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A Paixão Secreta do Conde

Escândalos de Scarcliffe Hall I

Gemma Blackwood
SINOPSE

Duas famílias em guerra. Um amor proibido.

Lady Cecily Balfour sempre foi ensinada que os homens


de Hartley são loucos, maus e perigosos. Quando conhece
Robert Hartley, conde de Scarcliffe, faz algumas adições a
essa lista: teimoso. Irritante. Lindo. Encantador. Tentador.
A sociedade espera que Cecily faça um matrimônio
vantajoso da escolha de seu pai. O que pode fazer agora que
sua própria escolha é um homem que é expressamente
proibido de ver?
O conde de Scarcliffe gosta de caçar, beber, bilhar e ser
solteiro. O amor não está em sua lista de requisitos.
Especialmente para uma mulher com uma veia obstinada de
uma milha de largura e uma inclinação para cavalgar em seu
garanhão favorito. E se essa mesma mulher é uma Balfour?
De maneira nenhuma!
Mas resulta que Cecily tem um par de chamativos olhos
azuis, um gosto por aventura e um senso de humor agudo.
Isto significa que o coração de Robert corre tanto perigo
quanto sua cabeça se eles forem apanhados juntos.
Quando Robert e Cecily desafiam suas poderosas
famílias por amor, o que terão que sacrificar em troca?
1

Floresta de Scarcliffe, Inglaterra, 1820

Lady Cecily Balfour estava perdida, embora nada no


mundo a obrigasse a admiti-lo.
Encontrava-se completamente perdida, acrescentando a
humilhação que sofria por causa de uma tempestade
repentina.
Isto era simplesmente muito! Ela explorava o bosque de
Scarcliffe desde que era uma menina. Por que se voltava
contra ela agora? Oh, havia algumas áreas do bosque onde
ela sabia não devia se aventurar... mas como poderia alguém
evitar de escolher o caminho mais bonito em uma cálida tarde
de agosto?
Agora, que o sol estava se pondo e Cecily tinha estado
dando voltas pelo bosque, tinha a terrível suspeita de que se
aventurou a cruzar a fronteira para as terras dos Hartley.
Nenhum membro da família Balfour deveria ser visto
vagando pelo imóvel da família Hartley, Scarcliffe. As duas
famílias, embora vizinhas, eram os inimigos mais notórios da
Inglaterra. A inimizade tinha durado várias gerações,
alimentada por desajustes sociais, rumores desumanos e os
desafios ao orgulho masculino que eram o combustível que
alimentavam as chamas da hostilidade na alta sociedade. Não
havia um único membro da aristocracia que não estivesse de
acordo em que os Hartley e os Balfours deveriam manter-se
separados a todo custo.
E agora se encontrava invadindo o lado dos Hartley do
bosque de Scarcliffe justo quando as primeiras gotas grossas
de chuva caíam do céu.
Agarrou suas saias para evitar que se manchassem de
barro e começou a correr da cobertura de uma árvore a outra.
Certamente haveria algum lugar próximo onde pudesse se
refugiar? Um pavilhão de caça, possivelmente? Uma cabana
de queimadores de carvão? Os Hartleys não podiam ser tão
selvagens a ponto de ficarem sem comodidades materiais
enquanto exploravam suas terras.
A chuva rapidamente se transformou de uma garoa em
um aguaceiro. Cecily desistiu de proteger sua roupa e deixou
que suas saias pendurassem frouxas. Não usava nada
particularmente fino, só um vestido de dia de musselina
branca e algodão fino e uma jaqueta verde pálida. Suas botas
eram exatamente o contrário das sapatilhas de cores da moda
para crianças ou meia botas de cetim; eram de couro negro,
práticas, o que necessitava para passear pelo campo. Ela se
sentiu um pouco incômoda ao supor que, se alguém a visse
nesse estado de desalinho, nunca adivinhariam que era a
única filha do duque de Loxwell.
Cecily nunca quis nada e, como consequência, esbanjava
muito poucos pensamentos em roupa fina e joias. As
atividades que mais gostava requeriam roupa mais resistente,
e, quando não estava dedicada ao tedioso negócio de caçar
um marido em Londres, isso era exatamente o que escolhia
usar.
O conhecimento de que ela não estava danificando nada
fino foi de muito pouco alívio quando a chuva encharcou seu
vestido e o pregou a suas pernas. Se pelo menos tivesse
escutado o conselho de sua mãe e tivesse pegado um casaco!
A fina musselina estava ficando quase indecente por causa da
umidade.
Um oco nas árvores à sua frente a impulsionou a
avançar, com a esperança de encontrar uma clareira com pelo
menos um esconderijo para observar pássaros. Sua surpresa
foi enorme quando, ao sair de debaixo das árvores descobriu
a vasta extensão de céu, nublado e descendo e, para cúmulo,
a própria residência Scarcliffe no topo de uma subida com um
gramado perfeito a uma curta distância.
— Maldição!
A última coisa que precisava era ser vista por alguém da
desprezível família Hartley nesse estado. Se tivesse sorte, nem
sequer estariam em casa. A ruptura entre as duas famílias
era tal que Cecily não fazia ideia de com que frequência os
habitantes de Scarcliffe estavam na residência. A principal
propriedade da família Hartley estava no marquesado de
Lilistone, alguns quilômetros ao norte, mas Scarcliffe Hall era
o lar tradicional do conde de Scarcliffe, o filho mais velho do
marquês. Se tivesse o bom gosto de passar o verão no campo,
Scarcliffe Hall seria o lugar ideal para ficar.
Cecily procurou um lugar para se refugiar. Do outro lado
do belo gramado, viu uma pequena casinha que parecia ser
uma opção razoável. Só esperava que a porta estivesse aberta,
para que pudesse pelo menos sair da chuva até que a
tempestade passasse. Um breve olhar ao céu sombrio lhe
disse que havia poucas esperanças de que isso passasse logo,
mas que era um problema que precisava ser resolvido uma
vez que estivesse na cobertura.
Voltou a levantar as saias e correu para a casinha,
estremecendo enquanto a chuva fria caía por suas costas. Os
raios vibraram no céu. Ela contou cinco segundos antes de
que fosse seguido pelos rugidos dos trovões. As tempestades
de verão sempre foram as mais perigosas; de repente,
apareciam através de um céu azul claro, trazendo vento
suficiente para derrubar um carvalho antigo.
Seus dedos estavam quase dormentes enquanto lutava
com a maçaneta da porta da pequena casinha. Quando não
abriu, a princípio não tinha certeza se era apenas porque
suas luvas escorregavam sob a chuva. Seus dentes
começaram a bater. Olhou nervosa em direção a Scarcliffe
Hall. Bom, se tivesse que morrer congelada à vista de um
refúgio simplesmente para manter o orgulho de sua família,
que assim seja. Seu pai sempre a advertiu que os homens da
família Hartley eram bestas selvagens e que as mulheres
também não eram confiáveis, e Cecily não adorava nada no
mundo tanto quanto seu pai. Sua palavra era suficiente para
fazer que o assombroso Hall parecesse uma guarida de
horrores.
Ela arrancou uma forquilha da cabeça, soltando uma
mecha de cabelo castanho, e começou a tentar a forçar a
fechadura. Se um ladrão comum podia fazer isso, afinal, por
que não a filha do duque de Loxwell?
Cecily estava tão absorta em sua tarefa que nem
percebeu que, a meio caminho da extensão de grama que
havia entre ela e Scarcliffe Hall, uma figura de ombros largos
corria em sua direção, com as mangas da camisa enroladas
até o cotovelo, protegido apenas por uma capa escura sobre
sua cabeça que o vento açoitava atrás dele.
2

— Um bom tiro, Scarcliffe — disse o duque de Beaumont,


com relutância, olhando para a mesa de bilhar com uma
expressão de desgosto. Robert Hartley, conde de Scarcliffe,
deu-lhe um sorriso brilhante e se inclinou para apontar mais
uma vez.
— Não seja amargo, Beaumont.
— Quem não seria, depois do desagradável truque com o
qual está jogando? — Perguntou o irmão de Robert, Lorde
Jonathan Hartley, que estava deitado no tapete em frente ao
fogo com os pés em uma cadeira, fingindo ler.
Os olhos de Beaumont se estreitaram. — Que truque é
esse, Hart?
Jonathan rodou de bruços para deixar o fogo aquecê-lo
uniformemente.
— Se você não percebeu, Beaumont, é porque seu
cérebro deve estar mais confuso com o brandy do que
pensava. O fato é que meu querido irmão esteve perdendo
deliberadamente no bilhar toda vez que você está nesta sala
há mais de um ano, com a única intenção de te sangrar este
verão.
— Isso é verdade, Scarcliffe? — Beaumont exigiu,
dirigindo-se a Robert com fogo nos olhos. Robert embolsou
outra bola e encolheu os ombros com indiferença.
— Apostou por vontade própria, Beaumont.
— É sua culpa — Jonathan disse preguiçosamente,
fechando os olhos no calor. — Todo mundo sabe que Robert é
um grande atirador.
— Pensei que isso se aplicava apenas à caça! —
Protestou Beaumont. Houve aplausos satisfatórios da mesa
quanto Robert embolsou sua bola final.
— Assim é o jogo, Beaumont. Pagamento.
— É muito injusto de sua parte não ter falado antes,
Hart, — grunhiu o Duque, entregando seu dinheiro a Robert.
Jonathan abriu um olho, irritado.
— A maldição do filho mais novo ataca de novo. Devo
sempre ser culpado pelos pecados de meu irmão? Nenhum de
vocês sabe o que sofro.
— Sim, Scarcliffe — interrompeu o quarto membro da
pequena festa, que estava bebendo um grande gole de brandy
em uma poltrona no canto. Ralph Morton, barão de
Northmere, era um notório defensor da justiça. Outros
cavalheiros achavam divertido e admirável. — Acho que deve
uma desculpa a Beaumont.
— Pelo contrário, — objetou Robert, vendo que não havia
necessidade de ser cortês na vitória — é Hart quem deve se
desculpar comigo. Tinha a intenção de manter o ardil até pelo
menos setembro.
— Não sou tão ingênuo com tudo isso, Scarcliffe!
— Isso ainda precisa ser visto, Beaumont. — Robert
embolsou seus lucros e começou a recolher as bolas de bilhar
mais uma vez. — Interessado em uma revanche? Dobro ou
nada?
— Eu gostaria de me retirar com pelo menos parte de
minha dignidade intacta, — disse Beaumont, dirigindo-se ao
armário de bebidas. — Para não dizer com um pouco de
dinheiro em minha carteira até o inverno.
Robert riu alegremente. O duque de Beaumont tinha
uma fortuna tão insondável que era difícil acreditar que
alguns truques na mesa de bilhar lhe causassem danos.
— Northmere, então? — Sugeriu, lançando o taco para o
barão, que o agarrou habilmente com apenas um olhar para
seu brandy.
— Sem dinheiro, Scarcliffe. Não sou idiota — Northmere
fez uma careta enquanto um trovão pareceu sacudir Scarcliffe
Hall até seus alicerces. — Uau, o tempo está piorando.
— Estará muito lamacento para caçar amanhã —
suspirou Jonathan, deixando cair sua cabeça sobre seu livro
e renunciando a toda pretensão de ler.
— Só se for um dandy que não pode suportar ter suas
botas enlameadas, Hart — disse Robert, sabendo muito bem
que seu irmão tomava tanto cuidado em sua aparência que
nada o induziria a sair até que os caminhos estivessem secos.
— Olhe esse raio! — Disse Beaumont, caminhando para
a janela. — Prometeu-nos um verão de esporte e bom tempo,
Scarcliffe. Como chama isso?
— A mãe natureza enchendo o lago de pesca é como o
chamo — disse Robert, juntando-se a ele para contemplar o
bosque sacudido pela tempestade que ficava além dos jardins
de Scarcliffe Hall. — Atrevo-me a dizer que será capaz de
pescar, Beaumont, mesmo que não possa me vencer no
bilhar.
— Não acredito que seja capaz de me induzir a fazer
outra aposta neste verão, Scarcliffe — grunhiu o Duque. Ele
foi pegar a cadeira vazia de Northmere e encher sua taça de
brandy. — Mais alguém quer beber?
— Nada para mim. — A temporada de caça acabava de
começar. Robert pretendia caçar na manhã seguinte,
independente de o céu estar limpo ou não, e queria ter a
cabeça clara para isso. Talvez estivesse muito orgulhoso de
sua reputação como brilhante atirador, e queria mantê-la.
O clima externo era certamente impressionante. Robert
sentiu um arrepio de alegria ao ver as mantas cinzentas da
chuva açoitar sobre as árvores. Scarcliffe Hall e suas
exuberantes propriedades eram a joia da coroa das posses de
seu pai. Houve um tempo em que a família Hartley a tinha
convertido em sua residência principal, mas a proximidade
com seus inimigos os tinha afastado durante as últimas
gerações. Convinha muito a Robert ter seu pai, o marquês,
afastado de Scarcliffe Hall. Ele pode não ter herdado ainda,
mas era seu próprio dono.
Hart podia queixar-se tudo o que quisesse sobre a difícil
situação de ser um filho mais novo, mas nunca aspirou a
muito mais do que descansar e vadiar nas mesas de jogo.
Robert, por outro lado, era conde de Scarcliffe, e levava sua
posição muito a sério.
Um raio rasgou o céu sobre o bosque do Scarcliffe.
Robert sentiu uma súbita vontade de sair correndo e abrir
seus braços para o céu que se derramava. Uma boa
tempestade, particularmente aquelas violentas e
incongruentes que abriam o coração do verão quente, sempre
o enchia de uma sensação de antecipação, quase de desejo. A
sensação de que, quando a chuva se dissipasse, o mundo
seria revelado de novo, e cheio com mais maravilhas do que
tinha sonhado.
Enquanto o trovão seguia o raio, o olho de Robert captou
um pequeno movimento na borda das árvores.
— Vou tomar o primeiro turno se não se importar.
— Adiante — disse Robert, entrecerrando os olhos na
janela. Era real, ou simplesmente uma miragem provocada
pelo clima inclemente? Poderia jurar que viu um brilho de
musselina branca correndo por suas terras. A figura vestida
de branco chegou ao abrigo onde o jardineiro principal
guardava suas ferramentas.
Isso, agora era inconfundivelmente como ela, começou a
puxar a porta. Robert não tinha nenhuma dúvida de que
estava fechada.
— Hart, tem sua capa à mão? — Perguntou. Jonathan
tinha o hábito de jogar suas coisas nos móveis cada vez que
entrava em uma sala, e as deixava onde caíam.
— Não vai acreditar nisso, mas há uma mulher lá fora,
na tempestade.
— Está bem, Scarcliffe, não siga com suas tolices —
Beaumont o advertiu. — Todos juramos ter um verão só para
solteiros. Não permitirei que force uma amante sob falsas
pretensões.
— Pelo amor de Deus, homem, deve estar ensopada! —
Robert pulou para pegar a capa de Jonathan, a urgência da
situação o atingiu com pressa. — Não podemos deixá-la lá
fora para pegar sua morte!
— Tem razão — disse Northmere, aparecendo pela
janela. — Parece que há uma mulher tentando entrar em uma
de suas dependências.
— Que diabos? — Perguntou Hart. — De onde veio? —
Apontou um dedo acusador para Northmere. — Não pegou
uma garota do povoado, não é? Sei o que faz quando pensa
que pode sair com a sua.
— Eu não! — Protestou Northmere. Enquanto isso,
Robert tinha forçado suas botas de novo em seus pés.
— Já vejo, vai bancar o herói — comentou Hart,
enquanto Robert saía correndo da sala.
— Chamam a vocês mesmos cavalheiros! — Gritou. — E
deixam uma mulher congelar até a morte!
Não parou para escutar as respostas que estavam
gritando, mas correu pelo corredor e abriu uma porta lateral.
Permitiu-se só um momento de vacilação antes de mergulhar
na chuva.
Quem na terra seria tão tolo para sair em uma noite tão
miserável como esta? Além disso, por que não veio à casa a
procura de refúgio?
Robert sabia que sua multidão de amigos solteiros
poderia não parecer a perspectiva mais atraente para uma
garota de campo apanhada em uma tempestade, mas a sua
reputação era tão ruim assim?
A resposta ficou clara enquanto corria, com um braço
estendido para manter o equilíbrio, caso escorregasse na
grama lamacenta, e o outro segurando a capa de seu irmão
para manter o pior da chuva longe de sua cabeça. A mulher
de pé, encharcada e tremendo, no mísero refúgio da pequena
casinha não era outra senão Lady Cecily Balfour. Ele já a vira
antes, é obvio, embora nunca se rebaixou para procurar uma
apresentação. Mesmo se ele estivesse tão inclinado, por causa
de sua beleza inconsiderável, ele não tinha ilusões de que o
aceitaria como um conhecido.
A garota era uma Balfour e, portanto, estava muito
abaixo nas preocupações de Robert. Só o fato, de que estava
bastante seguro que, em seu estado atual, estava a ponto de
contrair uma pneumonia, lhe impediu que se virasse e
voltasse de novo para casa. Isso, e o fato de que não podia
negar o apelo de resgatar heroicamente uma bela donzela em
apuros, inclusive se ela fosse apenas uma Balfour.
Robert tinha seu orgulho ― alguns diriam que possuía
muito ― e foi principalmente isso que o levou a correr para o
lado de Cecily, jogando sua capa sobre seus ombros, e a
abraçando.
— Não se preocupe — disse, enquanto mais trovões
abundavam sobre suas cabeças. — Tê-la-ei salvo e seca em
instantes.
Esperava um suspiro de alívio, um grito de gratidão, um
colapso feminino contra seu ombro forte. Agora que o rosto de
Cecily estava perto do seu, podia apreciar completamente o
quão delicada e bonita ela era, mesmo com a chuva gotejando
da ponta de seu nariz. O que não previu foi o golpe de um
punho em seu ombro, tão inesperadamente forte que
cambaleou até cair sobre um joelho, e o grito de: — Canalha
sujo! Exijo que me solte imediatamente!
3

