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INJÚRIA RENAL AGUDA
INTRODUÇÃO
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
IRA PRÉ-RENAL
SÍNDROME HEPATORRENAL (SHR)
IRA INTRÍNSECA
IRA PÓS-RENAL
ABORDAGEM DIAGNÓSTICA
DIFERENCIAÇÃO ENTRE IRA E DRC
DESCOBRINDO A CAUSA DA IRA
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
PREVENÇÃO E TRATAMENTO
INDICAÇÕES DE DIÁLISE NA IRA
DOENÇA RENAL CRÔNICA
DEFINIÇÃO
FISIOPATOLOGIA
ESTADIAMENTO
FATORES DE RISCO
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
BIOQUÍMICA DA UREMIA
COMPONENTES DA SÍNDROME URÊMICA E SEU
TRATAMENTO
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS E ACIDOBÁSICOS
AJUSTE NA DOSE DE MEDICAMENTOS
TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL NA DRC
DEFINIÇÃO E TIPOS
ASPECTOS FISIOLÓGICOS
REMOÇÃO DE TOXINAS
CONTROLE ELETROLÍTICO E ACIDOBÁSICO
ULTRAFILTRAÇÃO
LIMITAÇÕES DA DIÁLISE
EFICÁCIA DA DIÁLISE
HEMODIÁLISE: ASPECTOS TÉCNICOS
ACESSO E CIRCUITO
TRATAMENTO DA ÁGUA
TIPOS DE FILTRO
MÉTODOS
DIÁLISE PERITONEAL: ASPECTOS TÉCNICOS
ACESSO
MÉTODOS
INDICAÇÕES E ESCOLHA DO MÉTODO
UREMIA AGUDA
UREMIA CRÔNICA
HEMODIÁLISE OU DIÁLISE PERITONEAL?
COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE
COMPLICAÇÕES DA HEMODIÁLISE
COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE PERITONEAL
HEMOFILTRAÇÃO E ANÁLOGOS
HEMOFILTRAÇÃO
HEMODIAFILTRAÇÃO
PROGNÓSTICO
TRANSPLANTE RENAL
INJÚRIA RENAL AGUDA
QUADRO DE RESUMO
O objetivo deste capítulo é definir o que é uma IRA (Injúria Renal Aguda). Existem várias
definições distintas, porém a mais utilizada na prática, de acordo com os consensos
internacionais, é a que vamos apresentar aqui. Esta definição é muito importante, pois,
quando identificada num determinado cenário clínico, permite a previsão de uma maior
chance de mortalidade relacionada àquele evento agudo.
Qualquer paciente que apresente aumento da creatinina sérica maior ou igual a 0,3
mg/dl em relação ao basal num período de 48h OU aumento da creatinina ≥ a 1,5x do
valor basal num período de uma semana E/OU redução do débito urinário para um valor
< 0,5 ml/kg/h por 6h ou mais está em IRA e tem risco aumentado de morte, sendo este
risco diretamente proporcional à magnitude das alterações observadas. Veremos que o
primeiro passo na investigação diagnóstica é definir se a IRA é pré-renal (hipoperfusão),
intrínseca (lesão do parênquima) ou pós-renal (lesão obstrutiva do trato urinário), ou uma
combinação de um ou mais desses três mecanismos. História, exame físico e alguns
poucos exames complementares já nos ajudam a definir o mecanismo da IRA, e a partir
daí podemos dar início a um tratamento mais direcionado.
INTRODUÇÃO
A definição mais aceita de Injúria Renal Aguda (IRA) é:
➤ Aumento da creatinina sérica ≥ 1,5x o valor de base, ocorrendo nos últimos sete dias
OU
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Estima-se que 5–7% das internações hospitalares de emergência e até 30% das admissões
na UTI se compliquem com IRA.
Nos pacientes com função renal normal prévia, a IRA costuma ser reversível, mesmo que
durante o episódio tenha demonstrado necessidade de diálise. No entanto, hoje sabemos
que a IRA é fator de risco para o posterior desenvolvimento de doença renal crônica. A IRA
também pode ser reversível quando o paciente já era previamente nefropata, porém a
probabilidade de recuperação satisfatória nestes casos tende a ser menor.
SAIBA MAIS
Exceto na IRA pré-renal e na pós-renal rapidamente resolvida, todo paciente com IRA que
sustenta dano ao parênquima renal apresenta perda de néfrons em algum grau. Quanto
maior a perda de néfrons, menor a reserva renal residual e, consequentemente, maior a
chance de ocorrer sobrecarga dos néfrons remanescentes (que complica com GESF
secundária e fibrose tubulointersticial progressiva), ou seja, maior a chance de DRC.
Logo, podemos afirmar que a IRA (principalmente a história de episódios repetitivos de
IRA) é fator de risco para DRC. De forma análoga, a presença de DRC (baixa reserva renal
prévia) é fator de risco para IRA.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
As causas de IRA são classificadas em três grupos não mutuamente excludentes:
Pré-renal;
Intrínseca;
Pós-renal.
IRA PRÉ-RENAL
A IRA pré-renal representa a forma mais comum de IRA na população geral, sendo causada
por uma redução do fluxo plasmático renal e consequente queda na pressão hidrostática
intraglomerular e na TFG. A princípio, não há dano estrutural ao parênquima renal e, por
isso, trata-se de um distúrbio prontamente reversível com a restauração da perfusão! Uma
hipoperfusão renal grave e prolongada, porém, pode culminar em necrose tubular aguda
isquêmica, uma forma de IRA intrínseca em que há dano ao parênquima renal, com o
quadro não se resolvendo imediatamente após melhora hemodinâmica. A IRA pré-renal
pode coexistir com os demais tipos de IRA (intrínseca, pós-renal), sendo importante
reconhecer este fato, já que o componente pré-renal, como vimos, é prontamente
reversível...
As principais causas de IRA pré-renal são: hipovolemia absoluta (ex.: hemorragia, vômitos,
diarreia, sequestro líquido no terceiro espaço, como grandes queimaduras, pancreatite);
hipovolemia relativa, isto é, redução do volume circulante efetivo mesmo com aumento do
volume de líquido extracelular total (ex.: ICC, cirrose hepática); drogas que bloqueiam a
autorregulação da TFG (AINE, IECA, BRA e ciclosporina — esta última causa vasoespasmo
da arteríola aferente).
A SHR reverte com a resolução da falência hepática, seja de forma espontânea (ex.:
melhora de uma hepatite fulminante) ou após transplante hepático. Medidas
contemporizadoras podem ser empregadas para tentar manter a função renal estável na
SHR tipo 1 até que um transplante hepático seja viabilizado. As três mais estudadas são:
A SHR tipo 1 pode surgir espontaneamente, como parte da história natural da falência
hepática avançada ou pode ser precipitada por insultos como hipovolemia, peritonite
bacteriana espontânea, hemorragia digestiva, entre outros. Nestes casos, a diferenciação
entre uma simples IRA pré-renal e a SHR tipo 1 se dá pelo cumprimento dos requisitos
diagnósticos de SHR tipo 1, que incluem: azotemia rapidamente progressiva que não
melhora após suspensão dos diuréticos e correção da hipovolemia e exclusão de dano
estrutural ao parênquima renal (EAS "limpo", USG renal normal). Um sódio urinário
persistentemente baixo (< 10 mEq/L) é fator adjuvante que corrobora o diagnóstico.
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RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – SP – USP-SP
IRA INTRÍNSECA
Aqui ocorre dano estrutural ao parênquima renal e, em geral, existe um "compartimento"
primariamente acometido (vasos, glomérulos, tubulointersticial). Na prática, a causa mais
comum de IRA intrínseca é a Necrose Tubular Aguda (NTA), que representa cerca de 90%
dos casos. Considerando especificamente a população de doentes críticos internados no
CTI, a NTA passa a representar a causa mais comum de IRA, suplantando a IRA pré-renal.
Apesar deste termo ter sido consagrado na literatura médica, estudos recentes baseados
em análise histopatológica revelam que em muitos casos não ocorre franca necrose do
epitélio tubular — nestes, as células tubulares apresentam apenas disfunção "subcelular"
(isto é, de organelas como as mitocôndrias, responsáveis pela síntese de ATP, e o retículo
endoplasmático, responsável pela síntese de proteínas), sem descamação. Essa disfunção é
mediada pela "tempestade" de citocinas inflamatórias sistêmicas; outras vezes, o que se
observa é apoptose (também sem descamação), e não necrose.
Seja como for, o quadro clássico é de morte das células tubulares, que se descamam da
membrana basal e formam plugues obstrutivos intratubulares. Sobrevém bloqueio ao fluxo
urinário e retorno à circulação (backleak) das toxinas filtradas no glomérulo, devido à perda
da barreira epitelial. Com as células tubulares "desligadas", perde-se a capacidade de
reabsorver solutos ao longo do néfron, o que aumenta o aporte ao túbulo distal, fazendo o
balanço tubuloglomerular induzir uma intensa vasoconstrição da arteríola aferente, fazendo
a TFG "despencar" rapidamente.
A NTA pode ser isquêmica e/ou tóxica. A forma isquêmica nada mais é do que um dos
extremos dentro do espectro da isquemia renal, ou seja, a hipoperfusão profunda e
persistente inicialmente gera IRA pré-renal, que logo se transforma em NTA. A forma tóxica
pode ser causada por substâncias endógenas e/ou exógenas. As principais nefrotoxinas
endógenas são os pigmentos mioglobina (rabdomiólise), hemoglobina (hemólise
intravascular) e ácido úrico (lise tumoral). As principais nefrotoxinas exógenas são
antibióticos (ex.: aminoglicosídeos, anfotericina B), quimioterápicos (ex.: cisplatina),
contraste iodado e etilenoglicol (que lesa os túbulos devido à hiperoxalúria).
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SEPSE
A causa mais frequente de NTA é a sepse, que mescla elementos isquêmicos (instabilidade
hemodinâmica) com elementos tóxicos (excesso de citocinas inflamatórias). O rim é um dos
principais alvos orgânicos da sepse, sendo afetado em 50% ou mais dos casos. Na sepse, a
NTA pode ocorrer mesmo na ausência de hipotensão arterial, porém o mais comum é que
ela apareça em um contexto de colapso circulatório, com hipotensão arterial e claras
evidências de necrose do epitélio tubular (cilindros granulosos pigmentares no EAS).
Todos esses fatores operam em conjunto de modo a produzir disfunção das células do
epitélio tubular renal!
PÓS-OPERATÓRIO
As três cirurgias com maior risco de IRA no pós-operatório são:
Cirurgia vascular com clampeamento aórtico acima da origem das artérias renais;
A chance de IRA com necessidade de diálise só por efeito do procedimento (isto é, sem
contar a possibilidade de a IRA aparecer devido a outras complicações pós-operatórias,
como a sepse) gira em torno de 1% em cada uma das três cirurgias citadas!
Nas cirurgias vasculares com clampeamento aórtico acima da origem das artérias renais, o
principal fator nefroagressivo é o tempo de clampeamento, já que nestes procedimentos o
rim é isquemiado. É por isso que o risco de uma correção cirúrgica de aneurisma de aorta
abdominal acima das renais é muito maior do que o risco de uma correção de aneurisma
abaixo das renais... A presença de fatores de risco para DRC (ex.: idade avançada, HAS,
DM, aterosclerose), muito comum na população de pacientes que necessitam desse tipo de
cirurgia, contribui para a baixa reserva renal e maior "sensibilidade" à isquemia (isso
também se aplica à cirurgia cardíaca com CEC). A realização de angiografia perioperatória
pode agregar um componente de IRA induzida por contraste e/ou ateroembolismo.
➤ SIRS.
Existe ainda o agravante de o risco de sepse estar aumentado nesses pacientes. Cumpre
ressaltar que uma reposição volêmica excessiva também pode ser danosa: o edema e a
transudação de líquido nas vísceras abdominais podem causar a síndrome compartimental
abdominal (pressão intra-abdominal > 20 mmHg), levando à compressão extrínseca das
veias renais e, consequentemente, redução adicional da TFG.
Por ter eliminação renal, o contraste se concentra nos rins, o que explica seu grande
potencial lesivo a este órgão. Modificações moleculares do contraste por efeito da
radiação ionizante aplicada durante o exame parecem acentuar seu efeito nefrotóxico
(ex.: maior formação de radicais livres). Os contrastes iônicos e hiperosmolares acarretam
maior risco e quanto maior o volume injetado, maior a chance de lesão (ex.: o risco após
um cateterismo cardíaco é maior do que após uma TC com contraste).
