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Riscos e Rabiscos
Prova Projectiva Infantil
MANUAL
Autor: Rui Manuel Carreteiro (Psicólogo Clínico licenciado pela Universidade de Lisboa)
Copyright © PSICLÍNICA® RM CARRETEIRO – Unipessoal Lda
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Ficha Técnica
Administração: Individual
Duração: Variável
Aplicação: Crianças
Pressupostos Teóricos
Para uma interpretação válida de um desenho deve-se, antes de mais, situa-lo numa
perspectiva de desenvolvimento. Louquet (1927/1979), citado por Salomé Santos (1990) foi
um dos autores mais célebres neste campo, postulando várias fases caracterizadas por um
modo particular de realismo.
O realismo fortuito encara o desenho como um mero traçado para fazer linhas sem
pretender representar qualquer imagem específica. O realismo falho apresenta-se como o
primeiro desenho figurativo, no qual a criança procura reproduzir a forma, mas as suas
tentativas reduzem-se a insucessos repetidos que tenderão a diminuir através da
aprendizagem. No realismo intelectual as coisas não são representadas em função do que a
criança vê – que virá a acontecer apenas na última fase, realismo visual –, mas antes do que
sabe acerca delas. Apesar de muito criticada, esta concepção constituiu o ponto de partida
para muitos trabalhos.
Na sua concepção, bastante abrangente e actual, por sinal, Widlocher (1965), considera
uma evolução por três fases que poderão apresentar períodos intermédios.
Nesta fase o controlo do movimento ainda se revela reduzido (surgem geralmente ovóides
grosseiras), sendo por volta dois anos que a criança começa a desenvolver um maior controlo
do segmento distal antebraço/mão, permitindo-lhe realizar traços verticais e horizontais e
passando de traço amplo e incontrolado a um traço descontínuo, curto ou repetido e linear ou
circular.
O primeiro controlo visuomotor, ocorre por volta do terceiro ano, permitindo, a partir de
um ponto determinado, acrescentar linhas novas, ângulos, círculos ou tangentes. O segundo
controlo, também conhecido por controlo do ponto de partida e de chegada, permitirá um
traço preciso. Um terceiro momento importante vai permitir iniciar um traçado num ponto
situado entre linhas, permitindo, por exemplo, o desenho de janelas no espaço em branco e
não coladas à “parede” ou ao “telhado”.
A primeira representação gráfica intencional desperta grande satisfação, mas poderá não
ser seguida de sucessos idênticos, havendo alturas em que a criança pode dizer que o desenho
“não significa nada” ou que significa “várias coisas diferentes”. A esta fase, Luquet chama de
realismo falho.
É exactamente quando a criança tenta corrigir o seu desenho com vista a um maior
detalhes e semelhança, que apresenta uma intenção realista deliberada à qual Luquet
denomina realismo intelectual.
Entre as várias potencialidades do desenho, citadas por Salomé Santos (1990), temos a
possibilidade de utilização como meio de estabelecer a relação com a criança e a sua
funcionalidade como meio de entrar em contacto com o mundo interno da criança.
Através do “jogo dos rabiscos” (“squiggle game”), Winicott (1971) utiliza o desenho
como enorme mestria, encorajando a criança a uma troca de desenhos reciprocamente
sugeridos e completados. Um pouco na mesma linha, mas de forma semi-directiva, Carreteiro
(2005), propõe-nos a prova dos “riscos e rabiscos” na qual a criança deve completar uma série
de traços relativamente neutros ou semi-indutores, com vista a uma interpretação dinâmica e
futura exploração em entrevista.
Para além das potencialidades apontadas, o desenho pode ainda revelar-se útil enquanto
informação sobre o desenvolvimento geral, permitindo aceder a informação sobre a evolução
gráfica. Assim, o desenho revela-se particularmente útil não só como forma de psicoterapia,
mas também como instrumento de diagnóstico.
O desenho nunca deve ser o único meio de expressão proposto à criança (Santos, 1990),
devendo sempre o terapeuta sugerir outras possibilidades como o brincar, conversar… Insere-
se no contexto específico de uma sessão, pelo que é igualmente importante atender ao
comportamento global, bem como a eventuais comentários emitidos pela criança, quer
durante quer após o desenhar. Deve-se encorajar a criança a falar sobre os seus desenhos mas
evitando sempre qualquer sugestão acerca do seu conteúdo.
Ao longo dos vários desenhos, podem surgir temas comuns ou repetidos que poderá
significar a expressão de algum acontecimento traumático importante. No entanto, a análise
do simbolismo de qualquer desenho deve ser feita com muita prudência, devendo sempre ser
considerada como mera hipótese de trabalho (Santos, 1990). Símbolos iguais apresentam
diferentes significados para diferentes pessoas e mesmos os símbolos a que se atribui um
carácter universal têm sempre um significado individual.
Lourenção Van Kolck (cit in Santos, 1990), apresenta uma série de elementos que podem
ser observados num desenho, e que poderão guiar a sua análise e interpretação:
Embora enquanto prova/teste, o desenho não reúna a garantia e a validade dos testes
psicométricos, continua a ser um instrumento particularmente útil para clínicos experientes.
