Você está na página 1de 102

Video_Preview_R3_Clm_26

PREVIOUSLY
ON
R+
INJÚRIA RENAL AGUDA

INTRODUÇÃO
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
IRA PRÉ-RENAL
SÍNDROME HEPATORRENAL (SHR)
IRA INTRÍNSECA
IRA PÓS-RENAL
ABORDAGEM DIAGNÓSTICA
DIFERENCIAÇÃO ENTRE IRA E DRC
DESCOBRINDO A CAUSA DA IRA
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
PREVENÇÃO E TRATAMENTO
INDICAÇÕES DE DIÁLISE NA IRA
DOENÇA RENAL CRÔNICA

DEFINIÇÃO
FISIOPATOLOGIA
ESTADIAMENTO
FATORES DE RISCO
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
BIOQUÍMICA DA UREMIA
COMPONENTES DA SÍNDROME URÊMICA E SEU
TRATAMENTO
DISTÚRBIOS HIDROELETRO​LÍTICOS E ACIDOBÁSICOS
AJUSTE NA DOSE DE MEDI​CAMEN​TOS
TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL NA DRC

TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL

DEFINIÇÃO E TIPOS
ASPECTOS FISIOLÓGICOS
REMOÇÃO DE TOXINAS
CONTROLE ELETROLÍTICO E ACIDOBÁSICO
ULTRAFILTRAÇÃO
LIMITAÇÕES DA DIÁLISE
EFICÁCIA DA DIÁLISE
HEMODIÁLISE: ASPECTOS TÉCNICOS
ACESSO E CIRCUITO
TRATAMENTO DA ÁGUA
TIPOS DE FILTRO
MÉTODOS
DIÁLISE PERITONEAL: ASPECTOS TÉCNICOS
ACESSO
MÉTODOS
INDICAÇÕES E ESCOLHA DO MÉTODO
UREMIA AGUDA
UREMIA CRÔNICA
HEMODIÁLISE OU DIÁLISE PERITONEAL?
COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE
COMPLICAÇÕES DA HEMODIÁLISE
COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE PERITONEAL
HEMO​FILTRAÇÃO E ANÁLOGOS
HEMOFILTRAÇÃO
HEMODIA​FILTRAÇÃO
PROGNÓSTICO
TRANSPLANTE RENAL
INJÚRIA RENAL AGUDA

QUADRO DE RESUMO

O objetivo deste capítulo é definir o que é uma IRA (Injúria Renal Aguda). Existem várias
definições distintas, porém a mais utilizada na prática, de acordo com os consensos
internacionais, é a que vamos apresentar aqui. Esta definição é muito importante, pois,
quando identificada num determinado cenário clínico, permite a previsão de uma maior
chance de mortalidade relacionada àquele evento agudo.

Injúria Renal Aguda (IRA)

Qualquer paciente que apresente aumento da creatinina sérica maior ou igual a 0,3
mg/dl em relação ao basal num período de 48h OU aumento da creatinina ≥ a 1,5x do
valor basal num período de uma semana E/OU redução do débito urinário para um valor
< 0,5 ml/kg/h por 6h ou mais está em IRA e tem risco aumentado de morte, sendo este
risco diretamente proporcional à magnitude das alterações observadas. Veremos que o
primeiro passo na investigação diagnóstica é definir se a IRA é pré-renal (hipoperfusão),
intrínseca (lesão do parênquima) ou pós-renal (lesão obstrutiva do trato urinário), ou uma
combinação de um ou mais desses três mecanismos. História, exame físico e alguns
poucos exames complementares já nos ajudam a definir o mecanismo da IRA, e a partir
daí podemos dar início a um tratamento mais direcionado.

INTRODUÇÃO
A definição mais aceita de Injúria Renal Aguda (IRA) é:

TABELA 1: DEFINIÇÕES DE INJÚRIA RENAL AGUDA (KDIGO – 2012).

➤ Aumento da creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dl dentro de 48h OU

➤ Aumento da creatinina sérica ≥ 1,5x o valor de base, ocorrendo nos últimos sete dias
OU

➤ Débito urinário < 0,5 ml/kg/h por mais que 6h.

Video_01_R3_Clm_26
Estima-se que 5–7% das internações hospitalares de emergência e até 30% das admissões
na UTI se compliquem com IRA.
Nos pacientes com função renal normal prévia, a IRA costuma ser reversível, mesmo que
durante o episódio tenha demonstrado necessidade de diálise. No entanto, hoje sabemos
que a IRA é fator de risco para o posterior desenvolvimento de doença renal crônica. A IRA
também pode ser reversível quando o paciente já era previamente nefropata, porém a
probabilidade de recuperação satisfatória nestes casos tende a ser menor.

SAIBA MAIS

Exceto na IRA pré-renal e na pós-renal rapidamente resolvida, todo paciente com IRA que
sustenta dano ao parênquima renal apresenta perda de néfrons em algum grau. Quanto
maior a perda de néfrons, menor a reserva renal residual e, consequentemente, maior a
chance de ocorrer sobrecarga dos néfrons remanescentes (que complica com GESF
secundária e fibrose tubulointersticial progressiva), ou seja, maior a chance de DRC.
Logo, podemos afirmar que a IRA (principalmente a história de episódios repetitivos de
IRA) é fator de risco para DRC. De forma análoga, a presença de DRC (baixa reserva renal
prévia) é fator de risco para IRA.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
As causas de IRA são classificadas em três grupos não mutuamente excludentes:

Pré-renal;

Intrínseca;

Pós-renal.

IRA PRÉ-RENAL
A IRA pré-renal representa a forma mais comum de IRA na população geral, sendo causada
por uma redução do fluxo plasmático renal e consequente queda na pressão hidrostática
intraglomerular e na TFG. A princípio, não há dano estrutural ao parênquima renal e, por
isso, trata-se de um distúrbio prontamente reversível com a restauração da perfusão! Uma
hipoperfusão renal grave e prolongada, porém, pode culminar em necrose tubular aguda
isquêmica, uma forma de IRA intrínseca em que há dano ao parênquima renal, com o
quadro não se resolvendo imediatamente após melhora hemodinâmica. A IRA pré-renal
pode coexistir com os demais tipos de IRA (intrínseca, pós-renal), sendo importante
reconhecer este fato, já que o componente pré-renal, como vimos, é prontamente
reversível...

Existe um mecanismo fisiológico chamado autorregulação da TFG que nos protege da


IRA pré-renal frente à queda da perfusão renal. Este mecanismo é desencadeado por:
➤ Reflexo miogênico na parede da arteríola aferente do glomérulo, com relaxamento da
musculatura lisa em resposta à queda da pressão intravascular;

➤ Ativação do SRAA, levando à vasoconstrição da arteríola eferente do glomérulo por ação


da angiotensina II, e aumento na reabsorção tubular de sódio por ação da aldosterona;

➤ Aumento na síntese de substâncias vasodilatadoras (PGE2, prostaciclina, óxido nítrico)


devido ao balanço tubuloglomerular, isto é, o menor aporte de solutos ao túbulo distal é
sentido pela mácula densa, estrutura que está em contato direto com a arteríola aferente
e estimula a síntese local de substâncias vasodilatadoras.

Quando todos os mecanismos citados são ativados, a pressão hidrostática intracapilar e,


consequentemente, a TFG conseguem ser mantidas mesmo na presença de hipoperfusão
renal!

Contudo, existem limites para a autorregulação da TFG... Se a queda no fluxo plasmático


renal for muito acentuada (PA sistólica < 80 mmHg), a TFG inevitavelmente cai. Em alguns
pacientes, o limiar pressórico que desencadeia a queda na TFG pode ser mais alto, como é
o caso dos idosos, diabéticos e hipertensos prévios. Todos esses pacientes têm em comum
o fato de apresentarem arterioloesclerose hialina (com estreitamento luminal) dos vasos
pré-glomerulares, ou seja, existe algum grau prévio de bloqueio ao fluxo glomerular, o qual
já estava "requisitando" a ativação dos referidos mecanismos compensatórios no estado
basal, reduzindo sua "margem" de requisição adicional.

Ademais, existem fatores extrínsecos capazes de anular os componentes dessa resposta


fisiológica. É o caso, por exemplo, do uso de AINE (bloqueio na síntese de prostaglandinas
vasodilatadoras) e do uso de IECA ou BRA (bloqueio na ação da angiotensina II). O paciente
perde a vasodilatação da aferente ou a vasoconstrição da eferente, respectivamente. O uso
de AINE + IECA ou BRA prejudica de forma ainda mais acentuada o mecanismo
compensatório, facilitando o surgimento de IRA em situações de hipoperfusão renal.

As principais causas de IRA pré-renal são: hipovolemia absoluta (ex.: hemorragia, vômitos,
diarreia, sequestro líquido no terceiro espaço, como grandes queimaduras, pancreatite);
hipovolemia relativa, isto é, redução do volume circulante efetivo mesmo com aumento do
volume de líquido extracelular total (ex.: ICC, cirrose hepática); drogas que bloqueiam a
autorregulação da TFG (AINE, IECA, BRA e ciclosporina — esta última causa vasoespasmo
da arteríola aferente).

SÍNDROME HEPATORRENAL (SHR)


A síndrome hepatorrenal é uma complicação da falência hepática (aguda ou crônica) que
se manifesta tal qual uma IRA pré-renal. O excesso de vasodilatação na circulação
esplâncnica associado à falência hepática (fenômeno provavelmente relacionado a uma
maior translocação de toxinas bacterianas intestinais, como o LPS dos bacilos Gram-
negativos entéricos), desvia sangue da circulação arterial sistêmica para o território
abdominal, reduzindo o volume circulante efetivo com ativação excessiva dos mecanismos
de defesa da circulação, como o sistema adrenérgico, o SRAA e a secreção não osmótica de
ADH. O resultado é uma intensa vasoconstrição das arteríolas pré-glomerulares, com queda
na TFG, mas sem lesão estrutural do parênquima renal.

Existem dois subtipos de SHR: 1 e 2. O tipo 1 (pior prognóstico) é caracterizado pelo


aumento da creatinina em pelo menos 2x o valor basal, ultrapassando 2,5 mg/dl, em um
período menor ou igual a duas semanas, afastadas outras etiologias, e que não melhora
após suspensão dos diuréticos e expansão volêmica com albumina. O tipo 2 é caracterizado
por ascite refratária.

A SHR reverte com a resolução da falência hepática, seja de forma espontânea (ex.:
melhora de uma hepatite fulminante) ou após transplante hepático. Medidas
contemporizadoras podem ser empregadas para tentar manter a função renal estável na
SHR tipo 1 até que um transplante hepático seja viabilizado. As três mais estudadas são:

Terlipressina (análogo da vasopressina com menos efeitos colaterais sistêmicos devido


a sua especificidade para vasoconstrição da circulação esplâncnica);

Octreotide (análogo da somatostatina) + midodrina (agonista alfa-1 adrenérgico);

Noradrenalina + albumina IV (25–50 g/dia).

A SHR tipo 1 pode surgir espontaneamente, como parte da história natural da falência
hepática avançada ou pode ser precipitada por insultos como hipovolemia, peritonite
bacteriana espontânea, hemorragia digestiva, entre outros. Nestes casos, a diferenciação
entre uma simples IRA pré-renal e a SHR tipo 1 se dá pelo cumprimento dos requisitos
diagnósticos de SHR tipo 1, que incluem: azotemia rapidamente progressiva que não
melhora após suspensão dos diuréticos e correção da hipovolemia e exclusão de dano
estrutural ao parênquima renal (EAS "limpo", USG renal normal). Um sódio urinário
persistentemente baixo (< 10 mEq/L) é fator adjuvante que corrobora o diagnóstico.

Existe uma forma comprovadamente eficaz de prevenir o surgimento de SHR


especificamente no paciente que apresenta um episódio de PBE: antibioticoterapia precoce
+ expansão volêmica com albumina na dose de 1,5 g/kg de peso no 1º dia de tratamento,
depois 1 g/kg de peso no 3º dia de tratamento.

Video_02_R3_Clm_26
RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – SP – USP-SP

Homem de 54 anos, com antecedente de cirrose alcoólica há um ano, dá entrada no


pronto-socorro com quadro de sonolência e confusão mental. Vinha em uso de
furosemida = 80 mg/dia; espirolactona = 200 mg/dia; propranolol = 80 mg/dia. Exame
clínico: confuso; PA = 90 x 60 mmHg; FC = 74 bpm; ictérico = ++/4+ e com ascite =
+++/4+. Exames: Cr = 2,5 mg/dl; Ur = 180 mg/dl; K⁺ = 5,5 mEq/L; albumina = 2,8 g/dl;
bilirrubinas totais = 4,5 mg/dl; INR = 1,8 e urina tipo 1 normal. Diurese de 50 ml em seis
horas após sondagem vesical. Em relação à disfunção renal, a conduta inicial mais
apropriada é:

a) Iniciar terlipressina e albumina endovenosa.

b) Iniciar terapia substitutiva renal.

c) Suspender diuréticos e iniciar albumina endovenosa.

d) Suspender espironolactona e iniciar terlipressina.

IRA INTRÍNSECA
Aqui ocorre dano estrutural ao parênquima renal e, em geral, existe um "compartimento"
primariamente acometido (vasos, glomérulos, tubulointersticial). Na prática, a causa mais
comum de IRA intrínseca é a Necrose Tubular Aguda (NTA), que representa cerca de 90%
dos casos. Considerando especificamente a população de doentes críticos internados no
CTI, a NTA passa a representar a causa mais comum de IRA, suplantando a IRA pré-renal.

NECROSE TUBULAR AGUDA

Apesar deste termo ter sido consagrado na literatura médica, estudos recentes baseados
em análise histopatológica revelam que em muitos casos não ocorre franca necrose do
epitélio tubular — nestes, as células tubulares apresentam apenas disfunção "subcelular"
(isto é, de organelas como as mitocôndrias, responsáveis pela síntese de ATP, e o retículo
endoplasmático, responsável pela síntese de proteínas), sem descamação. Essa disfunção é
mediada pela "tempestade" de citocinas inflamatórias sistêmicas; outras vezes, o que se
observa é apoptose (também sem descamação), e não necrose.
Seja como for, o quadro clássico é de morte das células tubulares, que se descamam da
membrana basal e formam plugues obstrutivos intratubulares. Sobrevém bloqueio ao fluxo
urinário e retorno à circulação (backleak) das toxinas filtradas no glomérulo, devido à perda
da barreira epitelial. Com as células tubulares "desligadas", perde-se a capacidade de
reabsorver solutos ao longo do néfron, o que aumenta o aporte ao túbulo distal, fazendo o
balanço tubuloglomerular induzir uma intensa vasoconstrição da arteríola aferente, fazendo
a TFG "despencar" rapidamente.

A NTA pode ser isquêmica e/ou tóxica. A forma isquêmica nada mais é do que um dos
extremos dentro do espectro da isquemia renal, ou seja, a hipoperfusão profunda e
persistente inicialmente gera IRA pré-renal, que logo se transforma em NTA. A forma tóxica
pode ser causada por substâncias endógenas e/ou exógenas. As principais nefrotoxinas
endógenas são os pigmentos mioglobina (rabdomiólise), hemoglobina (hemólise
intravascular) e ácido úrico (lise tumoral). As principais nefrotoxinas exógenas são
antibióticos (ex.: aminoglicosídeos, anfotericina B), quimioterápicos (ex.: cisplatina),
contraste iodado e etilenoglicol (que lesa os túbulos devido à hiperoxalúria).

Video_03_R3_Clm_26

SEPSE

A causa mais frequente de NTA é a sepse, que mescla elementos isquêmicos (instabilidade
hemodinâmica) com elementos tóxicos (excesso de citocinas inflamatórias). O rim é um dos
principais alvos orgânicos da sepse, sendo afetado em 50% ou mais dos casos. Na sepse, a
NTA pode ocorrer mesmo na ausência de hipotensão arterial, porém o mais comum é que
ela apareça em um contexto de colapso circulatório, com hipotensão arterial e claras
evidências de necrose do epitélio tubular (cilindros granulosos pigmentares no EAS).

Como explicar a IRA na ausência de hipotensão em um quadro de sepse?

As citocinas inflamatórias podem vasodilatar a arteríola eferente do glomérulo


(superexpressão da forma induzível da enzima óxido nítrico sintase), o que diminui a
pressão transcapilar glomerular, levando à queda da TFG. Além disso, a resposta
inflamatória sistêmica aumenta o tônus da arteríola aferente por efeito da maior secreção
de substâncias constritoras deste vaso, como catecolaminas, vasopressina e endotelina
(esta última liberada pela lesão endotelial que sempre acompanha a sepse). A disfunção
endotelial também cursa com:

➤ Adesão de leucócitos à parede vascular, lentificando o fluxo sanguíneo regional;

➤ Aumento na permeabilidade dos vasos, causando edema intersticial e compressão


extrínseca dos túbulos.

Todos esses fatores operam em conjunto de modo a produzir disfunção das células do
epitélio tubular renal!

PÓS-OPERATÓRIO
As três cirurgias com maior risco de IRA no pós-operatório são:

Cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea;

Cirurgia vascular com clampeamento aórtico acima da origem das artérias renais;

Grandes cirurgias intraperitoneais.

A chance de IRA com necessidade de diálise só por efeito do procedimento (isto é, sem
contar a possibilidade de a IRA aparecer devido a outras complicações pós-operatórias,
como a sepse) gira em torno de 1% em cada uma das três cirurgias citadas!

O mecanismo é multifatorial. Por exemplo: na cirurgia cardíaca com CEC, a perfusão


orgânica passa a ser feita através de um fluxo constante não pulsátil, o que por si só já
modifica o funcionamento do endotélio, com redução na expressão de diversas substâncias
mantenedoras da "saúde endotelial" (ex.: antitrombóticas e vasodilatadoras). Ademais, o
contato do sangue com materiais exógenos na superfície do circuito promove ativação
leucocitária e liberação de citocinas inflamatórias, bem como hemólise e,
consequentemente, hemoglobinúria. Quanto maior o tempo de CEC, maior o risco de IRA;
por isso o risco é máximo quando se realiza revascularização miocárdica combinada a
outros procedimentos, como troca valvar. Existe ainda outra possibilidade: ateroembolismo
renal durante a canulação aórtica da CEC.

Nas cirurgias vasculares com clampeamento aórtico acima da origem das artérias renais, o
principal fator nefroagressivo é o tempo de clampeamento, já que nestes procedimentos o
rim é isquemiado. É por isso que o risco de uma correção cirúrgica de aneurisma de aorta
abdominal acima das renais é muito maior do que o risco de uma correção de aneurisma
abaixo das renais... A presença de fatores de risco para DRC (ex.: idade avançada, HAS,
DM, aterosclerose), muito comum na população de pacientes que necessitam desse tipo de
cirurgia, contribui para a baixa reserva renal e maior "sensibilidade" à isquemia (isso
também se aplica à cirurgia cardíaca com CEC). A realização de angiografia perioperatória
pode agregar um componente de IRA induzida por contraste e/ou ateroembolismo.

Nas grandes cirurgias intraperitoneais, os principais mecanismos de IRA são a perda


excessiva de sangue, a perda de líquido por evaporação através do grande campo cirúrgico
aberto (ex.: laparotomia mediana), os frequentes episódios de hipotensão arterial
transitória (efeito dos anestésicos, bacteremias/translocação intestinal intermitente) e a
presença de infecção associada, todos contribuintes para a ocorrência de isquemia renal. A
própria SIRS esperada no pós-operatório precoce é outro fator que agride os rins, por força
do excesso de citocinas inflamatórias que causa alterações renais semelhantes ao já
descrito para a sepse.

GRANDE QUEIMADO E PANCREATITE AGUDA


O risco de IRA no grande queimado é diretamente proporcional à Superfície Corporal
Queimada (SCQ). Com > 10% de SCQ, esse risco chega a 25%! O mecanismo também é
multifatorial: não só há maior perda líquida devido ao edema tecidual e à evaporação
transcutânea, como também há SIRS de intensidade proporcional à SCQ. Na pancreatite
aguda, os mecanismos são:

➤ Vômitos/baixa ingesta oral;

➤ Sequestro líquido no terceiro espaço formado pela inflamação retroperitoneal;

➤ SIRS.

Existe ainda o agravante de o risco de sepse estar aumentado nesses pacientes. Cumpre
ressaltar que uma reposição volêmica excessiva também pode ser danosa: o edema e a
transudação de líquido nas vísceras abdominais podem causar a síndrome compartimental
abdominal (pressão intra-abdominal > 20 mmHg), levando à compressão extrínseca das
veias renais e, consequentemente, redução adicional da TFG.

NEFROPATIA INDUZIDA POR CONTRASTE

O contraste iodado causa:

➤ Vasoconstrição das arteríolas pré-glomerulares;

➤ Toxicidade tubular direta, por geração local de espécies reativas de oxigênio;

➤ Precipitação e obstrução intratubular.

Por ter eliminação renal, o contraste se concentra nos rins, o que explica seu grande
potencial lesivo a este órgão. Modificações moleculares do contraste por efeito da
radiação ionizante aplicada durante o exame parecem acentuar seu efeito nefrotóxico
(ex.: maior formação de radicais livres). Os contrastes iônicos e hiperosmolares acarretam
maior risco e quanto maior o volume injetado, maior a chance de lesão (ex.: o risco após
um cateterismo cardíaco é maior do que após uma TC com contraste).

A nefropatia induzida por contraste possui curso clínico estereotipado. A azotemia se


instala 24–48h após o exame, atingindo seu ápice entre o 3° e o 5° dia, resolvendo-se
espontaneamente após uma semana. A maioria dos pacientes apresenta débito urinário >
400 ml/dia (IRA não oligúrica), e a necessidade de diálise é incomum.

O principal fator de risco é ter DRC prévia, especialmente nefropatia diabética... Com
uma baixa reserva renal devido à DRC prévia, há maior dependência de vasodilatação
arteriolar basal para manter a hiperfiltração dos néfrons remanescentes; logo, qualquer
perturbação microcirculatória pode ser catastrófica nesse tipo de doente. No diabetes
mellitus, a disfunção endotelial comumente associada potencializa a chance de IRA
contraste-induzida (menor capacidade de produzir substâncias vasodilatadoras e
antitrombóticas). Outros fatores de risco são: hipovolemia, insuficiência cardíaca, mieloma
múltiplo e uso concomitante de outras nefrotoxinas (ex.: AINE, aminoglicosídeos).
SAIBA MAIS

Recomenda-se suspender a metformina antes de um exame com contraste iodado no


paciente de alto risco para nefropatia por contraste. O motivo não é a toxicidade renal da
metformina, pois tal droga não é diretamente nefrotóxica. A razão para a suspensão, na
realidade, é que, se o paciente evoluir com IRA, há risco de acidose láctica grave
(complicação esperada com o uso de metformina nos quadros de falência renal).

DROGAS QUE CAUSAM NTA

É esperado que entre 10–30% das pessoas que recebem aminoglicosídeos por > 1
semana desenvolvam IRA, mesmo que os níveis séricos se mantenham dentro da faixa
terapêutica. Tais drogas possuem uma porção "amino" e uma porção "glicídica" em sua
molécula, ou seja, existe forte propensão natural para sua reabsorção no túbulo proximal,
local onde fisiologicamente se reabsorvem os aminoácidos e os açúcares filtrados. A
hiperconcentração de aminoglicosídeos nas células do TCP promove disfunção deste
segmento do néfron, o que explica a IRA não oligúrica tipicamente hipocalêmica e
hipomagnesêmica (aliás, esta é uma das poucas causas de IRA com K+ sérico reduzido).

SAIBA MAIS

A explicação é a seguinte: a disfunção reabsortiva do TCP aumenta o aporte distal de


sódio. Devido ao balanço tubuloglomerular, ocorre vasoconstrição da arteríola aferente,
com queda da TFG. Como a disfunção tubular é desproporcionalmente intensa, cursando
com grande aumento na fração excretória de sódio, mesmo com a queda da TFG o
percentual de sódio e água filtrados que deixa de ser reabsorvido é enorme, o que
garante a manutenção (ou até mesmo aumento) do débito urinário. Com mais sódio
chegando ao néfron distal, mais sódio é reabsorvido em troca da secreção de potássio,
justificando a hipocalemia. A queda do magnésio sérico é explicada pela toxicidade sobre
o ramo ascendente espesso da alça de Henle, local onde o magnésio seria reabsorvido.

A anfotericina B é outro antimicrobiano nefrotóxico (risco proporcional à dose


cumulativa). A anfo B se liga ao ergosterol presente na membrana plasmática dos fungos,
aumentando sua permeabilidade até causar a lise da célula. Não há ergosterol em nossas
membranas, porém temos uma molécula "parecida": o colesterol. Assim, o uso de
anfotericina B em altas doses e por períodos prolongados previsivelmente induz sua ligação
ao colesterol das membranas celulares, um fenômeno mais pronunciado no epitélio tubular
renal, já que a droga — eliminada pelos rins — se concentra neste órgão. Assim como no
caso dos aminoglicosídeos, o quadro é de IRA não oligúrica hipocalêmica e
hipomagnesêmica. No entanto, diferentemente dos aminoglicosídeos, a anfo B tende a
causar um importante componente de acidose metabólica com ânion-gap normal (acidose
tubular renal).
O aumento na permeabilidade ao longo de todo o néfron promove "vazamento" de sódio (e,
consequentemente, água), justificando a queda na TFG (vasoconstrição pelo balanço
tubuloglomerular) com débito urinário normal ou aumentado; o mesmo é válido para a
hipocalemia e a hipomagnesemia (eletrólitos que se concentram no interior das células
tubulares; logo, possuem gradiente para saída dessas células em direção ao fluido tubular),
e também para a acidose tubular renal (o H+ é ativamente secretado e concentrado no
fluido tubular — com o aumento de permeabilidade das células, ele faz o caminho inverso e
"volta" para o corpo).

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022


SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS – BAHIA

Homem, 59 anos de idade, procura ambulatório de clínica médica com queixa de febre e
mal estar, há duas semanas. Tem dispepsia, frequentemente. Em uso irregular de
omeprazol. Ao exame, apresenta-se em bom estado geral, com T. 37,8°C e demais
sinais vitais normais. Exame neurológico sem alterações. Realizados exames
laboratoriais, com Hb = 12,3 g/dl; leucócitos = 9000/mm³ (70% de neutrófilos, 15% de
linfócitos e 15% de eosinófilos); Cr = 2,5 mg/dl; Ur = 45 mg/dl; AST = 18 U/L; ALT = 20
U/L; Na = 137 mEq/L; K = 4,0 mEq/L. Sumário de urina com 6 hemácias, por campo,
leucócitos: 10 por campo com >1% de eosinófilos, proteinúria 2+/4+. Em relação ao
quadro clínico apresentado, indique o exame complementar capaz de confirmar o
diagnóstico do paciente.

a) c-ANCA.

b) Ultrassonografia de rins e vias urinárias.

c) Cintilografia com gálio 67.

d) Biópsia renal.

