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APG 11 - Pericardite

Pericardite é a inflamação do pericárdio, geralmente com acúmulo de líquido no espaço pericárdico.


Pode ser causada por muitos distúrbios (p. ex., infecção, infarto do miocárdio, trauma, tumores e
distúrbios metabólicos), mas com frequência é idiopática.

A pericardite primária é incomum. Quase sempre resulta de uma infecção viral (normalmente acompanhada
de miocardite), embora bactérias, fungos ou parasitas também possam estar envolvidos. Na maioria dos
casos, a pericardite é secundária ao IM agudo, à cirurgia cardíaca (denominada síndrome de Dressler), à
radiação do mediastino ou a doenças que envolvem outras estruturas torácicas (p. ex., pneumonia ou
pleurite). A uremia é o distúrbio sistêmico mais comum associado à pericardite. As causas secundárias
menos comuns incluem febre reumática, lúpus eritematoso sistêmico e tumores malignos metastáticos. A
pericardite pode (1) causar complicações hemodinâmicas imediatas, se produzir um derrame grande (que
provoca tamponamento cardíaco), (2) desaparecer sem deixar sequelas importantes ou (3) progredir para
um processo fibrosante crônico.

Etiologia

Epidemiologia
A pericardite aguda é a causa de cerca de 5% de todas as admissões na emergência de pacientes com
queixa aguda de dor no peito. Dentre as desordens inflamatórias do coração, a pericardite aguda é a mais
comum de todas, à frente de miocardite aguda e endocardite infecciosa. Cerca de 80 a 85% dos casos são de
origem infecciosa, sendo a viral a mais comum. Os outros 15 a 20% ocorrem por causas principalmente
autoimunes, mas também neoplásicas, metabólicas e relacionadas a drogas.
Na população geral, estima-se que a incidência seja de 27,7 casos por 100.000 indivíduos por ano. Assim
como a miocardite, é uma condição que afeta principalmente homens jovens e, sendo assim, hormônios
sexuais - principalmente a testosterona - podem ser considerados fatores importantes no que tange a
diferença na incidência de pericardite entre os sexos.

Aproximadamente, dentre os pacientes que apresentam um primeiro episódio, 15 a 30% apresentam


recorrência da doença, sendo esta de tratamento mais difícil. Essa porcentagem pode chegar a 50%, como
no caso de pacientes que já apresentaram recorrência prévia, que já receberam tratamento com corticóides
ou com uma pericardite de origem não-idiopática.

Fisiopatologia

● Pericardite aguda: se desenvolve rapidamente, causando reação inflamatória do saco pericárdico e


muitas vezes derrame pericárdico. A inflamação pode se estender para o miocárdio epicárdico
(miopericardite). Efeitos hemodinâmicos adversos e alterações do ritmo são raros, embora exista a
possibilidade de tamponamento cardíaco. A doença aguda pode desaparecer completamente,
desaparecer e recidivar (até 30% dos casos agudos) ou tornar-se subaguda ou crônica. Essas formas
se desenvolvem lentamente; sua característica marcante é o derrame.
● Pericardite subaguda: ocorre em semanas a meses após um evento desencadeador.
● Pericardite crônica: é definida como pericardite persistente > 6 meses. Pode estar associada a
aderências delicadas ou a cicatrizes fibróticas densas que obliteram o espaço pericárdico.
● Pericardite constritiva: causada, em casos extremos, o coração fica totalmente envolvido por fibrose
densa que não consegue se expandir normalmente durante a diástole. Agora é menos comum do que
no passado, resulta de espessamentos inflamatórios e fibróticos importantes do pericárdio. Às vezes,
os folhetos parietal e visceral aderem-se mutuamente ou ao miocárdio. O tecido fibrótico geralmente
contém depósitos de cálcio. O pericárdio rígido e espesso compromete acentuadamente o enchimento
ventricular, diminuindo o volume de ejeção e o débito cardíaco. O acúmulo significativo de líquido
pericárdico é raro. A alteração do ritmo é comum. As pressões diastólicas nos ventrículos, átrios e
leitos venosos tornam-se praticamente as mesmas. Ocorre congestão venosa sistêmica, causando
transudação considerável de líquido dos capilares sistêmicos, com edema pendente e, posteriormente,
ascite. A elevação crônica da pressão venosa sistêmica e da pressão venosa hepática pode levar à
cicatriz hepática, chamada cirrose cardíaca, caso em que, os pacientes podem se apresentar
inicialmente para avaliação da cirrose. A constrição do átrio esquerdo, do ventrículo esquerdo ou
ambos pode elevar a pressão venosa pulmonar. Ocasionalmente, derrame pleural se desenvolve.
○ A pericardite constritiva crônica, que costuma exigir pericardiectomia como tratamento
definitivo
○ Pericardite constritiva subaguda (estágio inicial) se desenvolve semanas a meses após uma
lesão desencadeadora e é tratada com terapia conservadora
○ A variante transitória da pericardite constritiva (tipicamente subaguda) é a que desaparece
espontaneamente ou após tratamento conservador
○ Pericardite efusivo-constritiva caracterizada por constrição pericárdica envolvendo o pericárdio
visceral com derrame pericárdico significativo, às vezes requerendo tratamento para
tamponamento cardíaco
○ Inflamação crônica -> espessamento fibroso -> calcificação do pericárdio -> restrição do
enchimento capilar -> redução de DC
● Pericardite recorrente: se caracteriza por episódios repetidos de pericardite, com caráter
contínuo ou intermitente, em um processo de provável etiologia autoimune. A sua incidência
varia de 20 a 30% dos casos, de acordo com a etiologia da pericardite. um dor de cabeça aos
cardiologistas clínicos.

