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PAISAGEM COMO FORMA PURA terem sido influenciados por Whistler, Arthur Wesley Dow ou Gauguin, os
pictorialistas eram dedicados a incorporar as novas lições da arte. Para
Deus geometriza. (Platão) eles, como para outros modernos, a natureza simplesmente se tornara, mais
e mais, a desculpa para a organização de formas interessantes e a criação
Em 1922 Alfred Stieglitz começou a produzir uma série de fotografias de temperamento.
que chamou versatilmente de Songs of the Sky, Equivalents e Clouds. Por exemplo, as paisagens de foco suave de Steichen usavam difusão de
Uma dessas imagens ele intitulou, simplesmente, Music No. I. Tomada de detalhe não apenas para criar temperamento, mas para suprimir minúcias
uma colina próxima do lago George, a imagem é dividida em três áreas distrativas em benefício de amplas massas ou formas evocativas. Como
principais: uma massa dramaticamente escura de nuvens domina uma uma regra, o foco suave era preferido como um meio de elevar o particular
banda irregular, estreita de céu claro acima de um vale escuro; no vale, ao geral. As paisagens eram “declarações abstratas sobre a paisagem que
uma simples forma triangular branca, o telhado anguloso de um casa expressavam mais sobre um conceito de tranqüilidade que sobre um tempo
isolada aponta, como uma flecha, para o céu. Os elementos da imagem e lugar particular.” 1 Dessa forma, um grupo de espatódeas era generalizado
estão organizados no que é convencionalmente considerado ser um arranjo para representar a própria natureza e a natureza era usada para transmitir
abstrato, com as formas paralelas ao plano da imagem parecendo suspensas temperamentos tão diversos quanto tranqüilidade, tormento, desespero,
e fortemente relacionadas às quatro margens do quadro. isolamento ou prazer.
O fato de que Stieglitz intitulou essa imagem Music sugere que ele Se as paisagens são consideradas como apenas poéticas e simbólicas de
percebera uma relação entre música, abstração e forma pura no modo temperamento é porque talvez não foram suficientemente relacionadas à
como esses termos se aplicam à paisagem. Essas conexões, será visto, obsessão do final do século XIX, sobre como a forma comunica
possuem uma história essencial. significado. O desprezo purista pela manipulação da imagem fotográfica,
Os pictorialistas com quem Stieglitz fora há muito associado e que como por exemplo no uso da goma bicromatada, obscureceu o fato de que
defendera nos primeiros anos de Camera Work são geralmente a “vontade” pictorialista “de experimentar com diversos processos de
descartados por puristas fotográficos como pintores frustrados, foco-suave, produção de imagem ... reduziu ainda mais a honra conferida ao objeto
que estavam confusos sobre os objetivos próprios da fotografia. Entretanto, no mundo [ênfase das autoras]. Esses trabalhos afirmavam a superioridade
o fato é que eles não eram assim tão confusos sobre os objetivos da da habilidade conceitual do artista.” 2 Conseqüentemente, a paisagem
fotografia como eram dedicados à produção de imagens* - daí o nome que pictorialista era uma tentativa de enaltecer o mundo físico em mensagens
Stieglitz deu ao movimento. O que isso significava é que o mero registro comunicativas que versavam mais sobre uma ideologia da arte que sobre
da natureza não era suficiente para os propósitos da arte. Na década de fenômenos óticos, mais sobre a expressão da emoção que sobre a descrição
1890 e nos primeiros anos do século XX, os propósitos da arte não eram impressionista da passagem transitória da luz. Verossimilhança ao
mais didático, moralista e narrativo mas decorativo, simbólico e poético. fenômeno natural, à Fidelidade à Natureza que Ruskin tinha exaltado
Considerando a imagem como um fenômeno de margem-a-margem no havia, há muito, cessado de surpreender o público fotográfico. O que
qual a composição era de importância fundamental, os pictorialistas importava era que idéias estavam sendo expressas.
estavam, muito curiosamente, entre os primeiros fotógrafos a colocar as O problema era, é claro, que a fotografia parecia eternamente unida à
considerações formais acima de todas as outras. Independentemente de “natureza”. Então, como as idéias podiam ser expressas, particulares serem
generalizados, verdades serem elucidadas através de um meio que, de uma
*
N.T.: no original, making of pictures: as autoras relacionam picture com forma ou de outra, registrava o mundo fenomenológico? Se, como ditou
pictorialism. Para Wölflin (Conceitos Fundamentais da História da Arte)
há duas formas básicas de ver na arte: a linear, que vê a linha e a 1
Anthony BANNON, The Photo-Pictorialists of Buffalo, p. 15
pictórica, que vê as massas. 2
Idem, p. 29.
