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Módulo I

Manual do Formando

Formadora

Diana Santos de Sousa


dianasantosdesousa@gmail.com
Facebook.com/dianasantosdesousapsi

1
Índice
Objetivos ......................................................................................................................................3
Princípios básicos da avaliação psicológica ..................................................................................4
Avaliação formal vs. Informal ...................................................................................................4
A observação como ferramenta de recolha de informação .....................................................5
A comunicação na avaliação psicológica ..................................................................................8
Avaliação intelectual ..................................................................................................................10
Conceito(s) de inteligência .....................................................................................................10
O papel da hereditariedade e do ambiente ...........................................................................11
Componentes da avaliação cognitiva .....................................................................................16
Links para aprofundar conhecimentos .......................................................................................23
Bibliografia .................................................................................................................................24

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Objetivos

No final do Módulo I, os formandos deverão ser capazes de:


 Definir inteligência;
 Conhecer o papel da avaliação formal e informal na avaliação psicológica;
 Conhecer as componentes da avaliação cognitiva.

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Princípios básicos da avaliação psicológica

Avaliação formal vs. Informal


A avaliação passa por vários momentos e não deve ser circunscrita aos
instrumentos de avaliação formal.

Desde o início, a observação do comportamento do cliente, da sua


linguagem não-verbal e da conversa não formal que mantém pode manifestar
possíveis problemas (contacto ocular, atenção, linguagem, pensamento, orientação
espácio-temporal, memória, humor) que nos vão dar pistas acerca de que
instrumentos poderemos aplicar, o tipo de perguntas a utilizar na entrevista
(vocabulário mais ou menos elaborado, perguntas fechadas vs. abertas, etc.).

Existe uma visão um pouco leiga de que os instrumentos de avaliação


psicológica estandardizados são uma forma de acesso aos segredos mais íntimos
das pessoas ou que são capazes de as descrever na totalidade (Miguel, 2014). Isto
não acontece na grande maioria dos casos uma vez que os resultados das provas
devem ser vistos num todo.

Escalona (2002) defende que em crianças pequenas, no pré-escolar, deve


optar-se por métodos predominantemente qualitativos e não estandardizado em
detrimento de provas formais.

O uso da observação é especialmente útil quando se procura identificar e


obter informação acerca de aspetos sobre os quais os indivíduos não possuem
consciência no que diz respeito a elementos que, de alguma forma, orientam o seu
comportamento (Ferreira & Mousquer, 2004). Existem determinados
comportamentos que podemos ter inconscientemente e que são importantes para
dar sentido, por exemplo, aos resultados de uma avaliação formal. Temos o caso
dos resultados da WISC que podem ser influenciados por uma atitude de
desvalorização/recusa ou falta de investimento por parte da criança/adolescente ou
uma atitude de maior ansiedade e procurar muito o feedback do avaliador. Todos

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estes dados são relevantes de integrar no desempenho formal e quantitativo da
criança.

A observação como ferramenta de recolha de informação

A observação é uma ferramenta muito útil para obter dados (Ferreira &
Mousquer, 2004) mas também para confirmar ou refutar hipóteses levantadas. A
observação vai para além do uso da visão e inclui meios de registo de informação
como a escrita, recursos audiovisuais, cronómetros e até a memória do observador
(Ferreira & Mousquer, 2004).
A recolha de informação pode ser simples enquanto a sua interpretação
pode ser mais complexa uma vez que envolve mais interferência da pessoa que está
a analisar a informação, chegando ao ponto a que a informação
recolhida/interpretada é passível de ser inconscientemente escolhida pelo
observador (Ferreira & Mousquer, 2004).
Este método de recolha de informação comporta vantagens e desvantagens,
que irão ser enumeradas na tabela seguinte (Ferreira & Mousquer, 2004):

