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Parte I

Princípios básicos

Propriedades dos alimentos e


princípios de processamento 1
O conhecimento da estrutura e composição dos balagem estão listados em Food Master (www.
alimentos, suas propriedades químicas, senso- foodmaster.com/directories).
riais e nutricionais, bem como os tipos de mi-
crorganismos possíveis de estar presentes nos ali-
mentos, é um requisito necessário para entender 1.1 COMPOSIÇÃO
como as operações unitárias são utilizadas para
conservar os alimentos ou alterar suas qualidades DOS ALIMENTOS
como alimento. Neste capítulo, as propriedades Como todos os materiais, os alimentos são forma-
físicas e bioquímicas dos alimentos são descri- dos por diferentes compostos químicos, e, para os
tas, seguidas por uma descrição das mudanças fabricantes de alimentos, a sua composição é o que
nos alimentos que determinam sua vida de prate- determina todos os aspectos de seus produtos, des-
leira e sua segurança. Após, são apresentados os de a adequabilidade das matérias-primas para uso
métodos utilizados para gerenciar a qualidade e em produtos e processos específicos até as caracte-
a segurança dos alimentos, de forma a assegurar rísticas sensoriais e valor nutricional dos alimentos
a autenticidade e a rastreabilidade e monitorar e processados. A compreensão da composição dos
controlar os processos. O projeto higiênico dos alimentos e as interações de seus componentes per-
equipamentos de processo, a limpeza e sanitiza- mite aos processadores desenvolver novos produtos
ção das instalações de processamento e o des- e controlar as qualidades sensoriais dos alimentos
carte dos resíduos são descritos antes do final do durante o processamento e armazenagem, garan-
capítulo, quando são apresentados alguns prin- tindo a padronização dos produtos. Nesta seção,
cípios importantes de engenharia de alimentos, estão salientadas as propriedades importantes dos
incluindo transferência de massa e calor, fluxo de principais componentes dos alimentos. Descrições
fluidos e transição de fases e vítrea. Esses aspec- básicas de sua composição química são apresen-
tos serão aprofundados nos capítulos subsequen- tadas no Anexo A.1, disponível em loja.grupoa.
tes, que descrevem as operações unitárias indi- com.br (buscar a página do livro e acessar Mate-
vidualmente. Periódicos que incluem pesquisas rial Complementar) e mais detalhes de química
de ciência e tecnologia de alimentos são listados dos alimentos podem ser encontrados em diversos
com links para cada publicação no www.scima- livros-texto, incluindo Cheung e Mehta (2015), Ve-
gojr.com/journalrank.php sob o assunto “Food lisek (2014), Belitz et al. (2009), Coultate (2008),
Science”. Fornecedores de serviços em alimen- Damodaran et al. (2007) e Owusu-Apenten (2004).
tos que incluem o processamento e manuseio de Detalhes da composição individual de alimentos es-
materiais e fabricantes de equipamentos de ar- tão publicados em livros, como Finglas et al. (2014)
mazenagem, controle e automação de sistemas, ou em bancos de dados on-line (USDA, 2011; Eu-
fornecedores de ingredientes e materiais de em- rofir, 2016). Pesquisas de aspectos de química de
2  PARTE I  Princípios básicos

alimentos são apresentadas em periódicos como se. A sacarose é utilizada como umectante ou
Food Chemistry (www.journals.elsevier.com/food- como conservante (p. ex., em geleias e doces
-chemistry), Agricultural e Food Chemistry (http:// de frutas), para aumentar o ponto de ebulição
pubs.acs.org/journal/jafcau) e Journal of Food ou reduzir o ponto de congelamento dos ali-
Composition and Analysis (www.journals.elsevier. mentos, bem como um adoçante. Sacarose re-
com/journal-of-food-composition-and-analysis). age com aminoácidos para produzir a cor dou-
Nesta seção, os componentes químicos dos rada e os compostos de sabor característicos
alimentos estão agrupados primeiramente pelos de alimentos tostados ou fritos (veja também
seus componentes macromoleculares (carboidra- as reações de Maillard, Seção 1.4.4.4).
tos, lipídeos, proteínas), após, por água e, ao final, •• Lactose (uma molécula de galactose e uma
pelos microcomponentes, incluindo vitaminas, molécula de glicose) ocorre no leite. Este açú-
sais minerais, corantes e aromas naturais, subs- car é fermentado a ácido láctico por bactérias
tâncias bioativas e aditivos. lácticas nos produtos lácteos fermentados
(veja Seção 6.1.3). A produção da enzima di-
1.1.1 Carboidratos gestiva lactose é controlada geneticamente, e
deficiências em sua produção aumentam com
“Carboidrato” é o termo genérico para uma gran-
a idade (após  6 anos de idade) e de acordo
de variedade de compostos químicos que forma a
com a etnia, levando a uma síndrome conheci-
maior parte da matéria seca de plantas. Os “monos-
da como “intolerância à lactose”. No organis-
sacarídeos” (ou “açúcares simples”) são a forma
mo de pessoas que têm esse problema, a lacto-
mais simples, que não conseguem ser hidrolisados a
se chega não digerida ao intestino grosso, onde
partículas menores. Outros carboidratos com maior
sofre uma fermentação bacteriana anaeróbia,
complexidade são os dissacarídeos, trissacarídeos,
que resulta em irritação do intestino e produ-
oligossacarídeos e polissacarídeos. Um resumo da
ção de gases, levando à diarreia e a inchaços.
estrutura química de cada um desses carboidratos
•• Maltose (duas moléculas de glicose) é forma-
pode ser encontrado no Anexo A.1.1, disponível em
da pela hidrólise de amido. Comercialmente,
loja.grupoa.com.br (buscar a página do livro e aces-
é produzida por grãos malteados, principal-
sar Material Complementar).
mente cevada, utilizando -amilase natural ou
aquela produzida por Bacillus spp.
1.1.1.1 Açúcares
Monossacarídeos são as unidades básicas dos car- Todos os açúcares são doces (como algumas
boidratos e são o tipo mais simples de açúcar. Nor- moléculas orgânicas e inorgânicas), porém o grau
malmente, são sólidos cristalinos solúveis em água; de doçura varia muito. Na Tabela 1.1, a sacarose
alguns exemplos são glicose (dextrose), frutose e recebeu arbitrariamente o valor 1,0, e outros açú-
galactose. Dissacarídeos têm dois monossacarídeos cares são apresentados relativamente a este valor.
ligados, e alguns importantes em alimentos são: A doçura depende da presença de grupos OH� na
molécula de açúcar, que contém uma orientação
•• Sacarose (uma molécula de glicose e uma mo-
lécula de frutose) é produzida comercialmente TABELA 1.1  Doçura relativa de diferentes
a partir da cana-de-açúcar ou beterraba. Apre- açúcares
senta diversas formas, incluindo diferentes
Açúcar Doçura relativa
tipos de açúcar mascavo, que contêm diferen-
tes quantidades de melaço, açúcar branco (ou Frutose 1,74
refinado) ou açúcar de confeiteiro, no qual os Sacarose 1,00
cristais são moídos a um tamanho ainda me- Glicose 0,74
nor. A sacarose é altamente solúvel, e soluções Maltose 0,33
concentradas são utilizadas no processamento Galactose 0,32
ou vendidas como xaropes, com alta osmola- Lactose 0,16
lidade. Por exemplo, xarope de bordo (maple
Fonte: Adaptada de Shapley, P., 2012. Taste receptors.
syrup) é uma mistura de  65% de sacarose, Disponível em: http://butane.chem.uiuc.edu/pshapley/
com pequenas quantidades de glicose e fruto- GenChem2/B4/3.html (acessado em janeiro de 2016).
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   3

própria, permitindo que eles interajam com re- produzido pelo tratamento de glicose com isome-
ceptores de doçura de base proteica presentes nas rase para produzir uma mistura de � 42% de fru-
papilas gustativas na língua. tose (denominada internacionalmente de “HFCS
42”) com 50 a 52% de glicose. HFCS 42 pode ser
1.1.1.2 Xaropes ainda mais purificado até 90% de xarope de fru-
O mel consiste em uma mistura de 80 a 83% de tose (HFCS 90), ou um xarope de 55% de frutose
açúcares, principalmente glicose e frutose, além (HFCS 55) é feito pela mistura de HFCS 90 com
de pequenas quantidades de outras substâncias, HFCS 42 na proporção adequada. HFCS 55 tem
incluindo sais minerais, vitaminas, proteínas, uma doçura comparável à da sacarose, HFCS 90 é
aminoácidos e pólen. Uma grande variedade de mais doce e HFCS 42 é menos doce do que a saca-
xaropes é produzida, com diferentes composições. rose. Nos Estados Unidos, HFCS é o adoçante mais
Por exemplo, um xarope de glicose contendo mais barato para diversas aplicações (Schoonover e Mul-
de 90% de glicose é produzido por hidrólise en- ler, 2006; Litchfield et al., 2008) e amplamente uti-
zimática de amido em oligossacarídeos utilizan- lizado em diferentes tipos de alimentos e bebidas.
do -amilase, e estes são, então, quebrados até O alto teor de frutose permite que o HFCS melhore
glicose por glucoamilase. Este método substituiu a cor dourada nos produtos forneados e que propor-
amplamente a hidrólise ácida utilizando ácido cione maior retenção de umidade, o que mantém os
hidroclorídrico. Xarope de glicose é utilizado produtos frescos por mais tempo. Ele também torna
nos alimentos para amaciar a textura, aumentar a textura de biscoitos (cookies) e de barras de ce-
o volume, evitar a cristalização e melhorar o sa- reais mais macia. O amplo uso de HFCS originou
bor. Xaropes utilizados na fabricação de doces um debate sobre sua associação com a obesidade e
contêm quantidades variadas de glicose, maltose doenças associadas, incluindo doenças cardiovas-
e oligossacarídeos. Um xarope típico utilizado na culares e diabetes tipo II (Bray, 2007). Na União
produção de doces contém 19% de glicose, 14% Europeia (EU) e em vários outros países, a produ-
de maltose, 11% de maltotriose e 56% de car- ção de açúcar permanece importante, e a substitui-
boidratos de maior massa molecular (Hull, 2010; ção em larga escala de açúcar por HFCS não ocor-
Steinbüchel e Rhee, 2005). -Amilase ou -ami- reu no mesmo grau que nos Estados Unidos.
lase fúngica são utilizadas para produzir xaropes
de glicose que contêm mais de 50% de maltose ou 1.1.1.3 Oligossacarídeos
mais de 70% de maltose em xaropes de maltose Estes carboidratos têm cadeias curtas de monossa-
extra-alta. Xaropes de alta maltose são utilizados carídeos (normalmente 3–10 unidades) e são en-
na produção de balas duras porque eles apresen- contrados em diversos vegetais, sobretudo feijões,
tam menor viscosidade do que uma solução de alho-poró, aspargos, repolho, couve-de-bruxelas e
glicose, porém ainda conseguem formar um pro- brócolis, bem como em trigo, aveia e outros cereais,
duto duro. A maltose também é umectante com além de na maioria das frutas. Eles são produzidos
menor poder do que a glicose, e doces produzidos comercialmente pela degradação química, física ou
com xarope de alta maltose não ficam grudentos. enzimática de polissacarídeos; ou pela síntese enzi-
Como líquidos, todos os xaropes são facilmente mática ou química de dissacarídeos. Um exemplo
incorporados em bebidas e não formam cristais de trissacarídeos é a rafinose, que compreende mo-
indesejáveis em balas moles e sorvetes, dando a léculas de galactose, glicose e frutose; um exemplo
estes alimentos uma sensação na boca mais agra- de tetrassacarídeos é a estaquiose, que consiste em
dável. Eles também contribuem para a viscosidade duas moléculas de galactose, uma de glicose e outra
de temperos e molhos para saladas. de frutose. Oligossacarídeos são um dos compo-
O milho é normalmente utilizado nos Estados nentes não digeríveis da fibra dietética, que passam
Unidos (assim como no Brasil) como matéria- praticamente inalterados pelo estômago e pelo in-
-prima para a produção de “xarope de milho”, em testino delgado de animais monogástricos (p. ex.,
outros países são utilizados outros vegetais, como humanos, porcos e frangos). No intestino grosso,
batata, trigo, cevada, arroz e mandioca para a pro- eles podem ser fermentados pela microflora intes-
dução de xaropes. Xarope de milho de alta fruto- tinal e produzir dióxido de carbono, metano e/ou
se (HFCS, do inglês high-fructose corn syrup) é hidrogênio, o que pode causar flatulência.
4  PARTE I  Princípios básicos

Oligossacarídeos têm propriedades prebióti- um produto, tornando-o seguro para o consumo


cas (veja Seção 6.4.2) e são seletivamente utiliza- de pessoas com diabetes. Galactoligossacarídeos
dos por bactérias probióticas, incluindo Acidophi- são utilizados como umectantes em fórmulas para
lus spp. e Bifidobacterium spp., que conseguem bebês ou alimentos infantis e em produtos lácteos
evitar patógenos e promover a absorção de nu- (bebidas lácteas/substitutos para leite, iogurte, so-
trientes. Oligossacarídeos importantes comercial- bremesas lácteas congeladas). Mananoligossaca-
mente em alimentos são os frutoligossacarídeos rídeos são utilizados em rações animais para me-
e uma série de galactoligossacarídeos. Outros, lhorar a saúde gastrintestinal, os níveis de energia
incluindo xiloligossacarídeos, isomaltoligossa- e o desempenho de crescimento. Outros setores
carídeos e oligossacarídeos de soja também estão de alimentos que utilizam oligossacarídeos in-
sendo desenvolvidos para uso comercial como cluem os fabricantes de cereais matinais, energé-
prebióticos. Os outros oligossacarídeos prebióti- ticos fortificados com vitaminas/sais minerais e
cos mostrados na parte inferior da Tabela 1.2 são produtos de frutas (drinques de frutas, recheios
menos documentados, porém as pesquisas conti- para tortas doces de frutas e geleias).
nuam para o desenvolvimento de novos oligossa- Moreno e Sanz (2014) e Torres et al. (2010)
carídeos que tenham uma gama de propriedades descrevem as fontes, estruturas, propriedades
fisiológicas e aplicações na indústria alimentícia. fisiológicas e produção de oligossacarídeos.
Como oligossacarídeos são não digeríveis, Schweizer e Krebs (2013) descrevem as pesqui-
eles praticamente não acrescentam calorias e são sas recentes em funções biológicas e implicações
utilizados intensivamente como adoçantes em de saúde dos oligossacarídeos.
bebidas de baixo valor calórico. Por exemplo,
frutoligossacarídeos têm de um terço à metade da 1.1.1.4 Polissacarídeos
doçura da sacarose, com um perfil de sabor se- Polissacarídeos são a forma mais abundante de
melhante. Eles podem ser utilizados para melho- carboidratos. Nas plantas, os tipos mais impor-
rar o sabor e diminuir a quantidade de açúcar em tantes são amido, celulose, pectina e uma série de