Normalmente, Cecily não tinha ocasiões onde tivesse que


chutar ou gritar, então sentiu um pouco de orgulho de fazê-lo
admiravelmente bem no momento. O homem estranho que a
tinha carregado em seus braços como se fosse uma bagagem
velha, tinha um aperto tão diabolicamente forte que seria
necessário um pouco de esforço para rompê-lo.
Deu-lhe um bom golpe no ombro, fazendo-o cambalear
um pouco, e tentou que os chutes dados com suas botas
atingisse seu peito.
— Deixe-me ir de uma vez! — Gritou, sua indignação
apenas aumentando quando ele começou a levá-la para casa.
— Quem pensa que é para me maltratar assim?
— Sou o Conde de Scarcliffe — respondeu o homem
enquanto cerrava os dentes.
— E prefiro que não morra em minha propriedade, Lady
Cecily.
Seus punhos pararam. Realmente era um homem grande
e rude, ela poderia muito bem estar golpeando o tronco de
uma árvore. — Sabe quem sou? — Ela perguntou, tentando
recuperar seu senso de dignidade, embora um dos braços do
conde a levantasse para seu peito e o outro estava torcido sob
seus joelhos.
— Estou dolorosamente consciente disso — respondeu-
lhe.
— Então deve me baixar imediatamente. Nego-me a ser
levada a Scarcliffe Hall!
— Isso é impossível, minha senhora, porque me recuso a
deixá-la de fora na chuva para congelar até a morte. — O
conde abriu a porta lateral e entrou de lado na casa,
cuidando de que a cabeça de Cecily não golpeasse contra o
marco da porta.
— A invasão será resolvida mais tarde, quando estiver
quente e seca.
— Invasão!
— Como você chamaria isso?
Para surpresa de Cecily, deixou-a cair no chão sem
hesitação. Era tudo o que podia fazer para evitar cair em um
monte deselegante a seus pés.
— Estava perdida — retrucou, estendendo uma mão e
agarrando seu ombro para se equilibrar. O homem parecia
como uma parede de tijolo. — Acredite, nada poderia me
induzir a entrar voluntariamente na propriedade dos Hartley.
— Tenha certeza que não terá que suportar isso por
muito tempo.
Cecily finalmente pôde ver bem seu sequestrador e
socorrista. Sua imagem mental da família Hartley a levou a
esperar um tipo pequeno, nada favorecido, desagradável e que
parecia necessitar de um bom banho.
Seu assombro quando confrontada por um homem alto,
de queixo forte, com fogo nos olhos escuros, foi tão grande
que quase perdeu a noção da sua réplica aguda. Quase.
— Fico feliz de ouvi-lo. Admito que não tenho
expectativas sobre a hospitalidade dos Hartley.
Foi interrompida por uma forte e grosseira maldição
atrás dela. Ao se virar, horrorizou-se ao se ver confrontada
por três cavalheiros em vários estados de dificuldade. O
homem da frente, que compartilhava os olhos escuros e as
feições bem formadas do conde, era o que tinha amaldiçoado.
— Robert! — disse, olhando para Cecily como se pudesse
apagá-la da existência com um olhar afiado. — Não sabe
quem é?
— Estou perfeitamente consciente disso — disse o conde,
ficando diante de Cecily quando percebeu que a chuva tinha
deixado seu vestido grudado nas pernas de uma maneira
vergonhosamente reveladora. Robert manteve seus olhos
firmemente no rosto de Cecily enquanto colocava a capa ao
redor de seus ombros, cobrindo-a por completo.
— Lady Cecily, — disse — eu gostaria de apresentar a
Benjamin Colborne, Duque de Beaumont; Ralph Morton,
Barão de Northmere e finalmente, meu irmão, Lorde Jonathan
Hartley.
Os olhos do Cecily estavam arregalados. — Não pode
esperar que eu cumprimente estes cavalheiros neste estado.
Um brilho de diversão sombria iluminou os olhos de
Robert. — Cavalheiros, Lady Cecily não está em exibição nos
parques zoológicos. Por favor, voltem para a sala de bilhar,
onde me reunirei com vocês assim que nossa convidada se
instalar.
— Convidada? — Cecily repetiu, horrorizada. — Meu
Lorde, se tiver um traço de decência, me emprestará uma
carruagem para ir para casa e nunca voltará a falar deste
encontro!
— Sou perfeitamente decente — Robert respondeu
friamente. — Mas o que pede é impossível. As estradas entre
Scarcliffe Hall e Loxwell Park não estão bem cuidadas, como
bem deve saber. Seria extremamente perigoso percorrê-las
com este tempo.
Cecily olhou fixamente para os três cavalheiros que a
olhavam com curiosidade do corredor. — Então, o que
propõe?
— Deve passar a noite aqui, é obvio. Não temos muitas
comodidades femininas, mas minha governanta será
absolutamente capaz de fazer tolerável a casa.
— Não! — Cecily estava começando a entrar em pânico,
mas estava orgulhosa de que sua voz soasse severa e
confiante. Robert levantou uma sobrancelha.
— Não?
— O que sugere é completamente impossível. — Cecily
cruzou seus braços sob a capa, desejando não estar tremendo
tão violentamente. — Se acha que eu, a filha do duque de
Loxwell, sofrerei por estar sob o teto da família Hartley em
companhia de quatro estranhos cavalheiros, deve estar louco.
Se alguém descobrir que passei a noite aqui, estarei
totalmente arruinada.
— Então nos encarregaremos de que ninguém se inteire.
— Robert deu um passo para ela, como se pretendesse jogá-la
sobre seu ombro e levá-la, querendo ou não. Cecily deu um
passo para trás, encontrando-se presa contra a parede. —
Está meio congelada até a morte — disse. — Vou pedir um
banho quente para você.
— Talvez você tenha que pegar emprestado roupa seca
das faxineiras da cozinha. Não esperávamos hóspedes
femininos durante todo este verão.
— Eu não sou sua convidada! — Cecily protestou,
embora seus dentes trêmulos quebrassem as palavras. Robert
a ignorou e começou a dar puxões no sino ao lado da porta
com muita força.
— Smith! Onde você está? Smith! — Uma governanta
gordinha, alegre e um pouco confusa rapidamente apareceu.
— Esta é Lady Cecily Balfour — disse Robert com
firmeza. O nome dela rolou entre seus lábios como se fosse
um espinho de peixe que tinha ficado preso entre seus
dentes. — Ela ficará aqui esta noite, e você cuidará bem dela.
— Balfour? — Repetiu a governanta, olhando para Cecily
alarmada.
Robert inclinou-se para ela e falou em um sussurro,
embora Cecily captasse suas palavras facilmente. — Estou lhe
confiando o segredo de sua identidade. Lady Cecily está
arriscando muito passando a noite aqui, mas não vejo outra
opção. Não podemos nos arriscar que sofra algum dano,
mesmo que seja por sua própria estupidez — disse. — Se ela
se resfriar, ou se sai de entre estas paredes, os Balfours nos
culparão e eu culparei você, Sra. Smith.
— Ora! — Riu a governanta. — Como se eu tivesse
deixado alguém se machucar aos meus cuidados! Siga-me,
Lady Cecily. Há uma bela lareira na cozinha, onde terá que
esperar até que seu dormitório esteja preparado. Diremos aos
serventes que é minha sobrinha, que está de visita de
Londres. — A ideia de um bom fogo era muito para que Cecily
resistisse.
Deixou que a governanta a guiasse por um corredor
passando pela porta aberta da sala de bilhar com o nariz no
ar e a cabeça erguida, e desceram as escadas até os
dormitórios dos serventes. Exatamente o que ela esperaria de
uma casa Hartley sem provisões para os hóspedes, exceto nas
cozinhas!
À medida que avançava, Cecily não pôde evitar o risco de
olhar o homem que a tinha arrancado do coração da
tempestade. Para sua surpresa, ele a estava observando
partir. Não com alegria em seus olhos, ou a crueldade que ela
poderia ter pensado encontrar ali, mas com uma expressão
curiosa e pensativa que ela não podia compreender. Então,
quando estava longe, perdida entre o bulício de toalhas,
serventes da cozinha preocupadas e dedos congelados, o
funcionamento interno da mente de Robert Hartley deixou de
preocupá-la absolutamente.
4

Lady Cecily era tudo o que Robert esperava que um


Balfour fosse: orgulhosa, obstinada e muita propensa a dizer
o que pensava. Ele se dera ao trabalho de se levantar, cedo
para que ela não tivesse que tomar o café da manhã sozinha,
e o que encontrou foi um silêncio sepulcral. Pelo menos não
tinha passado frio à noite. Ele se alegrou de ver que ela estava
perfeitamente saudável; favoravelmente radiante, de fato,
apesar das roupas de servente que usava. Suas próprias
coisas ainda não estariam secas por algumas horas.
Cecily parecia ter a impressão de que ia deixar Scarcliffe
Hall no momento em que terminasse seu café da manhã. Pelo
menos, essa era a única explicação que Robert podia
encontrar no fato de que ela empurrava por sua garganta a
torrada num ritmo mais próprio de seus cães de caça no final
de um longo dia de trabalho.
— Se preferir, sinta-se à vontade para pedir ovos e
toucinho — disse suavemente. Nunca tinha visto uma mulher
com tanto apetite e ainda assim possuía uma figura tão
esbelta. Esse era outro, ainda mais terrível, aborrecimento
por tomar café da manhã com Cecily. Ontem de noite, tinha
sido açoitada pela chuva e sensível, era uma inocente trêmula
que precisava de seus cuidados. Não é à toa que sentiu o
instinto protetor crescer dentro dele.
Esta manhã, estava limpa, fresca, bem arrumada, e tão
encantadora como uma rosa.
Mesmo em um vestido de algodão que não lhe assentava
bem, era todo um espetáculo para contemplar. Então Robert
estava fazendo o possível para não olhar para ela. Ela era
uma Balfour, e uma Balfour não podia se dar ao luxo de estar
bonita sob um teto Hartley.
Cecily não respondeu à sua sugestão, mas pediu ao
mordomo ovos mexidos exatamente como se ela não tivesse
ouvido Robert sugerir.
— Acredito que você está bem — disse, finalmente,
sentindo que era apropriado romper o silêncio. Cecily o
recompensou com um olhar penetrante que revelou a cor azul
exata de seus olhos.
— Não há necessidade de conversar, meu Lorde. De fato,
preferiria que não o fizesse.
— De verdade?
— Vê — disse Cecily, espalhando manteiga em outra
fatia grossa de torrada. — Não estou realmente aqui.
— Não está aqui? — Robert repetiu, divertido, apesar de
tudo. — Então suponho que estou vendo algum tipo de
fantasma?
Cecily arqueou uma sobrancelha perfeitamente
esculpida. — Não existe nenhuma circunstância concebível
sob a qual a filha do duque de Loxwell se encontrasse sozinha
em uma casa cheia de cavalheiros. É ainda menos possível
que dois desses cavalheiros sejam Lorde Jonathan Hartley e
seu irmão, o conde de Scarcliffe. Portanto, uma vez que não é
possível que esteja aqui, deduz-se que não estou.
Robert se inclinou e estava a ponto de responder de uma
maneira igualmente ridícula, quando Jonathan entrou
bocejando na sala. Claramente tinha esquecido
completamente sua convidada, porque estava
descuidadamente vestido com uma bata de seda azul. Cecily
deu um pequeno “hmph!” E Robert suspirou.
Confie em Hart para lhe dar a pior impressão possível
das maneiras dos Hartley.
— Bom dia, Lady Cecily — disse Hart, não consciente de
seu aspecto desalinhado. — Bom dia, irmão. Você já deu a
notícia a ela? — Robert ainda não havia encontrado o
momento adequado para mencionar um fato que sabia que
Cecily acharia extremamente angustiante.
— Que notícia é essa? — Cecily perguntou, voltando seus
olhos azuis afiados sobre ele novamente. Algo em seu olhar
enviou uma descarga de adrenalina atingindo-o em seu peito.
Foi muito intrigante.
— Receio que recebemos notícias de que a ponte no
caminho de volta para Loxwell Park foi bloqueada à noite por
uma árvore que caiu — disse, observando cuidadosamente
sua resposta. — Não poderei te enviar para casa em uma
carruagem esta manhã.
— Isso não tem importância — disse Cecily, com um
elegante encolhimento de ombros. Robert tentou não notar o
movimento intensamente elegante.
Não teve êxito. — Retornarei por onde vim: caminhando.
Há uma árvore caída que serve para cruzar o rio que
atravessa o bosque, até as terras de meu pai. Deverei ser
capaz de voltar pelo caminho que vim.
— Está louca? — Jonathan perguntou, com um grunhido
descortês. — Pode escorregar e quebrar o pescoço
atravessando o bosque depois da tempestade de ontem à
noite. Sem mencionar que estará coberta de barro.
— Você pode ser tão cuidadoso com sua aparência que
não pode suportar um pouco de barro — disse Cecily,
examinando a bata de Jonathan com seus olhos.
— Não pretendo ser tão chato.
— Com barro ou sem barro, receio que é impossível —
Robert interrompeu.
— Não escutarei sobre como retorna caminhando através
do bosque.
— E eu não vou permitir que me envie para casa em uma
carruagem dos Hartley em plena luz do dia! Apenas pense no
que as pessoas dirão!
— Então não se importa com barro, mas se importa com
intrigas? — Perguntou Robert. Os dedos de Cecily ficaram
brancos em torno da faca de geleia.
— Está tentando me convencer a concordar com você,
meu Lorde. Não funcionará.
— Mas não estou fazendo nenhum truque quando digo
para você levar uma carruagem para casa. Hart tem razão, os
bosques não são totalmente seguros, especialmente por todos
esses quilômetros que se encontram entre nós e Loxwell Park.
— Devia ter estado fora durante horas no dia anterior, para
chegar até Scarcliffe Hall. Robert se encontrou relutantemente
cedendo a admirá-la. — Se algo acontecesse com você, me
culpariam. Não darei a sua família outra desculpa para
manchar o nome Hartley com rumores maliciosos.
— Não vou permitir que manche meu nome associando-o
ao seu! — Cecily retrucou. — Digo-lhe, não vou andar em sua
carruagem.
— Então terá uma longa estadia conosco em Scarcliffe
Hall, porque não permitirei que vá sem ela — disse Robert.
Nunca conheceu uma mulher tão teimosa quanto Cecily. Na
verdade, ele não sabia exatamente como iria impedi-la que
fosse, mas não precisava saber disso. A ameaça de retê-la era
suficiente.
Cecily bateu a mão sobre a mesa. — Típico de um
Hartley! É tão prepotente e cabeça de porco como meu pai
sempre me advertiu!
— Uau, isso é um pouco mais picante do que eu
normalmente gosto no meu café da manhã. — O Duque de
Beaumont entrou na sala em um estado totalmente oposto ao
de Jonathan. Ele, pelo menos, sabia como se comportar
quando as damas estavam presentes. — Bom dia, Lady
Cecily. Não sou um Hartley, então confio que você me
permitirá perguntar se dormiu bem?
— Toleravelmente bem — ela admitiu, dando um breve
aceno a Beaumont.
— Perdoe minha franqueza, Sua Graça. Receio estar
rodeada de inimigos, e devo me defender como posso.
O prato de ovos apareceu no cotovelo de Cecily, e o
aceitou com um repentino sorriso que transformou
completamente suas feições. Robert notou com certa surpresa
que tratou o pessoal com mais amabilidade que aos irmãos
Hartley. Portanto, ela não era tão tirânica quanto desejava
aparecer. Ele guardou aquela observação, caso ela se
convertesse em algo útil mais tarde.
— Os três parecem discordar mais do que eu esperaria
de um grupo de vizinhos — comentou Beaumont, tomando
um sorvo de café.
— Tenho certeza que ouviu falar de nossa antiga
inimizade, Beaumont — Jonathan perguntou. — É mais do
que a delicada sensibilidade de Lady Cecily pode suportar,
compartilhar o mesmo ar com um par de selvagens como nós.
— Suas palavras, Lorde Jonathan — disse Cecily, com
um pequeno e estreito sorriso.
— Ouvi falar sobre isso, certamente, mas devo dizer que
é uma surpresa ver que continua com tanto entusiasmo na
geração atual. — Beaumont olhou curiosamente de um lado a
outro da mesa. — Algum de vocês sabe por que seus pais se
detestam com tanto fervor?
— É obvio que sabemos — disse Cecily. — E não aprecio
a implicação de que não é um assunto sério, Sua Graça. —
Ela se dirigiu ao Duque com uma confiança que beirava a
impertinência; a primogenitura do amado filho único de outro
duque. — O marquês de Lilistone e seus filhos persistem em
manter uma odiosa ficção sobre um de meus antepassados.
Até que retirem suas acusações, nenhum Balfour os
perdoará.
— Isso é demais! — Robert estalou. — Sabe muito bem
que foi Lorde Thomas Balfour cujas vis ações arrastaram o
nome de sua família pela lama!
— Paz, paz! — Exclamou Beaumont. — Não pensei que
entraria em um vespeiro. Nunca ouvi falar de Lorde Thomas
Balfour.
— Está morto — Cecily fungou, delicadamente pegando o
garfo cheio de ovos.
— Era meu tio avô, e sua reputação tem sido caluniada
injustamente pela família de Lorde Scarcliffe desde dia em
que morreu.
— Não estou de acordo com Lady Cecily — disse Robert,
incapaz de ocultar a condescendência em sua voz. —
Beaumont, o fato é que, quando meu pai era um menino,
Lorde Thomas Balfour sequestrou uma jovem da família
Hartley -minha tia avó, de fato. A única coisa que a salvou da
ruína absoluta foi o fato de que ele morreu em um acidente de
carruagem quando se foi com ela.
Cecily havia ficado extremamente pálida, mas, a seu
favor, manteve plena posse de si mesma. — Não me sentarei
tranquilamente e escutarei estas mentiras sobre minha
família — disse. Robert encolheu os ombros.
— Então sugiro que se retire para seu dormitório, minha
lady.
Cecily ficou de pé. Beaumont, sempre pacificador, a
empurrou de volta. — Dê à dama a oportunidade de
responder, Scarcliffe! É justo.
Cecily se recusou a se sentar de novo, mas olhou para
Robert e Jonathan, como se tivessem sabotado pessoalmente
a carruagem de seu tio avô. — A triste verdade, Sua Graça, é
que Lady Letitia Hartley era uma rameira comum que fugiu
com um pintor, desonrando sua família. Quando Lorde
Thomas morreu, o falecido Marquês de Lilistone considerou
apropriado salvar a reputação de sua família, acusando-o do
desaparecimento de Lady Letitia. A dor e o estresse de tudo
isso enviaram meu bisavô a uma morte prematura! Nenhum
Balfour que mereça a pena poderia esquecê-lo, e certamente
eu não o farei.
— Duas histórias diferentes, de fato — Beaumont
resmungou. — Não podem estar ambas corretas.
— Não são — disse Cecily. — Os Hartley estão
equivocados. Sempre estiveram e sabem disso! E ainda assim
se negam a redimir a memória de um homem morto há muito
tempo!
— Se esse for o tipo de tolices que o duque de Loxwell
esteve metendo em sua cabeça, não é de admirar que tenha
se perdido no bosque — Jonathan suspirou. Ele poderia
afetá-la com aquele ar de desprezo como ninguém na terra.
Robert fez uma careta ao escutá-lo.
— Hart! Lady Cecily é nossa convidada!
— E já tive bastante de sua hospitalidade — disse Cecily,
pálida e tremendo. Fez uma breve reverência para Beaumont.
— Com licença, Sua Graça.
— Bom dia, cavalheiros.
— Já basta, Hart — disse Robert, depois que ela se
retirou. — Não tinha por que lhe falar tão asperamente.
— Áspero? Eu? — Jonathan assumiu uma expressão de
inocência ferida. Quando isso não impressionou Robert,
simplesmente riu. — Vamos, Robert. É uma Balfour. Se ela
não quer aceitar os esqueletos em seu armário da família, isso
é com dela.
— Balfour ou não, não quero que fale assim com ela
novamente — disse Robert severamente.
Parte dele queria ir atrás de Cecily e ver que estava bem,
mesmo sabendo que tais esforços seriam mal recebidos.
Estava sozinha na casa dos inimigos de seu pai e em perigo
de uma ruína total, afinal. Mesmo que ela não demonstrasse -
ele tinha a sensação de que preferia morrer antes de fazê-lo -
devia estar assustada.
Robert de repente se sentiu envergonhado da forma como
se comportou com ela. Esse era o tipo de homem que era? Um
bom anfitrião para seus amigos cavalheiros, e um bruto para
uma mulher perdida? — Perdi o apetite — disse, e empurrou
sua cadeira.
Antes de decidir se seguia Cecily ou não, a porta da sala
de café da manhã foi aberta por um de seus lacaios.
Esperando a volta de Cecily, Robert correu para a porta,
colocando em seu rosto a viva imagem da reconciliação.
— O Marquês de Lilistone — anunciou o lacaio, detendo
Robert em seu caminho.
O que estava fazendo seu pai em Scarcliffe Hall? O que
Marquês faria quando descobrisse Lady Cecily?
5