Vantagens Desvantagens

Possibilita meios diretos para ter acesso a O observado tende a criar impressões
comportamentos não intencionais ou favoráveis ou desfavoráveis no observador
inconscientes e explorar temas que os
participantes não se sentem à vontade ou
não conseguem responder;

Exige menos do observado do que outras A presença do observador pode enviesar o


técnicas comportamento / situação observada

Permite confirmar as respostas verbais Abrange apenas os limites temporais do


dadas ao entrevistador (quando for o caso), momento da observação
confrontando-as com as constatadas pela
observação

Depende menos da introspecção ou da A ocorrência espontânea não pode ser


reflexão prevista, o que impede, geralmente, o
observador de presenciar o
5
comportamento

Obtêm a informação no momento e no Existem aspectos da vida quotidiana que


espaço onde ocorre podem não ser acessíveis ao observador

Não depende do grau de instrução do Pode despertar interpretações subjetivas na


observado análise das informações

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A observação pode ser analisada sobre diversas perspetivas (Ferreira & Mousquer
2004):

Quanto ao local da observação:


 Observação em laboratório: inclui a identificação de ações e
comportamentos numa situação estruturada e controlada. Tem a
desvantagem de o comportamento ser observado em contexto artificial mas
que permite a utilização de instrumentos que, noutro contexto, não seria
possível. Podemos incluir aqui a aplicação de instrumentos padronizados em
contexto de consulta.
 Observação na vida real, campo ou naturalística: o comportamento é
observado e registado no ambiente real, e os acontecimentos são registados
à medida que ocorrem. Temos aqui uma diminuição dos vieses de
observação em laboratório mas que, por outro lado, não permite a recolha
de informação sobre determinados fenómenos.

Quanto à ação do observador no fenómeno observado:


 Observação não participante: quando o observador não desempenha
qualquer ação no fenómeno e é apenas expectador.
 Observação participante: o observador participa ativamente no fenómeno
observado e envolve, por exemplo, o estabelecimento da relação
terapêutica. Diminui a objetividade dos dados recolhidos mas pode
aumentar a empatia e a capacidade de o observado se sentir capaz de
realizar uma ação.

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A comunicação na avaliação psicológica