2

Minor White, “A função do trabalho da câmera, quando tratada como um como Wassily Kandinsky e Piet Mondrian, e dos fotógrafos, como Alvin
tesouro, é invocar o invisível com o visível” 3, como exatamente isso devia Langdon Coburn. Uma extrapolação da Theosophy, alimentada sob várias
ser feito? Os simbolistas voltaram-se para a metáfora, semelhança, figuras rubricas pelos místicos russos Gurdjieff e Ouspensky, incluindo o “The
míticas e analogias clássicas algumas vezes tão arcanas a ponto de serem Fourth Way” e The Universal Order,” oferecia correlações entre uma
ininteligíveis. Haveria outro modo, à exceção de borrar a realidade com proposta hierarquia dos planetas e galáxias e a escala musical de sete
técnicas de foco suave? Se o objeto não devia mais ser o convidado de notas, cada nota representando o conjunto de vibrações matematicamente
honra na casa da Arte, o que devia tomar o seu lugar? O que podia tomar o determinado que, tomadas juntas, constitui o que Ouspensky chamou de
seu lugar? “The Ray of Creation”7.
De acordo com os pintores abstratos das primeiras décadas desse século, A idéia de que a música dependia de vibrações que podem ser
o que devia tomar o lugar do objeto era a essência de toda criação: as leis matematicamente descritas, levou à teoria correspondente de que tudo na
de relacionamento e dos números. Há muito os pitagóricos determinaram “natureza” existe e demonstra suas essências através de vibrações
que “Números são o Céu inteiro” 4. Eles acreditavam que leis naturais - semelhantes. Comentando sobre cor e forma nas artes visuais, teosóficos
princípios - governavam o movimento rítmico das estrelas e de todo o como Annie Besant e Charles Leadbetter propuseram uma teoria de
universo incluindo “tudo o que a natureza abarca” 5. Essas leis eram Thought Forms8 que sugeria a maneira pela qual as formas estimulam
baseadas na matemática. A matemática, descobriu Pitágoras, governava respostas emocionais. “As formas de pensamento não são apenas moldadas
também as leis da música e seus seguidores acreditavam em uma pelas vibrações, por sua vez elas também produzem vibrações radiantes
cosmogonia na qual o ritmo e o espaçamento dos planetas e das estrelas, que, ao atingir o corpo mental de outra pessoa, tendem a produzir
enquanto circulavam nos céus, criaram uma música literal das esferas. pensamentos do mesmo tipo no recebedor” 9. Não há nenhuma mágica,
Quando William Blake escreveu que as estrelas cantavam no céu ele portanto, no fato de que a arte desperta emoção uma vez que há uma
queria dizer exatamente isso. Em seu Ode to St. Cecilia, Dryden falou da relação isomórfica entre as vibrações que estimulam a produção do
harmonia dos céus, não metaforicamente, mas como uma descrição do que trabalho de arte e as subseqüentes vibrações das formas de arte. Besant e
era considerado por muitos, inclusive o astrônomo Kepler, ser verdade Leadbetter também acreditavam que seus princípios, do que pode ser
científica. As leis governando as estrelas e a oitava musical, o quarto e o chamado de física oculta, podem ser usados como explicações “do efeito
quinto intervalos eram “inerentemente consonantais porque espaçadas nas moral da música e das artes” 10.