Nunca em toda sua vida tinha conhecido um homem tão


prepotente, desumano e obstinado como Robert Hartley!
Retornou para seu dormitório em um ataque de
temperamento que ameaçava ultrapassar os limites de seu
autocontrole.
— Lembre-se de quem você é — sussurrou a si mesma,
depois de fechar a porta do dormitório. — É Lady Cecily
Balfour. A filha do duque de Loxwell. Estes homens Hartley
não significam nada para você.
Cecily levantou-se de novo, recusando-se a encostar-se
contra a porta como uma menina assustada, mantendo os
monstros afastados, e foi sentar-se à pequena mesa perto da
janela. O dormitório, admitiu a contragosto, estava mobiliado
com encanto, embora em estilo antigo.
Os móveis eram pesados e bem feitos, o tapete no chão
tinha um exuberante estampado em rosa e verde pálido. O
aroma familiar de dinheiro velho estava no ar, inconfundível.
Bom, ninguém nunca tinha afirmado que uma grande
fortuna trazia bom caráter. O conde de Scarcliffe era
claramente tão rico quanto desagradável.
Cecily percebeu, olhando ao redor do dormitório, que não
poderia ter sido mobiliado pelo próprio Robert. As cortinas,
embora bem cuidadas, estavam desbotadas, como se
estivessem penduradas no mesmo lugar há muitos anos. As
pinturas na parede - uma natureza morta floral uma cena
pastoral-tinham um ar claramente feminino. Robert tinha
uma irmã mais nova, ela sabia. Era um ano mais nova que
Cecily, que, segundo os rumores, casou-se recentemente com
certa pressa.
Mas este dormitório não poderia ter sido dela. Os anos
penduravam muito nele.
Com cuidado, começou a abrir as gavetas da mesa
esculpida. Estavam vazias salvo por uma flor prensada
localizada à direita na parte inferior em um deles.
Isso confirmou. Um homem não manteria uma flor
prensada em seu dormitório. Perguntou-se que mulheres da
família Hartley tinham vivido aqui.
A menos que fosse de uma amante. O pensamento a
sacudiu de seus devaneios, como se um balde de água fria
tivesse sido derramado sobre sua cabeça. Não gostou
completamente da ideia de Robert tendo uma amante. Não
combinava com seu caráter. Seu irmão, entretanto -Lorde
Jonathan, aquele a quem chamavam Hart- parecia ser do tipo
que usava uma mulher sem respeitar sua honra.
Cecily estremeceu e de um golpe fechou a gaveta que
tinha aberto. No que estava pensando, bisbilhotando nas
gavetas como se pudesse descobrir um secreto sombrio?
Ela sabia o segredo mais sombrio dos Hartley, e bem,
também sabia que sua família tinha feito o possível para
garantir que não fosse um grande segredo.
Estava tão preocupada com seus pensamentos que
quase não percebeu que um painel na mesa saiu de seu lugar
quanto ela fechou a gaveta. A nervura da madeira estava tão
delicadamente combinada que pensou, a princípio, que a
havia quebrado.
Não havia nenhuma união visível entre a mesa e o painel
que se desprendeu. Cecily tocou levemente o painel e
descobriu que ele deslizava para frente e para trás
suavemente, sobre corredores azeitados.
Era um compartimento secreto!
Abriu tudo que pôde, sem esperar nada em particular,
revelando um pequeno espaço retangular escondido dentro da
parte superior da mesa, empoeirado e intocado. Um anel
estava no centro, como se alguém o tivesse colocado lá com
muito cuidado. Cecily teria fechado o painel e não teria
pensado mais nisso se não fosse pelo fato de que o brasão
Balfour estava estampado no anel.
Tirou-o do compartimento com os dedos trêmulos. Sim.
Era inconfundível. O emblema de sua família, estampado em
um anel, mantinham-no escondido em Scarcliffe Hall. Não
parecia o anel de sinete dela ou o do pai. A ponta estava
cravejada de cada lado com dois rubis vermelhos, uma coisa
muito mais fina que um anel usado simplesmente para selar
as cartas. Como chegou ali? Por que estava aqui, em uma
casa dos Hartley? Cecily sentiu um calafrio ao pensar nos
problemas que a família Hartley poderia causar com o acesso
a um anel com o selo de seu pai. Tinham estado escrevendo
cartas, supostamente do Duque, e selando-as com este selo
oficial?
Ela não queria pensar nisso. Inclusive pensando nisso, a
ideia a enchia de culpa, como se estivesse traindo a
hospitalidade de Robert. E, entretanto, ele a tinha posto aqui
neste dormitório, com o anel escondido em um
compartimento secreto. Ou tinha feito deliberadamente?
Estava burlando dela? Certamente não estava esperando que
ela o encontrasse. Cecily guardou o anel em sua bolsa
imediatamente.
A culpa se cravou em seu estômago. Ela se sentiu como
uma ladra.
Mas era Robert Hartley quem era o ladrão. Ele, ou
qualquer um de sua família, tinha pegado o anel em primeiro
lugar. Não havia uma explicação razoável para que um anel
de sinete Balfour chegasse à posse de um Hartley. Mesmo que
Robert não tivesse conhecimento disso, em algum momento
deve ter tido a intenção de fazer algo errado à sua família. Ela
tinha razão em pegá-lo. Então, por que isso a fez se sentir tão
terrível? O punho que pouco depois golpeou a porta não fez
nada para aliviar os nervos de Cecily. Sentiu o dedo torcer
ansiosamente através de uma mecha de seu cabelo, um
hábito que tentava romper desde que era criança.
— Entre — disse, tentando não soar como se tivesse feito
algo errado. Estava esperando a senhora Smith chegar com
sua roupa seca, mas deveria ter esperado o contrário, já que a
chamada foi muito firme e masculina para ser a governanta.
— Minha Lady, — disse Robert, o corpo largo bloqueava
qualquer vista do corredor além da porta — peço desculpa
pelo inconveniente, mas não temos muito tempo. — Para
horror de Cecily, ele entrou no dormitório e fechou a porta
atrás dele. — Meu pai chegou inesperadamente a Scarcliffe
Hall.
— O Marquês? — Cecily conhecia o marquês de Lilistone
apenas por sua reputação.
Era severo, mal-humorado, intransigente e odiava sua
família com uma paixão igualada apenas pelo ódio de seu pai
por dele. — Sabe que estou aqui?
— Se soubesse, logo te expulsaria dessa casa — disse
Robert. Teve a graça de parecer infeliz. — Temo que não
poderei garantir sua segurança se descobrir você aqui. Hart,
Beaumont e Northmere manterão sua presença em segredo, é
o que posso garantir, mas estaria mais tranquilo se não
estivesse na casa.
Cecily encolheu os ombros como se essas intrigas fossem
algo habitual. — Este dormitório está no segundo piso, meu
Lorde. Desci por uma ou duas janelas em minha vida. Não
vejo que isso represente um grande problema.
Viu uma faísca de diversão por trás da sombria
expressão de Robert? — Apesar de sua experiência na área,
não vou permitir escalar deste lado da casa. Quando era
criança, consegui quebrar meu braço fazendo precisamente
isso. — Cecily apertou seus lábios para ocultar um sorriso.
— Não deve ter tido minha experiência em desafiar os
desejos de meu pai, meu Lorde.
Robert estendeu uma mão para ela, que Cecily pegou
depois de um momento de vacilação. — Tenho um plano em
mente que economizará o risco de um pescoço quebrado —
disse. — Há um corredor lateral que conduz aos estábulos
que raramente é usado.
Deixe-me levá-la até lá. Meu pai não vai encontrar você,
e poderei colocá-la de contrabando em uma carruagem logo
que ouvirmos que a ponte está limpa.
Cecily não encontrou nada para se opor. Em vez disso,
não pôde conter sua excitação. Não era considerado
apropriado para uma jovem examinar os cavalos de uma casa
que visitava. Tais preocupações eram para os cavalheiros,
mas Cecily era uma amazona entusiasmada, e dar uma
olhada nos estábulos era frequentemente um de seus
principais prazeres quando visitava um novo amigo. Robert
olhou de um lado para o outro no corredor antes de correr
com Cecily, protegendo-a com seu corpo, e através de uma
porta lateral simples que levava a um corredor com paredes
de pedra que estava em completa escuridão. Robert encontrou
o caminho seguindo sua intuição, e Cecily se encontrou
agarrando sua mão para se ajudar no piso irregular.
— Imagine-me quando criança, usando este lugar para
fazer todo tipo de travessuras — disse Robert. Cecily não
podia ver seu rosto, mas pelo som de sua voz, pensou que
poderia estar sorrindo. — Não, não me responda. Estamos
passando perto da sala do andar de cima, e meu pai pode
estar lá. — Escolheram o caminho através da escuridão em
silêncio, a felicidade de Cecily ia aumentando enquanto ela
andava segurando o braço forte de Robert que a guiava.
Levou-a para baixo por uma escada estreita e sinuosa de
pedra, onde ela facilmente poderia machucar um tornozelo se
tivesse andando sozinha.
Finalmente emergiram, piscando, em um pátio
ensolarado de um lado da casa que Cecily ainda não tinha
visto. Robert olhou para as janelas com vista para eles e,
encontrando-as vazias, colocou o braço de Cecily mais
firmemente sob o seu e correu com ela pelo pátio, envolvendo-
a, sem cerimônia, pela porta do estábulo.
— Seu pai deve ser um homem realmente temível —
comentou Cecily, uma vez que a tensão abandonou os ombros
de Robert. Seus olhos se voltaram para ela, irritados.
— Não temo meu pai. Estou pensando apenas no seu
bem-estar.
— Não quis dar a entender que você não é temível —
disse Cecily, ironicamente.
Robert agitou a cabeça ironicamente. — Mesmo que fosse
uma besta voraz, não poderia imaginar sendo capaz de
assustá-la, Lady Cecily. Sua compostura tem sido admirável
nestas circunstâncias difíceis.
Cecily estava impressionada. — Isso foi um elogio?
— Que não diga que não dou crédito onde é devido —
disse Robert. O lampejo de convivência que ela pensou ter
sentido desapareceu em um instante. — Agora, sugiro que
suba no palheiro e se mantenha escondida.
— O palheiro? Mas pensei que poderia dar uma olhada
nos seus cavalos. Já que estou aqui.
— Quer que lhe apanhem e lhe joguem na rua, com
roupa de servente, sem touca e com pantufas? — Exigiu
asperamente.
— Suponho que não — Cecily admitiu.
— Então, ficará no palheiro, mesmo que eu tenha que
levá-la lá.
Cecily obedeceu o mais docilmente que pôde. Poderia ser
um Hartley, mas a menos que tudo isto fizesse parte de uma
brincadeira cruel às custa dela, parecia ter o melhor interesse
no coração.
— Quanto tempo pensa me deixar aqui sozinha? —
Perguntou suavemente.
— Até que possa tirar você daqui com segurança.
Cecily deitou de bruços no feno macio e levantou suas
pernas atrás dela, aparecendo sua cabeça através da abertura
no chão para que pudesse dar a Robert seu olhar mais
imperioso. — E o que vou fazer, sozinha em seu palheiro? Se
não for muito perguntar? — Para seu assombro, um pequeno
livro veio voando, aterrissando no feno a seu lado.
— Pensei nisso — disse Robert. — Eu te trouxe uma
diversão feminina. — Cecily ficou muito angustiada ao
descobrir que tinha jogado um livro de poesia.
— O que espera que eu faça com isto?
— Leia. E se não quiser ler, pode comer, o que me
importa. Contanto que mantenha calada e escondida.
— Não parece particularmente apetitoso — queixou-se
Cecily, mas retirou sua cabeça da abertura do palheiro e
começou a folhear o livro de qualquer maneira. Esperou até
que ouviu a porta se fechar atrás de Robert antes de jogá-lo
de lado. Esse tal Hartley realmente pensou que podia mantê-
la trancada em um palheiro como um pequeno mascote
tranquilo? Cecily logo lhe ensinaria o erro de seus métodos.
6

Robert seria o primeiro em admitir que não era o filho


ideal. Habituou-se a sua independência e vivendo sua vida
como se não tivesse obrigações familiares. Durante um
tempo, o trabalho de fazer de acompanhante de sua animada
irmã mais nova através da Sociedade o ligou a Londres, mas,
agora que ela estava casada, ele e Hart eram livres para viver
em liberdade como os solteiros que eram.
Nas poucas ocasiões em que seu pai usurpou essa
liberdade, Robert fazia todo o possível para parecer
complacente sem realmente ouvir os conselhos do velho. Oh,
era muito certo, como seu pai gostava de lembrá-lo, que um
dia, Robert seria o marquês de Lilistone, com todas suas
responsabilidades. Mas esse dia não era hoje, e quando
chegasse, Robert queria ser um homem por si mesmo.
Assim, com um sorriso educado, mas com um coração
rebelde, que Robert se sentou na biblioteca para escutar os
últimos planos de seu pai para o imóvel Scarcliffe.
A pesar do uso que Robert daria a seu conselho,
ninguém podia negar que o marquês era um homem
impressionante. Tinha um porte imperioso que era conhecido
por fazer com que homens menos importantes se curvassem
em suas botas, sempre estava impecavelmente vestido a
ponto de quase um dandismo, e alardeava de possuir um par
de olhos de falcões, tão escuros quanto os de Robert, tão
potentes que podiam congelar um inimigo a vinte passos.
Assim tão potente quanto poderoso. Robert estava suportando
o poder desse olhar agora, e, em sua própria opinião, era
admiravelmente indiferente a ele.
— É bom vê-lo fazendo uso deste velho lugar, Robert —
disse bruscamente seu pai, assinalando as paredes com sua
bengala prateada. O marquês sofria um pouco de
claudicação. — Scarcliffe Hall realmente é a joia da coroa de
nossas propriedades.
— Quando eu era criança, era a residência principal de
nossa família, já sabe.
— Sei, pai — disse Robert com carinho. — Quer outro
charuto? — Robert não fumava, mas mantinha um
suprimento de charutos finos à mão para os momentos em
que seu pai passava por aqui. Manter o velho feliz era
absolutamente imperativo; sua ira não suportava pensar
nisso.
— Você e Hart estão se divertindo, não estão? — O
marquês soltou uma risada sibilante.
— Claro que sim! Não pense que não recordo de como é
passar um verão caçando, montando e bebendo! Eu também
fui jovem uma vez, e tinha meu próprio grupo de
companheiros. Fomos a perdição de todas as mães da
Inglaterra! — O marquês suspirou e passou a mão nas
sobrancelhas irregulares. — É obvio, os tempos mudaram. E
você e Hart são jovens agora. — Robert se perguntou onde
diabos Jonathan estava. Confiem nele para escapulir de uma
entrevista com seu pai! Os filhos mais novos realmente se
safavam de tudo.
— O que me leva à razão de minha visita — continuou o
Marquês. — Estou especialmente satisfeito de vê-los
desfrutando de Scarcliffe Hall, Robert, porque encaixa muito
bem no meu mais recente projeto para a família. — Robert
sentiu um sentimento familiar de afundamento.
— Pai, realmente. Somos uma das famílias mais
importantes da Inglaterra. Sua preocupação com nossa
reputação é injustificada, garanto.
— Pensar que meu filho poderia ser tão complacente!
Como pode ficar tão tranquilo quando, a menos de dezesseis
quilômetros de distância, o maldito duque de Loxwell e seus
parentes se sentam para espalhar veneno sobre nós para
quem se importe em ouvi-los?
A sensação de mal-estar desceu pela coluna de Robert.
Ter o pai queixando dos Balfours enquanto Cecily estava no
local era muita coincidência para seu gosto. — Não acredito
que o duque se preocupe com todas essas velhas tolices…
— Tolices? Como se atreve! Os Balfours insultaram
nosso sobrenome da forma mais grave possível. Não,
continuam insultando-o! Diria que é tolice se espalharem
mentiras sobre sua própria irmã, Robert?
Robert sabia que o comportamento de sua irmã era, de
fato, o tipo que poderia atrair legitimamente toda classe de
intrigas caluniosas, mas ele conseguiu arrumar e esconder do
pai, e queria levar o segredo para o túmulo. — Ficaria muito
aborrecido, Pai. Mas, felizmente, não há rumores recentes
para se espalhar.
— Minha tia Letitia era a melhor das mulheres —
continuou o marquês, como se Robert não tivesse falado. —
Você teria a mesma opinião, se ela não tivesse sofrido tanto
com suas queixas nervosas. Queixa que remontam
diretamente aos maus tratos dos Balfours! Assassinaram-na
no momento que deveria estar mais feliz. Meu pai nunca
esqueceu, eu nunca esqueci e você tampouco.
— Muito bem, Pai. Ninguém estava sugerindo que
encontrássemos o Duque para uma visita matutina —
suspirou Robert. — O que a velha inimizade tem a ver comigo,
aqui e agora?
— Por quê? O fato é que nossa família nunca será
verdadeiramente restaurada a sua legítima posição na
sociedade até que possamos mais uma vez chamar Scarcliffe
Hall de nossa casa.
Robert estava alarmado. A última coisa que queria era
que seus pais anciões fossem para seu refúgio de solteiros. —
Quer dizer que se mudarão para cá? — Perguntou, sua mente
imediatamente procurando mil desculpas que poderiam
influir na mente de seu pai.
— Ainda não — disse o Marquês. Se Robert saísse com a
sua, nunca seria, mas resolveu escutar seu pai de todos os
modos. — A primeira coisa a fazer é restaurar a proeminência
de nossa família na região. É ótimo ter o Duque de Beaumont
como convidado, assim deve aproveitar a oportunidade para
mostrá-lo! Aproveita ao máximo seus contatos! Mostre a esses
Balfours que não temos vergonha de mostrar nosso rosto no
condado! Deve fazer algo extravagante, que atraia toda as
pessoas importantes da região. Que tal um baile?
— Convidei Beaumont aqui para passar um verão
tranquilo longe da Sociedade — disse Robert. — Ele não
aceitará amavelmente a ideia de qualquer tipo de festa.
— Você saberá a forma correta de vender-lhe Robert.
Você e ele são tão bons amigos que faria qualquer coisa para
ajudá-lo, tenho certeza. Não, um baile não é suficiente Melhor
ainda, um baile de máscara!
— Isso é precisamente o que Beaumont, Hart, Northmere
e eu quisemos evitar ao vir para o campo!
O Marquês estreitou seu impressionante olhar. — Ainda
não é o marquês de Lilistone, jovem
— Não pode me intimidar para que o faça, Pai.
— Não, mas posso lhe ordenar isso. Não acredito que
esteja tão apaixonado pelo seu verão calmo para estar
preparado para me desafiar abertamente, Robert?
Ele suspirou. Quão último sua família precisava era de
uma inimizade dentro de sua família que coincidisse com a
outra. Além disso, sua mãe ficaria angustiada se ele e seu pai
brigassem. Ele não podia colocar seu próprio prazer acima da
felicidade de sua mãe. — Tudo isso simplesmente para
desprezar aos Balfours, pai?
— Exatamente! — O Marquês praticamente esfregou
suas mãos como sinal de alegria. — Assegure de que eles não
recebam um convite!
— Deve fazer uma coisa por mim em troca, Pai — disse
Robert. — Vou ser o anfitrião de seu baile de máscara e
desprezar os Balfours, com a condição de que não interferirá
nos meus assuntos outra vez.
O marquês riu. — Tem muitos segredos, filho?
— Nenhum absolutamente. Simplesmente desejo viver
minha vida da maneira que me acostumei,
independentemente.
— Deve ser muito duro para você, Robert, que eu já não
tenha morrido e tenha deixado isso para você!
— Vamos. Isso não foi o que disse. Sentiria muito não
estar com você, mas lamentaria mais se tivesse que viver
minha vida à sua disposição.
— É justo — Disse o Marquês. — Retornarei a Lilistone
logo que possa ver que nossa família se converteu novamente
na mais importante do distrito.
— Não foi exatamente isso que eu disse, pai. Pode ficar
até o baile, mas não mais.
— Não é que não confie em você, Robert — disse o
marquês, pondo uma mão paterna em seu ombro. — É só que
posso ver que ainda não entende a importância da reputação
de uma família. Somente quando for o chefe da família
Hartley você realmente entenderá o que isso significa.
— Que seja daqui a muitos anos — disse Robert,
apertando a mão do pai. — E agora, terei prazer em buscar
alguns desses jovens dos quais falávamos antes. Acho que
vou dar uma caminhada. — Precisava de uma desculpa para
chegar rapidamente aos estábulos, antes que Cecily metesse
na cabeça sair para explorar. Não só era uma Balfour, mas
também uma garota obstinada.
Ele não se acalmaria novamente até que estivesse em
segurança fora de sua propriedade.
— Uma caminhada? — Para horror de Robert, o Marquês
começou a se levantar.
— Isso parece a forma perfeita de tirar as teias de aranha
de uma longa viagem de carruagem!
— Pai, na verdade, — disse Robert severamente —
considere sua saúde. — Olhou significativamente para a
bengala. — Não está em condições de me acompanhar no tipo
de caminhada que pretendo fazer. — As sobrancelhas do
marquês caíram e, por um momento, Robert temeu que
estivesse em uma de suas célebres batalha pai-filho.
— Muito bem — suspirou o velho, afundando em seu
assento. — Suponho que tem razão. Ficarei em casa e
descansarei. Qual é o nome do médico local, Robert? Não
seria uma má idéia para mim que alguém desse uma olhada
nessa perna.
— Doutor Hawkins, acredito. Vou enviar alguém para
avisá-lo que o visite o mais rápido possível. — Robert deu a
seu pai uma forte saudação e saiu da biblioteca antes que o
marquês pudesse mudar de opinião sobre segui-lo até os
estábulos.
Levou um minuto para pedir ao mordomo, Peters, que
enviasse um lacaio a Loxton com uma nota para o Dr.
Hawkins, sabia que seu pai tinha muito pouca paciência
quando se tratava de sua saúde e se dirigiu aos estábulos tão
rápido quanto pôde.
— Lady Cecily? — Sussurrou. Ele se viu arrastando-se
naquele espaço com aroma de feno como se ele mesmo fosse o
intruso. — Está pronta para sair? — Um cavalo relinchou
suavemente em resposta. — Lady Cecily? — Perguntou de
novo, desta vez mais forte. Ela tinha adormecido? Robert
subiu parte da escada e enfiou a cabeça no palheiro. Estava
vazio.
Maldita garota!
Voltou a descer e começou a percorrer o estábulo,
olhando em cada baia de cavalos. Ela tinha mencionado que
queria vê-los, afinal. Ele só podia esperar que não tivesse
metido em sua cabeça entrar na casa novamente. Talvez seu
pai tenha razão sobre os Balfours, depois de tudo. Este
comportamento não era muito feminino.
Robert se perguntou qual seria sua reação se alguma vez
descobrisse que sua própria irmã se escondeu nos estábulos
com um homem estranho. Teria estado furioso e com razão.
— Lady Cecily! — Chamou-a de novo, não ousando levantar a
voz. Não houve resposta. Havia uma última baia para checar,
e ele sinceramente esperava não encontrá-la lá. Não que ele
quisesse que ela não estivesse, é claro. Era que o cavalo no
final dos estábulos era um garanhão com um temperamento
difícil e poder sem igual.
Thunder, como se chamava, era uma das posses mais
apreciadas de Robert. Poucos homens se atreveriam a montá-
lo. Se Cecily tivesse escolhido se esconder com Thunder,
poderia esperar uma forte patada por pertubá-lo. — Aqui,
garoto — ele chamou o cavalo enquanto se aproximava da
baia. Manteve sua voz suave e baixa, esperando acalmar um
cavalo já preocupado com um convidado Inesperado. — Aqui.
Para surpresa de Robert, a cabeça de Thunder não
apareceu em resposta a sua chamada. Mas seu assombro foi
ainda maior, quando chegou a baia e a encontrou
completamente vazia. — Não é possível — murmurou Robert,
olhando para o espaço vazio, como se sua própria
incredulidade pudesse de algum jeito encher a baia mais uma
vez com um cavalo robusto.
Mas era claramente possível, mesmo que nunca
acreditasse em mil anos sem a evidência diante de seus olhos.
Cecily tinha deixado os estábulos.
Tinha pegado seu valioso garanhão. Ela estaria caída em
alguma vala em algum lugar ao longo da estrada para Loxwell
Park, ou...
Poderia ser? Ela era um dos melhores cavaleiros que
Robert tinha conhecido.
Selou um segundo cavalo com excessiva pressa.
Maldição, essa garota impossível! Não podia deixá-la partir
para um destino incerto sem pelo menos tentar descobrir o
que havia acontecido com ela. Sem mencionar o fato de que
ele não a deixaria escapar roubando seu melhor cavalo!
7