Na avaliação psicológica é importante que ponhamos em prática uma comunicação


eficaz. Alguns dos princípios a ter em consideração são (Molinero, 2013):
 Escuta ativa – esforço para entender o que o cliente e pais estão a dizer o
melhor possível. Os maiores obstáculos que impedem uma escuta ativa
são as distrações, as interrupções a quem está a falar, os juízos de valor,
e subestimar os sentimentos do cliente (“não te preocupes com isso”;
“isso não é razão para te preocupares”).
A escuta ativa envolve:
o Mostrar empatia – colocarmo-nos no lugar do outro para
compreender efetivamente as suas emoções e dificuldades.
Contudo, nem sempre temos de concordar com a posição do
outro. Para manter uma escuta ativa podemos utilizar frases como
“Entendo o que sentes”, “noto que…”;
o Parafrasear – verificar se as próprias palavras correspondem o que
parece que o emissor está a dizer. É de extrema importância para
o processo de avaliação já que permite comprovar se a nossa
perceção está correta e não haver interpretações enviesadas.
Para isso podemos dizer “Então, segundo o que vejo o que
acontecia era…”, “queres dizer que te sentiste…”
o Emitir reforço positivo – usar afirmações que suponham um
reforço ao discurso da pessoa e que transmitam que estamos a
aprovar o seu discurso, tais como “isto é muito divertidos”,
“gosto muito de falar contigo” ou outras afirmações menos
diretas como “muito bem”, “humm” ou “boa!”.
o Resumir – Com esta competência comunicamos à outra pessoa o
nosso grau de compreensão ou a necessidade de esclarecimentos
adicionais. Algumas expressões para resumir seriam “se estou a
entender…”, “ o que me estás a dizer é…”, “queres dizer que…”,
“estou a entender bem…”.
 Alguns aspetos que melhoram a comunicação são:
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o Quando falamos das pessoas, comentar o comportamento e não a
forma de ser, sem usar qualificativos. As etiquetas não promovem
a mudança e reforçam os mecanismos de defesa. Por exemplo,
em vez de dizer “Esqueceste-te outra vez de fazer os trabalhos de
casa. És um esquecido e um desastre”, substituir por “esqueceste-
te outra vez de fazer os trabalhos de casa. Ultimamente tem-te
acontecido muitas vezes isso”.
o Discutir os temas um a um e não utilizar uma situação para
relacionar com outros temas. Por exemplo, quando chegam as
notas da escola a casa, não aproveitar este acontecimento para
relembrar que chega tarde a casa e que não arruma as suas coisas
em casa.
o Expressar a emoções negativas, em vez de as acumular, o que
poderia resultar em comportamentos explosivos.
o Ser específico, concreto e preciso. Por exemplo, uma pessoa
(criança, adolescente, pais, etc.) diz “não me ligam nenhuma” ou
“sinto-me sozinha” ou “estão sempre ocupados”, ainda que esta
informação expresse sentimentos, se não há uma proposta
específica, provavelmente não irá haver uma mudança. É benéfico
acrescentar alguma informação, tal como “ a partir de agora,
vamos tentar jantar todos os dias juntos e falar sobre o dia uns
dos outros. Parece-vos bem?”.
o Evitar generalizações. Os termos “sempre” e “nunca” raramente
são certos e tendem a formar etiquetas. Ou seja, dizer “João,
ultimamente vejo que andas mais distraído” em vez de “João,
estás sempre nas nuvens”.
o Ter em atenção a comunicação não-verbal e tentar que seja
congruente com a informação verbal. Manter o contacto ocular e
saber transmitir afeto mediante, por exemplo, tom de voz,
expressões faciais, gestos, postura corporal (Habigzang, 2008).

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Avaliação intelectual

Conceito(s) de inteligência
Apesar de haver vários conceitos de inteligência, os mesmos estão
frequentemente associados a competências cognitivas e são um dos fatores
psicológicos que melhor predizem o comportamento do ser humano (Lemos &
Almeida, 2019).
Lemos e Almeida (2019) citam autores que definem a inteligência “uma
capacidade intelectual geral que, entre outras coisas, envolve a capacidade de
raciocinar, planear, resolver problemas, pensar abstratamente, compreender ideias
complexas, aprender rapidamente e aprender com a experiência. (...) reflete uma
capacidade mais ampla e profunda para compreender o nosso ambiente – “captar”,
“dar sentido” às coisas ou “descobrir” o que fazer” (Gottfredson, 1997, p.13, citado
por Lemos & Almeida, 2019).
A inteligência, sendo um dos fatores envolvidos no processo de ensino-
aprendizagem, envolve os seguintes domínios (Lemos & Almeida, 2019):
 conhecimento – capacidade de reconhecer e reproduzir ideias e conteúdos;
 compreensão – capacidade de estabelecer uma ligação entre o novo
conhecimento e o conhecimento adquirido previamente;
 aplicação - execução ou utilização de um procedimento ou um conhecimento
numa situação específica ou nova;
 análise – divisão da informação em partes relevantes e irrelevantes,
importantes e menos importantes e compreensão da relação existente entre
as partes;
 síntese – realização de julgamentos baseados em critérios e padrões
qualitativos e quantitativos ou de eficiência e eficácia;
 avaliação – capacidade de integrar os elementos da informação a fim de criar
uma nova visão, desenvolver uma nova ideia, solução, estrutura ou modelo,
utilizando aquisições prévias.
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Não podemos deixar de referir que, nos últimos anos, tem havido um interesse
crescente pela inteligência não-cognitiva (Junior & Noronha, 2007). Isto é, teorias
que veem além das habilidades intelectuais ou cognitivas, entre as quais as
conceções do fator g (aptidão geral) e as medições de QI, e dão importância a
outros tipos de inteligência, entre os quais, a inteligência emocional, que será
definida como “a capacidade de perceber, avaliar e expressar emoções com
precisão; a capacidade de acessar e/ou gerar sentimentos quando estes facilitam o
pensamento; a capacidade de entender as emoções e o conhecimento emocional e
a capacidade de regular emoções para promover o crescimento emocional e
intelectual” (Mayer et al., 1997, p. 10, citado por Junior & Noronha, 2007, p. 481).
No domínio da inteligência, há ainda a noção de "Idade Mental"
(desenvolvimento mental) que, associada à noção de "Idade Cronológica", permite
o cálculo do QI ou a percepção de um desenvolvimento intelectual normal, superior
ou inferior tendo como ponto comparativo a idade do sujeito (Almeida, 2002).

