIAGNÓSTICO
ESTRUTURAL
NEURÓTICO PSICÓTICO

Identidade Consolidada Pouco consolidada

Defesas Defesas baseadas na Defesas baseadas na


repressão/recalque dissociação e na cisão

Rigidez Rigidez relativa Rigidez grave

Teste de realidade Intacto e estável Deteriorização frente a


intensidade afetiva;
Capacidade de leitura dos
estados internos de si
mesmo e do outro
comprometidas

Insight Ausência de insight

Independência Dependência

Comunicação simbólica Comunicação pré-verbal

Amplitude do ego Restrição do ego


ESTRUTURAS DE PERSONALIDADE - teoria de KERNBERG

ESTRUTURA: Configurações relativamente estáveis de processos mentais.


● Análise estrutural: relações de objeto (subestruturas).
● Análise de conflitos: em especial - Complexo de Édipo

CRITÉRIOS PARA O DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL

1. Grau de integração da personalidade/identidade


2. Mecanismos de defesa
3. Capacidade de testar a realidade

DIFERENCIAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DA
PERSONALIDADE
CRITÉRIO
ESTRUTURAL NEURÓTICO BORDERLINE PSICÓTICO

GRAU DE Representação do Difusão de Representações do


INTEGRAÇÃO DA self e do objeto é identidade. self e do objeto são
PERSONALIDADE/ clareamento Aspectos mal delimitadas ou,
IDENTIDADE delimitada. contraditórios do então, há uma
self e dos outros identidade delirante.
são mal-integrados
e mantidos
separados

MECANISMOS DE Recalcamento de Principalmente a AS defesas


DEFESA defesas de alto clivagem e as protegem o paciente
(OPERAÇÕES nível: formação defesas primitivas: da desintegração e
DEFENSIVAS) reativa anulação, idealização da fusão self-objeto.
racionalização, primitiva, A interpretação leva
intelectualização. identificação a regressão.
As defesas projetiva,
protegem o paciente denegação,
do conflito onipotência,
intrapsíquico. desvalorização.
A interpretação
melhora o
funcionamento.

CAPACIDADE DE Capacidade de Alterações ocorrem A capacidade de


TESTAR A testar a realidade é na relação com a testar a realidade é
REALIDADE preservada. realidade e nos perdida.
Diferenciação dos sentimentos sobre a
elementos externos realidade.
dos de ordem
intapsíquica. Existe
a capacidade de
avaliar o self e os
outros
realisticamente e
em profundidade.
CONCLUSÃO

Não se pode passar do modo de estruturação neurótica ao modo de estruturação


psicótica, ou inversamente, uma vez que o ego específico é organizado em um sentido
ou em outro.
A mais “neurótica” das psicoses e a mais “psicótica” das neuroses jamais
chegarão a se encontrar em uma linhagem comum de organização do ego. Para
Freud, não se sai de uma estrutura para outra. Alguém pode ter um surto ou
manifestações psicóticas, mas possuir um núcleo neurótico, ou vice-versa. Seu núcleo
permanece sendo NEURÓTICO.
Os traços de personalidade são em parte formados por constelações de defesas
específicas que o indivíduo tende a utilizar automática e repetitivamente em
circunstâncias particulares.
O funcionamento adaptativo e flexível encontrado na PERSONALIDADE
NORMAL reflete a flexibilidade das operações defensivas "saudáveis" ou “maduras”.
De forma semelhante, a rigidez que caracteriza a PATOLOGIA LEVE DE
PERSONALIDADE reflete a relativa inflexibilidade das operações defensivas flexíveis e
adaptativas. Fazem uso de defesas “de nível neurótico” baseadas na repressão (Pcp) e
recalque (Ics).
Em contraste, na PATOLOGIA DE PERSONALIDADE MAIS GRAVE
encontramos a rigidez da personalidade no contexto da patologia de identidade. A rigidez
da personalidade no contexto da patologia de identidade é caracterizada por padrões de
comportamento e traços de personalidade extremamente mal adaptativos,
contraditórios, instáveis e com frequência socialmente inadequados.

O DIAGNÓSTICO E O PROGNÓSTICO DEPENDEM:

● Do período evolutivo em que ocorreu o trauma original;


● De suas capacidades e maturidade egóica;
● Das possibilidades que lhe são oferecidas;
● Das condições da rede de apoio.
*Além dos critérios colocados por cada teoria/autor.
Princípios básicos da psiquiatria dinâmica

A teoria psicodinâmica moderna tem sido com frequência considerada como um modelo
que explica o fenômeno mental como resultante do desenvolvimento do conflito.

Esse conflito tem origem em poderosas forças inconscientes que buscam se expressar e
exigem monitoração constante por parte de forças opostas que impeçam sua emergência.

Tais forças interativas podem ser definidas (com alguma sobreposição) como:

1. Um desejo e uma defesa contra esse mesmo desejo.

2. Diferentes instancias intrapsíquicas, ou “partes”, com diferentes objetivos e prioridades

3. Um impulso em oposição a uma consciência internalizada das exigências da realidade


externa.

O psiquiatra dinâmico atual deve também compreender o que comumente se quer dizer
com o “modelo deficitário” de doença. Esse modelo é aplicado àqueles pacientes que, por
quaisquer razões durante o seu desenvolvimento, apresentem estruturas psíquicas
frágeis ou ausentes.

Este estado de comprometimento os impede de sentir-se plenos e seguros de si e, como


resultado, exigem excessivas respostas de pessoas de seu ambiente para a manutenção
da homeostase psicológica.

A psiquiatria psicodinâmica deve ser hoje considerada como estando situada em meio à
ampla estrutura da psiquiatria biopsicossocial.

O psiquiatra dinâmico que negligencia os novos fundamentos neurobiológicos da


experiências é tão culpado de reducionismo como o psiquiatra de orientação biológica
que negligencia a vida da mente.

A psiquiatria psicodinâmica é uma abordagem do diagnóstico e do tratamento


caracterizada por um modo de pensar a respeito do paciente e do clínico, que inclui
conflitos inconscientes, falhas e distorções de estruturas intrapsíquicas e relações objetais
internas, e que integra esses elementos a achados contemporâneos da neurociência.
Os genes e o ambiente estão inextricavelmente ligados, dando forma ao comportamento
humano.

A experiência suspende a função de transição de alguns genes, enquanto rejeita outros.

Os estressores psicológicos, como trauma interpessoal, podem ter efeitos biológicos


profundos e provocar alterações no funcionamento do cérebro.

“Como clínicos nós não devemos nunca esquecer que a mente humana pode expressar-
se por meio de uma cadeia de processos moleculares, não sendo entretanto apenas uma
questão de moléculas” (PETRINI).

Se nós reconhecemos que a ente e o cérebro não são idênticos, qual é, então, a
diferença? Em primeiro lugar, o cérebro pode ser observado de uma perspectiva da
terceira pessoa. A mente, por outro lado, não é passível de ser percebida dessa forma, e
com isso só pode ser conhecida a partir de dentro. A mente é privada.

Nenhuma das abordagens fornece uma explicação completa por si só. Para complicar o
assunto ainda mais, como observa Damásio, “consciência e mente não são sinônimos”.
Numa série de condições neurológicas, inúmeras evidencias demonstram que os
processos mentais continuam, mesmo que a consciência esteja prejudicada.

Embora a psicoterapia psicodinâmica seja uma das ferramentas principais do arsenal


terapêutico dos psiquiatras dinâmicos, ela não é sinônimo de psiquiatria dinâmica.

O psiquiatra dinâmico utiliza uma ampla gama de intervenções terapêuticas e depende de


uma avaliação dinâmica das necessidades do paciente. A psiquiatria dinâmica
simplesmente fornece uma estrutura coerente de conceitos, dentro do qual os tratamentos
são prescritos. Independentemente do tratamento empregado ser a psicoterapia dinâmica
ou a farmacoterapia, ele é dinamicamente informado.

O valor único da experiência subjetiva

Os psiquiatras dinâmicos abordam seus pacientes tentando determinar o que é singular


em cada um deles – como um dado paciente difere de outros pacientes, como resultado
de sua história de vida sem precedentes.
Os psiquiatras dinâmicos dão extremo valor ao mundo interno do paciente – fantasias,
sonhos, medos, expectativas, impulsos, desejos, autoimagens, percepção dos outros e
reações psicológicas aos sintomas.

O inconsciente

O psiquiatra dinâmico considera os sintomas e os comportamentos como reflexos de


processos inconscientes que visam à defesa contra desejos e sentimentos reprimidos.

Além disso, os sonhos e as parapraxias são análogos aos trabalhos artísticos nas
paredes da caverna – comunicação e símbolos que, no presente, mostram mensagens
enviadas de um passado esquecido.

Outra forma primária do inconsciente manifestar-se na clínica é por meio da conduta não
verbal do paciente em direção ao terapeuta. Certos padrões característicos de relação
com os outros e determinados na infância tornam-se internalizados e são automática e
inconscientemente representados como parte do caráter do paciente.