O principal fator de risco é ter DRC prévia, especialmente nefropatia diabética... Com
uma baixa reserva renal devido à DRC prévia, há maior dependência de vasodilatação
arteriolar basal para manter a hiperfiltração dos néfrons remanescentes; logo, qualquer
perturbação microcirculatória pode ser catastrófica nesse tipo de doente. No diabetes
mellitus, a disfunção endotelial comumente associada potencializa a chance de IRA
contraste-induzida (menor capacidade de produzir substâncias vasodilatadoras e
antitrombóticas). Outros fatores de risco são: hipovolemia, insuficiência cardíaca, mieloma
múltiplo e uso concomitante de outras nefrotoxinas (ex.: AINE, aminoglicosídeos).
SAIBA MAIS
É esperado que entre 10–30% das pessoas que recebem aminoglicosídeos por > 1
semana desenvolvam IRA, mesmo que os níveis séricos se mantenham dentro da faixa
terapêutica. Tais drogas possuem uma porção "amino" e uma porção "glicídica" em sua
molécula, ou seja, existe forte propensão natural para sua reabsorção no túbulo proximal,
local onde fisiologicamente se reabsorvem os aminoácidos e os açúcares filtrados. A
hiperconcentração de aminoglicosídeos nas células do TCP promove disfunção deste
segmento do néfron, o que explica a IRA não oligúrica tipicamente hipocalêmica e
hipomagnesêmica (aliás, esta é uma das poucas causas de IRA com K+ sérico reduzido).
SAIBA MAIS
Homem, 59 anos de idade, procura ambulatório de clínica médica com queixa de febre e
mal estar, há duas semanas. Tem dispepsia, frequentemente. Em uso irregular de
omeprazol. Ao exame, apresenta-se em bom estado geral, com T. 37,8°C e demais
sinais vitais normais. Exame neurológico sem alterações. Realizados exames
laboratoriais, com Hb = 12,3 g/dl; leucócitos = 9000/mm³ (70% de neutrófilos, 15% de
linfócitos e 15% de eosinófilos); Cr = 2,5 mg/dl; Ur = 45 mg/dl; AST = 18 U/L; ALT = 20
U/L; Na = 137 mEq/L; K = 4,0 mEq/L. Sumário de urina com 6 hemácias, por campo,
leucócitos: 10 por campo com >1% de eosinófilos, proteinúria 2+/4+. Em relação ao
quadro clínico apresentado, indique o exame complementar capaz de confirmar o
diagnóstico do paciente.
a) c-ANCA.
d) Biópsia renal.
IRA PÓS-RENAL
Qualquer ponto do trato urinário, da pelve renal à ponta da uretra, pode sofrer obstrução
parcial ou total, causando a chamada azotemia pós-renal. Essa obstrução pode ser
anatômica (intrínseca ou extrínseca) ou funcional (incoordenação motora do trato urinário).
O elemento fisiopatológico central nesta forma de disfunção renal é o aumento retrógrado
da pressão hidrostática do trato urinário, causando hipertensão no interior da cápsula de
Bowman e redução da TFG. Em sua expressão clínica aguda, o mecanismo pós-renal é mais
comum com obstruções completas da via urinária terminal, cursando com anúria.
Desse modo, as principais causas de IRA pós-renal são condições que envolvem a bexiga, o
colo vesical e a uretra, já que obstruções nestes locais comprometem o fluxo de urina
oriundo de ambos os rins. Os principais exemplos são: bexiga neurogênica, paraefeito de
drogas com ação anticolinérgica (paralisia do detrusor) ou alfa-adrenérgica (hipertonia do
esfíncter uretral), doenças da próstata e obstrução do cateter vesical.
➤ DRC prévia, com diminuição da reserva renal no rim não acometido pela obstrução.
SAIBA MAIS
É descrito um raro reflexo vascular renal contralateral, isto é, um paciente com dois
rins desenvolve IRA grave na presença de obstrução ureteral unilateral devido a um
vasoespasmo arterial do rim não obstruído.
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ABORDAGEM DIAGNÓSTICA
USG renal, que na DRC vai mostrar rins de tamanho reduzido (< 8 cm no maior eixo),
com atrofia cortical (< 1 cm de espessura) e perda da diferenciação corticomedular, isto
é, a diferenciação na ecogenicidade entre córtex e medula renal (onde o córtex é
naturalmente menos ecogênico do que a medula) é anulada, com todo o rim se
apresentando mais ou menos homogeneamente hiperecogênico, devido à fibrose
parenquimatosa. Observe a Figura 1;
Algumas condições podem causar DRC com rins de tamanho normal ou aumentado...
São elas:
Rins policísticos;
Nefropatia diabética;
Amiloidose;
Obstrução urinária
Esclerose sistêmica;
Anemia falciforme.
Não se esqueça que DRC é fator de risco para IRA e, desse modo, o paciente pode
apresentar o que se chama de "DRC agudizada", isto é, IRA sobreposta a um quadro de
DRC de base. Mesmo nestes pacientes a fisiopatologia da IRA deve ser identificada, pois
seu tratamento específico pode evitar a evolução para um quadro de falência renal
dialítica! O diagnóstico de IRA nesse contexto, na ausência de redução do débito urinário,
dependerá da dosagem seriada dos níveis plasmáticos de ureia e creatinina, que
aumentarão de forma acelerada (poucos dias).
RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2019
FACULDADE DE MEDICINA DO ABC – ABC
A.R.J., masculino, 27 anos, sem comorbidades prévias. Procura atendimento médico via
pronto-socorro com quadro de edema, redução de débito urinário e urina espumosa. Ao
exame físico, encontra-se com pressão arterial sistêmica: 180 x 110 mmHg, frequência
cardíaca em 90 bpm, frequência respiratória em 23 irpm, anasarcado. Solicitado exame
de creatinina, demonstrando um valor de 5.4 mg/dl. Das alternativas abaixo, qual é a
mais compatível com o resultado de Ultrassonografia de rins e vias urinárias (USG) e
sedimento urinário deste paciente?
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Anamnese e exame físico são essenciais para o raciocínio diagnóstico, pois estabelecem o
contexto clínico que, na maioria das vezes, não apenas estreita o rol de possibilidades
etiológicas como também, em geral, aponta para um mecanismo óbvio de IRA (pré-renal,
intrínseca ou pós-renal). É importante não esquecer de que mais de um desses
mecanismos pode estar presente, eventualmente de forma não tão óbvia...
Considerando que a IRA pré-renal representa a forma mais comum de IRA, é imprescindível
avaliar a existência de sinais e sintomas de redução do volume circulante efetivo (volume
de sangue no interior do leito arterial), o que justifica hipoperfusão renal.
O segundo mecanismo mais comum de IRA é a lesão renal intrínseca. A forma mais
frequente de IRA intrínseca é a NTA, que pode ser isquêmica e/ou nefrotóxica. Logo, sinais
e sintomas de IRA pré-renal profunda e prolongada (ex.: franco choque circulatório),
infecção complicada com sepse, pós-operatório de grandes cirurgias, paciente queimado ou
com pancreatite aguda, rabdomiólise, hemólise maciça, lise tumoral e também se houver
uso de drogas diretamente nefrotóxicas (contraste iodado, aminoglicosídeos,
quimioterápicos entre outras causas de NTA, ou betalactâmicos, AINE, IBP, rifampicina e
alopurinol, entre outras causas de NIA alérgica) sugere-se fortemente a existência de lesão
direta ao parênquima renal. Lembre-se de que a síndrome clássica da NIA alérgica (que
inclui febre e rash cutâneo) pode não estar presente...
Uma entidade associada à IRA intrínseca que está se tornando cada vez mais frequente
devido ao envelhecimento da população e ao aumento no número de procedimentos
endovasculares é o ateroembolismo renal. Não podemos deixar passar esse diagnóstico,
especialmente se houver sinais e sintomas típicos, como livedo reticular, placas de
Hollenhorst no fundo de olho e a clássica "síndrome do dedo azul" (isquemia de dígitos).
Por fim, cogitaremos a possibilidade de mecanismo pós-renal no paciente com história de
urolitíase, doença prostática e/ou uso de medicamentos anticolinérgicos (paralisia do
detrusor) ou alfa-adrenérgicos (hipertonia do esfíncter uretral). História de câncer na região
pélvica ou para-aórtica é um dado igualmente importante para considerarmos a
possibilidade de IRA pós-renal. A ocorrência de sinais e sintomas dependerá do local da
obstrução, bem como de sua velocidade de instalação e se a mesma é total ou parcial. No
exame físico, em pacientes com IRA oligoanúrica, a presença de globo vesical palpável
(tipicamente doloroso) é um dado bastante fidedigno de obstrução, devendo, inclusive,
motivar a imediata passagem de cateter vesical (ou punção suprapúbica, em caso de
insucesso do cateterismo vesical). Se houver vazão de grande volume de urina com esta
manobra o diagnóstico do mecanismo pós-renal estará dado. Outra situação em que
devemos "lembrar" da IRA pós-renal é na disfunção renal aguda sem causa aparente.
Somente a investigação radiológica é capaz de confirmar em definitivo a existência do
mecanismo pós-renal.
URINÁLISE
O exame simples de urina (EAS) possui baixa sensibilidade e especificidade para definir as
causas de IRA, já que, em muitos cenários, é normal ou apresenta alterações que podem
ser igualmente vistas em mais de uma etiologia. Não obstante, trata-se de ferramenta
auxiliar indispensável, pois quando bem relacionado ao contexto clínico, costuma sugerir
hipóteses diagnósticas.
Centrifugação;
Níveis significativos de proteinúria (2+ ou 3+) só costumam ser vistos quando existe dano
ao glomérulo (proteinúria "glomerular", geralmente > 2 g/dia). Nas lesões
tubulointersticiais, a proteinúria, quando presente, é discreta (traços ou 1+), o que
corresponde a valores de proteinúria "tubular" (< 1–2 g/dia). Alguns pacientes, contudo,
apresentam lesão nos dois compartimentos (ex.: NIA por AINE, em que os glomérulos
desenvolvem lesão mínima), cursando com proteinúria maciça (> 3,5 g/dia). Outras vezes,
o paciente já era portador prévio de DRC proteinúrica, desenvolvendo IRA sobreposta que,
independentemente da fisiopatologia, manterá os mesmos níveis elevados de proteinúria
no EAS...
Com relação ao sedimento urinário, diversas pistas podem ser levadas em conta.
Na IRA pré-renal, o sedimento costuma ser normal ou apresentar apenas cilindros hialinos
(compostos pela proteína de Tamm-Horsfall) — um indício de hiperconcentração urinária.
Na IRA pós-renal, o sedimento também pode ser normal ou apresentar hematúria (não
dismórfica) e piúria, dependendo se a causa da obstrução é uma lesão intraluminal ou não.
Na IRA intrínseca, a lista de possibilidades é mais variada... Lesões glomerulares têm
como achados patognomônicos a hematúria dismórfica (> 5% de acantócitos) e os cilindros
hemáticos (basta um cilindro hemático para confirmar a existência de inflamação
glomerular). A NTA classicamente se manifesta com cilindros granulosos pigmentares,
reflexo da descamação de células epiteliais tubulares que, devido ao baixo fluxo tubular,
têm tempo para se degenerar (resultando no material amorfo granuloso). Cumpre salientar,
no entanto, que em 20% dos casos de NTA não se observam tais cilindros, logo, sua
ausência não afasta o diagnóstico de NTA! Nas nefrites intersticiais agudas, há piúria e
cilindros leucocitários, muitas vezes eosinofilúria. Muita gente guarda o conceito errado de
que eosinofilúria é patognomônico de NIA alérgica — não é... Qualquer nefrite intersticial
aguda pode cursar com eosinófilos na urina (incluindo condições como o ateroembolismo),
e, na realidade, a maioria dos casos de NIA alérgica sequer apresenta tal achado!
A cristalúria é outro dado importante fornecido pelo sedimento. Alguns tipos de cristais,
quando presentes em grande quantidade em um paciente com IRA, sugerem a etiologia. Os
principais exemplos são: cristais de oxalato (sugestivos de intoxicação por etilenoglicol) e
cristais de ácido úrico (sugestivos de lise tumoral).
Suzana, 42 anos, há 3 dias com disúria, polaciúria e urina de odor fétido. Presumiu
diagnóstico de cistite após breve pesquisa na internet e tomou levofloxacino 500 mg/dia
por conta. Começou a apresentar náuseas e vômitos incoercíveis. Apesar de melhora
dos sintomas urinários, sem resolução das náuseas e vômitos. Procurou pronto
atendimento, onde foram realizados exames complementares. Creatinina sérica 1,7
mg/dl, ureia sérica 130 mg/dl. Parcial de urina com densidade elevada, sem proteinúria,
leucocitúria ou hematúria. Ultrassonografia de aparelho urinário normal. Baseado na
história clínica e nos exames complementares, qual a provável etiologia da disfunção
renal aguda?