O papel da hereditariedade e do ambiente

Na perspetiva de Vygotsky (2007, citado por Crespi et al. 2018), o


desenvolvimento infantil ocorre através de um processo de interação entre a
criança, o seu meio e as suas relações. Através desta interação é permitido à criança
internalizar conhecimentos socialmente aceites e construídos, reestruturar
comportamentos e construir a sua visão do mundo.
O desenvolvimento da criança é influenciado por inúmeros fatores mas
podemos identificar dois grandes domínios: a hereditariedade e o contexto onde a
criança se desenvolve. Por hereditariedade entendemos a herança genética que a
criança recebe dos seus pais biológicos de forma inata. Já 0 contexto engloba a
mudança exterior à criança que começa ainda no útero (Papalia et al., 2001). Por
exemplo, uma criança pode herdar um determinado género mas, ainda dentro do
útero, os comportamentos da mãe aumentarem ou diminuírem a probabilidade de
esse gene se manifestar provocando uma dificuldade.

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Existe ainda o conceito de maturação que diz respeito à sequência de
mudanças físicas e/ou cognitivas e/ou comportamentais, geneticamente
determinadas, que habitualmente estão ligadas à idade e vão determinar a
manifestação de determinadas competências, como é o caso da fala e da marcha
(Papalia et al., 2001).
Neste sentido, além de herdar a carga genética dos progenitores que podem
determinar certas características, uma parte daquilo que somos no que respeita o
desenvolvimento cerebral deve-se às experiências desde o período intrauterino até
à infância e inclui a estimulação, as experiencias afetivas e os cuidados recebidos
nos primeiros anos de vida (Crespi et al. 2018).
Esta interação nem sempre é linear e fácil de distinguir. Mesmo em
ambientes intra-uterinos, não é clara a influencia dos genes e do contexto em, por
exemplo, gémeos. A vivência de cada um deles no ambiente intra-uterino pode ser
diferente e afetar a forma como cada um se desenvolve (Bussab, 2000). O gene
contem uma informação química que se traduzirá fenotipicamente no ambiente
onde essa informação decorrerá e, por isso, gene e ambiente são componentes
inseparáveis e complementares de um sistema (Bussab, 2000).
Ao analisar bebés, fica claro que um recém-nascido prefere nitidamente
determinados estímulos, como é o caso da atenção diferencial que dá a um adulto
afetuoso, como é o caso das figuras cuidadoras, sem que tenha havido uma
aprendizagem formal (Bussab, 2000).
Tolezano e colegas (2020, p. 20) defendem que, na deficiência intelectual
existe maior ou menor influência da genética ou do meio consoante o grau de
dificuldade, tal como demonstram na imagem abaixo:

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.
Neste sentido podemos identificar alguns fatores de risco para um desenvolvimento
da inteligência abaixo do esperado:

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São, então, consideradas causas genéticas e fisiológica que incluem síndromes
genéticas (p. ex., variações na sequência ou variações no número de cópias
envolvendo um ou mais genes; problemas cromossómicos), erros inatos do
metabolismo, malformações encefálicas, doença materna (inclusive doença
placentária) e influências ambientais (p. ex., álcool, outras drogas, toxinas) (APA,
2103).
Incluem também uma gama de eventos no trabalho de parto e no nascimento
que podem levar a encefalopatia neonatal. Causas pós-natais incluem lesão
isquémica hipóxica, lesão cerebral traumática, infecções, doenças desmielinizantes,
doenças convulsivas (p. ex., espasmos infantis), privação social grave e crónica,
síndromes metabólicas tóxicas e intoxicações (p. ex., chumbo, mercúrio) (APA,
2103).
Vários autores apontam ainda o nível sociocultural e económico como fator de risco
(Marcelli, 1998; Moura, 2009). São vários os estudos que têm mostrado que
consições de vida precárias e carências ao nível afetivo podem resultar um
diminuições ou insuficiências intelctuais no indivíduo.

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Componentes da avaliação cognitiva

Uma das componentes com influência na aprendizagem e que deve ser alvo
de avaliação e análise é a atenção. Barbosa e colegas (2021) defendem que a
atenção é a capacidade do indivíduo responder maioritariamente aos estímulos que lhe
são significativos em detrimento de outros. Os mesmos autores sublinham a
importância do sistema nervoso na atenção, já que é através dele que conseguimos ter
um contacto seletivo com as informações que nos chegam através dos órgãos
sensoriais.
Há ainda que referir que a atenção é uma componente complexa e que não tem
limites definidos uma vez que pode ser afetada pela perceção, memória, motivação,
afeto e até o nível de consciência (Barbosa et al., 2021). Isto leva-nos a pensar que não é
justo assumirmos que uma criança tem dificuldades de atenção se não estiver
assegurado o correto funcionamento da perceção e da memória, se um individuo
estiver com sono, desmotivado ou até mesmo a passar por um período difícil
emocionalmente.
Podemos dividir esta grande componente em 4 subtipos (Barbosa et al., 2021):
Atenção seletiva Atenção Atenção dividida Atenção alternada
sustentada
Capacidade que um É comummente Envolve a Refere-se a
sujeito tem de denominada capacidade de mudanças de foco
selecionar um “concentração” e responder a mais de modo repetitivo.
estímulo entre refere-se à de uma questão Ex. Um aluno que
vários outros que capacidade de num dado está a fazer uma
lhe são manter um foco momento, ou a cópia e tem de
apresentados numa tarefa múltiplos estímulos alternar a sua
(incluindo a durante um longo ou elementos atenção entre o
ausência de sinais), período de tempo. dentro de uma que lê e depois o
sejam eles internos Ex. Estar focado atividade. que escreve.
ou externos. numa ficha de Ex. Um aluno que
Ex. Escolher estar avaliação durante tem de estar atento
atento ao que o 30 min. ao que o professor
professor está a está a ditar e ao
ensinar em mesmo tempo tem
detrimento de de escrever no seu

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escolher estar caderno.
atento aos
pensamentos sobre
um acontecimento.

Uma outra área que está envolvida na área cognitiva é a perceção. Esta área
não pode ser reduzida a um processo meramente fisiológico nem, ao mesmo
tempo, ser considerado independente deste (Ries & Rodrigues, 2004).
Importa distingui-la da sensação que se constitui como o processo envolvido
na recepção do estímulo, de origem interna ou externa, e transformação em
impulso elétrico e transmissão ao córtex correspondente. Já a perceção diz respeito
à interpretação pessoal dada aos estímulos que são recepcionados através dos
canais sensoriais. Podemos, assim, afirmar que a perceção é influenciada pela nossa
personalidade e vivências já que damos uma interpretação aos sinais. (Ries &
Rodrigues, 2004).
Gonçalves (2017) defende que a perceção resulta da projeção de estímulos
externos nos nossos órgãos sensoriais, que serão apreendidos e depois
processados linguisticamente.
Na avaliação cognitiva, a perceção visual terá influencia uma vez que vai
permitir à criança analisar imagens e símbolos (ex. letras, números, …) e dar-lhes
significado (Gonçalves, 2017).
A perceção assume também funções visuo-motoras que envolvem as
competências perceptivas visuais (ex. coordenação óculo-manual), posição no
espaço, relações espaciais, constância da forma e figura-fundo (Souza & Capellini,
2011)
Também a perceção auditiva terá impacto na avaliação cognitiva, na medida
em que vai permitir descodificar corretamente (ou não) estímulos auditivos, sejam
sons ou frases/instruções.