OUTRAS CAUSAS DE IRA INTRÍNSECA

As nefrites intersticiais agudas alérgicas e as glomerulonefrites são causas bem menos


frequentes de IRA intrínseca, respondendo juntas por cerca de 10% dos casos. Já falamos
sobre essas entidades na apostila anterior ("Síndromes Compartimentais Renais"). Seu
diagnóstico precoce é fundamental, pois, em geral, elas possuem tratamentos eficazes
(ex.: suspensão da droga implicada, imunossupressão/plasmaférese).

IRA PÓS-RENAL
Qualquer ponto do trato urinário, da pelve renal à ponta da uretra, pode sofrer obstrução
parcial ou total, causando a chamada azotemia pós-renal. Essa obstrução pode ser
anatômica (intrínseca ou extrínseca) ou funcional (incoordenação motora do trato urinário).
O elemento fisiopatológico central nesta forma de disfunção renal é o aumento retrógrado
da pressão hidrostática do trato urinário, causando hipertensão no interior da cápsula de
Bowman e redução da TFG. Em sua expressão clínica aguda, o mecanismo pós-renal é mais
comum com obstruções completas da via urinária terminal, cursando com anúria.

Desse modo, as principais causas de IRA pós-renal são condições que envolvem a bexiga, o
colo vesical e a uretra, já que obstruções nestes locais comprometem o fluxo de urina
oriundo de ambos os rins. Os principais exemplos são: bexiga neurogênica, paraefeito de
drogas com ação anticolinérgica (paralisia do detrusor) ou alfa-adrenérgica (hipertonia do
esfíncter uretral), doenças da próstata e obstrução do cateter vesical.

Obstruções ureterais só provocarão IRA pós-renal se:

➤ Paciente com rim solitário;

➤ DRC prévia, com diminuição da reserva renal no rim não acometido pela obstrução.

SAIBA MAIS

É descrito um raro reflexo vascular renal contralateral, isto é, um paciente com dois
rins desenvolve IRA grave na presença de obstrução ureteral unilateral devido a um
vasoespasmo arterial do rim não obstruído.

Lembre-se de que na fisiopatologia da obstrução urinária em um primeiro momento há uma


fase de hiperemia renal, isto é, vasodilatação devido ao aumento na síntese local de
prostaglandinas. Se a obstrução não for resolvida logo, a persistência do processo
inflamatório no compartimento tubulointersticial passa a se comportar como uma nefrite
intersticial crônica, com vasoconstrição, perda de néfrons, atrofia e fibrose do parênquima
renal, levando à perda irreversível do rim.

Video_04_R3_Clm_26

ABORDAGEM DIAGNÓSTICA

DIFERENCIAÇÃO ENTRE IRA E DRC


Vimos na Tabela 1 a definição formal de IRA. Vimos também, ao longo do texto, que nem
sempre a IRA se apresenta com redução do débito urinário. Nos doentes com diurese
normal, podemos nos deparar com um sério problema: como ter certeza de que o aumento
da creatinina é recente?
A distinção entre IRA e DRC é essencial para a conduta! A IRA é potencialmente reversível,
mas a DRC, por definição, é irreversível.

Quando dispomos de valores recentes de creatinina plasmática, o diagnóstico diferencial,


evidentemente, se torna muito fácil. Por outro lado, na ausência de tais valores, temos que
recorrer à pesquisa de outros indícios de cronicidade... Os principais são:

USG renal, que na DRC vai mostrar rins de tamanho reduzido (< 8 cm no maior eixo),
com atrofia cortical (< 1 cm de espessura) e perda da diferenciação corticomedular, isto
é, a diferenciação na ecogenicidade entre córtex e medula renal (onde o córtex é
naturalmente menos ecogênico do que a medula) é anulada, com todo o rim se
apresentando mais ou menos homogeneamente hiperecogênico, devido à fibrose
parenquimatosa. Observe a Figura 1;

Sinais de osteodistrofia renal (hiperparati​reoidismo secundário), como hiperfosfatemia,


hipocalcemia, aumento de PTH e alterações radiográficas condizentes (ex.: reabsorção
óssea subperiosteal nas falanges, crânio em sal e pimenta, tumores marrons, vértebras
em "camisa rugger jersey"). Observe as Figuras 2, 3, 4 e 5;

Presença de anemia normocítica-normocrômica (anemia da DRC).

Figura 1. A dissociação corticossinusal (ou corticomedular). (A) US de rim normal


— observar a clara dissociação entre o parênquima renal (hipoecogênico — setas
pretas) e o tecido sinusal* (hiperecogênico — setas brancas). (B) Doença renal
crônica evidenciando um rim reduzido de tamanho e com perda desta dissociação
— o parênquima renal fica mais ecogênico, assemelhando-se ao sinusal.
*Correspondente aos tecidos conjuntivo e gorduroso dos cálices e pelve renal.
Figura 2. Reabsorção subperiosteal das falanges dos dedos da mão — achado
mais característico.
Figura 3. Crânio em "sal e pimenta" — áreas líticas se alternando a áreas
blásticas (hiperdensas).
Figura 4. "Tumor marrom" — lesões císticas entremeadas à esclerose óssea,
encontradas especialmente nas extremidades (úmero, falanges etc.). Possui este
nome em função de seu aspecto macroscópico característico.
Figura 5. Coluna em rugger jersey (em referência a um tipo de camisa americana
listrada) — a comparação é feita pela presença de áreas blásticas nos limites
superior e inferior da vértebra e áreas líticas no centro.
ATENÇÃO

Algumas condições podem causar DRC com rins de tamanho normal ou aumentado...
São elas:

Rins policísticos;

Infecção pelo HIV;

Nefropatia diabética;

Amiloidose;

Obstrução urinária

Esclerose sistêmica;

Anemia falciforme.

Sugerimos um mnemônico (seguindo a sequência de patologias anteriormente


citada): "RINZÕES". O "z" vem de amiloido-Z e o "s" vem de S-hemoglobina. É tosco,
sem dúvida, mas pode te salvar na hora da prova...

Não se esqueça que DRC é fator de risco para IRA e, desse modo, o paciente pode
apresentar o que se chama de "DRC agudizada", isto é, IRA sobreposta a um quadro de
DRC de base. Mesmo nestes pacientes a fisiopatologia da IRA deve ser identificada, pois
seu tratamento específico pode evitar a evolução para um quadro de falência renal
dialítica! O diagnóstico de IRA nesse contexto, na ausência de redução do débito urinário,
dependerá da dosagem seriada dos níveis plasmáticos de ureia e creatinina, que
aumentarão de forma acelerada (poucos dias).
RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2019
FACULDADE DE MEDICINA DO ABC – ABC

A.R.J., masculino, 27 anos, sem comorbidades prévias. Procura atendimento médico via
pronto-socorro com quadro de edema, redução de débito urinário e urina espumosa. Ao
exame físico, encontra-se com pressão arterial sistêmica: 180 x 110 mmHg, frequência
cardíaca em 90 bpm, frequência respiratória em 23 irpm, anasarcado. Solicitado exame
de creatinina, demonstrando um valor de 5.4 mg/dl. Das alternativas abaixo, qual é a
mais compatível com o resultado de Ultrassonografia de rins e vias urinárias (USG) e
sedimento urinário deste paciente?

a) USG com redução da relação corticomedular e sedimento urinário demonstrando


cristais de urato.

b) USG com boa relação corticomedular e sedimento urinário normal.

c) USG com boa relação corticomedular e sedimento urinário com hematúria e


proteinúria.

d) USG com redução da relação corticomedular e sedimento urinário demonstrando


hematúria sem proteinúria.

Video_05_R3_Clm_26

DESCOBRINDO A CAUSA DA IRA

HISTÓRIA E EXAME FÍSICO

Anamnese e exame físico são essenciais para o raciocínio diagnóstico, pois estabelecem o
contexto clínico que, na maioria das vezes, não apenas estreita o rol de possibilidades
etiológicas como também, em geral, aponta para um mecanismo óbvio de IRA (pré-renal,
intrínseca ou pós-renal). É importante não esquecer de que mais de um desses
mecanismos pode estar presente, eventualmente de forma não tão óbvia...

Considerando que a IRA pré-renal representa a forma mais comum de IRA, é imprescindível
avaliar a existência de sinais e sintomas de redução do volume circulante efetivo (volume
de sangue no interior do leito arterial), o que justifica hipoperfusão renal.

Em um paciente com história de fatores de risco para espoliação volêmica (hemorragia,


vômitos, diarreia, uso de diuréticos, sequestro líquido no "terceiro espaço" extravascular),
especialmente se houver uso de drogas que interferem na autorregulação da TFG (AINE,
IECA ou BRA), o encontro de hipotensão arterial (ortostática ou absoluta), taquicardia, baixa
pressão venosa jugular, mucosas secas com redução do turgor e elasticidade cutânea e,
claro, oligúria, pode-se estabelecer com segurança a presença do mecanismo pré-renal,
ainda que outros mecanismos também possam estar envolvidos.
O mesmo raciocínio é válido quando se identificam condições associadas à redução do VCE
que são descritas como "hipovolemia relativa", isto é, o intravascular está reduzido, mas o
líquido extracelular total está aumentado... É o caso das síndromes edemigênicas de
insuficiência cardíaca congestiva e cirrose hepática. Nestes pacientes espera-se anasarca e
aumento da pressão venosa jugular, contudo, também há hipotensão arterial (ortostática
ou absoluta), taquicardia e oligúria.

O segundo mecanismo mais comum de IRA é a lesão renal intrínseca. A forma mais
frequente de IRA intrínseca é a NTA, que pode ser isquêmica e/ou nefrotóxica. Logo, sinais
e sintomas de IRA pré-renal profunda e prolongada (ex.: franco choque circulatório),
infecção complicada com sepse, pós-operatório de grandes cirurgias, paciente queimado ou
com pancreatite aguda, rabdomiólise, hemólise maciça, lise tumoral e também se houver
uso de drogas diretamente nefrotóxicas (contraste iodado, aminoglicosídeos,
quimioterápicos entre outras causas de NTA, ou betalactâmicos, AINE, IBP, rifampicina e
alopurinol, entre outras causas de NIA alérgica) sugere-se fortemente a existência de lesão
direta ao parênquima renal. Lembre-se de que a síndrome clássica da NIA alérgica (que
inclui febre e rash cutâneo) pode não estar presente...

Causas menos comuns de IRA intrínseca, como glomerulonefrites e vasculites, são


facilmente suspeitadas no contexto clínico apropriado (ex.: síndrome inflamatória sistêmica
sem causa aparente associada a conjuntos estereotipados de sinais e sintomas
relacionados a disfunções orgânicas específicas, como a "síndrome pulmão-rim"). O
diagnóstico prévio de certas doenças autoimunes que costumam afetar os rins (ex.: LES)
nos obriga a considerar, antes de mais nada, que uma lesão renal aguda deva ser
decorrente da atividade dessas doenças.

Uma entidade associada à IRA intrínseca que está se tornando cada vez mais frequente
devido ao envelhecimento da população e ao aumento no número de procedimentos
endovasculares é o ateroembolismo renal. Não podemos deixar passar esse diagnóstico,
especialmente se houver sinais e sintomas típicos, como livedo reticular, placas de
Hollenhorst no fundo de olho e a clássica "síndrome do dedo azul" (isquemia de dígitos).
Por fim, cogitaremos a possibilidade de mecanismo pós-renal no paciente com história de
urolitíase, doença prostática e/ou uso de medicamentos anticolinérgicos (paralisia do
detrusor) ou alfa-adrenérgicos (hipertonia do esfíncter uretral). História de câncer na região
pélvica ou para-aórtica é um dado igualmente importante para considerarmos a
possibilidade de IRA pós-renal. A ocorrência de sinais e sintomas dependerá do local da
obstrução, bem como de sua velocidade de instalação e se a mesma é total ou parcial. No
exame físico, em pacientes com IRA oligoanúrica, a presença de globo vesical palpável
(tipicamente doloroso) é um dado bastante fidedigno de obstrução, devendo, inclusive,
motivar a imediata passagem de cateter vesical (ou punção suprapúbica, em caso de
insucesso do cateterismo vesical). Se houver vazão de grande volume de urina com esta
manobra o diagnóstico do mecanismo pós-renal estará dado. Outra situação em que
devemos "lembrar" da IRA pós-renal é na disfunção renal aguda sem causa aparente.
Somente a investigação radiológica é capaz de confirmar em definitivo a existência do
mecanismo pós-renal.

URINÁLISE

O exame simples de urina (EAS) possui baixa sensibilidade e especificidade para definir as
causas de IRA, já que, em muitos cenários, é normal ou apresenta alterações que podem
ser igualmente vistas em mais de uma etiologia. Não obstante, trata-se de ferramenta
auxiliar indispensável, pois quando bem relacionado ao contexto clínico, costuma sugerir
hipóteses diagnósticas.

O exame é composto de três etapas:

Centrifugação;

Análise química do sobrenadante, geralmente por meio de fitas reagentes específicas


(método semiquantitativo);

Análise microscópica do sedimento urinário.

Urina vermelha em que o sedimento apresenta pouca ou nenhuma hemácia, porém, o


sobrenadante resguarda a referida cor e apresenta resultado positivo no heme-dipstick (fita
reagente para pesquisa de proteínas que contêm o grupamento heme) indica a existência
de pigmentúria, que pode ser mioglobinúria (rabdomiólise) ou hemoglobinúria (hemólise). A
diferenciação é prontamente estabelecida pela centrifugação do sangue: se o plasma
(sobrenadante) estiver avermelhado, trata-se de hemoglobinúria; plasma normal (amarelo
citrino) indica mioglobinúria!
A explicação é a seguinte: a mioglobina é uma proteína de baixo peso molecular
rapidamente filtrada no glomérulo e, por conseguinte, de curta meia-vida no plasma. Após
necrose de células musculares esqueléticas (rabdomiólise), a mioglobina é eliminada na
urina, não persistindo na circulação. Já a hemoglobina é uma proteína de peso molecular
mais alto, com filtração glomerular mais demorada e, consequentemente, maior meia-vida
plasmática. Após hemólise maciça, boa parte da hemoglobina liberada tende a permanecer
na circulação, por isso o plasma avermelhado...

Outra alteração pesquisada de rotina é a proteinúria. Lembre-se de que a fita reagente


para proteínas detecta apenas albumina. A proteinúria pode ser seletiva (só albumina) ou
não seletiva (albumina + outras proteínas). Em qualquer uma dessas situações, o referido
exame é positivo. A única exceção à regra é quando a proteinúria é composta
exclusivamente por cadeias leves de imunoglobulina (proteína de Bence Jones), como no
mieloma múltiplo. Neste caso, o dipstick urinário é negativo, mas métodos de precipitação
de proteínas (ex.: ácido sulfossalicílico), bem como a imunoeletroforese de urina,
denunciam o diagnóstico.

Níveis significativos de proteinúria (2+ ou 3+) só costumam ser vistos quando existe dano
ao glomérulo (proteinúria "glomerular", geralmente > 2 g/dia). Nas lesões
tubulointersticiais, a proteinúria, quando presente, é discreta (traços ou 1+), o que
corresponde a valores de proteinúria "tubular" (< 1–2 g/dia). Alguns pacientes, contudo,
apresentam lesão nos dois compartimentos (ex.: NIA por AINE, em que os glomérulos
desenvolvem lesão mínima), cursando com proteinúria maciça (> 3,5 g/dia). Outras vezes,
o paciente já era portador prévio de DRC proteinúrica, desenvolvendo IRA sobreposta que,
independentemente da fisiopatologia, manterá os mesmos níveis elevados de proteinúria
no EAS...

Com relação ao sedimento urinário, diversas pistas podem ser levadas em conta.

Na IRA pré-renal, o sedimento costuma ser normal ou apresentar apenas cilindros hialinos
(compostos pela proteína de Tamm-Horsfall) — um indício de hiperconcentração urinária.

Na IRA pós-renal, o sedimento também pode ser normal ou apresentar hematúria (não
dismórfica) e piúria, dependendo se a causa da obstrução é uma lesão intraluminal ou não.
Na IRA intrínseca, a lista de possibilidades é mais variada... Lesões glomerulares têm
como achados patognomônicos a hematúria dismórfica (> 5% de acantócitos) e os cilindros
hemáticos (basta um cilindro hemático para confirmar a existência de inflamação
glomerular). A NTA classicamente se manifesta com cilindros granulosos pigmentares,
reflexo da descamação de células epiteliais tubulares que, devido ao baixo fluxo tubular,
têm tempo para se degenerar (resultando no material amorfo granuloso). Cumpre salientar,
no entanto, que em 20% dos casos de NTA não se observam tais cilindros, logo, sua
ausência não afasta o diagnóstico de NTA! Nas nefrites intersticiais agudas, há piúria e
cilindros leucocitários, muitas vezes eosinofilúria. Muita gente guarda o conceito errado de
que eosinofilúria é patognomônico de NIA alérgica — não é... Qualquer nefrite intersticial
aguda pode cursar com eosinófilos na urina (incluindo condições como o ateroembolismo),
e, na realidade, a maioria dos casos de NIA alérgica sequer apresenta tal achado!

A cristalúria é outro dado importante fornecido pelo sedimento. Alguns tipos de cristais,
quando presentes em grande quantidade em um paciente com IRA, sugerem a etiologia. Os
principais exemplos são: cristais de oxalato (sugestivos de intoxicação por etilenoglicol) e
cristais de ácido úrico (sugestivos de lise tumoral).

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022


ASSOCIAÇÃO MÉDICA DO PARANÁ – AMP

Suzana, 42 anos, há 3 dias com disúria, polaciúria e urina de odor fétido. Presumiu
diagnóstico de cistite após breve pesquisa na internet e tomou levofloxacino 500 mg/dia
por conta. Começou a apresentar náuseas e vômitos incoercíveis. Apesar de melhora
dos sintomas urinários, sem resolução das náuseas e vômitos. Procurou pronto
atendimento, onde foram realizados exames complementares. Creatinina sérica 1,7
mg/dl, ureia sérica 130 mg/dl. Parcial de urina com densidade elevada, sem proteinúria,
leucocitúria ou hematúria. Ultrassonografia de aparelho urinário normal. Baseado na
história clínica e nos exames complementares, qual a provável etiologia da disfunção
renal aguda?

a) IRA intrínseca — Nefrite intersticial aguda por pielonefrite.

b) IRA intrínseca — Nefrite intersticial aguda pela levofloxacino.

c) IRA pré-renal por depleção, secundária aos vômitos.

d) IRA intrínseca — Necrose tubular aguda pela levofloxacino.

e) IRA pós-renal por hipercontratilidade da musculatura detrussora da bexiga.

EXAMES DE SANGUE
A principal alteração observada é a azotemia, isto é, aumento das escórias nitrogenadas
ureia e creatinina. Em algumas etiologias, a evolução temporal desses marcadores segue
um padrão estereotipado. Por exemplo: na IRA pré-renal, a azotemia reverte prontamente
com a restauração das condições hemodinâmicas. Na IRA induzida por contraste, a
azotemia se inicia 24–48h após o exame, atingindo um pico entre o 3º e o 5º dia,
normalizando-se após uma semana. No ateroembolismo (principal diagnóstico diferencial
da nefropatia por contraste), o aumento de escórias após o exame costuma ter velocidade
variável, mas é tipicamente irreversível. Na toxicidade dos aminoglicosídeos e da cisplatina,
a azotemia só aparece após a primeira semana de uso.

Ainda nos exames bioquímicos espera-se encontrar hipercalemia, hiperfosfatemia e


hipocalcemia. Um aumento desproporcionalmente alto do fosfato sérico sugere
rabdomiólise ou lise tumoral (o fosfato é um dos principais ânions do meio intracelular). Na
rabdomiólise, tal achado coexiste com um aumento pronunciado da CPK
(creatinofosfoquinase), ao passo que na lise tumoral o aumento associado é de ácido úrico
(o ácido úrico é um subproduto da metabolização das purinas que compõem a molécula de
DNA, aumentando na vigência de elevadas taxas de replicação celular).

Na maioria das vezes, a IRA é hipercalêmica, mas existem algumas condições em que a
IRA é tipicamente hipocalêmica. As principais são:

Toxicidade dos aminoglicosídeos;

Toxicidade da anfotericina B;

Leptospirose grave;

Hipertensão maligna.

Nas três primeiras, o mecanismo da hipocalemia é semelhante: lesão do TCP, com


aumento do aporte de sódio ao néfron distal, onde o sódio é reabsorvido em troca da
secreção urinária de potássio (aumento da caliurese). Na hipertensão maligna, o
mecanismo é diferente: a lesão aguda das arteríolas pré-glomerulares (necrose
fibrinoide, hiperplasia concêntrica da média) promove hiperativação do SRAA e
hiperaldosteronismo secundário. O excesso de aldosterona (hormônio responsável pela
eliminação urinária de potássio) aumenta a caliurese.

Na IRA grave, é comum o encontro de acidose metabólica, sendo esperado um aumento do


ânion-gap, independentemente da etiologia (na IRA por si só ocorre retenção de ânions não
medidos, como hipurato e sulfato). IRA com AG reduzido sugere mieloma múltiplo, pois as
cadeias leves (em excesso na circulação) são proteínas catiônicas "não medidas".
SAIBA MAIS

Diante de IRA com AG aumentado e presença de cristais de oxalato na urina, temos que
pesquisar o "gap osmolar" do plasma (diferença entre a osmolaridade medida e a
osmolaridade calculada). Se o valor for > 10 (alto), a principal hipótese é intoxicação por
etilenoglicol. O etilenoglicol é transformado em oxalato, o qual é excretado na urina e
forma os referidos cristais.

O hemograma costuma revelar anemia, porém, diferentemente da anemia da DRC, o


mecanismo predominante não é o deficit de eritropoetina (que levaria meses para produzir
anemia). A gênese da anemia na IRA está mais relacionada às doenças de base que
causaram a disfunção renal, sendo, portanto, multifatorial. Não obstante, se houver indícios
de anemia hemolítica microangiopática (reticulocitose, aumento de LDH e bilirrubina
indireta, queda da haptoglobina, teste de Coombs negativo e, o mais importante, presença
de esquizócitos — ou fragmentos de hemácia — no sangue periférico), temos uma pista
para o diagnóstico de microangiopatia trombótica, como SHU ou PTT. Anemia hemolítica
com pigmentúria sugere que a causa da IRA é a hemólise maciça. Tal fenômeno é
característico das reações hemolíticas transfusionais graves (ex.: incompatibilidade ABO).
Na NIA farmacoinduzida, bem como no ateroembolismo, é esperado o surgimento de
eosinofilia.

Por fim, na suspeita de doenças autoimunes (ex.: colagenoses, vasculites), recorremos a


exames sorológicos específicos, como pesquisa de FAN, ANCA e outros autoanticorpos (ex.:
anti-GBM). A dosagem dos níveis séricos de complemento e crioglobulinas também é
necessária neste cenário, assim como a pesquisa de infecções virais (anti-HCV, HBsAg/anti-
HBc/anti-HBs, anti-HCV).
RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022
FACULDADE DE MEDICINA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – FAMERP

Paciente de 61 anos, previamente hígido, internado há 25 dias devido politraumatismo


com fraturas em membros superiores e inferiores, submetido a três abordagens
cirúrgicas prévias, permanece na unidade de terapia intensiva sob ventilação mecânica
em uso de vancomicina e amicacina. Sua última hemocultura é positiva para
Staphylococcus aureus e já não está em uso de drogas vasoativas há mais de 7 dias,
porém evolui com piora da função renal e oligúria. Assinale a alternativa com os
melhores exames a fim de elucidar a etiologia da insuficiência renal aguda:

a) Urina 1, fração C3 e C4 do complemento, hemograma, eosinofilúria, ecocardiograma


transesofágico, cintilografia com gálio e biópsia renal.

b) Urina 1, fração CH50 do complemento, hemograma, eosinofilúria, ecocardiograma


transesofágico, cintilografia com tálio e biópsia renal.

c) Urina 1, fração C3 e C4 do complemento, hemograma, eosinofilúria, ecocardiograma


transesofágico, cintilografia com tecnécio e biópsia de pele.

d) Relação proteína/creatinina, fração CH50 do complemento, hemograma, eosinofilúria,


ecocardiograma transesofágico, cintilografia com tecnécio e biópsia renal.

ÍNDICES DE FALÊNCIA RENAL

Diversas fórmulas matemáticas utilizando parâmetros medidos na bioquímica sérica e


urinária foram propostas com o intuito de auxiliar na diferenciação entre IRA pré-renal e
NTA isquêmica diante de um paciente que se apresenta com IRA oligúrica.

A ideia central é: na IRA pré-renal os túbulos estão íntegros e encontram-se ávidos por
reabsorver sódio e água, ao passo que na NTA os túbulos foram lesados, não sendo mais
capazes de reabsorver sódio e água como deveriam. Assim, na pré-renal há pouco sódio e
pouca água na urina, e na NTA o contrário é verdadeiro.

A maioria dos índices de falência renal não é utilizada na prática, devido a sua
complexidade. No entanto, três deles merecem nossa atenção:

Relação Ur/Cr no sangue;

Fração excretória de sódio ou FENa;

Osmolaridade urinária.
Na IRA pré-renal, o hipofluxo tubular e a concentração urinária (graças à preservação de
um interstício medular hipertônico) promovem intensa reabsorção de ureia, cujos níveis
séricos tornam-se desproporcionalmente mais altos do que os de creatinina, produzindo
uma relação Ur/Cr > 40. Já na NTA, a despeito de também haver hipofluxo tubular, a
capacidade de concentrar a urina e manter um interstício medular hipertônico é afetada, e,
por isso, menos ureia é reabsorvida, mantendo a relação Ur/Cr < 20.

SAIBA MAIS

Cumpre salientar, no entanto, que existem outras causas para uma relação Ur/Cr > 40
não relacionadas à IRA pré-renal, por exemplo: hemorragia digestiva alta (a
metabolização da hemoglobina por enterobactérias produz grande quantidade de ureia
que é imediatamente absorvida), hiperalimentação e estados hipercatabólicos (em
ambas há excesso de produção endógena de ureia, na primeira por metabolismo das
proteínas ingeridas, na segunda por catabolismo de proteínas teciduais) e uso de
glicocorticoide (aumento do catabolismo muscular). Logo, para atribuir uma relação Ur/Cr
> 40 à IRA pré-renal é preciso ter um quadro clínico condizente.