Estudos de sistema da memória expandiram em muito nossos conhecimentos do


comportamento no setting de tratamento. Uma distinção amplamente usada, e que é
relevante para o pensamento psicodinâmico, é a diferenciação dos tipos de memoria em
explicação (consciente) e implícita (inconsciente).

A memória explícita pode ser tanto genérica, envolvendo conhecimento de fatos e ideias,
quanto episódica, envolvendo lembranças de incidentes autobiográficos específicos. A
memória implícita envolve comportamento observável do qual a pessoa não é consciente.

Outro tipo de memória implícita é a associativa por natureza, e envolve conexões entre
palavras, sentimentos, ideias, pessoas, eventos ou fatos.

De acordo com essa visão, a distinção implícita/explícita não é exatamente o mesmo que
a distinção declarativa/processual.

A dicotomia entre memória declarativa e procedural está centrada no tipo de


conhecimento que cada uma delas envolve. A declarativa envolve fatos, enquanto a
procedural, habilidades. A distinção entre memória explícita e implícita tem relação fato do
conhecimento se expresso e/ou recuperado, com ou sem consciência do mesmo.
Determinismo psíquico

A abordagem psicodinâmica afirma que somos conscientemente confusos e


inconscientemente controlados.

A visão psicodinâmica do comportamento humano o define como o resultado final de


muitas forças conflitantes diferentes, que servem a uma série de funções distintas,
correspondendo tanto às exigências da realidade quanto às necessidades inconscientes.

Embora seja, certamente, uma noção fundamental o princípio do determinismo psíquico,


requer duas ressalvas.

· Primeiro, fatores inconscientes não determinam todos os comportamentos ou sintomas.

o A tarefa do psiquiatra dinâmico é selecionar quais sintomas e comportamentos podem


ou não ser explicados por fatores dinâmicos.

· Segundo, originou-se da experiencia com pacientes que não fazem nenhum esforço
para mudar seu comportamento por considerarem-se vítimas passivas de forças
inconscientes.

o O psiquiatra dinâmico deve ficar atento ao paciente que justifica a permanência de sua
doença invocando o determinismo psíquico.

O passado é o prologo

Um quarto princípio básico da psiquiatria dinâmica é o que diz que as experiencias


infantis são determinantes cruciais da personalidade adulta.

O psiquiatra dinâmico escuta com atenção quando um paciente fala de lembranças


infantis, sabendo que essas experiencias podem ter um papel crítico nos problemas
apresentados no momento.

O ponto de vista dinâmico também leva em consideração o fato de os bebês e as crianças


perceberem seu ambiente através dos filtros altamente subjetivos que podem distorcer as
reais qualidades das pessoas à volta delas.
O estudioso de bioética Alex Mauron (2001) enfatizou que a identidade pessoal não se
sobrepõe a identidade do genoma. Gêmeos monozigóticos com genomas idênticos são
indivíduos altamente distintos. Felizmente, essa tendencia reducionista resultou numa
forte reação negativa dos grandes cientistas, que enfatizaram que os genes estão em
constante intercambio com o ambiente e que o DNA não é um destino.

Transferência

A persistência de padrões infantis de organização mental na vida adulta faz com que o
passado seja repetido no presente. Talvez o exemplo mais interessante disso seja o
conceito psicodinâmico central de transferência, que diz que o paciente vivencia o médico
como uma figura significativa de seu passado.

Qualidades dessa figura do passado serão atribuídas ao médico, e sentimentos


associados a tal figura serão vivenciados da mesma forma com o médico.

O paciente, inconscientemente reencena as relações do passado, em vez de relembrá-


las, e, dessa forma, introduz no tratamento uma série de informações sobre suas relações
passadas.

Toda relação no setting terapêutico é uma mistura entre uma relação real e o fenômeno
da transferência.

Alguns psicanalistas argumentam que existem duas dimensões de transferência:

1. Uma dimensão repetitiva, na qual o paciente teme e ao mesmo tempo espera que o
analista se comporte como seus pais o fizeram, e

2. Uma dimensão objeto do self, na qual o paciente almeja uma experiencia curativa ou
corretiva que não teve na infância.

O que é único nessa relação na psiquiatria dinâmica não é a presença da transferência,


mas o fato de ela representar material terapêutico a ser compreendido.

Quando sujeito a críticas cheias de ódio por parte de seu paciente, o psiquiatra dinâmico
não as rejeita com raiva, como a maior parte das outras pessoas da vida do paciente o
faria. Ao contrário, ele tenta identificar qual relação do passado do paciente está sendo
repetida no presente e de que forma suas reais características podem estar contribuindo
para a situação. Nesse sentido, os psiquiatras são definidos mais pelo que eles não
fazem do que pelo que eles fazem.

Contratransferência

Assim como os pacientes apresentam a transferência, os terapeutas apresentam a


contratransferência.

Pelo fato de cada relação atual ser um novo acréscimo às relações do passado, passa a
ser lógico que a contratransferência do psiquiatra e a transferência do paciente sejam
processos essencialmente idênticos – cada um deles vivenciando o outro de forma
inconsciente como sendo alguém do passado.

O conceito de contratransferência passou por consideráveis evoluções desde que


começou a ser empregado. A definição mais restrita de Freud referia-se à transferência
do analista com o paciente, ou à resposta do analista à transferência do paciente.

O que se encontra implícito nesse conceito é o surgimento de conflitos não resolvidos no


inconsciente do analista.

Winnicott, entretanto, observou uma forma diferente de contratransferência: ao trabalhar


com pacientes psicóticos e com aqueles com graves transtornos de personalidade. Ele
chamou o sentimento de ódio objetivo, já que não se tratava de uma reação enraizada
com conflitos inconscientes não resolvidos do terapeuta, mas de uma reação natural ao
comportamento excessivo do paciente. E é objetivo no sentido de que virtualmente todas
as pessoas reagiriam de forma semelhante ao comportamento provocativo do paciente.

A contratransferência é tanto uma fonte de valiosas informações sobre o mundo interno


do paciente quando uma interferência no tratamento.

Resistência

O último grande princípio da psiquiatria dinâmica envolve o desejo do paciente de


preservar o status quo, de opor-se aos esforços do terapeuta para produzir insights e
mudanças.
As resistências aos tratamentos são tão onipresentes como o fenômeno da transferência
e podem tomar diversas formas, incluindo chegar atrasado às sessões, recusa a tomar
medicações, esquecer as recomendações ou as interpretações do psiquiatra, ficar em
silêncio nas sessões, ter como foco material sem importância ou esquecer de pagar a
terapia, para citar apenas algumas.

A resistência pode ser consciente, pré-consciente ou inconsciente.

Todas as resistências têm em comum uma tentativa de evitar sentimentos desagradáveis.

A diferença entre resistências e mecanismos de defesa é o simples fato de que as


primeiras podem ser observadas, enquanto os últimos devem ser inferidos.

Apesar da ideia de resistência como um obstáculo que deve ser removido para que o
tratamento possa prosseguir, na maior parte das vezes o tratamento consiste na
compreensão da mesma.

A maneira pela qual o paciente resiste é provavelmente uma recriação de uma relação
passada que tem influência sobre uma série de relações no seu dia a dia.

Neurobiologia e psicoterapia

Kandel demonstrou como as conexões sinápticas podem ser permanentemente alteradas


e fortalecidas, por meio da regulação da expressão gênica ligada ao aprendizado a partir
do ambiente.

Kandel afirmou que a psicoterapia pode provocar mudanças semelhantes nas sinapses
cerebrais.

Se a psicoterapia é considerada uma forma de aprendizado, então o processo de


aprendizado que ocorre nela pode produzir alterações na expressão gênica e, assim,
alterar a força das conexões sinápticas.

A sequência de um gene – sua função padrão – não pode ser afetada por experiências
ambientais, mas a função de transcrição do gene – a habilidade de um gene de orientar a
criação de proteínas específicas – certamente responde a fatores ambientais e é regulada
pelos mesmos.
Uma parte integral da psicoterapia psicodinâmica é a aquisição de insight que a pessoa
passa a ter sobre seus próprios problemas.

Pesquisas identificaram padrões distintos que sugerem envolvimento de hemisférios


distintos para a solução de insight e não insight.

Pesquisadores da Finlândia demonstraram que a psicoterapia psicodinâmica pode ter um


impacto significativo sobre o metabolismo da serotonina.

Em resumo, a terapia pareceu trabalhar de uma forma “de cima para baixo” e a
medicação “de baixo para cima”.

Eles testaram a hipótese de que a base cerebral do sofrimento social é semelhante a da


dor física e descobriram que sentimentos de exclusão social ou rejeição igualavam-se a
estudos sobre dor física quando as mesmas áreas cerebrais era ativadas.

Ao longo da história, os poetas escreveram sobre a dor de um coração partido. Parece


que essas observações poéticas da condição humana estão hoje apoiadas em achados
neurofisiológicos.