EXAMES DE SANGUE
A principal alteração observada é a azotemia, isto é, aumento das escórias nitrogenadas
ureia e creatinina. Em algumas etiologias, a evolução temporal desses marcadores segue
um padrão estereotipado. Por exemplo: na IRA pré-renal, a azotemia reverte prontamente
com a restauração das condições hemodinâmicas. Na IRA induzida por contraste, a
azotemia se inicia 24–48h após o exame, atingindo um pico entre o 3º e o 5º dia,
normalizando-se após uma semana. No ateroembolismo (principal diagnóstico diferencial
da nefropatia por contraste), o aumento de escórias após o exame costuma ter velocidade
variável, mas é tipicamente irreversível. Na toxicidade dos aminoglicosídeos e da cisplatina,
a azotemia só aparece após a primeira semana de uso.
Na maioria das vezes, a IRA é hipercalêmica, mas existem algumas condições em que a
IRA é tipicamente hipocalêmica. As principais são:
Toxicidade da anfotericina B;
Leptospirose grave;
Hipertensão maligna.
Diante de IRA com AG aumentado e presença de cristais de oxalato na urina, temos que
pesquisar o "gap osmolar" do plasma (diferença entre a osmolaridade medida e a
osmolaridade calculada). Se o valor for > 10 (alto), a principal hipótese é intoxicação por
etilenoglicol. O etilenoglicol é transformado em oxalato, o qual é excretado na urina e
forma os referidos cristais.
A ideia central é: na IRA pré-renal os túbulos estão íntegros e encontram-se ávidos por
reabsorver sódio e água, ao passo que na NTA os túbulos foram lesados, não sendo mais
capazes de reabsorver sódio e água como deveriam. Assim, na pré-renal há pouco sódio e
pouca água na urina, e na NTA o contrário é verdadeiro.
A maioria dos índices de falência renal não é utilizada na prática, devido a sua
complexidade. No entanto, três deles merecem nossa atenção:
Osmolaridade urinária.
Na IRA pré-renal, o hipofluxo tubular e a concentração urinária (graças à preservação de
um interstício medular hipertônico) promovem intensa reabsorção de ureia, cujos níveis
séricos tornam-se desproporcionalmente mais altos do que os de creatinina, produzindo
uma relação Ur/Cr > 40. Já na NTA, a despeito de também haver hipofluxo tubular, a
capacidade de concentrar a urina e manter um interstício medular hipertônico é afetada, e,
por isso, menos ureia é reabsorvida, mantendo a relação Ur/Cr < 20.
SAIBA MAIS
Cumpre salientar, no entanto, que existem outras causas para uma relação Ur/Cr > 40
não relacionadas à IRA pré-renal, por exemplo: hemorragia digestiva alta (a
metabolização da hemoglobina por enterobactérias produz grande quantidade de ureia
que é imediatamente absorvida), hiperalimentação e estados hipercatabólicos (em
ambas há excesso de produção endógena de ureia, na primeira por metabolismo das
proteínas ingeridas, na segunda por catabolismo de proteínas teciduais) e uso de
glicocorticoide (aumento do catabolismo muscular). Logo, para atribuir uma relação Ur/Cr
> 40 à IRA pré-renal é preciso ter um quadro clínico condizente.
SAIBA MAIS
Cumpre salientar que esta regra também possui exceções... Algumas etiologias de NTA
apresentam forte componente pré-renal associado, como a fase inicial da sepse
(vasodilatação generalizada), a rabdomiólise (sequestro líquido no terceiro espaço criado
pelo edema muscular) e a nefropatia induzida por contraste (vasoespasmo das arteríolas
pré-glomerulares). Em todas essas condições, a despeito de haver lesão estrutural do
epitélio tubular, podemos ter FENa < 1%. Outrossim, também é possível termos IRA pré-
renal com FENa > 1%... É o que acontece, por exemplo, no paciente cuja causa da IRA
pré-renal é o excesso de diuréticos (os diuréticos "desligam" a reabsorção tubular de
sódio), bem como no portador prévio de DRC que "agudiza" com hipoperfusão renal (os
néfrons remanescentes na DRC aumentam sua excreção obrigatória de sódio a fim de
compensar a perda de massa renal funcionante, logo, são menos capazes de reabsorver
sódio caso necessário).
Como vimos, na IRA pré-renal a função tubular intacta mantém o interstício medular
hipertônico e uma adequada responsividade ao hormônio antidiurético, de modo que a
osmolaridade urinária fica tipicamente > 500 mOsm/L nesta situação ("pouca água na
urina"). Já na NTA a capacidade de reabsorver água encontra-se reduzida, o que faz com
que a osmolaridade urinária fique < 350 mOsm/L na presença de lesão parenquimatosa
renal.
Enfim... Na dúvida, o melhor a fazer é a chamada "prova de volume" (aliás, é isso que se
costuma fazer na prática, dada a baixa disponibilidade dos exames de bioquímica urinária
em nosso meio). Se for IRA pré-renal, um bolus de solução salina IV irá restaurar a diurese
e melhorar a azotemia, aumentando também a excreção de sódio e água (este
procedimento é diagnóstico e terapêutico ao mesmo tempo). Se for NTA, não haverá
melhora de nenhum desses parâmetros.
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EXAMES DE IMAGEM
A USG ou mesmo a TC de rins e vias urinárias devem ser solicitadas na suspeita clínica de
IRA pós-renal. Outra situação em que um exame de imagem está indicado é quando a IRA
não possui uma causa aparente após anamnese, exame físico e exames laboratoriais
básicos.
Pacientes com IRA anúrica e bexiga palpável devem ser imediatamente submetidos a um
cateterismo vesical ou, na impossibilidade técnica deste, um cateterismo suprapúbico.
Mesmo após estes procedimentos, recomenda-se realizar métodos de imagem a fim de
esclarecer a exata etiologia da obstrução.
Fibrose retroperitoneal;
Infiltração da parede do trato urinário por tumor ou outras doenças. Nos itens 3 e 4
anteriormente citados dizemos que existe "encarceramento" do trato urinário.
Se o grau de suspeição de obstrução com encarceramento urinário for alto, sendo a USG ou
a TC normais (sem indícios de obstrução), deve-se recorrer a métodos invasivos como a
pielografia anterógrada ou retrógrada. A primeira é realizada através de punção
percutânea da pelve renal (cirurgia). A segunda é realizada por meio de cistoureteroscopia.
Em ambos os procedimentos não apenas se confirma a existência de obstrução intrínseca
da via urinária como também é possível realizar um procedimento de desobstrução,
implantando-se um cateter de nefrostomia no primeiro caso, ou um stent ureteral (cateter
"duplo-J") no segundo caso.
Não há risco de nefropatia induzida por contraste nas pielografias invasivas, pois o
contraste ministrado não é absorvido. A clássica urografia excretora (administração IV
de contraste seguida de obtenção de radiografias simples do abdome na fase de
excreção urinária do mesmo) tornou-se obsoleta na atualidade. Na uro-TC, existe risco
de nefropatia induzida por contraste na vigência de insuficiência renal. A RM do trato
urinário não traz nenhuma vantagem em relação à uro-TC, logo, por ser mais cara e
menos disponível, não costuma ser solicitada. Ademais, no portador de insuficiência
renal é proibido ministrar o contraste paramagnético gadolínio, devido ao risco de
fibrose sistêmica nefrogênica.
BIÓPSIA RENAL
A biópsia renal costuma ser reservada na prática para os pacientes em que os diagnósticos
de IRA pré-renal, IRA pós-renal e NTA isquêmica e/ou tóxica foram devidamente afastados,
ou seja, nas situações em que o mais provável é que se trate de outras formas de IRA
intrínseca (ex.: glomerulopatias, nefrites intersticiais, microangiopatia). A biópsia é o
método padrão-ouro para confirmação diagnóstica, servindo também para estratificação do
prognóstico, com base no quanto há de lesão parenquimatosa "ativa" (necroinflamação) e
no quanto há de lesão "inativa" (cicatrização fibrótica residual). Já tratamos extensamente
sobre biópsia renal na primeira apostila do bloco de nefrologia deste curso.
Ureia e creatinina são marcadores da função filtrativa renal, e não marcadores diretamente
relacionados à integridade do parênquima renal. Além disso, ureia e creatinina demoram a
se alterar após o início de uma injúria renal aguda (quer dizer, as escórias nitrogenadas
sempre "andam atrás" da queda na TFG).
Nos últimos anos, algumas substâncias mais sensíveis e específicas para a detecção de
lesões parenquimatosas renais têm sido estudadas, mas nenhuma foi definitivamente
incorporada na prática clínica... As mais promissoras são o KIM-1 (Kidney Injury Molecule)
e o NGAL (Neutrophil Gelatinase Associated Lipocalin). Ambas são proteínas
transmembrana exclusivamente produzidas pelas células tubulares renais lesadas, não
sendo expressas em quantidades apreciáveis pelo rim saudável, tampouco por tecidos
extrarrenais. Suas funções seriam o aumento da fagocitose de debris intratubulares, bem
como uma ação anti-inflamatória local. O aumento de seus níveis urinários e/ou séricos
parece indicar injúria renal intrínseca de forma bastante precoce, o que seria interessante
considerando-se o desenvolvimento de medidas preventivas da NTA no futuro.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Como vimos, muitas vezes a IRA é um diagnóstico puramente laboratorial, isto é, azotemia
assintomática. Contudo, dependendo do grau de queda na TFG e das condições mórbidas
associadas, podem surgir alterações homeostáticas potencialmente fatais.
UREMIA
DISTÚRBIOS DA VOLEMIA
SAIBA MAIS
Como proceder?
HIPONATREMIA
Pacientes com IRA grave não devem receber soluções hipo-osmolares, como salina
hipotônica ou soro glicosado puro, pois sua capacidade de eliminar água livre encontra-se
comprometida. Se tais soluções forem ministradas ao paciente (ou se o mesmo ingerir água
livre em excesso), há risco de hiponatremia hipotônica, que pode ser grave e resultar em
encefalopatia hipo-osmolar aguda.
HIPERCALEMIA
Convém lembrar que existem raras causas de IRA hipocalêmica. As quatro principais são:
Aminoglicosídeos;
Anfotericina B;
Hipertensão maligna;
Leptospirose grave.
ACIDOSE METABÓLICA
HEMORRAGIA
A melhor forma de corrigir o distúrbio na hemostasia causado pela IRA é a diálise, porém,
como medida contemporizadora até que a diálise seja instituída pode-se ministrar
DDAVP (desmopressina) no paciente com sangramento por disfunção plaquetária. O
mecanismo de ação parece ser o aumento na liberação do fator de von Willebrand a
partir de estoques endoteliais pré-formados. Isso provavelmente explica o fenômeno de
taquifilaxia que já se manifesta após a segunda dose de DDAVP (esgotamento
progressivo dos referidos estoques), portanto não adianta insistir em tal conduta por
muito tempo... O DDAVP pode ser feito por via IV ou SC na dose de 0,3 mcg/kg, ou 3
mcg/kg pela via intranasal. O efeito começa em até 1h e dura entre 4–8h.
INFECÇÕES
As infecções não apenas podem ser causa de IRA como também sua consequência. O
mecanismo é multifatorial e não totalmente compreendido... Pacientes com IRA grave
geralmente estão hipercatabólicos, com múltiplas invasões orgânicas (incluindo o cateter
de diálise) e é muito provável que as próprias escórias nitrogenadas prejudiquem o
funcionamento das células de defesa. Lembre-se de que na presença de proteinúria maciça
diversos elementos do sistema imune humoral são perdidos na urina (anticorpos,
complemento), o que aumenta ainda mais o risco de infecções.
COMPLICAÇÕES CARDÍACAS
DESNUTRIÇÃO
Conforme já dissemos, pacientes com IRA grave em geral encontram-se hipercatabólicos,
isto é, com consumo acelerado de suas reservas endógenas de energia. O estado crítico se
acompanha de alterações no metabolismo que promovem consumo preferencial de
proteínas como fonte energética, o que aumenta a perda de massa magra e traz diversos
prejuízos ao paciente (ex.: fraqueza do músculo diafragma, com hipoventilação das bases
pulmonares e risco aumentado de pneumonia).
SAIBA MAIS
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PREVENÇÃO E TRATAMENTO
O manejo do paciente com IRA ou alto risco de desenvolver IRA varia conforme o
mecanismo específico. No entanto, alguns princípios básicos se aplicam a todos os
cenários:
Profilaxia da hemorragia digestiva alta (BH2 ou IBP, lembrando que estes últimos podem
ser causa de NIA);
IRA PRÉ-RENAL
Como o principal mecanismo fisiopatológico dessa forma de IRA é a queda da perfusão
renal, o objetivo terapêutico primário não poderia ser outro que não a restauração e
manutenção de uma perfusão renal adequada.
