Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ISSN: 2595-6825
RESUMO
Este artigo é um estudo teórico que aproxima a neurobiologia do transtorno de
aprendizagem da pessoa com déficit atencional dos estudos em neurociências
relacionados à memória e atenção. O elo entre esses temas se dá nos estudos em
neurociências dessas duas funções mentais superiores. Argumentamos que a construção
de memórias de longo prazo estáveis, de codificação profunda e resgatáveis quando
necessárias é uma das principais características do que chamamos de aprendizagem.
Argumentamos ainda que o Transtorno de Aprendizagem relacionado ao Déficit de
Atenção está intimamente relacionado ao fato de que, se o estudante não dedica energia
atencional suficiente para a construção de uma memória o processo que chamamos de
aprendizagem não acontece. Finalmente sugerimos algumas intervenções no sentido de
facilitar a atenção seletiva para a construção de memórias.
ABSTRACT
This article is a theoretical study that approximates the neurobiology of the learning
disorder of the person with attention deficit to the studies in neurosciences related to
memory and attention. The link between these themes occurs in neuroscience studies of
these two higher mental functions. We argue that building long-term, stable, deep-coding
memories that are redeemable when needed is one of the main characteristics of what we
call learning. We also argue that the Learning Disorder related to Attention Deficit is
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10233
ISSN: 2595-6825
closely related to the fact that, if the student does not dedicate enough attentional energy
to build a memory, the process we call learning does not happen. Finally, we suggest
some interventions in order to facilitate selective attention for the construction of
memories.
1 INTRODUÇÃO
A construção das aprendizagens, sobremaneira as aprendizagens relacionadas
habilidades acadêmicas é um processo longo, complexo e peculiar na vida de cada pessoa.
Inúmeras condições podem levar à transtornos de aprendizagem, o que pode dificultar de
maneira significativa a vida escolar de um estudante. Dentre as causas mais comuns de
dificuldades na construção de habilidade acadêmicas essenciais, como a leitura e a escrita
estão os Transtornos Funcionais Específicos (TFEs). Esses transtornos se tornam
empecilhos quando não são diagnosticados e manejados de maneira satisfatória. Partindo
do princípio de que as demais aprendizagens acadêmicas são intimamente dependentes
da habilidade de leitura, escrita e raciocínio lógico do estudante, as dificuldades na
construção dessas aprendizagens podem prejudicar toda vida acadêmica da pessoa.
Dentre os Transtornos Funcionais Específicos que nos parecem mais
significativos durante o processo de construção das habilidades acadêmicas, estão àqueles
relacionados a Atenção e a Memória. Isso porque, neste estudo consideramos que a
aprendizagem acadêmica se caracteriza, dentre outros aspectos, pela construção e
consolidação de memórias declarativas e memórias de codificação profundo, de longo
prazo e estáveis. Neste sentido, relacionamos o processo de construção de memórias
declarativas, justamente à funcionalidade plena da atenção voluntária e atenção
sustentada. Por isso mesmo, nos interessamos pelos transtornos de aprendizagem de
pessoas com déficits atencionais.
No meio educacional, sobretudo naqueles permeados pela Pedagogia Histórico-
crítica ou pelas teorias da aprendizagem com base no construtivismo de Piaget, ainda há
certa resistência à compreensão neurobiológica de condições clínicas que ocasionam
dificuldades de aprendizagem. Talvez porque, professores e pedagogos temem pela
exclusão desses estudantes tendo em vista uma interpretação determinista das condições
biológicas do que chamamos aqui de dificuldades de aprendizagem. Nesse estudo, em
contrapartida, defendemos que o conhecimento dos aspectos biológicos dessa condição
pode auxiliar no processo de atuação do professor, do psicopedagogo e do médico para
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10234
ISSN: 2595-6825
que o sujeito com Transtorno Déficit de Atenção - TDA possa desenvolver suas
habilidades acadêmicas de maneira plena.
As dificuldades de aprendizagem se caracterizam pela dificuldade do estudante
em construir os conhecimentos, normalmente abstratos, que estão em processo ou já
foram construídos pela maioria de seus pares. Para Ferreira e Horta (2015) as dificuldades
de aprendizagens mais comuns são aquelas relacionada à leitura e escrita e as dificuldades
relacionada ao raciocínio lógico matemático. A dificuldade para a construção dessas
aprendizagens básicas pode resultar em dificuldades em toda a vida escolar e cotidiana
da pessoa. Entre os transtornos do neurodesenvolvimento infantil que podem ter como
consequência as dificuldades de aprendizagens estão o autismo e a Síndrome de Down.