O rio Lox não era particularmente largo, mas era


profundo. Cecily experimentou, para sua surpresa, um
momento de nervosismo antes de chutar o garanhão para
saltar.
Raramente encontrava um obstáculo que não estivesse
feliz de saltar.
Felizmente, o cavalo fez isso com facilidade. De repente,
Cecily se encontrou do outro lado do rio, de volta nas terras
de seu pai. Sua desagradável aventura com os Hartley em
Scarcliffe Hall estava definitivamente terminada. Bom, exceto
pelo assunto do cavalo que tinha levado... emprestado. Cecily
não se fazia de iludida. Uma animal como este era o maior
troféu em qualquer estábulo. Sua ausência não passaria
despercebida por muito tempo.
Ainda assim, não foi completamente sua culpa. O conde
de Scarcliffe não podia esperar que ela aguardasse nos
estábulos como uma criada cuja dignidade poderia
comprometer à vontade. E quanto ao cavalo, bom, tinha um
rio para cruzar e nenhuma ponte para fazê-lo. Ela necessitava
do melhor animal para dar o salto. — E escolhi bem, não foi?
— Cecily murmurou, esfregando o pescoço do garanhão
enquanto se aproximava da enorme casa velha em Loxwell
Park.
Desceu da sela com facilidade e deu as rédeas a um
moço que esperava. — Cuida dele. É meu... é um empréstimo.
— Cecily! — Gritou sua mãe, correndo em sua direção. —
Cecily! Onde demônios esteve?!
Cecily foi sufocada por beijos. — Não se preocupe, mãe.
Passei a noite em um pavilhão de caça, isso é tudo. — Sua
mãe soluçou em seu ombro a tal ponto que Cecily achou
excessivo. Só tinha estado fora uma noite.
— Cecily! — Seu pai chegou, correndo pelas escadas, um
momento atrás da duquesa. — Graças ao Deus que está viva!
Meus homens te procuram a noite toda!
Ela notou ironicamente que seu pai não tinha pensado
em enviar um mensageiro a Scarcliffe Hall. A ideia de que
estivesse lá era completamente inconcebível. Foi sábia em
manter em segredo sua verdadeira aventura. — Há um
pequeno pavilhão de caça no fundo do bosque de Scarcliffe
que evidentemente não encontraram, papai. Estou muito
bem. Não havia necessidade de se preocupar.
— Senhor Willett! — Seu pai chamou por cima de seu
ombro o mordomo. — Envie ao oficial! Lady Cecily foi
encontrada sã e salva!
— E onde encontrou aquela horrível besta? — Perguntou
sua mãe, olhando o garanhão com medo. — Realmente, Ceci,
parece muito grande para você.
— Nenhum cavalo é suficiente para mim, mamãe.
Deveria saber. — A alegria de Cecily mascarava seu pânico.
Ainda não tinha pensado em uma desculpa para o cavalo.
— Esse é garanhão do doutor. — Lady Jemima Stanhope
estava na sala dos Balfours, apoiada na grande porta de
Loxwell House com um ar de total inocência que, Cecily sabia
que, invariavelmente, significava que estava tramando algo.
— Do doutor Hawkins? — Repetiu a duquesa, olhando
de Cecily para Jemima, confusa. Jemima desceu as escadas
em ritmo lento.
— Naturalmente. Embora ele tenha me dito que o cavalo
não era adequado para ele, e queria se desfazer dele o mais
rápido possível. Eu o vi outro dia, quando conheci a senhorita
Anna Hawkins na cidade — Olhou Cecily de maneira
significativa. — Que bom que encontrara o bom doutor no
bosque, e ele lhe emprestara o cavalo para que pudesse voltar
para casa o mais rápido possível e salvar seus queridos pais
desses momentos angustiantes.
— Jemima, é muito inteligente — disse Cecily, dando um
suspiro de alívio. — Isso é precisamente o que ocorreu.
— O doutor também lhe emprestou uma muda de roupa,
Cecily? — Perguntou sua mãe, olhando com espanto mal
dissimulado o vestido de servente que tinha tomado
emprestado. Ela riu ligeiramente.
— Oh, que engraçado, não! Minha roupa se arruinou
com a chuva, mas felizmente encontrei estas coisas velhas em
uma cômoda no pavilhão de caça.
— Não pode ter sido um de meus pavilhões — disse o
duque desconfiado. — Cecily, minha querida menina, deve ter
caminhado até muito longe ontem.
— Acho que sim, papai.
— Temo que pôde ter se aventurado... — O duque baixou
a voz. — Nas terras dos Hartley. — O nariz dele enrugou. —
Esses homens são precisamente do tipo que precisam manter
roupas de mulheres à mão em seus refúgios de caça.
— Por que demônios fariam isso, papai? — Cecily
perguntou, toda inocente com os olhos abertos. Dentro de seu
peito, seu coração pulsava dolorosamente. Seu pai havia
chegado muito perto da verdade para seu gosto.
— Honestamente — queixou-se sua mãe. — Não vamos
falar dessas coisas! Agora, Cecily, deixe-me levá-la para cima.
precisa de um banho quente e algo para comer. Oh, minha
pobre menina! Receio que este seja o final de suas aventuras
solitárias. Se não pode ser responsável o suficiente para voltar
para casa de noite, não poderei suportar que siga vagando
sozinha pelo campo.
— Mamãe! Isso é injusto! — Cecily procurou a ajuda da
Jemima. Ela costumava estar perto como uma rota de fuga
rápida para qualquer regra que o Duque e a Duquesa
pretendessem lhe impor, mas só encontrou com um encolher
de ombros impotente. Supôs que seus pais deviam estar
muito angustiados quando não retornou para casa.
Entretanto, a ideia de ficar confinada em Loxwell House
exceto com sua companheira não convinha absolutamente a
Cecily.
Permitiam-lhe tão poucas liberdades, como filha de um
duque. Tirar suas caminhadas por suas terras seria
realmente insuportável.
— Seria melhor não reclamar demais — disse Jemima,
mais tarde, quando Cecily estava sentada comodamente em
um banho quente. Tinha aproximado uma cadeira a seu lado
para ajudá-la a lavar o cabelo. Se ela notou que o cabelo de
Cecily estava muito mais limpo do que se esperaria depois de
uma noite escondida sozinha em um pavilhão de caça, não
mencionou. — Sabe como é seu pai. Ele logo esquecerá a
nova regra. Queixar-se só o recordará.
— Ainda não entendo por que tem que ser tão severo
comigo — suspirou Cecily.
— Foi só uma noite, afinal.
As mãos da Jemima pararam enquanto passavam o
sabão pelo cabelo de Cecily. — Seus pais estavam mortos de
preocupação. Você nunca perdeu ninguém, Ceci. Não pode
entender o que significa realmente temer por alguém que
ama.
— Oh, Jemima! Sinto muito. — Cecily agarrou sua mão,
sem se preocupar com as bolhas de sabão. — Você também
deve ter se preocupado. — Jemima fez uma careta. Ela não
estava acostumada a admitir debilidades e Cecily sabia.
— Depois do que aconteceu com meu pobre irmão, acho
que não posso ser completamente feliz a menos que saiba que
todos que amo estão a salvo.
— Bom, deixe-me te tranquilizar — disse Cecily com
ternura. — Nunca estive em perigo. — Jemima não ficou
impressionada.
— E, no entanto, não era seguro o suficiente para dizer a
verdade a seu pai. Esse cavalo não pertence ao Dr. Hawkins,
Ceci. Vi-o antes.
— Oh? — Cecily sabia que não tinha sentido mentir para
Jemima. As duas garotas eram tão próximas como se fossem
irmãs.
— O Conde de Scarcliffe não tem nem ideia de quem sou,
e, por isso, não se incomoda em me evitar quando ambos
estamos na cidade — disse Jemima. — Embora não posso
afirmar saber tanto sobre cavalos quanto você, certamente
reconheço esse. Vi o conde cavalgando em Loxton a semana
passada.
Cecily suspirou. — Então suponho que você pode
imaginar onde passei a noite.
— Não em Scarcliffe Hall? — Embora estivessem
sozinhas, Jemima não teve coragem de levantar a voz. — Ceci,
certamente não...?
— Acredite-me, não tinha outra opção. E não foi tão ruim
quanto poderia ter sido. — Cecily encolheu os ombros,
movendo-os mais profundamente na água morna. — O conde
não é o monstro que meu pai gostaria que acreditássemos.
— Não te fez mal?
— Longe disso. Foi um pouco torpe, talvez. Parecia estar
totalmente entregue a algum tipo de fantasia resgatando uma
donzela em apuros.
Jemima sorriu perversamente. — Parece-me que era
precisamente o que estava fazendo.
— Não sou uma garota indefesa de contos de fadas! —
Cecily protestou, salpicando-a um pouco. — Teria estado
perfeitamente bem sem a intervenção de Lorde Robert.
— Ontem à noite vi como estava o clima. Olhei pela
janela a noite toda, de fato, pensando em você apanhada
nessa terrível tempestade. Certamente não teria ficado bem
sem ajuda. Só posso agradecer ao céu que Lorde Robert tenha
deixado de lado a inimizade da família por tempo suficiente
para cuidar de você.
— Certamente lhe desagradou muito fazê-lo. — Cecily
não conseguiu esconder sua risada ao pensar no horror que o
rosto severo e molhado de Robert mostrava quando percebeu
quem ela era. Tinha que admitir, mesmo que fosse para si
mesma, que havia algo quase emocionante na forma como ele
a tinha envolvido em seus braços. Sem mencionar a onda de
emoção que percorria seu corpo toda vez que via seus escuros
olhos. Ele tinha ficado zangado desde o começo até o fim de
seu breve encontro. Ela o enfureceu, com sua mera presença.
Achou a ideia estranhamente atraente.
Jemima estava olhando-a estranhamente. Sabendo que
muito pouco estava escapando da penetrante mente de sua
acompanhante, Cecily voltou sua atenção para enxaguar o
sabão dos cabelos.
— Passe-me uma toalha, sim? — A criada as tinha
pendurado na frente do fogo para aquecê-las bem. Apesar de
ser um lindo dia de verão, Cecily desfrutou do calor contra
sua pele.
— Há algo mais, não? — Perguntou Jemima, estreitando
os olhos para Cecily.
— Mais? — Perguntou Cecily. — Por que uma noite na
casa dos maiores inimigos de minha família não é suficiente?
Não basta ser apresentada ao Duque de Beaumont com um
vestido praticamente transparente por causa da chuva? Não
basta roubar o melhor cavalo do conde de Scarcliffe? Que
outro escândalo você quer dessa excursão, Jemima? — Ela
revirou os olhos. Quer acreditasse ou não, Cecily não estava
disposta a admitir mais do que já tinha feito. Se simplesmente
ignorasse os sentimentos que se moviam dentro de si quando
recordava como Robert a resgatara da chuva, estes acabariam
desaparecendo. Não havia com que se preocupar.
8

O barão Northmere não fazia ideia de como sua pergunta


frustrou o orgulho de Robert.
— Thunder não esteve em boas condições ultimamente
— disse, chutando o puro sangue marrom que estava
trotando. — O chefe da quadra me aconselhou que lhe desse
um descanso.
— Nunca teria pensado que um cavalo como esse seria
propenso a algum tipo de indisposição — disse Northmere. —
Deixe-me enviar alguém aqui para dar uma olhada nele.
— Estou bastante satisfeito com os encarregados dos
meus estábulos, Northmere. —
Robert não queria ser duro com seu amigo, mas não
podia suportar a vergonha de revelar que seu cavalo tinha
sido roubado por uma garota. Os cavalheiros já lhe causaram
aflição suficiente por seu “heróico” resgate de Lady Cecily e
por como se foi.
No dia que partiu, Robert tinha seguido os rastros do
cavalo até o rio que separava suas terras das de seu pai. A
princípio, não tinha acreditado o que os rastros lhe diziam.
Certamente não existia nenhuma possibilidade de que uma
jovem, montada em um cavalo, fosse capaz de realizar esse
salto? Mas a evidência estava diante de seus olhos. Uma vez
que Robert comprovou que Cecily estava a salvo nas terras
dos Balfour, não teve escolha a não ser voltar para casa e
refletir sobre sua insolência. Sua língua afiada. Sua
obstinação. Sua beleza.
De fato, Robert tinha refletido muito sobre Lady Cecily.
Era pelo cavalo, disse a si mesmo. Não podia suportar o roubo
de seu cavalo. Uma vez que o devolvesse, o que acabaria por
acontecer, poderia esquecer Cecily, de seus olhos azuis e seu
feroz temperamento.
— Deveríamos voltar, Scarcliffe? — Perguntou
Beaumont, fazendo-o voltar. Ele estava sentado em seu cavalo
com uma elegância que Robert poderia invejar, se fosse do
tipo que invejava outro homem. Simplesmente não era certo
que um homem fosse tão bonito, de bom temperamento, bom
esportista e um Duque. Havia poucos homens no mundo tão
abençoados como Beaumont. — Deve ter um montão de
preparativos que realizar sobre este assunto do baile de
máscara.
Robert gemeu, sem se incomodar em dissimular. — Devo
me desculpar de novo, Beaumont. Meu pai é muito teimoso…
— Oh, não pense nisso! — Beaumon riu, embora Robert
soubesse que ele estava internamente aborrecido. — Algo
para satisfazer o velho. — Os bailes eram uma fonte de
tortura sem fim para o duque de Beaumont. Embora nenhum
homem gozasse do estilo de vida de um solteiro de forma mais
clara, a ideia de uma dança com um Duque era suficiente
para enviar a maioria das meninas para limpar suas cabeças.
Beaumont teria que suportar um enxame de mulheres
desmaiando essa noite. Não importava com que frequência
expressasse sua aversão pelas senhoritas caça fortunas. A
ideia de um marido pouco carinhoso não era suficiente para
dissuadi-las do sonho de se converter em Duquesa.
— Afinal, é por uma boa causa — disse Hart. Jonathan
era provavelmente o melhor cavaleiro dos quatro, embora não
saberia ao olhá-lo. Estava deitado em cima de seu cavalo
como se estivesse relaxando em uma espreguiçadeira com um
uísque na mão.
— Como é isso? — Perguntou Robert.
— Porque fará de nossa família a mais respeitável da
região, naturalmente.
— Mesmo você não pode argumentar com isso, Robert.
Esses malditos Balfours monopolizaram a Sociedade local por
muito tempo.
— Viemos fugindo disso.
— É só um baile, Scarcliffe — disse Beaumont
calmamente. — Se posso suportá-lo, você também.
Não era o baile em si que irritava tanto Robert, mas seu
motivo. A obsessão de seu pai de superar os Balfours deveria
ter sido extinta anos atrás, mas a constante irritação de tê-los
como vizinhos mantinha a chama viva. Agora, Robert o tinha
interferindo em seus próprios passatempos.
Esse seria seu papel um dia, manter a amarga rivalidade
com o duque de Loxwell?
Quem seria Duque até lá? Algum primo de Cecily que
nunca tinha visto!
Por que deveria odiar um homem cujo nome
desconhecia? Por que deveria odiar qualquer parente de
Cecily?
Robert cerrou os dentes e fez todo o possível para
enganar a si mesmo que era natural pensar em Cecily nas
circunstâncias atuais. Não significava nada. Melhor ainda,
seus pensamentos sobre ela logo seriam afastados por um
bom número de mulheres bonitas e adequadas que iriam ao
baile de máscaras.
— Tem toda a razão, Hart — ele disse a Jonathan. — É
uma boa ideia do pai dar aos Balfours o próprio remédio.
— Então volta para casa, — disse Hart, virando a
montaria em um círculo vago.
— Devemos estar perfumados e bem vestidos para
saudar as damas.
— Prefiro encontrá-las cheirando a cavalo — comentou
Beaumont.
— Em seu caso, mesmo isso não as desanimaria — riu
Northmere. — Se todos tivéssemos seus problemas!
Enquanto cavalgavam de retorno à casa, cada um
levando seu cavalo em um galope para demonstrar seu poder
aos outros, Robert escutava pela metade seus discursos
provocativos. Northmere, apesar de seus protestos de que não
era um homem de damas, tinha sido recentemente pego em
uma posição comprometedora com uma jovem dama que os
outros não lhe permitiriam esquecer logo. A boa aparência e a
fortuna de Beaumont foram repetidamente cravados com
comentários mordazes, e Hart, por outro lado, foi
completamente enganado por sua notória reserva quando se
tratava do belo sexo.
Robert ficou atrás dos outros, pouco interessado em suas
carreiras e obscenidades, e se permitiu pensar, pela última
vez, que a mulher que mais desejava ver no baile era a que
não havia sido convidada.
9

— Algumas vezes, coisas terríveis lhe ocorrem, Ceci —


disse Jemima, lutando para abotoar os botões de suas longas
luvas de seda — mas isto é definitivamente o pior.
— Vamos, não seja ridícula. — Cecily estava lutando
para colocar o vestido de festa por sobre sua cabeça sem
enrugar a seda. A tarefa tornou-se infinitamente mais difícil
pelo fato de que ela e Jemima estavam dentro de uma
carruagem, com as cortinas firmemente fechadas sobre as
janelas. — É perfeitamente simples, e funciona muito bem!
Eu disse a mamãe e papai que passaríamos a noite com um
amigo nosso na cidade, que funcionou imediatamente! Os
lacaios e o condutor da carruagem que nos acompanham são
de minha absoluta confiança não revelarão onde estivemos,
sob pena de meu desgosto absoluto! Agora só precisamos
terminar de colocar nossos vestidos de baile e, chegar a
Scarcliffe Hall como duas misteriosas irmãs, a senhorita Jane
e a senhorita Harriet Somerville.
— Essa é outra coisa — disse Jemima, ajudando Cecily a
vestir o vestido. — Ninguém jamais acreditará que somos
irmãs. Não nos parecemos em nada.
— O que importa isso? Usaremos máscaras! Não há
nenhuma possibilidade de que alguém nos reconheça.
— Este plano é uma loucura, Ceci, e gostaria de nunca
ter acordado. — Jemima mordeu o lábio. — E isso é o menos
importante, já que não posso deixar de sentir que você tinha
outro motivo para voltar a Scarcliffe Hall.
— Outro motivo? É obvio que tenho outro motivo! —
Cecily levantou um pouco a cortina para lhe mostrar o
nervoso lacaio que montava o garanhão ao lado da
carruagem. — Preciso devolver o cavalo de Lorde Robert!
O olhar preocupado não abandonou o rosto de Jemima.
— Ceci, esteve pensando em Lorde Robert com muito
frequência?
Em resposta, ou melhor dizendo, para evitar uma, Cecily
colocou a máscara no rosto e se virou para que Jemima
pudesse amarrar as fitas. Ela escolhera uma máscara com a
forma da cabeça de uma raposa, decorada no estilo veneziano
com redemoinhos em prata e negro, para combinar com as
tonalidades de seu vestido. Jemima, que tinha saído
recentemente do meio luto por seu irmão, tinha escolhido um
lindo vestido verde e azul e uma máscara azul adornada com
várias plumas de pavão. Cecily sabia o quanto Jemima amava
cores brilhantes. Seu espírito durante o período de luto tinha
estado tão triste como o negro e púrpura que usava.
Quando estavam vestidas e bem mascaradas, Cecily
correu as cortinas para dar uma olhada quando se
aproximaram de Scarcliffe Hall. O salão em si era o lugar
ideal para deixar de respirar. Cada janela brilhava com luz.
Podia sentir a agitação e a emoção do baile mesmo do seu
assento na carruagem, e desejava se juntar a eles.
A ideia de ver Robert novamente, dançar com ele,
(embora ele não tivesse nem ideia de quem ela era) era tão
deliciosa que fez Cecily estremecer por toda parte. Estava
contente de ter Jemima como sua companheira de delito. Sem
ela, seus próprios medos poderiam ter lhe impedido de
embarcar nessa pequena aventura.
A ideia de que pudessem ser descobertas nunca passou
por sua mente. Ela não era o tipo de pessoa que empalidecia
diante de um desastre em potencial. O que aconteceria,
aconteceria. E tinha a intenção de aproveitar cada momento
disso.
Quando a carruagem se deteve na entrada, o lacaio que
estava montando na parte de trás da carruagem estava
pronto para dar uma mão a Cecily. — Agora, lembrem-se de
nosso acordo, cavalheiros — Cecily lembrou os criados
enquanto se preparavam para levar a carruagem ao estábulo.
— Nenhuma palavra disto a meu pai.
— E, se guardarem bem meu segredo, Parker, falarei com
mamãe sobre a permissão para visitar sua irmã e seu novo
bebê, além de ver que uma caixa de bom vinho chega aos
aposentos dos criados.
— Nossos lábios estão selados, minha senhora — disse o
lacaio, enquanto seu colega desmontava do garanhão de
Robert.
— Eles reconhecerão este cavalo no estábulo — disse
Cecily, dando a Thunder uma última carícia amorosa no
nariz. — assegure-se de que lhe deem uma boa acolhida em
casa.
— Ceci! Sujará suas luvas — disse Jemima, afastando-a
do cavalo.
Logo, se aproximaram do último obstáculo. Os lacaios da
porta.
Cecily tinha a esperança de que os Hartley estivessem
tão desesperados por conseguir convidados que fossem
descuidados o suficiente para não dar uma lista aos lacaios e,
assim, afugentar os intrusos na porta. Decepcionou-se ao ver
que estava errada ao assumir isso. Evidentemente, os Hartley
estavam muito interessados em manter seu baile como um
assunto privado.
— Siga-me — sussurrou para Jemima, deslizando sua
mão pelo braço dela para lhe dar coragem. — Somos a
senhorita Jane e a senhorita Harriet Somerville — anunciou
de maneira imperiosa, dando ao lacaio um olhar severo
através de sua máscara. — Receio que nosso convite tenha
ficado em casa.
— Boa noite, senhoritas Somerville — disse o lacaio.
Cecily fez um amplo movimento ao lado dele na sala. — Um
momento, Senhorita, deixe-me verificar seu nome. — Para
desespero de Cecily, o lacaio começou a procurar seu nome
na lista. — Só será um momento…
— Há algum problema?
A voz profunda que os interrompeu era vagamente
familiar. Cecily olhou o homem alto com a máscara negra de
acima para baixo. Que constituição, que porte magnífico…
essa piscadela! Era o duque de Beaumont. Prendendo o fôlego
pela sorte que teve, Cecily virou a máscara e deu ao Duque
um sorriso radiante. — Boa noite, Sua Graça.
Embora não pudesse ver completamente o cenho
franzido de Beaumont, era evidente pela forma como seus
lábios se franziram sob a máscara. — Não sou a Graça de
ninguém, mocinha. Como pode ver, esta noite, sou um
gondoleiro de Veneza.
— E eu sou a senhorita Jane Somerville — disse Cecily,
fazendo uma profunda reverência.
— E ela é minha irmã, a Srta. Harriet Somerville.
Gostaria que o duque de Beaumont estivesse aqui! Ele me
conhece bem, e certamente responderia pelo convite que
infelizmente deixei em casa.
Beaumont se deteve um momento, olhando Cecily e
Jemima intrigado. — Acredito que posso ajudá-la — disse,
oferecendo um braço a cada dama. As senhoritas Somervilles
estão aqui comigo — disse ao lacaio de maneira peremptória,
deixando o homem sem opção a não ser se inclinar e se fazer
a um lado. — Não posso dizer que me importo com o jogo que
está jogando, senhorita… Somerville — o duque murmurou
enquanto conduzia Cecily e Jemima para o salão iluminado.
— Não está tão bem disfarçada como imagina. Se o
marquês a encontrar aqui, não posso garantir sua segurança.
— Ora! O que o Marquês de Lilistone significa para mim?
— Cecily puxou seu cabelo com orgulho.
— Que descaramento fazer um baile de máscaras a
menos de dezesseis quilômetros de minha própria casa, sem
me convidar! Se me descobrirem, logo descobrirá do que são
feitos os Balfours!
— Não tenho nenhum desejo de enredar-me na inimizade
entre suas famílias — suspirou Beaumont.
— Você acha que poderia se rebaixar a se envolver tanto
por um simples baile? — Perguntou Cecily ligeira. O duque
deu um suspiro forte.
— Parece ter esquecido, senhorita Somerville, que esta
noite é apenas a filha de um cavalheiro. É seu costume falar
assim com um aristocrata?
— Mas, Sua Graça, acaso esqueceu que só estou falando
com um gondoleiro — respondeu Cecily.
— Muito bem — riu Beaumont. — E se prometerem não
divulgarem a identidade do gondoleiro, seria uma honra para
ele dançar com cada uma de vocês esta noite.
— Será impossível para mim delatá-lo, já que não fomos
apresentados — queixou-se Jemima.
O duque fez uma reverência e beijou sua mão. — Me
chame de Antonio, senhorita Somerville.
— Que gentil! Também tem maneiras italianas. —
Jemima pegou seu cartão de baile sem mais protestos e
escreveu Signor Gondolier ao lado da dança que o Duque lhe
indicou.
— A dopo1 senhoras — disse Beaumont, girando sua
capa vermelha com um floreio, desaparecendo entre a
multidão.
— Esse é o Duque de Beaumont — sussurrou Cecily
para Jemima.
— Meu Deus! Foi uma boa pessoa por não nos delatar.
— Acredito que está desfrutando de seu anonimato tanto
quanto nós.
— Fala por si mesma. Minhas pernas são gelatina.
Cecily pegou duas taças de champanhe de uma bandeja
que levava um lacaio que passava e deu uma a Jemima. —
Para lhe dar forças, querida irmã. Temos uma longa noite
pela frente.
10

