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Paulo Freire na prática – a impraticabilidade de uma filosofia educacional que não se deseja.

A História que se lê, vê e se comenta é a dos vencedores, geralmente não havendo espaço
para outra versões ainda mais quando elas são as dos dominados por um processo. Sendo
assim, muitas vezes práticas libertárias são apropriadas por ideologias dominantes e
deturpadas em sua essência, a fim de se manter um status quo supostamente inquestionável.
A Educação também segue esse viés, passando de espaço de consciência crítica para
consciência mágica, havendo mais objetividade que atividade, não explorando-se a
bidimensionalidade vocabular da “ação” e “reflexão”. Verifica-se portanto que teorias e
filosofias bem intencionadas quanto a melhorar a sociedade sofrem modificações em sua
essência, são esquematizadas, simplificadas e perdem seu motivo de ser, tornando-se mais
válvulas de escape para oprimidos que instrumento de engajamento que leve a uma liberdade
real.

A ordem social geralmente é colocada como inquebrantável pelas elites de dada civilização
que dela se serve. E para mantê-la os opressores utilizam diversos recursos, que vão desde
recursos midiáticos, passando pela religiosidade das pessoas (geralmente aliada do status
quo), a até mesmo textos científicos que atestam com evidências dada realidade. Tais recursos
tem por finalidade a manutenção do status quo. O universo científico, seguindo tendência de
normatização da realidade, também tem contribuído para a manutenção de uma ordem que
estipula cargos e posições sociais. Assim, trabalhos são desenvolvidos em vários setores da
sociedade, com destaque para a Educação. Contudo esses trabalhos continuam seguindo
também um viés do dominador, colocando os dominados ou oprimidos como coadjuvantes no
processo. Serve assim a finalidade de manutenção da ordem.

Até mesmo teorias consideradas “de esquerda”, com potencial libertário, quando aplicadas
também na Educação, são envoltas por essa atmosfera conservadora ou opressora que assim
fazem perder seu potencial de transformar as relações sociais. Muitas vezes originadas de
intelectuais bem intencionados e engajados, são apropriadas e traduzidas por terceiros que,
propositada ou ingenuamente, mudam seus esquemas de aplicabilidade social mudando
também a essência original do programa de gênese direta de seu elaborador ou teórico.
Perdem portanto o potencial transformador social e acabam por reproduzir uma ordem já
estabelecida. As relações sociais consolidadas são assim impostas, só que de forma mais
cordial, com ares de democracia. Perde-se o conteúdo crítico educacional dando-se momentos
de escuta a quem é explorado e cativando a muitos com certo assistencialismo que não coloca
em risco o status quo estabelecido.

Especificamente a Educação também padece dessa tradução. Sob um discurso muitas vezes
transformador que aponta para as mazelas sociais, coloca-se na prática como algo
esquematizante que neutraliza saberes. Acaba assim servindo a finalidade de repetir ou
reproduzir aquilo que já está de forma insossa. Gera então um público muitas vezes insensível
à realidade e relações sociais que vive pois que distante de tudo o que lhe é passado. Objetiva-
se e desumaniza-se a relação com o próximo, individualizando-se experiências, formando
cidadãos por fim egocêntricos, firmes na ideia muitas vezes religiosa de caridade como forma
de melhorar e atenuar as contradições sociais, uma massa que segue incondicionalmente uma
ordem que se torna indelével. Assim, os fins justificam os meios, o propósito mantenedor
serve-se de uma Educação libertária no discurso, mas alienante no conteúdo, sem explorar sua
ambivalência ação e reflexão.
E aquilo que originariamente veio para transformar as relações sociais, como uma teoria
educacional libertária, acaba servindo como válvula de escape para os oprimidos. São criados
espaços de escuta, de prática para sair da total miserabilidade até os limites do suportável de
seus dominadores mais do que um processo de construção educativa que integralize no sujeito
aprendente consciência transformadora da realidade em que vive. O que deveria conscientizar
então acaba por conformar, devido um certo “alívio” concedido com ares de “solidariedade” e
até “caridade” por aqueles que exploram. O que seria filosofia de vida educativa e
revolucionária transforma-se em “método” ou “panaceia” para aliviar a condição de miséria
alheia. Serve portanto mais aos exploradores que aos explorados pois consolida a ordem e o
status quo colocados.

A História dos vencedores se faz onipotente frente as queixas e necessidades dos vencidos. Até
mesmo propostas libertárias são apropriadas por uma elite dominante de forma a serem
transformadas e adequadas à realidade que se quer impor. Assim, cria-se uma ordem que
assimila um discurso revolucionário, transformado em prática aliviadora quem mais contribui
para a manutenção da ordem que quebrar a pressão social imposta por sobre os corpos dos
oprimidos.

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