Outros Transtornos Funcionais Específicos (TFEs) também ocasionam dificuldades de
escolarização, como a dislalia, a discalculia e a dislexia.
Os Transtornos Funcionais Específicos se caracterizam por desenvolvimento
atípico de funcionalidades mentais específicas esperadas da pessoa. Essas
funcionalidades, sistematizadas por Lúria (1981) são as chamadas funções mentais
superiores: A percepção, o movimento e ação voluntários – atualmente conhecido como
praxias – a atenção; a memória; a fala e, finalmente, o pensamento são as chamadas
Funções Mentais Superiores. Os TFEs, se singularizam, portanto, como uma dificuldade
pontuais e específicas em alguma dessas funções em decorrência de alterações
neurobiológicas. Tendo em vista que, como afirma Lúria (1981), a funcionalidade
cerebral é interligada e acontecem em um sistema de compensação, provavelmente o
transtorno de qualquer uma dessas funções mentais superiores pode, em alguma medida,
afetar o desenvolvimento das outras funcionalidades mentais. Kandel et. al. (2014, p. 303)
converge nessa questão quando afirma que: ‘Os sistemas funcionais encefálicos devem
atuar cooperativamente’.
Procuramos, neste estudo, explorar os aspectos neurobiológicos dos transtornos
funcionais específicos relacionados à atenção e, em decorrência dele, aqueles
relacionados à memória. Nos parece que conhecer os aspectos neurobiológicos dessa
condição pode auxiliar na prática clínica para o manejo do Transtorno Déficit de Atenção,
bem como na prática do cotidiano escolar desse estudante que, eventualmente,
apresentará alguma dificuldade de aprendizagem. Para isso relacionamos os processos de
atencionais aos processos de construção de memórias e, portanto, aprendizagem.
Finalmente propomos algumas ações interventivas, tanto no contexto clínico,
psicopedagógico e escolar.
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10235
ISSN: 2595-6825
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10236
ISSN: 2595-6825
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10237
ISSN: 2595-6825
Outra área cerebral que se relaciona aos casos de TDA é a região frontal, mais
especificamente lobo pré-frontal. Estudos com PET-SCAN, que é um exame realizado
por meio de uma espécie de tomografia cerebral super sofisticada, utilizando material
radioativo para identificar quais áreas cerebrais estão recebendo mais energia,
demonstram resultados interessantes. O que chamamos de energia é a capacidade de
metabolização pelo cérebro de glicose – que é a principal fonte de energia cerebral – e o
oxigênio, formando assim o glicogênio. Tendo em vista que a quantidade de glicogênio
que pode ser metabolizada pelo cérebro é limitada, sua destinação no sistema cerebral é
determinante. De acordo com Silva (2003) testes acompanhados de neuroimagens, onde
pessoas com déficit de atenção eram solicitadas a realizarem atividades que demandavam
atenção e vigilância, demonstravam menor ativação – caracterizado pelo menor
recebimento de glicogênio – das áreas frontais do cérebro do que em grupos controle.
Apesar de sabermos que existem diversos tipos de atenção, este estudo interessa-
se especificamente pela atenção voluntária, que é a capacidade do sujeito de direcionar
energia cerebral para um estímulo que julgar importante e conseguir sustentar a atenção
por um período. Este período de direcionamento de atenção deve ser o suficiente, para
que este sujeito seja capaz de construir uma memória, como veremos um pouco mais a
frente. De acordo com Lúria (1981) a atenção voluntária caracteriza-se pela capacidade
da pessoa de verificar seu próprio comportamento dedicando energia a um determinado
estímulo mesmo que esse estímulo não sejam tão poderoso, forte ou ligados a exigências
imediatas. Ao que parece, nos testes de PET-SCAN a atenção e a vigilância se relacionam
o que chamamos, portanto de atenção voluntária.
De acordo com Zametkin (2008), que realizou alguns estudos sobre os transtornos
atencionais, no cérebro da pessoa com TDA acontece uma espécie de ‘desperdício’ do
glicogênio metabolizado pelo cérebro, o que resulta na menor ativação do lobo frontal.