Também é possível que os componentes afetivos da dor não estejam ligados aos
componentes sensoriais.

Assim, como é do conhecimento de todos os bons terapeutas, é possível sentir os


aspectos emocionais dos esforços dos pacientes sem o efeito completo das qualidades
sensoriais inerentes à dor. Os investigadores concluíram que essa capacidade de
diferenciar aspectos emocionais e sensoriais da empatia oferece um sistema para a
representação de estados físicos internos e de sentimento subjetivo dos outros.

Conflitos psicodinâmicos preexistentes podem eles mesmos estar ligados a sintomas de


origem biológica, resultado no fato de os sintomas funcionarem como um veículo para a
expressão dos conflitos.

De forma semelhante, questões psicodinâmicas com frequência adaptam as forças


biológicas, semelhantes ao ímã, aos seus próprios objetivos. Alucinações auditivas são
geradas em parte por alterações de neurotransmissores em pessoas com esquizofrenia,
mas o conteúdo das alucinações com frequência tem significados específicos com base
nos conflitos psicodinâmicos do paciente.
O papel do psiquiatra dinâmico na psiquiatria contemporânea

Uma abordagem terapêutica dinâmica certamente não se faz necessária para todos os
pacientes psiquiátricos. Aqueles que respondem bem aos medicamentos, à terapia
eletroconvulsiva, às psicoterapias breves ou à dessensibilização comportamental podem
não precisar dos serviços de um psiquiatra dinâmicos. Como todas as outras escolas de
psiquiatria, a abordagem psicoterapêutica dinâmica não pode tratar todas as doenças
psiquiátricas ou todos os pacientes de maneira eficaz.

Uma abordagem terapêutica estritamente dinâmica deveria ser reservada aos pacientes
que mais necessitam e que não responderão a qualquer outro tipo de intervenção.

Definição de psicopatologia e ordenação dos seus fenômenos

A psicopatologia, em acepção mais ampla, pode ser definida como o conjunto de


conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano.

É um conhecimento que se esforça por ser sistemático, elucidativo e desmistificante.

O psicólogo não julga moralmente seu objeto, busca apenas observar, identificar e
compreender diversos elementos da doença mental. Além disso, rejeita qualquer tipo de
dogma, seja ele religioso, filosófico, psicológico ou biológico; o conhecimento que busca
está permanentemente sujeito a revisões, críticas e reformulações.

A psicopatologia é, pois, uma ciência autônoma, e não um prolongamento da neurologia


ou da psicologia.

Limites da psicopatologia: embora o objeto de estudo seja o homem em sua totalidade, os


limites da ciência da psicopatologia consistem precisamente em que nunca se pode
reduzir por completo o ser humano a conceitos psicopatológicos.
“Quanto mais reconhece e caracteriza o típico, o que se acha de acordo com os
princípios, tanto mais reconhece que, em todo indivíduo, se oculta algo que não pode
conhecer” (JASPER)

Assim, a psicopatologia sempre perde, obrigatoriamente, aspectos essenciais do homem,


sobre tudo nas dimensões existenciais, estéticas, éticas e metafísicas.

Não se pode compreender ou explicar tudo o que existe em um homem por meio de
conceitos psicopatológicos. Assim, ao se diagnosticas Van Gogh como esquizofrênico
(epiléptico, maníaco-depressivo ou qualquer que seja o diagnóstico formulado), ao se
fazer uma análise psicopatológica de sua biografia, isso nunca explicará totalmente sua
vida e sua obra. Sempre resta algo que transcende à psicopatologia e mesmo à ciência,
permanecendo no domínio do mistério.

Formas e conteúdo dos sintomas

Em geral, quando se estudam os sintomas psicopatológicos, dois aspectos básicos


costumam ser enfocados: a forma dos sintomas, isto é, sua estrutura básica,
relativamente semelhante nos diversos pacientes (alucinações, delírio, ideia obsessiva,
labilidade afetiva, etc...) e seu conteúdo, ou seja, aquilo que preenche a alteração
estrutural (conteúdo de culpa, religioso, de perseguição, etc...). Este último é geralmente
mais pessoal, dependendo da história de vida do paciente, de seu universo cultural e da
personalidade prévia ao adoecimento. Respectivamente, o sintoma “manifesto” e o
sintoma “latente”.

De modo geral, os conteúdos dos sintomas estão relacionados aos temais centrais da
existência humana, tais como sobrevivência e segurança, sexualidade, temores básicos
(morte, doença, miséria, etc...), religiosidade, entre outros. Esses temas representam uma
espécie de substrato, que entra como ingrediente fundamental na constituição da
experiência psicopatológica.

A ordenação dos fenômenos em psicopatologia

O estudo da doença mental, como o de qualquer outro objeto, inicia pela observação
cuidadosa de suas manifestações.
Para observar, também é preciso produzir, definir, classificar, interpretar e ordenar o
observado em determinada perspectiva, seguindo certa lógica.

Segundo Aristóteles, definir é indicar o gênero próximo e a diferença específica. Isso quer
dizer que definir é por um lado, afirmar a que o fenômeno definido se assemelha, do que
é apresentado, com o que deve ser agrupado e, por outro, identificar do que ele se
diferencia, a que é estranho ou oposto.

Classicamente, distinguem0se três tipos de fenômenos humanos para a psicopatologia:

1. Fenômenos semelhantes em todas as pessoas. Embora haja uma qualidade pessoal


própria para cada ser humano, essas experiencias são basicamente semelhantes para
todos.

2. Fenômenos em parte semelhantes e em parte diferentes. São fenômenos que o


homem comum experimenta, mas apenas em partes são semelhantes aos que o doente
mental vivencia.

3. Fenômenos qualitativamente novos, diferentes. São praticamente próprios apenas a


certas doenças e estados mentais.

Os principais campos e tipos de psicopatologia

Uma das principais características da psicopatologia, como campo de conhecimento, é a


multiplicidade de abordagens e referenciais teóricos que tem incorporado nos últimos 200
anos.

A psicopatologia é, por natureza e destino histórico, um campo de conhecimento que


requer debate constante e aprofundado. Aqui o conflito de ideias não é uma debilidade,
mas uma necessidade.

Psicopatologia descritiva x psicopatologia dinâmica


Para a psiquiatria descritiva, interessa fundamentalmente a forma das alterações
psíquicas, a estrutura dos sintomas, aquilo que caracteriza a vivência patológica como
sintoma mais ou menos típico.

Já para a psiquiatria dinâmica, interessa o conteúdo da vivência, os movimentos internos


de afetos, desejos e temores do indivíduo, sua experiencia particular, pessoal, não
necessariamente classificável em sintomas previamente descritos.

“Quando um médico se defronta com a grande tarefa de ajudar uma pessoa


psiquicamente enferma, vê à sua frente dois caminhos: ele pode registrar o que é
mórbido. Irá, então, a partir dos sintomas da doença, concluir pela existência de um dos
quadros mórbidos impessoais que foram descritos. [...] Ou pode trilhar outro caminho:
pode escutar o doente como se fosse um amigo de confiança. Nesse caso, dirigirá a sua
atenção menos para constatar o que é mórbido, para anotar sintomas psicopatológicos e,
a partir disso, chegar a um diagnóstico impessoal, e mais para tentar compreender uma
pessoa humana na sua singularidade e covivenciar suas aflições, seus temores, seus
desejos e suas expectativas pessoais.” (BLEULER)

Psicopatologia médica x psicopatologia existencial

A perspectiva médico-naturalista trabalha com uma noção de homem centrada no corpo,


no ser biológico como espécie natural e universal. Assim, o adoecimento mental é visto
como um mau funcionamento do cérebro, uma desregulação, uma disfunção de alguma
parte do aparelho biológico.

Já a perspectiva existencial, o doente é visto principalmente como “existência singular”,


como ser lançado a um mundo que é apenas natural e biológico na sua dimensão
elementar, mas que é fundamentalmente histórico e humano.

Psicopatologia comportamental-cognitivista x psicopatologia psicanalítica

Na visão comportamental, o homem é visto como um conjunto de comportamentos


observáveis, verificáveis, que são regulados por estímulos específicos e gerais, e por
certas leis determinantes do aprendizado.
Associada a essa visão, a perspectiva cognitivista centra a atenção sobre as
representações cognitivas conscientes de cada indivíduo. As representações conscientes
seriam vistas como essenciais ao funcionamento mental, normal e patológico. Os
sintomas resultam de comportamentos e representações cognitivas disfuncionais,
aprendidas e reforçadas pela experiência sociofamiliar.

Na visão psicanalítica, o homem é visto como ser “determinado”, dominado por forças,
desejos e conflitos inconscientes. Na visão psicanalítica, os sintomas e síndromes
mentais são considerados formas de expressão de conflitos, predominantemente
inconscientes, de desejos que não podem ser realizados, de temores aos quais o
indivíduo não tem acesso. O sintoma é encarado, nesse caso, como uma “formação de
compromisso”, um certo arranjo entre o desejo inconsciente, as normas e as permissões
culturais e as possibilidades reais de satisfação desse desejo. A resultante desse
emaranhado de forças dessa “trama conflitiva” inconsciente, é o que se identifica como
sintoma psicopatológico.