No entanto necessário que o técnico esteja ciente de que o desenho deve ser apenas um entre
vários elementos de diagnóstico ou de terapia.
Durante uma sessão e face a um desenho, o terapeuta, para além do conteúdo simbólico,
deve prestar uma particular a tenção à forma como a criança preenche os espaços, à cor, a
intensidade do traço e à disposição do desenho na folha.
a) Dimensão/ tamanho
Um desenho grande, geralmente associa-se a crianças expansivas. Se a figura ultrapassa
mesmo os limites da folha e a criança já tem uma certa idade, pode significar um enorme
descontrolo motor ou uma forte agressividade. Figuras muito pequenas, remetem geralmente
para crianças inibidas, inseguras, deprimidas e com sentimentos de desadequação.
b) Localização na folha
Figuras mais a cima remetem geralmente para a fantasias, ou manias, e para baixo para
funções primitivas ou depressão. A esquerda representa geralmente o passado (geralmente
crianças mais introvertidas) e a direita o futuro (extroversão).
c) Tipo de traço
Geralmente um desenho pesado, contínuo, com um traço grosso e com muita força, sugere
alguma tensão e/ou agressividade. Um traço trémulo aponta para insegurança ou depressão.
Um traço muito leve, suave, levanta a hipótese de timidez, insegurança, baixa auto-estima,
dependência…
a) Cor
Vermelho: impulsividade, agressividade. Convém não esquecer que as crianças mais
novas (antes da idade escolar) geralmente gostam muito do vermelho.
Preto: tristeza, solidão. No entanto, os adolescentes podem manifestar uma preferência
pelo preto.
Mistura de cores vivas/escuras: labilidade emocional, bipolaridade.
Branco: esconder o que faz, agressividade pelo silêncio. Deve sempre chamar a atenção
do terapeuta.
Castanho: mais frequente nas idades escolares. Quando utilizado face á família pode
sugerir oposição
f) Sequência:
Se a criança estiver em idade escolar e não se tratar de uma acção deliberada (geralmente
demarcada pela expressão “agora vou desenhar…”), desenhar de baixo para cima pode
significar uma desadequação.
g) Simetria
Deve registar-se a tendência ou não, da criança mostrar a simetria. Uma preocupação
excessiva pode sugerir tendências obsessivas.
h) Sombreado
Dependendo de se tratar da globalidade da figura ou só algumas partes (importa saber
quais), o seu significado remete geralmente para a ansiedade.
i) Integração da Figura
Relaciona-se com a ligação entre as várias partes. Após os 5 anos, se a criança desconecta
as partes do corpo, pode sugerir perturbações da esfera psicótica.
Quando uma criança mistura na mesma figura elementos humanos e animais, pode sugerir
um teste da realidade curto.
Apresentação da Prova
Partindo das teorias clássicas de Winicott, do Jogo dos Rabiscos (“squiggle-game”) e das
provas projectivas clássicas (por exemplo a técnica de Rorschach), foi criada uma prova que
visa descrever e analisar a personalidade da criança, através da sua projecção num conjunto de
figuras.
A Prova dos Riscos e Rabiscos é uma prova projectiva de personalidade composta por
quatro partes: Uma parte inicial, visa a identificação da criança (nome, idade cronológica,
habilitações…) bem como a caracterização do pedido de avaliação (origem e motivo).
A segunda parte apresenta um conjunto de vinte figuras (riscos e rabiscos), com diferentes
graus de estruturação, as quais a criança deverá completar com vista à formação de uma figura
final, supostamente coerente e com significado (Fig. 1).
Instruções de Aplicação
Como é natural e visto que a maioria dos sujeitos alvo de aplicação da Prova são crianças,
convém criar condições para que se estabeleça uma relação adequada com a criança.
O psicólogo deve começar por preencher a primeira folha de protocolo com o nome, data
de nascimento e habilitações do aplicando, colocando a data da observação (se a aplicação se
prolongar por mais do que uma sessão colocar as datas do início e do fim) e o nome do
psicólogo que fez a aplicação.
A idade cronológica do sujeito será obtida pela diferença entre a data final da observação
e a data de nascimento do sujeito:
Exemplo:
Final da Observação: 2005/05/31
Data Nascimento: 1997/03/01
Idade Cronológica: 8A - 2M - 30d
No caso de ser necessário registar algum comentário adicional, o protocolo reserva ainda
um pequeno espaço para o registo de observações, que poderão todavia ser registadas ao
longo de toda a aplicação.
Está aqui um desenho, mas ainda não está acabado. Gostava que o continuasses para
ficar completo.
Anotar a história que a criança verbaliza, bem como algum comentário que possa fazer ou
comportamentos não verbais observados.
Tenho aqui mais uns desenhos que também não estão completos, gostava que fizesses
o mesmo e os acabasses. Por exemplo este… mostrar a figura seguinte e dizer: Podias
continua-lo?
Após aplicar a prova, o psicólogo deve proceder a uma análise dos desenhos, respostas e
comentários, geralmente de acordo com as teorias psicodinâmicas.
Bibliografia