Esta menor ativação, combinada com a afirmação de Kandel et.al. (2014) de que a força
da resposta do neurônio está intimamente relacionada ao ato atencional, nos sugere
fortemente a funcionalidade cerebral da pessoa com TDA pode ser prejudicada na medida
em que seu cérebro ‘desperdiça’ glicogênio quando realiza atividades que demandem
atenção e vigilância.
Para Silva (2003) a área frontal do cérebro é responsável por bloquear e filtrar
estímulos ou respostas pouco relevantes à atividade realizada de maneira consciente. Essa
análise converge com a inferência acerca da regulação dos circuitos neuronais realizados
pelo tronco encefálico como demonstra Kandel et.al. (2014). Finalmente converge
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10238
ISSN: 2595-6825
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10239
ISSN: 2595-6825
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10240
ISSN: 2595-6825
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10241
ISSN: 2595-6825
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10242
ISSN: 2595-6825
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10243
ISSN: 2595-6825
maioria é, como este artigo, escrito! Neste sentido, a leitura é uma atividade muito
importante para o desenvolvimento das atividades acadêmicas.
Para ler, ou até mesmo para escutar informações compartilhadas por outras
pessoas ou objetos, a ativação de áreas cerebrais relacionadas à atenção parece ser
essencial. Isso porque, apenas somos capazes de capturar informações do meio em que
estamos inseridos se, em alguma medida, o cérebro dedicar energia a essa informação. A
aprendizagem da leitura está intimamente relacionada à possibilidade de a pessoa dedicar
energia atencional ao estímulo visual e auditivo para associar grafema e fonema para que
aconteça todo o processo de construção de sitio neurais correspondente a essa memória
de leitura.
Selecionar o estímulo as quais dedicaremos a energia atencional também é muito
importante. Dentre tantos estímulos externos as quais estamos submetidos, especialmente
em tempos atuais, escolher apenas aquele que merece o esforço atencional é o que faz
com que a energia metabolizada pelo cérebro seja otimizada. Observamos, portanto, que,
quando a pessoa recebe um estímulo externo, dedica energia atencional a esse estímulo,
ela poderá fazer uma codificação cerebral desse estímulo, construir um sitio neural
referente a esse estímulo e, quando for necessário resgatá-lo. A esse processo, atribui-se
o nome de memória. A esse processo também, dá-se o nome de aprendizagem!
A memória que, como já sabemos, pode ser classificada de acordo com a sua
temporalidade, podendo ser memória de curto prazo e memória de longo. A memória de
curto prazo, ou chamada de memória de trabalho, é instável e possui baixa capacidade
associativa e capacidade de armazenamento limitada. Essa memória tem a principal
funcionalidade de resolver problemas imediatos e vai se desenrolando para dar espaço à
elaboração de novos estímulos. Essa memória transitória, no entanto, pode ser
transformada em memória de longo prazo. A memória de longo prazo, por sua vez, tem
alta capacidade associativa e, ao que parece, sua capacidade de armazenamento é
ilimitada. Essa modalidade de memória é estável, pois pode ser resgatada quando houver
necessidade. No entanto, para que haja estabilização de uma informação na memória, ela
precisa se ancorar em uma memória de longo prazo previamente estável. Por este motivo,
vinculamos a aprendizagem a construção de memórias de longo prazo, associada a
memórias previamente consolidadas, estáveis e declarativas.
Quando, por qualquer motivo, uma pessoa não consegue dedicar energia
atencional suficiente a um estímulo ao ponto de o cérebro conseguir construir uma
memória, podemos dizer que há um déficit de atenção. Questionamos, neste sentido, se o
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10244
ISSN: 2595-6825
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10245
ISSN: 2595-6825
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021
Brazilian Journal of Health Review 10246
ISSN: 2595-6825
REFERÊNCIAS
CARVALHO, H.D.G, LIRA, J.M.C., et. al. Atividade lúdico-educativa para ensino de
neurociência aos escolares da rede pública. Brazilian Journal of health Review, 2020.
DOI:10.34119/bjhrv3n3-194, acesso em: 24-04-2021
VYGOTSKY. Lev Semionovich. Formação Social da Mente. Martins Fontes: São Paulo,
1999.
Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.3, p. 10232-10246 may./jun. 2021