SAIBA MAIS
Até hoje persiste a controvérsia acerca de qual seria a melhor solução: cristaloide ou
coloide? Não há provas de diferenças significativas entre ambas, logo, na prática, os
cristaloides acabam sendo os mais usados, por serem mais baratos e disponíveis. O que
se sabe com certeza é:
Pacientes com hipovolemia por qualquer outro motivo (isto é, que não apresenta
hemorragia ou perda de plasma para o terceiro espaço) são preferencialmente
ressuscitados com solução salina cristaloide. Na hipovolemia grave utiliza-se o soro
fisiológico (NaCl 0,9%), mas nas hipovolemias menos graves e, principalmente, no paciente
mais desidratado (ex.: com hipernatremia) pode-se lançar mão da solução salina
hipotônica, ou "salina a meio" (NaCl 0,45%).
Quando grandes volumes de SF 0,9% são ministrados em curto espaço de tempo (ex.: >
2 L em bolus), o excesso de cloreto acaba gerando acidose metabólica hiperclorêmica. O
mecanismo é:
Como o cloreto está presente em excesso no SF, ele acaba sendo preferencialmente
retido pelos rins para manter o equilíbrio eletroquímico do plasma.
Outra questão relativa à otimização do status hemodinâmico no paciente com IRA pré-renal
é a melhora da função cardiocirculatória, que pode necessitar de drogas inotrópicas,
redutoras de pré ou pós-carga, antiarrítmicos e até mesmo dispositivos de assistência
circulatória mecânica. Evidentemente, quanto mais grave a hipovolemia, maior a
necessidade de monitorização invasiva (ex.: cateter arterial de PAM, cateter venoso
profundo com capacidade de medir débito cardíaco e resistência vascular periférica e,
claro, cateter vesical para mensuração contínua do débito urinário).
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IRA INTRÍNSECA
Como vimos, a principal causa de IRA intrínseca é a NTA. Infelizmente, até o momento, não
há tratamento específico para esta condição. Diversas abordagens já foram testadas, e
todas falharam... Por exemplo: dopamina em baixas doses (apesar de produzir
vasodilatação arteriolar renal, não evita a NTA e ainda por cima aumenta a mortalidade por
arritmia cardíaca/isquemia intestinal), peptídeo atrial natriurético, furosemida em altas
doses, bloqueadores de canal de cálcio, bloqueadores alfa-1 adrenérgicos, inibidores de
endotelina, análogos de prostaglandina, antioxidantes, eritropoetina, anticorpos contra
moléculas de adesão leucocitária, fatores de crescimento, entre outros...
Acredita-se que a principal explicação para a falha dessas abordagens seja o fato de que os
estudos realizados incluíram pacientes com NTA já estabelecida e avançada! Se tais
intervenções puderem ser feitas no momento que antecede a instalação da NTA, é provável
que muitas delas se mostrem efetivamente benéficas no sentido de prevenir a NTA. Com o
advento de biomarcadores específicos de lesão tubular precoce (KIM-1, NGAL), espera-se
que novos estudos venham a ser realizados selecionando melhor os pacientes que estão na
iminência de evoluir com NTA!
A IRA intrínseca relacionada às doenças autoimunes (ex.: LES, glomerulonefrites,
vasculites) responde ao tratamento imunossupressor agressivo (glicocorticoide ±
imunossupressor ± plasmaférese, dependendo do diagnóstico específico). Na NIA alérgica,
a conduta se baseia na suspensão do fármaco implicado, podendo-se ministrar
glicocorticoide no paciente com IRA inicialmente grave ou que não melhora/piora uma
semana após a suspensão da droga.
a) CERTO.
b) ERRADO.
Se ocorrer hipocalcemia sintomática, alcalose metabólica com pH > 7,50 e/ou bicarbonato
sérico > 30 mEq/L, a infusão de bicarbonato deve ser suspensa, mantendo-se apenas a
infusão de salina isotônica. O bicarbonato também deve ser suspenso, se o pH urinário não
ficar > 6,5 após 3–4h de infusão. Se todas as metas forem atingidas, mantém-se a infusão
de bicarbonato junto com a salina isotônica até que os níveis de CPK caiam abaixo de 5.000
U/L.
Diuréticos podem ser usados para ajudar a "forçar" a diurese de pacientes volemicamente
repostos que não atingem o débito urinário preconizado. Pode-se utilizar diurético de alça,
como a furosemida, ou diurético osmótico, como o manitol.
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A conduta consiste na desobstrução do trato urinário, e a forma como isso será feito
depende especificamente de onde está localizada a obstrução. Nas obstruções ao nível da
uretra ou colo vesical a melhor abordagem é o cateterismo vesical, recorrendo-se ao
cateterismo suprapúbico nos casos de insucesso do primeiro. Nas obstruções ureterais
pode-se realizar nefrostomia percutânea ou implante de um stent ureteral (cateter duplo-J),
com preferência por este último, dada sua menor morbidade. Todas essas medidas visam
apenas aliviar artificialmente a obstrução, até que um tratamento definitivo para a causa
do problema seja implementado.
O momento exato em que a diálise de urgência deve ser iniciada é motivo de debate. Por
um lado, existe o argumento de que não se deve esperar o surgimento de uma
complicação potencialmente fatal para iniciar o procedimento. Por outro, existe o
argumento de que iniciá-lo cedo demais aumenta a exposição do paciente aos riscos
inerentes à diálise, como complicações da punção venosa, infecção da corrente circulatória
e hipotensão arterial.
Existem duas modalidades básicas de diálise: peritoneal e hemodiálise. Ambas podem ser
usadas, e a escolha fica a cargo da expertise da equipe médica e da disponibilidade local.
Na prática, o método preferencial para tratamento da IRA em adultos é a hemodiálise, pois
sua eficiência "depuradora" no paciente hipercatabólico é superior à da diálise peritoneal.
Existem diferentes técnicas de hemodiálise. A mais empregada é a técnica convencional,
em que o procedimento é feito de forma intermitente (3–4 vezes por semana) em sessões
com 3–4h de duração. A principal complicação é a hipotensão arterial intradialítica, já que o
fluxo de sangue no circuito necessário para o procedimento precisa ser elevado,
deslocando grandes volumes do intravascular de um paciente que com frequência
encontra-se hemodinamicamente instável. Os episódios de hipotensão podem perpetuar a
lesão renal, ao causarem hipoperfusão e NTA isquêmica.
O fato é que a "dose" ideal de diálise, independentemente do método, ainda não foi
estabelecida pela literatura médica.
e) Hemodiálise.
DOENÇA RENAL CRÔNICA
QUADRO DE RESUMO
O objetivo deste capítulo é definir o que é a Doença Renal Crônica (DRC) e descrever a
relação entre o seu sistema de estadiamento e a progressão das manifestações clínicas e
laboratoriais associadas. As duas principais causas de DRC no mundo são o Diabetes
Mellitus (DM) e a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS). Quem vem em primeiro lugar? A
resposta varia de acordo com a região geográfica. Nos países ricos tem sido o DM, e no
Brasil tem sido a HAS, mas por aqui o DM vem crescendo em proporção. Na prática, esta
diferenciação acaba sendo menos importante, já que com frequência DM e HAS
costumam andar juntos...
Qualquer paciente com TFG < 60 ml/min/1,73 m² e/ou albuminúria > 30 mg/dia por um
período maior ou igual a três meses é dito portador de DRC. Perceba que este ponto de
corte está bem abaixo do valor considerado normal para a TFG (≥ 90 ml/min/1,73 m²), o
que significa que uma perda significativa de função renal deve acontecer, de forma
persistente, para que o paciente seja considerado um “renal crônico”. Ademais, sintomas
progressivos só surgem de fato nas fases mais avançadas da DRC, quando o paciente em
geral já perdeu mais de 50% de sua função renal, o que quer dizer que, no início, a DRC
pode passar muito tempo assintomática.
Não obstante, uma vez instalada, se nenhuma intervenção terapêutica for instituída sua
progressão se dará de forma exponencial. A ideia é simples: seja qual for a etiologia, a
DRC é sempre uma consequência da perda irreversível de néfrons (unidades
morfofuncionais do rim). Cada vez que um néfron é perdido, os néfrons remanescentes
são “sobrecarregados”, já têm que fazer o trabalho do néfron perdido, além do trabalho
que lhes caberia naturalmente. Desse modo, quanto maior o número de néfrons
perdidos, menor será o número de néfrons remanescentes, e maior, por conseguinte,
será a sobrecarga destes.
DEFINIÇÃO
Define-se Doença Renal Crônica (DRC) como a queda na TFG para valores < 60
ml/min/1,73 m² e/ou presença de albuminúria > 30 mg/dia por um período maior ou
igual a três meses.
FISIOPATOLOGIA
A história natural da DRC apresenta dois momentos distintos:
Neste processo de grande estresse mecânico glomerular, ocorre lesão dos podócitos, com
herniação e degeneração das alças capilares subjacentes. A expressão histopatológica é o
surgimento de GESF secundária, que acaba evoluindo para esclerose de todo o tufo capilar
glomerular e consequente degeneração do restante do néfron, com atrofia e fibrose
tubulointersticial, isto é, perde-se cada vez mais néfrons... Esta perda sobrecarrega ainda
mais os néfrons remanescentes, acelerando de forma exponencial a evolução da doença,
num verdadeiro ciclo vicioso.
ESTADIAMENTO
É feito pela estimativa da TFG, de preferência por meio de fórmulas validadas. A fórmula do
estudo CKD-EPI atualmente é considerada a melhor. Lembre-se de que o paciente precisa
estar com a função renal estável para que as fórmulas sejam confiáveis, isto é, os valores
de creatinina plasmática não estão subindo nem descendo de forma rápida, em poucos
dias. O nível de albuminúria também é relevante, na medida em que indica o grau de dano
estrutural glomerular. Ademais, a albuminúria mostrou-se ser também um bom preditor de
risco cardiovascular geral, uma vez que reflete a existência de dano estrutural à toda a
microcirculação do organismo, e não apenas dos glomérulos.
Fisiologicamente, a TFG aumenta mais ou menos até a terceira década de vida, atingindo
um ápice em torno de 120 ml/min/1,73 m². A partir daí, em média, há um declínio anual da
ordem de 1 ml/min/1,73 m², de modo que por volta dos 70 anos de idade o valor médio
normal fica em torno de 70 ml/min/1,73 m². Este valor representa uma perda real de
função renal com o envelhecimento e, apesar de fisiológico e inevitável, deve ser levado
em conta na hora de, por exemplo, definir a posologia de medicamentos. Obs.: há grande
variabilidade interindividual neste processo de "envelhecimento renal"!
Desse modo, idosos assintomáticos com frequência serão classificados como portadores de
DRC estágio G2 ou G3 (geralmente G3a). Em muitos desses pacientes, não ocorre
progressão adicional da DRC, isto é, a nefropatia senil fica "estacionada" nestes estágios, a
não ser que algum outro fator nefroagressivo apareça. Todavia, na prática clínica, não há
como ter certeza absoluta de que determinado paciente se encontra nesta situação, sendo
mandatório acompanhar sua função renal mais de perto, o que deve ser feito pelo clínico.
Na ausência de HAS, proteinúria crescente ou queda adicional da TFG, esses indivíduos a
princípio não precisam ser encaminhados ao nefrologista!
FATORES DE RISCO
Os principais fatores de risco para DRC na vida adulta, identificados pela literatura médica,
são:
Baixo peso ao nascer;
Obesidade infantil;
HAS;
DM;
Doenças autoimunes;
Idade avançada;
Etnia afrodescendente;
IRA prévia;
É interessante ressaltar que tanto a albuminúria quanto a queda na TFG, mesmo quando
discretas, são fatores independentes de risco cardiovascular. É por isso que a maioria dos
pacientes com alterações de função renal acaba morrendo de doenças cardiovasculares
antes de progredir para graus mais avançados de DRC. Todavia, com a recente tendência
de diminuição da morbimortalidade cardiovascular graças aos avanços no tratamento
dessas doenças, um maior contingente populacional está vivendo por tempo suficiente
para atingir os estágios mais avançados de DRC, o que permite projetar um grande
aumento na prevalência de nefropatia crônica nos anos vindouros.
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ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
As principais causas de DRC variam conforme a localidade geográfica e a etnia do paciente,
porém, estima-se que as cinco doenças a seguir sejam responsáveis por > 90% do total de
casos de DRC em adultos no mundo:
➤ Diabetes mellitus;
➤ Glomerulopatias;
➤ Rins policísticos;
Nos EUA e na Europa, quase metade dos casos de DRC dialítica é causada pelo DM. Como
já vimos, cerca de 40% dos diabéticos (tanto tipo 1 quanto tipo 2) desenvolvem nefropatia
diabética. Como o DM2 é muito mais prevalente que o DM1 (respondendo por cerca de 90%
dos casos de DM) ele acaba sendo a principal causa de DRC!
a) CERTO.
b) ERRADO.