Psicopatologia categorial x psicopatologia dimensional

As entidades nosológicas ou transtornos mentais específicos podem ser compreendidos


como entidade completamente individualizada, com contornos e fronteiras bem
demarcados.

As categorias diagnósticas seriam “espécies únicas”, tal qual espécies biológicas, cuja
identificação precisa constituiria uma das tarefas da psicopatologia.

Haveria, então, dimensões como, por exemplo, o espectro esquizofrênico, que incluiria
desde formas muito graves, tipo “demência precoce” (com grave deterioração da
personalidade, embotamento afetivo, muitos sintomas residuais), formas menos
deteriorantes de esquizofrenia, fromas com sintomas afetivos, chegando até um outro
polo, de transtornos afetivos, incluindo formas com sintomas psicóticos até formas puras
de depressão e mania (hipótese esta que se relaciona à antiga noção de psicose unitária)

Psicopatologia biológica x psicopatologia sociocultural


A psicopatologia biológica enfatiza os aspectos cerebrais, neuroquímicos ou
neurofisiológicos das doenças e dos sintomas mentais. A base de todo transtorno mental
são alterações de mecanismos neurais e de determinadas áreas e circuitos cerebrais.

A perspectiva sociocultural visa estudar os transtornos mentais como comportamentos


desviantes que surgem a partir de certos fatores socioculturais como discriminação,
pobreza, migração, estresse ocupacional, desmoralização sociofamiliar, etc.

Psicopatologia operacional-pragmática x psicopatologia fundamental

Na visão operacional-pragmática, as definições básicas de transtornos mentais e


sintomas são formuladas e tomadas de modo arbitrário, em função de sua utilidade
pragmática, clínica ou orientada à pesquisa. Não são questionados a natureza da doença
ou do sintoma e tampouco os fundamentos filosóficos ou antropológicos de determinada
definição.

O projeto de psicopatologia fundamental, proposto pelo psicanalista francês Pierre


Fedida, visa centrar a atenção da pesquisa psicopatológica sobre os fundamentos de
cada conceito psicopatológico. Além disso, tal psicopatologia dá ênfase à noção de
doença mental como páthos, que significa sofrimento, paixão e passividade. O páthos, diz
Belinck, é um sofrimento-paixão que, ao ser narrado a um interlocutor, em certas
condições, pode ser transformado em experiência e enriquecimento.

Estruturas e normalidade

A noção de “normalidade”

De fato, a “normalidade” é mais comumente encarada em relação aos outros, ao ideal ou


à regra.

Ora, o verdadeiro problema colocado pelo eventual reconhecimento de uma


“normalidade” talvez não se situe nesse nível, entre esses dois falsos aspectos objetivos:
os outros ou o ideal.
Se, em vez de formular (ou temer), enfatizarmos em primeiro lugar a constatação de bom
funcionamento interior que pode comportar essa noção, parece-me que poderíamos
encarar as coisas de modo completamente diferente do que com simples defesas
projetivas ou, então, proselitismos invasores e inquietantes.

A noção de normalidade está tão ligada a vida quanto o nascimento ou a morte, utilizando
o potencial do primeiro buscando retardar as restrições da segunda, na medida em que
toda normalidade apenas pode coordenar as necessidades pulsionais com as defesas e
adaptações, os dados internos hereditários e adquiridos com as realidades externas, as
possibilidades caracteriais e estruturais com as necessidades relacionais.

Normalidade: o verdadeiro “sadio” não é simplesmente alguém que se declare como tal,
nem sobretudo um doente que se ignora, mas um sujeito que conserve em si tantas
fixações conflituais como tantas outras pessoas, que não tenha encontrado em seu
caminho dificuldades internas ou externas superiores a seu equipamento afetivo
hereditário ou adquirido, às suas faculdades pessoais defensivas ou adaptativas e que se
permita um jogo suficientemente flexível de suas necessidades pulsionais, de seus
processos primário e secundário nos planos tanto pessoal quanto social, tendo em justa
contra a realidade e se reservando o direito de comportar-se de modo aparentemente
aberrante em circunstâncias excepcionalmente “anormais”.

Para, pelo menos em um primeiro momento, apenas nos referirmos ao que chamo, em
minhas hipóteses pessoais, de estruturas estáveis (ou seja, psicótica ou neurótica),
parece evidente existirem tantos termos de passagem, no seio de uma linhagem
estrutural psicótica, entre “psicose” e uma certa forma de “normalidade” adaptada da
estruturação do tipo psicótico, quanto no seio de uma linhagem estrutural neurótica, entre
“neuroses” e uma certa forma de “normalidade” adaptada à estruturação do tipo neurótico.

Patologia e “normalidade”

Freud pensou poder definir a normalidade na criança a partir da maneira pela qual, aos
poucos, se estabelecem os aspectos tópicos e dinâmicos da personalidade e do modo
pelo qual se engajam e se resolvem os conflitos pulsionais.

Podemos reter 03 postulados dos textos de Freud:


1. Toda psicologia do adulto origina-se das dificuldades experimentadas no nível de
desenvolvimento da sexualidade infantil

2. São as pulsões recalcadas, sexuais e agressivas, que criam os sintomas.

3. O modo como é vivida a etapa organizadora da personalidade (isto é, o Édipo)


depende essencialmente das condições do ambiente.

As delimitações traídas por Freud em outros textos nada desmentes esses três
postulados:

· Psychopathic Character on the stage (1906) – no carácter não patológico o recalque


deve ser exitoso e este resultado faz falta no caráter patológico. Mas patológico encontra-
se aqui limitado unicamente ao sentido neurótico.

· Alguns tipos de caráter destacados pela psicanálise (1915) – é ainda unicamente com
referencia à economia edipiana, superegóica, genital e castradora, portanto à linhagem
neurótica, que são estudadas as exceções, aqueles que falham diante do sucesso e os
criminosos, pelo sentimento de culpa.

· Declínio do Édipo (1923) – o que distingue o normal ou o patológico situa-se no


desaparecimento ou não do complexo de édipo, dito de outra forma, ele recusa o estatuto
de “normalidade” a toda estruturação não neurótica e mesmo, parece, a uma estrutura
neurótica na qual o recalque do édipo teria ocorrido só de modo parcial. Ele exige o
desaparecimento completo do complexo.

· Tipos libidinais (1931) – procura “preencher a lacuna que se supõe existir entre o normal
e o patológico” pela distinção de 3 tipos básicos: erótico, narcísico e obsessivo, que mais
habitualmente se combinam em subtipos: erótico-obsessivo, erótico-narcísico e narcísico
obsessivo; o tipo teórico erótico-obsessivo-narcísico representaria, ao final das contas, a
“absoluta normalidade, a harmonia ideal”.

Com efeito, antes de Freud, dividiam-se habitualmente os humanos em duas grandes


categorias psíquicas: os “normais” e os doentes mentais (nos quais se dispunham em
bloco neuróticos e psicóticos).

O grande mérito de Freud foi o de haver mostrado, através de seus trabalhos


revolucionários sobre a economia neurótica, que não existia qualquer solução de
continuidade entre certos funcionamentos mentais tidos como “normais” e o
funcionamento mental tido como “neurótico”. Existem todos os graus e, no geral, os
mecanismos permanecem os mesmos; somente a adequação e a flexibilidade do jogo
destes mecanismos diferem mais ou menos.

A “normalidade” patológica

Terei ocasião de novamente precisar, quanto à noção de “estrutura”, que em


psicopatologia não se pode confundir os diversos modos de funcionamento mental
atendo-se apenas aos seus aspectos manifestos fenomenológicos e superficiais.

Cabe opor as verdadeiras estruturas (neuróticas ou psicóticas com ou sem status


psicopatológico) às simples organizações, menos sólidas e que lutam contra a depressão,
graças aos artifícios caracteriais ou psicopatológicos diversos, ultrapassando o contexto
daquilo que anteriormente definimos como correspondendo aos parâmetros de
“normalidade”, isto é, de adaptação econômica interna à realidade íntima do sujeito.

As verdadeiras estruturas não dão origem a personalidades “pseudonormais”, mas,


conforme permaneçam ou não fora de rupturas patológicas, podem alternadamente levar
ao que, juntamente com Canguilhem (1966), definimos como estados sucessivos de
adaptação, desadaptação, readaptação...

Em nossas organizações “limítrofes”, constatamos uma luta incessante para manter em


um anaclitismo obsedante, uma segurança narcísica que cubra os permanentes riscos
depressivos.