TABELA 1.2  Oligossacarídeos usados como prebióticos


Tipo de oligossacarídeo Fontes naturais Método de produção comercial
Frutoligossacarídeos (FOS) Trigo, centeio, Ação de enzimas -fructofuranosidase, obtidas
aspargos, cebolas, de Aspergillus niger em sacarose ou glicose
alcachofra-de-Jerusalém
Galactoligossacarídeos (GOS), Leite humano Síntese a partir de lactose com -galactosidase
transgalactoligosaccharides (TGOS),
galacturonanoligosacarídeos
Xiloligossacarídeos (XOS) – Degradação de xilanas por xilanase para,
principalmente, xilobiose
Isomaltoligossacarídeos (IMO) – Hidrólise ou transferência de glicosil do amido
Oligossacarídeos de soja (SOS) Soja Extraído de soja
(rafinose e estaquiose)
Outros oligossacarídeos com atividades prebióticas que estão sendo estudados incluem:
Arabinoligossacarídeos, arabinogalactoligossacarídeos, arabinoxiloligossacarídeos
Gentioligossacarídeos
Glucoligossacarídeos
Lactulose, lactossacarose
Mananoligossacarídeos
Melibiose
Oligodextrano
Oligossacarídeos pécticos
Ramnogalacturonana
Fonte: Adaptada de Barreteau, H., Delattre, C., Michaud, P., 2006. Production of oligosaccharides as promising new food additive
generation. Food Technol. Biotechnol. 44(3), 323–333.
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   5

gomas. Nos tecidos animais, glicogênio é arma- bombeáveis de baixa viscosidade em água fria que
zenado no fígado e nos tecidos musculares como se tornam espessas devido à gelatinização, quando
uma fonte instantânea de energia. A estrutura de aquecidas a  80 °C. Diferentes tipos de amidos
diversas moléculas de polissacarídeos permite a têm diferentes usos. Por exemplo, o amido de mi-
formação de ligações de hidrogênio com água, lho ceroso produz uma pasta límpida e coesiva; o
possibilitando que elas hidratem rapidamente, in- amido de batata é utilizado em cereais extrudados
chem e se dissolvam parcial ou completamente. (veja Seção 17.1.1), em salgadinhos de aperiti-
Por isso, são utilizados para controlar a viscosi- vo e em pó para o preparo de sopas ou bolos; o
dade e influenciar propriedades físicas e funcio- amido de arroz produz géis opacos para alimentos
nais dos alimentos (veja Seção 1.2). Eles também infantis. Detalhes dos diferentes usos de amidos
atuam como crioestabilizantes, ou seja, na estabi- são disponibilizados pelos fornecedores de ingre-
lização de cristais em alimentos congelados (i.e., dientes (Penford, 2016 e em um vídeo em www.
não abaixam o ponto de congelamento ou aumen- youtube.com/watch?v=PvT4G-p9DmQ).
tam a osmolalidade, como fazem os crioproteto- A retrogradação (ou cristalização) do amido
res) e produzem matrizes que aumentam a visco- causa o encolhimento e a liberação de água (co-
sidade de soluções e restringem a mobilidade da nhecida como sinérese). A taxa e o alcance da re-
água ao núcleo (veja Seção 22.1.1). trogradação são influenciados pela razão amilose/
amilopectina, pelo teor de gordura e concentração
1.1.1.5 Amido de sólidos. A mistura de amido com -carragena-
Amido é o principal carboidrato presente nas se- to, alginato, goma xantana (veja Seção 1.1.18) ou
mentes e nos tubérculos. A fonte comercial mais açúcares de baixa massa molecular também pode
reduzir a retrogradação. Detalhes da gelatinização
importante de amido é o milho, sendo o trigo, a
e retrogradação do amido são apresentados por
batata, a tapioca e o arroz outras fontes. O ami-
BeMiller e Whistler (2009), Palav e Seetharaman
do está presente na forma de grânulos, cada um
(2006), Xie et al. (2006) e Eliasson (2004). Em al-
dos quais consiste em diversos milhões de mo-
tas concentrações, os géis de amido são tanto pseu-
léculas de amido. As moléculas de amido têm
doplásticos como tixotrópicos (Seção 1.2.2). Sua
duas formas: -amilose (normalmente 20–30%)
característica de ligar a água é utilizada para forne-
e amilopectina (normalmente 70–80%, depen-
cer textura aos alimentos e são utilizados como um
dendo da fonte). Ambas são polímeros de molé-
substituto de gordura para versões lights de sala-
culas de glicose. Amilopectina pode ser isolada
mes, salsichas, iogurtes e produtos de panificação
de amido de milho “ceroso”, enquanto a amilose
(Abbas et al., 2010) (veja também Seção 1.1.2).
é produzida pela hidrólise de amilopectina pela
Alguns tipos de amidos são rapidamente di-
enzima pululanase. Suas estruturas estão resu-
geríveis (p. ex., o amido em batata cozida) e ou-
midas no Anexo A.1, disponível em loja.grupoa.
tros são digeridos lentamente (p. ex., o amido de
com.br (buscar a página do livro e acessar Ma-
painço cozido), o que reduz os picos de glicose
terial Complementar) e são descritas detalhada-
pós-prandial no sangue e são úteis em dietas para
mente por Chaplin (2014a) e Stephen e Phillips
diabéticos. Uma proporção significativa de amido
(2006). O uso de amidos em alimentos é descrito
na dieta não é digerida no estômago ou no intesti-
pelos fornecedores de ingredientes (Food Pro-
no delgado e é conhecida como amido “resisten-
duct Design, 2016a; Cargill, 2016; Venus, 2016)
te”, considerado uma fibra dietética, que pode ter
e pesquisas envolvendo amido são apresentadas
funções fisiológicas importantes. A quantidade
pelo periódico Starch (http://onlinelibrary.wi-
de amido resistente em cada alimento depende
ley.com/journal/10.1002/%28ISSN%291521-
de vários fatores, incluindo a forma do amido e
-379X). Um vídeo apresentando a produção de
o método de cozimento antes do consumo. Qua-
amido está disponível em www.youtube.com/
tro tipos diferentes de amidos resistentes foram
watch?v=Ei4k4P8WB8Q.
identificados:
Existem muitos tipos de amidos que são ba-
ratos, ingredientes versáteis que podem ser utili- •• Tipo I, amido fisicamente inacessível (em
zados como espessante, umectante, estabilizante e razão de tecidos intactos ou outros materiais
gelificante. Grânulos de amido produzem pastas formados por grandes partículas).
6  PARTE I  Princípios básicos

•• Tipo II, amido não gelatinizado (em razão de •• Espessante em molhos de queijo ou carne sem
estrutura física de grânulos de amido não co- a produção de grânulos no produto quando o
zido, por exemplo, em bananas). produto seco é dissolvido em água fervente.
•• Tipo III, amido retrogradado (em razão de •• Amido modificado ligado a fosfatos para
estrutura física de moléculas de amido após a absorver mais água e manter os ingredientes
gelatinização, por exemplo, pão velho). juntos.
•• Tipo IV, amido quimicamente modificado •• Amido parcialmente hidrolisado é utilizado
(resultante de modificação química, como em molhos para controlar a viscosidade.
crosslinking, que interfere na digestão).
Quando o amido é hidrolisado em carboidra-
tos mais simples, o grau de conversão é quantifi-
1.1.1.6  Amidos modificados
cado pelo grau de “dextrose equivalente” (DE),
Amidos podem ser modificados para melhorar suas que se relaciona à fração de ligações glicosídicas
propriedades funcionais (p. ex., maior solubilidade, que são quebradas (veja o Anexo A.1, disponível
maior ou menor viscosidade, estabilidade ao con- em loja.grupoa.com.br . buscar a página do li-
gelamento/descongelamento, aumento da clareza e vro e acessar Material Complementar). Enzimas
brilho, mais força de gel e redução de sinérese). A microbianas são utilizadas comercialmente para
modificação também permite que os amidos supor-
produzir uma grande quantidade de ingredientes
tem condições de maior atrito, temperaturas mais
derivados, incluindo dextrose (DE 100), xaro-
altas e/ou condições de acidez. Existem muitos
pes de milho (DE 30–70) e maltodextrina (DE
tipos de amidos modificados, incluindo crosslink,
10–20). Detalhes são apresentados por BeMiller
oxidado, acetilado, hidroxipropilado e materiais
e Whistler (2009) e Embuscado (2014).
parcialmente hidrolisados (Tabela 1.3).
Outros exemplos de amidos modificados são
os modificados alcalinamente ou os amidos trata- 1.1.1.7 Celulose
dos com álcalis, amidos branqueados, amidos tra- Celulose consiste em cadeias não ramificadas de
tados enzimaticamente, fosfatos de monoamido e moléculas de glicose que formam uma estrutura
diamido, fosfato de diamido fosfatado, fosfato de tridimensional de microfibras que se combinam
diamido acetilado, acetato de amido, hidroxipro- para formar fibras de celulose, cada uma contendo,
pilamido e fosfato de hidroxipropildiamido. Seus normalmente,  500.000 moléculas de celulose.
usos incluem: A celulose apresenta uma estrutura cristalina, com

TABELA 1.3  Propriedades e aplicações de amidos modificados


Processo Função ou propriedade Exemplos de aplicações
Conversão ácida Redução da viscosidade Produção de balas (forma a casca de jujubas), alimentos
líquidos formulados
Conversão em Ligamento, revestimento, Balas, artigos de panificação (melhor brilho da crosta),
dextrinas encapsulação aromas, temperos, óleos
Crosslinking Espessante, estabilizante, Recheios de tortas, produtos de panificação, pudins,
criação de suspensões, alimentos infantis, sopas, temperos para saladas
texturização
Esterificação/ Estabilização, Emulsões (p. ex., em temperos para salada do tipo “french”, o
eterificação armazenagem a baixa amido modificado envelopa as gotículas de óleo e as suspende
temperatura na fase líquida), sopas, alimentos congelados (o amido
modificado reduz as perdas por gotejamento ao descongelar)
Oxidação Adesão, gelificação Alimentos formulados, massas moles (ele aumenta a
adesividade da massa para alimentos fritos), produção de balas
Pré-gelatinização Incha com água fria Causa o espessamento de sobremesas instantâneas com a
adição de água ou leite frio
Fonte: Adaptada de Yao, Y., 2015. Starch: structure, function e biosynthesis. Disponível em: www.academia.edu/5027874/Starch_
yao (acessado em janeiro de 2016).
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   7

uma alta força de tensão, e é a molécula estrutural da carne para as proteínas vegetais, e também para
de plantas que suporta os ramos e folhas. Ao con- reduzir a quantidade de gordura nos produtos (veja
trário de outros carboidratos poliméricos amorfos, Seção 1.1.2) por prover propriedades similares à
essa estrutura cristalina também torna a celulose gordura e reduzir gordura em produtos fritos (veja
insolúvel em água e resistente à quebra enzimática. Seção 18.1.3). Sua estrutura de gel oferece uma
A celulose tem muitos usos, incluindo a de agen- barreira ao óleo e à umidade e age como um agente
te antiaglomerante, emulsificante, estabilizante, ligante. Detalhes de diferentes derivados de celu-
agente de dispersão, espessante, agente gelificante lose são apresentados por Wuestenberg (2014), e
e filme para embalagem (veja Seção 24.2.4). Mais seu uso em produtos alimentícios é descrito pelos
detalhes das propriedades de celulose são apre- fornecedores de ingredientes (ISI, 2016).
sentados por Chaplin (2014b). O uso de celulose e
seus derivados em produtos alimentícios é descrito 1.1.1.8  Gomas polissacarídeas
pelos fornecedores de ingredientes (Food Product Gomas polissacarídeas (ou hidrocoloides) são de-
Design, 2016b). A pesquisa sobre celulose e seus rivadas de plantas como guar, feijão locusto, goma
produtos é publicada pelo periódico Cellulose, e arábica de acácia e pectina de cascas de cítricos
artigos sobre celulose estão disponíveis para com- ou bagaço de maçã. Carragenato e alginato são
pra em http://link.springer.com/journal/10570. extraídos de algas marinhas, e goma xantana é
Hemiceluloses têm estruturas ramificadas produzida por fermentação microbiana. Elas são
amorfas compostas por uma variedade de açúcares, utilizadas em baixas concentrações (p. ex., 0,25–
incluindo xilose, arabinose e manose, que podem 1%) para diversas finalidades: espessam soluções
ser altamente hidratadas para formar géis. Celulo- aquosas, formam géis, modificam e controlam as
se ou hemiceluloses não são digeridas por animais propriedades de alimentos líquidos, permitindo a
monogástricos e formam fibras dietéticas que pas- dispersão e suspensão de outros ingredientes; ou
sam pelo intestino delgado praticamente sem al- modificam a textura de alimentos semissólidos.
terações (herbívoros ruminantes digerem celulose Elas também podem ser utilizadas como emulsi-
com o auxílio de bactérias produtoras de celulases ficantes. As gomas são fonte de fibra dietética e
e hemicelulases presentes no rúmen ou intestino podem ser empregadas em alimentos com redução
grosso). Mais informações sobre a digestão de po- de calorias, para a substituição de gordura (veja
lissacarídeos são apresentadas por Bowen (2006). Seção 1.1.2). Elas também podem ser utilizadas
A celulose pode ser modificada para conse- em alimentos livres de glúten, uma vez que po-
guir propriedades funcionais específicas (Tabela dem ser consumidas por pessoas intolerantes à
1.4). Celulose microcristalina (MCC) é produzi- proteína. As gomas são adequadas para pessoas
da pela hidrólise de celulose e separação de seus vegetarianas ou veganas, ou que têm restrições re-
constituintes microcristalinos. O produto em pó é ligiosas na dieta (p. ex., Kosher/Halal).
utilizado como carreador de aroma e agente antia- A seleção de um hidrocoloide para uma
glomerante, e a forma coloidal tem propriedades aplicação particular é complicada e depende de
similares a gomas (veja Seção 1.1.1.8). Carboxi- vários fatores, incluindo, por exemplo, a força ne-
metilcelulose (CMC) é produzida pela reação de cessária ou reologia do gel, o pH, a força iônica
celulose com ácido cloroacético. Isso produz uma e temperatura do alimento e a presença de outros
ampla gama de soluções viscosas que são utiliza- ingredientes que podem interagir com o hidroco-
das, por exemplo, para estabilizar soluções protei- lóidehidrocoloide. Detalhes do uso de hidroco-
cas como albumina de ovo antes da secagem ou loides em alimentos são apresentados por Nus-
congelamento, ou para evitar a precipitação de sinovitch e Hirashima (2013), Laaman (2011),
caseína em produtos lácteos. Metilceluloses e hi- Hoefler (2004), Phillips e Williams (2009) e por
droxipropilmetilceluloses (HPMC) são os deriva- fornecedores de ingredientes (ISI, 2016; FMC,
dos mais utilizados na indústria alimentícia. Elas 2016). A pesquisa com gomas é publicada pelo
têm propriedades de superfície ativa que podem periódico Food Hydrocolloids (www.journals.el-
ser utilizadas para estabilizar emulsões e espumas sevier.com/food-hydrocolloids). Um resumo de
(veja Seção 1.2.3). Elas são utilizadas em hambúr- algumas gomas alimentícias comuns está apre-
gueres de soja, para fornecer uma textura similar à sentado na Tabela 1.5.
8  PARTE I  Princípios básicos