BIOQUÍMICA DA UREMIA
Hoje sabemos que ureia e creatinina, por si mesmas, são escórias nitrogenadas
relativamente pouco tóxicas. As principais manifestações clínicas da síndrome urêmica
estão mais diretamente relacionadas a outras escórias nitrogenadas, muitas das quais,
inclusive, ainda não são bem conhecidas (sabe-se que há substâncias solúveis,
hidrofóbicas, ionizadas, não ionizadas, ligadas a proteínas etc.).
Contudo, ureia e creatinina são os dois marcadores de filtração renal mais facilmente
mensurados na prática e, por conseguinte, seu aumento "representa" o aumento das
demais escórias nitrogenadas, pois, em geral, todas aumentam em conjunto na medida em
que a função de filtro do rim é perdida.
Acontece que os rins não exercem apenas a função excretória, eles também são órgãos
endócrinos! Dois importantes hormônios são produzidos predominantemente pelos rins
(eritropoetina e calcitriol), e muitos outros são metabolizados e/ou eliminados por estes
órgãos (ex.: insulina, glucagon, esteroides sexuais, prolactina). Assim, a perda de função
renal também produz distúrbios hormonais e, consequentemente, alterações metabólicas
que afetam o manuseio corporal de carboidratos, gorduras e proteínas, culminando, por
exemplo, em desnutrição. Também há prejuízos para a saúde sexual e reprodutiva.
Ademais, está claro que a falência renal se acompanha de inflamação sistêmica crônica.
Diversos reagentes de fase aguda, como proteína C-reativa, têm seus níveis aumentados
em proporção direta à perda de função renal. De forma análoga, diversos marcadores
"negativos" de fase aguda (substâncias cujos níveis se reduzem com a inflamação
sistêmica, como albumina e fetuína) diminuem na DRC progressiva.
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SAIBA MAIS
Franca hipovolemia, no entanto, não é comum no estado basal, mas quando o paciente é
acometido por condições que provocam espoliação extrarrenal de sódio e água (ex.: perda
digestiva por gastroenterite aguda), o risco de hipovolemia passa a ser significativo, já que
os rins não são capazes de reter sódio. A hipovolemia pode "agudizar" a DRC, agregando
um componente de IRA pré-renal que por sua vez pode acelerar a progressão da DRC, se
chegar a causar perda de néfrons. Nesta situação pode ser necessário ministrar solução
salina intravenosa, sempre com muito cuidado (ex.: fazendo alíquotas de 250 ml e
reavaliando o paciente após cada infusão).
ALTERAÇÕES DO POTÁSSIO
Os rins são os principais responsáveis pela excreção corporal de potássio, mas,
curiosamente, mesmo com uma queda expressiva na TFG, os níveis de potássio sérico
podem se manter estáveis. A explicação é que a aldosterona — hormônio que estimula a
secreção de potássio no néfron distal — compensa a perda de função renal aumentando a
excreção intestinal de potássio!
É muito raro termos hipocalemia na DRC, mas isso pode ocorrer em pacientes que
fazem acentuada restrição dietética de potássio, especialmente se eles estiverem
recebendo diureticoterapia vigorosa.
ACIDOSE METABÓLICA
É importante compreender que mesmo graus discretos de acidose metabólica (HCO3 entre
20–23 mEq/L), de forma crônica, são prejudiciais, na medida em que aceleram o
catabolismo das proteínas musculares e, por mecanismo pouco compreendido, aceleram a
perda de função renal. Assim, a reposição de bases, feita principalmente através do uso
oral de bicarbonato de sódio (visando manter o HCO3 > 20 mEq/L), é capaz de corrigir este
problema e preservar o tecido muscular, bem como atrasar a evolução da DRC.
Tudo começa com a queda na TFG levando à retenção de fosfato (TFG < 60 ml/min/1,73 m²
). O balanço corporal positivo de fósforo acarreta dois efeitos iniciais:
Os níveis de FGF-23 se elevam de forma bastante precoce na DRC, antes mesmo de surgir
hiperfosfatemia (PO4- > 4,5 mg/dl). Há fortes evidências de que seu aumento seja um fator
de risco cardiovascular independente. Assim, propõe-se que a dosagem de FGF-23 poderia
orientar o início imediato de medidas terapêuticas como a restrição de fósforo na dieta,
visando evitar o surgimento de franca hiperfosfatemia.
Precipitação de fosfato de cálcio nos tecidos, graças à ligação entre o fosfato sérico
aumentado e o cálcio livre circulante. A hipocalcemia estimula as paratireoides a
secretarem PTH.
SAIBA MAIS
Cumpre salientar que o PTH em si é considerado uma importante "toxina" urêmica. Níveis
muito altos induzem diretamente fraqueza muscular esquelética, anemia, fibrose
miocárdica e sintomas gerais inespecíficos.
A doença óssea adinâmica é vista no portador de DRC que recebe tratamento para o
hiperparatireoidismo secundário, evoluindo com supressão dos níveis de PTH (que se
tornam normais ou abaixo do normal). Sua prevalência parece estar aumentando,
provavelmente em função do maior número de pacientes que recebe tratamento para o
hiperparatireoidismo secundário.
Nesta condição, devido à ação de toxinas urêmicas, bem como à ação de citocinas
relacionadas à síndrome de resposta inflamatória sistêmica presente na DRC avançada, o
metabolismo ósseo fica reduzido ou praticamente abolido na ausência de uma
hiperestimulação pelo PTH, resultando em baixo turnover ósseo. É como se o osso — um
tecido vivo e ativo — ficasse metabolicamente "dormente"...
Na doença óssea adinâmica o paciente apresenta mais dor óssea e mais fraturas do que na
osteíte fibrosa cística (ou seja, esta forma de osteodistrofia renal é clinicamente mais
grave)! O motivo é que, devido ao baixo turnover ósseo, as microfraturas que normalmente
ocorrem no dia a dia deixam de ser reparadas, enfraquecendo o osso de uma forma
extremamente sintomática! Ocorre também perda progressiva da massa óssea, com
redução na densidade mineral tecidual.
O uso de warfarin é fator de risco para calcifilaxia! Uma proteína chamada GLA-1, presente
na matriz intersticial da parede vascular, responde pelo impedimento bioquímico da
precipitação local de sais de fósforo e cálcio. O problema é que esta proteína é dependente
de vitamina K, logo, sua síntese é passível de inibição pelo warfarin... Se um portador de
DRC desenvolver calcifilaxia em uso de warfarin, a droga deve ser suspensa e trocada por
outro anticoagulante...
Por fim, a osteomalácia é um quadro de deficiência na mineralização óssea relacionado à
deficiência de vitamina D e/ou resistência óssea à ação desta última. É a forma menos
comum de osteodistrofia renal.
Se ocorrer hipercalcemia com a reposição de calcitriol, deve-se trocar esta medicação por
um análogo sintético que exerce o mesmo efeito de supressão da secreção de PTH pelas
paratireoides, mas com menos risco de aumentar a absorção intestinal de cálcio, como o
paricalcitol. Opcionalmente, podemos lançar mão da classe dos calcimiméticos, isto é,
drogas que estimulam o sensor extracelular de cálcio das células paratireoidianas,
"sensibilizando" a glândula aos níveis de cálcio livre circulante, o que reduz o PTH e
consequentemente a calcemia. Como membro desta última classe citamos o cinacalcet.
Ressalta-se que um nível de PTH entre 150–300 pg/ml está acima do normal, porém, para o
portador de DRC (devido à resistência do tecido ósseo ao PTH induzida pelas toxinas
urêmicas e pelas citocinas inflamatórias) trata-se de uma faixa de valores razoável visando
manter o turnover ósseo o mais próximo do normal quanto possível, quer dizer, valores de
PTH < 100–150 pg/ml se associam a maior risco de doença óssea adinâmica.
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a) Apenas I e II.
b) Apenas II e III.
c) Apenas I e III.
d) I, II e III.
ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES
Nas fases mais avançadas da DRC (estágio G5), a principal causa de óbito é a
insuficiência cardíaca. Tais pacientes apresentam mais isquemia coronariana grave (não
raro com sequelas de infartos prévios), mais hipertensão arterial sistêmica e hipervolemia
(mais congestão), mais HVE e fibrose miocárdica por efeito direto da HAS crônica bem
como de múltiplas toxinas urêmicas (incluindo o PTH), além de mais disfunção dos
cardiomiócitos, tanto sistólica quanto diastólica (também por efeito de toxinas urêmicas). A
anemia igualmente contribui para o surgimento de HVE, IC e isquemia miocárdica nesses
doentes. Existe ainda a possibilidade de ocorrer um componente "não cardiogênico" para o
edema pulmonar: no "pulmão urêmico", toxinas nitrogenadas aumentam a permeabilidade
da membrana alveolocapilar, podendo causar transudação de líquido para os alvéolos
mesmo na presença de baixas pressões de enchimento cardíaco. Tudo isso combinado
explica o grande impacto que a IC exerce na morbimortalidade da DRC avançada!
Uma das condutas terapêuticas mais importantes na DRC é o controle da pressão arterial,
que além de evitar a ocorrência de dano renal adicional também protege contra as doenças
cardiovasculares em geral. A meta é uma PA < 130 x 80 mmHg.
Em alguns pacientes, o controle pressórico consegue ser obtido somente com medidas de
controle da volemia, como restrição de sal na dieta. No entanto, em geral é preciso associar
anti-hipertensivos, e as drogas de primeira linha são os IECA ou os BRA, que além de
reduzirem a PA também reduzem a hipertensão intraglomerular, a hiperfiltração e,
consequentemente, a progressão da GESF secundária por sobrecarga dos néfrons
remanescentes, fenômeno chamado de "nefroproteção". Se ainda assim a PA não for
controlada, outras drogas de primeira linha podem ser associadas (ex.: bloqueadores de
canais de cálcio).
Por fim, no paciente que está em programa de diálise o controle da volemia é feito por
meio de restrição dietética de sódio e ultrafiltração (retirada de sal e água do sangue). Boa
parte dos doentes continua apresentando HAS apesar da euvolemia promovida pela diálise,
provavelmente por desequilíbrios entre substâncias vasodilatadoras (cujos níveis
diminuem) e vasoconstritoras (cujos níveis aumentam) em função da DRC. Desse modo,
mesmo no paciente em diálise, é comum a necessidade de drogas anti-hipertensivas!
Neste cenário, qualquer droga de primeira linha pode ser usada. Os IECA ou BRA não
trazem mais a vantagem adicional da nefroproteção... Todavia, é muito comum manter o
uso de IECA ou BRA, pois, em geral, a HAS em tal contexto é em grande parte devida a um
acúmulo de angiotensina II.
Qual é a segunda causa mais comum de mortalidade em pacientes com doença renal
crônica em estágio final?
a) Hipercalemia.
b) Doença cardiovascular.
c) Complicações infecciosas.
d) Hemorragia digestiva.
ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS
SAIBA MAIS
A deficiência de eritropoetina é relativa, isto é, seus níveis até podem estar acima do
valor de referência, mas encontram-se sempre abaixo do esperado para o grau de
anemia que o paciente apresenta.
Inflamação sistêmica;
Sr. Nivaldo, 72 anos, DM II e HAS de longa data consultou com médico de família por
conta de meses de hiporexia e repulsa à proteína de origem animal. Antes, um
entusiasta de churrasco, já não podia nem ouvir falar no assunto. Também percebeu
estar mais edemaciado e o diurético que fazia uso não dava mais conta de controlar o
inchaço”. Exames mostraram ureia 210 mg/dl, creatinina 6,2 mg/dl, potássio sérico 6,4
mmol/L e hemoglobina 8,2 g/dl. Ultrassonografia de aparelho urinário evidenciou sinais
de doença renal crônica. Encaminhado ao nefrologista que, constatando DRC em estadio
terminal, indicou hemodiálise. De forma inocente, Sr. Nivaldo acreditando que a
hemodiálise isoladamente resolveria todos seus problemas, não fez uso de qualquer
farmacoterapia que o nefrologista indicou. Das alterações que apresentava antes de
iniciar as sessões de hemodiálise, qual provavelmente não melhorou após o tratamento
dialítico?
a) Edema.
b) Anemia.
c) Hipercalemia.
d) Ureia elevada.
e) Creatinina elevada.