É o que leva o sujeito a imitar os personagens ideias protótipos de “normalidade” no plano


seletivo e, ao mesmo tempo, a imitar os personagens que representam a percentagem
quantitativamente mais elevada de casos semelhantes entre si no grupo sociocultural
visado.

“Normalidade” e padronização

A “normalidade” de tais sujeitos corresponde, no plano da organização afetiva interna,


necessidade de estabelecer incessantemente, mediante apoio no outro, um narcisismo
vivido como podendo falhar a qualquer momento se o outro subtrair-se como sustento, se
tender a tornar-se quer objeto sexual, quer um concorrente edipiano.

Parece-me que aqui se situa todo o problema econômico do “pseudonormal”: ter evitado
perturbações importantes na infância, mas não obter acesso a um estatuto de adulto
bastante sólido estruturalmente para torná-lo independente no plano de suas
necessidades libidinais e de suas relações objetais; a consequência tópica desta carência
econômica manifesta-se no superinvestimento de um ideal de ego pueril e a
consequência dinâmica, na orientação mais ou menos exclusivamente narcisista
oferecida aos investimentos pulsionais; por outro lado, J.B. Pontalis (1968) acha que o
grupo poderia chegar a substituir o objeto libidinal, tornando-se ele mesmo objeto libidinal
no sentido psicanalítico do termo, o que, em nosso entender, é bem menos inquietante
para o narcisismo individual, mas lamentavelmente encoraja o sujeito a não mais buscar
autênticos objetos libinais fora do círculo demasiado restrito do grupo.

Édipo e a “normalidade”

O paradoxo de nossa posição continua sendo, pois, o de aceitar uma possibilidade de


“normalidade” tanto nas estruturas neuróticas quanto psicóticas não descompensadas,
mas declinar a solicitação de cumplicidade, a “piscada de olho” que nos propõe as frágeis
organizações narcisistas intermediárias para serem admitidas no mesmo contexto dos
“normais” possíveis, cuja estabilidade contenta-se em imitar às custas de ardis
psicopatológicos variados, incessantemente renovados e profundamente custosos e
alienantes.

Concluindo, posso apenas renovar minha adesão à hipótese retomada por R. Diatkine
(1967), segundo a qual toda noção de normalidade deve ser independente da estrutura.

Contentar-me-ei em acrescentar uma correção, precisando que os “ordenamentos”


narcisistas dos estados intermediários não parecem capazes de construir uma “estrutura”
e, com isso, entrar nos muitos arranjos funcionais da “normalidade”, na medida em que
seu ego não se estabeleceu mais solidamente (paradoxalmente, mesmo que em um
sentido psicótico, com a condição de não haver descompensação).

A “normalidade” de um sujeito de tal estrutura não pode ser comparada hierarquicamente


(ficando-se unicamente no plano, justamente, da “normalidade”) à “normalidade”,
forçosamente muito diferente, daquele outro sujeito, correspondente àquele outro modo
de organização mental.

Uma abordagem psicodinâmica da patologia da personalidade

Definição de personalidade e patologia de personalidade

Personalidade refere-se à organização dinâmica de padrões constantes de


comportamento, cognição, emoção, motivação e formas de se relacionar com outros
característicos de um indivíduo.

Os clínicos psicodinâmicos usam por vezes os temos caráter e trações de caráter para se
referirem àqueles aspectos da personalidade que são determinados predominantemente
pelos fatores psicológicos e de desenvolvimento, em contraste com os que refletem
fatores predominantemente de temperamento.

Uma descrição de personalidade incluirá:

1. Natureza e nível de organização dos traços de personalidade

2. O grau de flexibilidade ou rigidez com os quais os traços de personalidade são ativados


no decorrer das situações.

3. Até que ponto os traços de personalidade são adaptativos ou até onde interferem no
funcionamento e provocam angústia.

4. A natureza dos valores éticos e dos ideais do indivíduo

5. Sua forma costumeira de adaptação (ou falha na adaptação) ao estressores


psicossociais.

Na personalidade normal, os traços de personalidade não são extremos, e são ativados


de forma flexível e adaptativa nas diferentes situações.

Independentemente de patologia da personalidade ser relativamente leve ou mais grave,


ela está por definição associada a algum grau de angústia e/ou prejuízo do funcionamento
social ou ocupacional.
Muitos aspectos da personalidade, por exemplo a timidez ou busca de estímulos, refletem
fatores de temperamento com base genética.

Uma descrição psicodinâmica da personalidade e da patologia da personalidade

A partir de uma perspectiva psicodinâmica, uma descrição abrangente da patologia de


personalidade incluirá:

1. As características descritivas do transtorno

2. Uma formulação a respeito da organização estrutural subjacente às caraterísticas


descritivas

3. Uma teoria sobre a psicodinâmica do paciente, que de um significado às características


descritivas e estruturais de personalidade do paciente.

Embora as avaliações descritiva e estrutural sejam suficientes para se fazer um


diagnóstico, uma descrição abrangente da psicodinâmica da psicopatologia também
incluirá o conhecimento das motivações inconscientes e os conflitos psicológicos
subjacentes ao transtorno.

E é através da exploração e elaboração dos significados e motivações subjacentes que o


terapeuta psicodinâmico ajudará o paciente a desenvolver maior flexibilidade e
adaptação.

Características diagnósticas da patologia leve de personalidade

A maioria dos pacientes com patologia leve de personalidade apresenta um diagnóstico


clinicamente significativo, porém “abaixo do limite de classificação” do diagnóstico do
DSM ou, então, uma patologia que se inclui de forma incompleta no DSM.

Para cada transtorno de personalidade, os traços de personalidade tendem a agrupar-se


em constelações familiares que são listadas como critérios diagnósticos, e o diagnóstico
particular de um transtorno de personalidade é feito quando o indivíduo preenche um
número específico de critérios.
O ponto de corte para se diagnosticar um transtorno de personalidade é até certo ponto
arbitrário.

A patologia leve de personalidade é comum e clinicamente significativa.

Os transtornos neuróticos de personalidade constituem uma classe de transtornos de


personalidade relativamente leves, num constiunuum com a personalidade normal, porém
caracterizado por estilos de personalidade que são excessivamente rígidos.

Os transtornos de personalidade mais comumente descritos são o transtorno de


personalidade obsessiva e/ou compulsiva, o transtorno de personalidade histérica (que é
uma versão com funcionamento mais ou menos extremo do transtorno de personalidade
histriônica) e o transtorno de personalidade depressiva ou depressivo-masoquista.

Características descritivas da patologia leve de personalidade

O fenômeno-chave observável que está associado à patologias leves de personalidade é


a inflexibilidade ou rigidez.

Quando falamos de rigidez no contexto da patologia de personalidade, insto implica que


os traços de personalidade são até certo ponto mal adaptativos ou motivo de angústia
para o indivíduo com patologia de personalidade e/ou para as pessoas ao seu redor

Quando traços de personalidade são rígidos, eles são automática e repetidamente


ativados, independentemente de serem ou não adaptativos ou apropriados a uma dada
situação, e os esforços conscientes para contê-los ou alterá-los tipicamente geram
ansiedade.

No extremo menos grave do espectro, tais traços de personalidade podem ser


egossintônicos; embora visíveis para os outros, eles são tipicamente invisíveis para a
pessoa que os exibe. Nos casos mais graves de rigidez da personalidade, os traços são
abertamente patológicos e com frequência o indivíduo perceberá que os certos traços
interferem na sua resposta às demandas do ambiente e às suas necessidades internas.

Além dos traços de personalidade mal adaptativos, a patologia leve de personalidade


pode ser associada a uma ampla variedade de sintomas que podem incluir sintomas
físicos, perturbações do humor, transtornos do pensamento e ativação anormal ou
inibição da conduta.

Características estruturais da patologia leve de personalidade

As estruturas psicológicas são entendidas como padrões de funcionamento estáveis e


duradouros que são repetitivamente ativados em circunstâncias particulares.

As estruturas psicológicas organizam a conduta, as percepções e a experiência subjetiva


do indivíduo.

No modelo Kernberg, as relações com os objetos internos, cada uma constituindo uma
representação do self interagindo com a representação de outra pessoa e associada a um
estado afetivo particular, são as estruturas psicológicas mais básicas.

Kernberg sugere que os grupos de relação com os objetos internos que servem a funções
correlatas são organizados para formar estruturas psicológicas de uma ordem superior.

Kernberg detém-se em particular na identidade, a estrutura psicológica de ordem superior


responsável pelo senso de self do indivíduo e também pela sua percepção dos outros
significativos,

Kerberg contrasta a formação da identidade normal com a identidade patológica, a qual,


conforme Erikson (1956), ele chama de síndrome de difusão da identidade.

Na identidade normal, as relações com os objetos internos estão integradas e


organizadas para constituir um senso de self estável e coerente, em que os diferentes
aspectos da experiência do self são ativados de maneira fluida no decorrer de diferentes
situações e estados emocionais.