● Derrame pericárdico: é o acúmulo de líquido no pericárdio. O líquido pode ser seroso (às vezes, com
filamentos de fibrina), serossanguinolento, hemorrágico, purulento ou quiloso.

● Tamponamento cardíaco: ocorre quando um grande derrame pericárdico causa um acúmulo de


líquido no espaço pericárdico, aumentando a pressão intrapericárdica, comprometendo o enchimento
cardíaco, acarretando baixo débito cardíaco e, às vezes, levando a choque e morte. Se o líquido (em
geral, sangue) se acumular rapidamente, mesmo pequenas quantidades (p. ex., 150 mL) podem
provocar tamponamento, uma vez que o pericárdio não consegue se distender de maneira rápida o
suficiente para a acomodação. O acúmulo lento de até 1500 mL pode não desencadear
tamponamento. O derrame loculado pode desencadear tamponamento localizado do lado direito ou
esquerdo do coração.

● Clínica: dispnéia, ortopneia, desconforto torácico, fraqueza, agitação, oligúria, taquicardia, taquipnéia,
hepatomegalia

● Tríade de Beck: hipotensão, estase de jugular e bulhas abafadas

● Pulso paradoxal

Nos pacientes com pericardite aguda viral ou uremia, o exsudato geralmente apresenta uma textura fibrinosa
e aspecto irregular, lembrando a aparência felpuda na superfície do pericárdio, conhecida como pericardite
em "pão com manteiga". Na pericardite aguda bacteriana, o exsudato é fibrinopurulento, comumente
contendo áreas evidentes de pus. Em casos de pericardite tuberculosa, podem ser observadas áreas de
caseificação. Quando a pericardite é causada por um tumor maligno, é comum encontrar um exsudato
fibrinoso felpudo e abundante, acompanhado por derrame sanguinolento. As metástases podem se
apresentar macroscopicamente como excrescências irregulares ou podem ser indistinguíveis, especialmente
em pacientes com leucemia. Na maioria dos casos, a pericardite fibrinosa ou fibrinopurulenta aguda se
resolve sem deixar sequelas. No entanto, em casos de supuração ou extensa caseificação, a cicatrização
pode levar à fibrose, resultando em pericardite crônica.

As lesões do pericárdio provocadas por diversos agentes resultam na liberação de substâncias que
desencadeiam o processo inflamatório. De maneira geral, diferentes agentes, como trauma, cirurgia, infecção,
anticorpos e outros, podem atingir o pericárdio, desencadeando a liberação de interleucinas e citocinas.
Essas substâncias promovem a quimiotaxia de células inflamatórias, como macrófagos e neutrófilos,
perpetuando o processo inflamatório. A interleucina 1 (IL-1) parece desempenhar um papel significativo nesse
contexto.