Robert estava no balcão de frente para os jardins, vendo


como seus convidados se reuniam em grupos de cores
brilhantes debaixo dele. O som das risadas chegava até em
cima. Os jardins estavam salpicados de velas acesas; era um
verdadeiro país das maravilhas para seus convidados
misteriosamente vestidos, preparados para jogar.
Alguns dançavam alegremente dentro do salão de baile.
Quantidades intermináveis de champanhe circulavam em
bandejas que eram carregadas nas mãos de lacaios
experientes que esquivavam da multidão de forma magistral.
Era a festa perfeita.
E tinha feito tudo por seu pai. O homem que nem estava
ali para vê-lo.
O marquês nunca prestava muita atenção à sua própria
saúde, mas ficar completamente coxo na mesma tarde do
baile que ele ordenara celebrar tinha sido demais, mesmo
para ele.
Robert tentou ter pensamentos caridosos sobre seu pai,
que sofria muita dor, mas achou difícil. Se tivesse falado
antes, poderia ter lhes economizado muitos problemas.
Assim, tiveram que chamar o Doutor Hawkins justo no
momento em que chegavam os primeiros convidados. Agora,
Robert estava cumprindo seu dever como anfitrião do baile e
filho preocupado.
O doutor Hawkins era, de acordo com todas as
informações, um médico admirável, mas esse não era o ponto.
Robert amava seu pai, apesar de suas diferenças, e não podia
parar de se preocupar.
Sem mencionar a pequena parte dele que tinha esperado
que seu pai o parabenizasse por esta noite triunfal.
Bebeu um gole de champanhe e se sentiu um pouco
presunçoso. Os Balfours estariam verdes de inveja quando
ouvissem o que haviam perdido. Cecily sem dúvida estaria
irritada.
Não é que estivesse preste a desperdiçar um só
pensamento nela.
O barão de Northmere estava vestido como um gladiador
romano, muito bonito em sua capa vermelha. Robert o
saudou levantando sua taça de champanhe em um brinde
enquanto saía ao balcão.
— Se divertindo, Northmere?
— Supõe-se que estou disfarçado — murmurou
Northmere. — Como vou seduzir alguém se souber quem sou?
— Sua reputação entre as damas é tão assustadora?
— Não tem nem ideia. — Northmere se afastou dos
jardins e tirou a máscara em forma de capacete, esfregando
os olhos cansadamente. — Estive dançando durante horas.
Tudo o que estas jovens damas querem fazer é dançar. — Deu
a Robert um olhar significativo. — Tinha outras diversões em
mente para essa noite.
— A noite é jovem — Robert deu de ombros. Pode não
aprovar os passatempos escolhidos por Northmere, o que
deixavam às jovens em circunstâncias difíceis, mas não era
tão desmancha-prazeres para lhe reprovar. — O que está
fazendo aqui comigo? Há muitas pastoras e capuzes
vermelhos para escolher abaixo.
— Vim para te dar uma mensagem de Beaumont, que foi
se esconder em algum lugar agora que seu disfarce foi
descoberto.
— Que mensagem?
Northmere se inclinou para lhe sussurrar. — Que a
dama com a máscara de raposa prateada se parece muito
com uma conhecida sua.
A boca de Robert ficou seca. — A raposa prateada?
Northmere verificou que ninguém os observava, e
apontou para um canto do jardim onde uma jovem dama com
um vestido prateado estava rodeada de admiradores. Não
havia dúvida. No momento em que Northmere a apontou,
Robert sabia quem era.
Havia algo em seus ombros, sua figura, a maneira
elegante como ela movia suas mãos quando falava que era
inconfundível.
O jeito que o fez se sentir era ainda mais.
— Cecily — Robert suspirou, enquanto Northmere se
afastava. — O que está fazendo aqui?
Não tinha ideia dos perigos aos que se arriscava
mostrando seu rosto publicamente em Scarcliffe Hall? Se seu
pai se inteirasse de que… pior, seu irmão…
Hart ficou muito zangado porque Robert tinha dado
refúgio a Cecily. Não suportaria outra invasão Balfour.
Robert desceu correndo as escadas e abriu caminho
entre a multidão faladora para chegar ao jardim. Cecily estava
rindo coquete de uma brincadeira que um dos homens a seu
lado tinha feito. Sua máscara prateada brilhava à luz das
velas. — Com licença — disse Robert, entrando no círculo
íntimo. — Acredito que tenho a honra da próxima dança.
Os olhos de Cecily se arregalaram. Mesmo debaixo da
máscara, seu azul era chocante. — Acho que está equivocado
— ela disse friamente.
— Acredito que não. — Robert pegou o braço dela e a
arrastou com ele, não se importando se mantinha seu passo
ou não.
— Que espetáculo feio! — Disse um dos cavalheiros de
quem a tinha roubado. — Já o digo, que pobre espetáculo!
Robert o ignorou. Pelo menos sua máscara, uma coisa
simples em negro claro, os impediria de dar um nome à sua
grosseria.
— Meu Deus! — Cecily ofegou, enquanto rodeavam um
canto escuro no jardim de rosas murado. Robert a empurrou
mais fundo nas sombras, longe da casa.
— Você gosta muito de se esconder em cantos secretos,
Lorde Robert! — Ela fez uma pausa. — É você, não? Deve ser.
Não pude deixar de reconhecer essa maneira tão pouco
cavalheiresca de me arrastar para lugares onde não desejo ir.
— Não está em posição de se comportar como uma dama
adequada — Robert rangeu os dentes. — Saberia muito bem
que, se você tivesse pelo menos um pouco de senso comum,
se lhe apanham, haverá uma cena tão grande que é muito
provável que termine arruinada.
Cecily arrancou o pulso da mão dele. — Como se você se
importasse com minha reputação! Suponho que pensou que
era um plano muito bom realizar um baile que sabia muito
bem que não seria convidada. Bom, fui mais esperta que você,
e, se te fiz zangar, bom, me alegro! — Ela cruzou os braços. —
Gostaria de não ter me dado o trabalho de devolver seu cavalo
aos estábulos.
Robert não pôde evitar sorrir. — Trouxe Thunder de
volta?
— Naturalmente, fiz! Não sou uma ladra de cavalos!
— Abaixe sua voz — disse Robert, entrando na rede de
caminhos entre as roseiras.
Um delicado perfume enchia o ar, e os lábios de Cecily
eram visíveis à luz da lua. Teria sido um momento muito
romântico se não houvesse uma nuvem de teimosia
miserável. — Não pode ficar aqui. Demônios, Lady Cecily, é
muito perigoso! Não vê que estou tentando protegê-la?
— Nunca pedi sua proteção. Não se iluda de que a
necessito.
— Sempre trata seus anfitriões com tanto desdém?
— Sempre trata seus convidados de maneira tão
grosseira?
Robert estava preste a esquecer de si mesmo e levantar a
voz quando Cecily soltou um suave ofego e puxou
urgentemente seu braço. — Olhe isso!
Robert se virou para a casa. Levou um momento para
entender o que ela estava vendo.
Em uma janela de cima, as silhuetas de duas figuras
estavam claramente marcadas pela luz das velas. Duas
figuras intimamente entrelaçadas. Um homem alto, poderoso,
e uma garota menor e mais magra. Beijavam-se,
profundamente. Mas bem, pareciam como se estivessem
desfrutando.
— Quem pensa que é? — Perguntou Cecily. Não
precisava olhá-la para saber que estava se divertindo muito.
— Não acho que pensaram que alguém iria se esconder na
escuridão e vê-los.
— Provavelmente é Northmere, e seus velhos truques —
suspirou Robert. — Sinto muito pela garota.
— Sério? Porque eu a invejo bastante. — A ideia de frear
a insolente boca de Cecily com um beijo não era, para
surpresa de Robert, algo desagradável. Nem era uma imagem
que pudesse deixar de lado facilmente.
— Não tem vergonha? — Murmurou. A última coisa que
queria era que Cecily descobrisse o efeito que tinha sobre ele.
Só podia imaginar o quão insuportável seria sua alegria.
— Mas esse não é exatamente o propósito de um baile de
máscaras? — Perguntou Cecily. Ela falou suavemente e,
talvez inconscientemente, aproximou-se dele para que
pudesse ouvi-la. A escuridão aumentou o som de seu
sussurro até que encheu os sentidos de Robert. — As
máscaras nos permitem fazer coisas que nunca sonharíamos
fazer ao ar livre.
— Estou totalmente de acordo. Sua própria máscara, por
exemplo, tornou-a muito audaz.
— E, no entanto, o valente e mundano conde de
Scarcliffe permanece tão afetado e adequado como sempre!
Robert ficou furioso. Era indecoroso discutir com uma
dama, sabia disso, mas Cecily não fazia mais do que
confrontá-lo.
— Está tentando me provocar. Não funcionará.
— Não, Lorde Robert — Cecily suspirou. — Estou
tentando persuadi-lo para que me peça uma dança. — Os
olhos de Robert deixaram a janela onde o misterioso casal
ainda se abraçava. Seu olhar traçou descaradamente as
linhas do corpo de Cecily, pouco visíveis à meia-luz. O arco de
sua cintura, onde estaria sua mão se dançassem a valsa.
Suas curvas elegantes e atraentes.
Impulsivamente, sua mão levantou seu queixo até
encontrar os olhos dele. Ele viu sua respiração ficar mais
lenta. Foi nesse momento, com a mão no queixo dela, seus
olhos fixos nos dela, que Robert percebeu que tinha tanto, se
não mais, poder para acelerar os batimentos cardíacos do
coração de Cecily como ela o dele.
— Não importo para quem você prometeu a valsa —
disse-lhe. — É minha.
Cecily assentiu. Robert não pôde deixar de sorrir.
Finalmente tinha descoberto o que era necessário para
deixar Lady Cecily Balfour sem palavras.
Robert parecia ver a multidão se separando diante dele
enquanto levava Cecily pela mão ao centro da pista de dança.
Nunca tinha pensado muito em sua própria aparência, apesar
de supôs que sua máscara lhe dava um certo estilo.
Era Cecily cuja figura cativou a todos. Ninguém era tão
elegante, nem tinha tanta graça, ninguém se movia com uma
dignidade tão imperiosa como ela. E estava em seus braços.
Sim, era perigoso. Mas Robert nunca se deu conta de
quão emocionante podia ser o perigo. Seu batimento cardíaco
era requintado, e não sabia se era a ameaça dessa descoberta
ou a proximidade de Cecily.
Teria sido educado conversar enquanto dançavam, mas
ele e Cecily não tinham começado a amizade de maneira
tradicional, e não via necessidade de fazê-lo agora.
Simplesmente aproveitou a oportunidade para memorizar
cada mancha turquesa em seus olhos azuis claros. Seu olhar
era magnético. Nenhum deles podia suportar desviar o olhar
até a dança terminar.
A multidão aplaudiu os músicos, mas o som era débil e
distante nos ouvidos de Robert. Ele se inclinou para beijar a
luva de seda de Cecily. — Obrigado, minha lady —
murmurou.
— O prazer foi meu — ela respondeu. De repente, seus
olhos desceram até os dela, seus longos cílios cobrindo o azul.
Alegrava-se com isso. Se ela tinha conseguido pôr seu mundo
de cabeça para baixo sem sofrer o menor efeito sobre si
mesma, teria se sentido muito miserável.
Não, ela sentiu. Igual a ele. Seus corpos se movendo ao
mesmo tempo tinham criado uma melodia muito mais doce
que a valsa.
Robert levou Cecily para um canto tranquilo, consciente
dos olhares curiosos que ainda os seguiam. — Já se divertiu.
Vai agora, enquanto ainda tem a oportunidade de fazê-lo
despercebido.
A atenção dos espectadores não tinha passado por
Cecily. Ela orgulhosamente levantou sua cabeça. — Por que
iria fazer isso?
— Para o meu próprio bem — suplicou Robert. — Não
ficarei satisfeito até que esteja a salvo longe daqui.
— Meu cartão de baile está cheio, meu Lorde. — Os
lábios de Cecily se ergueram em um meio sorriso travesso, e
Robert fez o possível para não desfrutar da vista. — Não quero
ir embora até amanhecer.
— É impossível — suspirou Robert.
— Senhorita Somerville? — Um jovem vestido de leão
dourado se aproximou deles nervosamente. — Acredito que
esta dança é minha. — Robert sentiu uma inesperada
pontada de frustração quando Cecily baixou sua mão e pegou
a do jovem leão. Ele a viu deslizar na pista de dança com
tanta graça que parecia que seus pés não tocavam o chão.
Era um milagre que ninguém mais tivesse descoberto
sua identidade. Ninguém se movia como Cecily. Caminhava
como se fosse proprietária de todas as habitações em que
entrava.
— Meu Lorde — chegou até ele a voz calma de um lacaio,
interrompendo seus pensamentos — O doutor Hawkins
deseja lhes falar sobre seu pai. Está nos aposentos do
marquês.
— É obvio — disse Robert, afastando seus olhos de
Cecily. Tentou não invejar demais o jovem leão. Afinal, não
era nem uma questão de aprender a compartilhar. Cecily
nunca seria dele, por mais que desejasse.
11

Aparentemente, a máscara que o conde de Scarcliffe


usava não era o disfarce eficaz que pensava que seria. Cecily
descobriu rapidamente que tinha sido a única mulher com
quem teve tempo de dançar em sua própria festa. Como
consequência, a misteriosa senhorita Somerville foi objeto de
um alto grau de atenção e intriga. Todas as damas queriam
conhecê-la; todos os homens queriam dançar com ela.
Cecily sempre se perguntou se seu êxito na sociedade se
devia simplesmente ao seu alto berço. Ninguém podia negar
que ser filha de um duque trazia muitas vantagens. Por isso,
ficou muito feliz ao descobrir que sua inteligência e paquera
eram tão bem recebidos quando era apenas uma simples
senhorita.
Embora não tinha tido a oportunidade de dançar com
Robert, Jemima estava igualmente bem. Cecily mal trocara
palavras com sua “irmã” a noite toda, era assim devido o
grande número de parceiros de dança de Jemima. Ela possuía
exatamente o tipo de figura esbelta e cabelos dourados que
atraía a atenção dos cavalheiros. Às vezes, Cecily tinha
sentido ciúmes dela, embora soubesse muito bem que o bom
aspecto de Jemima não significava que sua vida fosse fácil.
Neste momento, a única maneira de seguir Jemima pelo
salão era pelo balanço de suas plumas de pavão sobre a
máscara. A julgar pela forma como se moviam, estava
passando um bom momento. Cecily não poderia estar mais
contente com seu plano.
— Acho que devo me sentar um momento — disse a seu
último companheiro com um suspiro feliz. — Seria tão amável
de me trazer um copo de limonada?
O jovem se moveu com presteza para buscar uma
cadeira para ela, e procurar refrescos. Cecily agitou os dedos
dos pés dentro de suas sapatilhas de baile. Não eram
exatamente as botas de couro feitos à medida que preferia,
mas não podia negar que eram bonitas.
Às vezes era agradável ser simplesmente bonita, insípida
e encantadora. Nenhum dos cavalheiros dessa noite lhe impôs
suas ideias absolutamente. (Excetuando Robert) Era
relaxante. Ficaria completamente louca se a vida sempre fosse
assim, mas de vez em quando, era realmente agradável.
Cecily se encontrou olhando ao redor da pista de dança,
procurando Robert. Que estranho. Não estava em nenhum
lugar.
Que tipo de homem não se preocupava com seu próprio
baile? Só os ligeiros disfarces e as máscaras lhe impediram de
ser denegrido a um pobre anfitrião.
Foi então que Cecily começou a se perguntar se Robert
realmente queria realizar esta festa. Não parecia ser o tipo de
homem que enchia seus dias com bate-papos sociais e
risadas de jovens. Ela o tinha como um homem que “se
deitava cedo para levantar-se cedo”, amante do ar livre e do
estilo de vida selvagem. A menos que isso fosse exatamente o
que ela queria que fosse…
Só tinha a metade de seus pensamentos em Robert.
Seguia escutando, embora não com atenção, o bate-papo que
acontecia a seu redor. Tinha o tipo de mente que sempre
estava ansiosa por um pouco de diversão e não podia ser
facilmente extinta.
Assim não foi espiar, mas pelo seu hábito natural de
procurar alguma distração, que ela foi levada a escutar a
conversa que estava ocorrendo entre os cavalheiros que
estavam próximos a ela.
— Decepcionou-me não ver seu pai, Hart — disse um
cavalheiro. — Ouvi dizer que em sua época o velho podia
envergonhar qualquer homem na pista de dança!
— Lamento dizer que seus dias de dança terminaram —
respondeu Lorde Jonathan Hartley. — Embora seja um
mistério a forma como sua gota sobreveio de repente esta
noite em particular.
— Misterioso? De que maneira?
— Bom, eu não gosto de intrigas. — Os outros
cavalheiros riram incrédulos.
Hart admitiu o ponto. — Muito bem, muito bem. Podem
me chamar de velha peixeira, se quiserem.
— Simplesmente digo que é curioso. O velho chega a
Scarcliffe Hall e toma um gole de um barril de porto que
chegou de Loxton, que, como sabem, está na terra do Duque
de Loxwell e cai doente. Tirem suas próprias conclusões,
cavalheiros. Eu tirei as minhas.
— Não podem estar sugerindo que o Duque envenenou
seu pai! — Cecily não pôde resistir em olhar a reação de Lorde
Jonathan.
Ele fez um elegante encolher de ombros, e respondeu
com um olhar malicioso: — Oh, o velho e vil duque nunca
faria algo assim.
— É seu costume falar tão desrespeitosamente de um
Duque? — Cecily exigiu, ficando de pé. O grupo de
cavalheiros se separou diante ela, envergonhados, exceto um.
Hart olhou friamente nos seus olhos. — Com licença,
Senhorita. Não acredito que tenha tido a honra?
— Meu nome é Jane Somerville — disse Cecily. — E você
é Lorde Jonathan Hartley. Não é um Rei, meu Lorde.
Nenhuma rainha, pelo que posso ver — Este comentário foi
recebido com risadas dissimuladas dos outros cavalheiros
reunidos. — O que lhe dá o direito de falar mal de um Duque?
— Não disse nada injustificado — disse Hart, afastando-
se como se sua conversa o aborrecesse. A mão de Cecily saiu
disparada e lhe golpeou no ombro.
— Não terminei de falar! — Estava muito zangada para
se arrepender.
Mesmo quando um silêncio se estendeu ao redor dela e
do irmão de Robert, não o fez.
Hart olhou para o lugar de seu ombro onde o havia
tocado como se não pudesse acreditar que tivesse feito. —
Mas eu já terminei, senhorita Somerville.
— Exijo que se retrate de sua vil acusação contra o
Duque de Loxwell!
— Recordando o que eu disse, não encontro nada que
deseje reconsiderar. — A voz de Hart era perigosamente suave
e baixa.
— Então você não é um cavalheiro, meu Lorde. O Duque
de Loxwell é um homem honrado.
— Essas são as coisas que faz para defender os inimigos
de um homem sob seu teto? — Hart exigiu. — Posso lembrá-
la de onde está, jovem. Esta é a casa da minha família.
— Isso não lhe dá o direito de difundir intrigas e
rumores.
— Eu faço o que me dá vontade em minha própria casa.
— Para surpresa de Cecily, Hart arrancou a máscara do rosto,
revelando o sorriso zombador que levava. — Não tenho medo
de pôr meu rosto, além de minhas palavras. E você?
Cecily percebeu que ele a tinha encurralado. Todos no
salão se viraram para ver sua discussão. Se revelasse seu
rosto, todos saberiam o que tinha feito.
Seria expulsa do baile desonrada.
— Não disse nada impróprio — disse ela, dando um
passo para trás. Hart se aproximou dela, com os braços
cruzados, rosto zombando.
— Você tentou me dizer o que posso e não posso dizer
sob meu próprio teto. Se fosse um cavalheiro, chamá-la-ia
imediatamente. Mas é uma dama, assim pelo menos, exijo
enfrentar meu acusador.
— Vamos, Hart — exclamou Northmere, quem tinha
deslocado do outro lado do salão de baile — O que é tudo
isto? Tenho certeza de que a dama não queria prejudicar.
— Irmã! — Chegou a voz de Jemima, muito aguda para
seu gosto.
Evidentemente, estava dançando com Northmere. Ele
praticamente a arrastou atrás dele. — Por que não
agradecemos a Lorde Jonathan por sua hospitalidade e vamos
para casa?
— Oh, não há necessidade disso — disse Hart, sorrindo
como uma raposa para um coelho encurralado. — Se a
senhorita Somerville apenas tirasse sua máscara, tenho
certeza de que seremos capazes de suavizar as coisas
admiravelmente.
A última coisa que Cecily queria era deixar que Hart
vencesse. Suas escolhas não eram agradáveis: revelar seu
rosto, e admitir o fato de que ela, Lady Cecily Balfour,
penetrou em um baile que não foi convidada. Ou ir para casa.
Fugir, na verdade. Deixar Lorde Jonathan como vencedor.
Estava tão contrariada que, pela primeira vez em sua
vida, não tinha nada a dizer.
— Deixe-me acompanhá-la até a porta — disse
Northmere, parado entre Cecily e Hart. Agarrou sua mão com
um pouco de força e a arrastou com ele. — Não seja parva —
murmurou. — Hart não apreciará que jogue com ele.
— Mas as coisas que disse sobre meu pai…
— Não acho que estava falando de seu pai, Senhorita
Somerville. — Uma onda de conversa se espalhou pela
multidão no momento em que saíram, e Cecily estava segura
de que ela era o tema principal da conversa. Northmere olhou
para Jemima cansado.
— E a quem tenho a honra de me dirigir?
Jemima levantou sua máscara, movendo as plumas de
pavão, e pressionou um dedo nos lábios. — Lady Jemima
Stanhope — sussurrou.
Northmere revirou os olhos. — Bom, minhas damas,
espero que tenham se divertido às custas dos Hartley o
suficiente por uma noite. Vou ajudá-las a entrar em sua
carruagem e vigiarei até que as veja virar a curva no final da
entrada.
— Obrigado, Lorde Northmere — disse Cecily,
agradecida. Não era frequente que se metesse em uma
confusão tão grande e que necessitasse ajuda para escapar
dela.
— Não estou fazendo isto por você — Northmere deu-lhe
um sorriso irônico. — Acontece que sou algo assim como um
perito em me livrar de situações difíceis, e esta é uma ocasião
em que posso usar meus talentos para ajudar outra pessoa.
Chegaram à carruagem. — Boa noite, senhoras. —
Ofereceu a mão primeiro para a Cecily, depois a Jemima, para
entrar. Cumprindo sua palavra, Cecily o viu olhando dos
degraus da entrada da casa enquanto sua carruagem se
afastava.
— Esse barão Northmere é mais do que um pouco
charmoso — disse Jemima, evitando diplomaticamente o
assunto do atrito de Cecily com o desastre. — É uma pena
que não tenha sido ele quem arrancou a máscara. Teria
gostado de vê-lo de perto.
Cecily girou uma mecha de cabelo solto entre seus
dedos. O arrependimento não veio naturalmente para ela,
mas estava fazendo seu melhor. — Você conseguiu se divertir
esta noite, então? Mesmo que eu tenha te forçado a fazê-lo… e
quase alterando todo o plano para poder fugir?
Jemima estava a ponto de lhe responder quando a
carruagem se deteve repentinamente.
Cecily mordeu o lábio. A última coisa que ela queria era
ficar mais um momento na terra de Hartley. — Condutor! —
Chamou-o. — Que diabos está acontecendo?
— Há um cavaleiro adiante bloqueando o caminho —
disse-lhe em resposta. — Não se preocupe. Vamos movê-lo
rapidamente.
— Oh, pelo amor de Deus. — Cecily enfiou a cabeça pela
janela, esperando ser confrontada por algum convidado que
tinha tomado muito champanhe. — Com licença! — Gritou. —
Saia do caminho de uma vez!
A última pessoa que esperava ver cavalgando em direção
à janela era o homem cujo irmão a havia insultado diante de
quase todos seus conhecidos.
Mas ali estava Robert.
12