Com relação à disfunção plaquetária, espera-se seu surgimento somente em fases
avançadas da uremia crônica. Suas manifestações clínicas se traduzem numa tendência ao
sangramento mucocutâneo espontâneo (equimoses, epistaxe, gengivorragia, menorragia)
ou após pequenos traumas. O tempo de sangramento encontra-se prolongado, com
contagem plaquetária normal. Exames específicos (ex.: tromboelastograma) revelam um
distúrbio na adesividade e capacidade de agregação plaquetária. Paradoxalmente, a
despeito do distúrbio na hemostasia primária, existe também uma tendência trombofílica
na DRC, com aumento no risco de trombose venosa profunda! Tal predisposição tende a
ser exacerbada na presença de certas alterações como a proteinúria na faixa nefrótica.
Como vimos, além do defeito na hemostasia primária, o portador de DRC também está
propenso ao surgimento de complicações tromboembólicas. A decisão de anticoagular
esses pacientes deve ser individualizada, pois a relação risco-benefício tende a ser
desfavorável, já que a chance de eventos hemorrágicos está aumentada.
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RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2022
HOSPITAL SÍRIO LIBANÊS – HSL-SP
A conduta mais simples, de ação mais rápida e provavelmente de menor toxicidade para
tratamento agudo da disfunção plaquetária em urêmicos é:
a) Hemodiálise.
b) Estrógeno.
c) Desmopressina.
d) Crioprecipitado.
e) Salicilato.
ALTERAÇÕES NEUROMUSCULARES
O SNC, os nervos periféricos e autonômicos, bem como os próprios músculos são "alvos"
frequentes das toxinas da síndrome urêmica.
Manifestações clínicas sutis relativas ao SNC costumam aparecer ao longo do estágio G3,
como distúrbios do sono e da memória. Cãibras e soluços aparecem num estágio
intermediário, e nas fases avançadas ocorre franca encefalopatia, com confusão mental,
flapping, mioclônus, convulsões e coma. O único tratamento eficaz é a terapia de
substituição renal.
ALTERAÇÕES GASTROINTESTINAIS
A incidência de doença ulcerosa péptica está aumentada por conta da hiperacidez gástrica
que acompanha a DRC. A explicação é que há menor metabolização da histamina, um
estimulante da secreção de ácido pelas glândulas oxínticas do estômago. Desse modo, dor
abdominal, náuseas, vômitos e hemorragia digestiva são manifestações frequentes,
potencializadas pela encefalopatia urêmica e pelo distúrbio da hemostasia coexistentes.
A neuropatia autonômica predispõe à constipação intestinal, e esta é potencializada pelo
uso de ferro e/ou cálcio oral.
Por todos esses motivos, o risco nutricional do paciente está aumentado, já que a baixa
ingesta oral, aliada à síndrome inflamatória sistêmica, predispõe à desnutrição
proteicocalórica. Algumas ferramentas podem nos auxiliar na avaliação da perda de massa
magra (isto é, livre de edema) como a absorciometria por raios X de dupla energia
(Dual-Energy X-Ray Absorptiometry ou DEXA). Desnutrição refratária é uma das indicações
de se iniciar diálise na DRC.
d) Essa classe pode ser utilizada em pacientes no estágio IV de doença renal crônica.
Os hormônios sexuais, estrogênio e testosterona, têm seus níveis séricos reduzidos na DRC.
Na mulher, a queda do estrogênio promove irregularidade menstrual, infertilidade e alto
risco gestacional. Por exemplo: com TFG em torno de 40 ml/min/1,73 m² apenas 20% das
gestações resultam em nascidos vivos! A própria gestação, ao promover hiperfiltração
glomerular como parte das alterações fisiológicas do organismo materno, acelera a perda
de função renal na DRC. No homem, a queda da testosterona resulta em queda da libido e
oligoespermia, culminando em impotência sexual e infertilidade. Nas crianças e
adolescentes, tais fenômenos prejudicam o amadurecimento sexual. Tais alterações
costumam melhorar com a diálise e, particularmente, com o transplante renal.
ALTERAÇÕES DERMATOLÓGICAS
O prurido é uma das queixas mais incômodas e prevalentes da DRC avançada! Costuma ser
refratário ao tratamento (inclusive à diálise), e está muito relacionado à duração e
gravidade da hiperfosfatemia. Na síndrome urêmica é comum o acúmulo de metabólitos
pigmentados na derme — os urocromos — causando um escurecimento cutâneo
característico.
Uma condição rara, porém, muito temida na atualidade, devido a sua gravidade e ausência
de tratamento, bem como ao fato de ser uma iatrogenia passível de prevenção, é a fibrose
sistêmica nefrogênica. Trata-se de um quadro de fibrose progressiva e espontânea de
partes moles que acomete todo o corpo, especialmente os membros, podendo afetar
também órgãos internos e levar à morte. Sua causa é a exposição ao gadolínio, contraste
utilizado nos exames de ressonância magnética que se deposita na pele (onde desencadeia
uma reação fibrodisplásica) na vigência de disfunção renal.
Recomenda-se que o gadolínio seja evitado em pacientes com DRC estágio G3 (TFG 30–59
ml/min/1,73 m²). Nos estágios G4–5 (TFG < 30 ml/min/1,73 m²), o gadolínio não deve ser
usado. Caso a exposição aconteça, deve-se submeter o paciente à hemodiálise logo após o
exame, com o intuito de remover o máximo possível da substância e, pelo menos, mitigar
as consequências devastadoras da fibrose sistêmica nefrogênica.
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Drogas cuja eliminação é feita em > 70% por via não renal (ex.: hepática), em geral, não
precisam de ajuste posológico na DRC.
➤ Encefalopatia urêmica;
➤ Pericardite urêmica;
➤ Desnutrição;
Não há evidências definitivas de que tal conduta resulte em maior sobrevida para o
portador de DRC, no entanto, sem dúvida, ela acarreta menos morbidade! Muitos pacientes
que alegam ser assintomáticos, na verdade, estão vivendo uma vida bastante limitada
devido a sintomas com os quais já se acostumaram e sequer são percebidos como tal. Eles
só se dão conta disso quando começam a diálise ou são submetidos ao transplante renal: a
grande melhora na qualidade de vida deixa claro que eles estavam muito doentes e não
sabiam!
Na prática, a maioria dos doentes acaba fazendo diálise por algum tempo antes de receber
um transplante. Contudo, cada vez mais, tem-se buscado o chamado transplante
preemptivo, isto é, realizar o transplante como forma inicial de terapia de substituição
renal. Tal conduta, em geral, só é possível quando o paciente está sendo precocemente
preparado e existe um doador vivo compatível.
RESIDÊNCIA MÉDICA R+ – 2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP
O momento ideal para confecção de uma Fístula Arteriovenosa (FAV) em paciente com
Doença Renal Crônica (DRC) que necessite de hemodiálise é:
e) Ao menos seis meses antes do provável início da hemodiálise, já que ela não poderá
ser usada de imediato.
QUADRO DE RESUMO
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DEFINIÇÃO E TIPOS
Do ponto de vista médico, diálise é um método de depuração de substâncias do plasma
pelo fenômeno de difusão passiva através de uma membrana semipermeável. Para que a
difusão ocorra, é preciso que a membrana semipermeável se interponha entre o sangue do
paciente e uma solução isenta das substâncias que se quer depurar (solução de diálise ou
dialisado). Existem dois modos de se fazer isso:
➤ Hemodiálise (HD): o processo é realizado num circuito extracorpóreo, utilizando-se
uma membrana artificial. É preciso puncionar um vaso sanguíneo do paciente a fim de
"puxar" o sangue para o circuito, devolvendo-o posteriormente ao intravascular. A
membrana semipermeável constitui a parede de vasos capilares que compõem o filtro de
diálise. O sangue passa dentro desses capilares, e a solução de diálise banha o seu
exterior, sendo renovada de forma contínua, o que garante a manutenção de um
gradiente físico-químico que viabilize a ocorrência do fenômeno de difusão passiva.
Figura 1.
REMOÇÃO DE TOXINAS
Que substâncias são depuradas na diálise?
Hoje sabemos que uma série de escórias nitrogenadas, além de ureia e creatinina, se
acumula na insuficiência renal. A exata relação entre seus níveis séricos e os sinais e
sintomas de síndrome urêmica ainda não é bem conhecida, porém, a maior parte delas
apresenta peso molecular < 200 da, o que as torna dialisáveis, pois o seu tamanho é
inferior ao dos poros do filtro de diálise. De uma forma geral, podemos dizer que a rapidez
de depuração de uma determinada substância pela diálise é maior quanto menor for o seu
peso molecular e tamanho em relação aos poros do filtro. Por isso, a ureia (peso = 60 da) é
eliminada mais rapidamente do que a creatinina (peso = 113 da).
Algumas moléculas de maior peso (entre 200 e 500 dáltons) são mais bem depuradas pela
diálise peritoneal do que pela hemodiálise, pois os poros dos capilares do peritônio
permitem a passagem de moléculas de maior tamanho. Como veremos adiante, métodos
semelhantes à hemodiálise, como a hemofiltração e a hemodiafiltração, são capazes de
depurar substâncias maiores do que 200 da, como, por exemplo, algumas toxinas da sepse.
Na maioria das vezes, a solução de diálise não contém K+ nem fosfato, pois esses
eletrólitos costumam estar em níveis muito aumentados na insuficiência renal grave e
devem ser intensamente depurados. Algumas vezes, entretanto, a diálise pode causar
hipocalemia ou hipofosfatemia, principalmente se o nível sérico prévio desses eletrólitos
não estiver muito elevado ou quando a diálise é feita no método contínuo (ver adiante).
Atualmente, considera-se conveniente uma concentração de K+ de 2,0 mEq/L na solução de
diálise. Um exemplo típico de solução de HD é apresentado a seguir:
Figura 2.
ULTRAFILTRAÇÃO
A diálise é um processo de remoção de solutos. Contudo, durante a diálise também é
possível remover líquido, através da chamada ultrafiltração. O princípio físico que rege o
processo de ultrafiltração é o gradiente de pressão entre o capilar e a solução de
diálise. Este gradiente é favorecido pela pressão hidrostática do capilar e pela pressão
osmótica da solução.
ULTRAFILTRAÇÃO NA HEMODIÁLISE
Exemplo:
A pressão hidrostática dos capilares peritoneais não pode ser ajustada. Portanto, a melhor
maneira que temos para influir na quantidade de volume líquido ultrafiltrado na diálise
peritoneal é aumentando ou diminuindo a pressão osmótica da solução de diálise. Isso é
feito utilizando-se diferentes concentrações de glicose nas soluções para diálise peritoneal.
Existem dois tipos de solução em relação à concentração de glicose: 1,5 e 4,25%,
contendo, respectivamente, 1.500 mg/dl e 4.250 mg/dl de glicose. Misturando as duas
soluções em partes iguais, teremos uma solução a 2,5% ou 2.500 mg/dl. Quanto maior a
concentração de glicose na solução de diálise peritoneal, maior a quantidade de líquido
ultrafiltrado.
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LIMITAÇÕES DA DIÁLISE
A principal limitação é a ineficácia na depuração das toxinas de maior tamanho e peso
molecular. Alguns produtos tóxicos encontram-se fortemente ligados às proteínas
plasmáticas, e outros apresentam distribuição preferencial em outros compartimentos
corpóreos que não o plasma (ex.: liquor). Em ambas as situações, a diálise é menos eficaz
na depuração destes produtos. Algumas manifestações clínicas da síndrome urêmica
podem permanecer ou necessitar de uma intensificação da diálise, como a pericardite e a
neuropatia periférica, pois provavelmente são causadas por toxinas de maior peso
molecular.
Assim como a diálise depura substâncias nocivas para o organismo, como as toxinas
urêmicas, ela também pode depurar substâncias essenciais, como nutrientes (ex.:
aminoácidos), vitaminas hidrossolúveis e oligoelementos, como zinco e ferro. Por isso, entre
as complicações crônicas da diálise, destacam-se os distúrbios carenciais. As vitaminas
hidrossolúveis (complexo B, vitamina C, ácido fólico), ferro e zinco devem ser repostos no
paciente em programa crônico de diálise.
Hiperfosfatemia;
Hipocalcemia;
Hiperparatireoidismo;
Osteodistrofia renal;
Anemia;
Dislipidemia;
Aterosclerose acelerada;
Miopatia;
Cardiomiopatia.
A hiperfosfatemia não é corrigida pela diálise, pois o fosfato não tem uma boa depuração
pelo filtro (ou peritônio). O paciente deve, então, receber o tratamento específico para
estes problemas, como foi visto no capítulo anterior.
EFICÁCIA DA DIÁLISE
Como saber se a diálise está cumprindo adequadamente a sua função?
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ACESSO E CIRCUITO
O acesso vascular ideal para a hemodiálise depende basicamente se há ou não caráter de
urgência no procedimento, como pode ocorrer na uremia aguda ou crônica agudizada. Nos
casos de urgência, o acesso, em geral, é uma veia profunda, na qual se instala um Cateter
de Dupla Luz (CDL). Uma luz ("parte arterial") é utilizada para extrair o sangue do paciente
para o circuito e a outra para devolvê-lo ("parte venosa").