TABELA 1.4  Propriedades e aplicações de derivados de celulose


Tipo de derivado
de celulose Propriedades Funções e aplicações
Etilcelulose (EC) Não iônica Formador de filme
Hidrofóbica Fixador de aroma
Solúvel em solventes orgânicos Aprovação limitada para uso alimentício em
Termoplástica encapsulação de aromas e filmes de barreira à
umidade
Etilmetilcelulose (MEC) Não iônica Espessante, enchimento, antia glomerante,
Estável ao pH emulsificante
Precipita da solução acima de 60 ºC Utilizada em cremes não lácteos, sorvetes de
(reversível com o resfriamento) baixa caloria, coberturas batidas, mousses
Hidroxipropilcelulose Não iônica Espessante, emulsificante, estabilizador de
(HPC) Superfície ativa espumas, formador de filmes flexíveis
Insolúvel em água quente (� 40 ºC) Utilizada em coberturas batidas, revestimentos
Solúvel em solventes orgânicos comestíveis, polimento de balas, alimentos
Termoplástica extrudados
Metilcelulose (MC) e Produz géis reversíveis com o calor Ligante, formador de filme, estabilidade ao
Hidroxipropilmetilcelulose Solúvel em água fria congelamento-descongelamento
(HPMC) Estável ao pH Utilizada em alimentos formados, recheios,
Ampla faixa de viscosidade molhos, coberturas batidas, substitutos de
glúten em produtos de panificação livres de
glúten
Celulose microcristalina Tixotrópica Agente de opacidade, estabilizador de espumas,
(MCC) Pseudoplasticidade agente de corpo, regulador de umidade, agente
Estável ao calor antiaglomerante, emulsificante, estabilidade ao
Não iônica congelamento-descongelamento
Disponível em classes em pó ou Utilizada em queijo em pó ou ralado, bebidas,
dispersíveis confeitos, temperos para salada, molhos,
coberturas batidas
Carboximetilcelulose Aniônica Estabilidade ao congelamento-
sódica (CMC) descongelamento, proteção à proteína,
espessante, controle de textura
Sensível ao pH Utilizada em alimentos congelados, produtos
Interage com proteínas de panificação, sopas, molhos, bebidas
Alta capacidade de retenção de água
Fonte: Adaptada de Deyarmond, V., 2012. Cellulose derivatives in food applications. Dow Wolff Cellulosics, Intermountain
Chapter, Institute of Food Technologists. Disponível em: http://intermountainiftpresentations.wordpress.com � buscar ‘cellulose’
(acessado em janeiro de 2016) e Granström, M., 2009. Cellulose derivatives: synthesis, properties e applications. Academic
Dissertation. Faculty of Science, University of Helsinki. Disponível em: https://helda.helsinki.fi/bitstream/handle/10138/21145/
cellulos.pdf (acessado em janeiro de 2016).

1.1.2 Lipídeos do consumo mundial de óleos e gorduras são em


aplicações alimentícias (IHS, 2012), e tem havi-
A diferença entre “gorduras” e “óleos” deve-se
somente ao fato de um lipídeo poder ser sólido ou do um aumento do consumo de óleos comestíveis
líquido à temperatura ambiente. Os três tipos de para a produção de biodiesel. Os principais países
gorduras e óleos comestíveis são óleos vegetais, produtores estão na Ásia, responsável por mais de
gorduras animais e óleos marinhos. Eles são con- 50% da produção mundial de óleos e gorduras co-
sumidos diretamente como manteiga, margarina, mestíveis (Tabela 1.6), dos quais óleo de palma e
óleos para salada e para cozinhar e também são de soja eram � 50% do total em 2013, e óleo de
utilizados como ingredientes em uma grade quan- caroço de palma (. de 33% do total).
tidade de produtos alimentícios industrializados, Gorduras animais têm menores produção e
bem como em rações animais, cosméticos, tintas consumo, e a produção de óleo marinho se re-
e lubrificantes. Aproximadamente três quartos duziu substancialmente (IHS, 2012). Existe,
TABELA 1.5  Fontes e usos de gomas alimentares comuns
Tipo de goma Fonte Uso Notas/exemplos de aplicações Mais informações
Ágar-ágar Algas marinhas Estabilizador ou Pode ligar  100 vezes seu peso em água, quando fervido, Fornecedores de
vermelhas espessante formando um gel forte. Agente gelificante em iogurte ingredientes (AEP, 2016)
Alginatos Algas marinhas Espessantes e Pedaços de frutas “falsas” ou géis de sobremesa. Alginatos Molina e Quiroga (2012)
marrons formadores de géis de propilenoglicol são menos sensíveis à acidez e aos íons de
com íons de cálcio cálcio e são utilizados para espessar ou estabilizar produtos
lácteos ou temperos para salada
Carragenato Algas marinhas Espessante, Três tipos: “kappa”, “iota” e “lambda”. Géis kappa são fortes Chaplin (2014c)
vermelhas estabilizante e agente e quebradiços, géis iota são mais macios e mais resilientes e
de gelificação têm boa estabilidade ao congelamento/descongelamento;
carragenatos lambda são solúveis e não formam géis. Utilizadas
em achocolatados para evitar a deposição das partículas de
cacau, para estabilizar o congelamento/descongelamento de
creme e bolhas de ar em sorvete e melhorar a retenção de água,
além de reduzir as perdas no cozimento de produtos cárneos
Goma cássia Endosperma de Espessante e Excelente estabilidade à esterilização. Forma géis sinérgicos Fornecedores de
sementes de Cassia estabilizante fortes com outros hidrocoloides, incluindo gomas carragenato ingredientes (Food Product
tora e Cassia obtusifolia e xantana Design, 2016c)
Goma gelana Biofermentação por Gelificante, Tem uma ampla faixa de texturas, desde um gel leve fluido, Fornecedores de ingredientes
Sphingomonas elodea estabilizante ou até uma pasta espessa espalhável. Suspende fibras e polpas (Kelko, 2016)
espessante em bebidas fortificadas e sólidos de leite e bebidas lácteas.
Goma guar Sementes do Espessante, ligante e Usada frequentemente com outras gomas. Tem conteúdo Chaplin (2014d)
arbusto Cyamopsis melhorador de volume elevado de fibras dietéticas solúveis (80–85%), e é adicionada
tetragonoloba ao pão para aumentar o teor de fibras. Utilizada para espessar
e estabilizar temperos para saladas e molhos e melhorar a
retenção de água de produtos de panificação
Goma arábica Exsudado da acácia Emulsificante e Produz soluções de baixa viscosidade que não afetam Chaplin (2014e)
(ou goma acácia)a estabilizante de a viscosidade do produto. Utilizada em panificação, Fornecedores de
emulsões refrigerantes e confeitos para estabilizar emulsão de aromas, ingredientes (TIC, 2016a)
e em óleos essenciais em misturas secas para bolos, bebidas
e sopas. Evita a cristalização da sacarose e emulsiona a
gordura para evitar o “bloom” no chocolate. Utilizada como
polimento em drágeas doces
(Continua)
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   9
TABELA 1.5  Fontes e usos de gomas alimentares comuns (Continuação)
Tipo de goma Fonte Uso Notas/exemplos de aplicações Mais informações
Goma konjac Amorphophallus Gelificante, espessante, Pode ser utilizada como um substituto vegetariano/vegano Fornecedores de ingredientes
paeoniifolius estabilizante, para gelatina em geleias (Konjac, 2016)
emulsificante
Goma de alfarroba Sementes de alfarroba Espessante, ligante de Produtos lácteos, queijo cremoso processado e sobremesas Fornecedores de ingredientes
água, reforçador de gel de gelatina. Tem interação sinérgica com outras gomas, tais (Danisco, 2016a)
como xantana ou carragenato, para formar géis rígidos
Pectinasb Cascas de cítricos e Formação de Produtos com base de frutas e iogurtes, confeitos e bebidas Fornecedores de ingredientes
maçãs, bagaço de gel, espessante e de frutas. Pectinas de alta metoxilação formam géis com (ISI, 2016; FMC, 2016; TIC,
maçã ou de beterraba estabilizante alta concentração de açúcar e ácido (p. ex., doces de frutas, 2016b; Food Product Design,
geleias, marmeladas); pectinas com baixa metoxilação formam 2016d)
géis com íons de cálcio, necessitando de menos açúcar (p. ex.,
10  PARTE I  Princípios básicos

geleias para diabéticos)


Goma xantana Secretada pela Espessante, estabiliza Tem propriedades incomuns: solúvel em água fria ou quente; Fornecedores de ingredientes
Xanthomonas suspensões e produz uma alta viscosidade em baixas concentrações com (ISI, 2016; FMC, 2016)
campestris emulsões, alta nenhuma mudança na viscosidade de 0 a 100 ºC; estável
capacidade de ligação em alimentos ácidos e após a exposição ao congelamento/
com água descongelamento; compatível com sal. Utilizada em produtos
de panificação para evitar a migração de água de recheios na
massa doce
a
Outras gomas incluem goma caraia, ghatti e tragacanta.
b
O tratamento de pectinas com amônia e metanol produz pectinas amidadas de baixa metoxilação. A amidação provoca a gelificação da pectina a temperaturas mais altas, quando comparada
com pectina não amidada, e necessita de menos cálcio.
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   11

TABELA 1.6  Países produtores dos principais óleos e gordura comestíveis


Tipo de óleo ou gordura Principais países produtores
Manteiga/ghee Índia
Manteiga de cacau Malásia, Indonésia, Gana
Óleo de coco Filipinas, Indonésia
Óleo de amendoim China, Indonésia, Nigéria
Banha China
Óleo de milho Estados Unidos
Azeite de oliva Espanha, Itália, Grécia
Óleo de palma Malásia, Indonésia
Óleo de palmiste Malásia, Indonésia, Nigéria
Óleo de colza/canola China, Alemanha, Indonésia, Canadá
Óleo de semente de açafrão-bastardo Índia, Estados Unidos, México
Óleo de gergelim China, Mianmar, Índia
Óleo de soja Estados Unidos, Brasil, China, Argentina
Óleo de semente de girassol Rússia, Argentina, Ucrânia
Fonte: FAO, 2012. FAOSTAT. Disponível em: http://faostat3.fao.org (acessado em janeiro de 2016).

também, um grande número de óleos de nozes, pois estes foram considerados não comestíveis
incluindo amêndoa, caju, avelã, macadâmia, ou tóxicos em altas doses). As propriedades dos
mongongo, noz pecan, pinhole, pistache e noz lipídeos, incluindo sua composição, estrutura e
chilena. Devido ao sabor individual de cada um, ponto de fusão, estão descritas no Anexo A.1.2,
eles têm sido utilizados como óleos de culinária disponível em loja.grupoa.com.br (buscar a pá-
ou salada, sendo, também, amplamente emprega- gina do livro e acessar Material Complementar).
dos em cosméticos e aromaterapias. Outros óleos Estas propriedades, juntamente com sua associa-
de sementes têm aplicações similares, incluindo ção com ingredientes não lipídicos, influenciam
aqueles extraídos de sementes de pomelo, ca- significativamente as propriedades funcionais dos
baça, melão, abóbora e abobrinha. Uma grande alimentos. Akoh e Min (2008) descrevem a quí-
quantidade de outros óleos é utilizada como óle- mica, nutrição e biotecnologia dos lipídeos nos
os “essenciais” para a produção de aromas, aro- alimentos, e a pesquisa em química e física dos
materapias ou como suplemento alimentar (ou
lipídeos está publicada no periódico Chemistry
nutracêutico) em virtude de seu teor nutricional
and Physics of Lipids (www.journals.elsevier.
ou de seu alegado efeito medicinal. Detalhes da
com/chemistry-and-physics-of-lipids). Alterações
variedade de óleos disponíveis são apresentados
dos lipídeos durante o processamento podem ter
pelos fornecedores (EOD, 2016; Essential Oil
efeitos positivos ou negativos, tanto nas proprie-
Company, 2016). Os métodos utilizados para ex-
dades sensoriais como no valor nutricional dos
trair óleos de cozinha e essenciais são apresenta-
dos nas Seções 3.3 e 3.4. alimentos. Mais informações sobre estrutura, pro-
Óleos e gorduras são compostos por mono, di priedades, preparação e efeitos na saúde dos óleos
e triésteres de glicerol com ácidos graxos, conhe- comestíveis são apresentadas em várias publica-
cidos como “monoacilglicerol”, “diacilgicerol” ções, incluindo Strayer (2006), O’Brien (2004) e
e “triacilglicerol”, respectivamente. Os tipos de Gunstone et al. (1995). Lipídeos dietéticos tam-
ácidos graxos em um determinado lipídeo depen- bém são o objeto de pesquisas atuais em relação
dem da fonte animal ou vegetal e, nos produtos a obesidade, toxicidade e doenças, tais como as
vegetais, se eles foram selecionados para alcan- cardiovasculares, o câncer e o diabetes (veja Se-
çar um determinado perfil de ácidos graxos (p. ção 18.5.2). Aspectos nutricionais e de saúde dos
ex., sementes de canola foram geradas seletiva- lipídeos são descritos em textos padrões, incluin-
mente a partir de sementes de colza para reduzir do Mann e Truswell (2012), Geissler e Powers
a quantidade de glucosinolatos e ácido erúcico, (2010) e O’Neil e Nicklas (2007).
12  PARTE I  Princípios básicos