Robert dera ao doutor Hawkins e à jovem que o ajudava,


a senhorita Anna Hawkins, a cortesia de acompanhá-los até a
porta. Para falar a verdade, não era que sentisse a
necessidade de ser excessivamente educado. Na realidade,
não sentia muita inclinação para o baile de máscaras e,
depois de dançar com Cecily, seu desejo de juntar-se à
diversão tinha diminuído ainda mais.
Foi o suficientemente honesto consigo mesmo para
admitir que não havia outra mulher na festa que captasse sua
atenção como ela fez. Qualquer outra pessoa seria uma pálida
comparação. A ideia de fingir que desfrutava da festa
enquanto Cecily resplandecia e brilhava nos braços de outros
homens no centro da pista de baile era detestável.
Uma vez que o Doutor Hawkins e sua filha partiram em
segurança, Robert se encontrou procurando outra razão para
evitar voltar para seu próprio baile. Ah! É claro. Ainda não
tinha ido ver o Thunder.
Dirigiu-se aos estábulos bem a tempo de ver uma
carruagem se movendo para a porta principal. Na escuridão,
era quase impossível distinguir o uniforme do condutor, então
talvez fosse apenas porque Cecily estava em sua mente que
Robert reconheceu as cores Balfour.
Ela estava saindo. Tinha prometido dançar até o
amanhecer, mas partia! Sua mente se encheu de todas as
coisas que devia ter dito enquanto dançavam juntos. A ideia
de deixar essas palavras sem dizer era insuportável.
Robert selou Thunder com muita pressa e cavalgou pelo
atalho arborizado que seguia a mesma linha do longo
caminho de entrada de Scarcliffe Hall. Cruzou bem a tempo,
parou na frente da carruagem de Cecily no momento preciso
em que chegava aos portões.
A cabeça de Cecily apareceu, espiando pela janela. —
Condutor! Que diabos está acontecendo?
Robert levou seu cavalo para seu lado da carruagem
imediatamente. — Está indo embora — disse. A máscara de
Cecily estava em seu colo. Podia distinguir todos os contornos
de seu lindo rosto à luz da lua. Ela parecia surpreendida.
— Pediu-me isso, não foi?
— Mas disse que ficaria. Por que vai agora?
Ela levantou sua cabeça orgulhosamente. Ele estava
começando a vê-la se orgulhar por diversos motivos, mas
nenhuma por vaidade. Neste caso, ela estava ferida.
— Pergunte a seu irmão. É um homem encantador.
— Hart descobriu sua identidade?
— Desculpe, meu Lorde. — Uma garota loira tirou Cecily
da janela. — Não acho que seja sensato ter outra conversa
entre os Hartley e os Balfours esta noite.
Robert rangeu os dentes. — Hart fez algo imprudente,
não fez?
— Insultou meu pai — disse Cecily, por cima dos
protestos de Jemima. — Não tive escolha a não ser responder
a ele.
— Hart não é um cara mau, Lady Cecily. Ele apenas…
Ele não leva nada muito a sério — Como Robert poderia
explicar a complicada personalidade de seu irmão?
— Nem sempre foi assim. Sofreu uma grande decepção,
há muito tempo, e após se resguarda. Sente que precisa se
defender. Rir e zombar são suas principais armas.
— Não vejo o que as decepções de Lorde Jonathan têm a
ver com suas grosserias com meu pai.
— Deixe-me pedir desculpas em seu nome — Robert
desmontou de Thunder e pôs sua mão na porta da
carruagem. — Venha comigo um momento. Tenho certeza de
que uns instantes são tudo o que necessito para pôr as coisas
em ordem entre nós.
— Ceci! — Advertiu sua acompanhante. — Sob nenhuma
circunstância deve abandonar esta carruagem. Ele é um
Hartley. O que seu pai pensaria?
Cecily hesitou um momento. — Papai não aprovaria nada
do que eu fiz esta noite — disse com um descuidado encolher
de ombros. — Jemima, deve me ajudar a garantir que ele não
se inteire sobre isso.
Saiu da carruagem e colocou seu braço no de Robert. —
Se realmente deseja abordar a disputa entre nossas famílias,
me permita ser a primeira Balfour a aceitar um debate justo.
Mas aviso que será difícil para você explicar as acusações que
apresentarei contra sua família.
— Obrigado por me dar a oportunidade de tentá-lo. —
Ignorando as queixas de protesto que saíam da carruagem,
Robert levou Cecily através das árvores ao lado da estrada.
Esperando que a qualquer momento lhe dissesse para parar,
levou-a mais profundo para que estivessem completamente
escondidos de sua amiga e seus lacaios.
Ela o seguiu sem um murmúrio de queixa. Robert se
perguntou se seu sangue, também, estava esquentando a
cada passo que davam juntos na escuridão. Não estava
pensando claramente, sabia. Não havia nenhuma desculpa
para se esconder com Cecily. A menos que o que ele
realmente pretendia não fosse uma conversa…
— É suficiente — Cecily falou. — Confio em você, meu
Lorde, mas não acho que isso lhe dê o direito de ir comigo
para o bosque. As coisas que preciso lhe dizer não são
adequadas para os ouvidos dos criados, mas estamos longe o
suficiente.
— Você primeiro — disse Robert. Apoiou-se em uma
árvore e cruzou os braços, esperando.
Cecily evidentemente não esperava que ele fosse tão
dócil. Ela cambaleou, só por um momento. Foi encantador.
— Nenhum dos nós estávamos vivos quando sua
antepassada fugiu com um pintor e culpou meu tio avô morto
— ela começou. Um mau começo. Robert não conseguiu
esconder o desconforto que apertou sua mandíbula.
— Refere a quando Lorde Thomas Balfour sequestrou
Lady Letitia Hartley?
— Não sei o que seu pai lhe contou sobre isso — disse
Cecily, com um pequeno suspiro de aborrecimento. — E devo
admitir que não me importo de ter minhas próprias amizades
determinadas pela desgraça de duas pessoas que morreram
há muito tempo. Estou mais preocupada com os crimes
recentes de sua família.
— Está falando do baile? Garanto-lhe que não foi minha
ideia.
— Suspeitava — disse Cecily, com um sorriso estranho
que iluminou suas feições.
Robert experimentou a incômoda compreensão de que
ela podia ler seu caráter muito melhor do que ele podia ler o
seu. — Mas não me referia ao baile. Como sabe, Jemima e eu
não sofremos com o desprezo. — Ela pegou algo de sua bolsa
e segurou na frente dele. Robert lutou para sair na escuridão.
— Isto é o que me preocupa, Lorde Robert. Encontrei-o
escondido no dormitório que você me pôs em Scarcliffe Hall.
— Sua voz se abrandou, assumiu um tom quase suplicante.
— Não vejo nenhuma possibilidade de alguma explicação de
inocência.
Ela pressionou o objeto na mão de Robert. Era pequeno e
redondo. Um anel?
Quando o viu, só pôde observar o escudo dos Balfour.
— Encontrou isto em Scarcliffe Hall? Isso é impossível.
— Não é algo pessoal contra você, Lorde Robert.
Prometo-lhe isso, isto não é uma invenção. — Cecily estava
brincando inconscientemente com uma mecha de cabelo que
se soltou de seu coque. Não havia nada suspeito em seu
comportamento; parecia realmente preocupada. — Você já o
viu antes?
— Nunca — admitiu Robert, devolvendo-lhe. — Não
consigo pensar como uma coisa assim estaria em posse de
minha família.
— Mas eu sim posso pensar como, e pior ainda, por quê
— disse Cecily. — Este anel poderia muito bem ser usado
para selar uma carta em nome de meu pai. Uma carta cheia
de toda classe de mentiras poderia ser assinada com seu
nome e seladas com isto. Se nunca viu este anel e desejo de
todo coração acreditar em você, então deve ser obra de seu
pai ou de seu irmão.
— Não posso aceitar. Pode que lhe tenham parecido o
contrário, mas ambos são homens honrados — Robert passou
a mão por seu cabelo, esforçando-se para encontrar uma
explicação. — Esse dormitório não foi usado há muitos anos.
Duvido que Hart, por exemplo, já esteve lá. Se algum Hartley
realmente tinha a intenção de fazer algo errado com esse anel,
deve ter sido há muitos anos atrás.
— Se eu pudesse acreditar em você! — Ela sussurrou.
Desejava que tivessem melhor luz. Pelo tremor na voz de
Cecily, seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas ele não
conseguia ler sua expressão o suficiente para julgar se as
palavras de consolo seriam bem recebidas. — A maneira como
seu irmão falou comigo esta noite, depois que percebeu quem
realmente era, me mostrou o quanto me detesta, Lorde
Robert.
— Hart pode falar com dureza, mas ele não odeia a sua
família mais do que eu — disse Robert.
— Falar com dureza! Uma bonita maneira de descrever
um homem cruel.
— Não falaria dele dessa maneira se o conhecesse.
— Como posso saber em quem confiar? — Perguntou
Cecily. — Em suas amáveis palavras, ou as cruéis de seu
irmão? Quando tenho dois sentimentos tão opostos, a quem
devo ouvir? Estou segura de que seu irmão me odeia. E sei
que seu pai também.
— Não sou minha família — disse Robert. Falava com
toda a paixão que pôde reunir, mas sabia que não seria
suficiente para convencê-la.
Só havia uma maneira de convencer Cecily do que havia
dentro de seu coração.
Ele pegou seu rosto entre suas mãos. Mal podia ver sua
reação, mas sabia pelo jeito que ela ofegou que não queria
que ele parasse. Seu polegar seguiu uma trilha de umidade, o
restante de uma única lágrima de prata.
— Tenho que te beijar — disse, tentando aliviar a dura
necessidade em sua voz com ternura. — Não pensei em mais
nada desde que dançamos.
— Por que, Lorde Robert — ela disse, com um toque de
seu espírito habitual. — Tinha-o como um homem de ação.
Qualquer brincadeira adicional que ela tivesse em mente,
ele não ouviu. Seus lábios estavam sobre os dela. Havia muito
em jogo para ser suave. Beijou-a fervorosamente,
incessantemente, deixando que cada parte de sua
honestidade e desejo por ela ficasse claro.
Se pudesse se desfazer de gerações de inimizade, o faria.
Se conformou em trazer o sangue de Cecily para a mesma
temperatura febril que o dele.
Suas mãos se agarraram a ele, pegando sua camisa nos
punhos, com a necessidade de uma resposta que apenas
aumentasse sua fome por ela. Suas próprias mãos estavam
em seus cabelos macios, agarrando-o com uma força que
devia ter sido quase dolorosa. Não conseguia aproximá-lo o
suficiente dela. Só podiam fundir-se por um momento através
dos lábios, mãos e suas línguas. Mas não era suficiente.
— Devemos parar — exclamou Cecily em sua boca.
— Não posso!
— Nem eu.
— Cecily Balfour!
O grito de horror cruzou diretamente no meio de seu
abraço, fazendo-os chocar.
Cecily pôs suas mãos em seu cabelo meio caído, com os
olhos arregalados e assustados. — Jemima!
— O que está fazendo?
— O que estou fazendo? — Jemima agarrou Cecily pelos
ombros como se fosse sacudi-la. — Seu cérebro está
completamente confuso?
Ele pensou que tinha feito um sorriso naqueles lábios
bem beijados. — Completamente confuso quase o descreve,
na verdade.
— Deveria escoltar a duas de retorno a sua carruagem —
disse Robert, dolorosamente consciente de que Jemima tinha
gritado o nome de Cecily tão alto que provavelmente foi
ouvido em casa. Ela o rodeou com fúria.
— Não fará nada mais do que afastar-se de Cecily! Deixe-
a em paz! Diz a ela que não é algo bom, e eu sei disso muito
bem!
As duas garotas desapareceram na direção da
carruagem. Robert se deixou cair contra o tronco de uma
árvore, ouvindo a paixão nos próprios batimentos de seu
coração.
Jemima tinha razão em duvidar dele. Afinal, que Hartley
tinha significado algo bom para um Balfour?
Nesse momento, Robert não sabia dizer se isso era algo
bom ou ruim para Cecily.
Beijá-la foi, de qualquer forma, um engano lamentável.
As implicações que traria para sua honra, sua reputação, seu
futuro… Tinha, de fato, a intenção de lhe prejudicar? Foi esse
o impulso irresistível que levou seus lábios aos dela?
Se assim fosse, por que seus suspiros de prazer ainda
ecoavam em sua mente? Por que estava cheio de uma dor
insuportável, como se uma parte vital dele tivesse sido
arrancada de seu peito?
Robert sempre se considerou um homem honrado. Mas,
um homem com verdadeira honra teria considerado as
consequências. Um homem com boas intenções não teria
beijado Cecily absolutamente.
Robert percebeu que ele deveria ser menos honrado do
que sempre tinha suposto. O único pensamento em sua
mente era como e quando seria capaz de beijar Cecily de
novo.
13