cordas da lira e são arranjadas como as estrelas são arranjadas, umas às De acordo com Besant e Leadbetter, cada forma gera vibrações
outras nos céus” 6. características examente como as emoções e os pensamentos. Como
Essas idéias do relacionamento da música às ordens celestiais e aos Kandinsky, que tentou o mesmo tipo de tipologia com relação à cor, os
segredos do número parecem ter emanado dos filósofos orientais. Teosofistas sugeriram que linhas rombudas representam fúria, círculos ou
Perenalmente, essas influências orientais revivem ou reforçam ideologias vórtices significam emoções súbitas, o medo se manifesta em zigue-zague.
arquetípicas já absorvidas pelo pensamento ocidental. No século XIX Os planos astral, ou mental, do ser são capazes de produzir formas que
Madame Helen Blatavsky viajou para a Índia e retornou para propor imitam os princípios da matéria. As correspondências sobre as quais
princípios cósmicos em sua Theosophy, um sistema metafísico do mais
profundo significado no desenvolvimento artístico dos abstracionistas, 7
P. D. OUSPENSKY, The Fourth Way, p. 211.
8
Annie BESANT e C. W. LEADBETTER, Thought-Forms (Wheaton,
3
Minor WHITE, The Way through Camera Work, p. 73. Ill.: Theosophical Publishing, 1925).
4
Julius PORTNOY, Music in the Life of Man, p. 155. 9
Sixten RINGBOM, “Art in the ‘Epoch of the Great Spiritual’; Occult
5
Idem Elements in the Early Theory of Abstract Painting,”p. 400.
6
Idem 10
Idem.
3

Mallarmé liricou tornaram-se, agora, afinidades literais: “A afinidade da responsabilidades com seu sujeito ou material” 14. Seguindo essa noção ao
cor, som e emoções revelam uma unidade de dimensões cósmicas uma vez seu extremo lógico, Pater ofereceu, como os exemplos ideais da poesia e
que a Natureza também toca nas cordas das nossas almas, colocando-as em da pintura, “aqueles nos quais os elementos constituintes da composição
vibração” 11. estão tão fundidos juntos que o material ou o sujeito não mais impressiona
Se Alfred Stieglitz tornou-se realmente um Teosofista praticante - como, apenas o intelecto; nem apenas a forma, o olho ou o ouvido; mas forma e
por exemplo, Alvin Langdon Coburn - não importa tanto quanto, talvez, o matéria, em sua união ou identidade, apresentam um único efeito para a
fato de que ele era fortemente influenciado por Maurice Maeterlinck e “razão imaginativa”, aquela faculdade complexa pela qual cada
pelos fundamentos metafísicos da arte abstrata do princípio desse século. pensamento e emoção nasce gêmeo com seu análogo sensível ou
Maeterlinck, cujas opiniões estéticas Stieglitz publicou no Camera Work, símbolo {ênfase das autoras}” 15. Szarkowski não estava, provavelmente,
tentou, em suas peças teatrais e poesia, remover a linguagem de sua função sugerindo que a fotografia sempre faz um apelo direto à “razão
de significação para usá-la pela beleza de seus valores musicais. O objeto imaginativa” mas, ao contrário, que a fotografia é um meio transparente
não fora apenas deposto, a linguagem que a humanidade tinha pelo qual o que você vê é o que você obtém, ao menos na forma. Pater, por
desenvolvido para significar o objeto era também desafiada. Por uma outro lado, parece ter sido negligente à possibilidade de que a própria
variedade de razões, a música era o paradigma para toda produção, música podia seguir uma progressão da imitação da natureza (por exemplo,
interpretação e apreciação artística. O ideal da música, como um modelo a Sinfonia Pastoral, de Beethoven, e outras composições programáticas) à
para as artes, havia sido abraçado por inúmeros estetas do século XIX, o procura de formas puras, como por exemplo na obra de Stockhausen ou
mais proeminente entre eles foi Walter Pater, cujo pronunciamento de que Varese. Quando os pintores abstratos falaram da música como um ideal
“Toda arte aspira à condição da música”12, foi recebido como eles não pareciam entender que existem músicas e não simplesmente
evangelho. música. Eles consideravam toda música como sendo essencialmente sem
Que a fotografia, especialmente a fotografia da Natureza na forma de conteúdo, livre da necessidade de imitar e copiar a Natureza.