1.1.2.1 Fosfolipídeos tanto, um nível muito alto de colesterol no san-


Fosfolipídeos são uma classe de lipídeos que gue é considerado um fator de risco para doenças
contêm um diacilglicerol, um grupo fosfato e um cardiovasculares, e recomenda-se que esses ní-
glicerol. Eles são componentes importantes das veis sejam reduzidos por exercícios, dietas com
membranas celulares, nas quais formam camadas redução de calorias sem gorduras hidrogenadas
duplas de lipídeos. A “cabeça” hidrofílica da mo- e maior quantidade de ácidos graxos poli-insatu-
lécula contém o grupo fosfato e o glicerol, e a rados. Fitoesteróis estão presentes em pequenas
“cauda” hidrofóbica consiste em duas cadeias de quantidades em frutas, verduras, óleos vegetais,
ácidos graxos. No processamento de alimentos, a nozes, sementes, cereais e legumes. Eles têm uma
lecitina é o fosfolipídeo mais comum, encontra- estrutura similar à do colesterol, com diferentes
do em gema de ovo, germe de trigo e soja. Ela é cadeias laterais e são interessantes porque podem
extraída comercialmente da soja para uso como auxiliar a reduzir a absorção de colesterol no in-
emulsificante em alimentos, especialmente em testino e, assim, diminuir os níveis de colesterol
produtos como chocolates e produtos de confei- no sangue. Esteróis totalmente saturados, de-
taria. Outras fontes de fosfolipídeos produzidos nominados “estanóis”, têm sido desenvolvidos
industrialmente são colza, girassol, leite de vaca e como componentes de alimentos funcionais (veja
ovas de peixe. Cada fonte tem um perfil único de Seção 6.4), e estanóis de origem vegetal e esteróis
tipos de fosfolipídeos e é utilizada para diferentes são adicionados a uma gama de produtos alimen-
aplicações em nutrição, cosméticos, farmacêuti- tícios, incluindo margarina, cereais matinais, leite
cos e carregador de medicamentos (p. ex., lecitina e iogurtes (Quadro 1.1).
é convertida pelo organismo em acetilcolina, uma
substância que transmite impulsos nervosos, utili- 1.1.2.3  Substitutos de gordura
zada para tratar degenerações mentais, como de- Substitutos de gordura têm sido desenvolvidos
mência e Alzheimer e alguns tipos de depressão). para reduzir a quantidade de gordura nos alimen-
tos e auxiliar as pessoas a diminuir a ingestão de
1.1.2.2 Esteróis gordura. Alguns são utilizados como substitutos
Colesterol é um tipo de lipídeo produzido pelo fí- de gordura (ou “análogos” de gordura) para real-
gado e age na organização e permeabilidade das mente substituir a gordura no alimento, enquanto
membranas celulares. Derivados de colesterol na outros são utilizados para “imitar” a gordura, ou
pele são, também, convertidos em vitamina D, seja, fornecer as qualidades sensoriais da gor-
quando a pele é exposta à luz ultravioleta. Entre- dura (sabor e sensação na boca) e substituir par-

QUADRO 1.1   Hidrogenação de óleos

A hidrogenação é utilizada para tornar óleos insatura- trans na gordura (isso está relacionado com “isômeros
dos menos suscetíveis à rancidez e converter óleos ve- configuracionais” e indica a orientação dos átomos
getais em gorduras sólidas, conhecidas como “gordu- de hidrogênio na ligação dupla), enquanto os ácidos
ras vegetais”, que são utilizadas em muitos processos, graxos naturais apresentam, principalmente, a confi-
especialmente em produtos de panificação ou fornea- guração cis. Ácidos graxos trans têm sido relacionados
dos (veja Seção 16.3.1). Os óleos são aquecidos com com problemas de saúde: especificamente, ácidos gra-
gás hidrogênio pressurizado na presença de um catali- xos poli-insaturados trans apresentam formas não “re-
zador metálico e, quando o hidrogênio é incorporado conhecidas” pelas enzimas digestivas e, quando incor-
nas moléculas dos ácidos graxos, elas tornam-se mais porados nas membranas celulares, criam membranas
saturadas (veja Anexo A.1, disponível em loja.grupoa. mais densas, que alteram as funções normais da célula.
com.br > buscar a página do livro e acessar Material Essas gorduras também elevam o nível das lipoproteí-
Complementar). Em muitas aplicações, gorduras to- nas de baixa densidade (LDL, ou colesterol “ruim”),
talmente saturadas são muito cerosas e sólidas e, por reduzem os níveis de lipoproteínas de alta densidade
isso, os fabricantes hidrogenam parcialmente os óleos (HDL, ou colesterol “bom”) e elevam os níveis de tria-
até que tenham a consistência necessária para uma de- cilgliceróis no sangue, que, por sua vez, aumentam o
terminada aplicação. Como um efeito colateral, a hi- risco de doenças coronárias do coração, obesidade e
drogenação aumenta a porcentagem de ligações duplas alguns tipos de câncer (veja também Seção 18.5.2).
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   13

cialmente a gordura. Não há nenhum substituto como substitutos de gordura, estabilizantes


de gordura que possa, sozinho, recriar todas as ou agentes de corpo em temperos para salada,
propriedades funcionais e sensoriais atribuídas a sobremesas, sorvetes, carne moída, alimentos
ela. Em vez disso, diversos ingredientes são utili- assados, produtos lácteos e sopas e molhos.
zados combinados para conseguir as característi- Maltodextrinas são utilizadas em cremes ve-
cas desejadas para cada aplicação. Os substitutos getais, margarina, imitação de creme, tempe-
de gordura são agrupados em três categorias, de ros para saladas, produtos assados, molhos,
acordo com sua fonte: carnes processadas e sobremesas congeladas
1. Imitadores de gordura oriundos de carboidra- com redução de gordura para conferir uma
tos. Estes incluem os amidos modificados, sensação de boca lisa.
celulose, dextrinas, gomas e pectina (veja 2. Imitadores de gordura baseados em proteína
Seção 1.1.1). Eles fornecem algumas das fun- são derivados de ovos, leite, soro, soja, gela-
ções da gordura nos alimentos por meio da tina e glúten de trigo. Alguns são cisalhados
ligação com água e modificação da textura e com calor para formar partículas coagula-
sensação na boca. No entanto, eles têm menos das microscópicas que imitam a sensação
sabor que a gordura, uma vez que não apre- na boca e textura de gordura. Eles também
sentam nenhum composto de aroma solúvel podem ser processados para modificar suas
em gordura e podem necessitar de um emulsi- propriedades de ligação com a água e emul-
ficante para incorporar aromas lipofílicos no sionantes. Mimetizadores de gordura basea-
alimento. Amidos modificados de diferentes dos em proteínas são utilizados em produtos
tipos oferecem propriedades sensoriais como lácteos (p. ex., iogurte, cremes de queijo,
uma sensação na boca “escorregadia” em ali- queijo cremoso e creme azedo), temperos
mentos de alta umidade (p. ex., temperos para para salada, sobremesas congeladas, marga-
saladas, molhos, margarina e emulsões com rinas, artigos de confeitaria, maionese, mo-
carne). Diversas formas de mimetizadores de lhos e sopas.
gordura provindos de celulose são utilizadas 3. Substitutos baseados em gordura agem como
em combinação com gomas e pectinas para “barreira” para bloquear a absorção de gor-
substituir a gordura. Celulose microcrista- dura. Estes são sintetizados quimicamente ou
lina contribui para dar corpo, consistência e derivados de gorduras e óleos por modificação
sensação na boca; estabiliza emulsões e espu- enzimática. Poliésteres de ácidos graxos de
mas; controla a sinérese; e adiciona viscosi- sacarose são misturas de ésteres de sacarose
dade, brilho e opacidade em alimentos, como com seis a oito ácidos graxos. Um exemplo é
temperos para saladas de baixa gordura, so- “olestra”, manufaturado a partir de ácidos gra-
bremesas congeladas, molhos e produtos lác- xos saturados e não saturados de óleos vege-
teos. Celulose em pó é utilizada para reduzir tais. Ele foi utilizado para substituir até 100%
o teor de gordura em coberturas para bolos e de gordura convencional em salgadinhos, bem
roscas fritas (“doughnuts”) e para aumentar o como para fritar estes produtos. Ele passa
volume de alimentos assados pela estabiliza- pelo trato gastrintestinal sem ser digerido ou
ção das bolhas de ar e minimização do enco- absorvido, sendo, portanto, não calórico. No
lhimento. Metilcelulose e hidroxipropilmetil- entanto, ele pode causar câimbras intestinais,
celulose conferem cremosidade e retenção de diarreia e absorção reduzida de vitaminas so-
ar em alimentos assados, misturas em pó para lúveis em gordura, que são absorvidas pelo
o preparo de molhos e temperos para salada. substituto de gordura. Como consequência, a
Xaropes de milho, polióis (p. ex., sorbitol e agência Food e Drug Administration (FDA)
maltitol) e frutoligossacarídeos também são dos Estados Unidos exige que alimentos que
utilizados como substitutos de gordura em contêm olestra sejam rotulados com uma de-
muitos produtos assados ou de confeitaria claração que informa aos consumidores sobre
sem gordura ou com gordura reduzida para os possíveis efeitos gastrintestinais e que eles
controlar a atividade de água. Goma xan- contêm vitaminas A, D, E e K para compen-
tana, carragenato e pectinas são utilizados sar as vitaminas absorvidas. No final dos anos
14  PARTE I  Princípios básicos

1990, olestra perdeu popularidade consequen- grupo de triacilglicerídeos que consistem em,
te a esses efeitos colaterais e não está mais à pelo menos, um SCFA e um LCFA, ligados ran-
venda em muitos países. domicamente ao glicerol estrutural. Como SCFA
têm um menor valor calórico do que os LCFA,
Ésteres de sacarose de ácidos graxos (SFE,
o valor calórico de salatrim é de 55 a 65% do
do inglês sucrose esters of fatty acids) são mono,
de gorduras convencionais. Composições de sa-
di e triésteres de sacarose com ácidos graxos pro-
latrim com diferentes quantidades de SCFA e
duzidos de uma forma similar aos poliésteres de
LCFA apresentam propriedades funcionais e físi-
sacarose. SFE são facilmente hidrolisados pelas
cas diferenciadas (p. ex., um gama de pontos de
lipases digestivas e absorvidos, sendo, portanto,
fusão, dureza e aparência) para cada aplicação,
calóricos. No entanto, eles têm valores calóricos
incluindo coberturas, recheios e inclusões em
mais baixos do que gorduras e podem substituir
produtos doces e assados, cremes de amendoim,
até 50% das gorduras em uma formulação. Eles
molhos e patês, produtos lácteos (como cremes,
também podem lubrificar, modificar as caracterís-
sobremesas lácteas e queijo) e um substituto para
ticas de cristalização de outras gorduras, promover
manteiga de cacau em produtos de chocolate.
e estabilizar espumas, controlar a sinérese, carrear
Substitutos de gordura de base lipídica asseme-
aromas e controlar a reologia de um alimento.
lham-se física e quimicamente a triacilglicerídeos
Lipídeos “estruturados” são triacilglicerídeos
e podem substituir gordura na mesma proporção
que contêm ácidos graxos de cadeia curta (SCFA,
de peso, enquanto imitações de gordura de base de
do inglês short-chain fatty acids), ácidos graxos
carboidratos ou proteica não conseguem substituir
de cadeias médias (MCFA, do inglês medium-
a gordura na mesma proporção de peso. Mais de-
-chain fatty acids) e ácidos graxos de cadeias
talhes de substitutos de gordura e seus nomes co-
longas (LCFA, do inglês long-chain fatty acids).
merciais estão disponíveis em CCC (2016), Lim et
Lipídeos estruturados são produzidos por síntese
al. (2010), Daniel (2009), Akoh (1998) e a partir de
química e enzimática e utilizados para reduzir a
informações de fornecedores de ingredientes (Da-
quantidade de gordura disponível para o meta-
nisco, 2016b,c) (Tabela 1.7).
bolismo e, assim, o valor calórico do alimento.
Recentemente, as demandas dos consumido-
Triacilglicerídeos de cadeia média são fabricados
res por substitutos de gordura mais “naturais” têm
a partir de óleos vegetais, como óleo de coco e
impulsionado a pesquisa sobre o uso de hidroco-
de palma, com o objetivo de alterar sua estrutura
loides ricos em 3-glucano, proveniente de con-
química e produzir propriedades funcionais dife-
centrados de farelo de aveia. O material é extraído
rentes dos óleos e gorduras convencionais. Eles
por cocção a jato com vapor e etapas de fracio-
são estáveis a altas temperaturas e não sofrem
namento físico, sem a utilização de produtos quí-
oxidação tão rapidamente. São utilizados para
micos (Lee et al., 2005). O uso de subprodutos
substituir óleos vegetais em alimentos de valor
agrícolas como fonte de substitutos de gordura
calórico baixo ou reduzido; carrear aromas, co-
pode reduzir o custo e os problemas ambientais
rantes e vitaminas; e fornecer brilho, bem como
de seu descarte. Por exemplo, bagaço de maçã é
para evitar que balas e doces fiquem grudentos.
o maior resíduo da indústria de suco de maçã, e
Triacilglicerídeos são metabolizados diferen-
materiais enriquecidos com pectina proveniente
temente dos triacilglicerídeos de cadeia longa e
desse subproduto têm sido avaliados como substi-
são menos propensos a serem armazenados como
tutos de gordura na produção de produtos assados
tecido adiposo. Eles são transportados até o fíga-
com 30% menos de gordura (Min et al., 2010).
do, onde são metabolizados e transformam-se em
uma fonte de energia que pode ser imediatamente
absorvida e rapidamente utilizada. Corredores, 1.1.3 Proteínas
entusiastas de fitness e praticantes de musculação, Peptídeos são cadeias de aminoácidos ligados en-
em particular, podem utilizar os triacilglicerídeos tre si: pequenos peptídeos (contendo � 25 ami-
como uma fonte de energia. noácidos) são “oligopeptídeos” e cadeias mais
“Salatrim” (do inglês short e long acyl tri- longas de peptídeos são “polipeptídeos”. Proteínas
glyceride molecules – moléculas curtas e longas são polímeros altamente complexos feitos a par-
de triacilglicerídeos) é o nome genérico para um tir de somente 20 aminoácidos (Tabela 1.8). A se-
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   15

TABELA 1.7  Algumas funções de substitutos de gordura em aplicações e produtos


selecionados
Tipo de substituto
Grupo de produto de gordura Funções (além de substituto de gordura)
Produtos de panificação Base lipídica Fornece coesividade, carrega aromas, substitui gordura,
evita endurecimento e retrogradação do amido,
condiciona
Base de carboidrato Retém umidade, retarda o endurecimento
Base proteica Texturiza
Produtos fritos Base lipídica Fornece sabor e crocância
Temperos para salada Base lipídica Fornece sensação de boca cheia e mantém aromas
Base de carboidrato Aumenta viscosidade, fornece textura e sensação de
boca cheia
Base proteica Fornece textura e sensação de boca cheia
Margarina, gordura, cremes Base lipídica Fornece espalhabilidade e plasticidade, emulsifica,
vegetais, manteiga fornece sabor
Base de carboidrato Fornece sensação de boca cheia
Base proteica Fornece textura e sensação de boca cheia
Produtos de carne processada Base lipídica Emulsifica, texturiza, fornece sensação de boca cheia
Base de carboidrato Aumenta a capacidade de retenção de água, texturiza,
fornece sensação de boca cheia
Base proteica Aumenta a capacidade de retenção de água, texturiza,
fornece sensação de boca cheia
Produtos lácteos Base lipídica Fornece sabor, corpo, sensação de boca cheia e textura,
estabiliza, aumenta o overrun
Base de carboidrato Aumenta a viscosidade, espessa, auxilia a gelificação,
estabiliza
Base proteica Estabiliza, emulsiona
Fonte: Adaptada de Akoh, C.C., 1998. Key characteristics e functions of fat replacers. Food Technol. Mag. 52(3), 47–53.
Disponível em: www.ift.org/knowledge-center.aspx > selecionar ‘Knowledge Center’ > selecionar ‘Science reports’ > buscar ‘1998
fat replacer’ (acessado em janeiro de 2016).

quência de cadeias polipeptídicas, a maneira pela muito grande de proteínas e enzimas (veja o Anexo
qual elas estão ligadas e as diferentes estruturas B.3, disponível em loja.grupoa.com.br > buscar a
tridimensionais são os responsáveis pelo número página do livro e acessar Material Complementar).