A FENa mede o quanto do sódio filtrado no glomérulo é efetivamente excretado na urina,


isto é, o percentual que deixa de ser reabsorvido. Com os túbulos íntegros e ávidos pela
reabsorção de sódio (IRA pré-renal), temos FENa < 1% (geralmente < 0,1%). Com os
túbulos lesados e prejudicados em sua capacidade reabsortiva (NTA), temos FENa > 1%
(geralmente > 2–3%).

SAIBA MAIS

Cumpre salientar que esta regra também possui exceções... Algumas etiologias de NTA
apresentam forte componente pré-renal associado, como a fase inicial da sepse
(vasodilatação generalizada), a rabdomiólise (sequestro líquido no terceiro espaço criado
pelo edema muscular) e a nefropatia induzida por contraste (vasoespasmo das arteríolas
pré-glomerulares). Em todas essas condições, a despeito de haver lesão estrutural do
epitélio tubular, podemos ter FENa < 1%. Outrossim, também é possível termos IRA pré-
renal com FENa > 1%... É o que acontece, por exemplo, no paciente cuja causa da IRA
pré-renal é o excesso de diuréticos (os diuréticos "desligam" a reabsorção tubular de
sódio), bem como no portador prévio de DRC que "agudiza" com hipoperfusão renal (os
néfrons remanescentes na DRC aumentam sua excreção obrigatória de sódio a fim de
compensar a perda de massa renal funcionante, logo, são menos capazes de reabsorver
sódio caso necessário).
Como vimos, na IRA pré-renal a função tubular intacta mantém o interstício medular
hipertônico e uma adequada responsividade ao hormônio antidiurético, de modo que a
osmolaridade urinária fica tipicamente > 500 mOsm/L nesta situação ("pouca água na
urina"). Já na NTA a capacidade de reabsorver água encontra-se reduzida, o que faz com
que a osmolaridade urinária fique < 350 mOsm/L na presença de lesão parenquimatosa
renal.

Enfim... Na dúvida, o melhor a fazer é a chamada "prova de volume" (aliás, é isso que se
costuma fazer na prática, dada a baixa disponibilidade dos exames de bioquímica urinária
em nosso meio). Se for IRA pré-renal, um bolus de solução salina IV irá restaurar a diurese
e melhorar a azotemia, aumentando também a excreção de sódio e água (este
procedimento é diagnóstico e terapêutico ao mesmo tempo). Se for NTA, não haverá
melhora de nenhum desses parâmetros.

Video_06_R3_Clm_26

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022


HOSPITAL NAVAL MARCÍLIO DIAS – HNMD

São índices para avaliação de insuficiência renal pré-renal, EXCETO:

a) Osmolaridade urinária > 500 mOsm.

b) Fração de ejeção de sódio < 1%.

c) Relação Ur/Cr plasmática > 40.

d) Densidade urinária > 1.020.

e) Sódio urinário > 20 mEq/L.

EXAMES DE IMAGEM

A USG ou mesmo a TC de rins e vias urinárias devem ser solicitadas na suspeita clínica de
IRA pós-renal. Outra situação em que um exame de imagem está indicado é quando a IRA
não possui uma causa aparente após anamnese, exame físico e exames laboratoriais
básicos.

Pacientes com IRA anúrica e bexiga palpável devem ser imediatamente submetidos a um
cateterismo vesical ou, na impossibilidade técnica deste, um cateterismo suprapúbico.
Mesmo após estes procedimentos, recomenda-se realizar métodos de imagem a fim de
esclarecer a exata etiologia da obstrução.

O achado que denuncia a existência de obstrução é a hidroureteronefrose (dilatação do


ureter e da pelve renal). Contudo, é importante ter em mente que pode haver obstrução
mesmo na ausência deste achado... As principais situações em que isso ocorre são:
Primeiras 48h de uma obstrução parcial, devido à baixa complacência do trato urinário;

Hipovolemia associada, devido à queda na produção de urina;

Fibrose retroperitoneal;

Infiltração da parede do trato urinário por tumor ou outras doenças. Nos itens 3 e 4
anteriormente citados dizemos que existe "encarceramento" do trato urinário.

Nos itens 3 e 4 anteriormente citados dizemos que existe "encarceramento" do trato


urinário.

Se o grau de suspeição de obstrução com encarceramento urinário for alto, sendo a USG ou
a TC normais (sem indícios de obstrução), deve-se recorrer a métodos invasivos como a
pielografia anterógrada ou retrógrada. A primeira é realizada através de punção
percutânea da pelve renal (cirurgia). A segunda é realizada por meio de cistoureteroscopia.
Em ambos os procedimentos não apenas se confirma a existência de obstrução intrínseca
da via urinária como também é possível realizar um procedimento de desobstrução,
implantando-se um cateter de nefrostomia no primeiro caso, ou um stent ureteral (cateter
"duplo-J") no segundo caso.

Não há risco de nefropatia induzida por contraste nas pielografias invasivas, pois o
contraste ministrado não é absorvido. A clássica urografia excretora (administração IV
de contraste seguida de obtenção de radiografias simples do abdome na fase de
excreção urinária do mesmo) tornou-se obsoleta na atualidade. Na uro-TC, existe risco
de nefropatia induzida por contraste na vigência de insuficiência renal. A RM do trato
urinário não traz nenhuma vantagem em relação à uro-TC, logo, por ser mais cara e
menos disponível, não costuma ser solicitada. Ademais, no portador de insuficiência
renal é proibido ministrar o contraste paramagnético gadolínio, devido ao risco de
fibrose sistêmica nefrogênica.

Os exames de imagem também permitem avaliar o sistema macrovascular renal,


esclarecendo, por exemplo, se existe obstrução de artéria e/ou veia renal. Para avaliar a
circulação com o exame sonográfico, é preciso utilizar a técnica de Doppler. Na uro-TC, é
preciso que o tomógrafo seja helicoidal (isto é, os "cortes" tomográficos são obtidos
rapidamente, de modo que se consegue obter a imagem dos vasos exatamente no
momento em que os mesmos estão preenchidos pelo contraste).

BIÓPSIA RENAL
A biópsia renal costuma ser reservada na prática para os pacientes em que os diagnósticos
de IRA pré-renal, IRA pós-renal e NTA isquêmica e/ou tóxica foram devidamente afastados,
ou seja, nas situações em que o mais provável é que se trate de outras formas de IRA
intrínseca (ex.: glomerulopatias, nefrites intersticiais, microangiopatia). A biópsia é o
método padrão-ouro para confirmação diagnóstica, servindo também para estratificação do
prognóstico, com base no quanto há de lesão parenquimatosa "ativa" (necroinflamação) e
no quanto há de lesão "inativa" (cicatrização fibrótica residual). Já tratamos extensamente
sobre biópsia renal na primeira apostila do bloco de nefrologia deste curso.

NOVOS BIOMARCADORES DE INJÚRIA RENAL AGUDA

Ureia e creatinina são marcadores da função filtrativa renal, e não marcadores diretamente
relacionados à integridade do parênquima renal. Além disso, ureia e creatinina demoram a
se alterar após o início de uma injúria renal aguda (quer dizer, as escórias nitrogenadas
sempre "andam atrás" da queda na TFG).

Nos últimos anos, algumas substâncias mais sensíveis e específicas para a detecção de
lesões parenquimatosas renais têm sido estudadas, mas nenhuma foi definitivamente
incorporada na prática clínica... As mais promissoras são o KIM-1 (Kidney Injury Molecule)
e o NGAL (Neutrophil Gelatinase Associated Lipocalin). Ambas são proteínas
transmembrana exclusivamente produzidas pelas células tubulares renais lesadas, não
sendo expressas em quantidades apreciáveis pelo rim saudável, tampouco por tecidos
extrarrenais. Suas funções seriam o aumento da fagocitose de debris intratubulares, bem
como uma ação anti-inflamatória local. O aumento de seus níveis urinários e/ou séricos
parece indicar injúria renal intrínseca de forma bastante precoce, o que seria interessante
considerando-se o desenvolvimento de medidas preventivas da NTA no futuro.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Como vimos, muitas vezes a IRA é um diagnóstico puramente laboratorial, isto é, azotemia
assintomática. Contudo, dependendo do grau de queda na TFG e das condições mórbidas
associadas, podem surgir alterações homeostáticas potencialmente fatais.

UREMIA

Uremia, ou síndrome urêmica, é um termo historicamente consagrado na literatura,


cunhado na época em que se acreditava que a principal causa das manifestações clínicas
associadas à falência renal grave era a toxicidade direta da ureia. Hoje sabemos que
existem múltiplas escórias nitrogenadas, e que a ureia é uma das menos tóxicas,
justificando manifestações clínicas por si só somente quando em níveis extremamente altos
(ex.: > 360 mg/dl, que é quando ela causa encefalopatia e disfunção plaquetária).
Não obstante, o termo continua sendo empregado, até porque o aumento de ureia é visto
como um marcador indireto do aumento concomitante das demais escórias nitrogenadas
habitualmente não medidas (muitas das quais, vale lembrar, sequer são bem conhecidas).

Clinicamente, a síndrome urêmica se refere ao espectro de manifestações de encefalopatia


tóxica que o paciente desenvolve quando a função renal é perdida: agitação psicomotora,
confusão mental, torpor, crise convulsiva e coma.

DISTÚRBIOS DA VOLEMIA

Na IRA oligoanúrica, os rins se tornam incapazes de excretar sódio e água, havendo


balanço positivo de volume. A expansão do líquido extracelular culmina em edema
progressivo (podendo chegar à anasarca, ou seja, edema generalizado do subcutâneo
acompanhado de derrames cavitários), com ganho de peso, aumento da pressão venosa
jugular e congestão cardiocirculatória (HAS e edema agudo de pulmão). A transudação de
líquido através da membrana alveolocapilar pulmonar é facilitada por um aumento de
permeabilidade mediado pela ação direta de toxinas urêmicas nitrogenadas ("pulmão da
uremia"), gerando um quadro misto de edema pulmonar cardiogênico e não cardiogênico.
Pode haver ainda hemorragia alveolar em certas causas de IRA, como nas vasculites e
colagenoses que causam a síndrome pulmão-rim (glomerulonefrite rapidamente
progressiva + alveolite hemorrágica).

SAIBA MAIS

É válido tentar recuperar a diurese do paciente oligúrico e com sinais de hipervolemia


ministrando diurético de alça (furosemida) em altas doses. Um esquema muito usado é:
200 mg IV em bolus. Se houver resposta diurética, inicia-se infusão contínua de 10–40
mg/h, podendo-se associar um diurético tiazídico neste momento ("bloqueio sequencial
do néfron"). O paciente que responde ao diurético possui melhor prognóstico, mas não
porque o diurético "protege" sua função renal, e sim porque, justamente por ter
respondido ao diurético, ele apresenta na verdade uma lesão renal não tão grave... Ora,
então qual a vantagem de se ministrar diurético, já que ele não muda o prognóstico
renal? O motivo é que o paciente que consegue manter uma boa diurese com o
tratamento muitas vezes pode ser manejado de forma conservadora, sem necessidade de
diálise, já que o aumento na excreção de sódio e água consegue evitar o edema agudo
de pulmão, que é uma das principais indicações de diálise de urgência na IRA.
Se o paciente sobreviver e recuperar a função renal (o que na NTA ocorre geralmente após
21 dias), é esperado um período de poliúria compensatória, uma resposta adaptativa em
que o excesso de água e solutos acumulado durante a fase de oligoanúria é
fisiologicamente eliminado, visando reequilibrar a homeostase. Contudo, alguns pacientes
continuam apresentando poliúria após a correção desse desequilíbrio, indicando a
existência de disfunção tubular residual (ex.: o paciente fez uma NTA e se recuperou, com
regeneração do epitélio tubular, porém as novas células ainda não estão com seus
mecanismos reabsortivos plenamente "amadurecidos"). Se nada for feito, o paciente é
espoliado de água e solutos, caminhando em direção ao outro extremo dos distúrbios
volêmicos, isto é, hipovolemia!

Como proceder?

A monitorização cuidadosa de parâmetros clínicos e laboratoriais do paciente que está se


recuperando de uma IRA oligoanúrica nos sinaliza com segurança quando a diurese pós-IRA
deixa de ser fisiológica e se torna patológica. Neste momento deve-se instituir reposição
intravenosa das perdas, mantendo o paciente equilibrado até que a função renal se
recupere por completo.

HIPONATREMIA

Pacientes com IRA grave não devem receber soluções hipo-osmolares, como salina
hipotônica ou soro glicosado puro, pois sua capacidade de eliminar água livre encontra-se
comprometida. Se tais soluções forem ministradas ao paciente (ou se o mesmo ingerir água
livre em excesso), há risco de hiponatremia hipotônica, que pode ser grave e resultar em
encefalopatia hipo-osmolar aguda.

HIPERCALEMIA

Os rins são os principais responsáveis pela eliminação de potássio do corpo. Na IRA, a


capacidade de manter o balanço deste eletrólito encontra-se comprometida, com tendência
à hipercalemia. Em algumas causas de IRA, o risco de hipercalemia aguda grave é
potencializado, como na rabdomiólise, lise tumoral e hemólise maciça. O motivo é que o
potássio é o principal cátion do meio interno, sendo largamente liberado para o meio
extracelular nestas situações. A hipercalemia causa fraqueza muscular (incluindo a
musculatura respiratória) e afeta o funcionamento do sistema de condução cardíaca,
podendo desencadear arritmias graves (fibrilação ventricular) e morte súbita.

Convém lembrar que existem raras causas de IRA hipocalêmica. As quatro principais são:
Aminoglicosídeos;

Anfotericina B;

Hipertensão maligna;

Leptospirose grave.

Já explicamos seus mecanismos anteriormente.

ACIDOSE METABÓLICA

A acidose metabólica, tipicamente de ânion-gap aumentado (retenção de sulfato, hipurato


e outros ânions), é complicação igualmente esperada na IRA, e pode acentuar uma acidose
previamente existente por conta da doença de base, como no caso da sepse, cetoacidose
diabética e/ou acidose respiratória por insuficiência da ventilação. Em geral, o tratamento
com reposição de bicarbonato só será considerado em caso de acidose grave (pH < 7,20 e
HCO3 < 15 mEq/L).

DISTÚRBIOS DO CÁLCIO E FÓSFORO

Na IRA, ocorre hiperfosfatemia e hipocalcemia. O distúrbio inicial é a hiperfosfatemia, pois o


rim é o principal responsável pela eliminação corporal de fosfato. A hiperfosfatemia tende a
ser desproporcionalmente acentuada em certas etiologias como rabdomiólise, lise tumoral
e hemólise maciça, pois o fosfato é um dos principais ânions do meio intracelular, sendo
largamente liberado nestas condições. A hiperfosfatemia causa a hipocalcemia, pela
precipitação tecidual de fosfato de cálcio. Em geral ambos os distúrbios são assintomáticos,
mas se a hipocalcemia for aguda e grave podem surgir parestesias (perioral,
extremidades), tetania (sinais de Chvostek e Trousseau), crises convulsivas e alargamento
do intervalo QT (com risco de taquicardia ventricular polimórfica, ou torsades de pointes).
Lembre-se de que o ideal é medir o cálcio livre (iônico), que é a forma biologicamente
ativa. Se a dosagem de cálcio total for utilizada, será preciso corrigi-la de acordo com os
níveis de albuminemia (para cada 1 g/dl de queda da albumina em relação ao valor médio
normal de 4 g/dl deve-se somar 0,8 mg/dl ao cálcio total mensurado).

HEMORRAGIA

As escórias nitrogenadas prejudicam o funcionamento das plaquetas, aumentando o risco


de hemorragias. Esse risco pode estar aumentado de antemão em certas etiologias de IRA
como sepse complicada com coagulação intravascular disseminada e hepatopatias.
SAIBA MAIS

A melhor forma de corrigir o distúrbio na hemostasia causado pela IRA é a diálise, porém,
como medida contemporizadora até que a diálise seja instituída pode-se ministrar
DDAVP (desmopressina) no paciente com sangramento por disfunção plaquetária. O
mecanismo de ação parece ser o aumento na liberação do fator de von Willebrand a
partir de estoques endoteliais pré-formados. Isso provavelmente explica o fenômeno de
taquifilaxia que já se manifesta após a segunda dose de DDAVP (esgotamento
progressivo dos referidos estoques), portanto não adianta insistir em tal conduta por
muito tempo... O DDAVP pode ser feito por via IV ou SC na dose de 0,3 mcg/kg, ou 3
mcg/kg pela via intranasal. O efeito começa em até 1h e dura entre 4–8h.

INFECÇÕES

As infecções não apenas podem ser causa de IRA como também sua consequência. O
mecanismo é multifatorial e não totalmente compreendido... Pacientes com IRA grave
geralmente estão hipercatabólicos, com múltiplas invasões orgânicas (incluindo o cateter
de diálise) e é muito provável que as próprias escórias nitrogenadas prejudiquem o
funcionamento das células de defesa. Lembre-se de que na presença de proteinúria maciça
diversos elementos do sistema imune humoral são perdidos na urina (anticorpos,
complemento), o que aumenta ainda mais o risco de infecções.

COMPLICAÇÕES CARDÍACAS

Além da congestão cardiocirculatória e risco de arritmias fatais decorrentes da acidose e


dos distúrbios eletrolíticos (hiper/hipocalemia, hipocalcemia), faz parte da síndrome
urêmica a inflamação dos folhetos pericárdicos, causando pericardite urêmica. Uma
peculiaridade desse tipo de pericardite é que ocorre intensa friabilidade local, com risco
aumentado de hemorragia intrapericárdica. A disfunção hemostática inerente à própria
uremia compõe o cenário para um risco aumentado de tamponamento cardíaco
hemorrágico. É descrita ainda a disfunção contrátil dos cardiomiócitos, por efeito tóxico
direto das escórias nitrogenadas. Esses pacientes podem evoluir com insuficiência
ventricular esquerda, o que aumenta ainda mais o risco de edema agudo de pulmão e
instabilidade hemodinâmica.

DESNUTRIÇÃO
Conforme já dissemos, pacientes com IRA grave em geral encontram-se hipercatabólicos,
isto é, com consumo acelerado de suas reservas endógenas de energia. O estado crítico se
acompanha de alterações no metabolismo que promovem consumo preferencial de
proteínas como fonte energética, o que aumenta a perda de massa magra e traz diversos
prejuízos ao paciente (ex.: fraqueza do músculo diafragma, com hipoventilação das bases
pulmonares e risco aumentado de pneumonia).

SAIBA MAIS

As principais metas nutricionais na IRA são:

➤ Aporte calórico de 20–30 kcal/kg/d;

➤ 0,8–1,0 g/kg/d de proteína na IRA não dialítica e não hipercatabólica;

➤ 1,0–1,5 g/kg/d de proteína na IRA dialítica;

➤ Até 1,7 g/kg/d de proteína na IRA dialítica e hipercatabólica;

➤ Reposição de "elementos-traço" e vitaminas hidrossolúveis no paciente em diálise.

Video_07_R3_Clm_26

PREVENÇÃO E TRATAMENTO
O manejo do paciente com IRA ou alto risco de desenvolver IRA varia conforme o
mecanismo específico. No entanto, alguns princípios básicos se aplicam a todos os
cenários:

Manter a estabilidade hemodinâmica, o que inclui, de forma variável, a restauração da


volemia, da resistência vascular periférica e do débito cardíaco;

Corrigir distúrbios eletrolíticos e acidobásicos;

Retirar medicamentos nefrotóxicos;

Ajustar as doses de todos os medicamentos em uso, se necessário;

Iniciar a terapia de substituição renal sem demora, quando indicado;

Profilaxia da hemorragia digestiva alta (BH2 ou IBP, lembrando que estes últimos podem
ser causa de NIA);

Profilaxia do tromboembolismo venoso (lembrando que os novos anticoagulantes orais e


as heparinas de baixo peso molecular devem ser evitadas na presença de disfunção
renal).

IRA PRÉ-RENAL
Como o principal mecanismo fisiopatológico dessa forma de IRA é a queda da perfusão
renal, o objetivo terapêutico primário não poderia ser outro que não a restauração e
manutenção de uma perfusão renal adequada.

A conduta básica, portanto, consiste na ressuscitação volêmica e o tipo de solução


escolhido para reposição deve corresponder ao tipo de fluido perdido.

Pacientes que sofreram hemorragia aguda grave devem receber concentrados de


hemácias. Hemorragias menos graves podem ser volemicamente ressuscitadas com
soluções cristaloides isotônicas ou coloides. Cristaloides ou coloides também podem ser
utilizados na ressuscitação volêmica de pacientes que perderam plasma para o terceiro
espaço, como na pancreatite aguda e nos grandes queimados.

SAIBA MAIS

Até hoje persiste a controvérsia acerca de qual seria a melhor solução: cristaloide ou
coloide? Não há provas de diferenças significativas entre ambas, logo, na prática, os
cristaloides acabam sendo os mais usados, por serem mais baratos e disponíveis. O que
se sabe com certeza é:

As soluções de hidroxietilamido (um coloide sintético que esteve na moda por um


tempo) não devem ser usadas, pois aumentam a mortalidade e o risco de IRA;

No TCE grave as soluções cristaloides são preferíveis à albumina...

Discute-se também se no paciente crítico em geral deveríamos preferir soluções


cristaloides "balanceadas", isto é, que contêm substâncias alcalinizantes, como lactato
(ex.: Ringer lactato). O lactato é convertido em bicarbonato pelo fígado. Não há,
entretanto, confirmação de superioridade destas últimas em tal contexto.

Pacientes com hipovolemia por qualquer outro motivo (isto é, que não apresenta
hemorragia ou perda de plasma para o terceiro espaço) são preferencialmente
ressuscitados com solução salina cristaloide. Na hipovolemia grave utiliza-se o soro
fisiológico (NaCl 0,9%), mas nas hipovolemias menos graves e, principalmente, no paciente
mais desidratado (ex.: com hipernatremia) pode-se lançar mão da solução salina
hipotônica, ou "salina a meio" (NaCl 0,45%).
Quando grandes volumes de SF 0,9% são ministrados em curto espaço de tempo (ex.: >
2 L em bolus), o excesso de cloreto acaba gerando acidose metabólica hiperclorêmica. O
mecanismo é:

A expansão do líquido extracelular, por si só, dilui o bicarbonato plasmático;

Como o cloreto está presente em excesso no SF, ele acaba sendo preferencialmente
retido pelos rins para manter o equilíbrio eletroquímico do plasma.

Em geral, essa acidose é leve e sem repercussões clínicas, resolvendo-se


espontaneamente com o passar do tempo, se a função renal estiver adequada. Não
obstante, num paciente com acidose prévia, a sobreposição da "acidose do soro
fisiológico", mesmo sendo discreta por si só, pode trazer o pH arterial para uma faixa
perigosamente baixa.

Outra questão relativa à otimização do status hemodinâmico no paciente com IRA pré-renal
é a melhora da função cardiocirculatória, que pode necessitar de drogas inotrópicas,
redutoras de pré ou pós-carga, antiarrítmicos e até mesmo dispositivos de assistência
circulatória mecânica. Evidentemente, quanto mais grave a hipovolemia, maior a
necessidade de monitorização invasiva (ex.: cateter arterial de PAM, cateter venoso
profundo com capacidade de medir débito cardíaco e resistência vascular periférica e,
claro, cateter vesical para mensuração contínua do débito urinário).

Video_08_R3_Clm_26

IRA INTRÍNSECA

Como vimos, a principal causa de IRA intrínseca é a NTA. Infelizmente, até o momento, não
há tratamento específico para esta condição. Diversas abordagens já foram testadas, e
todas falharam... Por exemplo: dopamina em baixas doses (apesar de produzir
vasodilatação arteriolar renal, não evita a NTA e ainda por cima aumenta a mortalidade por
arritmia cardíaca/isquemia intestinal), peptídeo atrial natriurético, furosemida em altas
doses, bloqueadores de canal de cálcio, bloqueadores alfa-1 adrenérgicos, inibidores de
endotelina, análogos de prostaglandina, antioxidantes, eritropoetina, anticorpos contra
moléculas de adesão leucocitária, fatores de crescimento, entre outros...

Acredita-se que a principal explicação para a falha dessas abordagens seja o fato de que os
estudos realizados incluíram pacientes com NTA já estabelecida e avançada! Se tais
intervenções puderem ser feitas no momento que antecede a instalação da NTA, é provável
que muitas delas se mostrem efetivamente benéficas no sentido de prevenir a NTA. Com o
advento de biomarcadores específicos de lesão tubular precoce (KIM-1, NGAL), espera-se
que novos estudos venham a ser realizados selecionando melhor os pacientes que estão na
iminência de evoluir com NTA!
A IRA intrínseca relacionada às doenças autoimunes (ex.: LES, glomerulonefrites,
vasculites) responde ao tratamento imunossupressor agressivo (glicocorticoide ±
imunossupressor ± plasmaférese, dependendo do diagnóstico específico). Na NIA alérgica,
a conduta se baseia na suspensão do fármaco implicado, podendo-se ministrar
glicocorticoide no paciente com IRA inicialmente grave ou que não melhora/piora uma
semana após a suspensão da droga.

Na atualidade, a prevenção da nefropatia induzida por contraste em pacientes de alto risco


(isto é, aqueles com disfunção renal prévia, principalmente nefropatia diabética) é feita
preferencialmente com expansão volêmica por meio de solução salina isotônica (SF
0,9% ou Ringer). Até pouco tempo atrás falava-se em solução bicarbonatada +
acetilcisteína para o paciente de alto risco, porém, ensaios clínicos randomizados e
controlados de grande porte parecem ter dado um fim a essa discussão... Ficou
demonstrado que o acréscimo de bicarbonato não é superior à solução salina isotônica,
sendo apenas mais trabalhoso de preparar e mais caro. O mesmo aconteceu em relação à
acetilcisteína. A única diferença está no esquema de prescrição:

➤ Pacientes não internados: 3 ml/kg/h IV na hora que antecede o procedimento,


mantendo uma infusão de 1–1,5 ml/kg/h por 4–6h após o procedimento, ministrando no
mínimo 6 ml/kg no total, independentemente do tipo de solução salina escolhida;

➤ Pacientes internados: 1 ml/kg/h por 6–12h antes do procedimento, mantendo 1


ml/kg/h por 6–12h após o procedimento.
RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022
HOSPITAL SANTA LÚCIA – HSL-DF

Um paciente de 58 anos de idade previamente diabético tipo 2, hipertenso,


dislipidêmico e coronariopata, apesar de tratamento adequado e regular para suas
comorbidades de base, foi internado há 2 dias por angina instável de alto risco
recebendo tratamento e submetido a cineangiocoronariografia (sem lesões
importantes). No dia seguinte, ainda no leito de tratamento intensivo, ao procedimento,
o paciente evoluiu com diurese de 200 ml nas últimas 24 horas. Ao exame físico: massa
corpórea de 70 kg; bom estado geral, lúcido e orientado, sinais vitais dentro da
normalidade sem achados patológicos nos sistemas cardiopulmonar, gastrointestinal e
com extremidades bem perfundidas e sem edemas. À admissão, tinha creatinina = 1,1
mg/dl (referência = 0,7–1,3 mg/dl). Exames laboratoriais: creatinina = 2,2 mg/dl; ureia
= 148 mg/dl (referência = 10–45 mg/dl); sódio = 143 mmol/L (referência = 135–145
mmol/L); potássio = 6,0 mmol/L (referência = 3,5–5,5 mmol/L). Com base no caso clínico
hipotético apresentado, julgue o item a seguir. O quadro clínico e laboratorial exposto
permite inferir que se trata de lesão renal tipo intrínseca com acometimento tubular e
intersticial.

a) CERTO.

b) ERRADO.