Na tuberculose, o Mycobacterium tuberculosis pode alcançar o pericárdio por vias linfáticas, hematogênicas e,
raramente, por contiguidade com doença no pulmão e na pleura. Por sua vez, o SARS-CoV-2 inicialmente
afeta os pulmões, desencadeando uma "tempestade" de citocinas/interleucinas (IL-1B, TNF-alfa, IL-6), e
posteriormente se dissemina em vesículas pelas circulações linfática e sanguínea, alcançando o pericárdio e
iniciando a inflamação.

Além das causas infecciosas, quadros autoimunes também podem desencadear pericardite, como é o caso
do Lúpus Eritematoso Sistêmico. Nessa condição, os autoanticorpos desencadeiam a pericardite ao
depositarem imunocomplexos e complemento no pericárdio, ativando a cascata inflamatória e resultando em
aumento da vascularização local e derrame pericárdico.
Em alguns casos, a inflamação pode levar a uma diminuição patológica da complacência dos tecidos
pericárdicos, resultando em dificuldade de relaxamento cardíaco e aumento das pressões diastólicas. Essa
condição, conhecida como pericardite constritiva, pode ser causada por diversos fatores, incluindo
tuberculose, causas idiopáticas, pós-cirurgia, pós-irradiação, doenças reumatológicas, malignas e infecções.

As causas de pericardite são divididas em infecciosas e não-infecciosas (tabela 21). Entre as infecções
pericárdicas, a pericardite viral é a mais comum e seu processo inflamatório deve-se à ação direta do vírus ou
a uma resposta imune. Os mais comuns são: enterovírus, ecovírus, Epstein barr, herpes simples, influenza e
citomegalovírus (CMV), sendo o último mais frequente em imunodeprimidos e soropositivos. A pericardite nos
soropositivos pode ser devida a doenças infecciosas, não infecciosas ou neoplásicas (sarcoma de Kaposi ou
linfoma), podendo por vezes resultar em miopericardite

A pericardite bacteriana manifesta-se geralmente com derrame pericárdico, e sua origem pode estar em
situações como pneumonia, empiema, disseminação hematogênica, pós-cirurgia cardíaca ou torácica - possui
ampla gama de agentes infecciosos como causa. A pericardite tuberculosa tem diminuído com o controle
efetivo da tuberculose pulmonar, mas mostra-se presente principalmente em pacientes HIV positivos.

Já o envolvimento autoimune do pericárdico acontece especialmente nos casos de lúpus eritematoso


sistêmico, artrite reumatoide, esclerodermia, polimiosite e dermatomiosite.

A pericardite pós-infarto pode ocorrer precocemente nos três primeiros dias do infarto agudo do miocárdio
(IAM), pericardite epistenocárdica. Nesses casos está relacionada ao acometimento do epicárdio e pericárdio
adjacente e, tardiamente, de três semanas a seis meses, a atividade autoimune denominada síndrome de
Dressler. A insuficiência renal é causa comum de doença pericárdica, produzindo derrame em 20% dos
pacientes. Pode se manifestar como pericardite urêmica ou pericardite associada a diálise. Já as pericardites
neoplásicas são devidas à invasão tumoral ou linfática, ou ocorrem por disseminação hematogênica.

Esquema da Fisiopatologia da Pericardite:

1. Agente Lesivo ao Pericárdio:


○ Trauma, cirurgia, infecção, anticorpos, entre
outros.
2. Liberação de Substâncias Inflamatórias:
○ Interleucinas e citocinas (IL-1B, TNF-alfa, IL-6).
3. Quimiotaxia de Células Inflamatórias:
○ Macrófagos, neutrófilos.
4. Perpetuação do Processo Inflamatório:
○ Interleucina 1 (IL-1) desempenha papel crucial.
5. Causas Específicas:
○ Tuberculose:
■ Mycobacterium tuberculosis atinge
pericárdio por vias linfáticas,
hematogênicas ou contiguidade com
doença pulmonar e pleural.
○ SARS-CoV-2:
■ Inicia "tempestade" de citocinas nos
pulmões, disseminação via circulações
linfática e sanguínea até atingir o
pericárdio.
6. Causas Autoimunes:
○ Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES):
■ Autoanticorpos depositam imunocomplexos e complemento no pericárdio.
■ Ativação da cascata inflamatória, aumento da vascularização local e derrame
pericárdico.
7. Pericardite Constritiva:
○ Definição:
■ Diminuição patológica da complacência dos tecidos pericárdicos.
○ Causas:
■ Tuberculose, idiopática, pós-cirurgia, pós-irradiação, doenças reumatológicas, malignas,
infecções.
○ Consequências:
■ Fibrose, infiltrado celular.
■ Limitação da função cardíaca.
■ Aumento das pressões diastólicas.
■ Dificuldade no relaxamento cardíaco.