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Outra das componentes cognitivas é a memória, que é habitualmente
dividida em duas grandes áreas: a memória de curto prazo e a memória de longo
prazo. A primeira refere-se à capacidade limitada e que serve ao armazenamento de
informações por um curto período de tempo e a outra, com capacidade quase
ilimitada, serve ao armazenamento de informações que decorrem da interação com
o meio e por isso são aprendidas e mantêm-se disponíveis por um longo período de
tempo (Primi, 2002).
Em específico, a memória de trabalho é uma das competências com grande
relevância na aprendizagem, que tem como características as seguintes:

No que diz respeito à informação acima, o ciclo fonológico é responsável


pelo armazenamento de informações acústicas (ou ligadas à fala) e consegue
armazenar a informação por dois ou três segundos. Só com estratégias de repetição
é que conseguiremos manter a informação durante mais tempo.
Na área de armazenamento visual-espacial são armazenadas as informações
visuais. Pode reter informação sobre informação espacial (localização de objetos)
ou sobre estímulos visuais (ex. aparência de objetos).
O executivo central é responsável pelo processamento cognitivo ligado ao
ciclo fonológico e à área de armazenamento visual.

O raciocínio é outra das componentes que está envolvida nas competências


cognitivas e refere-se a uma função ou processo cognitivo de ordem superior que se
pode dividir em dois subtipos (Lemos & Almeida, 2019):
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 raciocínio indutivo - a informação que consta nas premissas de um problema
não é suficiente para chegar a uma conclusão, levando o sujeito a inferir
conclusões prováveis. Os problemas que requerem o raciocínio indutivo
apresentam-se habitualmente sob a forma de analogias, de séries para
completar ou de exercícios de classificação/categorização.
Exemplo: No decorrer de uma avaliação psicológica, é utilizada uma
determinada prova que nos irá dar informação sobre o perfil intelectual de
uma criança.
No entanto, sem ter acesso a informação sobre o comportamento da criança
e sobre o seu contexto, iremos ter de inferir (fazer um raciocínio indutivo)
que o resultado daquela prova é verdadeiro e congruente com a capacidade
da criança quando, na verdade, o resultado da prova pode ser influenciado
por diversos fatores.

 raciocínio dedutivo - a informação que consta nas premissas de um problema


é suficientemente lógica para chegar a uma conclusão válida, e os silogismos
são o formato clássico das situações para a sua avaliação.
Exemplo:
Na WISC um QI de 100 é considerado dentro da média.
A Maria teve um valor de QI de 100.
Logo, a Maria tem um QI dentro da média.

As funções executivas podem ser definidas como um conjunto de processos


metacognitivos, abrangidos na realização de comportamentos complexos,
dirigidos para um determinado objetivo e capazes de responder de modo
adaptativo às diversas exigências e mudanças ambientais (Strauss et. al, 2006).
Na avaliação neuropsicológica o termo «funções executivas» é utilizado para
designar uma ampla variedade de funções cognitivas que passam pelo
planeamento, a flexibilidade, a fluência verbal, a inibição, a velocidade de
processamento, a atenção dividida e a memória de trabalho (Moura, 2014).
As funções executivas permitem ao individuo perceber estímulos no seu