Na rabdomiólise (CPK > 5.000 U/L ou aumento progressivo independentemente do valor


atual, no contexto de uma lesão muscular grave), a conduta se baseia em ressuscitação
volêmica precoce e agressiva (ex.: "veia pega com soro correndo antes mesmo de retirar o
paciente dos escombros"). A solução de escolha é a salina isotônica, geralmente ministrada
a uma taxa de 1–2 litros por hora. Essa taxa de infusão deve ser ajustada com o objetivo de
forçar a diurese até valores entre 200–300 ml/h, cujo intuito é "lavar" a mioglobina dos
túbulos (acelerando o fluxo urinário). Quando o paciente começa a urinar, pode-se associar
uma infusão de bicarbonato com o intuito de alcalinizar a urina, o que parece diminuir a
toxicidade tubular da mioglobina.

Um esquema muito usado é: correr em outro acesso, paralelamente à infusão de salina


isotônica, uma solução contendo 150 ml (três ampolas de 50 ml) de bicarbonato de sódio
8,4% misturado a 1 L de SG 5% (o que dá uma solução com aproximadamente 130 mEq/L
de bicarbonato). Esta solução é infundida a uma taxa inicial de 200 ml/h, ajustando-se para
manter um pH urinário > 6,5 (medir o pH urinário a cada 2h). Para se poder ministrar
bicarbonato IV os pré-requisitos são:
Ausência de hipocalcemia;

pH arterial < 7,50;

HCO3 plasmático < 30 mEq/L. Como a alcalose metabólica resultante da infusão de


bicarbonato pode reduzir a calcemia, é mandatório monitorar o cálcio iônico do paciente
(também a cada 2h).

Como a alcalose metabólica resultante da infusão de bicarbonato pode reduzir a calcemia,


é mandatório monitorar o cálcio iônico do paciente (também a cada 2h).

Se ocorrer hipocalcemia sintomática, alcalose metabólica com pH > 7,50 e/ou bicarbonato
sérico > 30 mEq/L, a infusão de bicarbonato deve ser suspensa, mantendo-se apenas a
infusão de salina isotônica. O bicarbonato também deve ser suspenso, se o pH urinário não
ficar > 6,5 após 3–4h de infusão. Se todas as metas forem atingidas, mantém-se a infusão
de bicarbonato junto com a salina isotônica até que os níveis de CPK caiam abaixo de 5.000
U/L.

Diuréticos podem ser usados para ajudar a "forçar" a diurese de pacientes volemicamente
repostos que não atingem o débito urinário preconizado. Pode-se utilizar diurético de alça,
como a furosemida, ou diurético osmótico, como o manitol.

Video_09_R3_Clm_26

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022


SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS-BA

Homem, 38 anos de idade, é levado ao pronto-socorro, pela polícia, por agitação e


agressividade, após uso de cocaína. O acompanhante refere que o paciente inalou
grande quantidade de cocaína e está com a urina avermelhada. Ao exame físico,
paciente encontra-se ansioso, agitado, com FC = 110 bpm, PA = 160 x 96 mmHg,
pupilas midriáticas. Ausculta e exame abdominal sem alterações. Realizados exames
laboratoriais, com Hb = 12 g/dl; leucócitos = 9.000/mm³; paquetas = 170 mil/mm³, Cr =
5,4 mg/dl; Ur = 90 mg/dl; Na = 140 mEq/L; K = 5,5 mEq/L. Sumário de urina com 3
hemácias/campo; 7 leucócitos/campo; hemoglobina +++; proteína +. Diante do quadro
apresentado, em relação aos aspectos metabólicos e ao envolvimento renal, é CORRETO
afirmar:

a) O paciente apresenta dano glomerular secundário à mioglobina.

b) O paciente, provavelmente, apresentará hiperfosfatemia.

c) Os níveis de enzimas musculares não se correlacionam à lesão renal.

d) A lesão renal é decorrente da liberação de creatinina pela musculatura estriada.


IRA PÓS-RENAL

A conduta consiste na desobstrução do trato urinário, e a forma como isso será feito
depende especificamente de onde está localizada a obstrução. Nas obstruções ao nível da
uretra ou colo vesical a melhor abordagem é o cateterismo vesical, recorrendo-se ao
cateterismo suprapúbico nos casos de insucesso do primeiro. Nas obstruções ureterais
pode-se realizar nefrostomia percutânea ou implante de um stent ureteral (cateter duplo-J),
com preferência por este último, dada sua menor morbidade. Todas essas medidas visam
apenas aliviar artificialmente a obstrução, até que um tratamento definitivo para a causa
do problema seja implementado.

INDICAÇÕES DE DIÁLISE NA IRA


Observe na Tabela 2 as principais indicações de diálise de urgência.

TABELA 2: INDICAÇÕES DE DIÁLISE DE URGÊNCIA.

➤ Síndrome urêmica inquestionável (encefalopatia, hemorragia, pericardite);

➤ Hipervolemia grave refratária (HAS, edema pulmonar);

➤ Hipercalemia grave refratária ou recorrente;

➤ Acidose metabólica grave refratária ou recorrente;

➤ Azotemia grave: ureia > 200 mg/dl;

➤ Intoxicação exógena por substâncias dialisáveis.

O momento exato em que a diálise de urgência deve ser iniciada é motivo de debate. Por
um lado, existe o argumento de que não se deve esperar o surgimento de uma
complicação potencialmente fatal para iniciar o procedimento. Por outro, existe o
argumento de que iniciá-lo cedo demais aumenta a exposição do paciente aos riscos
inerentes à diálise, como complicações da punção venosa, infecção da corrente circulatória
e hipotensão arterial.

Assim, muitos nefrologistas consideram razoável tomar a decisão de dialisar o paciente


com base apenas no comportamento dos níveis de ureia: se a ureia plasmática ultrapassar
200 mg/dl e continuar subindo, num contexto em que não haja indícios de que o paciente
esteja melhorando, a diálise é iniciada!

Existem duas modalidades básicas de diálise: peritoneal e hemodiálise. Ambas podem ser
usadas, e a escolha fica a cargo da expertise da equipe médica e da disponibilidade local.
Na prática, o método preferencial para tratamento da IRA em adultos é a hemodiálise, pois
sua eficiência "depuradora" no paciente hipercatabólico é superior à da diálise peritoneal.
Existem diferentes técnicas de hemodiálise. A mais empregada é a técnica convencional,
em que o procedimento é feito de forma intermitente (3–4 vezes por semana) em sessões
com 3–4h de duração. A principal complicação é a hipotensão arterial intradialítica, já que o
fluxo de sangue no circuito necessário para o procedimento precisa ser elevado,
deslocando grandes volumes do intravascular de um paciente que com frequência
encontra-se hemodinamicamente instável. Os episódios de hipotensão podem perpetuar a
lesão renal, ao causarem hipoperfusão e NTA isquêmica.

Visando contornar este problema, foi desenvolvida a técnica de diálise contínua


(ininterrupta ao longo das 24h). Nenhum ensaio clínico, contudo, mostrou que a diálise
contínua seja inquestionavelmente superior à diálise convencional em termos de
diminuição da morbimortalidade ou de melhora nas taxas de recuperação renal. Todavia,
se disponível, nefrologistas e intensivistas geralmente preferem a diálise contínua em
pacientes hemodinamicamente instáveis e/ou com edema cerebral, bem como nos
pacientes extremamente congestos.

Mais recentemente, foram desenvolvidas técnicas de diálise com duração intermediária


entre o método contínuo e o intermitente. O principal motivo foi o custo: é preciso ter uma
equipe exclusivamente dedicada à monitoração do procedimento ao longo de toda a sua
duração. Logo, a diálise contínua tem custo muito elevado, tanto do ponto de vista
financeiro quanto do uso de recursos humanos... A SLED (Slow Low-Efficiency Dialysis) e a
EDD (Extended Daily Dialysis) são realizadas em sessões com duração ≤ 12h, causando
menos hipotensão do que a diálise intermitente convencional, pelo fato de utilizarem fluxos
menos intensos de sangue no circuito do aparelho.

O fato é que a "dose" ideal de diálise, independentemente do método, ainda não foi
estabelecida pela literatura médica.

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022


EXAME NACIONAL DE RESIDÊNCIA EBSERH – ENARE

Paciente do sexo feminino de 42 anos foi internada no hospital com pielonefrite


associada à obstrução de ureter por cálculo renal e teve evolução desfavorável apesar
da desobstrução do ureter. Evoluiu com insuficiência renal e síndrome urêmica com
pericardite e encefalopatia. Assinale a alternativa que apresenta a melhor conduta.

a) Terapia com colchicina e aspartato de ornitina.

b) Terapia com colchicina e lactulose.

c) Terapia com colchicina e desmopressina.

d) Terapia com ácido acetilsalicílico e desmopressina.

e) Hemodiálise.
DOENÇA RENAL CRÔNICA

QUADRO DE RESUMO

O objetivo deste capítulo é definir o que é a Doença Renal Crônica (DRC) e descrever a
relação entre o seu sistema de estadiamento e a progressão das manifestações clínicas e
laboratoriais associadas. As duas principais causas de DRC no mundo são o Diabetes
Mellitus (DM) e a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS). Quem vem em primeiro lugar? A
resposta varia de acordo com a região geográfica. Nos países ricos tem sido o DM, e no
Brasil tem sido a HAS, mas por aqui o DM vem crescendo em proporção. Na prática, esta
diferenciação acaba sendo menos importante, já que com frequência DM e HAS
costumam andar juntos...

Doença Renal Crônica (DRC)

Qualquer paciente com TFG < 60 ml/min/1,73 m² e/ou albuminúria > 30 mg/dia por um
período maior ou igual a três meses é dito portador de DRC. Perceba que este ponto de
corte está bem abaixo do valor considerado normal para a TFG (≥ 90 ml/min/1,73 m²), o
que significa que uma perda significativa de função renal deve acontecer, de forma
persistente, para que o paciente seja considerado um “renal crônico”. Ademais, sintomas
progressivos só surgem de fato nas fases mais avançadas da DRC, quando o paciente em
geral já perdeu mais de 50% de sua função renal, o que quer dizer que, no início, a DRC
pode passar muito tempo assintomática.

Não obstante, uma vez instalada, se nenhuma intervenção terapêutica for instituída sua
progressão se dará de forma exponencial. A ideia é simples: seja qual for a etiologia, a
DRC é sempre uma consequência da perda irreversível de néfrons (unidades
morfofuncionais do rim). Cada vez que um néfron é perdido, os néfrons remanescentes
são “sobrecarregados”, já têm que fazer o trabalho do néfron perdido, além do trabalho
que lhes caberia naturalmente. Desse modo, quanto maior o número de néfrons
perdidos, menor será o número de néfrons remanescentes, e maior, por conseguinte,
será a sobrecarga destes.

Quanto maior a sobrecarga de um néfron, mais rapidamente ele sofre um processo


degenerativo caracterizado inicialmente por glomeruloesclerose (que no início é
segmentar e depois se torna global), culminando por fim em esclerose completa de toda
a estrutura do néfron (incluindo sua porção tubulointersticial).
Assim, existe uma via fisiopatológica evolutiva que é inerente à DRC,
independentemente de sua etiologia (fator nefroagressivo inicial). Felizmente, existe um
tratamento padrão especificamente direcionado para estabilizar ou atrasar este
processo: o bloqueio da angiotensina II, através do uso de IECA ou BRA. Com o bloqueio
da angiotensina II produz-se o relaxamento da arteríola eferente glomerular, o que
diminui a hipertensão hidrostática intraglomerular e a tendência à glomeruloesclerose,
ajudando a preservar os néfrons remanescentes. Obviamente, a “janela terapêutica”
para o uso de IECA ou BRA é limitada. Se o medicamento produzir uma queda na TFG >
30% em relação ao valor inicial e/ou causar hipercalemia, o uso de IECA ou BRA como
estratégia “nefroprotetora” não será possível. Nestes casos, devemos preparar o
paciente para a terapia de substituição renal (diálise ou transplante).

DEFINIÇÃO
Define-se Doença Renal Crônica (DRC) como a queda na TFG para valores < 60
ml/min/1,73 m² e/ou presença de albuminúria > 30 mg/dia por um período maior ou
igual a três meses.

FISIOPATOLOGIA
A história natural da DRC apresenta dois momentos distintos:

Dano inicial relacionado às etiologias específicas, causando a perda de um grande


número de néfrons ("massa crítica" de parênquima funcionante);

Sobrecarga dos néfrons remanescentes, com hipertrofia e hiperfiltração glomerular


compensatórias, independentemente da causa inicial da lesão (os néfrons que sobram
"têm de trabalhar em dobro, isto é, fazer o seu trabalho e o trabalho dos néfrons que
foram perdidos").

Neste processo de grande estresse mecânico glomerular, ocorre lesão dos podócitos, com
herniação e degeneração das alças capilares subjacentes. A expressão histopatológica é o
surgimento de GESF secundária, que acaba evoluindo para esclerose de todo o tufo capilar
glomerular e consequente degeneração do restante do néfron, com atrofia e fibrose
tubulointersticial, isto é, perde-se cada vez mais néfrons... Esta perda sobrecarrega ainda
mais os néfrons remanescentes, acelerando de forma exponencial a evolução da doença,
num verdadeiro ciclo vicioso.

ESTADIAMENTO
É feito pela estimativa da TFG, de preferência por meio de fórmulas validadas. A fórmula do
estudo CKD-EPI atualmente é considerada a melhor. Lembre-se de que o paciente precisa
estar com a função renal estável para que as fórmulas sejam confiáveis, isto é, os valores
de creatinina plasmática não estão subindo nem descendo de forma rápida, em poucos
dias. O nível de albuminúria também é relevante, na medida em que indica o grau de dano
estrutural glomerular. Ademais, a albuminúria mostrou-se ser também um bom preditor de
risco cardiovascular geral, uma vez que reflete a existência de dano estrutural à toda a
microcirculação do organismo, e não apenas dos glomérulos.

TABELA 1: ESTADIAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA (KDIGO – 2013).

Fisiologicamente, a TFG aumenta mais ou menos até a terceira década de vida, atingindo
um ápice em torno de 120 ml/min/1,73 m². A partir daí, em média, há um declínio anual da
ordem de 1 ml/min/1,73 m², de modo que por volta dos 70 anos de idade o valor médio
normal fica em torno de 70 ml/min/1,73 m². Este valor representa uma perda real de
função renal com o envelhecimento e, apesar de fisiológico e inevitável, deve ser levado
em conta na hora de, por exemplo, definir a posologia de medicamentos. Obs.: há grande
variabilidade interindividual neste processo de "envelhecimento renal"!
Desse modo, idosos assintomáticos com frequência serão classificados como portadores de
DRC estágio G2 ou G3 (geralmente G3a). Em muitos desses pacientes, não ocorre
progressão adicional da DRC, isto é, a nefropatia senil fica "estacionada" nestes estágios, a
não ser que algum outro fator nefroagressivo apareça. Todavia, na prática clínica, não há
como ter certeza absoluta de que determinado paciente se encontra nesta situação, sendo
mandatório acompanhar sua função renal mais de perto, o que deve ser feito pelo clínico.
Na ausência de HAS, proteinúria crescente ou queda adicional da TFG, esses indivíduos a
princípio não precisam ser encaminhados ao nefrologista!

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022


HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RP DA USP – USP-
RP

Homem, 65 anos, hipertenso há 30 anos, refere poliúria, sem outras queixas.


Monitorização ambulatorial da pressão arterial com valor médio de PA = 170 x 100
mmHg, em uso de anlodipina, carvedilol e furosemida. Exame físico sem alterações.
Ultrassonografia: rins de dimensões reduzidas, 7,5 cm na maior dimensão
bilateralmente, com perda da diferenciação entre córtex e medula. Considerando o
diagnóstico sindrômico renal, quais parâmetros são utilizados para o estadiamento?

a) Creatinina plasmática e urina rotina.

b) Taxa de filtração glomerular e relação albumina/creatinina urinária.

c) Relação ureia/creatinina plasmática e fração de excreção de sódio.

d) Proteinúria de 24h e clearance de creatinina.

FATORES DE RISCO
Os principais fatores de risco para DRC na vida adulta, identificados pela literatura médica,
são:
Baixo peso ao nascer;

Obesidade infantil;

HAS;

DM;

Doenças autoimunes;

História familiar de DRC;

Idade avançada;

Etnia afrodescendente;

IRA prévia;

Alterações persistentes no sedimento urinário, principalmente proteinúria;

Anormalidades estruturais do trato urinário.

Na presença de qualquer um desses fatores, recomenda-se monitorar a função renal ao


longo do tempo. A exata periodicidade varia conforme a situação clínica, devendo ser
individualizada. Na ausência de tais fatores não existe uma recomendação formal
específica para screening de DRC na população geral.

Os estágios G1 e G2 são geralmente assintomáticos, apresentando apenas alterações


laboratoriais. Nos estágios G3 e G4, as alterações laboratoriais se tornam mais
proeminentes e os sintomas começam a aparecer de forma variável. As principais queixas
estão relacionadas à anemia (fadiga), anorexia e desnutrição, osteodistrofia renal e, nos
quadros mais avançados, distúrbios na homeostase hidroeletrolítica e acidobásica. No
estágio G5, o paciente está na chamada "doença renal em fase terminal", com grande
retenção de escórias nitrogenadas, desequilíbrios homeostáticos múltiplos (afetando
essencialmente todos os órgãos e tecidos do organismo) e com grande sensação de mal-
estar (síndrome urêmica). Neste momento, ele precisa da terapia de substituição renal para
sobreviver.

É interessante ressaltar que tanto a albuminúria quanto a queda na TFG, mesmo quando
discretas, são fatores independentes de risco cardiovascular. É por isso que a maioria dos
pacientes com alterações de função renal acaba morrendo de doenças cardiovasculares
antes de progredir para graus mais avançados de DRC. Todavia, com a recente tendência
de diminuição da morbimortalidade cardiovascular graças aos avanços no tratamento
dessas doenças, um maior contingente populacional está vivendo por tempo suficiente
para atingir os estágios mais avançados de DRC, o que permite projetar um grande
aumento na prevalência de nefropatia crônica nos anos vindouros.

Video_10_R3_Clm_26

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
As principais causas de DRC variam conforme a localidade geográfica e a etnia do paciente,
porém, estima-se que as cinco doenças a seguir sejam responsáveis por > 90% do total de
casos de DRC em adultos no mundo:

➤ Diabetes mellitus;

➤ Hipertensão arterial sistêmica;

➤ Glomerulopatias;

➤ Rins policísticos;

➤ Nefrites tubulointersticiais crônicas.

Nos EUA e na Europa, quase metade dos casos de DRC dialítica é causada pelo DM. Como
já vimos, cerca de 40% dos diabéticos (tanto tipo 1 quanto tipo 2) desenvolvem nefropatia
diabética. Como o DM2 é muito mais prevalente que o DM1 (respondendo por cerca de 90%
dos casos de DM) ele acaba sendo a principal causa de DRC!

No Brasil e em outros países, as estatísticas são um pouco diferentes. Em nosso meio,


acredita-se que a principal causa de DRC seja a HAS, com o DM ficando em segundo lugar.
Não obstante, com a crescente pandemia de obesidade, síndrome metabólica e DM2, é
questão de tempo que o DM também se torne a principal causa de DRC por aqui.

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2019


SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE – DISTRITO FEDERAL – SES-DF

Uma paciente de 42 anos de idade, hipertensa desde os 18 anos de idade, em controle


irregular, é encaminhada para a clínica médica pela cirurgia com dor abdominal
irradiando para o dorso. Há suspeita de pancreatite, descartada por exames e
tomografia de abdome, mas chama a atenção um ritmo de filtração glomerular < 15
ml/min/1,73 m² (VR > 90 ml/min/1,73 m²). Quanto a esse caso clínico e aos
conhecimentos médicos correlatos, julgue o item a seguir. Hipertensão arterial e
diabetes mellitus estão entre os principais responsáveis pela doença renal crônica.

a) CERTO.

b) ERRADO.

BIOQUÍMICA DA UREMIA
Hoje sabemos que ureia e creatinina, por si mesmas, são escórias nitrogenadas
relativamente pouco tóxicas. As principais manifestações clínicas da síndrome urêmica
estão mais diretamente relacionadas a outras escórias nitrogenadas, muitas das quais,
inclusive, ainda não são bem conhecidas (sabe-se que há substâncias solúveis,
hidrofóbicas, ionizadas, não ionizadas, ligadas a proteínas etc.).
Contudo, ureia e creatinina são os dois marcadores de filtração renal mais facilmente
mensurados na prática e, por conseguinte, seu aumento "representa" o aumento das
demais escórias nitrogenadas, pois, em geral, todas aumentam em conjunto na medida em
que a função de filtro do rim é perdida.

Acontece que os rins não exercem apenas a função excretória, eles também são órgãos
endócrinos! Dois importantes hormônios são produzidos predominantemente pelos rins
(eritropoetina e calcitriol), e muitos outros são metabolizados e/ou eliminados por estes
órgãos (ex.: insulina, glucagon, esteroides sexuais, prolactina). Assim, a perda de função
renal também produz distúrbios hormonais e, consequentemente, alterações metabólicas
que afetam o manuseio corporal de carboidratos, gorduras e proteínas, culminando, por
exemplo, em desnutrição. Também há prejuízos para a saúde sexual e reprodutiva.

Ademais, está claro que a falência renal se acompanha de inflamação sistêmica crônica.
Diversos reagentes de fase aguda, como proteína C-reativa, têm seus níveis aumentados
em proporção direta à perda de função renal. De forma análoga, diversos marcadores
"negativos" de fase aguda (substâncias cujos níveis se reduzem com a inflamação
sistêmica, como albumina e fetuína) diminuem na DRC progressiva.

Em suma, as alterações bioquímicas relacionadas à falência renal produzem — além da


síndrome urêmica em si e das alterações endócrinas citadas — um quadro de desequilíbrio
homeostático peculiar descrito como uma síndrome de inflamação-desnutrição-
aterosclerose-calcificação. Esta síndrome justifica o risco significativamente aumentado de
doença vascular acelerada presente em todos esses pacientes, que se traduz na grande
"carga" de morbimortalidade cardiovascular associada à DRC.

Video_11_R3_Clm_26

COMPONENTES DA SÍNDROME URÊMICA E SEU


TRATAMENTO

DISTÚRBIOS HIDROELETRO​LÍTICOS E ACIDOBÁSICOS

ALTERAÇÕES DE SÓDIO E ÁGUA


No indivíduo saudável, os rins mantêm o balanço corporal de sódio e água equilibrado, isto
é, a excreção urinária corresponde à ingesta (subtraídas as perdas insensíveis). A maioria
das nefropatias crônicas diminui a capacidade renal de excretar sódio, o que leva a um
aumento no volume de líquido extracelular e suas consequências ("hipervolemia", com
edema e hipertensão arterial). Em geral, este aumento é isotônico, isto é, sódio e água são
retidos em proporções isosmolares em relação ao plasma normal (a natremia permanece
inalterada). A capacidade renal de excretar água livre costuma ser relativamente poupada,
pois depende mais do manejo tubular da composição do filtrado do que da queda da TFG
em si, e por isso a ocorrência de hiponatremia (excesso de água) é incomum. Esta, no
entanto, pode ocorrer caso o paciente beba muita água ou receba soluções hipotônicas,
como o SG 5%. Se ocorrer hiponatremia, sua resolução costuma ser rápida apenas com
restrição na ingesta de água livre.

O tratamento da hipervolemia na DRC começa com restrição dietética de sódio (< 2


g/dia). Se necessário, deve-se utilizar diuréticos, com preferência pelos que atuam na alça
de Henle (ex.: furosemida). Se a resposta for parcial, pode-se aumentar a dose (em geral os
renais crônicos necessitam de doses mais elevadas de furosemida do que outros
pacientes). Se ainda assim a resposta não for satisfatória, pode-se tentar a estratégia de
bloqueio sequencial do néfron, associando diurético de alça com tiazídico (ex.: metolazona,
hidro​clorotia​zida). Hipervolemia refratária a todas essas medidas indica a necessidade de
terapia de substituição renal.

SAIBA MAIS

Os tiazídicos, isoladamente, deixam de ser eficazes a partir do estágio G3 da DRC.

Um subgrupo dos portadores de DRC possui alterações desproporcionalmente mais


intensas da função tubulointersticial e, neste caso, o contrário do que descrevemos
acontece, isto é: esses indivíduos tendem a eliminar muito sódio na urina, devido a uma
elevadíssima FENa! Trata-se da nefropatia perdedora de sal, que predispõe o paciente à
hipovolemia. Para tais indivíduos não está indicada a restrição dietética de sódio (algumas
vezes é preciso até aumentar a ingesta de sódio), muito menos diureticoterapia...

Franca hipovolemia, no entanto, não é comum no estado basal, mas quando o paciente é
acometido por condições que provocam espoliação extrarrenal de sódio e água (ex.: perda
digestiva por gastroenterite aguda), o risco de hipovolemia passa a ser significativo, já que
os rins não são capazes de reter sódio. A hipovolemia pode "agudizar" a DRC, agregando
um componente de IRA pré-renal que por sua vez pode acelerar a progressão da DRC, se
chegar a causar perda de néfrons. Nesta situação pode ser necessário ministrar solução
salina intravenosa, sempre com muito cuidado (ex.: fazendo alíquotas de 250 ml e
reavaliando o paciente após cada infusão).

ALTERAÇÕES DO POTÁSSIO
Os rins são os principais responsáveis pela excreção corporal de potássio, mas,
curiosamente, mesmo com uma queda expressiva na TFG, os níveis de potássio sérico
podem se manter estáveis. A explicação é que a aldosterona — hormônio que estimula a
secreção de potássio no néfron distal — compensa a perda de função renal aumentando a
excreção intestinal de potássio!