paisagem, possa ser capaz de participar dessa aspiração à condição da Paul Cezanne observou uma vez que a “Arte é uma harmonia paralela
música parece, ao primeiro exame, ser tolice, senão impossível. Há, àquela da natureza” 16. Picasso ampliou essa declaração ao comentar sobre
entretanto, semelhanças definidas entre o ensinamento de Pater e a a presumida oposição da pintura moderna ao naturalismo. “Eu gostaria de
definição da própria natureza da fotografia que John Szarkowski propôs. saber se alguém jamais teria visto um trabalho de arte natural . Sendo duas
Porque Szarkowski descreve a fotografia como a única arte na qual a coisas diferentes, a Natureza e a arte não podem ser a mesma coisa.
forma e o conteúdo são sinônimos. Pater descreveu a música, Através da arte nós expressamos nossa concepção do que a natureza não
precisamente, da mesma forma: “É a arte da música que mais é.”17 Da mesma forma como Maeterlinck removeu da linguagem sua
perfeitamente realiza esse ideal artístico, essa perfeita identificação da utilidade como significação, assim os artistas visuais desejavam que as
matéria com a forma” 13. imagens se tornassem auto-reflexivas, comentando apenas sobre o mundo
Pater tipifica as aspirações, dos simbolistas fin-de-siècle, de da forma pura. A tarefa do fotógrafo era procurar apenas aquelas formas
desmaterializar o mundo, de ser aliviado do fardo da natureza. A arte, ele
acreditava, estava “sempre empenhada em ser independente da mera
inteligência, em tornar-se uma matéria de pura percepção, livrar-se de suas 14
Idem.
15
Idem.
11
Mallarmé, citado em Ringbom, “Occult Elements,” p. 402. 16
Paul CÉZANNE, citado em Amadée Ozenfant, Foundations of Modern
12
Walter PATER, The Renaissance; Studies in Art and Poetry, p. 133, Art, p. 323.
Primeira edição, 1873. 17
Picasso, citado em Paul Waldo Schwartz, Cubism (New York: Praeger,
13
Idem, p. 138. 1971), p. 23
4

que ressoassem com emoção e significância, sem recorrer aos elementos Foi Minor White quem disse, das últimas fotografias de Edward Weston,
narrativos e descritivos. tomadas em Point Lobos, que elas “podem igualar-se, em conteúdo, aos
Amadée Ozenfant, um purista das artes visuais, ao exortar os pintores a últimos quartetos de Beethoven” 20. Weston, que era apaixonadamente
ignorar os aspectos acidental e transitório da Natureza e exortando-os a aficionado à música, teria sentido prazer por tal elogio, mesmo que tivesse
buscar “as constantes das sensações e elementos da forma na natureza e na preferido ser comparado à elevada polifonia de Johann Sebastian Bach, seu
arte” 18, ofereceu um comentário sobre a fotografia que poderia ter emanado compositor favorito e uma fonte de inspiração admitida. Mas o que Minor
do próprio Stieglitz: “Tudo graças a Daguerre; ele revelou claramente que White poderia ter significado com a palavra conteúdo? Os últimos
a imitação exata, item por item, não pode reproduzir a natureza mas que quartetos de Beethoven estão entre as mais complexas e sonoras erupções
apenas os EQUIVALENTES podem” 19. de emoção em forma musical jamais compostos. Se seu “conteúdo” é a
Os Equivalentes de Stieglitz, que incluíam sua Music, eram, em alguns poderosa emoção, e se, simultaneamente, a música é considerada abstrata -
aspectos, remanescentes da busca, de T. S. Elliot, por “correlatos isso é, livre de conexões representativas com a natureza - então nós fomos
objetivos”, ou do que Pater tomou, como dado, como pensamentos e reconduzidos à questão inicial: Como a forma estimula a resposta da
emoções “nascidos gêmeos” com seus análogos ou símbolos perceptíveis. emoção? Como pode, a forma pura, expressar emoção ou pensamento? De
Se endossava ou não as teorias teosóficas de Annie Besant, Stieglitz - que modos a forma pura age sobre nós - por semelhança? por metáfora?