Alterações do ECG

Pericardite aguda: ECG, estágio 1

Pontos J, exceto aVR e V1, estão elevados. As ondas T são essencialmente normais. Os segmentos ST
mostram elevação côncava para cima. Segmentos PR, exceto aVR e V1, estão baixos. Em geral, desvios PR
estão ausentes na derivação de um membro (aqui, aVL).

Mecanismos imunológicos das doenças autoimunes


1. Mimetização de Antígenos: Ocorre quando antígenos exógenos se assemelham a moléculas
endógenas, levando à confusão na apresentação de antígenos aos linfócitos B.
2. Comprometimento dos Mecanismos de Proteção: Envolve a falha em mecanismos como deleção,
anergia e supressão, que normalmente protegem contra a autoimunidade.
3. Papel das Células NK e Receptores TOLL-like: As células NK podem induzir autoimunidade através
de receptores TOLL-like, que podem reconhecer autoantígenos por engano.
4. Produção de Citocinas e Inflamação: Citocinas como interferon gama (INFɣ) podem aumentar a
expressão do complexo de histocompatibilidade (MHC) tipo II, tornando os linfócitos T mais sensíveis.
5. Influência de Infecções Virais: Infecções crônicas, como aquelas causadas pelo vírus Epstein-Barr,
estão associadas a doenças autoimunes.
6. Impacto dos Metabólitos e Xenobióticos: Substâncias como quimioterápicos e corticosteroides
podem alterar a sinalização celular e hormonal, desencadeando respostas autoimunes.
7. Fatores Hormonais e Estresse: Diferenças hormonais entre os sexos, hormônios do estresse e
envelhecimento contribuem para a autoimunidade.
8. Mutação Genética e Epigenética: Mutações nos genes das proteínas de superfície celular, incluindo
MHC e HLA, estão associadas a doenças autoimunes. Padrões únicos de expressão gênica também
são encontrados em diferentes doenças autoimunes.
9. Contribuição Genética Controversa: Embora haja evidências de predisposição genética, a
contribuição da genética na etiologia e patogênese das doenças autoimunes é controversa devido à
variabilidade observada entre os pacientes.

Fatores de risco
● Infecções Virais: Infecções virais, como os causados pelos vírus da gripe, Epstein-Barr, herpes, entre
outros, podem desencadear pericardite.
● Infecções Bacterianas: Bactérias como Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus e
Mycobacterium tuberculosis podem causar pericardite bacteriana.
● Doenças Autoimunes: Condições como Lúpus Eritematoso Sistêmico, artrite reumatoide e
esclerodermia aumentam o risco de pericardite devido à resposta autoimune do organismo.
● Trauma ou Cirurgia Torácica: Lesões no peito ou cirurgias torácicas podem irritar o pericárdio e
desencadear uma resposta inflamatória.
● Insuficiência Renal: Pacientes com insuficiência renal, especialmente aqueles em diálise, têm um
maior risco de desenvolver pericardite urêmica.
● Infarto do Miocárdio: O infarto do miocárdio pode levar à pericardite, seja precocemente, nos
primeiros dias após o infarto, ou tardiamente, como na síndrome de Dressler.
● Neoplasias: Tumores no tórax ou metástases para o pericárdio aumentam o risco de pericardite.
● Doenças Inflamatórias e Infecciosas: Condições como tuberculose, sarcoidose e infecções fúngicas
podem aumentar o risco de pericardite.
● Doenças Metabólicas: Doenças como uremia e hipotireoidismo estão associadas a um maior risco de
pericardite.
● Doenças Reumáticas: Doenças reumáticas como a febre reumática podem aumentar o risco de
pericardite.