Na síndrome de difusão da identidade, as relações com o objeto interno responsáveis


pelo senso de self do indivíduo e dos outros indivíduos significativos estão pouco
integradas e organizadas de uma maneira frágil em relação à outra.

O resultado quanto à formação da identidade é uma série de experiências de self que são
contraditórias, relativamente incoerentes e instáveis, na ausência de um “núcleo” de
senso de self integrado e consistente.
Kernberg ainda distingue os pacientes com identidade normal, ou consolidada, daqueles
com patologia de identidade, com base na natureza das suas operações defensivas
dominantes e na estabilidade do seu teste de realidade. Em suma, no grupo mais
saudável, encontramos rigidez mal adaptativa da personalidade no contexto de:

1. Uma identidade normal

2. Com a predominância de operações defensivas leves, baseadas na repressão

3. Teste de realidade intactos

No grupo mais grave, os pacientes apresentam rigidez da personalidade gravemente mal


adaptativa no contexto de:

1. Uma patologia de identidade clinicamente significativa

2. Com predominância de operações defensivas de nível inferior baseadas na cisão

3. Teste de realidade variável, em que o teste de realidade normal está aparentemente


intacto, mas a capacidade mais sutil de perceber adequadamente o estado interno dos
outros está prejudicada.

No extremo mais saudável do espectro estão os indivíduos com identidade normal, com
defesas de n[ivel predominantemente superior e teste de realidade estável; no extremo
mais grave do espectro encontram-se aqueles com patologia grave da identidade,
defesas de nível predominantemente inferior e teste de realidade alterado. No intervalo
entre os dois, classificação de Kerberg é conceitualizada de forma mais precisa quando
descreve um espectro contínuo da patologia de personalidade, baseado na patologia da
formação de identidade, operações defensivas e teste de realidade.

Como resultado, a demarcação entre os níveis de organização neurótico e borderline da


personalidade não se traduz em categorias, e existem pacientes com patologia muito leve
de identidade que se apresentam com características mescladas.

Identidade no contexto clínico

A identidade normal está associada a uma experiência de self e dos outros indivíduos
significativos que é contínua no transcorrer do tempo e das situações, e a uma
capacidade de perceber os atributos e a experiência interna dos outros de uma forma que
expresse complexidade, sutileza e profundidade.

A identidade normal também está associada à capacidade de investir, ao longo do tempo,


em interesses profissionais, intelectuais e recreativos e a “saber o que quer”, no que
tange aos seus próprios valores, opiniões, gostos e crenças.

A patologia de identidade clinicamente significativa está associada a uma percepção de si


mesmo e a uma experiência dos outros indivíduos significativos que é fragmentada e
instável no tempo e nas diferentes situações.

A experiência subjetiva que o indivíduo tem dos outros tende a ser um pouco
diferenciada, faltando sutileza e profundidade, e é mais ou menos polarizada e/ou
superficial.

Os gostos, opiniões e valores são inconsistentes, tipicamente adotados dos outros que
fazem parte do ambiente, e podem mudar fácil e dramaticamente com as mudanças que
ocorrem em seu meio.

O indivíduo com patologia de identidade com frequência carece de uma capacidade de


“ler” os outros de forma precisa e pode ser incapaz de responder com tato
adequadamente a sinais sociais sutis.

A identidade fragilmente consolidada está associada a uma escassez de investimentos


significativos na busca profissional, intelectual e recreativa.

Rigidez da personalidade

Os traços de personalidade inibidores e reativos vistos na patologia de personalidade


podem ser contrastados com os traços de personalidade sublimatórios típicos da
personalidade normal.

Na sublimação, as motivações conflitantes são direcionadas de forma adaptativa e


construtiva, e também relativamente flexível, para dentro das áreas de funcionamento não
conflitantes. Um indivíduo com personalidade normal poderia lidar com os conflitos que
envolvem agressão competitiva assumindo com habitual frequência uma atitude assertiva,
efetiva e firme. Esse indivíduo provavelmente seria admirado pelos outros e seria visto
como uma pessoa de sucesso e alguém com quem se pode contar. Além disso, em
ambientes em que a assertividade poderia ser inadequada, uma personalidade normal
teria capacidade de controlar seus desejos de ser mais assertivo e modificaria a sua
conduta de uma forma adequada à situação.

Apresentação clínica da rigidez da personalidade na psicopatologia leve da personalidade

A rigidez da personalidade no contexto da patologia leve de personalidade manifesta-se


como uma incapacidade de adaptar-se com serenidade às fontes internas e externas de
ansiedade ou conflito.

Outras manifestações comuns de rigidez da patologia leve de personalidade são as


inibições em relação à sexualidade, intimidade e sucesso profissional. Estas áreas com
funcionamento abaixo do ideal são tipicamente motivo de frustração e desapontamento
para os indivíduos que, apesar dos seus melhores esforços, percebem-se incapazes de
fazer mudanças nessas áreas. As inibições podem se apresentar nas áreas de conflito
sob a forma de uma auto avaliação distorcida.

Em geral os pacientes com rigidez leve da personalidade com frequência têm dificuldade
de ver a si mesmos na sua totalidade, como os outros os veem, apegando-se tipicamente
a uma visão indevidamente negativa ou infantil de si mesmos, apesar de anos de
feedback externo lhe mostrarem o contrário.

Operações defensivas e rigidez da personalidade

As defesas são respostas psicológicas automáticas de um indivíduo a estressores


internos ou externos ou a um conflito emocional.

Todas as operações defensivas funcionam para alterar a experiência subjetiva, com o


objetivo de evitar o sofrimento emocional.

As defesas que se encontram no extremo mais adaptado do espectro envolvem pouca ou


nenhuma distorção da realidade interna ou externa, e quando as defesas tornam-se mais
rígidas e mal adaptativas, envolver graus crescentes de distorção da realidade,

Classificação das defesas:


· Defesas maduras – envolvem uma distorção mínima da realidade interna e externa e
estão associadas a um funcionamento flexível e adaptativo da personalidade normal.

· Defesas neuróticas ou baseadas na repressão – evitam o sofrimento reprimindo, ou


banindo da consciência, aspectos da experiência psicológica do sujeito que são
conflitantes ou fonte potencial de desconforto emocional

· Defesas primitivas ou baseadas na cisão – não expulsam da consciência os conteúdos


mentais per se, mas, ao invés disso, compartimentalizam ou mantêm uma distancia entre
os conteúdos mentais conscientes que estão em conflito um com o outro, ou cuja
aproximação geraria desconforto psicológico.

Defesas maduras: adaptação e enfrentamento

As defesas maduras são melhores descritas como mecanismos de enfrentamento


adaptativos e flexíveis que capacitam o indivíduo a lidar com situações que provocam
ansiedade com um mínimo de sofrimento emocional.

As defesas maduras não barram da consciência algum aspecto de um conflito, nem


mantêm distância entre os aspectos da vida emocional que estão em conflito.

Supressão – envolve a atitude intencional e adaptativa de deixar de lado um pensamento


ou sentimento particular até o momento em que possa ser tomada uma atitude
construtiva.

Antecipação – envolve o planejamento antecipado como forma de lidar com situações


potencialmente estressantes.

Altruísmo – envolve a obtenção de satisfação pessoal através da ajuda aos outros.

Humor – capacidade de ver os aspectos cômicos de uma situação estressante, como


forma de reduzir o desconforto e criar uma distância útil dos eventos imediatos.

Sublimação – redirecionamento construtivo e criativo das motivações conflitantes para


áreas de funcionamento não confitante, e é uma característica central da adaptação
normal.
Defesas neuróticas: aspectos conflitantes da experiência interna são banidos da
consciência

Todas as defesas neuróticas dependem de algum grau da repressão; algum aspecto da


experiência do sujeito é dissociado e seu acesso à consciência é barrado.

Nas definições clássicas de repressão, o pensamento ou ideia em conflito é reprimido,


embora o afeto possa permanecer consciente. Em outras formas de repressão, o afeto
pode ser reprimido enquanto a ideia permanece consciente.

Apesar das variadas formas que as defesas repressivas podem assumir, todas as defesas
neuróticas envolvem repressão ou o banimento da consciência de algum aspecto da
experiência subjetiva.

Repressão clássica – a ideia é reprimida.

Isolamento do afeto – o afeto é reprimido.

Intelectualização – o afeto é reprimido enquanto o indivíduo se detém em ideias abstratas.

Formação reativa – tanto o afeto quanto a ideia são banidos e substituídos pelos seus
opostos.

Projeção neurótica – conexão entre o sujeito e seus motivos e sentimentos que é


reprimida

Deslocamento – é reprimida a conexão entre um motivo ou sentimento e um objeto em


particular.

Racionalização – fornece explicações aparentemente racionais para condutas que


possuem raízes inconscientes.

Em suma, todas as defesas de nível neurótico evitam sentimentos desagradáveis, como


ansiedade, depressão, vergonha, culpa e medo, reprimindo ou mantendo afastados da
consciência os aspectos da experiência psicológica do sujeito que são conflitantes ou
fonte de desconforto emocional.