enquanto reconhecendo a relatividade à qual a percepção e compreensão por imitação cinesiológica? por vibrações matemáticas análogas às
humana são suscetíveis - estava conscientemente buscando formas, vibrações da Natureza?
contornos e conteúdos expressivos de pensamentos ao contrário de Ao descrever Edward Weston como um dos poucos grandes artistas
meramente descrever a Natureza. Seu Songs of the Sky, produzido sob a criativos de sua época Ansel Adams declarou “Ele re-criou as formas-mães
influência de poderosas pinturas abstrata e simbólica de sua esposa, Georia e as forças da natureza; ele tornou essas formas eloqüentes da unidade
O’Keeffe, revela a convicção de que uma analogia musical para as fundamental do mundo” 21. Essas formas eram consideradas essenciais a
fotografias era certamente improvável. Se lemos corretamente a sua qualquer arte que presumia oferecer uma experiência da beleza. De acordo
paisagem Music, de 1922, vemos que Stieglitz estava oferecendo com Immanuel Kant a emoção estética - a experiência da beleza - depende
proporção, ritmo, harmonia de forças opostas (terra/céu) e coloração como de certos fundamentos comuns a todas as artes: repetição, variação,
um tipo de álgebra ou emoção. Como a música, suas formas abstratas são contraste e equilíbrio. As constantes das sensações e os elementos da forma
uma notação sobre as vibrações do universo. A música é a aritmética do na natureza e na arte de Amadée Ozenfant eram quatro fundamentos:
cosmos e a Music de Stieglitz é a música da fotografia para o olho. verticalidade, horizontalidade, obliqüidade e a curva.
Não é, certamente, irrelevante notar que a pintura de O’Keeffe intitulada Como o teórico do século XIX, Charles Henri e seu discípulo, o pintor
Ladder to the Moon (1958) contem uma silhueta de montanhas escuras e Seurat que tentou bravamente determinar o simbolismo e os efeitos
uma faixa de céu na qual uma escada flutuante forma sete intervalos entre psicológicos da forma pura, Ozenfant sugeriu que a verticalidade nos
oito degraus à medida que ascende. (A pintura de O’Keeffe foi, lembra a força da gravidade: nós sabemos disso por permanecermos eretos
apropriadamente, selecionada como design de pôster para o Santa Fe no chão com o horizonte em ângulos retos com o nosso corpo. Tratado
Music Festival de 1974.) Através da música, nós estamos literalmente como uma força direta desobstruída pelas curvaturas das montanhas, o
“sintonizados”com o cosmos: os sete intervalos representam as sete notas horizonte não apenas enfatiza o dinamismo potencial da vertical mas,
da oitava, a mesma oitava que Minor White usou para o título de seu livro, porque é o oposto da vertical, lembrando-nos da nossa postura de dormir -
Octave of Prayer.
20
Minor White, citado em Nancy Newhall, Edward Weston, The Flame
18
Ozenfant, Foundation, p. 259. of Recognition, p. 100.
19
Idem, p. 57. 21
Ansel Adams, citado em Newhall, Edward Weston, p.100.