Manifestações clínicas
1. Dilatação e disfunção ventricular assintomática (subaguda)
2. Manifestações clínicas agudas de insuficiência cardíaca descompensada, fulminante com quadro de
choque cardiogênico
3. Dor precordial, mimetizando doença coronariana - atípica (não relacionada com esforços e que piora
no repouso)
4. Palpitações
5. Síncope ou lipotímia
6. Morte súbita (MS)
7. Atrito pericárdico
8. Sinal de Kussmaul: aumento do pulso venoso jugular, quando o paciente faz uma inspiração
9. Knock pericárdico: parada repentina do enchimento de um ventrículo que não tem como dilatar mais
pois está limitado por um pericárdio calcificado
10. Formas mais específicas:
(1) rash, febre, eosinofilia periférica sugerem miocardite por hipersensibilidade;
(2) cardiomiopatia dilatada associada com timoma, distúrbios autoimunes, taquicardia ventricular ou bloqueios
avançados sugerem miocardite de células gigantes;
(3) arritmias ventriculares e bloqueios avançados também podem estar presentes na sarcoidose

Diagnóstico
1. ECG - Anormalidades de repolarização, segmentos ST e PR e ondas T, geralmente na maioria das
derivações, na derivação aVR geralmente ocorrem na direção oposta das outras derivações e não
existem ondas Q patológicas.
2. Radiografia de tórax - Pesquisa de megalia.
3. Ecocardiografia - Pesquisa de derrames, anomalias no enchimento cardíaco e, anormalidades no
movimento da parede características do envolvimento miocárdico.
4. Toracocentese - Aspiração do líquido pericárdico, biópsia pericárdica.
5. Exames de sangue - Leucocitose e hemossedimentação aumentada.

Pericardite aguda
A pericardite aguda classicamente se manifesta como uma síndrome febril com frequente acometimento de
vias aéreas superiores, dor torácica e atrito pericárdico. A dor torácica pode variar com a respiração ou
posição do tórax, variando também de intensidade e duração. O atrito pericárdico pode compreender de um a
três tempos e pode ser transitório. Podemos ter acometimento pleural, associado à presença de derrame ou
atrito pleural. Por vezes, a pericardite encontra-se associada a miocardite, que deve ser suspeitada na
presença de exame clínico de disfunção ventricular aguda.
Os marcadores de alto risco da pericardite aguda são: elevação de enzimas de necrose miocárdica, febre
acima de 38ºC e leucocitose (elevada possibilidade de pericardite purulenta), derrames pericárdicos
volumosos com ou sem tamponamento cardíaco, pacientes imunocomprometidos, história prévia de
anticoagulação oral, disfunção global pelo ecocardiograma, sugerindo miopericardite. Esses marcadores
indicam a necessidade de admissão hospitalar, intensificação da avaliação etiológica e otimização terapêutica

Pericardite Constritiva
A pericardite constritiva frequentemente está associada a um paciente sintomático com dispneia de esforço
e/ou fadiga associada a disfunção diastólica e presença de ascite desproporcional ao edema de membros
inferiores. No pulso venoso jugular observamos colapso "Y" proeminente e sinal de Kussmaul. No pulso
arterial podemos encontrar a presença de pulso paradoxal em um terço dos casos.

Formas transitórias de pericardites efusivas constritivas (constrição sem importante espessamento do


pericárdio parietal, geralmente associada a derrame) podem acontecer no contexto da pericardite aguda,
frequentemente associada a tuberculose, neoplasias malignas e hemopericárdio.

De uma forma geral, 80% dos casos podem registrar espessamento pericárdico. Porém, como este nem
sempre pode ser detectado pela ecocardiografia, mesmo que pelo ETE, outros métodos diagnósticos, como
ressonância ou tomografia computadorizada, podem ser indicados.

Os achados usuais na presença de constrição pericárdica são: movimentação anormal do septo


interventricular, aumento moderado biatrial do fluxo restritivo, variação respiratória maior que 25% na
velocidade do fluxo mitral. Essa variação não é patognomônica da pericardite, já que também ocorre nas
doenças respiratórias (doença pulmonar obstrutiva crônica). Nestas, contudo, ocorre grande variação
respiratória do fluxo da veia cava superior, que na pericardite é menor.