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contexto, responder adequadamente, antecipar objetivos futuros e considerar
as consequências de forma a ter respostas eficazes. As funções executivas
têm aparecido associadas aos lobos frontal (especificamente ao córtex pré-
frontal) e parietal (Moura, 2014).
As funções executivas envolvem competências como (Czermainski, Bosa &
Salles, 2013):
 Inibição de resposta – é uma competência que permite ao indivíduo
inibir respostas preponderantes, respostas a estímulos distratores ou
ainda interromper respostas que estejam em curso (Barkley, 2001).
 Planeamento – operação complexa onde uma sequência de ações
planeadas precisa ser monitorizada, avaliada e atualizada, tornando
possível ao indivíduo atingir o objetivo definido (Jurado & Rosselli,
2007).
 Flexibilidade mental – A flexibilidade cognitiva ou mental é a
capacidade de alternar diferentes pensamentos ou ações, de acordo
com as mudanças do ambiente ou do contexto (Lezak, Howieson &
Loring, 2004).

 Fluência verbal - Capacidade de emitir comportamentos


verbais e não-verbais, obedecendo a regras pré-estabelecidas, sejam
elas explícitas ou implícitas, como por exemplo a capacidade da
criança evocar palavras de uma categoria semântica ou fonémica
(Moura, Simões & Pereira, 2013).
 Memória de trabalho – Sistema de memória de capacidade
limitada que envolve o armazenamento temporário e o
processamento de informação verbal e visuoespacial (Moura, 2014).
Permite ao indivíduo manipular um limitado volume de informações
necessárias para a execução de ações presentes, como na resolução
de problemas matemáticos (Baddeley, 2012). Pode dividir-se em
quatro componentes: componente fonológica, registo visuoespacial,
buffer episódico e executivo central (Czermainski, Bosa & Salles,
2013).
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Todas estas componentes estão envolvidas na resolução de problemas que,
segundo Lemos e Almeida (2019), é uma habilidade cognitiva de nível superior que
envolvem a analise, compreensão e resolução de situações que constituam um
problema. Os autores dão exemplos de situações (Lemos & Almeida, 2019, p. 121):
 “quando a primeira resposta do indivíduo dirigida ao objetivo não é
correspondida;
 quando o indivíduo se confronta com um obstáculo e tem de fazer um
“desvio” para ultrapassar essa contrariedade e alcançar o seu objetivo
 quando o indivíduo tem um objetivo, mas o caminho para alcançá-lo não é
claro ou não foi bem aprendido;
 quando algumas condições ou elementos são conhecidos e outros não, e a
solução depende da descoberta dos elementos desconhecidos da situação;

A Linguagem é outra das componentes envolvidas nas competências


cognitivas.
A Linguagem consiste na representação mental do mundo, organizada
segundo parâmetros que norteiam um determinado grupo social e uma
comunidade linguística (Lima, 2011). A linguagem molda a forma como as pessoas
percecionam, categorizam e experienciam a realidade. Ela pode ser linguagem
recetiva ou linguagem expressiva, conforme diga respeito à compreensão (input)
ou expressão (output), respetivamente. Da compreensão linguística fazem parte os
processos de ouvir e ler, por exemplo, e de expressão linguística o falar e escrever,
por exemplo.
A compreensão envolve o processo de decodificação, realizado pelo ouvinte
que descodifica o sinal recebido, transformando-o numa representação mental
linguística; e a expressão envolve um processo de codificação, realizado pelo
falante, que converte a ideia-alvo numa cadeia de sons de fala (Owens, 2012; Sim-
Sim, Silva, & Nunes, 2008)
São vários os subdomínios da linguagem (Sim-Sim, Silva, & Nunes, 2008;
Owens, 2011, Sim-Sim, 1998; Tomasello, 2003):