5

deitado mais ou menos planamente - ele “enfatiza estabilidade inerte, fortemente oposto a imagens metronômicas previsíveis. Ele estava
repouso”22. Assim Ozenfant está sugerindo uma geometria dos efeitos inseguro sobre o limite até o qual os artistas visuais podem se afastar das
emocionais da forma pura, que é previsível porque é axiomática. Ele, matrizes da natureza. “Se nós simultaneamente começamos a quebrar as
então, adiciona um último elemento, o tempo. “Uma forma não produz seu ligações que nos unem à natureza e nos devotamos à combinações de cor
efeito total instantaneamente. Nós temos de ‘seguí-la’. O tempo intervém pura e forma abstrata, nós devemos produzir trabalhos que são meras
em atos de visão como na música, dança, literatura” 23. Os pintores cubistas decorações, que são adequados para gravatas ou carpetes” 24. Certamente, a
demonstraram esse amalgama de relacionamento espaço/tempo em uma pintura de Kandinsky que Stieglitz adquiriu na exposição do Armory, de
superfície plana e, certamente, quando olhamos fotografias de Brett 1915, era um experimento em pura forma biomorfótica na qual muito
Weston, filho de Edward, as conexões temporais são tão evidentes como o pouco da reconstrução escultural da natureza do Cubismo, ou da geometria
são os relacionamentos espaciais (lâmina 42). Nessa imagem fortemente quadrada de alguém como Malevich, pode ser encontrada. As versões da
delineada de Brett Weston é óbvio que as formas não são geometricamente “forma pura” de Kandinsky têm o dinamismo deslizante, flutuante,
equilibradas pelo artista; Garapata Beach é a música ótica de triângulos nebuloso, completamente livre da matéria primordial; de fato, algumas de
descobertos reverberando uns contra os outros ao longo do espaço e tempo. suas abstrações parecem o caos magnificente do qual as últimas estruturas
Quando comparamos essa com duas imagens de Edward Weston da naturezas surgiriam. Ao tentar deixar sua arte expressar a mutualidade
(lâminas 44, 45), os elementos formais em Oceano e Tomato Field, de da vibração conectando natureza e formas da arte, Kandinsky devotou-se à
Edward, são claramente os elementos Kantianos da repetição e variação. prática da escrita automática e outros caminhos para a mente
Um senso dos padrões nos quais as formas naturais se arranjam é subconsciente que antecedem a aderência do Surrealismo aos princípios do
dominante; mas também é afirmada a noção de tempo de Ozenfant como automatismo. Suas imagens possuem vitalidade complexa, originando-se
um elemento de “atos de visão” porque o olho deve percorrer as mais de combinações aleatórias e estados oníricos que da pre-seleção
intermináveis linhas dos pés de tomate e as repetitivas, mas variadas, dogmática. Kandinsky, mesmo quando montando uma taxonomia de cor e
cristas de areia. Em termos musicais, essas imagens são compostas em forma, enfatizou a compreensão intuitiva da forma uma vez que ele
ritmos regulares que provavelmente podem ser avaliados em notações de acreditava que a Natureza - Deus, o Criador - criou a forma a partir do
tempo específicas. Pode ser dito que os pés de tomate se movem em ritmo jogo divino, uma atividade livre e autográfica restrita apenas pelas
de marcha, as dunas de areia - porque elas afundam e variam possibilidades intrínsecas da matéria.
diagonalmente - podem lembrar alguns observadores das rítmicas Acaso e espontaneidade se tornaram as palavras chaves de Minor White
inesperadas do tango. Cinesiologistas teorizam que nós respondemos às e seus discípulos. Edward Weston mostrou o caminho com suas intensas
formas visuais rítmicas por uma ação imitativa, inadvertida e inconsciente, observações das idiossincrasias das formas naturais. Ele disse, “Eu não
consistindo de respostas musculares reprimidas. estou mais tentando ‘me expressar’ para impor minha própria
Se as tipologias de Ozenfant e de Kant são aceitas como finais então, personalidade à natureza, mas para me identificar com a natureza sem
todas as questões da forma seriam resolvidas de acordo com fórmulas preconceito, sem falsificação, sublimando coisas vistas em coisas sabidas -
geométricas e, certamente, metronômicas. A dificuldade é que há mais que suas próprias essências - de forma que o que eu registro não é uma
uma “forma pura”: duas variedades principais são geométricas, que interpretação, minha idéia do que a natureza deva ser, mas uma revelação -
estivemos discutindo, e a biomorfótica. Kandinsky, que influenciou tanto um reconhecimento absoluto, impessoal do significado dos fatos” 25.
Stieglitz quanto Edward Weston, não apenas através de suas pinturas mas
pelas teorias explicadas em Concerning the Spiritual in Art, era
Wassily KANDINSKY, Concerning the Spiritual in Art, p. 47.
24
22
Ozenfant, Foundations, p. 259. 25
Edward Weston, citado em Minor White, The Way through Camera
23
Idem, p. 263 Work, p. 73.