Outro achado útil para o diagnóstico de pericardite constritiva, especialmente no seu diagnóstico diferencial
das síndromes restritivas, é a presença de velocidade normal da onda e' ao Doppler tecidual (> 8 cm/seg), o
que não ocorre nas cardiopatias restritivas. É importante destacar: na presença de doenças do pericárdio,
deve ser usada a onda e' septal, e não a lateral, devido à possível influência do espessamento/derrame
pericárdico na parede livre do VE. Além disso, a calcificação do anel mitral pode levar à diminuição da onda e'
septal. A relação linear que existe entre o índice E/E' e a pressão atrial esquerda, que é útil para se avaliar as
pressões de enchimento nas cardiomiopatias, é invertida (paradoxo anular) na pericardite constritiva. Não se
observa aumento do retorno venoso sistêmico com a inspiração.

Marcadores laboratoriais

a) Marcadores de necrose miocárdica:

Níveis elevados de marcadores miocárdicos são observados em pacientes com pericardite aguda, sendo
mais frequente a elevação de troponina I (TnI) do que de CKMB, uma vez que esta pode estar elevada em
decorrência da miosite periférica por infecções virais. Estudo retrospectivo avaliou 55 pacientes com
pericardite aguda e observou elevação de TnI em 27% dos casos. Estudo pequeno sugere que o pico de TnI
em geral ocorre no segundo dia após início dos sintomas e seus níveis permanecem elevados por tempo
mais prolongado do que os de CKMB177. A elevação da TnI é marcador de comprometimento miocárdico
associado (miopericardite).

b) Marcadores de atividade inflamatória:

Os marcadores de atividade inflamatória de fase aguda como VHS, leucocitose e Proteína C reativa (PCR),
encontram-se elevados em aproximadamente 75% dos pacientes, sendo que a ausência desses marcadores
na avaliação inicial de pacientes e não afasta o diagnóstico, principalmente nos que estão em uso de
anti-inflamatórios não hormonais ou com comprometimento imunológico. Estes tendem a normalizar ao fim de
duas semanas, sendo que valores persistentemente elevados indicam a necessidade de terapêutica
anti-inflamatória prolongada e maior risco de recorrência da pericardite. A dosagem seriada de PCR é útil
para o diagnóstico e avaliação de resposta ao tratamento da pericardite aguda.

c) BNP / NT-proBNP:

Os níveis de peptídeo natriurético atrial do tipo B (BNP) e da fração N-terminal do BNP (NT-proBNP) podem
estar elevados em doenças pericárdicas. No entanto, não há evidências suficientes que justifiquem seu uso
rotineiro para o diagnóstico de pericardite aguda.

Marcadores do diagnóstico etiológico

A avaliação sorológica em busca de um fator causal deve incluir dosagem de hormônios tireoidianos; provas
reumatológicas; função renal; hemoculturas, na suspeita de infecção bacteriana. A pesquisa viral através de
sorologia em sangue não deve ser realizada, pois não possui correlação com os achados no pericárdio. Na
presença de derrame pericárdico volumoso, a análise histológica e imuno-histoquímica do pericárdio e do
líquido pericárdico para avaliação de tuberculose (dosagem de adenosina deaminase), neoplasia, pesquisa
viral e de outros fatores pode aumentar a chance de diagnóstico etiológico de forma significativa182. Na
pericardite aguda idiopática recorrente, a presença de autoanticorpos antinúcleo em baixos títulos é comum e
sugere uma possível patogênese autoimune

Radiografia
Na pericardite aguda, a radiografia de tórax é normal na maioria das vezes. A presença de cardiomegalia
ocorre apenas quando há mais de 200 ml de fluido no saco pericárdico. O aumento progressivo do derrame
pericárdico, que ocorre, por exemplo, no tamponamento cardíaco, resulta em formato globular da silhueta
cardíaca à radiografia de tórax.

Estudos mostram que o aumento da silhueta cardíaca à radiografia de tórax tem sensibilidade moderada
(70%), porém baixa especificidade (41%) para o diagnóstico de derrame pericárdico. Não é possível definir
pericardite com base apenas em dados radiológicos.

A presença de calcificação do pericárdio, que pode ser evidenciada facilmente pela radiografia de tórax,
sugere fortemente pericardite constritiva em pacientes com insuficiência cardíaca. No entanto, está presente
em apenas 25% dos pacientes com pericardite constritiva

Ecocardiograma

A ecocardiografia tem se mostrado uma ferramenta muito útil no diagnóstico das doenças do pericárdio,
assim como no acompanhamento da resposta terapêutica e do prognóstico. Também tem sido utilizada como
guia na drenagem do derrame pericárdico.