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 A fonologia centra-se no estudo dos sons que constituem a fala, incluindo as
regras para uso e combinação dos diferentes elementos fonológicos. As
competências fonológicas incluem a capacidade para distinguir, ou
discriminar, os sons da fala, bem como a capacidade para os produzir.
 A morfologia diz respeito à estrutura das palavras, estudando a forma como
as suas unidades mínimas (os morfemas) transmitem significado. É através
de diferentes morfemas, ou partes das palavras, que somos capazes de
realizar concordância entre as palavras na frase, em género
(masculino/feminino), número (singular/plural) e flexão verbal (tempo,
pessoa e modo), por exemplo.
 A semântica refere-se ao estudo do significado das palavras e das relações
que estabelecem entre si, como de hiperonímia/hiperonímia (ex:
frutas/maçã) e sinonímia/antonímia, por exemplo. O conhecimento de novas
palavras deriva, em grande parte, do conhecimento do mundo.
 A sintaxe engloba as regras relativas à combinação e sequência de palavras
para formar frases. A língua portuguesa declara como ordem básica de
palavras-tipo SVO, ou seja, Sujeito-Verbo-Objeto (A menina lê o livro)
presente nas primeiras construções frásicas da criança. Contudo, a estrutura-
padrão admite variações como no caso das interrogativas, cuja estrutura é
Objeto-Verbo-Sujeito (O que leu a menina?);
 A pragmática assume-se como o estudo das regras relacionadas com o uso
linguístico em conversação e situações sociais, nomeadamente quanto ao
ajuste ao contexto e interlocutor. Resume o saber-fazer linguístico: saber o
que dizer, a quem dizer, como dizer.

22
Links para aprofundar conhecimentos

Utilize os links abaixo para aprofundar conhecimentos relativos ao tema


abordado no manual. As notícias e vídeos disponibilizados, complementam de uma
forma prática os tópicos trabalhados neste manual.

Sites a visitar
A Psicologia da inteligência - Jean Piaget - Google Books
Relações entre a afetividade e a inteligência no desenvolvimento mental da ... - Jean
Piaget - Google Books

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Bibliografia

 Almeida, L. (2002). As Aptidões Na Definição E Avaliação Da Inteligência: O


Concurso Da Análise Fatorial. Paidéia, 12 (23), 5-17
 APA. (2013). DSM-V - Manual de diagnóstico e estatística das perturbações
mentais. Lisboa: Climepsi Editores.
 Baddley, A. (2012). Working memory: Theories, Models, and Controversies
Annu. Rev. Psychol. 63, 1-29.

 Barbosa, J., Jardim, M. & Santos, M. (2021). Neuropsicologia Da Atenção:


Da Avaliação À Estimulação. Revista Transformar.
 Barkley, R. (2001). The executive functions and self-regulation: an
evolutionary neuropsychological perspective. Neuropsychology, 11(1), 1-29.
doi
 Bussab, V. S. R.. (2000). Fatores hereditários e ambientais no
desenvolvimento: a adoção de uma perspectiva interacionista. Psicologia:
Reflexão E Crítica, 13(2), 233–243.
 Crespi, L., Noro, D. & Nóbile, M. (2018). A Primeira Infância No Brasil:
Aspectos Históricos E Fundamentos Transdisciplinares. Pedagog. Foco, 13 (9),
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 Czermainski, F., Bosa, C. & Salles, J. (2013). Funções Executivas em Crianças e
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 Escalona, C. (2002). Entrevistas clínicas individuales a escolares de 3 a 6 años


– una modelización de las competencias ordinales en la educación infantil. VI
Simposion de la SEIEM.
 Ferreira, V. & Mousquer, D. (2004). A observação em psicologia clínica.
Revista de Psicologia da UnC, 2 (1), 54-61,
 Gonçalves, H. (2017). Linguagem e Perceção Visual Como Meio de
Comunicação em Crianças Com Perturbações do Espectro de Autismo.
Dissertação de Mestrado. Escola Superior de Artes e Design do Instituto
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