6

O acaso pode ser igualado à descoberta das formas do mundo natural. No que uma fotografia deva ser chamada de formalista ou documental? O
close-up de Paul Caponigro, praia Revere (lâmina 46), o acaso depositou novelo de formas de árvores e galhos da lâmina 50 oferece os fundamentos
certas marcas de algas e o brilho de sal na areia. O olho do fotógrafo notou já mencionados de Kant da “repetição e variação, contraste e equilíbrio”.
esses acidentes da interação entre os elementos naturais e selecionou um A imagem está dividida em terços verticais e horizontalmente em,
quadro específico do que é obviamente uma interação espaço/tempo (a aproximadamente, metades. Essa é sua composição, um termo que os
água voltará, a alga flutuará para longe, a rocha será submersa) que ele fotógrafos contemporâneos parecem repudiar presumivelmente porque
acreditava ter força conotativa ou descritiva. Em Saguaro (lâmina 47), de ecoa a arte da pintura.
Chris Eno, acidentes de crescimento e ambiente produziram uma explosão A fotografia de Friedlander (lâmina 50) mostra uma certa vitalidade
em cascata de formas que parecem imóveis mas que são parte do fluxo da fascinante que entretanto beira à melancolia e ao estranhamento. Seu
natureza (o cacto irá deteriorar e apodrecer, os pássaros virão aninhar em complexo de significados inclui a resposta cinestésica que a maioria das
suas colunas e assim por diante dependendo do que o observador conhece pessoas experimenta quando são confrontadas com a barreira de uma densa
sobre o deserto). Clouds, Owen Valley, de Brett Weston (lâmina 43), floresta ou as barras de uma prisão: o instinto é dar a volta, procurar uma
representa a Natureza em seu mais histrionicamente bizarro - porque passagem mais fácil, ou janela, que não nos relembre de termos perdido
enquanto nuvens são, freqüentemente, sabidas serem amorfas elas, ao nossa liberdade. Novamente, o cinestesiologista e o sócio-biológo podem
mesmo tempo, não parecem estar totalmente fora de controle. provavelmente interpretar melhor esse tipo de imagem e não o geômetra
Ao mesmo tempo que Harry Callahan depende do acaso para criar as ou botânico Ozenfantiano. Freqüentemente a paisagem fala conosco
praias que ama fotografar, suas fotografias são absolutamente controladas através do sentido projetado do toque ao invés da visão. Se a fotografia de
com respeito à proporção e ao ritmo. Usando as quatro margens de seu Friedlander repele, isso é o resultado de sua imaginária, não em termos de
quadro para demarcar um campo no qual ele irá observar o jogo de forças produção de imagem, mas as implicações físicas dos fatos apresentados.
naturais Callahan parece quase montar as partes da imagem em suas cenas Nela a fotografia funciona como uma janela documentando a desordem e
de praia. Parecendo o contraponto horizontal flutuante nas pinturas alienação da cidade, distante da presumida “beleza” da natureza bem como
abstratas de Mark Rothko, as imagens de praia afirmam um paralelismo das conexões com o mundo mais amplo. Friedlander, não pela primeira
estritamente vertical de contornos para negar a perspectiva tridimensional. vez em sua carreira, desafia todas as convenções da produção de imagem
As combinações de áreas mais ou menos retangulares, praia/água, frontal, precisionista, bela. A Natureza pode ser uma armadilha bem como
margem/distante, mar/céu nos retorna à geometria das “formas puras”. um convite.