Comumente, os achados ao ecocardiograma associados a pericardite aguda envolvem aumento do


espessamento pericárdico e derrame pericárdico. No entanto, podemos ter casos de pericardite aguda sem
alterações ao ecocardiograma, usualmente denominados "pericardite aguda seca".

Tomografia computadorizada do coração (TCC)


Na pericardite aguda, a TCC pode encontrar pericárdio uniformemente espessado, derrame pericárdico e
algum realce precoce após contraste venoso. O derrame pericárdico pode ser loculado, com septações, e
eventualmente a presença de gás é associada à presença de microrganismos. Os septos formados também
captam contraste. A densidade do derrame deve ser observada, pois transudatos têm baixa densidade (0-10
UH), ao contrário de exsudatos, hemorragias e neoplasias200.

Na pericardite constritiva a TCC identifica espessamento pericárdico, calcificações pericárdicas, ou


ambos201. A espessura normal do pericárdio mede menos que 2 mm, e só é identificada adequadamente
quando há gordura envolvendo-o. O espessamento pode envolver todo ou quase todo o pericárdio ou ser
localizado202,203. A constrição cardíaca causada pelo espessamento do pericárdio dá ao coração uma forma
estreita tubular. Se a constrição predominar na fossa atrioventricular, forma-se uma cintura. Há distensão dos
átrios e das veias cavas. Derrame pericárdico e ascite também podem ser achados.

Na pericardite neoplásica, além de derrame pericárdico e espessamento dos folhetos, pode ser identificável a
presença de massas no pericárdio ou a infiltração de tecidos adjacentes, comprometimento das bordas
ventriculares, septos espessados e captantes de contraste.

Medicina nuclear

A RMC está indicada na avaliação diagnóstica das pericardites aguda e crônica (Tabela 27). Ela permite
quantificar o grau de espessamento pericárdico e o volume do derrame pericárdico, e se distingue por permitir
a identificação dos sinais sugestivos de injúria inflamatória miopericárdica através da técnica do realce tardio

Pericardiocentese e biópsia pericárdica

Análise histológica
Tratamento
Tratamento não medicamentoso
Tratamento no tamponamento cardíaco
Esse tratamento é a drenagem do líquido pericárdico de forma a reduzir a pressão intrapericárdica e, dessa
forma, melhorar a hemodinâmica do paciente. Na estabilização da hemodinâmica do paciente, anterior à
drenagem pericárdica, pode-se fazer a infusão rápida de cristaloide com objetivo de melhorar a perfusão, e na
presença de bradicardia indica-se a utilização de aminas ou atropina. A drenagem pericárdica pode ser
realizada através de inserção de uma punção percutânea e colocação de um cateter de drenagem ou através
drenagem cirúrgica aberta com ou sem pericardioctomia (janela pericárdica), ou ainda através de
pericardioscopia assistida do vídeo241. A pericardiocentese por cateter deve ser guiada pela ecocardiografia,
que permite a identificação do melhor local e ângulo de pressão, reduzindo as complicações e aumentando as
taxas de sucesso. A drenagem por cateter pode necessitar alguns dias e o cateter não deve ser removido até
a drenagem ser inferior a 20-30 ml/24h.

A drenagem cirúrgica tem a vantagem de permitir a realização de biópsia pericárdica, sendo a forma
recomendada em casos de recidiva do derrame após a drenagem via cateter e em casos de coágulos ou
derrames localizados não acessíveis pela via percutânea

Ressecção pericárdica
Drenagem de fluido exsudativo.

A síndrome de constrição pericárdica é tratada pela excisão do pericárdio. Por causa de aderências densas e
calcificação que podem penetrar no miocárdio, a ressecção pericárdica pode ser um desafio técnico. Na
maioria dos centros, o procedimento é feito através de esternotomia mediana, com a eventual necessidade do
uso de circulação extracorpórea. O objetivo do procedimento é liberar os ventrículos do pericárdio
densamente aderido. Cuidado especial deve ser tomado ao dissecar nas regiões dos vasos coronarianos
epicárdicos. O objetivo é ressecar o pericárdio de nervo frênico a nervo frênico, e também, posteriormente,
em torno da entrada das veias cavas e veias pulmonares. A ressecção completa deve restaurar a curva de
pressão-volume. A ressecção completa do pericárdio, entretanto, não é viável em todos os casos,
notadamente na pericardite constritiva induzida por radiação. A mortalidade operatória tem sido relatada tão
alta quanto 10 a 20%. A sobrevida a longo prazo é menor em pacientes com cirurgia cardíaca prévia, e
particularmente em pacientes com pericardite constritiva induzida por radiação.

