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MAPA MENTAL: RECURSO DIDÁTICO PARA O ESTUDO DO LUGAR

Amélia Regina Batista Nogueira

(Do Livro: “Geografia em Perspectiva”, Org. Nídia Nacib Pontuschka e


Ariovaldo Umbelino de Oliveira, E. Contexto, pág. 125-130, ano 2006)

Este texto trata de uma temática que há muito vem sendo perseguida por pesquisadores geógrafos e não geógrafos que
buscaram compreender o mundo a partir do olhar daqueles que nele vivem. Os mapas mentais nos revelam como os
lugares estão sendo compreendidos. Daí terem sido vistos, por nós, como uma proposta de pesquisa e trabalho útil para o
entendimento dos lugares.
Temos aqui como objetivo descrever os trabalhos que por nós foram realizados, tomando como ponto de partida os mapas
mentais. Estes tiveram como preocupação a elaboração de um recurso didático que viesse a contribuir com a Geografia do
ensino fundamental.

Os mapas mentais foram estudados por vários geógrafos, arquitetos, sociólogos e antropólogos, entre eles Peter Gould e
White, Horácio Capel, Antoine Bailly, Yves André, Yi-Fu Tuan, Kelvin Lynch, Jorge Gaspar e Anne Marian. Além dos
trabalhos desses pesquisadores, temos visto, mais recentemente, estudos que apontam os mapas mentais como metodologia
de investigação nos debates sobre percepção ambiental, percepção de paisagens e nos trabalhos de antropólogos, em que
estes tentam ver, nas imagens mentais traçadas pelos homens, traços ligados à cultura. Aqui podemos citar os trabalhos da
professora Niemayer e os da Comissão Pró-Índio do Acre, que elaborou um Atlas desse Estado, valendo-se das
informações dos professores indígenas daquele lugar.

Cada um desses autores aponta a utilização dos mapas mentais em diversos temas. Um dos precursores dessa discussão foi
Kelvin Lynch, com sua obra Imagem da cidade. Nesse trabalho, Lynch (1950) mostra que, com base nas descrições que as
pessoas fazem de suas percepções da cidade, pode-se detectar elementos básicos das paisagens urbanas e construir uma
imagem geral da cidade.

O mérito de Lynch está em ter salientado a importância das imagens mentais, am discussões sobre a cidade e ter
considerado que, com as representações de rotas percorridas cotidianamente pelas pessoas, pode-se detectar elementos
básicos da paisagem urbana e construir uma imagem geral da cidade, pois, nas imagens individuais parece existir, segundo
Lynch, uma coincidência fundamental entre os membros de um mesmo grupo". Existem, diz ele, imagens públicas,
representações mentais comuns em grande parte dos habitantes de um mesmo lugar. Esses mapas públicos são resultado da
interação de uma realidade física única, uma cultura comum e uma natureza fisiológica básica. Ou seja, essas imagens
mentais estão repletas de traços socioculturais.

Esses estudos falavam em imagens mentais traçadas, representadas, sendo tratadas por Gould e White (1974 ) como os
"mapas mentais", representações construídas individualmente, croquis dos lugares conhecidos, "mapas mentais percebidos.
Esses autores consideraram os "mapas mentais" as imagens espaciais que estão nas cabeças dos homens, não só dos
lugares vividos, mas também dos lugares distantes, construídos pelas pessoas valendo-se de universos simbólicos, sendo
produzidos por acontecimentos históricos, sociais e econômicos divulgados.

Gould, utilizando-se dos "mapas mentais" elaborados por estudantes universitários de três universidades norte-americanas,
dos lugares que estes conhecem direta ou indiretamente demonstrou que "diferenças percebidas entre várias partes da
superfície da terra afetam os movimentos migratórios de tipos muito diferentes" e que os "mapas mentais" estão
relacionados às características do mundo real. Essa proposição foi questionada por Tuan, que levantou a questão de serem
os "mapas mentais" construções imaginárias dos lugares.

Os trabalhos de Gould e White e Lynch foram e são muito utilizados nas discussões de planejamento urbano e ambiental.
Como nossa proposta é trazer uma contribuição ao ensino, fomos buscar os trabalhos que mais se aproximavam dessa
preocupação.
Usamos então, a princípio, os trabalhos dos geógrafos portugueses Jorge Gaspar e Arme Marian (1975) sobre percepção
do espaço. Esses autores procuravam, pelos mapas mentais construídos pelos alunos de seus lugares de vida, reconhecer
esse saber como um conhecimento da organização do espaço. Eles defendem a tese de que cada cidadão tem uma idéia
sobre a organização do espaço em um determinado território. Essa idéia corresponde a uma imagem, um mapa mental, o
qual eles consideram uma construção organizada ao longo do tempo a partir de informações do tipo mais variado, em
experiências vividas nos locais.
Gaspar e Marian ressaltam que o estudo das imagens mentais, por meio dos mapas mentais que os alunos têm de um
território, permitirá aos professores corrigir anomalias ou preencher lacunas da informação geográfica daqueles, tudo isso
num nível ambiental atrativo em que cada um sente participar na construção de sua própria Geografia.