Elas são, novamente, música para o olho. Nós nem tanto lemos as formas Edward Weston não teria gostado dessa imagem de Friedlander (lâmina
quanto as sentimos pulsar umas contra as outras em uma harmonia 50) ou mesmo aceitado-a como parte do domínio da fotografia; porque sua
controlada como uma música de câmara acusticamente ampliada. idéia do fato significante tinha mais a ver com a apreensão metafísica da
A atribuição do termo formalista provocou controvérsia amarga na geometria subjacente da natureza. É difícil dizer o que Minor White teria
crítica da fotografia contemporânea. Essa questão perene amadureceu feito dela a menos que lembremos que ele adorava o acidental, o
quando Factory Valley, de Lee Friedlander, foi publicado em 1982. descoberto ao invés do composto e montado. Ele escreveu em The Way
Enquanto o geométrico empurra/puxa das formas são quase impossíveis de through Camera Work: “O que é mais anônimo que a escrita em paredes
negar em uma imagem como a da lâmina 49, é menos fácil ver como, na e faces, rochas, nuvens e olhos? E quem pode interpretar a mensagem do
lâmina 50, com suas irregularidades suspensas como um novelo de texturas acaso sem curvar-se” 26? Aqui, entretanto, Friedlander não parece estar
biomorfóticas imprevisíveis ao longo da vista urbana à distância, pode ser solicitando que nos curvemos em homenagem às mensagens do acaso.
descrita como formalista. Uma vez que o mundo natural se manifesta em Estamos sendo solicitados a refletir, até mesmo talvez insultar, certamente
formas, que tipos de formas e que concentração de tipos de formas, que
relacionamento entre formas e que disposição geral de formas determina 26
White, The Way through Camera Work, p. 73.
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não para regozijar. Ele parece estar solicitando-nos a responder a uma conceitos de espaço, “a vida das formas é renovada constantemente e ...
gestalt que percebeu ao invés de admirar, como Janet Kardon o colocou, longe de evoluir de acordo com postulados fixos, constantes e
“uma paródia de geometria [colocada] ao longo de um objeto indefeso” 27, universalmente inteligíveis ela cria várias novas geometrias até mesmo no
um ato do qual ele poderia ser mais prontamente acusado de executar na próprio coração da geometria” 30.
lâmina 49.
Rosalind Krauss tem insistido que a fotografia faz seu melhor quando Extraído de LANDSCAPE AS PHOTOGRAPH, Estelle JUSSIM &
aceita o mundo como “um complexo e desordenado fato” 28 no qual a Elizabeth LINDQUIST-COCK, (New Haven: Yale University Press, 1985)
natureza revela não a geometria mas caos, um caos demasiadamente
múltiplo para ser capturado na arte da pintura. Entretanto, se olhamos as Tradução de RUI CEZAR DOS SANTOS
pinturas fotorrealistas que copiam essa desordem detalhada e o faz
extraordinariamente bem em termos de minúcias, é difícil entender a
insistência de Krauss em uma separação absoluta entre pintura e fotografia.
A fotografia, um dia, imitou a habilidade da pintura para desenfatizar o
detalhe natural pela forma significante; hoje a pintura imita a fotografia,
especificamente a fotografia em cores, por sua cintilação de detalhe, sua
inescapável especificidade e suas reverberações da cultura popular. Até
mesmo Robert Adams, após listar os detritos da paisagem moderna que ele
descobriu ao longo da South Platte River e Interstate 70, comentou, “O que
espero documentar, embora não às expensas dos detalhes de superfície, é a
Forma implícita nesse caos aparente” 29.
Ao invés de simplesmente copiar a desordem aleatória que insiste ser a
essência fundamental da natureza, pode ser que os fotógrafos procurem
gerar novas abordagens às formas na natureza. Stieglitz produziu música
por analogia através de reverberações cósmicas; Edward Weston articulou
formas tão precisamente como se um Criador estivesse trabalhando sobre a
matéria primordial; Brett Weston orquestrou tempo e espaço demonstrando
ocasionalmente que a Natureza imprevisivelmente cria bizarras anomalias
da forma; Caponigro captura o temperamento de um momento sugerindo
que a eternidade reside no próprio coração do fluxo; Friedlander tece
molhes repetitivos de formas em um agregado tátil; Robert Adams aceita
os traços da interferência humana com a paisagem pura; cada fotógrafo da
terra/água/céu/flora procura e descobre novos relacionamentos e novos
significados. Como observou Henri Focillon, concernente a vários

27
Janet KARDON, Photography: A Sense of Order, p. 7.
28
Idem.
29
Robert Adams, citado em William Jenkins, New Topographics:
Photographs of a Man-Altered Landscape, p. 7. 30
Henri FOCILLON, The Life of Forms in Art, p. 30.

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