As veias mais utilizadas para a instalação do CDL são a jugular interna e a femoral. A
subclávia deve ser evitada, uma vez que a presença de cateteres calibrosos nessa veia
aumenta o risco de estenose vascular, impossibilitando a posterior confecção de uma
fístula arteriovenosa no membro superior ipsilateral...
A técnica de inserção do CDL é a mesma para a punção de uma veia profunda para
instalação de um cateter venoso comum (Seldinger). As complicações são também as
mesmas: pneumotórax, enfisema subcutâneo, hemotórax, lesão arterial, embolia gasosa,
embolia por ponta de cateter, posicionamento errado do cateter.
O CDL não deve permanecer por longa data (mais de 15–21 dias), se possível, pois existe
risco considerável de infecção (maior no sítio femoral), sendo o germe mais comumente
envolvido o Staphylococcus aureus. Em alguns casos, pode haver endocardite infecciosa
relacionada ao cateter!
Alternativas para o acesso vascular definitivo (ex.: pacientes com veias "finas" e "doentes"
nos membros superiores, com menos perspectiva de "maturação" de uma FAV) são o
enxerto de PTFE (Politetrafluoroetileno) e os cateteres "tunelizados". O enxerto de
PTFE é um tubo de material sintético implantado cirurgicamente, de modo a criar uma
anastomose arteriovenosa. As agulhas do sistema de hemodiálise puncionarão o tubo de
PTFE, e não a veia do paciente. O cateter "tunelizado" é inserido cirurgicamente (e não por
punção percutânea), de modo que boa parte do cateter fique por baixo do subcutâneo do
paciente, aumentando a distância entre o ponto de entrada na pele e o ponto de entrada
no intravascular. Tal fato reduz a probabilidade de translocação bacteriana a partir da pele,
evitando a chegada dos germes à corrente circulatória... Ambos os tipos de acesso são
mais duradouros (e acarretam menos chance de infecção) do que o CDL convencional,
porém, a duração da patência dos mesmos tende a ser inferior a da fístula arteriovenosa
tradicional, que, por isso, representa o tipo de acesso preferido...
➤ Heparinização do circuito, para que o sangue não coagule na tubulação plástica ou nos
capilares do filtro. A dose de heparina geralmente utilizada em uma sessão de
hemodiálise convencional é de 5.000 unidades.
➤ Um detector de bolhas, para avisar à equipe de que o circuito contém bolhas de ar. As
bolhas podem causar uma das mais temíveis complicações da hemodiálise — a embolia
gasosa.
Assinale o acesso para diálise de escolha para pacientes com insuficiência renal crônica
estágio V, em ordem decrescente, começando pela primeira escolha:
a) A – B – D – C.
b) B – C – D – A.
c) A – C – D – B.
d) B – A – C – D.
e) C – B – D – A.
TRATAMENTO DA ÁGUA
A solução de diálise, além de receber as substâncias depuradas, também pode transferir
moléculas nocivas para o sangue do paciente. Por isso, esta água precisa receber um
tratamento especial antes de ser usada no preparo da solução de diálise.
A água deve passar pelos processos de filtração, deionização e osmose reversa. Este último
consiste em passar a água, sob pressão, através de uma membrana semipermeável,
removendo-se os contaminantes microbiológicos e 90% dos íons remanescentes. Com o
advento da osmose reversa, reduziram-se os casos de intoxicação pelo alumínio na diálise.
TIPOS DE FILTRO
Os filtros de HD contêm milhares de pequenos capilares formados por um material que
serve como membrana dialítica. O primeiro material utilizado foi o celofane, um polímero
derivado da celulose. O cuprofano também é derivado da celulose e utilizado nos filtros de
HD.
Foram desenvolvidos novos materiais para confecção da membrana do filtro de HD. Alguns
são derivados semi-sintéticos da celulose (acetato de celulose, triacetato de celulose) e
outros são totalmente sintéticos (Poliacrilonitrila — PAN; Polimetilmetacrilato — PMMA; e
polisulfona). Esses filtros são bem mais caros que os antigos, porém, oferecem duas
grandes vantagens: maior biocompatibilidade e maior permeabilidade.
MÉTODOS
O método de hemodiálise mais utilizado na DRC e na IRA é a hemodiálise intermitente ou
"convencional". Esta se baseia na rápida retirada de solutos e líquido em curto espaço de
tempo, que constitui a sessão de hemodiálise. A sessão dura entre 3–4h e deve ser
realizada no mínimo três vezes por semana, na DRC, ou mais frequentemente, nos casos
de uremia aguda (ex.: todos os dias). O fluxo sanguíneo utilizado para se conseguir um bom
resultado dialítico deve estar entre 300–500 ml/min. Os pacientes que apresentam
instabilidade hemodinâmica, como os doentes críticos internados no CTI, costumam tolerar
mal este tipo de diálise, pois tendem a fazer episódios de hipotensão grave durante o
procedimento.
Quando é retirado um volume de líquido do intravascular, este volume deve ser reposto por
líquido proveniente do compartimento intersticial (que geralmente está aumentado na
insuficiência renal), para que não haja hipotensão. Na hemodiálise convencional, um
volume grande de líquido (ex.: 4 L) é retirado em pouco tempo (ex.: 4h). A transferência de
líquido do interstício para o intravascular não é imediata. Portanto, até que o deficit de
volume intravascular seja compensado pelo líquido proveniente do interstício, pode se
instalar um quadro de hipovolemia relativa, levando à hipotensão ou ao choque.
Os pacientes com DRC que estão com a hemodinâmica estável, geralmente, não têm
hipotensão significativa durante a sessão de hemodiálise e, quando isso acontece, pode-se
reverter rapidamente com infusão de SF 0,9% no circuito de hemodiálise. Porém, os
pacientes com IRA ou DRC agudizada, em estado crítico, com instabilidade hemodinâmica,
têm hipotensão severa ou choque durante a sessão dialítica, podendo contribuir para a
morbimortalidade desses doentes. Assim, foram idealizados os métodos de hemodiálise
contínuos. São eles:
Na CVVHD, utiliza-se um cateter de dupla luz em uma veia profunda. Como a pressão é
venosa, o fluxo sanguíneo no circuito requer auxílio de uma bomba mecânica. Esse fluxo é
mantido entre 100-150 ml/min (1/3 do fluxo da HD convencional). Com relação à CAVHD, é
de mais fácil manipulação, a eficácia é mais previsível e não possui as complicações de
uma punção arterial.
Na SLEHD, também chamada de hemodiálise diária estendida, o fluxo sanguíneo no
circuito é de valor intermediário entre o da HD convencional e o dos métodos contínuos, o
que permite uma duração da sessão de hemodiálise de cerca de 12h. A SLEHD mantém a
principal vantagem dos métodos contínuos (provocar menos instabilidade hemodinâmica),
e ainda consegue contornar uma de suas principais desvantagens: o enfermeiro ou técnico
de diálise não precisa ficar 24h ao lado do paciente (para monitoração do procedimento e
eventual correção de problemas)...
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ACESSO
O acesso ideal mais uma vez vai depender se a diálise é urgente e se o paciente vai
necessitar ou não de diálise peritoneal cronicamente. Nos casos de uremia aguda, instala-
se um cateter especial dentro da cavidade peritoneal, por punção percutânea, geralmente
na linha mediana, 2 cm abaixo da cicatriz umbilical. A extremidade distal do cateter é
fenestrada, para facilitar a troca líquida, e é colocada ao nível da região pélvica. Por este
cateter, a solução de diálise é infundida na cavidade peritoneal e drenada após o período
de permanência.
Na DRC, caso o programa de diálise escolhido seja a diálise peritoneal, o acesso à cavidade
peritoneal deve ser permanente. O chamado cateter de Tenckhoff é instalado
cirurgicamente, devendo passar por um "túnel" subcutâneo até atingir a cavidade
peritoneal pélvica. Este cateter contém um cuff de Dacron em cada extremidade do
segmento subcutâneo, para reduzir a incidência de peritonite por germes da pele
adjacente.
MÉTODOS
A diálise peritoneal pode ser realizada no hospital ou em caráter ambulatorial. O método de
DP, realizado no hospital, é feito para os pacientes com IRA ou DRC agudizada e para os
pacientes com DRC que não têm condições socioeconômicas ou intelectuais para controlar
uma DP ambulatorial.
A DP Intermitente (DPI) é realizada pela troca sucessiva dos "banhos de diálise", após um
tempo de permanência da solução de diálise na cavidade abdominal de 0-60min.
Geralmente, são infundidos e drenados 20 "banhos" cada um com 2 L. O cateter utilizado
pode ser o de Tenckhoff, em pacientes com DRC, ou um cateter comum de diálise
peritoneal. O balanço hídrico da DP deve ser anotado cuidadosamente. Ele será mais
negativo quanto maior for a osmolaridade da solução dialítica (1,5%, 2,5% ou 4,25% de
glicose) e menor for o tempo de permanência.
A CCPD, do ponto de vista da qualidade de vida, é ainda melhor que a CAPD, porém, exige
compra ou aluguel (e manutenção) de um aparelho — o ciclômetro. Ele tem a função de, ao
ser ligado no sistema de equipos da DP, produzir um fluxo contínuo dos "banhos de diálise".
Assim, o paciente só precisa se submeter à diálise à noite, enquanto dorme, pois em 6-8h o
ciclômetro efetua uma DP eficaz. É o próprio paciente (ou familiar) que conecta e
desconecta os equipos e manuseia o aparelho.
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UREMIA AGUDA
A diálise, nesses casos, é um tratamento de urgência, visando evitar a morte por
insuficiência renal. A insuficiência renal pode levar ao óbito por vários mecanismos. Os
principais são: encefalopatia, sangramento, tamponamento cardíaco, edema agudo de
pulmão, hipercalemia e acidose metabólica. A diálise de urgência está indicada quando um
ou mais desses distúrbios que ameaçam a vida estão presentes (Tabela 1).
TABELA 1
➤ Encefalopatia;
➤ Pericardite;
➤ Sangramento;
Nos casos de IRA com piora progressiva da função renal, o ideal é que a diálise seja iniciada
antes de aparecer alguma das situações acima, geralmente quando há oligoanúria ou um
rápido aumento da ureia e creatinina (ex.: ureia > 200 mg/dl e/ou creatinina próxima a 10
mg/dl, sem perspectiva de melhora em curto prazo).
O método dialítico pode ser a HD ou a DP. A HD convencional pode não ser bem tolerada
nos pacientes que apresentam instabilidade hemodinâmica e insuficiência orgânica
múltipla (principalmente se houver insuficiência hepática fulminante e/ou edema cerebral),
pois pode agravar a hipotensão arterial, com deterioração do quadro. A DP é mais bem
tolerada nesses casos, porém, é menos eficiente em depurar toxinas nitrogenadas em
pacientes hipercatabólicos... Em tal situação, pode-se indicar a HD contínua (CAVHD ou
CVVHD), a SLEHD, ou outros métodos como a hemofiltração contínua (CAVH ou CVVH) e a
hemodiafiltração contínua (CAVHDF ou CVVHDF) — estes últimos serão descritos adiante.
Vale ressaltar que, na IRA, a literatura NÃO confirma a superioridade de qualquer método
de substituição renal sobre os demais, e a escolha fica muito mais por conta da
disponibilidade local e expertise da equipe médica...
UREMIA CRÔNICA
Pacientes com DRC devem ser tratados conservadoramente nas fases iniciais da disfunção
renal, sendo acompanhados de perto pelo nefrologista. O momento ideal para início do
programa de diálise é um assunto que gera controvérsias. O ideal é que a diálise seja
iniciada antes dos sintomas urêmicos ("início saudável"). Sabe-se que, nos diabéticos, a
diálise precoce pode diminuir a progressão das complicações da doença, como retinopatia,
neuropatia, gastropatia e microangiopatia. Porém, a diálise pode piorar a qualidade de vida
do paciente, devido aos inconvenientes do próprio método. Atualmente, coloca-se o
paciente em programa de diálise quando a TFG está abaixo de 10–15 ml/min ou a
creatinina plasmática aproxima-se de 10 mg/dl, sendo este valor mais baixo para os
diabéticos (6–8 mg/dl).