Como esses geógrafos, Yves André e Antoine Bailly trazem as discussões das representações mentais para o ensino de
Geografia, centrando-se também no saber que os alunos adquiriram na sua história de vida, no seu espaço vivido.
Bailly e André (1989) entendem que os homens conhecem e apreendem seu território, portanto esse saber tem de ser
levado em conta, tem de ser buscado na perspectiva de entendermos melhor o mundo. Segundo eles,
[...1 é imperativo levar em conta que os alunos têm representações espaciais que, mais que pré-
adquiridas, devem ser consideradas como sistema explicativo, coerente e operacional.

André (1989) faz referência ao fato de que o homem relaciona-se com seu território tal como uma casa. Ele o organiza e o
carrega de valores simbólicos. "Espaço amado, espaço temido, encontrado, imagem sempre presente e tranqüila diante do
tempo que decorre inelutavelmente". Ainda segundo o mesmo autor, cada indivíduo estabelece com seu lugar relações de
natureza topográfica ou sentimental, elabora em sua cabeça uma carta dos lugares; embora esta não tenha nada a ver com a
carta topográfica ou plano geométrico, também é empregada, no sentido da localização, da orientação e da informação.
As cartas mentais, diz André, são as representações do real e são elaboradas por um processo no qual se relacionam
percepções próprias: visuais, auditivas, olfativas, as lembranças, as coisas conscientes ou inconscientes, ou pertencer a um
grupo social, cultural; assim, mediante e seguida de filtros, nasce uma reconstrução: a carta mental.
Bailly, fazendo um trabalho muito próximo ao de André, também reconhece a carta mental como um produto, uma
representação que se tem de seu entorno espacial, a carta mental permite fixar imagens de uma área dada e executar os
limites dos conhecimentos espaciais. Um dos objetivos das cartas mentais é conhecer o nível de espacialização dos alunos
para melhor encaminhar os debates em sala de aula. Foram os trabalhos desses últimos autores que nos chamaram mais a
atenção, por colocarem essa discussão no ensino médio, sugerindo sobretudo que ao investigarem os lugares, os
professores começassem evocando o conhecimento que os alunos já têm dos diversos pontos da Terra, e fizessem isso
pedindo que os lugares fossem representados por cartas mentais. Seus estudos inauguraram a denominada Geografia das
Representações, aquela que irá além das representações cartográficas.
As aulas de Geografia deveriam ter como ponto de partida, além do mundo vivido de cada um, como estaria sendo
absorvido o conhecimento dos lugares, dado por informações de viagens, leituras de romances, livros policiais, mídia etc.
Além de retomar essas discussões, acrescentamos a idéia de que poderíamos utilizar os mapas mentais para discutir o que é
um mapa, assim como introduzir as primeiras noções de cartografia. Desenvolvemos, em trabalho anterior, uma pesquisa
com alunos de faixa etária entre nove e doze anos, de turmas de quinta série, divididas entre a rede pública e privada de
ensino. Entre os alunos, um grupo residente no mesmo bairro da escola e outros dois grupos de alunos morando em bairro
diferente da localização da escola. Nosso objetivo era, naquele momento, também pensar como os alunos percebiam a
cidade. Iniciamos com um percurso casa-escola. A partir desses desenhos, passamos a discutir, além do conhecimento
desses lugares, a noção de mapa, enfatizando aos alunos que essa representação da rua, do bairro e do percurso por eles
desenhado poderia vir a ser um mapa oficial. Introduzimos aí a noção de escala e proporção. E ainda, a partir desses
desenhos, abrimos um debate sobre como representar o que interessa. Concluímos essa pesquisa sugerindo que os mapas
mentais fossem utilizados pelos professores como instrumento no ensino do mapa. (Nogueira, 1994)
Após esse trabalho, percebemos que também poderíamos utilizar os mapas mentais para levantar com os alunos os
problemas sociais e ambientais dos lugares onde eles vivem. Trabalhando numa proposta de orientação pedagógica, numa
escola da cidade, com o objetivo de suscitar nos alunos e professores o interesse pela pesquisa, retomamos a idéia dos
mapas mentais. Esses professores, que deveriam passar para os alunos um conteúdo sobre o bairro, diziam não possuir
material. Montamos com eles uma pesquisa sobre o bairro, a partir dos mapas mentais dos alunos. Pedimos a eles que
fizessem o mapa do percurso casa-escola. Nesse primeiro momento, os alunos limitaram-se ao desenho da casa e da