Não obstante, na prática, não é incomum encontrarmos hipercalemia na DRC, o que é


devido principalmente ao uso de drogas que bloqueiam o SRAA (IECA, BRA), indicadas com
o intuito de atrasar a progressão da DRC (ver adiante)! Outrossim, certas etiologias de DRC
se associam a uma tendência mais acentuada de retenção renal de potássio:

Condições que causam hipo​aldos​tero​nismo hiporreninêmico, como a nefropatia


diabética (lesão direta da arteríola aferente do glomérulo, prejudicando o funcionamento
do aparelho justaglomerular);

Condições que causam disfunção predominantemente distal do néfron, com resistência


tubular à aldosterona (ATR tipo IV), como a nefropatia obstrutiva e a nefropatia
falcêmica.

É muito raro termos hipocalemia na DRC, mas isso pode ocorrer em pacientes que
fazem acentuada restrição dietética de potássio, especialmente se eles estiverem
recebendo diureticoterapia vigorosa.

O tratamento da hipercalemia começa com a restrição de potássio na dieta (atentando para


as "fontes ocultas" de K+, como temperos e outros substitutos de sódio nos alimentos) e
com a retirada de medicamentos que possam acentuar o distúrbio (IECA, BRA,
espironolactona e outros diuréticos "poupadores de potássio"). Diuréticos caliuréticos,
como os de alça e os tiazídicos (que em geral já estão sendo utilizados para manter o
paciente euvolêmico) também devem ser prescritos. Se necessário, substâncias que
aumentam a eliminação intestinal de K+, como as resinas de troca iônica
(poliestirenossulfonato de sódio) ou quelantes (patiromer) podem ser acrescentadas. A
refratariedade a todas essas medidas é rara, mas sem dúvida indica a necessidade de
terapia de substituição renal.

ACIDOSE METABÓLICA

Lembre-se que o principal mecanismo de eliminação corporal de ácidos fixos é a excreção


renal de amônia. A amônia (NH3) se combina ao H+ formando amônio (NH4+), o que
viabiliza a secreção de grande quantidade de H+ "tamponado" na urina. A amônia é
produzida pelas células do néfron, logo, com a diminuição do número de néfrons a
capacidade de secretar amônia diminui, reduzindo a excreção total de ácidos de uma
média de 100 mEq/dia para no máximo 30–40 mEq/dia.
Num primeiro momento, a acidose metabólica da DRC é do tipo hiperclorêmica, isto é, com
ânion-gap normal. Os túbulos estão com dificuldade em eliminar H+, porém, ainda ocorre a
excreção dos ânions derivados da dissociação dos ácidos fixos. Com a evolução da DRC, no
entanto, começa a retenção dos referidos ânions, o que faz o ânion-gap aumentar. Assim, a
acidose metabólica da DRC começa como uma ATR, mas em seguida se transforma numa
acidose mista, associando o componente de ATR a um componente de ânion-gap
aumentado.

É importante compreender que mesmo graus discretos de acidose metabólica (HCO3 entre
20–23 mEq/L), de forma crônica, são prejudiciais, na medida em que aceleram o
catabolismo das proteínas musculares e, por mecanismo pouco compreendido, aceleram a
perda de função renal. Assim, a reposição de bases, feita principalmente através do uso
oral de bicarbonato de sódio (visando manter o HCO3 > 20 mEq/L), é capaz de corrigir este
problema e preservar o tecido muscular, bem como atrasar a evolução da DRC.

ALTERAÇÕES DE CÁLCIO E FÓSFORO

Tudo começa com a queda na TFG levando à retenção de fosfato (TFG < 60 ml/min/1,73 m²
). O balanço corporal positivo de fósforo acarreta dois efeitos iniciais:

Estimula os osteócitos a secretarem FGF-23**;

Estimula as paratireoides a secretarem PTH.

Os níveis de FGF-23 se elevam de forma bastante precoce na DRC, antes mesmo de surgir
hiperfosfatemia (PO4- > 4,5 mg/dl). Há fortes evidências de que seu aumento seja um fator
de risco cardiovascular independente. Assim, propõe-se que a dosagem de FGF-23 poderia
orientar o início imediato de medidas terapêuticas como a restrição de fósforo na dieta,
visando evitar o surgimento de franca hiperfosfatemia.

Na sequência, o cálcio sérico se reduz... O que explica a hipocalcemia neste cenário é:

Queda do calcitriol e consequente diminuição da absorção intestinal de cálcio —


lembrando que num primeiro momento a queda do calcitriol é mediada pelo FGF-23,
mas posteriormente decorre da própria diminuição do parênquima renal funcionante,
compondo o quadro de falência endócrina do rim;

Precipitação de fosfato de cálcio nos tecidos, graças à ligação entre o fosfato sérico
aumentado e o cálcio livre circulante. A hipocalcemia estimula as paratireoides a
secretarem PTH.

Logo, todos esses distúrbios (hiperfosfatemia, queda do calcitriol e hipocalcemia)


convergem para uma mesma consequência endócrina: hiperparatireoidismo
secundário, com aumento dos níveis de PTH (tipicamente > 100 pg/ml) e
hipertrofia/hiperplasia progressiva das paratireoides!
O hiperparatireoidismo secundário acelera o turnover ósseo, isto é, aumenta a velocidade
de reabsorção da matriz óssea pelos osteoclastos ao mesmo tempo em que aumenta a
formação de "osso novo" pelos osteoblastos. Contudo, por efeito das toxinas acumuladas
na DRC o osso novo produzido possui matriz proteica (osteoide) anômala, gerando o
chamado woven bone ("osso entrelaçado"): as fibras colágenas estruturais apresentam-se
espacialmente desorganizadas, o que reduz a resistência mecânica do tecido e aumenta a
chance de fraturas. Ademais, há um excesso de deposição de colágeno não mineralizado
(isto é, fibrose, especialmente no osso trabecular da medula óssea, que com isso se torna
resistente aos efeitos da eritropoetina), além de formação de cistos intrateciduais. Esses
cistos são preenchidos por hemorragia, daí o nome tumor marrom, devido ao seu aspecto
macroscópico. Tal quadro é conhecido como osteíte fibrosa cística, e suas principais
alterações radiológicas já foram descritas no capítulo anterior, na parte de "diferenciação
entre IRA e DRC".

SAIBA MAIS

Cumpre salientar que o PTH em si é considerado uma importante "toxina" urêmica. Níveis
muito altos induzem diretamente fraqueza muscular esquelética, anemia, fibrose
miocárdica e sintomas gerais inespecíficos.

Raramente, na DRC com hiperparatireoidismo secundário não controlado, a persistência do


estímulo trófico/funcional sobre as paratireoides (hiperfosfatemia, deficiência de calcitriol e
hipocalcemia) pode levar ao quadro de hiperparatireoidismo terciário, isto é,
transformação de uma ou mais glândulas hipertrofiadas e hiperplasiadas em adenomas
autônomos, fazendo a doença assumir um curso progressivamente refratário ao tratamento
clínico. É como se fosse um hiperparatireoidismo primário "complicando" o
hiperparatireoidismo secundário. Assim como no hiperparatireoidismo primário, o
tratamento consiste em paratireoidectomia subtotal.

O termo "osteodistrofia renal" abrange todas as manifestações ósseas clinicorradiológicas


relacionadas à doença renal crônica, o que inclui, além da osteíte fibrosa cística já citada, a
doença óssea adinâmica e a osteomalácia. Na prática, é comum que elementos de um ou
mais desses distúrbios estejam presentes no mesmo paciente, o que é chamado de
osteodistrofia urêmica mista...

A doença óssea adinâmica é vista no portador de DRC que recebe tratamento para o
hiperparatireoidismo secundário, evoluindo com supressão dos níveis de PTH (que se
tornam normais ou abaixo do normal). Sua prevalência parece estar aumentando,
provavelmente em função do maior número de pacientes que recebe tratamento para o
hiperparatireoidismo secundário.
Nesta condição, devido à ação de toxinas urêmicas, bem como à ação de citocinas
relacionadas à síndrome de resposta inflamatória sistêmica presente na DRC avançada, o
metabolismo ósseo fica reduzido ou praticamente abolido na ausência de uma
hiperestimulação pelo PTH, resultando em baixo turnover ósseo. É como se o osso — um
tecido vivo e ativo — ficasse metabolicamente "dormente"...

Na doença óssea adinâmica o paciente apresenta mais dor óssea e mais fraturas do que na
osteíte fibrosa cística (ou seja, esta forma de osteodistrofia renal é clinicamente mais
grave)! O motivo é que, devido ao baixo turnover ósseo, as microfraturas que normalmente
ocorrem no dia a dia deixam de ser reparadas, enfraquecendo o osso de uma forma
extremamente sintomática! Ocorre também perda progressiva da massa óssea, com
redução na densidade mineral tecidual.

Curiosamente, o cálcio e o fósforo mobilizados no metabolismo diário tendem a ser


"desviados" para os vasos, coração e tecidos moles, quer dizer, em vez de serem
incorporados ao osso através da mineralização do osteoide (que está reduzida na doença
óssea adinâmica) eles se depositam nos tecidos, produzindo calcificação ectópica da
parede vascular e do coração (o que parece justificar um aumento no risco cardiovascular).
Eventualmente, tais depósitos também ocorrem no tecido conjuntivo, levando à calcinose
tumoral.

O que explica esse "desvio" metabólico de minerais?

Já foi demonstrado que a hiperfosfatemia induz a expressão de genes que codificam


proteínas iniciadoras da mineralização tecidual. Tais proteínas são geralmente produzidas
por osteoblastos, porém, a hiperfosfatemia induz sua expressão nas células da parede
vascular, do coração e do tecido conjuntivo. Na doença óssea adinâmica, como não há
"competição" do osso pelos substratos minerais, a chance de calcificações extraósseas
aumenta sobremaneira.

Uma complicação temida do processo de calcificação da parede vascular é a calcifilaxia,


condição em que pequenas arteríolas cutâneas ficam com suas paredes praticamente
"ossificadas" de modo a comprometer o fluxo sanguíneo regional. Qualquer insulto que
reduza a perfusão superficial da pele (ex.: compressão extrínseca por um cateter vesical
apoiado sobre a coxa do paciente) pode culminar em focos de necrose cutânea, ou esta
pode ocorrer de forma espontânea. A calcifilaxia parece estar aumentando sua incidência,
acompanhando a crescente prevalência de doença óssea adinâmica.

O uso de warfarin é fator de risco para calcifilaxia! Uma proteína chamada GLA-1, presente
na matriz intersticial da parede vascular, responde pelo impedimento bioquímico da
precipitação local de sais de fósforo e cálcio. O problema é que esta proteína é dependente
de vitamina K, logo, sua síntese é passível de inibição pelo warfarin... Se um portador de
DRC desenvolver calcifilaxia em uso de warfarin, a droga deve ser suspensa e trocada por
outro anticoagulante...
Por fim, a osteomalácia é um quadro de deficiência na mineralização óssea relacionado à
deficiência de vitamina D e/ou resistência óssea à ação desta última. É a forma menos
comum de osteodistrofia renal.

Com relação ao tratamento, a principal medida é intervenção precoce visando à prevenção


das complicações citadas. Em todo portador de DRC devemos ter especial atenção aos
níveis séricos de fosfato, que se aumentados indicam o início de restrição dietética de
fósforo, bem como o uso de quelantes intestinais. O papel da dosagem de FGF-23 como
marcador precoce para o início deste tratamento ainda está sendo estudado.

Os quelantes são substâncias ministradas junto às refeições que têm o efeito de se


combinar ao fósforo presente nos alimentos, formando compostos inabsorvíveis que serão
eliminados nas fezes.

Os principais quelantes intestinais de fósforo são o hidróxido de alumínio, os sais de cálcio


(acetato e carbonato) e o cloridrato de sevelamer. O hidróxido de alumínio não é mais
usado em longo prazo, pois o alumínio é absorvido e pode causar encefalopatia alumínica
na DRC. Os sais de cálcio, por aumentarem a oferta de cálcio, podem causar hipercalcemia
(particularmente no paciente que também está fazendo reposição exógena de calcitriol), o
que, como vimos, promove calcificação de vasos, coração e tecidos moles, principalmente
na doença óssea adinâmica. O sevelamer é um polímero sintético que não contém cálcio,
logo, não se associa a uma maior calcificação extraóssea, o que provavelmente explica o
fato de ser a única droga para controle da hiperfosfatemia que reduz o risco cardiovascular!

O calcitriol (forma ativa da vitamina D ou 1,25-dihidroxivitamina D3), por inibir diretamente


a secreção de PTH pelas paratireoides (suprimindo a transcrição do gene desse hormônio),
deve ser acrescentado às medidas de controle da fosfatemia no paciente que persiste com
hiperparatireoidismo secundário não controlado. O problema do calcitriol é que ele também
aumenta a absorção intestinal de fósforo e cálcio. Com relação ao fósforo não costuma
haver problema porque o paciente está em uso de quelantes intestinais, porém, em relação
ao cálcio há risco de hipercalcemia, especialmente, como vimos, quando o quelante de
fósforo é justamente um sal de cálcio.

Se ocorrer hipercalcemia com a reposição de calcitriol, deve-se trocar esta medicação por
um análogo sintético que exerce o mesmo efeito de supressão da secreção de PTH pelas
paratireoides, mas com menos risco de aumentar a absorção intestinal de cálcio, como o
paricalcitol. Opcionalmente, podemos lançar mão da classe dos calcimiméticos, isto é,
drogas que estimulam o sensor extracelular de cálcio das células paratireoidianas,
"sensibilizando" a glândula aos níveis de cálcio livre circulante, o que reduz o PTH e
consequentemente a calcemia. Como membro desta última classe citamos o cinacalcet.

O principal objetivo terapêutico da osteodistrofia renal consiste no controle dos níveis de


PTH. A meta é manter PTH entre 150-300 pg/ml.
Atenção para o detalhe: a decisão de modificar o tratamento clínico do
hiperparatireoidismo secundário, por exemplo, acrescentando calicitriol/paricalcitol ou
calcimiméticos não deve ser tomada com base em uma única dosagem de PTH elevada!
É preciso que o aumento seja comprovadamente progressivo... O motivo é que um valor
alto isolado pode ser apenas transitório (principalmente quando leve a moderado),
refletindo uma resposta adaptativa à progressão da DRC, com posterior retorno aos
valores prévios mais baixos.

Ressalta-se que um nível de PTH entre 150–300 pg/ml está acima do normal, porém, para o
portador de DRC (devido à resistência do tecido ósseo ao PTH induzida pelas toxinas
urêmicas e pelas citocinas inflamatórias) trata-se de uma faixa de valores razoável visando
manter o turnover ósseo o mais próximo do normal quanto possível, quer dizer, valores de
PTH < 100–150 pg/ml se associam a maior risco de doença óssea adinâmica.

Video_12_R3_Clm_26

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022


ASSOCIAÇÃO MÉDICA DO RIO GRANDE DO SUL – AMRIGS

Sobre a Doença Renal Crônica, analise as assertivas a seguir:

I. Hipertrigliceridemia é a alteração lipídica mais frequente.

II. Risco de sangramento se deve à plaquetopenia, independentemente da função


plaquetária.

III. Hiperparatireodismo secundário ocorre pela retenção renal de fósforo.

Quais estão CORRETAS?

a) Apenas I e II.

b) Apenas II e III.

c) Apenas I e III.

d) I, II e III.

ALTERAÇÕES CARDIO​VASCULARES

Complicações cardiovasculares, com destaque para IC e DAC, representam as principais


causas de morte em todos os estágios da DRC! O risco cardiovascular é proporcional ao
estágio da DRC, sendo de 20–200x maior que o da população geral. De fato, a maioria dos
pacientes não chega aos estágios mais avançados da doença renal por sucumbir a um
evento cardiovascular agudo antes que isso aconteça.
O que explica este grande aumento no risco cardiovascular é a frequente coexistência de
fatores de risco "tradicionais" e "não tradicionais" (estes últimos atribuíveis à disfunção
renal crônica). Fatores de risco tradicionais (HAS, DM, dislipidemia) são muito mais
prevalentes nos portadores de DRC, não apenas porque constituem as principais causas de
doença renal como também porque tendem a ser exacerbados pela perda da função renal!
Na vigência de disfunção renal significativa, no entanto, surgem outros fatores de risco
específicos: anemia, hiperfosfatemia, aumento do FGF-23, inflamação sistêmica,
hiperparatireoidismo, entre outros.

A inflamação sistêmica crônica é um importante fator de risco na medida em que se


associa à aterosclerose acelerada. A hiperfosfatemia, como vimos, estimula a ativação de
genes que promovem calcificação da parede vascular, o que parece aumentar ainda mais o
risco de eventos isquêmicos. A combinação de hiperfosfatemia com inflamação sistêmica
potencializa a "ossificação" dos vasos: a queda de proteínas plasmáticas como a fetuína,
que acompanha a inflamação, favorece a deposição de sais de fosfato de cálcio na parede
arterial!

Nas fases mais avançadas da DRC (estágio G5), a principal causa de óbito é a
insuficiência cardíaca. Tais pacientes apresentam mais isquemia coronariana grave (não
raro com sequelas de infartos prévios), mais hipertensão arterial sistêmica e hipervolemia
(mais congestão), mais HVE e fibrose miocárdica por efeito direto da HAS crônica bem
como de múltiplas toxinas urêmicas (incluindo o PTH), além de mais disfunção dos
cardiomiócitos, tanto sistólica quanto diastólica (também por efeito de toxinas urêmicas). A
anemia igualmente contribui para o surgimento de HVE, IC e isquemia miocárdica nesses
doentes. Existe ainda a possibilidade de ocorrer um componente "não cardiogênico" para o
edema pulmonar: no "pulmão urêmico", toxinas nitrogenadas aumentam a permeabilidade
da membrana alveolocapilar, podendo causar transudação de líquido para os alvéolos
mesmo na presença de baixas pressões de enchimento cardíaco. Tudo isso combinado
explica o grande impacto que a IC exerce na morbimortalidade da DRC avançada!

O portador de DRC avançada é particularmente suscetível a um risco aumentado de morte


súbita durante as sessões de hemodiálise: mudanças bruscas no volume intravascular
podem provocar episódios de isquemia miocárdica aguda, desencadeando arritmias
ventriculares malignas! A coexistência de neuropatia autonômica potencializa este risco, na
medida em que os reflexos de proteção da perfusão de órgãos nobres frente à hipovolemia
(ex.: vasoconstrição periférica) podem estar diminuídos/abolidos.
As troponinas cardioespecíficas encontram-se aumentadas na DRC devido a uma
menor eliminação renal (o que inclusive constitui fator de mau prognóstico cardíaco).
Logo, o diagnóstico de IAM é dificultado por esta peculiaridade, pois num paciente que
se apresenta com suspeita de síndrome coronariana aguda a primeira dosagem de
troponina alterada não necessariamente confirma a existência de IAM... Como proceder
então? Recomenda-se, nesta situação, fazer dosagem seriada do marcador! Aumentos
significativos entre uma dosagem e outra (> 20% em 3–6h) essencialmente selam o
diagnóstico de IAM.

Aqui vale comentar sobre um detalhe curioso: o fenômeno da causalidade reversa


(reverse causation). No paciente em programa de diálise, a sobrevida tende a ser maior
quando o paciente é hipertenso, obeso e dislipidêmico comparado ao paciente com pressão
normal ou baixa, magreza e hipolipemia. A explicação é que estes últimos doentes têm pior
função ventricular esquerda (sendo incapazes de produzir HAS) e encontram-se mais
desnutridos devido à síndrome de inflamação-desnutrição. Logo, isso não significa que HAS,
obesidade e dislipidemia não devam ser tratadas, pelo contrário: é preciso controlar tais
fatores de risco, de modo a justamente impedir a evolução para um estágio mais debilitado
em que o paciente se apresenta com hipotensão, magreza e hipolipemia...

Uma das condutas terapêuticas mais importantes na DRC é o controle da pressão arterial,
que além de evitar a ocorrência de dano renal adicional também protege contra as doenças
cardiovasculares em geral. A meta é uma PA < 130 x 80 mmHg.

Em alguns pacientes, o controle pressórico consegue ser obtido somente com medidas de
controle da volemia, como restrição de sal na dieta. No entanto, em geral é preciso associar
anti-hipertensivos, e as drogas de primeira linha são os IECA ou os BRA, que além de
reduzirem a PA também reduzem a hipertensão intraglomerular, a hiperfiltração e,
consequentemente, a progressão da GESF secundária por sobrecarga dos néfrons
remanescentes, fenômeno chamado de "nefroproteção". Se ainda assim a PA não for
controlada, outras drogas de primeira linha podem ser associadas (ex.: bloqueadores de
canais de cálcio).

Os IECA e os BRA, ao bloquearem a vasoconstrição da arteríola eferente do glomérulo (ação


da angiotensina II), bloqueiam em parte o mecanismo de autorregulação da TFG. Sabemos
que na DRC, independentemente da etiologia, a sobrecarga compensatória dos néfrons
remanescentes depende do recrutamento do mecanismo de autorregulação da TFG. Logo,
é esperada uma queda na TFG com o uso dessas drogas! Quedas < 30% do basal são
consideradas "salutares" e demonstram que a nefroproteção está instaurada. Todavia,
quedas progressivas que ultrapassam 30% do basal indicam a impossibilidade de se utilizar
IECA ou BRA, sendo necessário suspender a medicação (não adianta trocar por outro
membro do mesmo grupo, pois se trata de efeito de classe). Nos pacientes com doença
renovascular grave (ex.: estenose de artéria renal bilateral ou em rim único), a queda na
TFG pode ser rápida e intensa, desencadeando IRA grave.
Outro problema relacionado ao uso de IECA ou BRA na DRC é a possibilidade de
hipercalemia (por diminuição dos níveis de aldosterona). A hipercalemia, a princípio, pode
ser manejada com medidas concomitantes, como restrição de potássio na dieta,
diureticoterapia e quelantes intestinais de potássio. Na persistência a despeito de tais
condutas, o IECA ou BRA também precisa ser suspenso!

Por fim, no paciente que está em programa de diálise o controle da volemia é feito por
meio de restrição dietética de sódio e ultrafiltração (retirada de sal e água do sangue). Boa
parte dos doentes continua apresentando HAS apesar da euvolemia promovida pela diálise,
provavelmente por desequilíbrios entre substâncias vasodilatadoras (cujos níveis
diminuem) e vasoconstritoras (cujos níveis aumentam) em função da DRC. Desse modo,
mesmo no paciente em diálise, é comum a necessidade de drogas anti-hipertensivas!
Neste cenário, qualquer droga de primeira linha pode ser usada. Os IECA ou BRA não
trazem mais a vantagem adicional da nefroproteção... Todavia, é muito comum manter o
uso de IECA ou BRA, pois, em geral, a HAS em tal contexto é em grande parte devida a um
acúmulo de angiotensina II.

A hipercolesterolemia deve ser tratada com medidas dietéticas e farmacológicas. As drogas


de escolha são as estatinas, associadas ou não ao ezetimibe. Basicamente todas as
estatinas podem ser empregadas, desde que sua dose seja corrigida para o grau de
disfunção renal. A única estatina cuja eliminação é predominantemente hepática (e que por
isso costuma ser preferida no contexto da DRC) é a atorvastatina. Alguns estudos sugerem
benefícios adicionais da atorvastatina na DRC, como redução da proteinúria e preservação
da função renal residual.

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2019


HOSPITAL DAS CLÍNICAS DO PARANÁ – HC – UFPR

Qual é a segunda causa mais comum de mortalidade em pacientes com doença renal
crônica em estágio final?

a) Hipercalemia.

b) Doença cardiovascular.

c) Complicações infecciosas.

d) Hemorragia digestiva.

e) Acidose metabólica grave.

ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS

Duas alterações hematológicas sobressaem na DRC: anemia e disfunção plaquetária


(distúrbio da hemostasia primária).
A anemia da DRC é multifatorial, mas sua principal causa é o deficit de eritropoetina, um
hormônio produzido pelas células do parênquima renal que tem sua síntese diminuída na
medida em que os néfrons são perdidos e substituídos por fibrose. A anemia começa a
aparecer ao longo do estágio G3, sendo universal no estágio G4.

Trata-se de uma anemia tipicamente normocítica e normocrômica, com frequência


sintomática (fadiga, deficit cognitivo, aumento no risco de infecções e hemorragias), que
também contribui para o aumento no risco cardiovascular (angina, IC). A anemia da DRC
não responde à diálise, pois é um distúrbio relacionado à perda da função endócrina do rim,
e não da função filtrativa...

SAIBA MAIS

A deficiência de eritropoetina é relativa, isto é, seus níveis até podem estar acima do
valor de referência, mas encontram-se sempre abaixo do esperado para o grau de
anemia que o paciente apresenta.

Outros fatores contribuintes para a fisiopatogênese da anemia na DRC são:

Perda sanguínea — hemorragia digestiva, distúrbio plaquetário associado, coletas


frequentes de sangue e/ou perdas pelo circuito de hemodiálise;

Redução na meia-vida das hemácias, por efeito de toxinas urêmicas;

Desnutrição com deficiência de ferro, ácido fólico e/ou vitamina B12;

Inflamação sistêmica;

Fibrose da medula óssea mediada pelo excesso de PTH — os itens 4 e 5 justificam um


fenômeno de "resistência da medula óssea" à eritropoetina (tanto endógena quanto
exógena).

O tratamento é feito com eritropoetina recombinante exógena (EPO) ou análogos (ex.:


moléculas de meia-vida mais longa como a darbopoetina, que permitem administração
subcutânea semanal). A indicação para seu início é Hb < 10 g/dl, sendo a meta manter a
Hb entre 10–11,5 g/dl. Valores de Hb > 12 g/dl aumentam a pressão arterial e o risco
cardiovascular, além de não trazerem benefício sintomático adicional. O ideal é não
recorrer à hemotransfusão, pois isso pode sensibilizar o paciente contra aloantígenos que
posteriormente dificultarão a realização de um transplante renal, aumentando o risco de
rejeição ao enxerto. O principal resultado terapêutico da EPO é a melhora na qualidade de
vida. Não há evidências de que a EPO exógena aumente a sobrevida na DRC de forma
significante.
Antes de prescrever EPO é preciso se certificar de que os estoques endógenos de ferro são
adequados, pois de outro modo o paciente não responderá à EPO de maneira satisfatória.
Como regra, é preciso ter saturação de transferrina > 20% e níveis de ferritina > 100
ng/ml. Assim, em geral será preciso repor ferro para o paciente. No tratamento
conservador ou diálise peritoneal, a via de escolha é oral. No paciente em hemodiálise, o
ferro é ministrado pela via intravenosa durante o procedimento.

A resistência à EPO a despeito da presença de estoques corporais adequados de ferro deve


motivar a investigação para doenças inflamatórias sistêmicas, incluindo condições
autoimunes não controladas, infecções e neoplasias. Outra situação que justifica a
resistência, como vimos, é o hiperparatireoidismo não controlado (toxicidade medular do
PTH). Por fim, outra possibilidade a ser considerada é uma dose subótima de diálise.