Quando optamos por indicar o início da diálise, devemos explicar ao paciente sobre o
método, colocando as vantagens e desvantagens da HD e da DP e educá-lo em relação aos
cuidados a serem tomados. O paciente em programa de diálise deve continuar com o
tratamento conservador da DRC, com enfoque na adesão à dieta. Quando começam as
sessões de diálise, o débito urinário costuma se reduzir ainda mais, pois a eliminação de
ureia e outros solutos pela diálise diminui o efeito osmótico na diurese. A restrição proteica
não deve ser excessiva, pois esses pacientes são predispostos à desnutrição. A perda de
nutrientes pela diálise pode piorar o estado nutricional. A diálise está associada à perda de
vitaminas hidrossolúveis (complexo B, vitamina C, ácido fólico) e oligoelementos (ferro,
zinco). Deve-se estar atento aos sinais de deficit corporal dessas substâncias. Algumas
devem ser repostas de rotina: piridoxina, vitamina C, ácido fólico e sulfato ferroso.
Ao ser programado o início da terapia dialítica, deve-se escolher entre DP ou HD. Se for
escolhida a DP, deve-se marcar uma cirurgia de instalação do cateter de Tenckhoff. Após
instalado, deve-se esperar pelo menos duas semanas para utilizá-lo na DP. Se for a
HD a escolhida e não houver urgência, programa-se com um cirurgião vascular a confecção
da fístula AV. O tempo ideal para maturação da fístula é de três meses, portanto
devemos antecipar o procedimento em relação ao momento do início da diálise.
a) CERTO.
b) ERRADO.
➤ Lombalgia crônica;
➤ Hipoalbuminemia;
➤ Problemas psiquiátricos.
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COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE
COMPLICAÇÕES DA HEMODIÁLISE
As complicações da HD podem ser divididas em agudas ou crônicas (Tabelas 4 e 5).
➤ Cãibras;
➤ Hipoxemia;
➤ Desequilíbrio de diálise;
➤ Isquemia miocárdica;
➤ Hipertensão arterial;
➤ Embolia gasosa;
➤ Tamponamento cardíaco.
TABELA 5: COMPLICAÇÕES CRÔNICAS DA HD.
➤ Pseudogota, tenossinovite;
➤ Osteodistrofia renal;
Não relacionadas à diálise,
mas comuns na IRC ➤ Anemia por deficiência de eritropoetina;
➤ Pericardite urêmica;
➤ Prurido.
As outras causas de hipotensão podem ser: reação anafilática, efeito do acetato, efeito da
temperatura da solução de diálise, quando a 37ºC, sangramento agudo ou isquemia
miocárdica. A anafilaxia se dá devido à ativação do sistema complemento e dos leucócitos
pelo contato do sangue com o material do capilar do filtro de diálise, um fenômeno
denominado bioincompatibilidade da membrana do filtro.
Uma complicação rara, mas bastante grave é a embolia gasosa. As máquinas antigas de
HD possuem um detector de bolhas visual, precisando da atenção da equipe de
enfermagem para constatar o problema e parar a HD. A entrada de grandes quantidades
de ar na circulação leva à oclusão dos vasos pulmonares por bolhas. O quadro é
caracterizado por dispneia súbita, cianose e hipoxemia. Pode ser grave e levar o paciente
ao óbito. O tratamento é a colocação na posição de Trendelemburg reversa. As máquinas
de HD atuais são microprocessadas e detectam a formação de bolhas no circuito com mais
precisão, ativando alarmes e parando a HD.
A fístula AV tem uma meia-vida em dois anos livre de complicações de 60–75%. As próteses
intravasculares têm uma meia-vida menor (30%), pois complicam mais, geralmente com
estenose da anastomose venosa (hiperplasia da camada íntima na parede vascular).
Mulher, 54a, procura Unidade de Emergência com febre, dor e hiperemia em Fístula
Arteriovenosa nativa (FAV) em braço esquerdo. Faz Hemodiálise (HD) há 10 anos devido
à nefropatia diabética, sendo a última há 2 dias. Sinais vitais: T = 38,5ºC; PA = 105 x 78
mmHg; FC = 92 bpm. Exame físico: ausculta pulmonar normal, peso = 60 kg (2,6 kg
acima do peso seco pós-HD), presença de pústulas ao redor de orifícios de punção da
FAV, que apresenta área hiperemiada de 10 x 10 cm. As condutas são:
b) Swab para culturas, antibiótico VO, bioquímica e implantar cateter para HD.
➤ Peritonite infecciosa;
➤ Peritonite química;
➤ Hiperglicemia;
➤ Ascite sintomática;
➤ Hipoalbuminemia;
➤ Desnutrição proteica.
PERITONITE INFECCIOSA
Este tratamento pode ser modificado de acordo com o germe e o antibiograma. Nos casos
de peritonite fúngica, geralmente por Candida sp., é mandatório a retirada do cateter
(mesmo sendo o Tenckhoff), além do tratamento com fluconazol ou anfotericina B, por 4–6
semanas. O cateter também deve ser retirado em caso de falha terapêutica para a
peritonite bacteriana ou infecção do "túnel subcutâneo".
Infecções brandas e superficiais da pele no entorno do orifício de entrada do cateter podem
ser tratadas com ATB tópico ou nitrato de prata, sem necessidade de remoção do cateter.
OUTRAS COMPLICAÇÕES
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HEMOFILTRAÇÃO E ANÁLOGOS
HEMOFILTRAÇÃO
A hemofiltração é um processo de remoção de solutos do plasma diferente da hemodiálise.
Uma grande quantidade de líquido passa por uma membrana semipermeável, "levando
consigo" os solutos, tal como ocorre no processo de filtração glomerular. Este é o princípio
físico da convecção ou solvent drag, em que as moléculas de água "carream" os solutos
que podem passar pela membrana semipermeável. A hemofiltração artificial, portanto,
substitui até certo ponto a filtração glomerular: o processo é muito semelhante.
Em nossos rins, cerca de 140 L são filtrados diariamente pelos glomérulos (TFG = 100
ml/min), quase todo esse líquido sendo reabsorvido pelo sistema tubular (138–139 L/dia),
sobrando 1–2 L para formar a urina. Na hemofiltração artificial contínua, são filtrados cerca
de 36 L em 24h pelo hemofiltro (25 ml/min). Caso a maior parte deste líquido não retorne à
circulação do paciente, ele morrerá rapidamente de hipovolemia, portanto um equivalente
da função reabsortiva tubular deve ser acrescentado ao processo. Como a reabsorção
tubular é muito complexa, o que é feito é a reposição de um líquido contendo as
concentrações eletrolíticas ideais para o paciente — a solução de reposição da
hemofiltração. Uma solução de reposição típica é apresentada a seguir:
Figura 5.
Deve-se acrescentar KCl à solução em pacientes com normo ou hipocalemia, até uma
concentração de K+ de 4,0 mEq/L.
HEMODIAFILTRAÇÃO
A hemodiálise utiliza o processo de difusão passiva para eliminar os solutos indesejáveis e
a hemofiltração utiliza o processo de convecção para este intuito, necessitando da filtração
de uma enorme quantidade de líquido, que deve ser reposta continuamente. A hemodiálise
é melhor do que a hemofiltração para eliminar as toxinas urêmicas de baixo peso
molecular, pois essas substâncias são mais bem eliminadas por difusão do que por
convecção. A hemofiltração é melhor que a hemodiálise para eliminar as toxinas urêmicas
e sépticas de maior peso molecular, pois essas substâncias não passam pelos "poros" do
filtro de hemodiálise. Talvez, o ideal para o paciente grave, com SIRS e IRA ou insuficiência
de múltiplos órgãos, seja a adição dos dois processos ao mesmo tempo — hemodiafiltração.
A hemodiafiltração normalmente é utilizada como método contínuo (CAVHDF ou
CVVHDF), em pacientes graves internados em CTI.
PROGNÓSTICO
A mortalidade do paciente com DRC em "programa de diálise", pela estatística americana,
gira em torno de 18-20% ao ano, sendo a taxa de sobrevida após cinco anos de 30–35%. As
maiores causas de morte nessa população são as doenças cardiovasculares (principal) e as
infecções. Idade avançada, sexo masculino, raça "não negra", presença de diabetes
mellitus, desnutrição e cardiopatia são todos fatores de mau prognóstico no paciente em
"programa de diálise"...
O transplante renal atualmente oferece uma qualidade de vida melhor e uma sobrevida
maior, quando comparado à diálise. Além disso, os custos são bem menores, quando
calculados em longo prazo. Infelizmente, devido à falta de doadores e, principalmente no
nosso país, de recursos hospitalares e ambulatoriais essenciais, o número de transplantes
renais é muito inferior ao número de pacientes dependentes de diálise.
TRANSPLANTE RENAL
Vamos resumir este assunto numa seção formatada com uma didática um pouco
diferente... Faremos um rápido "bate-papo" com perguntas e respostas diretas. O objetivo é
incutir na sua mente o seguinte: O QUE EU NÃO POSSO DEIXAR DE SABER SOBRE
TRANSPLANTE RENAL?
Nos dias de hoje, não. A evolução da terapia imunossupressora fez com que a incidência de
rejeição se tornasse praticamente idêntica em ambos os grupos (no início da era dos
transplantes, o rim de cadáver apresentava uma taxa significativamente maior de rejeição).
Não... O enxerto é colocado na fossa ilíaca direita sem invasão da cavidade peritoneal. As
anastomoses vasculares são feitas com os vasos ilíacos externos, e o ureter é diretamente
anastomosado na bexiga. Se não houver complicações perioperatórias (ex.: infecção da
ferida cirúrgica), os pacientes costumam receber alta num prazo médio de cinco dias!
Então, idade, transplante renal prévio e tipo de doença renal de base não são
contraindicações ao transplante renal? Não! Atualmente, tem-se transplantado com
sucesso pacientes com > 60 anos, com múltiplos retransplantes e com qualquer doença
renal de base!
Câncer.
Psicose grave.
Doença coronariana.
Doença cerebrovascular.
Má adesão.
Cada vez mais protocolos específicos de tratamento pós-transplante têm sido
elaborados com sucesso em portadores de doenças virais crônicas, como hepatite B e
HIV. A hepatite C, após advento das novas drogas antivirais de ação direta que curam
quase 100% dos casos, deixou de ser um empecilho à realização do transplante (desde
que, é claro, o doente consiga ser curado e não possua cirrose hepática avançada).
Que testes podem ser feitos para avaliar a compatibilidade tecidual entre doador
e receptor?
**Essa tipagem pode ser feita por um "painel de anticorpos" ou por modernas técnicas de
sequenciamento genético.
Ausência de câncer, hepatite crônica e infecção pelo HIV, pois todos podem ser
transmitidos ao receptor... Pacientes idosos e com insuficiência renal crônica também
costumam ser excluídos.
Existe risco de DRC progressiva no indivíduo que doou um de seus rins em vida?
Sim, mas isso é muito incomum, mesmo após 20 anos da doação! Em geral, é necessário
adquirir outro fator de risco para nefropatia, como hipertensão arterial. Quando o receptor
é diabético tipo 1 e o doador é seu parente de 1º grau, devemos avaliar o risco de DM no
doador com pesquisa de anticorpos anti-insulina e anti-ilhota pancreática, além de teste de
tolerância à glicose...
Alternativas:
Na terapia tripla, podemos trocar o inibidor de calcineurina ou o agente antimetabólito
por um inibidor do mTOR (sirolimo ou everolimo). Esta classe bloqueia, nos linfócitos T,
as vias de sinalização intracelular estimuladas por citocinas pró-inflamatórias;
Recentemente, foi aprovada uma nova estratégia para a terapia de manutenção. Trata-
se do imunobiológico belatacepte, uma "proteína de fusão" que se liga às moléculas
■ Candidíase orofaríngea;
■ ITU.
■ Pneumocistose;
■ Citomegalovirose;
■ Legionelose;
■ Listeriose;
■ Hepatites B e C.
■ Aspergilose invasiva.
Obs.: o principal poliomavírus é o BK (BKV), que representa uma importante etiologia
de perda tardia do enxerto. Assim, toda disfunção de enxerto após o 6º mês de
transplante deve ser avaliada para reativação do BKV! Cerca de 90% das pessoas teve
infecção assintomática por este vírus na infância. O problema é que ele permanece em
estado latente no parênquima renal e, na vigência de imunodepressão acentuada, sofre
reativação gerando um quadro de nefrite intersticial progressiva (levando à fibrose e
atrofia do parênquima). O diagnóstico é confirmado pela demonstração de virúria e
viremia através da técnica PCR. Um teste de rastreio que costuma ser feito antes da
realização de PCR para BKV é a citologia urinária: a presença das decoy cells (células
epiteliais tubulares descamadas que apresentam inclusões virais e outras alterações
citopáticas) indica reativação do BKV... O tratamento consiste na diminuição da
intensidade da imunossupressão.
Detalhe: "BK" é uma abreviação do nome do primeiro paciente em que este vírus foi
isolado, na década de 70... NÃO TEM NADA A VER COM TUBERCULOSE!