O baile, com suas lembranças tão dolorosas como


agradáveis, tinha ficado para trás.
Cecily tentou voltar para seus passatempos habituais
como montar, caminhar, pintar e visitar seus amigos em
Loxton com seu entusiasmo habitual.
O fato de que dormisse todas as noites revivendo o beijo
com Robert não tinha a menor importância. Cecily não se
apaixonara antes, apesar de chegar a seu vigésimo
aniversário, então supôs que este, por ser o primeiro, fosse
tão sério quanto sua idade permitia, além da força natural de
um primeiro afeto. Ela não era uma menina tola de dezesseis
anos pronta para deixar-se ir pelo primeiro homem que
chamasse a atenção. Era uma jovem inteligente e sensata.
Estava segura de que estes sentimentos logo passariam.
Somente quando o mau tempo a afastou de suas
atividades ao ar livre, se entregou a seus sentimentos de
desejo. Cecily sempre precisou de muitas atividades para se
distrair e, nestas terríveis circunstâncias, os dias chuvosos
simplesmente não bastavam.
— Outro suspiro — comentou Jemima, que estava no
piano, folheando muito animada um novo livro de música que
o duque de Loxwell tinha lhe dado recentemente. — Já sabe
que posso ouvi-la enquanto toco.
— Era um bocejo — protestou Cecily, retomando seu
trabalho de costura. Jemima deliberadamente deu uma nota
errada, fazendo-a saltar.
— Reconheço um suspiro quando ouço. Oxalá não
conhecesse a causa.
Cecily realizou alguns pontos com cuidado, sentada com
as costas retas e confortável. Parecia ser a antítese perfeita
dessa classe de jovem desenfreada que beijava homens de
reputação questionável sob o manto da escuridão. Jemima,
entretanto, não era tão fácil de enganar.
— Está pensando nele.
— Pelo contrário — disse Cecily, erguendo seu bordado
para a luz para admirar seus pontos. — Estou pensando na
condessa de Streatham, em minha querida Isabella. Está
deixando o luto por seu marido e deseja nos fazer uma visita.
Jemima deixou o piano e sentou-se ao lado de Cecily. —
Isto é sério, Ceci. Estou preocupada com você.
— Não há nada com que se preocupar — disse Cecily,
com um sorriso radiante. Jemima estreitou os olhos.
— Diga-me, quantas vezes pensou em lorde Robert esta
manhã?
— Até este momento? — Cecily não conseguiu evitar que
seu rosto se transformasse. Ela se jogou de novo sobre as
almofadas. — Pelo menos mil vezes. Mas estou muito decidida
a superar minha… minha pequena e tola fantasia.
— Não sei se a chamaria tola, Ceci — disse Jemima,
pegando o bordado na mão antes de que caísse no chão. —
Nunca vi você se comportar assim antes.
— De que maneira?
— Realmente não sabe? Você passou essas duas últimas
semanas vagando como se estivesse sonhando acordada. Até
sua mãe percebeu. Esteve a ponto de chamar o doutor
Hawkins ontem, mas consegui dissuadi-la.
— Que engraçado! A última coisa que preciso é de um de
seus tônicos. — Sentiu vergonha ao perceber que estava
fazendo precisamente aquilo que a fazia rir dos outros: Perder
a cabeça por um homem inconsequente! — Preciso de um
bom passeio ao ar livre. Mas não pelo bosque de Scarcliffe. A
nova ordem de papai para vir comigo toda vez que ponho um
pé fora de casa me faz sentir quase asfixiada
— Não precisa de um passeio — disse severamente
Jemima. — O que tem que fazer é falar com seu pai.
— Sobre o quê? — Cecily estava um pouco assustada de
ouvir a resposta.
— Acho que o melhor para você é que reúna toda a
informação que possa sobre a história de sua família com os
Hartley.
— Mas Jemima, acabei de lhe dizer...
— Diga o que queira. Prefiro acreditar na evidência
diante dos meus olhos. Você perdeu a cabeça por lorde
Robert, e eu seria uma parva se não notasse. Não se esqueça
de como te conheço, Ceci. Conheço seus estados de ânimo, e
este é um novo. Um muito sério. Não pode ocultar isso de
mim
— No estou tentando ser desonesta com você — Cecily
suspirou. — É só que… sei que tenho sido tola. E, como
regra, não me comporto como se fosse. É quase vergonhoso.
— O amor não é algo para se vergonhar — disse Jemima,
com um sorriso.
— Amor! Quem o mencionou?
— Vá com seu pai — riu Jemima, lhe dando um pequeno
empurrão. — Tem uma mente muito perspicaz, Ceci – mesmo
que este homem tenha confundido você um pouco – deveria
ser capaz de chegar à verdade desta inimizade se tentar. Se
seus sentimentos por lorde Robert cheguem a algo mais ou
não, seria maravilhoso que pudesse obter a paz entre o
Loxwell Park e Scarcliffe Hall.
— Isso é verdade — disse Cecily, contente por Jemima
não ter demorado muito na ideia de amor. — Irei diretamente
a ele.
O velho duque era uma pessoa de hábitos, e Cecily sabia
que a esta hora do dia o encontraria examinando as contas de
sua propriedade com o mordomo. Esta era uma tarefa que o
Duque odiava, e gostava de qualquer tipo de interrupção.
— Pode me dar um momento, papai? — Ela perguntou,
entrando em seu escritório sem se incomodar em chamar.
O Duque fez um gesto como se estivesse considerando.
— Bom, Ceci, você me pegou em um momento difícil. Verá... o
senhor Halliwell acaba de assinalar um assunto muito
importante que precisa de toda minha atenção.
— Oh. — Cecily baixou o olhar. — Suponho que meu
pequeno problema não é tão importante. Não importa. Posso
esperar.
— Tolices! — O Duque a interrompeu rapidamente. —
Halliwell não se importa que eu tome um momento para
minha filha, não é, Halliwell? Nada é tão importante para mim
como seu bem-estar, querida. Espere por mim lá fora,
Halliwell. Não demoraremos.
O mordomo pegou alguns documentos e os deixou a sós.
O Duque levantou-se de trás de sua mesa e foi se sentar em
sua grande poltrona. Cecily se sentou no braço dela e se
apoiou com carinho em seu ombro.
— Agora bem, qual parece ser o problema? — Perguntou
o Duque.
— Oh, são só algumas intrigas que escutei na cidade —
disse Cecily garbosamente.
— Algo que ouvi sobre o conde de Scarcliffe e sua família.
— Hah! Quem sabe que classe de maldades estiveram
fazendo ultimamente? Não, não me diga isso. É melhor que
pense o menos possível nessa família, querida. Estão muito
abaixo de você.
Cecily não acreditava que houvesse muitas
possibilidades de que pensasse menos em Robert.
Tentou uma tática diferente. — Por que, exatamente,
estão tão mal vistos, papai? Conheço a velha história do tio
Thomas, que morreu em um acidente de carruagem, mas
nunca me explicou por que foi culpa da família Hartley.
O Duque suspirou e esfregou a mão no joelho. — Não é
uma história agradável, Ceci. Desejaria poder lhe dizer algo
mais.
— Não sou uma menina, papai.
— Isso é verdade. É certo. E talvez seja melhor que
conheça a verdade, para que possa se armar contra
falsidades. O fato é que nossa família foi muito próxima dos
Hartley. Quando era menino, passei mais tempo em Scarcliffe
Hall que nesta casa! O Marquês e eu fomos grandes amigos.
Às vezes, até, cheguei a esperar que nossa amizade pudesse
sobreviver às brigas de nossos pais. Mas, quando nos
tornamos homens, ficou claro que não era para ser. Não é
apropriado seguir sendo amigo de um homem que continua
difundindo tais mentiras malvadas sobre nossa família. Não
era correto. E, pelo bem de meu falecido pai, não posso
perdoá-lo.
— Conte-me tudo o que aconteceu — disse Cecily. O
Duque acariciou sua mão.
— Estou chegando ao ponto, Ceci. Não me apresse. A
triste verdade é que os Hartley, embora sejam uma família da
nobreza, não merecem esses títulos excelentes.
A carruagem que levou o tio Thomas à sua morte era
uma das suas. Simplesmente não cuidaram o suficiente de
suas posses. Sempre foram um pouco desenfreados.
Tenho certeza de que não conseguiu se livrar de ouvir
falar do conde de Scarcliffe e da natureza bizarra de seu
irmão, e foi sua negligência que matou o pobre Thomas. Era
um homem muito doce. Nunca esquecerei a forma como
acostumava aumentar o dinheiro em meus bolsos com sua
própria atribuição! Eu era um de seus favoritos, acredito, e
ele nunca quis que eu ficasse sem ele. O jeito que minha avó
chorou quando soube de sua morte me seguirá até o dia de
minha morte.
— Bom, depois do trágico acidente e observe que
ninguém disse que foi algo mais que um acidente, você
esperaria que uma família honrada enviasse suas
condolências. Mas isso não ocorreu. Aqueles cruéis Hartley,
em um esforço para ignorar a culpa que tinham na morte de
Thomas, acusaram-no de ser responsável por um vergonhoso
sequestro de uma das filhas deles. Seu nome era Letitia, pelo
que me lembro. Era uma boa garota, embora não muito
brilhante.
— Como pode imaginar, a dor que suas mentiras
causaram aos meus avós e a meu pai foi imensurável.
Thomas era um homem honrado! Ninguém se atreveria a
acusá-lo de ter uma má conduta enquanto estava vivo. Mas
na morte, a verdadeira natureza dos Hartley saiu à luz.
— Pior ainda, logo se descobriu que tinham inventado o
sequestro para evitar que a reputação de Letitia ficasse
arruinada por sua própria estupidez, a muito parva tinha
fugido com um pintor! Não é o tipo de jogo que os Hartley
poderiam suportar por alguém com seu próprio sangue, assim
escolheram acrescentar à dor que nossa família sofreu com
essa história cruel. — Ao notar como Cecily ficou tranquila, o
Duque deu-lhe um beijo vigoroso na bochecha. — Sei,
querida. Tudo isto é bastante desagradável.
— Certamente é — disse Cecily, fracamente. Ela não
tinha previsto o desgosto com que o pai falava da família de
Robert. — Mas… talvez seja um pensamento tolo, mas
Thomas e Letitia estão mortos há muito tempo. As palavras
do velho Marquês não podem mais prejudicá-los e você
mesmo disse que o atual Marquês já foi seu amigo. Não há
esperança de reconciliação?
Seu pai não esperava essa resposta. Irrompeu em um
ataque de indignação. — Reconciliação? Não ouviu uma
palavra do que lhe disse? Não só insultaram nossa família
uma vez, mas continuam a fazê-lo! O Marquês nunca se
desculpou pelo comportamento de seu pai. Não, ele o apoia
ativamente! Você teve a sorte de nunca ter encontrado com
esse homem ou com seus filhos, querida, assim não sabe
como espalham veneno sobre nosso bom nome, onde quer
que vão! Esse baile que fizeram dias atrás é um bom exemplo
disso.
— Você acha que se o Marquês estivesse disposto a
admitir seus erros do passado, teria nos desprezado assim? É
tão claro como o dia que nenhum desses homens se
arrepende de sua história familiar absolutamente. Não, não
importa o que o Marquês tenha significado para mim quando
menino, um verdadeiro Balfour nunca deve esquecer seus
insultos e certamente não deve perdoá-los.
— Claro, papai, — disse Cecily, incapaz de ocultar o
tremor de sua voz. — Entendo muito bem.
— Vê agora? Sabia que toda esta conversa sobre esses
canalhas iria incomodá-la. — O Duque fez uma massagem
reconfortante em seu braço. — Não pense nisso, Ceci. Os
Hartley não são nada para você, e espero que eles saibam o
suficiente para deixá-la em paz.
— Isso espero — mentiu Cecily. Ficou de pé. — Bom,
obrigado por me dizer isso papai.
— Sinto-me muito mais tranquila agora que entendo a
história toda.
O Duque baixou suas sobrancelhas ásperas. — Não
parece muito tranquila, querida.
— Talvez eu tenha que admitir que estou um pouco
perturbada — Cecily forçou um sorriso em seu rosto. —
Deitar-me-ei um momento. Um pouco de descanso restaurará
meu espírito rapidamente.
— Fico feliz em ouvir isso — sorriu seu pai. — O que eu
faria sem meu próprio raio de sol?
Pôs sua bochecha, e ela amavelmente o beijou. A pressão
para parecer feliz estava dando um nó no estômago, mas ela
estava decidida a não deixar que notasse.
— Enviarei Halliwell de volta, papai — ela disse, saindo.
— Oh, sim. Suponho que deve fazê-lo. Entra, Halliwell!
Cecily não chegou ao final do corredor antes de sentir
que sua máscara escorregava e que a miséria estabelecia em
suas feições. Correu escada acima rapidamente, para que
ninguém pudesse vê-la, e se jogou em sua cama.
Amava muito seu pai. De verdade o fazia. Sim.
Então, por que estava tão convencida em seu coração de
que ele estava errado?
Sabia que seu dever era odiar aos Hartley. Sempre foi
uma filha obediente.
— Mas não posso te odiar, Robert — sussurrou em seu
travesseiro. — Mesmo se me beijou apenas para me arruinar,
não posso te odiar.
Não havia esperança de descansar, como ela dissera.
Cecily estava deitada em sua cama em um tumulto de tristeza
e confusão, olhando como as sombras da noite lentamente se
desenhavam no teto.
O único homem que queria era o único homem que
nunca poderia ter.
Como tinha conseguido organizar seus afetos tão mal?
O que seria dela se Robert nunca pudesse ser dela?
14

Passaram quinze dias do baile e Robert sofria como


Cecily, só que ele não sabia. Nem lhe faria bem escutar que
ela correspondia a seus afetos. Tinha sido criado para
cumprir com seu dever e manter sua família acima de todas
as coisas, e se apaixonar por Cecily tornou ambas as coisas
bastante difíceis.
Durante algum tempo, ele se recusou a admitir para si
mesmo o estado de seu próprio coração.
Ele foi à caça e à confusão com Hart, Beaumont e
Northmere. Fazia escandalosas trapaças a todos, venceu
todos as partidas de bilhar, caçava com grande facilidade às
aves disparando nelas com indiferença. Era um solteiro sem
laços.
E estava começando a odiá-lo.
O verão em Scarcliffe Hall tinha sido pensado como um
paraíso isolado cheio de prazeres rurais. Agora, ele descobriu
que cada momento era ofuscado pela lembrança de um único
beijo. Um beijo! O que era um beijo para ele? Afinal, já tinha
obtido mais do que lhe correspondia nisto.
Mas nada o afetara tanto quanto Cecily. Nem sua paixão
por sua razão o abalou tão eficazmente.
— Converteu-se em um amargurado, Robert — disse
Hart um dia enquanto tomavam o café da manhã
calmamente. Esse era um grande comentário, vindo dele. —
Espero que não esteja levando muito mal a presença do pai.
Ele ainda não está bem o suficiente para viajar, sabe disso.
Ele nos deixará em paz assim que puder.
— Você nem pode imaginar as imposições que meu pai
me tem feito ultimamente, Hart — respondeu Robert entre
dentes, sem fazer nada para dissipar seu miasma de
amargura. — Porque, se não fosse por ele…
Se não fosse por esse maldito baile, ele nunca teria
beijado Cecily. Seu desfrute da vida não teria sido tão
grandemente alterado. Tudo seria como era antes.
Chega! Ele não podia se arrepender desse beijo nem por
um momento. Ele se sentia como um bebê que tinha nascido
no inverno, e via o verão pela primeira vez. O ar parecia mais
frio, o verde das folhas era mais profundo, e o sol mais
quente. O mundo era horrível, dolorosamente mais brilhante,
e tudo graças a Cecily e seu maldito e irresistível sorriso.
Tinha que fazer algo. Devia fazer algo.
Quando Robert decidiu agir, se sentiu significativamente
melhor. Não era o tipo de homem que se sentava para
lamentar seus próprios infortúnios. Foi feito para realizar
grandes proezas e façanhas atrevidas. Sim, desejava Cecily,
que assim seja. Agiria de acordo.
Este foi o impulso que o levou a esgueirar-se com sigilo
pelos arbustos localizados nos fundos de Loxwell House uma
noite, após o pôr do sol.
Robert seria o primeiro a admitir que não era conhecido
por pensar primeiro e agir depois. Era o homem que quase
tinha arruinado sua irmã, disparando em seu prometido em
um duelo, depois de tudo. Portanto, não lhe surpreendeu que
as dificuldades que ameaçavam seu plano de encontrar Cecily
só se apresentassem depois que ele já havia embarcado nele.
Como era de esperar, o primeiro problema foi que não tinha
ideia de qual das muitas janelas de Loxwell House pertencia
ao seu objeto de desejo.
Robert se escondeu atrás de sebes altas e virou o
pescoço para ter uma melhor visão da casa. Algumas luzes
nas janelas estavam acesas. Aqueles no térreo e no sótão
seriam os dormitórios dos criados. Teve a sorte de que todas
as persianas estarem fechadas.
Na ala leste da casa, a luz das velas brilhava através das
cortinas transparentes.
Que tipo de cortinas Cecily teria em seu dormitório?
Esta era a primeira vez que Robert pensava tanto em
cortinas, e não achou a experiência animadora.
No lado oeste do edifício, outras duas janelas estavam
iluminadas. Uma tinha vistas para um pequeno balcão com
hera. A outra tinha vasos de barro com flores. Robert
estreitou os olhos. Flores silvestres. Parecia tão provável que
fosse a janela de Cecily como qualquer outra.
Com cautela, se agachou e pegou uma pedra. Tinha que
ser do tamanho adequado. Nem tão pequena para passar
despercebida, nem tão grande para quebrar o vidro.
Jogou na janela com as flores silvestres. Não foi à toa
que seus amigos o chamavam de melhor atirador da
Inglaterra. A pedra atingiu o centro do vidro.
Robert esperou atrás da sebe, prendendo a respiração.
Uma sombra passou pela janela, e abriram as cortinas.
Uma cabeça feminina apareceu. Uma cabeça loira.
Robert se escondeu atrás do arbusto. Jemima estava
olhando desconfiada para o jardim abaixo de sua janela.
— Se por acaso houvesse um cavalheiro lá fora esta
noite, — anunciou, finalmente — deve saber que a janela de
Cecily é a do balcão.
O som de uma janela sendo fechada com firmeza foi
ouvido.
Robert saiu silenciosamente de trás do arbusto e correu
para a casa. A hera que crescia até o balcão parecia ser
bastante resistente. Devia ser.
Pôs uma mão em uma pedra e agarrou um ramo de hera
com a outra, e começou a subir. Foi mais fácil do que tinha
imaginado.
Suas botas lhe eram de pouca utilidade enquanto seguia
subindo cada vez mais alto, entretanto, ajudava-se usando os
cantos e recantos que encontrava naquele lado da parede da
velha casa. Agarrou outro ramo de hera, agradecido por ser
mais grosso. O balcão já estava quase ao seu alcance…
Quanto Robert estendeu a mão para agarrar no corrimão
do balcão, a hera que o sustentava começou a se desprender
da parede. Ele começou a se agitar no vazio, procurando com
as mãos algo para se agarrar.
Foi assim que ele caiu sem parar, atingindo o chão com
um baque surdo que tirou todo o ar de seu corpo.
Robert piscou, completamente aturdido. Tentou ficar em
pé, seguro de que alguém havia ouvido a queda, mas
descobriu que não podia fazer mais do que tentar mover os
braços e as pernas. O mundo caía sobre ele.
— É você!
Com um pouco de esforço, Robert se concentrou no
balcão. Mais especificamente, no pequeno O de surpresa que
os lábios de Cecily fizeram enquanto estava lá, olhando-o
fixamente.
— O que estava fazendo? — Exigiu. Talvez fosse pelo
impacto que lhe provocou a queda, mas Robert não sabia
dizer se ela estava contente ou furiosa de vê-lo. — Espera aí!
Não se mova! Vou até você.
Robert se recuperou o suficiente para se apoiar sobre um
cotovelo enquanto Cecily corria descalça pelo gramado. Ele
assumiu a pose mais casual que foi possível, mostrando-se
acima de tudo como se ele tivesse escolhido deitar no canteiro
sob a janela de Cecily.
Ela se ajoelhou a seu lado. — Perdeu o juízo?
— Possivelmente. — Robert estava quase certo de que
nada estava quebrado, mas, a julgar pela preocupação de
Cecily, não era tão óbvio para ela que escapou ileso. Ficou de
pé. Cecily saltou sobre ele, pondo as duas mãos nele para
mantê-lo firme.
— Vá com calma — ela respirou. — Não se apresse.
Robert pegou sua mão onde tocava seu peito. — Estou
bem. Não há necessidade de ficar tão alarmada.
— Alarmada? — A outra mão de Cecily lhe deu uma
palmada quase dolorosa no braço.
— Exatamente que parte de encontrar um homem
subindo até a janela de meu dormitório à noite não tinha a
intenção de me alarmar?
— Admito, foi pouco convencional. — Robert sentiu-se
um pouco enjoado após sua queda. — Tinha que vê-la de
novo.
— Poderia ter me feito uma visita matutina como
qualquer outro cavalheiro!
— Sabe tão bem quanto eu que me teriam rechaçado na
porta.
Os olhos de Cecily se abrandaram. — Não será minha
culpa. Nem tampouco sua.
Meu pai… — Ela se virou. Ele se alegrou disso. Não
suportava ver a dor em seu rosto. — Falei com meu pai, mas
não há esperança. Disse-me que era meu dever te odiar.
Robert percebeu que ainda estava com a mão
entrelaçada com a de Cecily. Ela não estava usando luvas. De
fato, estava cada vez mais consciente de que ela estava
vestida com nada além de uma longa camisola branca.
— Odeia-me? — Perguntou, sentindo sua boca secar
subitamente. Cecily não respondeu. — Seria uma grande
traição para sua família se você me dissesse quais são seus
sentimentos?
— Não é que eu não tenha coragem de responder. É
simplesmente que não sei o que te dizer. — Ela arrancou sua
mão da dele, apertando o punho em frustração. — Estou tão
confusa!
— Talvez eu possa esclarecer as coisas para você. —
Robert pegou sua mão outra vez e a acariciou gentilmente, e,
antes de que pudesse realmente pensar no que estava
fazendo, ficou de joelhos.
— Tinha razão — exclamou Cecily. — Perdeu o juízo.
— Não. Em vez disso, diga que encontrei a única coisa
neste mundo que realmente faz algum sentido. — Robert
apertou sua mão contra seus lábios. Sua pele era cálida. —
Lady Cecily, me faria a honra...
— Não me pergunte isso!
Ele olhou em seus olhos, grandes e brilhantes como duas
safiras no escuro. — Não posso parar agora. Negar meus
sentimentos por você exigiria mais força do que há dentro de
mim.
Cecily também caiu de joelhos, sem lhe importar que o
barro manchasse sua camisola, e pôs uma mão em sua
bochecha. — Se me perguntar, ambos estaremos arruinados
— sussurrou.
— Case comigo.
— Não. — Mas tudo nela - o aperto de sua mão, a
adoração nos olhos, o tremor nos lábios entreabertos - dizia
que sim.
Robert não desviou o olhar. Teve a repentina e
vertiginosa sensação de que esse era o momento mais
importante de sua vida. Cecily poderia destruir suas
esperanças ou lhe fazer feliz para sempre. Tudo dependia do
que escolhesse dizer a seguir. — Não estou enganado. Sei que
sente algo por mim, Cecily.
Ela fechou os olhos em agonia. — Se pudesse fazer você
entender a profundidade dos meus sentimentos, talvez me
deixasse em paz.
— Case comigo.
— Não posso! — Cecily se afastou dele e ficou de pé.
Robert levantou-se e a agarrou pelo pulso antes que ela
pudesse fugir. No momento em que a tocou, Cecily
abandonou sua ideia de escapar e tornou-se suave, flexível,
disposta deixar-se ir em seus braços e ser beijada
profundamente.
— Nossas famílias vão se destruir uma à outra —
protestou. Robert a beijou. Em pouco tempo, os braços de
Cecily o envolveram novamente, aproximando-o enquanto ela
tentava sussurrar novos protestos. Seus lábios percorreram
por seu pescoço fino até que seus sussurros se tornaram
suspiros de deleite. — Vai se safar dessa, — disse-lhe,
mantendo seu corpo perto do dela. Podia sentir cada
centímetro do seu corpo doce, e isto o fazia esquecer com
muita facilidade o risco de ser descoberto. Era tudo o que
podia fazer para não prendê-la contra a parede e deixar que
sua paixão o levasse longe. — Não me casarei com você até
que nossas famílias se reconciliem.
Cecily o olhou com tanta confiança que Robert quase se
arrependeu de suas palavras. Não tinha nenhum plano para
solucionar a inimizade de seus pais. Tudo que sabia era que
deixar Cecily sem nenhuma esperança para o futuro seria
uma dor tão grande que não poderia suportar.
— Parece uma situação impossível — disse. — Mas uma
vez pensei que era impossível para mim ter a oportunidade de
me casar com o homem que desejava… e, entretanto…
— E, entretanto, aqui estamos.
— Se trabalharmos juntos, tenho certeza de que
encontraremos uma maneira de reunir as nossas famílias
novamente — disse Cecily. — O duque de Beaumont tinha
razão. Nossos pais contam duas histórias opostas de como
nossos antepassados se feriram uns aos outros. Não podem
ser verdadeiras. Devemos trabalhar para descobrir o que
realmente aconteceu, e provar o melhor que pudermos.
— Então, tudo o que precisa é que a família que esteja
errada peça desculpas a outra, e o assunto será resolvido. —
Ao ouvir as folhas farfalharem no jardim, ela olhou com
temor.
— Não há ninguém lá — disse Robert, virando seu rosto
para ele para lhe dar outro beijo.
Cecily se conteve. — É muito perigoso que fique aqui.
Deve ir.
— Quando vou te ver outra vez?
— No meio do bosque de Scarcliffe, no lado do rio de meu
pai, há um carvalho velho que está em uma clareira. É
apenas um curto caminho ao norte pela ponte. Conhece-o?
Robert não pôde deixar de sorrir. — Não sou tão audaz
como você, minha Cecily. Nunca antes me atrevi a invadir a
terra de Balfour. Mas o encontrarei.
— Amanhã, então… ou, na sua ausência, quando o sol
estiver brilhando. Encontrar-me-ei lá ao meio dia.
— E posso te escrever?
Os olhos do Cecily se estreitaram. — Pode me escrever
assim que eu aceitar sua oferta de matrimônio. Não antes.
Robert a aproximou mais, de modo que cada curva de
seu corpo pressionou contra ele, deliciosamente nítido através
do tecido fino de sua camisola. — Não tinha me dado conta de
que estávamos fazendo isto de uma maneira original.
— Bruto! — Cecily choramingou, mas ela estava rindo - e
por trás da risada, havia algo mais em seus olhos. Uma faísca
de desejo que não tinha visto antes, mas que tinha a intenção
de acender até convertê-la em uma chama. — Deixe-me ir!
— É isso o que realmente quer?
Os dedos de Cecily se enroscaram em seus cabelos
enquanto ficava nas pontas dos pés para dar um beijo casto
em seus lábios. — Até amanhã, sim. Realmente quero que vá.
Que retorne com segurança a Scarcliffe Hall. Não estarei
satisfeita até saber que se foi.
— E eu não estarei satisfeito até ver você novamente.
Cecily suspirou, seus olhos esvoaçando no que Robert
passou a reconhecer como uma característica de sua
felicidade.
— Vá embora! Tudo em mim quer que fique, mas deve ir
antes que alguém nos descubra.
Quando Robert a deixou, ele sentiu um estranho puxão
dentro de seu peito. A metade de seu coração ficou nos braços
de Cecily. — Espera! — Ela gritou, enquanto ele se voltava
para a escuridão do bosque mais à frente do jardim. Robert
olhou para trás.
— Deve ter isso — disse Cecily, tirando um anel de seu
dedo e colocando-o em sua mão.
Robert olhou-o à luz da lua. Era um selo Balfour com
rubis gêmeos. — Eu deveria estar lhe dando um anel —
comentou, prestes a devolvê-lo.— Não o contrário.
— É o símbolo da minha confiança em você — insistiu
Cecily, negando-se a aceitá-lo de volta. — Quando encontrei
esse anel, pensei que provava que era meu inimigo.
Agora, sei que não é assim. Guarda-o, e não me esqueça.
— Como se eu pudesse te esquecer! — Robert colocou o
anel em seu dedo mindinho.
Teria que encontrar alguma maneira secreta de usá-lo.
Talvez, em uma corrente em volta do pescoço. Sim. Era o
correto ter o emblema do afeto de Cecily pendurado ao lado de
seu coração.
— No velho carvalho — prometeu-lhe. — Ao norte do
bosque pela ponte. Amanhã. Ao meio dia.
— Estará lá?
— Nada poderia me induzir a falhar com você.
Cecily deu-lhe um último beijo e se virou para
desaparecer de volta para casa.
Robert seguiu seu exemplo, e correu de retorno ao
bosque tão rápido como o sigilo lhe permitia, onde Thunder
continuava amarrado a uma árvore.
Sentia-se tão enjoado pela alegria que se perguntou se
sua cabeça tinha recebido um golpe quando caiu do balcão.
Cecily era dele. Bom, talvez não desejasse admiti-lo.
Podia fazer tantos protestos sobre esperar quanto quisesse.
Mas o tinha renomado como o homem que ela desejava.
Desejava-o tanto quanto ele a ela.
Enquanto Robert deixava que Thunder seguisse com
cuidado o caminho através do escuro bosque, manteve em
sua mão o anel, apertando-o com força contra o peito. Esse
anel era agora sua posse mais preciosa.
Um lugar que logo seria usurpado pela própria Cecily.
15