escola, ignorando todos os outros objetos do entorno. Recolheu-se esse material e foi a eles distribuído um caderno de
anotações; pediu-se que eles anotassem, durante dez dias, tudo o que percebiam ao fazer esse percurso de ida e volta. Ao
final, tínhamos problemas levantados pelos alunos que iam de uma simples confusão de vizinhança a problemas com
drogas, lixo, transporte, além das construções existentes ao longo do percurso: casas, paradas de ônibus, delegacia, pontes
e igarapés, a casa da tia e a do amigo. Após esse levantamento realizado pelos alunos, pedimos mais uma vez o percurso
casa-escola. Agora todas essas observações estavam ali representadas. Abriu-se, a partir daí, um debate sobre o bairro, sua
história, sua estrutura e seus problemas. Os alunos elegeram como principal problema do bairro a "alagação", associando-a
ao lixo que tinha como destino os igarapés e esgotos do bairro. Sugeriram, então, que começassem, a partir do entorno da
escola, um trabalho sobre a coleta de lixo.
Ao avaliar esses trabalhos, percebemos que em todas as discussões a respeito de mapas mentais deparávamos com duas
categorias básicas de interpretação: a percepção e o lugar, ambas encontradas nas discussões teóricas da Geografia,
sobretudo a categoria lugar.
Os mapas mentais são representações construídas inicialmente tomando por base a percepção dos lugares vividos,
experienciados, portanto partem de uma dada realidade. Aprofundamos esse debate, partindo das proposições do filósofo
Merleau-Ponty (1996) e do geógrafo Eric Dardel (1952).
De Merleau-Ponty tomamos emprestadas as reflexões que faz tanto da percepção quanto do lugar. Ele considerou ser a
percepção o saber primeiro sobre o mundo. Dizia ele: "o mundo é aquilo que nós percebemos". Merleau-Ponty afirmava
que o homem não se separa do mundo para melhor explicá-lo, pelo contrário, ele o apreende por estar nele, estar envolto
nele, viver nele. E enfatizou que "o mundo não é aquilo que eu penso, é aquilo que eu vivo".
No ato de perceber estão envolvidos todos os sentimentos e idéias que se têm de um lugar ou de um objeto. Segundo
Merleau-Ponty, "um objeto parece atraente ou repulsivo antes de parecer negro ou azul, circular ou quadrado". O que
vemos com isso é que, para se conhecer melhor o lugar, é preciso levar isso em conta. Os homens que vivem os lugares
têm deles todo um saber que se constrói ao longo de suas vidas e que mostra aquela realidade tal qual ela é. Aí, também,
Ponty nos ajudou a pensar, pois afirmava que "o primeiro ato filosófico seria retornar ao mundo vivido".
Trazendo essas discussões para a Geografia e mais especificamente para a compreensão do lugar e dos mapas mentais,
entendemos que a Geografia poderia, antes de trazer uma caracterização acabada do lugar, procurar investigar e interpretar
o saber que cada um traz e que é adquirido na relação de vida com o lugar. Como bem salientou Eric Dardel: "para o
homem, a realidade geográfica é primeiramente o lugar em que estão, os lugares de sua infância, o ambiente que lhe
chama a sua presença". Há uma relação existencial entre o homem e o mundo, como falou Ponty; entre o homem e o lugar,
como enfatizou Dardel, considerando que essa relação revela uma geograficidade em cada homem. Geograficidade refere-
se, segundo Dardel, às

[...] várias maneiras pelas quais sentimos e conhecemos ambientes e todas as suas formas, e refere-se ao
relacionamento com os espaços e as paisagens, construídas e naturais, que são as bases e recursos da
habilidade do homem e para as quais há uma fixação existencial.

Essa geograficidade só é possível na relação homem-mundo, homem-lugar. Esse lugar está sendo compreendido por nós
para além de seus aspectos físicos e geométricos, aqui compreendido como lugar de vida.
Com essa compreensão de percepção, como saber primeiro e do mundo como lugar de existência, podemos interpretar que
os mapas mentais trazem neles
representados muito mais do que pontos de referência para facilitar a localização e a orientação espacial: o lago é o lugar
onde eu pesco; a igreja é o lugar onde eu rezo; o parque é o lugar onde eu brinco. Os mapas mentais contêm saberes sobre
os lugares que só quem vive neles pode ter e revelar. Isso em nós reforçou a idéia de que essas representações mentais
seriam para nós, geógrafos e professores de Geografia, um material didático de extrema importância para a compreensão
dos lugares, pois os dados que estão aí representados, independentemente da exatidão, revelam o lugar tal qual ele é.

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