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022


ASSOCIAÇÃO MÉDICA DO PARANÁ – AMP

Sr. Nivaldo, 72 anos, DM II e HAS de longa data consultou com médico de família por
conta de meses de hiporexia e repulsa à proteína de origem animal. Antes, um
entusiasta de churrasco, já não podia nem ouvir falar no assunto. Também percebeu
estar mais edemaciado e o diurético que fazia uso não dava mais conta de controlar o
inchaço”. Exames mostraram ureia 210 mg/dl, creatinina 6,2 mg/dl, potássio sérico 6,4
mmol/L e hemoglobina 8,2 g/dl. Ultrassonografia de aparelho urinário evidenciou sinais
de doença renal crônica. Encaminhado ao nefrologista que, constatando DRC em estadio
terminal, indicou hemodiálise. De forma inocente, Sr. Nivaldo acreditando que a
hemodiálise isoladamente resolveria todos seus problemas, não fez uso de qualquer
farmacoterapia que o nefrologista indicou. Das alterações que apresentava antes de
iniciar as sessões de hemodiálise, qual provavelmente não melhorou após o tratamento
dialítico?

a) Edema.

b) Anemia.

c) Hipercalemia.

d) Ureia elevada.

e) Creatinina elevada.
Com relação à disfunção plaquetária, espera-se seu surgimento somente em fases
avançadas da uremia crônica. Suas manifestações clínicas se traduzem numa tendência ao
sangramento mucocutâneo espontâneo (equimoses, epistaxe, gengivorragia, menorragia)
ou após pequenos traumas. O tempo de sangramento encontra-se prolongado, com
contagem plaquetária normal. Exames específicos (ex.: tromboelastograma) revelam um
distúrbio na adesividade e capacidade de agregação plaquetária. Paradoxalmente, a
despeito do distúrbio na hemostasia primária, existe também uma tendência trombofílica
na DRC, com aumento no risco de trombose venosa profunda! Tal predisposição tende a
ser exacerbada na presença de certas alterações como a proteinúria na faixa nefrótica.

Para controle do distúrbio da hemostasia primária, é muito importante tratar a anemia.


Sabemos que no interior dos vasos o fluxo de sangue é laminar, com as hemácias fluindo
nas camadas mais internas da coluna líquida e as plaquetas nas camadas mais externas. A
queda do hematócrito modifica essa disposição espacial, fazendo as plaquetas fluírem em
camadas mais internas da coluna líquida (o que as afasta da superfície endotelial e dificulta
sua adesão ao subendotélio de vasos lesados). Ao se corrigir a anemia as plaquetas são
"empurradas" para a periferia, restaurando sua capacidade de adesão à parede vascular
quando necessário.

Além de correção da anemia, a remoção de toxinas urêmicas (diálise) é fundamental para a


normalização do tempo de sangramento. Se houver hemorragia aguda, medidas que
aumentam transitoriamente a função plaquetária, como o uso de DDAVP, estrogênios
conjugados ou transfusão de crioprecipitado podem ser consideradas de acordo com o
contexto clínico.

Como vimos, além do defeito na hemostasia primária, o portador de DRC também está
propenso ao surgimento de complicações tromboembólicas. A decisão de anticoagular
esses pacientes deve ser individualizada, pois a relação risco-benefício tende a ser
desfavorável, já que a chance de eventos hemorrágicos está aumentada.

Caso se opte pela anticoagulação (ex.: FA com evento cardioembólico), é importante


lembrar que a heparina de baixo peso molecular (ex.: enoxaparina) deve ser evitada ou ter
sua dose ajustada de acordo com a monitorização dos níveis de antifator Xa (exame pouco
disponível na prática). Por este motivo, prefere-se a tradicional heparina não fracionada,
cuja dose é mais facilmente titulada pelo tempo de tromboplastina parcial ativada (PTTa).
Todos os novos anticoagulantes orais têm eliminação renal, logo, também devem ser
evitados. O warfarin pode ser utilizado, lembrando que na presença de hiperfosfatemia não
controlada o risco de calcifilaxia aumenta com seu uso.

Video_13_R3_Clm_26
RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022
HOSPITAL SÍRIO LIBANÊS – HSL-SP

A conduta mais simples, de ação mais rápida e provavelmente de menor toxicidade para
tratamento agudo da disfunção plaquetária em urêmicos é:

a) Hemodiálise.

b) Estrógeno.

c) Desmopressina.

d) Crioprecipitado.

e) Salicilato.

ALTERAÇÕES NEURO​MUSCULARES

O SNC, os nervos periféricos e autonômicos, bem como os próprios músculos são "alvos"
frequentes das toxinas da síndrome urêmica.

Manifestações clínicas sutis relativas ao SNC costumam aparecer ao longo do estágio G3,
como distúrbios do sono e da memória. Cãibras e soluços aparecem num estágio
intermediário, e nas fases avançadas ocorre franca encefalopatia, com confusão mental,
flapping, mioclônus, convulsões e coma. O único tratamento eficaz é a terapia de
substituição renal.

Ao longo do estágio G4 sobressaem os distúrbios dos nervos periféricos, tipicamente uma


polineuropatia sensitiva distal de predomínio nos membros inferiores. A síndrome das
pernas inquietas é um comemorativo frequente. Na ausência de outras causas para a
neuropatia periférica (ex.: DM), existe indicação de iniciar a terapia de substituição renal.

ALTERAÇÕES GASTRO​INTESTINAIS

O paciente urêmico possui hálito característico (fetor hepaticus — um cheiro de urina)


devido à transformação da ureia em amônia na saliva por ação de bactérias da microbiota
oral. Tal fenômeno também justifica a queixa de disgeusia (sensação de gosto metálico
desagradável).

A incidência de doença ulcerosa péptica está aumentada por conta da hiperacidez gástrica
que acompanha a DRC. A explicação é que há menor metabolização da histamina, um
estimulante da secreção de ácido pelas glândulas oxínticas do estômago. Desse modo, dor
abdominal, náuseas, vômitos e hemorragia digestiva são manifestações frequentes,
potencializadas pela encefalopatia urêmica e pelo distúrbio da hemostasia coexistentes.
A neuropatia autonômica predispõe à constipação intestinal, e esta é potencializada pelo
uso de ferro e/ou cálcio oral.

Por todos esses motivos, o risco nutricional do paciente está aumentado, já que a baixa
ingesta oral, aliada à síndrome inflamatória sistêmica, predispõe à desnutrição
proteicocalórica. Algumas ferramentas podem nos auxiliar na avaliação da perda de massa
magra (isto é, livre de edema) como a absorciometria por raios X de dupla energia
(Dual-Energy X-Ray Absorptiometry ou DEXA). Desnutrição refratária é uma das indicações
de se iniciar diálise na DRC.

ALTERAÇÕES NO METABOLISMO INTERMEDIÁRIO

Os níveis de insulina aumentam na medida em que a DRC progride, devido à menor


degradação renal do hormônio. Por este motivo, é comum que diabéticos usuários de
insulina comecem a apresentar hipoglicemias recorrentes com o avançar da doença renal,
devendo, nestes casos, reduzir a dose da medicação (eventualmente suspendê-la por
completo). Vários hipoglicemiantes orais também têm sua toxicidade aumentada na DRC,
como as sulfonilureias, gliptinas e, claro, a metformina (biguanida) que deve ser suspensa
no paciente com TFG < 30 ml/min/1,73 m². Com TFG entre 30–60 ml/min/1,73 m², a
metformina pode ser usada com limitação da dose máxima (que passa a ser de 1.000
mg/dia em vez de 2.550 mg/dia). Com TFG > 60 ml/min/1,73 m², não há restrições ao uso
da metformina.

A nova classe dos hipoglicemiantes orais inibidores do SGLT-2 (ex.: empagliflozina) é


benéfica em termos de redução do risco renal e também do risco cardiovascular! Além
de reduzir a glicemia, tais drogas, ao promoverem glicosúria e natriurese, reduzem a
tendência hipervolêmica e o risco de descompensação cardíaca, bem como restauram o
balanço tubuloglomerular produzindo vasoconstrição da arteríola aferente do glomérulo
de modo a reduzir a hiperfiltração glomerular mal adaptativa. Se iniciados nas fases
precoces da nefropatia diabética, os iSGLT-2 protegem contra a evolução da perda de
função renal! Não obstante, é importante ter em mente que tais medicamentos devem
ser evitados na vigência de DRC avançada (contraindicação absoluta se TFG < 30
ml/min/1,73 m²).
RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2019
HOSPITAL ANGELINA CARON – HAC-PR

O diabetes tipo 2 é uma doença altamente prevalente no Brasil e no mundo. Há várias


classes de medicamentos que podem ser utilizadas para tratamento do diabetes tipo 2,
uma delas seria os inibidores do cotransportador renal sódio-glicose tipo 2, conhecidos
como inibidores SGLT-2, como empagliflozina e canagliflozina. Sobre essa classe de
medicamentos, podemos afirmar, EXCETO:

a) O cotransportador SGLT-2 se localiza na região S1 do túbulo proximal e é responsável


pela absorção de sódio juntamente com a glicose.

b) Seu efeito em reduzir a glicemia é independente da insulina, portanto, não é uma


medicação que costume causar hipoglicemias.

c) Os inibidores SGLT-2 causam redução da pressão arterial e redução de peso.

d) Essa classe pode ser utilizada em pacientes no estágio IV de doença renal crônica.

e) Uma complicação relacionada ao tratamento com essas drogas é a cetoacidose


diabética "euglicêmica", com glicemias inferiores a 250 mg/dl.

ALTERAÇÕES SEXUAIS E REPRODUTIVAS

Os hormônios sexuais, estrogênio e testosterona, têm seus níveis séricos reduzidos na DRC.
Na mulher, a queda do estrogênio promove irregularidade menstrual, infertilidade e alto
risco gestacional. Por exemplo: com TFG em torno de 40 ml/min/1,73 m² apenas 20% das
gestações resultam em nascidos vivos! A própria gestação, ao promover hiperfiltração
glomerular como parte das alterações fisiológicas do organismo materno, acelera a perda
de função renal na DRC. No homem, a queda da testosterona resulta em queda da libido e
oligoespermia, culminando em impotência sexual e infertilidade. Nas crianças e
adolescentes, tais fenômenos prejudicam o amadurecimento sexual. Tais alterações
costumam melhorar com a diálise e, particularmente, com o transplante renal.

ALTERAÇÕES DERMA​TOLÓGICAS

O prurido é uma das queixas mais incômodas e prevalentes da DRC avançada! Costuma ser
refratário ao tratamento (inclusive à diálise), e está muito relacionado à duração e
gravidade da hiperfosfatemia. Na síndrome urêmica é comum o acúmulo de metabólitos
pigmentados na derme — os urocromos — causando um escurecimento cutâneo
característico.
Uma condição rara, porém, muito temida na atualidade, devido a sua gravidade e ausência
de tratamento, bem como ao fato de ser uma iatrogenia passível de prevenção, é a fibrose
sistêmica nefrogênica. Trata-se de um quadro de fibrose progressiva e espontânea de
partes moles que acomete todo o corpo, especialmente os membros, podendo afetar
também órgãos internos e levar à morte. Sua causa é a exposição ao gadolínio, contraste
utilizado nos exames de ressonância magnética que se deposita na pele (onde desencadeia
uma reação fibrodisplásica) na vigência de disfunção renal.

Recomenda-se que o gadolínio seja evitado em pacientes com DRC estágio G3 (TFG 30–59
ml/min/1,73 m²). Nos estágios G4–5 (TFG < 30 ml/min/1,73 m²), o gadolínio não deve ser
usado. Caso a exposição aconteça, deve-se submeter o paciente à hemodiálise logo após o
exame, com o intuito de remover o máximo possível da substância e, pelo menos, mitigar
as consequências devastadoras da fibrose sistêmica nefrogênica.

Video_14_R3_Clm_26

AJUSTE NA DOSE DE MEDI​CAMEN​TOS


Um grande número de drogas possui excreção eminentemente renal. Usuários dessas
medicações necessitam ajustar sua posologia, o que é feito de forma individualizada para
cada droga de acordo com a TFG estimada. Um dado interessante é que a dose de ataque,
isto é, a dose recomendada quando se inicia o tratamento, por padrão, não é calculada
levando-se em conta a TFG, logo, ela não precisa ser modificada! O que se ajusta são as
doses subsequentes, de manutenção...

Drogas cuja eliminação é feita em > 70% por via não renal (ex.: hepática), em geral, não
precisam de ajuste posológico na DRC.

TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL NA DRC


As principais indicações para início imediato da terapia de substituição renal (diálise ou
transplante) na DRC são:

TABELA 2: PRINCIPAIS INDICAÇÕES DE TSR NA DRC.

➤ Encefalopatia urêmica;

➤ Pericardite urêmica;

➤ Desnutrição;

➤ Náuseas e vômitos não relacionados a outras causas (ex.: úlcera péptica);

➤ Cãibras musculares intratáveis;

➤ Distúrbios hidro​eletro​líticos, acido​básicos ou volêmicos intratáveis.


Atualmente, porém, se valoriza o conceito de "início saudável", isto é, o paciente deve
começar os preparativos para o início da terapia de substituição renal antes de chegar às
fases mais avançadas e sintomáticas da DRC (ex.: confeccionar uma fístula arteriovenosa e
garantir sua maturação e funcionamento no estrato inferior da TFG do estágio G4,
geralmente quando a expectativa é que o paciente venha a necessitar de diálise após os
próximos seis meses). Quando tudo estiver pronto e a doença inexoravelmente
progredir, a terapia de substituição renal poderá ser iniciada com calma e segurança, sem
permitir que o paciente experimente sintomas ou seja exposto aos riscos inerentes à
hemodiálise de urgência através de cateter venoso profundo (ex.: infecção da corrente
circulatória).

Não há evidências definitivas de que tal conduta resulte em maior sobrevida para o
portador de DRC, no entanto, sem dúvida, ela acarreta menos morbidade! Muitos pacientes
que alegam ser assintomáticos, na verdade, estão vivendo uma vida bastante limitada
devido a sintomas com os quais já se acostumaram e sequer são percebidos como tal. Eles
só se dão conta disso quando começam a diálise ou são submetidos ao transplante renal: a
grande melhora na qualidade de vida deixa claro que eles estavam muito doentes e não
sabiam!

Conforme será visto no capítulo a seguir, existem diversas modalidades de terapia de


substituição renal, como hemodiálise (domiciliar ou no centro médico), diálise peritoneal e
transplante renal. A preferência, sempre que possível, é pelo transplante, já que este é o
procedimento que restaura de forma mais completa todas as funções renais (os métodos
dialíticos resolvem apenas a perda da função de filtro).

Na prática, a maioria dos doentes acaba fazendo diálise por algum tempo antes de receber
um transplante. Contudo, cada vez mais, tem-se buscado o chamado transplante
preemptivo, isto é, realizar o transplante como forma inicial de terapia de substituição
renal. Tal conduta, em geral, só é possível quando o paciente está sendo precocemente
preparado e existe um doador vivo compatível.
RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP

O momento ideal para confecção de uma Fístula Arteriovenosa (FAV) em paciente com
Doença Renal Crônica (DRC) que necessite de hemodiálise é:

a) Após o início da hemodiálise, pois sua confecção precoce aumenta a chance de


trombose da mesma.

b) Simultaneamente à indicação do início da hemodiálise, pois seu uso pode ser


imediato.

c) No momento do diagnóstico da DRC, independentemente do estágio da doença, pois


a qualquer momento pode haver súbita piora da função renal.

d) A confecção da FAV deve sempre suceder o cateter de longa permanência.

e) Ao menos seis meses antes do provável início da hemodiálise, já que ela não poderá
ser usada de imediato.

TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL

QUADRO DE RESUMO

O objetivo deste capítulo é explicar, da forma mais simplificada possível, o método


dialítico e suas principais variantes. Também é importante pontuar as indicações de
diálise (agudas e crônicas) e as mais frequentes complicações de cada método. Por
fim, falaremos sobre transplante renal, uma forma de terapia de substituição renal que,
no geral, é sempre preferível aos métodos dialíticos na DRC.

Video_15_R3_Clm_26

DEFINIÇÃO E TIPOS
Do ponto de vista médico, diálise é um método de depuração de substâncias do plasma
pelo fenômeno de difusão passiva através de uma membrana semipermeável. Para que a
difusão ocorra, é preciso que a membrana semipermeável se interponha entre o sangue do
paciente e uma solução isenta das substâncias que se quer depurar (solução de diálise ou
dialisado). Existem dois modos de se fazer isso:
➤ Hemodiálise (HD): o processo é realizado num circuito extracorpóreo, utilizando-se
uma membrana artificial. É preciso puncionar um vaso sanguíneo do paciente a fim de
"puxar" o sangue para o circuito, devolvendo-o posteriormente ao intravascular. A
membrana semipermeável constitui a parede de vasos capilares que compõem o filtro de
diálise. O sangue passa dentro desses capilares, e a solução de diálise banha o seu
exterior, sendo renovada de forma contínua, o que garante a manutenção de um
gradiente físico-químico que viabilize a ocorrência do fenômeno de difusão passiva.

A direção do fluxo do dialisado é contrária à direção do fluxo de sangue nos capilares do


filtro. Com este mecanismo, chamado de contracorrente, consegue-se manter constante
o gradiente físico-químico entre o sangue e a solução de dialisado, de modo a manter a
difusão passiva por toda a extensão dos capilares do filtro. Observe a Figura 1.

Figura 1.

➤ Diálise Peritoneal (DP): o processo de diálise é realizado dentro do próprio corpo,


utilizando-se o peritônio como membrana semipermeável. O peritônio é extremamente
vascularizado, contendo capilares de permeabilidade acentuada, e banhado
externamente pelo líquido peritoneal. Podemos infundir a solução de diálise dentro da
cavidade peritoneal, induzindo ascite. As substâncias se difundem do sangue (que passa
pelos capilares peritoneais) para a cavidade peritoneal (que contém a solução de diálise),
através do peritônio. Depois de um tempo suficiente para a difusão das substâncias do
plasma para a solução de diálise, esta é retirada, sendo trocado por uma nova solução.
ASPECTOS FISIOLÓGICOS

REMOÇÃO DE TOXINAS
Que substâncias são depuradas na diálise?

Hoje sabemos que uma série de escórias nitrogenadas, além de ureia e creatinina, se
acumula na insuficiência renal. A exata relação entre seus níveis séricos e os sinais e
sintomas de síndrome urêmica ainda não é bem conhecida, porém, a maior parte delas
apresenta peso molecular < 200 da, o que as torna dialisáveis, pois o seu tamanho é
inferior ao dos poros do filtro de diálise. De uma forma geral, podemos dizer que a rapidez
de depuração de uma determinada substância pela diálise é maior quanto menor for o seu
peso molecular e tamanho em relação aos poros do filtro. Por isso, a ureia (peso = 60 da) é
eliminada mais rapidamente do que a creatinina (peso = 113 da).

Algumas moléculas de maior peso (entre 200 e 500 dáltons) são mais bem depuradas pela
diálise peritoneal do que pela hemodiálise, pois os poros dos capilares do peritônio
permitem a passagem de moléculas de maior tamanho. Como veremos adiante, métodos
semelhantes à hemodiálise, como a hemofiltração e a hemodiafiltração, são capazes de
depurar substâncias maiores do que 200 da, como, por exemplo, algumas toxinas da sepse.

CONTROLE ELETROLÍTICO E ACIDOBÁSICO


A diálise tem papel fundamental no controle hidroeletrolítico e acidobásico. A solução de
diálise é preparada com concentrações eletrolíticas próximas às concentrações plasmáticas
normais. Quando o sangue está separado dessa solução pela membrana semipermeável, as
concentrações tendem a se equilibrar. O equilíbrio não é completo, devido ao pequeno
tempo de exposição, porém, é intensificado pelo fluxo contracorrente da solução de diálise.

Na maioria das vezes, a solução de diálise não contém K+ nem fosfato, pois esses
eletrólitos costumam estar em níveis muito aumentados na insuficiência renal grave e
devem ser intensamente depurados. Algumas vezes, entretanto, a diálise pode causar
hipocalemia ou hipofosfatemia, principalmente se o nível sérico prévio desses eletrólitos
não estiver muito elevado ou quando a diálise é feita no método contínuo (ver adiante).
Atualmente, considera-se conveniente uma concentração de K+ de 2,0 mEq/L na solução de
diálise. Um exemplo típico de solução de HD é apresentado a seguir:
Figura 2.

Antigamente, no lugar do bicarbonato se utilizava acetato ou lactato como bases, sendo


ambos convertidos em bicarbonato no fígado na proporção de 1:1. Colocar bicarbonato na
mesma solução com o cálcio induz a precipitação de carbonato de cálcio. Recentemente,
porém, criaram-se meios de utilizar bicarbonato na solução de hemodiálise: as máquinas de
HD microprocessadas são capazes de liberar o bicarbonato de forma a evitar sua interação
com o cálcio. O bicarbonato é uma base melhor do que o acetato e o lactato, pois o acetato
está associado à hipotensão na HD e o lactato pode piorar a acidose láctica em indivíduos
em choque circulatório e/ou com insuficiência hepática.

ULTRAFILTRAÇÃO
A diálise é um processo de remoção de solutos. Contudo, durante a diálise também é
possível remover líquido, através da chamada ultrafiltração. O princípio físico que rege o
processo de ultrafiltração é o gradiente de pressão entre o capilar e a solução de
diálise. Este gradiente é favorecido pela pressão hidrostática do capilar e pela pressão
osmótica da solução.

ULTRAFILTRAÇÃO NA HEMODIÁLISE

Quando o sangue atinge os capilares do filtro de hemodiálise existe um gradiente de


pressão hidrostática entre o sangue e a solução de diálise, chamado de Pressão
Transmembrana (PTM). Este gradiente é o principal determinante da ultrafiltração na
hemodiálise, sendo contrabalançado apenas pela pressão oncótica do plasma (em torno de
25 mmHg, se a proteinemia estiver normal). A ultrafiltração, portanto, é maior na parte
proximal do filtro, pois à medida em que o líquido vai sendo filtrado, a concentração de
proteína do sangue vai aumentando, reduzindo a ultrafiltração pelo efeito da maior pressão
oncótica.

Existe um Coeficiente de Ultrafiltração (KUf) próprio do filtro, dado em ml/h/mmHg.


Podemos utilizar este coeficiente para calcular qual a pressão hidrostática (PTM) devemos
manter dentro do capilar para que seja ultrafiltrada determinada quantidade de líquido na
sessão dialítica:
Figura 3.

Exemplo:

Ultrafiltrar 4.000 ml em 6h de diálise;

KUf = 2,0 ml/h/mmHg;

PTM = 4.000/(2 x 6) = 330 mmHg.

ULTRAFILTRAÇÃO NA DIÁLISE PERITONEAL

A pressão hidrostática dos capilares peritoneais não pode ser ajustada. Portanto, a melhor
maneira que temos para influir na quantidade de volume líquido ultrafiltrado na diálise
peritoneal é aumentando ou diminuindo a pressão osmótica da solução de diálise. Isso é
feito utilizando-se diferentes concentrações de glicose nas soluções para diálise peritoneal.
Existem dois tipos de solução em relação à concentração de glicose: 1,5 e 4,25%,
contendo, respectivamente, 1.500 mg/dl e 4.250 mg/dl de glicose. Misturando as duas
soluções em partes iguais, teremos uma solução a 2,5% ou 2.500 mg/dl. Quanto maior a
concentração de glicose na solução de diálise peritoneal, maior a quantidade de líquido
ultrafiltrado.

Video_16_R3_Clm_26

LIMITAÇÕES DA DIÁLISE
A principal limitação é a ineficácia na depuração das toxinas de maior tamanho e peso
molecular. Alguns produtos tóxicos encontram-se fortemente ligados às proteínas
plasmáticas, e outros apresentam distribuição preferencial em outros compartimentos
corpóreos que não o plasma (ex.: liquor). Em ambas as situações, a diálise é menos eficaz
na depuração destes produtos. Algumas manifestações clínicas da síndrome urêmica
podem permanecer ou necessitar de uma intensificação da diálise, como a pericardite e a
neuropatia periférica, pois provavelmente são causadas por toxinas de maior peso
molecular.
Assim como a diálise depura substâncias nocivas para o organismo, como as toxinas
urêmicas, ela também pode depurar substâncias essenciais, como nutrientes (ex.:
aminoácidos), vitaminas hidrossolúveis e oligoelementos, como zinco e ferro. Por isso, entre
as complicações crônicas da diálise, destacam-se os distúrbios carenciais. As vitaminas
hidrossolúveis (complexo B, vitamina C, ácido fólico), ferro e zinco devem ser repostos no
paciente em programa crônico de diálise.

A diálise não corrige de forma satisfatória os seguintes problemas da síndrome urêmica:

Hiperfosfatemia;

Hipocalcemia;

Hiperparatireoidismo;

Osteodistrofia renal;

Anemia;

Dislipidemia;

Aterosclerose acelerada;

Miopatia;

Cardiomiopatia.

A hiperfosfatemia não é corrigida pela diálise, pois o fosfato não tem uma boa depuração
pelo filtro (ou peritônio). O paciente deve, então, receber o tratamento específico para
estes problemas, como foi visto no capítulo anterior.

Outros sintomas, como astenia, anorexia, distúrbios do sono e cognição, alterações


psiquiátricas, disfunção sexual e deficit de crescimento em crianças, não melhoram ou
podem melhorar apenas parcialmente com o tratamento dialítico, causando impacto
negativo na qualidade de vida. Estes sintomas residuais, porém, geralmente melhoram com
o transplante renal.

EFICÁCIA DA DIÁLISE
Como saber se a diálise está cumprindo adequadamente a sua função?

Uma medida qualitativa é o acompanhamento clínico, observando os sinais, sintomas e a


bioquímica laboratorial do paciente. Para quantificar mais precisamente a eficiência
dialítica, utilizamos a dosagem da ureia plasmática, antes e depois da sessão dialítica, e a
ureia do dialisado. Calcula-se o clearance de ureia (K), em ml/min, e determina-se os
seguintes parâmetros:

Taxa de redução da ureia plasmática (ideal: 65–70% de redução);

KT/V (ideal: entre 1,2 e 1,3).


Quanto à fórmula KT/V (K = clearance de ureia; T = duração da diálise; V = volume de
distribuição da ureia no organismo), não entraremos em detalhes sobre como calcular
esses parâmetros. É importante sabermos, no entanto, que uma taxa de redução da ureia
plasmática < 65% e um KT/V < 1,2 estão associados a uma maior morbidade e
mortalidade. Valores acima de 70% e 1,3, por outro lado, não melhoram o desempenho da
diálise.