Como tal, as defesas de nível neurótico alteram a realidade interna do sujeito, mas
tipicamente o fazem sem distorcer de maneira grosseira o senso de realidade externa do
sujeito.
Embora as defesas neuróticas sejam responsáveis pela rigidez da personalidade,
influenciando os processos cognitivos e levando a distorções sutis da experiência, e
possam causar desconforto ou sofrimento, elas tipicamente não levam a condutas
extremamente anormais ou perturbadoras.

Defesas de distorção de imagem: aspectos da experiência consciente são dissociados


para evitar o conflito

Enquanto as defesas neuróticas fazem uso da repressão, as defesas de distorção da


imagem fazem uso da dissociação, ou cisão, para evitar o conflito psicológico e
sofrimento emocional.

Quanto utilizamos os termos dissociação e cisão referimo-nos a um processo psicológico


em que é permitido que dois aspectos das experiência que estão em conflito possam
emergir inteiramente à consciência, porém não ao mesmo tempo nem junto com a mesma
relação objetal.

Cisão é utilizada com mais frequência para referir-se à dissociação de aspectos da


experiência que são idealizados e persecutórios, ou de amor e ódio, enquanto a
dissociação é utilizada mais frequentemente quando no referimos a manter separados
outros aspectos da experiência do self que estão em conflito.

Embora as defesas baseadas na cisão sejam caraterísticas dos transtornos mais graves
de personalidade, uma variedade de defesas dissociativas e baseadas na cisão também
são rotineiramente empregadas na patologia leve da personalidade.

Cisão e dissociação nos transtornos graves de personalidade

Kerberg (1984) sugere a cisão (à qual também se refere como dissociação primitiva), é a
defesa prototípica encontrada em pacientes com transtornos graves de personalidade,
que tendem a compartimentalizar as experiências do self e dos outros que se encontram
em conflito.
O que vemos como resultado, são relações objetais vivenciadas como “totalmente boas”
ou “totalmente más” – amorosas, gratificantes e seguras por um lado, ou agressivas,
frustrantes e ameaçadoras de outro.

A identificação projetiva envolve a cisão de aspectos da experiência interna do sujeito e a


sua projeção para o interior de outra pessoa, de modo que os aspectos projetados do self
são vivenciados como parte da outra pessoa. Ao mesmo tempo, o indivíduo que está
utilizando a identificação projetiva irá interagir com a outra pessoa para obter respostas
que sejam coerentes com o que foi projetado.

A idealização é uma forma de cisão que envolve ver os outros como totalmente bons, com
o objetivo de evitar ansiedades associadas a sentimentos negativos.

· A idealização muitas vezes é acompanhada pelo seu oposto, a desvalorização.

No controle onipotente, um self grandioso controla magicamente um outro depreciado e


emocionalmente degradado.

A negação primitiva apoia a cisão, mantendo uma indiferença pelos aspectos do mundo
interno e externo que são contraditórios com um potencial ameaçadores. Quando a
negação primitiva é empregada, o indivíduo está cognitivamente consciente de uma
experiência ameaçadora, mas esta consciência falha em manifestar a reação emocional
correspondente.

Nos transtornos graves de personalidade, as defesas baseadas na cisão são


responsáveis por experiências do self e do outro que são extremamente polarizadas,
irrealistas, superficiais e intensamente carregadas afetivamente.

Além disso, as defesas baseadas na cisão, no contexto da patologia de personalidade,


são tipicamente instáveis e com frequência levam a uma rápida e caótica vivência
alternadamente entre experiências idealizadas e persecutórias do self e do outro.

Além disso, as defesas primitivas tipicamente apresentam manifestações no


comportamento e frequentemente resultam em consultas perturbadoras no indivíduo com
patologia grave de personalidade.

Cisão e dissociação na patologia leve de personalidade


O que vemos mais comumente é a dissociação, ou cisão, do senso dominante do self, de
motivações e aspectos da experiência do self que são conflitantes.

Como nos transtornos graves de personalidade, na patologia leve a cisão e a dissociação


são apoiadas pela negação; o indivíduo nega a importância dos aspectos dissociados da
experiência consciente que são incompatíveis com seu senso dominante de self.

Na patologia leve de personalidade, a cisão e dissociação são menos extremas e mais


estáveis do que na patologia mais grave de personalidade, e tipicamente não levam a
experiências de realidade interna e externa intensamente polarizadas, rapidamente
alterantes e afetivamente carregadas, que são características dos transtornos graves de
personalidade.

Na patologia leve de personalidade, a cisão e a dissociação não estão tipicamente


associadas a estados mentais “primitivos”, mas à segregação de aspectos da experiência
psicológica que estão em conflitos e à dissociação mais ou menos estável de motivações
conflitantes da experiência dominante do self.

São mais comumente responsáveis pela rigidez da personalidade e, pelas versões


excessivamente simplificadas e unidimensionais da experiência, em que as motivações e
visões do self que estão em conflitos não são vivenciadas de maneira simultânea.

Conflito inconsciente

As defesas protegem o indivíduo dos aspectos dolorosos ou ameaçadores da sua vida


interna, porém com o ônus do desenvolvimento de uma rigidez da personalidade (e por
vezes também sintomas).

É a dificuldade do indivíduo para tolerar a consciência e a aceitação de certos aspectos


da sua experiência psicológica consciente e inconsciente que levam à rigidez que
caracteriza a patologia leve de personalidade.

Conflito e estrutura
Além de desejo, necessidade ou temor conflitante, um conflito inconsciente é composto
por operações defensivas criadas para evitar a consciência ou expressão das motivações
conflitantes.

Os afetos dolorosos – incluindo culpa, perda, ansiedade, medo, depressão e vergonha –


estão associados à encenação de relações objetais conflitantes, e estes afetos negativos
funcionam para motivar a defesa.

As motivações conflitantes são vivenciadas como imagens de relações desejadas,


necessitadas ou temidas e são representadas mentalmente como padrões de
relacionamento internalizados intensamente carreados emocionalmente, ou como
relações objetais internas (Kernberg, 1992), compreendendo uma imagem de self
interagindo com uma imagem de outra pessoa.

Assim como as motivações conflitantes, as defesas e ansiedades também são


vivenciadas e representadas como padrões de relacionamento internalizados, ou relações
com os objetos internos (Kernberg, 1992).

O que vemos clinicamente é que a encenação dos padrões de relacionamento defensivos


funciona para manter as relações objetais conflitantes fora da consciência ou dissociadas
do senso de self dominante.

Além da motivação conflitante e das defesas, um conflito inconsciente também é


composto por relações objetais que significam os “perigos” associados à encenação das
motivações conflitantes.

Os perigos antecipados estão vinculados à afetos negativos – tipicamente ansiedade,


culpa, perda, depressão, medo ou vergonha – que funcionam para motivar a defesa.

A constelação de afetos negativos associados aos conflitos inconscientes que motivam a


defesa são por vezes chamados de afetos sinais ou de “ansiedade” associada ao conflito,
e são às vezes citados como motivação para a defesa.

Diagnóstico Estrutural de Personalidade em Psicopatologia Psicanalítica


Observa-se, na prática psicológica corrente, direta ou indiretamente influenciada pelo
pensamento psicanalítico, certa tendência a desvalorizar o diagnóstico da personalidade.

No entanto, desde os primórdios da psicanálise, Freud reconheceu a importância do


estabelecimento de um diagnóstico provisório antes do início do tratamento.

Pensamos que a atual desvalorização do diagnóstico da personalidade resulta de uma


confusão entre os conceitos de método e técnica.

Toda vez que se deparam com sintomatologia psicopatológica de significado emocional,


deixam de proceder à realização do psicodiagnóstico para apenas indicar psicoterapia
psicanalítica, como se o método psicanalítico só pudesse se concretizar através do
método freudiano clássico de tratamento para neuróticos.

Um olhar mais detido não pode deixar de perceber que, para tais profissionais,
problemática psíquica de ordem emocional é sinônimo de neurose, de sorte que muito
provavelmente nutrirão crenças acerca da organogênese dos distúrbios psíquicos.

Concordamos com Herrmann, quando afirma que o método psicanalítico consiste


essencialmente na busca do determinantes lógico-emocionais que estruturam as
condutas humanas.

Desta feita, trata-se de método que pode ser utilizado em tentativas de inteligibilidade,
desde a perspectiva de análise do fenômeno humano, de toda e qualquer conduta na
acepção precisa com que esse conceito é definido por Bleger (1977)

Utilizando o conceito de conduta que se atualiza como fenômeno mental, corporal ou de


atuação no mundo, Bleger adota posição epistemológica que supera o dualismo corpo-
mente e estabelece uma relação dialética entre ambos. Simultaneamente, ao definir tais
manifestações como essencialmente vinculares, torna inviável a desconsideração das
condições concretas da existência humana, firmando, deste modo, uma visão do homem
como ser essencialmente social.