TABELA 1.8  Códigos para aminoácidos


Aminoácido Código de três letras Aminoácido Código de três letras
Alanina Ala Leucina Leu
Arginina Arg Lisina Lis
Asparagina Asn Metionina Met
Aspartato Asp Fenilalanina Fen
Cisteína Cis Prolina Pro
Histidina His Serina Ser
Isoleucina Ile Treonina Thr
Glutamina Gln Triptofano Trp
Glutamato Glu Tirosina Tir
Glicina Gli Valina Val
16  PARTE I  Princípios básicos

Aminoácidos podem também ser utilizados •• Fosfoproteínas (p. ex., - e -caseínas, nas
como uma fonte de energia pelo corpo. Eles es- quais o grupo prostético é um fosfato).
tão classificados em três grupos: (1) aminoáci- •• Lipoproteínas (p. ex., clara de ovo e proteí-
dos essenciais, que não podem ser produzidos nas do plasma sanguíneo, nas quais o grupo
pelo corpo e precisam ser obtidos dos alimentos prostético é um lipídeo).
(histidina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, •• Metalproteínas (p. ex., hemoglobina, mioglo-
fenilalanina, treonina, triptofano e valina); (2) bina e algumas enzimas, nas quais o grupo
aminoácidos não essenciais, que podem ser pro- prostético é um íon metálico. Fe2�, Cu2�,
duzidos pelo corpo (alanina, asparagina, ácido as- Zn2� é um exemplo.).
pártico e ácido glutâmico); (3) aminoácidos que
são normalmente não essenciais, com exceção de Alguns autores descrevem flavoproteínas,
períodos de doenças e estresse (arginina, cisteína, nas quais o grupo prostético é uma flavina (p.
ex., dinucleotídeo de flavina e adenina [FAD]),
glutamina, tirosina, glicina, ornitina, prolina e se-
e cromoproteínas (nas quais o grupo prostético
rina) (Medline Plus, 2016).
é um grupo de pigmentos). Estes complexos po-
Proteínas têm um grande número de funções
dem dissociar-se sob alguns tipos de condições de
nos sistemas biológicos. Elas formam:
processamento e alterar a atividade da proteína.
•• Componentes estruturais de células (p. ex., Mais informações sobre a estrutura e as funções
colágeno, elastina). das proteínas são apresentadas por Gorga (2007),
•• Milhares de enzimas que controlam e re- Damodaran (2007) e Petsko e Ringe (2004).
gulam atividades metabólicas e permitem Alimentos que são uma fonte “completa” de
o crescimento e a reparação dos tecidos do proteína contêm uma proporção adequada dos
corpo. nove aminoácidos essenciais que são necessários
•• Tecido muscular (p. ex., miosina, actina). para as funções biológicas em humanos e outros
•• Hormônios (p. ex., insulina). animais. Exemplos incluem proteínas derivadas
•• Proteínas de transferência (p. ex., albumina de alimentos animais (carnes, peixe, aves, leite,
sérica, hemoglobina). ovos) e proteínas derivadas de alguns alimentos
•• Anticorpos (p. ex., imunoglobulinas). vegetais (p. ex., leguminosas, sementes, nozes e
•• Proteínas de reserva (p. ex., albúmen, proteí- grãos, como grão de bico, feijão caupi ou fradi-
nas de sementes). nho, feijão preto, caju, quinoa, pistache e soja).
•• Proteínas de proteção (p. ex., alergênicos, to- Alguns alimentos que são fontes incompletas de
xinas) (Damodaran, 2007; Buxbaum, 2007). proteína podem conter todos os aminoácidos es-
senciais, porém não na proporção correta, sen-
Proteínas podem ser agrupadas de acordo
do deficientes em um ou mais. Por exemplo,
com sua estrutura organizacional em dois tipos:
cereais como milho contêm menores quantida-
proteínas “globulares”, que têm forma esférica
des de lisina, isoleucina, metionina e treonina.
ou elipsoidal em razão das dobras das cadeias
Combinando um cereal com uma leguminosa,
polipeptídicas (p. ex., enzimas); ou proteínas “fi-
como milho com feijão, soja com arroz ou fei-
brosas”, que têm cadeias polipeptídicas lineares
jão marrom com arroz, obtém-se uma refeição
torcidas (p. ex., proteínas estruturais) ou são for-
balanceada, com maiores quantidades de todos
madas pela agregação linear de proteínas globu-
os aminoácidos essenciais.
lares (p. ex., tecidos musculares). Proteínas que
A avaliação da qualidade de uma fonte protei-
formam complexos com materiais não proteicos
ca é feita utilizando-se várias medidas, incluindo o
(conhecidos como grupos prostéticos) são conhe-
valor biológico (VB) de um alimento. Essa é a pro-
cidas como proteínas “conjugadas”, e estas po-
porção de proteína de um alimento que é incorpo-
dem ser agrupadas em:
rada às proteínas do corpo (i.e., quão prontamente
•• Nucleoproteínas (p. ex., ribossomos, nos a proteína digerida pode ser utilizada na síntese de
quais o grupo prostético é um ácido nucleico). proteínas nas células). Outros métodos de deter-
•• Glicoproteínas (p. ex., ovoalbumina e -caseí- minação para avaliar essa propriedade incluem a
na, nas quais o grupo prostético é um açúcar ou utilização líquida de proteína (NPU, do inglês net
uma cadeia de açúcares). protein utilisation), relação de eficiência proteica
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   17

(PER, do inglês protein efficiency ratio), balanço talhadas das interações entre proteínas, lipídeos e
de nitrogênio (NB, do inglês nitrogen balance), di- outros componentes dos alimentos são apresenta-
gestibilidade da proteína (PD, do inglês protein di- das por Gaonkar e McPherson (2006). Proteínas
gestibility) e escore de aminoácido corrigido pela contribuem muito pouco para o sabor dos alimen-
digestibilidade proteica (PDCAAS, do inglês pro- tos (com exceção das reações de Maillard, veja
tein digestibility corrected amino acid score). Este Seção 1.4.4.4), porém elas têm muita influência
último método tem sido adotado pela Organização na textura do alimento. As principais proprieda-
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agri- des funcionais das proteínas resultam de regiões
cultura e a Organização Mundial da Saúde (FAO/ hidrofílicas e hidrofóbicas que permitem que as
OMS) como o método preferido para a medida do proteínas sejam eficientes como emulsifican-
valor proteico. O método é baseado na concentra- tes e estabilizadores. A agregação das proteínas
ção do primeiro aminoácido limitante na proteína também afeta a textura dos produtos alimentícios
em relação à concentração daquele aminoácido no (Zhou et al., 2008). Proteínas podem alterar sua
padrão de referência, a partir das necessidades de estrutura e perder algumas de suas propriedades
aminoácidos essenciais de uma criança em idade funcionais como resultado do processamento (p.
pré-escolar (Schaafsma, 2000). Os alimentos que ex., tratamento térmico, acidificação, desidrata-
alcançam os maiores valores de PDCAAS, que é ção, atrito devido ao processamento mecânico ou
1,0, são alguns produtos lácteos (p. ex., soro), al- hidrólise microbiológica). Moléculas de proteína
bumina do ovo e isolado proteico de soja. Mais desdobradas ou hidrolisadas têm funcionalidades
informações estão disponíveis em livros-texto de diferentes nos produtos processados, em compa-
nutrição, incluindo Lanham-New et al. (2010), Gi- ração às proteínas originais (um exemplo simples
bney et al. (2009) e WHO (2002) (Quadro 1.2). é o aquecimento de um ovo, que converte a al-
bumina semilíquida e transparente em uma es-
1.1.3.1  Propriedades funcionais trutura semissólida opaca, com propriedades de
O uso de proteínas no processamento de alimen- textura muito diferentes). Uma série de atributos
tos foi descrito por Yada (2004) e descrições de- de textura, como “facilidade de espalhamento”,

QUADRO 1.2  Enzimas

Enzimas são tipos de proteínas que variam de tama- 4. Liases (p. ex., pectina liase) que removem grupos
nho desde uma massa molecular de 12.000 até 1 mi- dos substratos (não por hidrólise) para deixar uma
lhão, que catalisam milhares de reações bioquímicas ligação dupla ou adicionar grupos às ligações du-
altamente específicas, necessárias por organismos vi- plas.
vos. A especificidade é devida ao número limitado de 5. Isomerases (p. ex., glucose isomerase) causam a
substratos que podem ligar-se estereoespecificamente isomerização de um substrato (isômeros têm a
ao sítio ativo da enzima, antes que a catálise ocorra. mesma fórmula molecular, porém diferentes fór-
Enzimas aceleram reações por um fator de 103 a 1011 mulas estruturais e propriedades).
vezes em relação às reações não catalisadas (Whitaker, 6. Ligases (anteriormente “sintetases”) que catalisam
1996). A taxa de atividade enzimática é determinada a ligação covalente de duas moléculas com a que-
pela concentração da enzima, pela concentração do bra de uma ligação pirofosfatada (Whitaker, 1996).
substrato, qualquer inibidor ou ativador do substrato,
Mais detalhes de reações catalisadas por enzimas
o pH, temperatura e aa do substrato. Há seis tipos prin-
estão apresentados em livros-texto de bioquímica
cipais de enzimas no processamento de alimentos:
dos alimentos (Simpson et al., 2012; Eskin e Shahidi,
1. Oxidorredutases (p. ex., catalase) que estão en- 2012), e os usos de enzimas no processamento de
volvidas nas reações de oxidação/redução. alimentos são descritos por Whitehurst e Van Oort
2. Transferases (p. ex., glucoquinase) que removem (2009). Pesquisas sobre enzimas alimentícias são pu-
grupos do substrato e os transferem para molécu- blicadas pelos periódicos Enzyme Research (www.
las aceptoras (excluindo hidrogênio e água). hindawi.com/journals/er), Advances in Enzyme Re-
3. Hidrolases (p. ex., lipases, proteases) que que- search (www.scirp.org/journal/aer/) e Enzyme and
bram as ligações covalentes e adicionam água Microbial Technology (www.journals.elsevier.com/
nas ligações. enzyme-and-microbial-technology).
18  PARTE I  Princípios básicos

“crocância” ou “aquosidade”, estão diretamente Uma alergia alimentar é uma resposta


relacionados à estrutura das proteínas em um ali- imune adversa a uma proteína alimentar ou a
mento (veja Seção 1.2.2). Proteínas vegetais não fragmentos de proteína resistentes à digestão.
modificadas frequentemente têm propriedades Nem todas as proteínas comportam-se como
funcionais limitadas, porém modificações quí- alergênicos, porém as proteínas envolvidas
micas podem ser empregadas para melhorar sua em respostas alergênicas geralmente têm ca-
funcionalidade (Moure et al., 2006). Uma revi- racterísticas como uma resistência anormal
são dos métodos para alterar a funcionalidade de ao calor, digestão ácida ou por proteases, ou
proteínas alimentícias foi realizada por Jongh e uma propensão a ligar-se a lipídeos (Lehrer et
Broersen (2012). Existe uma grande quantidade al., 2002). Elas são “marcadas” por imunoglo-
de categorias de produtos em que a funcionalida- bulina E, e estes marcadores levam o sistema
de de proteínas engenheiradas levou a uma me- imune a produzir glóbulos brancos que atacam
lhoria de suas propriedades, incluindo o desen- a proteína “invasora”, o que desencadeia uma
volvimento de margarinas, nas quais a acetilação reação alérgica. As respostas alérgicas variam
das proteínas do leite aumentou a emulsificação desde uma dermatite leve, passando por proble-
de gorduras, o que aumentou a facilidade de espa- mas gastrintestinais e respiratórios, e chegando
lhamento e prolongou a estabilidade de armaze- a respostas anafiláticas, com risco de morte, que
nagem. Em maioneses e temperos para saladas, a necessitam intervenção emergencial imediata.
modificação das proteínas da clara do ovo melho- Estima-se que de 3 a 4% das crianças e de 1 a
rou a qualidade do produto. 2% dos adultos em países industrializados apre-
Além de sua capacidade de estabilizar emul- sentam uma resposta alergênica quando inge-
sões e espumas, proteínas podem afetar a vida rem uma ou mais proteínas alimentares (Baral e
de prateleira de alimentos pela melhoria da ati- Hourihane, 2005). Exemplos de alimentos aler-
vidade antioxidante, que influencia a troca de gênicos incluem amendoins e nozes provenien-
gases quando utilizadas como biomateriais de tes de árvores (incluindo noz pecan, pistaches,
embalagem e coberturas comestíveis (veja Seção pinholes, cocos e nozes), frutas (p. ex., melão,
24.5.1) e, para algumas proteínas e peptídeos, sua cítricos, banana e tomate), sementes (incluindo
atividade antimicrobiana (Wimley, 2010; Moreira gergelim e sementes de papoula), trigo, ovos,
et al., 2011). Por exemplo, nisina é um peptídeo leite de vaca, cabra ou ovelha, peixes, frutos do
antibacteriano potente que contém um grande nú- mar, temperos e corantes naturais e artificiais.
mero de aminoácidos não comuns utilizado como Uma lista completa de proteínas alergênicas
conservante em queijos (Martins et al., 2010), está disponível em SDAP (2013), e informações
peixes, carnes e bebidas (revisado por Lubelski et detalhadas sobre alergênicos são apresentadas
al., 2008). Outro peptídeo, -poli-l-lisina, exibe por Crevel e Cochrane (2014). Flanagan (2014)
atividade antimicrobiana contra bactérias e fun- descreve tipos de alergênicos, métodos de de-
gos (Hamano, 2011). tecção e seu controle por limpeza.