Video_17_R3_Clm_26

HEMODIÁLISE: ASPECTOS TÉCNICOS

ACESSO E CIRCUITO
O acesso vascular ideal para a hemodiálise depende basicamente se há ou não caráter de
urgência no procedimento, como pode ocorrer na uremia aguda ou crônica agudizada. Nos
casos de urgência, o acesso, em geral, é uma veia profunda, na qual se instala um Cateter
de Dupla Luz (CDL). Uma luz ("parte arterial") é utilizada para extrair o sangue do paciente
para o circuito e a outra para devolvê-lo ("parte venosa").

As veias mais utilizadas para a instalação do CDL são a jugular interna e a femoral. A
subclávia deve ser evitada, uma vez que a presença de cateteres calibrosos nessa veia
aumenta o risco de estenose vascular, impossibilitando a posterior confecção de uma
fístula arteriovenosa no membro superior ipsilateral...

A técnica de inserção do CDL é a mesma para a punção de uma veia profunda para
instalação de um cateter venoso comum (Seldinger). As complicações são também as
mesmas: pneumotórax, enfisema subcutâneo, hemotórax, lesão arterial, embolia gasosa,
embolia por ponta de cateter, posicionamento errado do cateter.

O CDL não deve permanecer por longa data (mais de 15–21 dias), se possível, pois existe
risco considerável de infecção (maior no sítio femoral), sendo o germe mais comumente
envolvido o Staphylococcus aureus. Em alguns casos, pode haver endocardite infecciosa
relacionada ao cateter!

Quando a hemodiálise é um procedimento eletivo, como na DRC, o acesso venoso deverá


ser permanente. Na verdade, o que se faz é um procedimento para estimular a hipertrofia e
dilatação ("arterialização") das veias antecubitais. Este procedimento é a fístula
arteriovenosa cubital (ou fístula de Brescia-Cimino).
Realizada por um cirurgião vascular, a fístula é uma anastomose entre a artéria radial e a
veia cefálica. Uma parte do sangue da artéria radial é desviada para o sistema venoso
antecubital, que passa a receber sangue com alta pressão. Depois de certo tempo, as veias
antecubitais se hipertrofiam e dilatam, permitindo uma fácil punção com agulhas
calibrosas, a cada sessão de hemodiálise. Este é o tempo para maturação da fístula, que
pode ser de um a três meses. O nefrologista sempre deve examinar a fístula para avaliar
sua funcionalidade. Uma fístula funcionante possui frêmito à palpação e as veias
antecubitais apresentam-se dilatadas e com a parede mais espessa.

Alternativas para o acesso vascular definitivo (ex.: pacientes com veias "finas" e "doentes"
nos membros superiores, com menos perspectiva de "maturação" de uma FAV) são o
enxerto de PTFE (Politetrafluoroetileno) e os cateteres "tunelizados". O enxerto de
PTFE é um tubo de material sintético implantado cirurgicamente, de modo a criar uma
anastomose arteriovenosa. As agulhas do sistema de hemodiálise puncionarão o tubo de
PTFE, e não a veia do paciente. O cateter "tunelizado" é inserido cirurgicamente (e não por
punção percutânea), de modo que boa parte do cateter fique por baixo do subcutâneo do
paciente, aumentando a distância entre o ponto de entrada na pele e o ponto de entrada
no intravascular. Tal fato reduz a probabilidade de translocação bacteriana a partir da pele,
evitando a chegada dos germes à corrente circulatória... Ambos os tipos de acesso são
mais duradouros (e acarretam menos chance de infecção) do que o CDL convencional,
porém, a duração da patência dos mesmos tende a ser inferior a da fístula arteriovenosa
tradicional, que, por isso, representa o tipo de acesso preferido...

O circuito completo da máquina de hemodiálise encontra-se esquematizado na figura a


seguir. Como se pode constatar, o circuito de hemodiálise precisa conter:
Figura 4. 1. "Parte arterial"; 2. Bomba sanguínea; 3. Heparina; 4. Filtro de
hemodiálise; 5. Entrada da solução de diálise; 6. Saída do dialisado;
7. Manômetro; 8. Detector de bolhas; 9. "Parte venosa".
➤ Uma bomba mecânica para produzir fluxo de sangue no circuito. Esse fluxo pode variar
de 100–500 ml/min, dependendo se o método é convencional ou contínuo (ver adiante).
Para que esses fluxos possam se estabelecer a fístula AV deve estar normofuncionante,
caso contrário, não há como extrair o sangue com o fluxo programado.

➤ Heparinização do circuito, para que o sangue não coagule na tubulação plástica ou nos
capilares do filtro. A dose de heparina geralmente utilizada em uma sessão de
hemodiálise convencional é de 5.000 unidades.

➤ Um manômetro é um dispositivo para regular a pressão hidrostática no lado venoso, para


determinar a quantidade de líquido a ser ultrafiltrado.

➤ Um detector de bolhas, para avisar à equipe de que o circuito contém bolhas de ar. As
bolhas podem causar uma das mais temíveis complicações da hemodiálise — a embolia
gasosa.

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2019


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP

Assinale o acesso para diálise de escolha para pacientes com insuficiência renal crônica
estágio V, em ordem decrescente, começando pela primeira escolha:

(A) Cateter não tunelado em veia jugular direita;

(B) Fístula arteriovenosa nativa;

(C) Cateter tunelado na veia jugular direita;

(D) Cateter tunelado na veia jugular esquerda.

a) A – B – D – C.

b) B – C – D – A.

c) A – C – D – B.

d) B – A – C – D.

e) C – B – D – A.

TRATAMENTO DA ÁGUA
A solução de diálise, além de receber as substâncias depuradas, também pode transferir
moléculas nocivas para o sangue do paciente. Por isso, esta água precisa receber um
tratamento especial antes de ser usada no preparo da solução de diálise.

A água deve passar pelos processos de filtração, deionização e osmose reversa. Este último
consiste em passar a água, sob pressão, através de uma membrana semipermeável,
removendo-se os contaminantes microbiológicos e 90% dos íons remanescentes. Com o
advento da osmose reversa, reduziram-se os casos de intoxicação pelo alumínio na diálise.
TIPOS DE FILTRO
Os filtros de HD contêm milhares de pequenos capilares formados por um material que
serve como membrana dialítica. O primeiro material utilizado foi o celofane, um polímero
derivado da celulose. O cuprofano também é derivado da celulose e utilizado nos filtros de
HD.

A biocompatibilidade desses polímeros não é muito boa, sendo frequente a ocorrência de


reações adversas decorrentes do contato do sangue com esse material. Pode ocorrer
ativação do sistema complemento e de leucócitos, liberando mediadores inflamatórios que
desencadeiam uma reação anafilática.

Foram desenvolvidos novos materiais para confecção da membrana do filtro de HD. Alguns
são derivados semi-sintéticos da celulose (acetato de celulose, triacetato de celulose) e
outros são totalmente sintéticos (Poliacrilonitrila — PAN; Polimetilmetacrilato — PMMA; e
polisulfona). Esses filtros são bem mais caros que os antigos, porém, oferecem duas
grandes vantagens: maior biocompatibilidade e maior permeabilidade.

A maior permeabilidade permite a utilização de altos fluxos dialíticos, imprimindo maior


eficácia à HD. Podem eliminar substâncias de tamanho médio (1.500–5.000 da) e ainda um
pouco da beta-2-microglobulina, que tem 11.800 da, reduzindo a incidência de amiloidose
relacionada à diálise (ver adiante).

Os filtros de HD podem ser reutilizados no mesmo paciente, contanto que adequadamente


lavados e banhados em uma solução detergente específica, que pode ser o formaldeído, o
glutaraldeído ou o ácido paracético-peróxido de hidrogênio. Depois de usados mais de sete
vezes, muitos tornam-se danificados, devendo ser substituídos por filtros novos.

MÉTODOS
O método de hemodiálise mais utilizado na DRC e na IRA é a hemodiálise intermitente ou
"convencional". Esta se baseia na rápida retirada de solutos e líquido em curto espaço de
tempo, que constitui a sessão de hemodiálise. A sessão dura entre 3–4h e deve ser
realizada no mínimo três vezes por semana, na DRC, ou mais frequentemente, nos casos
de uremia aguda (ex.: todos os dias). O fluxo sanguíneo utilizado para se conseguir um bom
resultado dialítico deve estar entre 300–500 ml/min. Os pacientes que apresentam
instabilidade hemodinâmica, como os doentes críticos internados no CTI, costumam tolerar
mal este tipo de diálise, pois tendem a fazer episódios de hipotensão grave durante o
procedimento.
Quando é retirado um volume de líquido do intravascular, este volume deve ser reposto por
líquido proveniente do compartimento intersticial (que geralmente está aumentado na
insuficiência renal), para que não haja hipotensão. Na hemodiálise convencional, um
volume grande de líquido (ex.: 4 L) é retirado em pouco tempo (ex.: 4h). A transferência de
líquido do interstício para o intravascular não é imediata. Portanto, até que o deficit de
volume intravascular seja compensado pelo líquido proveniente do interstício, pode se
instalar um quadro de hipovolemia relativa, levando à hipotensão ou ao choque.

Os pacientes com DRC que estão com a hemodinâmica estável, geralmente, não têm
hipotensão significativa durante a sessão de hemodiálise e, quando isso acontece, pode-se
reverter rapidamente com infusão de SF 0,9% no circuito de hemodiálise. Porém, os
pacientes com IRA ou DRC agudizada, em estado crítico, com instabilidade hemodinâmica,
têm hipotensão severa ou choque durante a sessão dialítica, podendo contribuir para a
morbimortalidade desses doentes. Assim, foram idealizados os métodos de hemodiálise
contínuos. São eles:

➤ CAVHD: hemodiálise arteriovenosa contínua;

➤ CVVHD: hemodiálise venovenosa contínua;

➤ SLEHD: hemodiálise lenta de baixa eficiência;

➤ SCUF: ultrafiltração lenta contínua.

Os métodos contínuos retiram líquido e solutos lentamente durante um período prolongado,


geralmente 24h. Apesar do clearance de ureia ser bem menor do que na HD convencional,
o tempo de diálise é muito maior, resultando numa eficácia equivalente.

Na CAVHD, são puncionadas artéria e veia femorais. O circuito de HD recebe o sangue da


artéria e o devolve para a veia. Não é necessária a bomba mecânica, pois o fluxo é
determinado pela pressão na artéria femoral. A eficácia deste método é, portanto,
dependente da pressão arterial média, sendo por um lado mais fisiológico, mas, por outro,
não controlável pelo médico. Se o indivíduo estiver hipotenso, o fluxo da HD será muito
baixo, comprometendo a eficácia do procedimento. Outro fator limitante são as
complicações vasculares no sítio de punção arterial (sangramento grave, pseudoaneurisma
etc.); a CAVHD está contraindicada em pacientes com doença das artérias femorais.

Na CVVHD, utiliza-se um cateter de dupla luz em uma veia profunda. Como a pressão é
venosa, o fluxo sanguíneo no circuito requer auxílio de uma bomba mecânica. Esse fluxo é
mantido entre 100-150 ml/min (1/3 do fluxo da HD convencional). Com relação à CAVHD, é
de mais fácil manipulação, a eficácia é mais previsível e não possui as complicações de
uma punção arterial.
Na SLEHD, também chamada de hemodiálise diária estendida, o fluxo sanguíneo no
circuito é de valor intermediário entre o da HD convencional e o dos métodos contínuos, o
que permite uma duração da sessão de hemodiálise de cerca de 12h. A SLEHD mantém a
principal vantagem dos métodos contínuos (provocar menos instabilidade hemodinâmica),
e ainda consegue contornar uma de suas principais desvantagens: o enfermeiro ou técnico
de diálise não precisa ficar 24h ao lado do paciente (para monitoração do procedimento e
eventual correção de problemas)...

A SCUF, na verdade, é um método de ultrafiltração puro, sem diálise. É utilizado o mesmo


filtro de HD, porém não há infusão de solução de diálise. A quantidade de líquido
ultrafiltrada, mais uma vez, depende da pressão transmembrana, do KUf e do tempo total
do procedimento, neste caso, em torno de 24h.

Video_18_R3_Clm_26

DIÁLISE PERITONEAL: ASPECTOS TÉCNICOS

ACESSO
O acesso ideal mais uma vez vai depender se a diálise é urgente e se o paciente vai
necessitar ou não de diálise peritoneal cronicamente. Nos casos de uremia aguda, instala-
se um cateter especial dentro da cavidade peritoneal, por punção percutânea, geralmente
na linha mediana, 2 cm abaixo da cicatriz umbilical. A extremidade distal do cateter é
fenestrada, para facilitar a troca líquida, e é colocada ao nível da região pélvica. Por este
cateter, a solução de diálise é infundida na cavidade peritoneal e drenada após o período
de permanência.

A colocação do cateter de diálise peritoneal deve seguir antissepsia da pele abdominal e


deve ser realizada de forma rigorosamente asséptica, para reduzir a incidência da principal
complicação da diálise peritoneal — a peritonite infecciosa.

Na DRC, caso o programa de diálise escolhido seja a diálise peritoneal, o acesso à cavidade
peritoneal deve ser permanente. O chamado cateter de Tenckhoff é instalado
cirurgicamente, devendo passar por um "túnel" subcutâneo até atingir a cavidade
peritoneal pélvica. Este cateter contém um cuff de Dacron em cada extremidade do
segmento subcutâneo, para reduzir a incidência de peritonite por germes da pele
adjacente.

MÉTODOS
A diálise peritoneal pode ser realizada no hospital ou em caráter ambulatorial. O método de
DP, realizado no hospital, é feito para os pacientes com IRA ou DRC agudizada e para os
pacientes com DRC que não têm condições socioeconômicas ou intelectuais para controlar
uma DP ambulatorial.
A DP Intermitente (DPI) é realizada pela troca sucessiva dos "banhos de diálise", após um
tempo de permanência da solução de diálise na cavidade abdominal de 0-60min.
Geralmente, são infundidos e drenados 20 "banhos" cada um com 2 L. O cateter utilizado
pode ser o de Tenckhoff, em pacientes com DRC, ou um cateter comum de diálise
peritoneal. O balanço hídrico da DP deve ser anotado cuidadosamente. Ele será mais
negativo quanto maior for a osmolaridade da solução dialítica (1,5%, 2,5% ou 4,25% de
glicose) e menor for o tempo de permanência.

Um fator que reduziu bastante a incidência de peritonite relacionada à DP foi o sistema


fechado de equipos. Cada "banho" de 2 L é extraído de um reservatório e é infundido após
o seu devido aquecimento. A sessão de DPI se completa, sem que haja manipulação da
parte interna do equipo.

Os métodos ambulatoriais utilizados são:

➤ CAPD: diálise peritoneal ambulatorial contínua;

➤ CCPD: diálise peritoneal contínua com ciclômetro.

A CAPD é um excelente método dialítico, do ponto de vista da qualidade de vida do


paciente. Um cateter de Tenckhoff deve estar instalado e o paciente aprende como trocar
os "banhos de diálise" em seu cotidiano. O "banho" é trocado de 6/6h (quatro vezes ao dia).
Cada "banho" contém 2 L e permanece 6h na cavidade peritoneal enquanto ocorre
continuamente a diálise. É muito importante que o paciente saiba como fazer a troca de
forma asséptica e também reconhecer as principais complicações do método (a principal, a
peritonite). A CAPD é o método de diálise peritoneal mais utilizado.

A CCPD, do ponto de vista da qualidade de vida, é ainda melhor que a CAPD, porém, exige
compra ou aluguel (e manutenção) de um aparelho — o ciclômetro. Ele tem a função de, ao
ser ligado no sistema de equipos da DP, produzir um fluxo contínuo dos "banhos de diálise".
Assim, o paciente só precisa se submeter à diálise à noite, enquanto dorme, pois em 6-8h o
ciclômetro efetua uma DP eficaz. É o próprio paciente (ou familiar) que conecta e
desconecta os equipos e manuseia o aparelho.

Video_19_R3_Clm_26

INDICAÇÕES E ESCOLHA DO MÉTODO

UREMIA AGUDA
A diálise, nesses casos, é um tratamento de urgência, visando evitar a morte por
insuficiência renal. A insuficiência renal pode levar ao óbito por vários mecanismos. Os
principais são: encefalopatia, sangramento, tamponamento cardíaco, edema agudo de
pulmão, hipercalemia e acidose metabólica. A diálise de urgência está indicada quando um
ou mais desses distúrbios que ameaçam a vida estão presentes (Tabela 1).
TABELA 1

➤ Encefalopatia;

➤ Pericardite;

➤ Sangramento;

➤ Edema agudo de pulmão;

➤ Hipercalemia > 6,5 mEq/L (refratária);

➤ Acidose metabólica com pH < 7,10 (refratária);

➤ Intoxicação por substâncias dialisáveis.

Nos casos de IRA com piora progressiva da função renal, o ideal é que a diálise seja iniciada
antes de aparecer alguma das situações acima, geralmente quando há oligoanúria ou um
rápido aumento da ureia e creatinina (ex.: ureia > 200 mg/dl e/ou creatinina próxima a 10
mg/dl, sem perspectiva de melhora em curto prazo).

O método dialítico pode ser a HD ou a DP. A HD convencional pode não ser bem tolerada
nos pacientes que apresentam instabilidade hemodinâmica e insuficiência orgânica
múltipla (principalmente se houver insuficiência hepática fulminante e/ou edema cerebral),
pois pode agravar a hipotensão arterial, com deterioração do quadro. A DP é mais bem
tolerada nesses casos, porém, é menos eficiente em depurar toxinas nitrogenadas em
pacientes hipercatabólicos... Em tal situação, pode-se indicar a HD contínua (CAVHD ou
CVVHD), a SLEHD, ou outros métodos como a hemofiltração contínua (CAVH ou CVVH) e a
hemodiafiltração contínua (CAVHDF ou CVVHDF) — estes últimos serão descritos adiante.
Vale ressaltar que, na IRA, a literatura NÃO confirma a superioridade de qualquer método
de substituição renal sobre os demais, e a escolha fica muito mais por conta da
disponibilidade local e expertise da equipe médica...

UREMIA CRÔNICA
Pacientes com DRC devem ser tratados conservadoramente nas fases iniciais da disfunção
renal, sendo acompanhados de perto pelo nefrologista. O momento ideal para início do
programa de diálise é um assunto que gera controvérsias. O ideal é que a diálise seja
iniciada antes dos sintomas urêmicos ("início saudável"). Sabe-se que, nos diabéticos, a
diálise precoce pode diminuir a progressão das complicações da doença, como retinopatia,
neuropatia, gastropatia e microangiopatia. Porém, a diálise pode piorar a qualidade de vida
do paciente, devido aos inconvenientes do próprio método. Atualmente, coloca-se o
paciente em programa de diálise quando a TFG está abaixo de 10–15 ml/min ou a
creatinina plasmática aproxima-se de 10 mg/dl, sendo este valor mais baixo para os
diabéticos (6–8 mg/dl).
Quando optamos por indicar o início da diálise, devemos explicar ao paciente sobre o
método, colocando as vantagens e desvantagens da HD e da DP e educá-lo em relação aos
cuidados a serem tomados. O paciente em programa de diálise deve continuar com o
tratamento conservador da DRC, com enfoque na adesão à dieta. Quando começam as
sessões de diálise, o débito urinário costuma se reduzir ainda mais, pois a eliminação de
ureia e outros solutos pela diálise diminui o efeito osmótico na diurese. A restrição proteica
não deve ser excessiva, pois esses pacientes são predispostos à desnutrição. A perda de
nutrientes pela diálise pode piorar o estado nutricional. A diálise está associada à perda de
vitaminas hidrossolúveis (complexo B, vitamina C, ácido fólico) e oligoelementos (ferro,
zinco). Deve-se estar atento aos sinais de deficit corporal dessas substâncias. Algumas
devem ser repostas de rotina: piridoxina, vitamina C, ácido fólico e sulfato ferroso.

Ao ser programado o início da terapia dialítica, deve-se escolher entre DP ou HD. Se for
escolhida a DP, deve-se marcar uma cirurgia de instalação do cateter de Tenckhoff. Após
instalado, deve-se esperar pelo menos duas semanas para utilizá-lo na DP. Se for a
HD a escolhida e não houver urgência, programa-se com um cirurgião vascular a confecção
da fístula AV. O tempo ideal para maturação da fístula é de três meses, portanto
devemos antecipar o procedimento em relação ao momento do início da diálise.

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2019


SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE – DISTRITO FEDERAL – SES-DF

Uma paciente de 42 anos de idade, hipertensa desde os 18 anos de idade, em controle


irregular, é encaminhada para a clínica médica pela cirurgia com dor abdominal
irradiando para o dorso. Há suspeita de pancreatite, descartada por exames e
tomografia de abdome, mas chama a atenção um ritmo de filtração glomerular < 15
ml/min/1,73 m² (VR > 90 ml/min/1,73 m²). Quanto a esse caso clínico e aos
conhecimentos médicos correlatos, julgue o item a seguir. A paciente tem perda de
função dos rins com indicação de hemodiálise.

a) CERTO.

b) ERRADO.

HEMODIÁLISE OU DIÁLISE PERITONEAL?


Muitas vezes, a escolha fica a critério do médico ou do paciente, contudo existem
condições em que um dos dois métodos é indiscutivelmente mais indicado.
As desvantagens da HD são basicamente o acesso vascular, a maior rapidez da extração de
líquido e solutos, o uso da heparina e a necessidade da ida ao hospital ou centro de diálise
pelo menos três vezes por semana. A rápida extração de líquido e solutos pode levar à
hipotensão e à isquemia miocárdica; a heparina pode levar ao sangramento agudo, que
pode ser grave. A vantagem principal é a maior eficácia dialítica em indivíduos com altos
níveis de "escórias nitrogenadas".

As desvantagens da DP são basicamente o acesso à cavidade peritoneal, contraindicado


em casos de patologia abdominal ou cirurgia do abdome, e a menor eficácia dialítica.
Devemos lembrar, entretanto, que a DP tem uma melhor depuração de moléculas de médio
peso molecular. Isso pode levar a outra desvantagem: a perda de proteína (pode chegar a
12 g/dia). As altas concentrações de glicose nos "banhos" de DP podem elevar a glicemia,
aumentar a obesidade e/ou a hipertrigliceridemia. A vantagem principal é a facilidade dos
métodos ambulatoriais, a extração lenta de líquido e solutos e a não utilização da heparina
(Tabelas 2 e 3).

TABELA 2: PREFERÊNCIA PARA A HD.

➤ Insuficiência renal aguda/estado hipercatabólico;

➤ Pacientes musculosos ou obesos;

➤ Problemas abdominais (hérnias, estomas, cirurgia recente, aneurisma de aorta


abdominal, outros);

➤ Lombalgia crônica;

➤ Hipoalbuminemia;

➤ Más condições socioeconômicas e educacionais;

➤ Problemas psiquiátricos.

TABELA 3: PREFERÊNCIA PARA A DP.

➤ Pacientes magros e de baixa estatura ou crianças;

➤ Doença coronariana sintomática ou ICC;

➤ Doença vascular periférica severa;

➤ Contraindicações à heparina (ex.: retinopatia diabética proliferativa);

➤ Diabetes mellitus insulino-dependente.

Video_20_R3_Clm_26

COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE

COMPLICAÇÕES DA HEMODIÁLISE
As complicações da HD podem ser divididas em agudas ou crônicas (Tabelas 4 e 5).

TABELA 4: COMPLICAÇÕES AGUDAS DA HD.

➤ Hipotensão por hipovolemia relativa;

➤ Anafilaxia ao material do capilar do filtro;

➤ Anafilaxia ao óxido de etileno;

➤ Efeito do acetato (hipotensão);

➤ Outras causas de hipotensão;

➤ Distúrbios eletrolíticos (ex.: hipocalemia);

➤ Cãibras;

➤ Hipoxemia;

➤ Desequilíbrio de diálise;

➤ Isquemia miocárdica;

➤ Hipertensão arterial;

➤ Sangramento agudo (heparina);

➤ Embolia gasosa;

➤ Tamponamento cardíaco.
TABELA 5: COMPLICAÇÕES CRÔNICAS DA HD.

➤ Demência/osteo​dis​trofia pelo alumínio;


Relaciona​das à própria
diálise ➤ Desnutrição proteicocalórica;

➤ Deficiência de vita​minas ou oligo​elementos (incluindo


anemia ferropriva);

➤ Pseudogota, tenossinovite;

➤ Infecção pelo vírus da hepatite B ou C ou pelo HIV;

➤ Amiloidose por β-2-microglobulina;

➤ Doença cística renal adquirida.

➤ Infecção do cateter de dupla luz;


Relaciona​das ao acesso
vascular ➤ Infecção da fístula AV (endarterite);

➤ Trombose da fístula AV;

➤ Síndrome do "roubo" arterial.

➤ Osteodistrofia renal;
Não relaciona​das à diálise,
mas comuns na IRC ➤ Anemia por deficiência de eritropoetina;

➤ Aterosclerose acelerada, aumento da incidência de


doença isquêmica do miocárdio;

➤ Pericardite urêmica;

➤ Prurido.

A complicação mais comum durante uma sessão de HD convencional é a hipotensão. Os


dois principais mecanismos são a rápida extração de líquido intravascular pela ultrafiltração
e a rápida extração de solutos. A ultrafiltração rápida leva à hipovolemia relativa (apenas
do compartimento intravascular), pois não há tempo hábil para que o líquido intersticial
reponha o intravascular. A rápida retirada de solutos, principalmente da ureia, leva à súbita
redução da osmolaridade extracelular em relação à osmolaridade intracelular, levando à
transferência de líquido do extracelular para as células.

As outras causas de hipotensão podem ser: reação anafilática, efeito do acetato, efeito da
temperatura da solução de diálise, quando a 37ºC, sangramento agudo ou isquemia
miocárdica. A anafilaxia se dá devido à ativação do sistema complemento e dos leucócitos
pelo contato do sangue com o material do capilar do filtro de diálise, um fenômeno
denominado bioincompatibilidade da membrana do filtro.

A anafilaxia se manifesta com hipotensão, dispneia, lombalgia, dor torácica, náuseas e


vômitos. Como este fenômeno é mais comum no primeiro contato com o filtro, podemos
chamar de "síndrome do primeiro uso". Eventualmente, a anafilaxia é ao óxido de etileno,
substância utilizada na esterilização do filtro.
As cãibras são complicações frequentes, geralmente devido à hipovolemia transitória, à
queda rápida da osmolaridade ou a distúrbios eletrolíticos. A hipocalemia pode ocorrer,
quando a solução de diálise não contém potássio, e pode levar à taquiarritmias graves. A
hipoxemia se dá pela perda de O2 pelo filtro ou pela anafilaxia, levando à deposição de
leucócitos nos alvéolos. Raramente, a hipoxemia é pela isquemia miocárdica ou por
embolia gasosa.