Bleger vai, contudo, enfatizar que o drama humano é necessariamente forjado, desde a
tenra idade, na relação com outrem, de modo que seu significado íntimo só é susceptível
de ser desvendado com base nas experiências vitais do sujeito em questão.

Por outro lado, conforme ensina a psicanálise, este sentido pode permanecer
inconsciente, o que requererá a aplicação do método psicanalítico ao estudo psicológico
da conduta, a partir do que se poderá chegar à apreensão/construção daquilo que
Herrmann (1979) denomina inconsciente relativo.

O método psicanalítico pode se concretizar por meio de diferentes técnicas, segundo os


propósitos pelos quais se intenta realizar uma investigação/intervenção psicanalítica, duas
facetas indissociáveis neste campo do saber.

Quando está em pauta o sofrimento neurótico, o método encarna segundo modalidades


interpretativas classicamente empregadas por Freud.

Entretanto, deve-se recorrer a outros procedimentos técnicos quando o paciente


apresenta problemáticas de origem mais regredida, comumente designadas como
borderline ou psicóticas, sendo fundamental salientar que, embora as condutas
terapêuticas difiram da análise padrão, permanecem essencialmente psicanalíticas na
medida em que a cura é conduzida por meio da busca dos determinantes lógico-
emocionais subjacentes às condutas.

Para Bergeret, toda cura é empreendida é empreendida através da busca de


compensação da estrutura do sujeito, sem pretensão do alcance de transformação
estrutural, já que considera que uma existência “saudável” pode ser conquistada tanto a
partir de uma estruturação neurótica de personalidade, como a partir de uma estruturação
psicótica.

O mesmo, no entanto, não se pode dizer dos casos borderlines, organizações limítrofes
que, a rigor, nunca estariam verdadeiramente compensadas.

Consiste o psicodiagnóstico na realização de discriminações que visam, primordialmente,


orientar intervenções psicoterapêuticas e psicoprofiláticas. Ou seja, a nosso ver, o
psicodiagnóstico só tem sentido no contexto de uma prática psicológica, pois existe um
vínculo essencial entre o tipo de discriminação diagnóstica apreendida e o tipo de
operação interventora que se pretenda aplicar à questão.

Propomos enfaticamente a consideração do psicodiagnóstico como tentativa de


apreensão de aspectos da realidade intersubjetiva a partir do reconhecimento das
limitações inerentes às condições mentais humanas do pesquisador.

Encarada como estruturalismo genético, a psicanálise pode ser focalizada de uma


perspectiva dialética, o que, acreditamos, permite um manejo teórico interessante do
conceito de estrutura de personalidade, evitando um vínculo obsessivo, sempre
paralisante e pouco fecundo, com a noção de estrutura.

Goldmann (1974) afirma que tanto a psicanálise quanto o marxismo partem da afirmação
de que, no plano humano, nada existe desprovido de sentido, embora sua significação
nem sempre seja aparente ou consicente.

Tanto a psicanálise quanto a teoria marxista utilizam métodos de restabelecimento do


sentido a partir de fragmentos em si mesmos superficialmente não significativos ou
portadores de outros sentidos manifestos.

Em ambos os métodos, trata-se de integrar o fragmento estudado em uma totalidade


relativa mais ampla, que, segundo o caso, pode receber o nome de estrutura, vida social
ou psiquismo inconsciente.

De fato, qualquer fragmento estudado poderia ser integrado em estruturas diferentes, nos
planos da subjetividade, da vida histórica ou da vida biológica.

Finalmente, tanto para a psicanálise como para a teoria dialética, as estruturas não
devem ser consideradas invariáveis ou permanentes, mas constituem o termo final de
processos históricos.

À luz da psicanálise como estruturalismo genético, podemos pensar que a estrutura de


personalidade é produto de uma história e é essencialmente mutável. Isso não significa,
infelizmente, que a estrutura de uma personalidade seja sempre passível de mudança no
plano concreto da vida, pois a temporalidade da vida humana não permite que qualquer
experiência seja vivida a qualquer tempo.

Aliás, é muitíssimo importante salientar que, no nosso entender, a estrutura de


personalidade deixa de ser, no plano concreto da temporalidade de cada um, mutável,
porque, em última instância, ela expressa posições libidinais e localizações tópicas do
sujeito, as quais, fixadas na infância, passam a se constituir como determinações. Mas o
sujeito humano não se reduz, de modo algum, à estrutura de sua personalidade.

Na prática clínica, as estruturas podem manter-se, mas seu funcionamento pode ser
transformado. Por outro lado, as organizações limítrofes podem chegar a se estruturar
verdadeiramente.
Estruturas de personalidade e história individual

Bergeret (1974) define a estrutura de personalidade como: “... modo de organização


permanente mais profundo do indivíduo, aquele a partir do qual desenrolam-se os
ordenamentos funcionais ditos ‘normais’, bem como os avatares da mobidade”
acrescentando que “... a sintomatologia torna-se simplesmente o modo de funcionamento
mórbido de uma estrutura quando esta se descompensa”, sendo que “... o sintoma não
nos permite jamais, por si só, prejulgar acerca de um diagnóstico da organização
estrutural profunda de personalidade”.

Psicanaliticamente falando, pensa-se que, no plano mais profundo da personalidade,


cada estrutura é produto do alcance e da realização de determinadas etapas do
desenvolvimento psicoemocional.

Entende-se, assim, que a estrutura psicótica seja resultado do enfrentamento das


frustrações bastante precoces, numa fase da vida em que não foram suficientemente
alcançadas e consolidadas a integração da personalidade, e diferenciação eu/não-eu e
estabelecidas relações objetais (Winnicot)

Por outro lado, quando a criança pôde contar, em seu crescimento, com um ambiente
suficientemente bom na fase de dependência absoluta, conhecendo o que Bergeret
chama de evolução banal, mas encontra dificuldades de alguma magnitude em função de
insuficientes ou inadequados aportes ambientais na fase de dependência relativa, ou seja,
quando já alcançou certa autonomia e separatividade, a ponto de perceber a mãe como
objeto total distinto de si própria, do qual, entretanto, ainda depende, um fenômeno
diverso tem lugar. Trata-se da ocorrência de um trauma psíquico precoce que leva a
criança, ainda despreparada emocionalmente, a ingressar abruptamente na situação
edipiana dando lugar à pseudolatência. Observa-se, neste caso, uma luta constante
contra angústias depressivas, isto é, relativas à perda do objeto de amor e de ódio, a qual
configura o que é conhecido como organização limítrofe de personalidade, podendo
assumir variadas formas sintomatológicas ou caracterológicas.

Finalmente, quando a criança lidou suficientemente bem com as tarefas emocionais


características das fases de dependência absoluta e relativa, não se sobrecarregando
com angústias de fragmentação ou do tipo anaclítico, pode vivenciar a situação edipiana,
o que enseja uma pré-estruturação neurótica da personalidade.
A neurose, forma de “adoecer” desta estrutura, origina-se “... quando a criança está
começando a tomar seu lugar na família como ser humano total (Winnicot), em outras
palavras, quando o ego está íntegro e a identificação sexual bem estabelecida. O
indivíduo é impelido, então, pelo desejo sexual dirigido à figura parental do sexo oposto,
desejo este inaceitável pelo superego.

O sintoma neurótico expressa, portanto, o conflito entre a censura psíquica e o desejo


sexual inconsciente, constituindo-se como compromisso entre ambos. A angústia de
base, reverso do desejo, é, neste caso, a de castração, que, simbolicamente implicaria na
perda de acesso ao prazer, temido e desejado.

É neste sentido que Bergeret, comentando o funcionamento mental das organizações


limítrofes, faz menção àquilo que Winnicot designa como falso self, referindo-se, com
certeza, à psiconormalidade que tais organizações podem demonstrar à primeira vista e
aludindo a elas como: “... as frágeis organizações narcisistas intermediárias (...), cuja
estabilidade contenta-se em imitar (os ‘normais’ possíveis) às custas de ardis
psicopatológicos cariados, incessantemente renovados e profundamente custosos e
alienantes (Bergeret).

O psicodiagnóstico estrutural psicanalítico vem a ser, portanto, a discriminação da


estrutura/organização de base da personalidade a partir da qual diferenciamos, em um
primeiro momento, se estamos, ou não, diante de psicopatologia resultante,
essencialmente, de deficiências ambientais, para, a seguir, diferenciarmos, excluída a
possibilidade de estruturação neurótica, a magnitude o momento desenvolvimental de
ocorrência da falha básica (Balint)

Discrimina-se a estrutura/organização em pauta por meio do exame de alguns critérios


metapsicológicos, a partir dos quais, segundo se supõe, esta ou aquela se configura ao
longo da história e do desenvolvimento individuais. São deles: a angústia organizadora,
as modalidades de relação objetal predominante, as técnicas defensivas mais intensas e
frequentemente utilizadas e o grau do desenvolvimento egoico e pulsional.

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