1.1.3.2  Fatores antinutricionais 1.1.4 Água


e alergênicos Estima-se que a hidrosfera (incluindo a atmosfera,
Compostos antinutricionais estão presentes em lagos, rios, geleiras, campos de neve e águas de
muitos alimentos vegetais, principalmente em superfície) contém cerca de 1,36 bilhões de quilô-
leguminosas. Eles incluem taninos, ácido fíti- metros cúbicos de água, a maioria na forma líquida
co, saponinas, polifenóis, latirogênio, lecitinas e (Pidwirny, 2006). Água é essencial para a vida e é
inibidor de tripsina, que reduz a digestibilidade o componente principal de todas as formas de vida,
da proteína e a disponibilidade dos aminoácidos com a maioria dos animais e vegetais contendo
(Gilani et al., 2005). Os métodos utilizados para mais de 60% de água em volume. A estrutura quí-
reduzir o nível desses compostos nos alimentos mica da água (dois átomos de hidrogênio ligados
incluem deixar de molho, descascar, moer, ferver covalentemente a um átomo de oxigênio) fornece
ou assar e fermentar. Detalhes são apresentados propriedades eletroquímicas muito particulares
por Khokhar e Owusu-Apenten (2009). às moléculas. Os dois átomos de hidrogênio são
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   19

carregados positivamente e o átomo de oxigênio é mova e flua. A água tem uma densidade máxima
carregado negativamente. Esta separação entre as a  4 °C. Quando a água muda de fase para gelo,
cargas negativas e positivas produz uma molécula o arranjo molecular provoca um aumento no vo-
polar, que tem uma carga elétrica em sua superfí- lume a uma expansão de  9% (Tabela 1.9), di-
cie. A interação líquida entre ligações covalentes e minuindo a densidade. Isso torna a água a única
a atração e repulsão entre as cargas positivas e ne- substância que não tem a densidade máxima no
gativas produzem uma molécula na forma de “V”. estado sólido. As mudanças na densidade da água
Esta forma é importante porque permite a forma- líquida e no vapor d’água também resultam em
ção das diversas configurações da água. Por exem- convecção termal (veja Seção 1.8.4). As mudan-
plo, cada molécula de água pode formar ligações ças de fase estão descritas em mais detalhes na
com quatro outras moléculas de água e formar um Seção 13.1.1, em relação ao vapor d’água, e na
arranjo tetraédrico ou a estrutura lattice ordenada Seção 22.1.1, em relação ao gelo. A polaridade
de gelo, como pode ser visto na Figura 1.1A. molecular, juntamente com a alta constante dielé-
Moléculas de água também formam ligações trica (Tabela 1.9) e o pequeno tamanho molecular,
de hidrogênio que permitem sua forma líquida. permite que as moléculas de água se liguem com
Juntamente com a polaridade das moléculas de outras moléculas, o que a torna um solvente pode-
água, isso causa a atração das moléculas de água roso, que consegue dissolver um grande número
entre si, formando forças de coesão fortes entre de compostos químicos (um solvente “universal”),
as moléculas, o que produz uma alta tensão su- principalmente compostos polares e iônicos (veja
perficial. As forças de coesão também tornam também limpeza em Seção 1.7.2).
a água adesiva e elástica e permitem que ela se Quando uma substância, tal como sal ou açú-
car, ou alguns gases (especialmente oxigênio e
dióxido de carbono) são dissolvidos em água, as
(A) moléculas se separam e são cercadas por molécu-
las de água para formar uma solução.
Estrutura
molecular A substância dissolvida é o “soluto”, e a parte
ordenada líquida é o “solvente”. Substâncias que logo dis-
da água
congelada
solvem em água são denominadas “hidrofílicas” e
são compostas por íons ou moléculas polares que
atraem moléculas de água em virtude de sua carga
elétrica. As moléculas de água cercam cada íon e o
(B) dissolvem ou formam ligações de hidrogênio com
substâncias polares para dissolvê-los. Diferentes
Estrutura
molecular tipos de íons e grupos iônicos em moléculas or-
semiordenada gânicas podem reduzir ou aumentar a mobilidade
da água
líquida
das moléculas de água em soluções diluídas. Por
exemplo, pequenos íons, carregados positivamente
(p. ex., Na�, Ca2�, Mg2� e Al3�), têm um efeito de
formar estruturas (i.e., as soluções são menos flui-
(C) das que a água pura), enquanto íons monovalentes
maiores, carregados positivamente, e íons carrega-
Estrutura dos negativamente (p. ex., NH4�, IO3�, Cl�, NO3�)
molecular
randômica têm um efeito de romper estruturas (i.e., as solu-
da água ções são mais fluidas do que a água pura) (Reid e
em vapor
Fennema, 2007).
Moléculas que contêm principalmente liga-
ções não polares (especialmente hidrocarbonetos
FIGURA 1.1  Estrutura da água. que contêm ligações C–H) são normalmente inso-
De Pidwirny, M., 2006. Physical properties of water. Funda-
mentals of Physical Geography, 2nd ed. Physicalgeographtnet.
lúveis em água e denominadas “hidrofóbicas”. As
Disponível em: www.physicalgeography.net/fundamentals/8a. moléculas de água são menos atraídas para essas
html (acessado em janeiro de 2016). moléculas e, portanto, não as cercam nem as dis-
20  PARTE I  Princípios básicos

TABELA 1.9  Propriedades físicas da água


Propriedade Valor
Massa molar 18,015
Volume molar (mol L�1) 55,5
Propriedade de transição de fase:
Ponto de ebulição (°C a 101,3 kPa) 100,00
Ponto de fusão (°C a 101,3 kPa) 0,00
Ponto triplo (K) 273,16
Pressão no ponto triplo (Pa a 0,01 °C) 611,73
Temperatura crítica (°C) 373,99
Pressão crítica (MPa) 22,06
3 �1
Volume crítico (m kmol ) 0,056
Calor latente de vaporização a 100 °C (kJ kg�1) 2.270
Calor latente de fusão a 0 °C (kJ kg�1) 334
Pressão de vapor (kPa a 20 °C) 2,338
Capacidade térmica (kJ kg�1 K�1):
Água 4,182
Gelo 2,108
Vapor d’água 1,996
Condutividade térmica a 20 °C (W m�1 K�1) 0,5984
Condutividade térmica (gelo) a 0 °C (W m�1 K�1) 2,240
Difusividade térmica a 20 °C (m2 s�1) 1,4 3 1027
Temperatura na densidade máxima (°C) 3,98
�3
Densidade (kg m ):
0 °C (sólido) 916,8
0 °C (líquido) 998,4
4 °C 1.000
20 °C 998,2
40 °C 992,2
60 °C 983,2
80 °C 971,8
100 °C 958
Constante dielétrica (permissividade) a 20 °C 80,20
Viscosidade (centipoise) a 20 °C 1,00
Tensão superficial (N m�1) a 20 °C 73 � 10�3
�1
Velocidade do som (m s ) 1,480
(Continua)

solvem. No entanto, é simplista considerar molé- atração entre duas moléculas de óleo. A atração
culas não polares como não atraídas por água. Por entre as moléculas de água é mais forte do que
exemplo, uma gotícula de óleo forma uma fina as atrações óleo-óleo e água-óleo, e isso mantém
película na superfície da água em vez de perma- as substâncias separadas como duas fases (veja
necer como uma gotícula. Isso indica que ocorre também emulsões na Seção 1.2.3.1 e Seção 4.2).
uma atração molecular entre o óleo e a água e que Agentes de superfície ativa (p. ex., fosfolipíde-
uma molécula individual de óleo é atraída para os) contêm porções hidrofóbicas e hidrofílicas.
uma molécula de água por uma força superior à Quando adicionados a um ambiente aquoso, as
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   21

TABELA 1.9  Propriedades físicas da água (Continuação)


Propriedade Valor
Índice de refractividade (relativo ao ar):
Gelo; 589 nm 1,31
Água; 430–490 nm 1,34
Água; 590–690 nm 1,33
Condutividade elétrica:
Água ultrapura 5,5 � 10�6 S m�1
Água potável 0,005–0,05 S m�1
Água do mar 5 S m�1
Fonte: Adaptada de Ambrose, D., 2008. Vapour pressure of water at temperatures between 0 e 360 °C. Kaye e Laby Online,
National Physical Laboratory. Disponível em: www.kayelaby.npl.co.uk/chemistry/3_4/3_4_2.html (www.kayelaby.npl.co.uk �
buscar ‘Vapour pressure of water’) (acessado em janeiro de 2016), Chieh, C., undated. Fundamental characteristics of water. Dept.
Chemistry, Univ. Waterloo, Canada. Disponível em: www.science.uwaterloo.ca/~cchieh/cact/applychem/water.doc (www.science.
uwaterloo.ca/~cchieh � selecionar ‘CaCt - Cyberspace Chemistry’� ‘Chem 218’� ‘Water Chemistry’) (acessado em janeiro de
2016) e Reid, D.S., Fennema, O.R., 2007. Water e ice. In: Damodaran, S., Kirk, L., Parkin, K.L., Fennema, O.R. (Eds.), Fennema’s
Food Chemistry, 4th ed. CRC Press, Boca Raton, FL, pp. 17–82.

porções hidrofóbicas juntam-se, assim como as se aquecer e libera calor lentamente, ao se


partes hidrofílicas, formando um arranjo muito resfriar. A água também conduz calor mais
estável, como uma camada dupla de lipídeos (p. facilmente do que qualquer outro líquido,
ex., nas membranas citoplasmáticas) (veja tam- com exceção de mercúrio. Por isso, ela é
bém detergentes na Seção 1.7.2). As associações amplamente utilizada para o aquecimento e
de água com grupos hidrofóbicos não polares resfriamento de processos.
em proteínas determinam suas estruturas tridi- •• Água pura tem uma baixa condutividade elé-
mensionais e, assim, suas funções na solução. A trica, porém esta aumenta significativamente
hidratação também forma géis que podem sofrer quando uma pequena quantidade de mate-
transições de fase gel-sol reversíveis que formam rial iônico é dissolvida nela (veja, também,
a base de vários mecanismos celulares. aquecimento por micro-ondas, Seção 19.1,
A água é miscível com muitos líquidos (p. ex., e aquecimento ôhmico, Seção 19.2). Como
etanol) em quaisquer proporções, formando um a corrente elétrica é transportada pelos íons
único líquido homogêneo. Água também forma um na solução, a condutividade aumenta com a
“azeótropo” com vários solventes. Mais detalhes concentração de íons.
são apresentados na Seção 13.2. Como um gás, o •• Acima de uma certa temperatura (a “tempera-
vapor d’água é completamente miscível com ar. tura crítica”), a água (e outras substâncias) não
A água tem muitas outras propriedades físi- consegue ser liquefeita, independentemente
cas (Tabela 1.9): da pressão aplicada. A pressão necessária para
•• É um líquido insípido, inodoro e incolor na liquefazer a água na temperatura crítica é a
faixa de temperatura de 0 a 100 °C, à pressão “pressão crítica”. Fluidos acima da tempera-
ambiente. tura crítica são “supercríticos” e apresentam
•• É transparente e somente luz UV forte é leve- propriedades tanto de líquidos como de gases,
mente absorvida. as quais são muito diferentes das do líquido.
•• Tem a segunda mais alta capacidade calorí- Por exemplo, dióxido de carbono supercrítico
fica específica, após amônia, e um alto ca- está descrito na Seção 3.4.1 e seu “ponto tri-
lor latente de vaporização, ambos devidos à plo” está apresentado na Figura 3.14.
grande quantidade de ligações de hidrogênio Mais detalhes das propriedades da água são
entre as moléculas. O alto calor específico apresentados por Singh e Heldman (2014a), Reid
(energia necessária para mudar a temperatura e Fennema (2007) e Chieh (sem data).
da substância) significa que ela pode absor- A água pode estar presente em várias formas
ver grandes quantidades de energia antes de nos alimentos: ela pode estar fisicamente presa em
22  PARTE I  Princípios básicos

uma matriz de moléculas, normalmente macromo- fatores envolvidos na regulação genética, além de
léculas, como géis e tecidos celulares. Esta água outras funções especializadas (p. ex., o papel da vi-
não flui dos tecidos dos alimentos, mesmo que tamina A na visão). Problemas de saúde que resul-
eles sejam cortados, porém pode ser facilmente tam de deficiências de vitaminas são reconhecidos
removida durante a desidratação (veja Seção 14.1) para todas vitaminas, e, para algumas, a dosagem
ou facilmente congelada (veja Seção 22.1). A per- excessiva também pode levar a doenças. Além dis-
da dessa capacidade de ligação (i.e., a “capacidade so, algumas vitaminas atuam nos alimentos como
de retenção de água”) tem efeitos significativos na agentes redutores, como catadores de radicais li-
qualidade do alimento, incluindo sinérese de géis, vres, precursores de sabor ou reagentes em reações
que exsudam de alimentos congelados (veja Se- de escurecimento não enzimático. As funções nu-
ção 22.3.3), e alterações pós-abate de carnes (veja tricionais e ingestão diária recomendada (IDR) de
Seção 26.2). “Água ligada” é a água com mobi- diferentes vitaminas são descritas por IoM (2016)
lidade limitada e propriedades diferentes da água e uma revisão sobre a fortificação de alimentos foi
fisicamente presa, apesar de que Fennema (1996) realizada por de Lourdes Samaniego-Vaesken et
e outros sugeriram que o termo não deveria mais al. (2012). Detalhes da estrutura e das funções das
ser utilizado por ser muito impreciso e, em subs- vitaminas são apresentadas por Gregory (1996), e
tituição, descreve-a como água com “mobilidade a natureza e as propriedades das vitaminas e suas
impedida”. Essa água é quimicamente ligada nos principais fontes nos alimentos estão descritas por
alimentos, não está disponível como solvente e Ball (2005) e sumarizadas no Anexo A.2, disponí-
não congela ou evapora tão prontamente. Maiores vel em loja.grupoa.com.br (buscar a página do livro
descrições estão apresentadas na Seção 1.2.4. e acessar Material Complementar). Os efeitos dos
diferentes tipos de processamento na retenção ou
1.1.5 Vitaminas atividade de vitaminas são descritos nos capítulos
subsequentes, nas Partes II a IV deste livro.
Esta seção descreve as vitaminas que existem na-
A estabilidade das vitaminas nos alimentos
turalmente e estão presentes em pequenas quanti-
está sumarizada na Figura 1.2, porém deve-se ob-
dades nos alimentos (microcomponentes). Outros
servar que essa visão geral não leva em conside-
microcomponentes são os minerais (veja Seção
ração a estabilidade das diversas formas de cada
1.1.6), pigmentos e corantes (veja Seção 1.1.7),
vitamina, e algumas podem apresentar grandes di-
antioxidantes (veja Seção 1.1.8), conservantes
ferenças (p. ex., ácido fólico sintético utilizado em
adicionados (veja Seção 1.1.9) e produtos tóxicos
fortificações alimentares é muito estável à oxida-
naturais (veja Seção 1.1.10).
ção, enquanto o ácido tetra-hidrofólico, que ocorre
Vitaminas compreendem 13 compostos orgâ-
naturalmente e que tem as mesmas propriedades
nicos que são micronutrientes essenciais, necessá-
nutricionais, é muito suscetível).
rios para o metabolismo normal dos animais, porém
não são sintetizados pelo corpo, ou o são em quanti-
dades insuficientes. Como consequência, as vitami- 1.1.6 Minerais
nas precisam ser obtidas da dieta. Elas atuam como As funções gerais dos minerais no corpo são manter
precursores enzimáticos ou coenzimas, como com- a eletroneutralidade nas membranas celulares, para
ponentes do sistema de defesa antioxidante, como garantir o balanço de água; contribuir para a integri-

A D E K C Complexo B
e ácido
pantotênico
Destruída pela Aumenta Destruída Muito Destruída
luz ultravioleta na luz pela rancidez estável pelo ar, enzimas,
e ar ultravioleta da gordura ultravioleta,
ferro e cobre
Estável ao calor, normalmente não Não estável Mais estável
afetada pelo processamento térmico ao calor ao calor

Lixiviada, destruída por


álcalis, estável em ácidos

FIGURA 1.2  Estabilidade das vitaminas nos alimentos.


Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   23

dade estrutural do esqueleto; a atividade de muitas variações de cor entre as bateladas; e (4) aplicar
proteínas; e agir como cofator para muitas enzimas. cor em alimentos sem cor (Aberoumand, 2011).
Os minerais estão agrupados em “macrominerais” Corantes são agrupados em quatro categorias:
(� 100 mg/dia necessários na dieta) e “micromine- natural, idêntico ao natural, inorgânico e coran-
rais” ( 100 mg/dia necessários na dieta). Existem tes sintéticos. Corantes naturais são produzidos a
ingestões diárias recomendadas para 12 minerais, e partir de fontes renováveis, na maioria das vezes
um resumo das funções de 16 minerais importantes extraídos de materiais vegetais, mas também de
em alimentos e no corpo está apresentado no Ane- outras fontes, como insetos, algas, cianobacté-
xo B, disponível em loja.grupoa.com.br (buscar a rias e fungos (Tabela 1.10). Caramelo, carbono
página do livro e acessar Material Complementar). vegetal e Cu-clorofilina também são considera-
Ao contrário dos componentes orgânicos dos dos corantes naturais, apesar de não encontrados
alimentos, os minerais não são destruídos pelo ca- na natureza. Pigmentos naturais são extraídos e
lor, oxidação, etc., e as principais perdas são devi- concentrados utilizando-se água ou álcool para
das à lixiviação (p. ex., durante o branqueamento, pigmentos solúveis em água, e solventes orgâ-
veja Seção 9.1), fervura, ou durante a moagem de nicos para pigmentos lipofílicos. Os principais
cereais e leguminosas (veja Seção 4.1.4). Minerais pigmentos vegetais são clorofila, carotenoides,
são absorvidos dos alimentos em diferentes quanti- betalaínas e flavonoides e outros fenóis. Clorofila
dades, como, por exemplo, praticamente todo o só- contém um íon magnésio na molécula, e quando
dio ingerido é absorvido, enquanto  10% do ferro este é deslocado por calor ou ácidos, forma feo-
é absorvido. Diferente de carboidratos, lipídeos e fitina e pirofeofitina, e a cor do pigmento muda
proteínas, a absorção de minerais é reduzida por ou- para um verde-oliva amarronzado. Carotenoi-
tros componentes alimentares, especialmente ácido des são pigmentos amarelo-alaranjados encon-
fítico, taninos e oxalatos, presentes em produtos trados em vegetais e algas marinhas. Eles são
como leguminosas e folhosas. Alimentos ácidos au- nutricionalmente importantes como precursores
mentam a solubilidade de minerais e melhoram sua para a vitamina A (especialmente o -caroteno)
absorção. Miller (1996) descreve outros fatores que e também atuam como antioxidantes. Carotenoi-
influenciam a absorção de minerais dos alimentos, des naturais incluem -caroteno (em cenouras),
incluindo a forma química do mineral, a presença licopeno (em tomates), capsantina (em pimen-
de ligantes que formam quelatos com os minerais e tões vermelhos e páprica), bixina (em urucum)
a atividade redox do alimento. e astaxantina (cor rosada de salmão, lagosta e
camarões). -Caroteno está presente em todos os
1.1.7  Corantes e pigmentos vegetais verdes, porém a clorofila mascara a cor.
Uma lista de aditivos, enzimas e aromas para Antocianinas são um subgrupo de flavonoides,
alimentos aprovados pela União Europeia (UE) do grupo dos fenóis, e apresentam um grande es-
pode ser encontrada no Anexo da Regulamen- pectro de cores, indo desde o púrpura, passando
tação 2011/1130/EU (EU, 2011), e nos Estados pelo azul e magenta, até o vermelho e laranja.
Unidos, a lista de aditivos aprovados está contida Eles são pigmentos relativamente instáveis e são
nas regulamentações promulgadas sob o FD&C facilmente degradados pelo calor, oxigênio, luz
Act, nas Seções 401 (Padrões para Alimentos) e e mudanças de pH. Betalaínas são um grupo de
409 (Aditivos Alimentares) (FDA, 2014a). pigmentos que contêm betacianinas vermelhas e
Corantes e pigmentos são compostos quími- betaxantinas amarelas e são comumente encon-
cos que transmitem cor aos alimentos pela refle- tradas em beterrabas e amaranto. Diferentemente
xão de energia nos comprimentos de onda de luz das antocianinas, elas não são afetadas pelo pH e
visível no espectro eletromagnético (veja Figura são mais resistentes ao calor, porém a cor é afe-
19.1), que estimulam a retina do olho. Preto e tada por oxigênio e luz. Uma revisão com deta-
tons intermediários de cinza também são consi- lhes sobre pigmentos vegetais foi realizada por
derados como cores. Corantes são adicionados Delgado-Vargas et al. (2000). Os pigmentos na-
aos alimentos pelas seguintes razões: (1) repor a turais nos tecidos animais são diferentes formas
cor perdida durante o processamento; (2) melho- de hemopigmentos (hemoglobina e as diferentes
rar a cor que já está presente; (3) minimizar as formas de mioglobina).
TABELA 1.10  Pigmentos naturais em alimentos
Estabilidade a
Solúvel em água (A)
Pigmento Fonte típica ou óleo (O) Calor Luz Oxigênio Alteração de pH
Antocianinas Frutas A Alta Alta Alta Baixa
Betalaína Beterraba A Moderada Alta Alta Alta
Bixina Casca da semente de Bixa orellana O Moderada a baixa Baixa Alta –
Canxantina Algas verdes, crustáceos O Moderada Moderada Moderada Moderada
Caramelo Açúcares aquecidos A Alta Alta Alta Alta
Carotenos Folhas O Moderada a baixa Baixa Baixa Alta
Clorofila Folhas A Alta Alta Alta Baixa
Carmina Inseto cochonilha (Dactylopius coccus) A Alta Alta – Moderada a alta
24  PARTE I  Princípios básicos

Cúrcuma Turmérico A Baixa Baixa Baixa –


Norbixina Casca da semente de Bixa orellana O Moderada a baixa Baixa Alta –
Oximioglobina Animais A Baixa – Alta Baixa
Polifenóis Folhas de chá A Alta Alta Alta alta
Quinonas Raízes, cascas de árvores A Alta Moderada – Moderada
Xantofilas Frutas A Moderada Alta Alta Baixa
a
Como laca de alumínio.
Fonte: Adaptada de Aberoumand, A., 2011. A review article on edible pigments properties e sources as natural biocolorants in foodstuff e food industry. World J. Dairy Food Sci. 6(1), 71–78.
Disponível em: www.idosi.org/wjdfs/wjdfs6(1)/11.pdf (acessado em janeiro de 2016) e Delgado-Vargas, F., Jiménez, A.R., Paredes-López, O., 2000. Natural pigments: carotenoids, anthocyanins, e
betalains – characteristics, biosynthesis, processing, e stability. Crit. Rev. Food. Sci. Nutr. 40(3), 173–289.
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   25

Corantes idênticos aos naturais são pigmen- 5.3.3). Detalhes da gama de pigmentos naturais e
tos sintéticos também encontrados na natureza sintéticos disponíveis comercialmente são forne-
e incluem caroteno, cantaxantina e riboflavina. cidos pelos fabricantes (DDW, 2016; FIS, 2016).
Exemplos de corantes inorgânicos são o dióxido
de titânio, ouro e prata. Corantes sintéticos (ou co- 1.1.8 Antioxidantes
rantes alimentares) são, muitas vezes, azocorantes Antioxidantes são compostos que protegem as
produzidos por síntese química. Originalmente, células contra estragos causados por espécies
eles eram chamados de corantes de “alcatrão” por- reativas ao oxigênio (p. ex., superóxido, radicais
que eram produzidos a partir de anilina, um produto peroxil e hidroxil) produzidos pela oxidação de
obtido do carvão betuminoso. Eles eram mais bara- gorduras ou produzidos no corpo pela atividade
tos para produzir e tinham propriedades colorantes metabólica. Um desequilíbrio entre antioxidan-
superiores, quando comparados aos pigmentos na- tes e oxigênio reativo resulta em um estresse
turais, porém, as demandas dos consumidores por oxidativo, levando a um dano celular que está
pigmentos naturais resultaram em mudanças nas associado a câncer, envelhecimento, ateroscle-
formulações de muitos alimentos processados para rose e doenças degenerativas. Antioxidantes em
substituí-los. alimentos incluem -caroteno, vitaminas C e E,
“Lacas” são produzidas pela precipitação de selênio e alguns compostos polifenólicos (p. ex.,
pigmentos solúveis com sais, como cátions de alu- flavonoides, isoflavonas, catequinas, antociani-
mínio, para fazer compostos solúveis em pH bai- dinas e chalconas). Antioxidantes também são
xo ou alto e dispersíveis em óleo (eles colorem os adicionados aos alimentos para evitar rancidez
alimentos por dispersão). Elas são utilizadas para oxidativa, incluindo vitaminas C e E, extratos
colorir produtos que contêm gorduras e óleos, sem de temperos, como cravo (Eugenia caryophylla-
umidade suficiente para dissolver corantes (p. ex., ta), canela (Cinnamomum zeylanicum) e alecrim
barras coloridas, misturas para bolo, confeitos e (Rosmarinus officinalis), além de antioxidantes
goma de mascar). Lacas feitas com corantes sinté- sintéticos como terc-butil-hidroquinona (TBHQ),
ticos são mais comuns do que as de corantes na- butil-hidroxi-anisol (BHA), butil-hidroxi-tolueno
turais, porém um exemplo é o carmim, que é uma (BHT) e propilgalato (PG).
laca do ácido carmínico. Shahidi (2015) descreve diferentes tipos de
Corantes são formulados (i.e., misturados antioxidantes, e mais informações sobre a ativida-
com outros componentes) por várias razões. Eles de antioxidante de flavonoides são apresentadas
podem ser misturados para obter uma cor ou tom por Pietta (2000).
diferente (p. ex., misturar páprica laranja com ca-
roteno amarelo em diferentes proporções) ou para 1.1.9 Conservantes
igualar uma cor já existente (p. ex., na substitui-
ção de um corante sintético por corantes naturais Conservantes são compostos com atividade anti-
ou para obter um corante mais estável ou barato). microbiana (e, algumas vezes, antioxidante) e in-
Corantes também são formulados para aumentar a cluem etanol, sal, açúcar, extrato de sementes de
faixa de aplicações (p. ex., emulsionar uma oleor- uva, ácidos acético, cítrico e ascórbico, e compos-
resina de um carotenoide solúvel em gordura para tos antimicrobianos sintéticos, incluindo:
obter uma dispersão que possa ser usada em refri- •• Benzoatos (benzoato de sódio, ácido ben-
gerantes). Corantes também podem ser aspergidos zoico, ésteres de hidroxibenzoato de alqui-
em spray-driers (veja Seção 14.2.1) utilizando-se la), efetivos contra leveduras e bactérias
maltodextrina como um carregador para obter um (menos contra mofos), utilizados em refri-
pó que pode ser dissolvido ou disperso em água. gerantes, sucos de frutas, ketchup, temperos
Sua estabilidade pode ser aumentada com a adi- para salada.
ção de antioxidantes, como -tocoferol ou ácido •• Epóxidos (óxidos de etileno e propileno),
ascórbico, para inibir que a cor desbote ou por efetivos contra todos os microrganismos e
sua microencapsulação com hidrocoloides, como esporos, utilizados em alguns alimentos de
goma arábica, para criar uma barreira física que baixa umidade e para esterilizar materiais de
protege o pigmento da degradação (veja Seção embalagem asséptica (veja Seção 12.2).
26  PARTE I  Princípios básicos

•• Nitritos e nitratos (nitritos ou nitratos de só- sobre os glicosídeos cianogênicos com a quebra
dio ou potássio), que são efetivos contra bac- dos materiais vegetais. Cianeto é um dos venenos
térias patogênicas, incluindo Clostridium sp., mais potentes e de ação rápida, que inibe o pro-
e reagem com hemopigmentos para produzir cesso oxidativo das células, causando sua morte
nitrosomioglobina rosa em carnes curadas. rapidamente. No entanto, o corpo consegue de-
Existe, atualmente, uma discussão sobre o sintoxicar-se rapidamente do cianeto, e um adul-
risco da produção de nitrosaminas tóxicas em to suporta concentrações de  50 mg kg�1 sem
carnes curadas. sérias consequências, porém a exposição a con-
•• Propionatos (ácido propiônico, propionato centrações de 200 a 500 mg kg�1 por 30 min é
de sódio, cálcio ou potássio), efetivos contra normalmente fatal (Magnuson, 1997a,b). A toxi-
mofos e algumas poucas bactérias, utilizados cidade do cianeto em pequenas doses pode causar
em produtos de panificação e queijos. dores de cabeça, aperto no peito e fraqueza dos
•• Sorbatos (sorbatos de sódio ou potássio, áci- músculos. Os efeitos da exposição crônica, por
do sórbico), efetivos contra mofos em par- longo tempo, são menos documentados.
ticular e também leveduras, utilizados em Vegetais pertencentes à família das Rutaceae
queijos, temperos para salada, sucos de fruta, (p. ex., frutos cítricos) e Umbelliferae (p. ex., che-
vinhos e picles. rívia, salsa, aipo, cenouras) podem conter um gru-
•• Sulfitos (sulfito de sódio, dióxido de enxo- po de toxinas conhecidas como furocomarinas,
fre, bisulfito de sódio, hidrogeno sulfito de que têm propriedades fototóxicas e fotomutagêni-
potássio) são mais efetivos contra insetos e cas. As mais ativas são o psoraleno e seus deriva-
bactérias gram-negativas do que contra mo- tivos (5-metoxipsoraleno e 8-metoxipsoraleno).
fos, leveduras e bactérias gram-positivas. A concentração da toxina é maior na casca e ao
Têm ação antioxidante e evitam o escureci- redor de quaisquer áreas machucadas. As toxinas
mento enzimático, são utilizados em frutas da cherívia podem causar uma reação dolorosa na
secas, vinhos e sucos de frutas. Alguns países pele quando o contato com a planta é combinado
fazem restrições ao uso de sulfitos, pois eles com raios UV do sol. Os níveis de toxina dimi-
estão associados a uma série de sintomas de nuem quando o vegetal é cozido.
intolerância alimentar, principalmente asma. Vegetais da família Brassica, incluindo repo-
Outros conservantes incluem eritorbato de lho, couve-de-bruxelas, brócolis, couve-flor, ruta-
sódio, diacetato de sódio, succionato de sódio/ baga, couve-rábano, colza e canola, contêm gluco-
ácido succínico, EDTA dissódico e desidroaceta- sinolatos, que são goitrogênicos que podem inibir o
to de sódio. Compostos químicos antibacterianos funcionamento da glândula tireoide, causando seu
(p. ex., nicina) estão descritos na Seção 6.3. crescimento e atrofia ou bócio. As enzimas necessá-
rias para a produção de goitrogênicos são destruídas
pelo cozimento, e os glucosinolatos também são
1.1.10 Substâncias perdidos por lixiviação na água de cozimento.
tóxicas naturais Latirogênicos são encontrados em legumi-
Embora qualquer composto químico no alimen- nosas como o grão-de-bico, ervilhas ou ervilhas-
to tenha o potencial de tornar-se tóxico quando -de-cheiro, e atuam como antagonistas metabóli-
ingerido em excesso, existem alguns compostos cos do ácido glutâmico, um neurotransmissor do
químicos vegetais que podem causar toxicidade cérebro. Quando eles são ingeridos em grandes
mesmo consumidos em pequenas quantidades. A quantidades, podem causar a paralisia dos mem-
seguir, um resumo das toxinas comuns, e mais de- bros inferiores e resultar em morte. Latirismo
talhes são apresentados por Schilter et al. (2014) e somente ocorre em dietas pobres, que consistem
Dolan et al. (2010). principalmente de ervilhas.
Glicosídeos cianogênicos estão presentes Lectinas (fito-hemaglutininas) são um grupo
em várias plantas, incluindo amêndoas amargas, de glicoproteínas encontradas em leguminosas
mandioca, sorgo, sementes de maçã e pera e ca- que podem aglutinar os eritrócitos. Elas estão
roços de pêssego e damasco. Cianeto de hidro- presentes em feijões, sobretudo nos vermelhos
gênio é liberado quando enzimas naturais atuam ou pretos, soja, feijões-lima, lentilhas e mamona.
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   27