Pericardiocentese
Exceto em situações de emergência (p. ex.,
tamponamento cardíaco), a pericardiocentese, um
procedimento potencialmente letal, deve ser realizada sob orientação ecocardiográfica em um laboratório de
cateterização cardíaca e deve ser supervisionada por um cardiologista ou cirurgião torácico se possível.
Equipamento de reanimação deve estar disponível. Sedação IV (p. ex., morfina, 0,1 mg/kg, ou fentanila, 25 a
50 μg mais midazolam 3 a 5 mg) é desejável. O paciente deve ser reclinado, com a cabeça elevada 30° em
relação à horizontal.

Sob condições assépticas, a pele e os tecidos subcutâneos são infiltrados com lidocaína.

Uma agulha curta chanfrada de 75 mm, calibre 16, é conectada via uma válvula reguladora de fluxo de 3 vias
a uma seringa de 30 ou 50 mL. Pode-se entrar no pericárdio através do ângulo xifocostal direito ou esquerdo
ou da ponta do processo xifoide com a agulha direcionada para dentro, para cima e perto da parede torácica.
A agulha é inserida com sucção constante aplicada à seringa.

A ecocardiografia pode ser utilizada para orientar a agulha à medida que o soro fisiológico agitada é injetada
nela. A ecocardiografia também é cada vez mais utilizada para identificar o local da punção ideal e a trajetória
da agulha.

Depois que está no local correto, a agulha deve ser fixada ao lado da pele para evitar que avance mais do
que o necessário e possivelmente perfure ou lesione o coração ou um vaso coronário. O monitoramento do
ECG é essencial para detectar as arritmias produzidas quando o miocárdio é tocado ou puncionado. Em
geral, a pressão sistólica atrial direita e a pressão de oclusão da artéria pulmonar (pressão em cunha do
capilar pulmonar) são monitoradas.

O líquido é retirado até que a pressão intrapericárdica caia abaixo da pressão atrial direita, normalmente a
níveis subatmosféricos. Se for necessária drenagem contínua, um catéter pode ser inserido através da agulha
no pericárdio e a agulha é retirada. O catéter pode ser deixado no local por 2 a 4 dias.

Tratamento medicamentoso
Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) (drogas de escolha)
1. Ácido acetil salicílico (AAS), 500 a 750 mg a cada 6 ou 8 horas, por 7 a 10 dias, seguido de redução
gradual de 500 mg por semana, durante três semanas
2. Ibuprofeno, 400 a 800 mg a cada 6 ou 8 horas, por 14 dias
3. Indometacina, 75 a 150 mg ao dia [evitar após infarto agudo do miocárdio (IAM)]
4. Colchicina 0,5 mg de 12/12 horas ou 0,5 mg a cada 24 horas nos pacientes com menos de 70 kg, pelo
período de três meses no primeiro evento e 6 meses na pericardite recorrente (evitar na insuficiência
renal severa, disfunção hepática, discrasia sanguínea e distúrbios da motilidade gastrointestinal)
Anti-inflamatório não hormonal (AINH) no tratamento da pericardite aguda

Imunossupressão na pericardite aguda


Prednisona na ausência de resposta aos AINH e à colchicina na ausência de infecção viral ou outro agente
etiológico, comprovada por biópsia epimiocárdica e pericárdica

Prednisona na ausência de infecção viral ou outro agente etiológico, comprovada por biópsia epimiocárdica e
pericárdica nas seguintes situações clínicas: presença de pericardite autoimune, doença do tecido conectivo
ou pericardite urêmica

Prednisona oral nos pacientes com pericardite recorrente na ausência de fator causal identificado ou infecção
viral ou outro agente etiológico, comprovada por biópsia epimiocárdica e pericárdica

Azatioprina nos pacientes com pericardite recorrente apesar do uso da prednisona

Triancinolona intrapericárdica na pericardite autorreativa na ausência de infecção viral ou outro agente


etiológico, comprovada por biópsia epimiocárdica e pericárdica

Antivirais na pericardite aguda


Uso de imunoglobulina na pericardite viral

Situações especiais

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