A síndrome do desequilíbrio da diálise é caracterizada por um quadro agudo de


confusão mental, agitação ou torpor e, eventualmente, convulsões. O mecanismo é a
queda abrupta da osmolaridade plasmática pela extração de solutos, principalmente a
ureia, levando a um ambiente extracelular hipo-osmolar em relação às células (na uremia,
a concentração de ureia está aumentada tanto no plasma quanto nas células).

A transferência de líquido para as células leva ao edema celular, sendo os neurônios as


células mais suscetíveis a esse processo, e o paciente desenvolve edema cerebral. Essa
complicação é tratada com a lentificação da diálise trocando pela DP.

Uma complicação rara, mas bastante grave é a embolia gasosa. As máquinas antigas de
HD possuem um detector de bolhas visual, precisando da atenção da equipe de
enfermagem para constatar o problema e parar a HD. A entrada de grandes quantidades
de ar na circulação leva à oclusão dos vasos pulmonares por bolhas. O quadro é
caracterizado por dispneia súbita, cianose e hipoxemia. Pode ser grave e levar o paciente
ao óbito. O tratamento é a colocação na posição de Trendelemburg reversa. As máquinas
de HD atuais são microprocessadas e detectam a formação de bolhas no circuito com mais
precisão, ativando alarmes e parando a HD.

Com relação ao sangramento agudo, vamos exemplificar o problema da pericardite


urêmica. A pericardite urêmica, como vimos, tem uma pré-disposição a desenvolver um
derrame pericárdico hemorrágico. Durante a HD com heparina, o sangramento pericárdico
pode ser acentuado, levando ao tamponamento cardíaco. A HD em si predispõe ao
tamponamento simplesmente por reduzir a pressão das câmaras cardíacas direitas.
Portanto, no paciente com pericardite urêmica, a HD deve ser realizada sem heparina,
lavando-se o circuito frequentemente com SF 0,9% para evitar a coagulação ou então se
neutralizando a heparina com protamina, infundida no final do circuito.

A demência relacionada à diálise é caracterizada por um quadro insidioso de deficit


cognitivo, fala balbuciante, ataxia, deficit motor e mioclonia. A causa é a intoxicação pelo
alumínio, presente em traços na solução de diálise. Vimos que o aprimoramento das
técnicas de preparo da água para diálise reduziu este problema. O tratamento é com o
quelante desferoxamina.
A pseudogota caracteriza-se por artrite ou tenossinovite devido ao depósito de pirofosfato
de cálcio. A amiloidose relacionada à diálise se manifesta pelo acometimento
osteoarticular, com dor óssea, artrite, tenossinovite e síndrome do túnel do carpo. A
proteína amiloide, neste caso, é derivada da beta-2-microglobulina, com peso molecular de
11.800 dáltons, que se acumula nos tecidos após cinco anos ou mais de diálise. Não existe
tratamento específico, apenas prevenção utilizando-se filtros de maior permeabilidade
(mais caros). A doença cística renal adquirida é uma complicação da diálise de longa
data; o mecanismo ainda é obscuro. Pode se manifestar com dor lombar ou abdominal ou
com hematúria. O problema mais preocupante é a evolução para câncer de células renais.

As infecções nos pacientes em HD podem ser adquiridas pela transmissão parenteral,


como as hepatites B e C e a infecção pelo HIV, ou pela contaminação do acesso vascular
pelos germes da pele adjacente. A endarterite da fístula AV pode ser causa de febre de
origem obscura e o germe principal é o Staphylococcus aureus. Este germe também causa
sepse relacionada ao cateter de dupla luz, seguido em frequência pelos Gram-negativos
entéricos e mais raramente pela Candida sp. Vimos que o cateter de dupla luz não deve
permanecer por longo tempo, devido ao alto risco de complicações.

A fístula AV tem uma meia-vida em dois anos livre de complicações de 60–75%. As próteses
intravasculares têm uma meia-vida menor (30%), pois complicam mais, geralmente com
estenose da anastomose venosa (hiperplasia da camada íntima na parede vascular).

Com relação às complicações não relacionadas à diálise em si, destacamos a aterosclerose


acelerada, consequente à doença renal crônica, à hipertrigliceridemia, à HAS e ao diabetes
mellitus, causa muito comum de DRC. A causa mais comum de morte nos pacientes com
DRC em "programa de diálise" é o evento cardiovascular.

RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2019


FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNICAMP – UNICAMP

Mulher, 54a, procura Unidade de Emergência com febre, dor e hiperemia em Fístula
Arteriovenosa nativa (FAV) em braço esquerdo. Faz Hemodiálise (HD) há 10 anos devido
à nefropatia diabética, sendo a última há 2 dias. Sinais vitais: T = 38,5ºC; PA = 105 x 78
mmHg; FC = 92 bpm. Exame físico: ausculta pulmonar normal, peso = 60 kg (2,6 kg
acima do peso seco pós-HD), presença de pústulas ao redor de orifícios de punção da
FAV, que apresenta área hiperemiada de 10 x 10 cm. As condutas são:

a) Swab para culturas, antibiótico IV, ultrassonografia e manter uso da FAV.

b) Swab para culturas, antibiótico VO, bioquímica e implantar cateter para HD.

c) Hemoculturas, antibiótico VO, bioquímica e manter uso da FAV.

d) Hemoculturas, antibiótico IV, ultrassonografia e implantar cateter para HD.


COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE PERITONEAL
As principais complicações da diálise peritoneal estão relacionadas na Tabela 6.

TABELA 6: COMPLICAÇÕES DA DP.

➤ Peritonite infecciosa;

➤ Peritonite química;

➤ Hiperglicemia;

➤ Recorrência de hérnia abdominal;

➤ Ruptura de víscera oca ou maciça;

➤ Ruptura de aorta abdominal (fatal);

➤ Ascite sintomática;

➤ Hipoalbuminemia;

➤ Desnutrição proteica.

PERITONITE INFECCIOSA

A principal complicação da DP é a peritonite infecciosa. Dependendo do rigor da antissepsia


e assepsia, a incidência pode ser de 20–80%. Os germes provêm da pele abdominal
adjacente, sendo os principais o Staphylococcus aureus, o Streptococcus sp. e os Gram-
negativos entéricos. A suspeita clínica é pelo quadro de dor abdominal, com ou sem sinais
de irritação peritoneal, associado à observação de um dialisado turvo. Geralmente, há uma
celularidade > 100 leucócitos/mm³ no líquido peritoneal, com predomínio de
polimorfonucleares. No caso de peritonite fúngica ou tuberculosa, o predomínio pode ser de
linfócitos. Diante deste quadro, está indicada a cultura do dialisado.

O tratamento da peritonite bacteriana relacionada à diálise é a princípio com antibióticos


colocados no "banho de diálise", em geral, os aminoglicosídeos, associados à vancomicina,
que pode ser aplicada de 7/7 dias, pois a sua molécula não é dialisável. Um esquema de
doses proposto é: vancomicina 1 g IV de 7/7dias + amicacina 2 mg/kg no "banho de diálise"
noturno da CAPD durante duas semanas.

Este tratamento pode ser modificado de acordo com o germe e o antibiograma. Nos casos
de peritonite fúngica, geralmente por Candida sp., é mandatório a retirada do cateter
(mesmo sendo o Tenckhoff), além do tratamento com fluconazol ou anfotericina B, por 4–6
semanas. O cateter também deve ser retirado em caso de falha terapêutica para a
peritonite bacteriana ou infecção do "túnel subcutâneo".
Infecções brandas e superficiais da pele no entorno do orifício de entrada do cateter podem
ser tratadas com ATB tópico ou nitrato de prata, sem necessidade de remoção do cateter.

OUTRAS COMPLICAÇÕES

A peritonite química se dá, geralmente, quando se utilizam os "banhos" hiperosmolares


(2,5% ou 4,25%), pela própria irritação inerente a uma solução concentrada. Para evitar as
complicações abdominais, é fundamental um prévio exame abdominal minucioso e a coleta
de dados da anamnese sobre problemas abdominais. De todas, a mais temível é a ruptura
de aorta abdominal, que acontece principalmente em indivíduos com aneurisma de aorta
abdominal (contraindicação absoluta ao procedimento).

Video_21_R3_Clm_26

HEMO​FILTRAÇÃO E ANÁLOGOS

HEMOFILTRAÇÃO
A hemofiltração é um processo de remoção de solutos do plasma diferente da hemodiálise.
Uma grande quantidade de líquido passa por uma membrana semipermeável, "levando
consigo" os solutos, tal como ocorre no processo de filtração glomerular. Este é o princípio
físico da convecção ou solvent drag, em que as moléculas de água "carream" os solutos
que podem passar pela membrana semipermeável. A hemofiltração artificial, portanto,
substitui até certo ponto a filtração glomerular: o processo é muito semelhante.

Em nossos rins, cerca de 140 L são filtrados diariamente pelos glomérulos (TFG = 100
ml/min), quase todo esse líquido sendo reabsorvido pelo sistema tubular (138–139 L/dia),
sobrando 1–2 L para formar a urina. Na hemofiltração artificial contínua, são filtrados cerca
de 36 L em 24h pelo hemofiltro (25 ml/min). Caso a maior parte deste líquido não retorne à
circulação do paciente, ele morrerá rapidamente de hipovolemia, portanto um equivalente
da função reabsortiva tubular deve ser acrescentado ao processo. Como a reabsorção
tubular é muito complexa, o que é feito é a reposição de um líquido contendo as
concentrações eletrolíticas ideais para o paciente — a solução de reposição da
hemofiltração. Uma solução de reposição típica é apresentada a seguir:
Figura 5.

Deve-se acrescentar KCl à solução em pacientes com normo ou hipocalemia, até uma
concentração de K+ de 4,0 mEq/L.

A hemofiltração é feita em um circuito extracorpóreo, semelhante ao da hemodiálise,


contendo um filtro de hemofiltração e um ponto de entrada para a solução de reposição,
que pode ser pré-filtro ou pós-filtro. A vantagem da reposição pré-filtro é manter o sangue
mais diluído nos capilares, reduzindo a probabilidade da formação de microagregados e
microcoágulos. A desvantagem é o maior custo, pois a quantidade de solução de reposição
utilizada será muito maior (a maior parte dos custos do procedimento é com a solução de
reposição).

O filtro de hemofiltração é diferente do filtro de hemodiálise. A permeabilidade de seus


capilares é bem maior, permitindo a passagem de substâncias de tamanho maior, podendo
chegar a 20.000 dáltons. O líquido formado dentro do filtro é denominado hemofiltrado,
sendo drenado para o "lixo". Os componentes do circuito de hemofiltração estão
esquematizados na figura. Neste esquema, a entrada da solução de reposição é pós-filtro.
Figura 6: 1. "Parte arterial"; 2. Bomba sanguínea (estabelece o fluxo);
3. Heparina; 4. Filtro de hemofiltração; 5. Saída do hemofiltrado; 6. Solução de
reposição; 7. Detector de bolhas; 8. "Parte venosa".

A hemofiltração, geralmente, é utilizada de forma contínua, isto é, utilizando-se fluxo


sanguíneo baixo por período prolongado. O método pode ser o arteriovenoso (CAVH) ou o
venovenoso (CVVH). O exemplo típico de CVVH é um fluxo de 125 ml/min durante um
período de 24–48h. Dos 125 ml/min que passam pelos capilares do filtro, cerca de 25
ml/min são filtrados, isto é, 20%. Esta é a fração de filtração, análoga à fração de filtração
glomerular.
A hemofiltração tem a capacidade de eliminar substâncias de maior tamanho e peso
molecular. Teoricamente, isso seria vantajoso, pois toxinas urêmicas maiores e alguns
dos mediadores inflamatórios da sepse (TNF-alfa, interleucinas etc.) seriam eliminados
com maior eficiência. Por outro lado, a desvantagem seria uma maior perda de
substâncias importantes, como nutrientes, vitaminas hidrossolúveis e medicamentos. O
fato é que, até o momento, não existe nenhuma comprovação na literatura de que, em
pacientes agudos, a hemofiltração — ou outros métodos de substituição renal — sejam
superiores à hemodiálise em termos de redução da mortalidade...

O líquido eliminado pelo procedimento é o balanço entre a quantidade hemofiltrada e a


quantidade de solução reposta. As máquinas de hemofiltração atualmente são
microprocessadas e têm um mecanismo de controle automático do balanço líquido do
procedimento. O hemofiltrado, antes de ir para o "lixo", é pesado pela máquina, que
automaticamente calcula quanto de solução de reposição tem que ser oferecido para
estabelecer o balanço programado. Por exemplo, podemos programar a máquina para
retirar do paciente 100 ml/h (2.400 ml/dia). Se a hemofiltração for de 25 ml/min (ou 1.500
ml/h), para termos 100 ml/h de perda líquida, a solução de reposição deverá ser infundida a
1.400 ml/h (ou 23 ml/min).

A hemofiltração é um método de alto custo, quando comparado à hemodiálise, devido à


quantidade de solução de reposição utilizada.

HEMODIA​FILTRAÇÃO
A hemodiálise utiliza o processo de difusão passiva para eliminar os solutos indesejáveis e
a hemofiltração utiliza o processo de convecção para este intuito, necessitando da filtração
de uma enorme quantidade de líquido, que deve ser reposta continuamente. A hemodiálise
é melhor do que a hemofiltração para eliminar as toxinas urêmicas de baixo peso
molecular, pois essas substâncias são mais bem eliminadas por difusão do que por
convecção. A hemofiltração é melhor que a hemodiálise para eliminar as toxinas urêmicas
e sépticas de maior peso molecular, pois essas substâncias não passam pelos "poros" do
filtro de hemodiálise. Talvez, o ideal para o paciente grave, com SIRS e IRA ou insuficiência
de múltiplos órgãos, seja a adição dos dois processos ao mesmo tempo — hemodiafiltração.
A hemodiafiltração normalmente é utilizada como método contínuo (CAVHDF ou
CVVHDF), em pacientes graves internados em CTI.

No filtro de hemodiafiltração, os dois processos ocorrem: a convecção e a difusão.


Enquanto uma parte do plasma é hemofiltrada, a porção restante é hemodialisada.

Este procedimento tem alto custo em comparação à hemodiálise ou a hemofiltração


isoladas. Como já enfatizado, até o momento não existem evidências definitivas de que
qualquer método de substituição renal seja superior aos demais em pacientes com IRA...
Video_22_R3_Clm_26

PROGNÓSTICO
A mortalidade do paciente com DRC em "programa de diálise", pela estatística americana,
gira em torno de 18-20% ao ano, sendo a taxa de sobrevida após cinco anos de 30–35%. As
maiores causas de morte nessa população são as doenças cardiovasculares (principal) e as
infecções. Idade avançada, sexo masculino, raça "não negra", presença de diabetes
mellitus, desnutrição e cardiopatia são todos fatores de mau prognóstico no paciente em
"programa de diálise"...

O transplante renal atualmente oferece uma qualidade de vida melhor e uma sobrevida
maior, quando comparado à diálise. Além disso, os custos são bem menores, quando
calculados em longo prazo. Infelizmente, devido à falta de doadores e, principalmente no
nosso país, de recursos hospitalares e ambulatoriais essenciais, o número de transplantes
renais é muito inferior ao número de pacientes dependentes de diálise.

TRANSPLANTE RENAL
Vamos resumir este assunto numa seção formatada com uma didática um pouco
diferente... Faremos um rápido "bate-papo" com perguntas e respostas diretas. O objetivo é
incutir na sua mente o seguinte: O QUE EU NÃO POSSO DEIXAR DE SABER SOBRE
TRANSPLANTE RENAL?

O transplante é melhor do que a diálise?

Sim. Pacientes transplantados, mesmo os de maior idade, apresentam maior sobrevida e


melhor qualidade de vida do que pacientes com perfil semelhante que permanecem em
programa de diálise. Não se esqueça de que a diálise não resolve todos os problemas
decorrentes da insuficiência renal (ex.: anemia, osteodistrofia)... No caso dos diabéticos,
existe ainda outra vantagem: no DM1, pode-se fazer o transplante combinado rim-
pâncreas, com possibilidade de "cura" do diabetes.

Existe diferença na incidência de rejeição quando o doador é uma pessoa viva ou


um cadáver?

Nos dias de hoje, não. A evolução da terapia imunossupressora fez com que a incidência de
rejeição se tornasse praticamente idêntica em ambos os grupos (no início da era dos
transplantes, o rim de cadáver apresentava uma taxa significativamente maior de rejeição).

Existe diferença na durabilidade do enxerto quando o doador é uma pessoa viva


ou um cadáver?
Sim. Os rins de cadáver têm probabilidade de sofrer períodos mais prolongados de
isquemia, o que tende a causar lesões parenquimatosas irreversíveis que limitam a
sobrevida do enxerto no hospedeiro. Após cinco a dez anos, o número de enxertos
cadavéricos normofuncionantes é bem menor que o número de enxertos oriundos de
doadores vivos...

A cirurgia de transplante renal é uma "grande cirurgia"?

Não... O enxerto é colocado na fossa ilíaca direita sem invasão da cavidade peritoneal. As
anastomoses vasculares são feitas com os vasos ilíacos externos, e o ureter é diretamente
anastomosado na bexiga. Se não houver complicações perioperatórias (ex.: infecção da
ferida cirúrgica), os pacientes costumam receber alta num prazo médio de cinco dias!

Quais são os principais critérios de elegibilidade para receber um transplante


renal?

Expectativa de vida > 5 anos.

Ausência de contraindicações absolutas.

Então, idade, transplante renal prévio e tipo de doença renal de base não são
contraindicações ao transplante renal? Não! Atualmente, tem-se transplantado com
sucesso pacientes com > 60 anos, com múltiplos retransplantes e com qualquer doença
renal de base!

Quais são as poucas contraindicações absolutas ao transplante renal?

Expectativa de vida reduzida (< 5 anos).

Câncer.

Infecção ativa sem tratamento.

Psicose grave.

Abuso e dependência ao álcool e/ou drogas ilícitas.

Quais são as contraindicações relativas ao transplante renal?

Infecção ativa em tratamento (ex.: TB).

Doença coronariana.

Hepatite crônica (incluindo B e C).

Infecção pelo HIV.

Úlcera péptica ativa.

Doença cerebrovascular.

Má adesão.
Cada vez mais protocolos específicos de tratamento pós-transplante têm sido
elaborados com sucesso em portadores de doenças virais crônicas, como hepatite B e
HIV. A hepatite C, após advento das novas drogas antivirais de ação direta que curam
quase 100% dos casos, deixou de ser um empecilho à realização do transplante (desde
que, é claro, o doente consiga ser curado e não possua cirrose hepática avançada).

Que testes podem ser feitos para avaliar a compatibilidade tecidual entre doador
e receptor?

➤ Tipagem sanguínea ABO*.

➤ Tipagem do HLA classe I (A, B e C) e classe II (DR)**.

➤ Prova cruzada entre soro do receptor e linfócitos do doador.

*O grupo Rh não interfere na histocompatibilidade do transplante renal.

**Essa tipagem pode ser feita por um "painel de anticorpos" ou por modernas técnicas de
sequenciamento genético.

Quais são os pré-requisitos para ser um doador vivo?

Exame físico normal, presença de dois rins normofuncionantes, arteriografia renal


mostrando ausência de anormalidades na artéria renal que dificultem a cirurgia e
prolonguem o tempo de isquemia do enxerto (ex.: múltiplos ramos arteriais, dilatações
aneurismáticas etc.), mesmo grupo sanguíneo ABO e HLA compatível.

Quais são os pré-requisitos para ser um doador cadavérico?

Ausência de câncer, hepatite crônica e infecção pelo HIV, pois todos podem ser
transmitidos ao receptor... Pacientes idosos e com insuficiência renal crônica também
costumam ser excluídos.

Existe risco de DRC progressiva no indivíduo que doou um de seus rins em vida?

Sim, mas isso é muito incomum, mesmo após 20 anos da doação! Em geral, é necessário
adquirir outro fator de risco para nefropatia, como hipertensão arterial. Quando o receptor
é diabético tipo 1 e o doador é seu parente de 1º grau, devemos avaliar o risco de DM no
doador com pesquisa de anticorpos anti-insulina e anti-ilhota pancreática, além de teste de
tolerância à glicose...

Quais são as características clínicas de um episódio de rejeição ao enxerto?


Em geral, apenas elevação assintomática da creatinina (com ou sem alterações do débito
urinário), uma vez descartadas outras causas (ex.: ITU, isquemia por trombose venosa ou
arterial, nefrotoxicidade medicamentosa). Quadros exuberantes de febre, edema e dor na
topografia do enxerto são incomuns, não devendo ser esperados! A biópsia confirma o
diagnóstico, revelando um padrão de nefrite intersticial.

Como é feita a imunossupressão para prevenir a rejeição?

Exceto nos casos de doação entre gêmeos idênticos, a imunossupressão farmacológica é


sempre necessária para evitar a rejeição... Podemos dividi-la em duas fases: indução
e manutenção.

➤ Indução: feita no momento do transplante, principalmente nos casos taxados como de


"alto risco" para rejeição (ex.: compatibilidade parcial do HLA). As drogas de escolha são
"imunobiológicos". Estes podem ser "depletadores" ou "não depletadores" de linfócitos.
No primeiro grupo, as opções são a globulina antitimócito ou o alentuzumab (anti-CD52),
que reduzem agudamente o número de linfócitos T e B circulantes evitando a
"sensibilização" do sistema imune no pós-transplante imediato. No segundo grupo, temos
o anticorpo antirreceptor de IL-2, que bloqueia especificamente linfócitos T "ativados"
(estratégia mais seletiva e com menos efeitos colaterais).

➤ Manutenção: o esquema mais utilizado é a "terapia tripla" com prednisona, inibidores


da calcineurina e agentes "antimetabólitos".

A prednisona é dada em altas doses (200–300 mg) no dia do transplante, mantendo-se 30


mg/dia ao longo da primeira semana, seguindo um rápido "desmame" até chegar em 5–10
mg/dia, que será a dose de manutenção.

Os inibidores da calcineurina são a ciclosporina e o tacrolimo. A calcineurina é uma enzima


dos linfócitos que induz à síntese de citocinas pró-inflamatórias, logo, seus inibidores
diminuem a atividade linfocitária. O principal efeito colateral é nefrotoxicidade, que faz
diagnóstico diferencial com rejeição e deve ser tratada com redução da dose ou troca do
fármaco.

Os agentes antimetabólitos são a azatioprina e o micofenolato. Este último é a droga de


escolha, por apresentar maior eficácia e menor toxicidade hematológica. Inibem a síntese
de DNA e RNA, bloqueando a proliferação celular. O micofenolato inibe uma enzima
específica dos linfócitos, logo, é mais "seletivo" do que a azatioprina.

Alternativas:
Na terapia tripla, podemos trocar o inibidor de calcineurina ou o agente antimetabólito
por um inibidor do mTOR (sirolimo ou everolimo). Esta classe bloqueia, nos linfócitos T,
as vias de sinalização intracelular estimuladas por citocinas pró-inflamatórias;

Recentemente, foi aprovada uma nova estratégia para a terapia de manutenção. Trata-
se do imunobiológico belatacepte, uma "proteína de fusão" que se liga às moléculas

coestimulatórias CD80 e CD86 presentes na superfície das células apresentadoras de


antígeno. Esta ligação bloqueia a estimulação dos linfócitos T pelas células
apresentadoras, promovendo anergia e apoptose linfocitária. Uma das vantagens é que
o belatacepte é ministrado por infusão IV 1x ao mês.

Como tratar um episódio agudo de rejeição?

A estratégia padrão consiste na pulsoterpia com metilprednisolona (500 a 1.000 mg IV/dia,


por três dias).

Quais são as principais complicações infecciosas no paciente transplantado e


imunossuprimido?

Depende do tempo decorrido desde a realização da cirurgia...

➤ "Peritransplante" (1º mês):

■ Infecção da ferida cirúrgica (principal);

■ Reativação de herpes simples;

■ Candidíase orofaríngea;

■ ITU.

➤ "Precoces" (do 1º ao 6º mês):

■ Pneumocistose;

■ Citomegalovirose;

■ Legionelose;

■ Listeriose;

■ Hepatites B e C.

■ Aspergilose invasiva.
Obs.: o principal poliomavírus é o BK (BKV), que representa uma importante etiologia
de perda tardia do enxerto. Assim, toda disfunção de enxerto após o 6º mês de
transplante deve ser avaliada para reativação do BKV! Cerca de 90% das pessoas teve
infecção assintomática por este vírus na infância. O problema é que ele permanece em
estado latente no parênquima renal e, na vigência de imunodepressão acentuada, sofre
reativação gerando um quadro de nefrite intersticial progressiva (levando à fibrose e
atrofia do parênquima). O diagnóstico é confirmado pela demonstração de virúria e
viremia através da técnica PCR. Um teste de rastreio que costuma ser feito antes da
realização de PCR para BKV é a citologia urinária: a presença das decoy cells (células
epiteliais tubulares descamadas que apresentam inclusões virais e outras alterações
citopáticas) indica reativação do BKV... O tratamento consiste na diminuição da
intensidade da imunossupressão.

Detalhe: "BK" é uma abreviação do nome do primeiro paciente em que este vírus foi
isolado, na década de 70... NÃO TEM NADA A VER COM TUBERCULOSE!

Quais são as outras complicações possíveis após o transplante renal?

➤ Hipercalcemia: relacionada à persistência da hiperplasia e hiperatividade das


paratireoides (hiperparatireoidismo "terciário"). Pode induzir falência do enxerto.

➤ Hipertensão: relacionada à persistência do rim nativo doente, rejeição ao enxerto,


estenose de artéria renal ou toxicidade dos inibidores de calcineurina.

➤ Anemia: após o transplante, o paciente pode permanecer com algum grau de


insuficiência renal (ex.: TFG entre 30–50 ml/min), apresentando os sinais e sintomas
correspondentes a essa fase da DRC.

➤ Câncer: o tratamento imunossupressor aumenta o risco de câncer em cerca de 100


vezes quando comparado à população geral. De fato, cerca de 5–6% dos transplantados
desenvolve alguma neoplasia! As principais são: pele, lábios, Ca de colo uterino e
linfomas não Hodgkin.

➤ Doença cardiovascular: muitos indivíduos já possuíam doença coronariana ou


cardiomiopatia pela uremia crônica. Após o transplante, as lesões preestabelecidas
persistem, acarretando aumento da morbimortalidade (mais de 50% dos óbitos após o Tx
renal são por causas cardiovasculares!).

Você também pode gostar