O envenenamento pode ocorrer se apenas quatro vômito, dificuldade de respiração e morte. A con-
ou cinco grãos crus ou semicozidos forem ingeri- centração de solanina em batatas varia de acordo
dos. Eles podem causar fortes dores de estômago, com o tipo, e é maior em brotos e áreas esverdea-
vômito e diarreia. As toxinas são destruídas pela das pelo sol. Ela não é destruída pelo cozimento.
fervura dos feijões por, pelo menos, 10 min. Toxinas produzidas por microalgas marinhas
Muito cogumelos são venenosos. Por exem- são acumuladas em mariscos, crustáceos e alguns
plo, o cicuta verde contém veneno suficiente para peixes após seu consumo. Por exemplo, tetrodo-
matar um adulto, e o cozimento não inativa a to- toxina é uma neurotoxina potente encontrada em
xina. Os sintomas incluem dores estomacais vio- algumas espécies de baiacu, e é letal quando inge-
lentas, náusea, vômito e diarreia. Pode ocorrer a rida em pequenas quantidades.
morte causada por falência hepática vários dias Detalhes de toxinas alimentares que ocorrem
após a ingestão. Detalhes do envenenamento por normalmente são apresentados por Dolan et al.
cogumelos são descritos por Horowitz (2016). (2010).
Ruibarbo contém ácido oxálico, com alta
concentração nas folhas. O envenenamento pode
causar câimbras musculares, diminuição da respi- 1.2  PROPRIEDADES FÍSICAS
ração e dos batimentos cardíacos, vômito, dor de A seção seguinte descreve as propriedades físicas
cabeça, convulsões e coma. dos alimentos e outros materiais utilizados para
Ácido fítico (ou fitato) é encontrado em produzir equipamentos de processamento de ali-
grãos, leguminosas e nozes, e os complexos fi- mentos, iniciando com a densidade de sólidos e
tato-minerais reduzem a biodisponibilidade dos o peso específico de líquidos. A seguir, a visco-
minerais. Os fitatos também inibem enzimas sidade, atividade superficial e atividade de água
digestivas como tripsina, pepsina, -amilase e serão apresentadas. As propriedades elétricas são
-glucosidase. Vegetarianos que consomem gran- descritas por Dev e Raghavan (2012) e na Seção
des quantidades de tofu e coalhada de feijão têm 19.2. Mais informações sobre as propriedades
o risco de ocorrência de deficiência de minerais, físicas dos alimentos são fornecidas por Singh
devido ao consumo do fitato. e Heldman (2014b), Rahman (2014), Schilke
Inibidores de protease interferem com a ação e McGuire (2014), Arana (2012a) e Delgado et
das enzimas tripsina e quimotripsina, produzidas al. (2012), para grupos específicos de produtos
pelo pâncreas para quebrar as proteínas ingeridas. Sánchez e Peréz (2012) apresenta para produtos
Eles são encontrados em cereais (aveia, painço, lácteos, Arozarena et al. (2012) para cereais e In-
cevada e milho), brotos de couve-de-bruxelas, sausti et al. (2012) para produtos cárneos.
soja crua, cebola, beterraba e amendoim. A maio-
ria deles é destruída pelo cozimento, porém algu-
1.2.1  Densidade e
ma atividade residual pode permanecer em alguns
produtos comerciais. peso específico
Alcaloides pirrolizidínicos podem estar pre- A densidade de um material é igual a sua mas-
sentes se uma batelada de cereais é contaminada sa dividida por seu volume e, no sistema SI, tem
por sementes de ervas daninhas ou, em pequenas unidades de kg m�3. Exemplos da densidade de
quantidades, na carne ou no leite de animais que alimentos sólidos e outros materiais utilizados no
comeram plantas que contenham esses alcaloides. processamento de alimentos estão apresentados
Em altas doses, alcaloides pirrolizidínicos cau- na Tabela 1.11 e exemplos da densidade de líqui-
sam sérias doenças de fígado e alguns são muta- dos estão na Tabela 1.12. A densidade dos mate-
gênicos e carcinogênicos potentes. riais não é constante e muda com a temperatura
Solanina e chaconina são glicoalcaloides que (temperaturas mais altas reduzem a densidade
são anticolinesterases encontrados em plantas do dos materiais) e pressão. Isso é particularmente
gênero Solanum, que incluem batatas, tomates e importante para fluidos, nos quais diferenças na
berinjelas. A enzima colinesterase quebra o neu- densidade provocam correntes de convecção. O
rotransmissor acetilcolina, porém quando a coli- conhecimento da densidade dos alimentos é im-
nesterase é inibida, a acetilcolina superestimula portante em processos de separação (veja Seção
as células nervosas. Os sintomas incluem náusea, 3.1.1), e diferenças na densidade podem ter efei-
28  PARTE I  Princípios básicos

TABELA 1.11  Densidade de alimentos e outros materiais


�3 �3 o
Material Densidade (kg m ) Densidade a granel (kg m ) Temperatura ( C)
Alimentos
Cevada 1.374–1.415 564–650 20
Cacau (pó) 1.450 350–400 –
Gordura 900–950 – 20
Fruta fresca 865–1.067 480–600 20
Fruta congelada 625–801 – –20
Peixe fresco 967 480 20
Peixe congelado 1.056 769 220
Farinha de milho 1.500–1.620 340–550 –
Leite em pó (integral) 1.300–1.450 430–550 –
Leite em pó (desnatado) 1.200–1.400 250–550 –
Aveia 1.350–1.378 358–511 –
Amido de batata 1.500–1.650 650 –
Arroz 1.358–1.386 700–800 –
Sal (granulado) 2.160 960 –
Sal (em pó) 2.160 280 –
Açúcar (granulado) 1.590–1.600 800–1.050 –
Açúcar (em pó) 1.590–1.600 480 –
Água 1.000 0
Gelo 916 0
933 10
948 20
Gelo (quebrado) 916 641 0
Trigo 1.409–1.430 790–819 20
Farinha de trigo – 480–560 20
Outros materiais
Alumínio 2.640 0
Cobre 8.900 0
Aço inoxidável 7.950 20
Concreto 2.000 20
Fonte: Adaptada de dados de Ibarz, A., Barbosa-Canovas, G.V., 2014. Introduction to Food Process Engineering. CRC Press, Boca
Raton, FL; Lewis, M.J., 1990. Physical Properties of Foods e Food Processing Systems. Woodhead Publishing, Cambridge; Earle,
R.L., 1983. Unit operations. Food Processing, 2nd ed. Pergamon Press, Oxford, pp. 24–38, 46–63. Disponível em: www.nzifst.org.
nz/unitoperations/about.htm (acessado em janeiro de 2016); Peleg, M., 1983. Physical characteristics of food powders. In: Peleg,
M., Bagley, E.B. (Eds.), Physical Properties of Foods. AVI, Westport, CT; Mohsenin, N.N., 1970. Physical Properties of Plant and
Animal Materials, Vol. 1 Structure, Physical Characteristics e Mechanical Properties. Gordon and Breach, London.

tos importantes na operação de equipamentos de ocupada pelo ar é chamada de “porosidade” ( )


redução de tamanho e mistura. e é calculada por:
Sólidos particulados e pós têm duas for-
� Va / Vb (1.1)
mas de densidade: a densidade das partículas
individuais e a densidade do conjunto do ma- onde Va (m3) � volume do ar e Vb (m3) � volume
terial, que também inclui os espaços de ar entre bruto.
as partículas. Esta última medida é denominada A densidade a granel do material depende da
densidade a granel e é a “massa de sólidos di- densidade dos sólidos e da geometria, tamanho
vidida pelo volume bruto”. A fração do volume e propriedades superficiais das partículas indi-
TABELA 1.12  Propriedades dos fluidos
Condutividade térmica Calor específico Densidade Viscosidade dinâmica Temperatura
(W m�1 °K�1) (kJ kg�1 °K�1) (kg m�3) (N s m�2) (°C)
Ar 0,024 1,005 1,29 1,73 � 10�5 0
0,031 1,005 0,94 2,21 � 10�5 100
Gás carbônico 0,015 0,80 1,98 0
Oxigênio 0,92 1,43 1,48 � 10�3 20
Nitrogênio 0,024 1,05 1,30 0
Refrigerante 12 0,0083 0,92
Água 0,57 4,21 1.000 1,79 � 10�3 0
�3
0,68 4,21 958 0,28 � 10 100
Solução de sacarose (60%) 2,76 1.290 6,02 � 10�2 20
Solução de sacarose (20%) 0,54 3,73 1.070 1,92 � 10�3 20
Solução de cloreto de sódio (22%) 0,54 3,4 1.240 2,7 � 10�3 2
Ácido acético 0,17 2,2 1.050 1,2 � 10�3 20
Etanol 0,18 2,3 790 1,2 � 10�3 20
�1
Óleo de colza 900 1,18 � 10 20
Óleo de milho 1,73 20
Azeite de oliva 0,168 8,4 � 10�2 29
Óleo de girassol 1,93 20
Leite integral 0,56 3,9 1.030 2,12 � 10�3 20
2,8 � 10�3 10
�3
Leite desnatado 1.040 1,4 � 10 25
Creme de leite (20% de gordura) 1.010 6,2 � 10�3 3
Goma guar (solução de 1%) 1,5 � 10�2
Goma xantana (solução de 1%) 1.000
Fonte: De Earle, R.L., 1983. Unit operations. Food Processing, 2nd ed. Pergamon Press, Oxford, pp. 24–38, 46–63. Disponível em: www.nzifst.org.nz/unitoperations/about.htm (acessado em
janeiro de 2016); Lewis, M.J., 1990. Physical Properties of Foods e Food Processing Systems. Woodhead Publishing, Cambridge; Peleg, M., Bagley, E.B., Eds., 1983. Physical Properties of Foods.
AVI, Westport, CT.
Capítulo 1   Propriedades dos alimentos e princípios de processamento   29
30  PARTE I  Princípios básicos

viduais. Exemplos desta densidade para alguns do antes da fermentação (p. ex., “1.072” ou “72”
alimentos são mostrados na Tabela 1.12 e ela é refere-se à gravidade específica de 1,072).
discutida em relação a pós secos por secadores de A densidade dos gases depende de sua
spray na Seção 14.2.1.10. pressão e temperatura (Tabela 1.12). A pressão
A densidade dos líquidos pode ser expressa é geralmente expressa como “pressão gauge”
como “gravidade específica” (SG, do inglês spe- quando acima da pressão atmosférica, ou como
cific gravity), um número adimensional que é en- “vácuo gauge” se abaixo da pressão atmosférica.
contrado pela divisão da massa (ou densidade) de A pressão é calculada utilizando a equação dos
um líquido pela massa (ou densidade) de um vo- gases ideais:
lume igual de água pura na mesma temperatura: PV � nRT (1.5)
(1.2) onde P (Pa), � pressão absoluta; V (m3) � volu-
me; n (kmol), � número de kmols de gás; R �
�1 �1
constante dos gases (8.314,4 J kmol K ) e T
(1.3) (K) � temperatura.

Essa equação é útil para calcular transferên-
Se a gravidade específica de um líquido é co- cias gasosas em aplicações como armazenagem ou
nhecida a uma temperatura particular, sua densi- embalagem em atmosfera modificada (veja Pro-
dade pode ser encontrada usando: blema-exemplo 1.1 e Seção 24.3), congelamento
(1.4) criogênico (Seção 22.2.2) e a permeabilidade de

materiais de embalagem (veja Seção 24.1).
�3
onde L � densidade líquida (kg m ) e a � densi- A densidade de gases e vapores é também
dade da água, à temperatura (°C). referida como “volume específico” que é “o volu-
A gravidade específica é muito utilizada no me ocupado por uma unidade de massa de vapor
lugar da densidade na produção de cerveja e ou- ou gás” e é o inverso da densidade. Este valor é
tras fermentações alcoólicas (veja Seção 6.1.3), utilizado, por exemplo, no cálculo da quantidade
sendo o termo “gravidade original” (GO) utiliza- de vapor que deve ser empregado pelos ventilado-
do para designar a gravidade específica do líqui- res durante a desidratação (veja Capítulo 14) ou

PROBLEMA-EXEMPLO 1.1
Calcule a quantidade de oxigênio (kmol) que entra por um filme de embalagem de polietileno
em 24 h à temperatura de 23 °C, se o pacote apresenta uma área superficial de 750 cm2 e uma
permeabilidade ao oxigênio de 120 mL m�2 por 24 h a 23 °C e 85% UR (veja Tabela 24.2) (pressão
atmosférica � 105 Pa).

Solução:
O volume de oxigênio entrando pelo polietileno:

Utilizando Eq. (1.5)

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