— Acho que nunca vi um dia de verão tão perfeito —


disse Cecily, nem a primeira nem a segunda vez nos últimos
cinco minutos. Jemima permanecia totalmente absorta em
seu livro, e o relógio marcava doze horas. Se Cecily quisesse
ver o Robert no carvalho, teria que partir rapidamente.
Maldita natureza superprotetora de seu pai! Cecily não
precisava de uma acompanhante para um simples passeio
por seu bem cuidado bosque. Essa mesma manhã, tinha
tentado suplicar a seu pai por aquela imposição, mas ele não
se comoveu.
— Deseja que eu morra de um ataque do coração? —
demandou-lhe, e Cecily ironicamente recordou que havia
herdado dele sua própria obstinação. — Sua mãe e eu ficamos
muito preocupados na última vez que você se perdeu no
bosque. Não voltará a acontecer!
— Mas não irei tão longe desta vez — suplicou Cecily. —
E certamente não me aventurarei para o rio pelo lado de
Scarcliffe Hall. Aprendi muito bem minha lição.
— Não ouvirei mais sobre você entrando nesse bosque
sem a companhia apropriada — disse o Duque. Cecily
conhecia bem o pai; sabia que quando tomava uma decisão
nada o faria mudar.
Esta era uma dessas vezes.
Então, ela foi persuadir a uma relutante Jemima de que
a acompanhasse em seu passeio pelo bosque. Não podia levar
a donzela - depois de arriscar sua reputação desaparecendo
da carruagem com Robert diante dos lacaios e o condutor - e
Cecily não podia confiar nos criados para não adicionarem
dois e dois com suas intrigas.
Além disso, na posição de criados não desafiariam o
Duque e deixariam que Cecily fosse sozinha.
Jemima, por outro lado, estava totalmente aberta a todo
tipo de intrigas. Se apenas Cecily pudesse encontrar alguma
maneira de lhe comunicar que havia mais nela do que um
simples desejo de tomar ar fresco!
Ela se inclinou para sussurrar a verdade para Jemima,
mas chamou a atenção de sua mãe.
A Duquesa estava tomando chá do outro lado do salão e
Cecily não tinha nenhum desejo de chamar sua atenção.
— Não deseja um passeio ao sol, Jemima? — Perguntou
Cecily, cada vez mais desesperada. Jemima levantou a vista
com o cenho franzido.
— O que desejo é terminar meu livro. Uma tarefa que
você está fazendo excessivamente difícil.
— Mas que agradável seria sentar e ler na grama!
— Há alguma razão em particular para se aventurar lá
fora, Ceci? — Perguntou sua mãe. — Por que não chama uma
donzela para te acompanhar? Isso seria mais do que
suficiente para contentar seu pai.
Cecily deu à sua mãe um sorriso radiante. — Eu só
estava preocupada com a saúde de Jemima. Ela passa muito
tempo aqui dentro.
— Os costumes de Jemima estão à altura de sua
amabilidade, Ceci. Gostaria de poder dizer o mesmo dos seus.
Cecily estava a ponto de desistir quando Jemima fechou
seu livro e ficou de pé com um suspiro. — Bem, atrevo-me a
dizer que tem razão — disse, piscando para ela. — Um pouco
de ar fresco me fará muito bem. Deixe-me ir buscar um
casaco, Ceci. Não acho que faça tanto calor lá fora, como diz.
Cecily estava tão emocionada que correu na frente de
Jemima e tirou o primeiro casaco que viu no armário. Agora
que a duquesa não podia vê-las, a expressão de Jemima
tornou-se decididamente suspeita. — Você nunca foi
particularmente boa em guardar secretos, Cecily. Não sei se
alguém lhe disse isso.
— Tolices! Que razão oculta poderia ter para querer dar
um passeio pelo bosque de Scarcliffe em um dia como hoje?
Jemima torceu o nariz. — E se eu sugerisse que, em seu
lugar, fossemos para Loxton?
Cecily ofereceu-lhe o casaco para que o pusesse,
sacudindo-o com impaciência. — Eu diria a você que não há
nada como sentir o vento nas árvores ou como a luz do sol
atravessa as folhas, ou...
— Ou como o cavalheiro que espera encontrar lá. —
Jemima abotoou seu casaco, e suspirou. — Espero não me
enganar em incentivar isso.
Cecily abraçou Jemima com toda a exuberância que seu
segredo lhe dava e a beijou na bochecha. — Acredite em mim,
Jemima, está fazendo a melhor ação do mundo!
De fato, o dia não tinha nada de perfeito, como Cecily
havia dito. Mas nem sequer notou. Para ela, o ar estava
quente, o céu tinha um azul glorioso, os pássaros cantavam,
o perfume das flores flutuava na suave brisa. Sim, Jemima
grunhiu um pouco e puxou mais seu casaco, seria por
alguma outra razão que não tinha nada a ver com o céu
nublado e com o vento que soprava forte.
Estava preste a ver Robert de novo, e não havia nada que
pudesse estragar a alegria de sua antecipação.
— Este parece um bom lugar para sentar e ler por um
tempo — disse, quanto encontraram uma árvore caída a
pouca distância da clareira e do velho carvalho.
Jemima encolheu os ombros. — Servirá. Suponho que
vai continuar vagando enquanto me sento aqui?
— Bom, não gostaria de incomodá-la.
— Hah! Muito bem. Dê minhas saudações a… quem vier.
— Oh, duvido muito que cruze com alguém por aqui —
disse Cecily. Jemima não lhe devolveu a piscada.
— Com toda seriedade, Ceci, espero que tenha pensado
bem. Isto é um pouco mais perigoso do que nossas
travessuras habituais.
— Diga-me, Jemima! Quando se tornou uma velha
queixosa?
Jemima se negou a sentir chateada. — Não quero que
saía ferida.
Essas palavras soaram ameaçadoras nos ouvidos de
Cecily enquanto ela caminhava pelo chão coberto de folhas
até a clareira. Tinha permitido que sua paixão por Robert a
dominasse em um curto espaço de tempo: muito curto, diria
Jemima sem hesitar. Estes sentimentos profundos a
deixariam exposta a profundas feridas se tudo isto não chegar
a nada. Ela estaria vulnerável como nunca antes tinha sido.
Então viu Robert, encostado no velho carvalho com seu
chapéu sobre os olhos para bloquear o sol, e todas as suas
dúvidas desapareceram.
O efeito que teve sobre ela foi nada menos que mágico.
Cada parte do corpo de Cecily ganhou vida em sua presença,
a lembrança do toque de Robert a encheu até a ponta dos
dedos. Ela nunca em sua vida havia sentido fome de verdade
até este momento, com o eco dos beijos da noite anterior que
ainda faziam cócegas em seus lábios, e com o olhar frio de
Robert encontrando-a através da luz do sol.
— Chega tarde — disse. Cecily correu para ele,
saboreando o choque e o prazer que iluminaram seus olhos
enquanto lhe abraçava.
— Estive tentando sair de casa toda a manhã. Quase que
perdi!
— Não teria importado — disse Robert, tirando uma
mecha de cabelo de seus olhos.
— Teria esperado até o entardecer, e então teria esperado
novamente amanhã.
Seu cavalo relinchou suavemente ao seu lado. Cecily
tinha vontade de que Thunder a reconhecesse. — Olá, meu
amado — murmurou, acariciando seu nariz. — Sentiu minha
falta?
— Vou ter que competir por seu afeto com meu cavalo?
— Robert queixou. Cecily soltou uma risada de deleite
enquanto a agarrava pela cintura e a beijava.
— Ele é um cavalo muito educado. Não posso evitar!
— Eu também não — disse Robert, seus lábios se
movendo para seu pescoço. Era tudo o que Cecily precisava
para afastar-se. Robert sentiu-se castigado. — O que houve?
— Temos trabalho a fazer — disse Cecily. — Não vim
aqui para que tome liberdades comigo. Estamos aqui para
discutir a inimizade entre nossas famílias, não para nos
deixar levar.
Seu lábio levantou em um meio sorriso que iniciou um
atoleiro de calor no estômago de Cecily. — Mas você faz que
seja tão deliciosamente fácil se deixar levar, Cecily.
Ela cruzou os braços, decidida a não lhe mostrar o
quanto isso a afetava. — Realmente quis dizer tudo o que
disse ontem à noite, ou apenas procura um pouco de
satisfação em alguns beijos?
Robert apagou seu sorriso no momento em que viu que
era sério. — Tem razão. Não devemos deixar nossas cabeças
se voltarem para os prazeres aqui presente, quando temos
muito mais a ganhar. Deve confiar em mim, Cecily. Não faço
promessas levianamente. — Ele tirou a jaqueta e a pôs no
chão. — Sente-se aqui ao meu lado, e vemos ver se podemos
entender o emaranhado de pecados que nossas famílias têm
entrelaçados.
— Meu pai sempre me disse que sua tia, lady Letitia, foi
sequestrada por seu tio, lorde Thomas — disse Robert,
permitindo que Cecily entrelaçasse sua mão agora nua com a
sua. O toque de sua pele trouxe para Cecily uma estranha
mistura de conforto e emoção. Sentiu seus pensamentos
vagarem para a lembrança de como suas mãos a tinham
agarrado tão vorazmente na noite anterior, e teve que se
esforçar a se concentrar no que ele dizia. — Certamente,
Letitia deve ter sofrido uma grande desgraça em algum
momento. Segundo todos os relatos, ela estava perfeitamente
saudável até o sequestro ou o que quer que fosse, mas sua
saúde ficou destroçada pelo terror que lhe causou a
experiência. E, é obvio, pela humilhação do escândalo que se
seguiu.
— Esse assunto com o retrato…
— Retrato? Nunca ouvi falar de nenhum retrato.
Robert levou sua mão ao peito e começou a brincar meio
consciente com seus dedos, como se o simples toque dela lhe
desse força e firmeza a seus pensamentos.
— Tenho entendido que seu bisavô disse que lady Letitia
tinha fugido com um artista. Um pintor de retratos.
— Isso é o que meu pai me disse.
— Pode não ter lhe dito que o então Duque levou provas
deste suposto assunto a Scarcliffe Hall. Meu pai chamou isso
de uma tentativa de derrubar lady Letitia no momento mais
gélido de sua miséria. Disse que era um retrato de lady Letitia
que o Duque afirmava ter sido pintado por seu amante, e que
era prova de sua aventura.
— Naturalmente, minha família o descartou por ser uma
tolice, uma tentativa cruel dos Balfour de tirar a atenção das
ações de lorde Thomas sobre sua inocente vítima. Letitia só
tinha dezesseis anos na época. Nem sequer tinha sido
apresentada.
— As garotas jovens podem ser muito propensas a
amores tolos — disse Cecily. — É possível que amasse este
pintor?
— Não posso dizer isso. Meu pai diz que não, mas na
época era só um menino.
— O que é verdade é que sua dor pelo incidente a deixou
à mercê de uma enfermidade nervosa grave. Teve que se
retirar da vida familiar por completo. Passou o resto de seus
dias sendo cuidada em uma casa isolada na cidade de
Burnsley, junto com outras pessoas que sofriam de debilidade
mental.
— Que horrível! — Cecily se perguntou o que
provavelmente levaria uma mulher à loucura: o horror de um
sequestro, ou a agonia de um amor perdido. — Mas, como
meu bisavô chegou a ter a pintura? Por que ele teria um
retrato de lady Letitia, e o que o levaria a afirmar que foi
pintado por seu amante?
— Terá uma oportunidade melhor de responder a isso
que eu. Até onde sei, o retrato segue em Loxwell Park. Depois
que minha família se recusou a retirar suas acusações contra
lorde Thomas, o duque do Loxwell pendurou o retrato em seu
salão e disse a todos que o visitavam que representava a
escandalosa lady Letitia.
— Isso é algo muito cruel! — Exclamou Cecily. —
Envergonha-me ser descendente de um homem que foi tão
insensível com uma jovem, mesmo que ele realmente
acreditava que ela estava errada.
— O velho Duque tinha perdido seu filho e culpou a
minha família — disse Robert. — Posso entender sua raiva. A
dor impulsiona os homens a fazer coisas que de outra
maneira nem sequer considerariam.
— Sinto que agora posso entender como começou nosso
problema. — Cecily olhou Robert, com preocupação. — O que
não vejo é como vamos provar ou refutar qualquer afirmação.
Suponho que lady Letitia morreu há muito tempo?
— De gripe. Quando eu era menino.
— E lorde Thomas, é obvio, também está morto. Isso
deixa apenas o homem que pintou o retrato de lady Letitia. Se
eu conseguir encontrar o quadro – porque garanto, que ele
não fica mais penduro em nosso salão, poderei descobrir seu
nome na assinatura.
— Do que serve encontrar o pintor se estiver vivo?
— Pelo menos poderá nos dizer a verdade de sua suposta
aventura com lady Letitia. Se pudermos provar que meu
bisavô estava errado em acusá-la, estou segura de poderemos
convencer meu pai a pedir desculpa.
— Seria ótimo, se o Duque admitisse que estava errado
— disse Robert, soando pouco convencido. — Não poria suas
esperanças nisso, Cecily.
— Então, como vou aprender a ter esperança? — Cecily
levou a mão de Robert aos lábios e a beijou ternamente. —
Devo fazer algo. Não posso simplesmente me sentar e esperar
que o destino nos deixe ficar juntos. E, da minha parte, farei
tudo o que possa para descobrir como o anel com o selo dos
Balfour chegou a ficar escondido em Scarcliffe Hall. Se meu
pai segue fazendo coisas contra o seu, deve ser detido
imediatamente.
Robert puxou Cecily contra ele. — Não vou mais permitir
que ele continue fugindo dessa disputa estúpida. Não
significa nada para mim se seu bisavô insultou a minha tia
avó ou não. Você é tudo o que importa para mim.
Cecily lhe respondeu com um longo beijo que os deixou
sem fôlego. Era uma delícia que ainda não tinha tentado
saber que o desejo de Robert por ela era tão profundo como o
seu por ele. Saboreou cada um dos suaves ruídos de prazer
que saíam de seus lábios como prova de seu triunfo.
Ela se sentia tão completamente conquistada por ele que
parecia justo que ele fosse igualmente vencido por ela.
— Se houver algum cavalheiro neste bosque — chegou
um grito estridente — seria bom ir antes de que os encontre!
Robert se afastou de Cecily com horror. — Nós fomos
descoberto?
— É só Jemima. Não se preocupe. Não dirá a ninguém.
— Cecily ficou de pé e sacudiu seu vestido. — Estarei com
você daqui a pouco, Jemima! — Disse-lhe. — Robert, quando
voltarei a vê-lo?
— Quando, aqui, todos os dias, ou todos ao mesmo
tempo?
— Isso é impossível. Meus pais estão vigiando meus
movimentos desde que me perdi no bosque. Mamãe suspeita
um pouco de meu desejo de sair hoje.
— Então me escreva. Pode enviar Jemima se não puder
escapar. — Robert examinou o carvalho que os tinha
protegido, em busca de um buraco adequado. — Aqui, neste
buraco. Coloca suas cartas aqui e eu as encontrarei.
Cecily levantou o nariz. — Pensei ter dito que não nos
escreveríamos.
— Está feliz de romper todas as regras de seu pai, exceto
essa?
— Não é uma regra de meu pai, mas a da Sociedade. E
não estou dizendo não sem uma boa razão. As cartas são
muito perigosas. Poderiam as utilizar para nos delatar antes
de que estejamos preparados para reunir nossas famílias
novamente. Isso seria desastroso.
— Queimarei suas cartas no momento em que as ler —
prometeu Robert. — Embora me romperá o coração fazer isso.
Apenas diga que me escreverá, Cecily. Não quero passar mais
um dia sem você, embora apenas seja para ler suas cartas.
Cecily estava começando a entender o ponto de vista de
Jemima quando disse que ver Robert era perigoso. Nunca
conheceu alguém a quem fosse menos capaz de resistir. Não
era um bom augúrio para o futuro. Se eles se casassem,
Cecily pretendia se safar com mais frequência. — Escreverei
sempre que puder — disse.
Robert lhe agradeceu com outro beijo que passou da
castidade de seus lábios fechados para um aperto
apaixonado.
— Cecily! — Jemima a chamou novamente.
Cecily se separou de Robert com uma risada sem fôlego e
correu para o som da voz de Jemima.
— Lembre-se de escrever! — Robert lhe pediu.
— Como poderia esquecer isso?
Cecily chegou ao lado de Jemima com um sorriso tão
largo que era quase doloroso e seus olhos dançavam de
alegria. Sua mente ainda estava clara com Robert, vendo a luz
do sol jogar através de seu lindo rosto.
A expressão de Jemima a trouxe de volta à realidade. —
Algo está errado? Está doente?
— Um dos jardineiros passou por mim momentos atrás
— Jemima sibilou, segurando seu livro no peito. — Estava
convencida de que te encontraria, e eu não fui tão rápida para
detê-lo enquanto seguia em sua direção!
— Oh, Jemima. — Cecily pôs seus braços ao redor de
sua amiga e a abraçou com força. — Foi pedir muito que
ocultasse meu segredo. Não vou colocá-la nesta posição de
novo, juro.
— Mas o que fez foi uma coisa boa. Eu disse ao
jardineiro que tinha ouvido um ruído como o de um animal
ferido que vinha do sul da ponte. Ele foi procurá-lo. Tivemos
muita sorte de que ele fez isso! — Jemima não era dada a
grandes demonstrações, mas estava com uma palidez
incomum. Cecily entendeu. A ideia de que ela quase tinha
sido encontrada nos braços de Robert…
Não, não se permitiria pensar nisso. Ela e Robert tiveram
apenas alguns poucos momentos roubados, e não deixaria
que o medo os vencesse.
— Deixe-me levá-la de volta para casa. Uma xícara de
chá acalmará seus nervos — disse calmamente.
Jemima passou a mão na testa. — Como seus próprios
nervos podem suportar tudo isto, é algo que nunca saberei!
Cecily lembrou com desconforto Lady Letitia e a ruptura
de sua mente quando seu amor secreto foi revelado. Esse
seria o destino de Cecily, se chegasse a ser apanhada e
arrancada de Robert para sempre?
“Não sou uma garota de dezesseis anos, Cecily disse a si
mesma. Sou feita de coisas mais fortes. Vivi em perfeita
felicidade antes de Robert, e viverei nela se ele for afastado de
mim.”
Deixou que seus pensamentos dolorosos se afastassem
antes de continuar imaginando essa dor. A proeza deve ter
refletido em seu rosto, porque Jemima a estava olhando com
curiosidade.
— Pelo menos se divertiu? — Perguntou. — É um bom
homem, não é? Não consigo imaginar você se apaixonando
por algo menos do que um homem verdadeiramente bom.
— É maravilhoso — sussurrou Cecily. — Só espero que
algum dia possa encontrar um homem que faça você se sentir
da mesma maneira.
Jemima soltou um bufo de risada. — Quando me
apaixonar, farei-o com sensatez — declarou ela. — Nada
dessa tolice cruzada pelas estrelas. Agora, acredito que me
prometeram uma xícara de chá. Estou congelada até os ossos
depois de me sentar lá fora com este vento, Ceci.
— É claro, minha querida Jemima! Retornaremos a
Loxwell House imediatamente.
Cecily pegou o braço de Jemima. Se ela estava
inusitadamente quieta no caminho de casa, Jemima não
mencionou.
Na verdade, Cecily não sabia se aquela reunião furtiva
com Robert a deixara feliz ou triste. É claro, ela estava
completamente feliz com seu afeto por ela.
Mas, de algum jeito, ele a deixou com um obstáculo mais
insuperável do que ela já havia percebido.
As ofensas de ambas as famílias tinham um traço muito
profundo.
Ela poderia ser a mulher que finalmente os curasse?
16

Ainda era cedo, no que dizia respeito ao seu grupo de


amigos, quando Robert retornou pelo imponente caminho do
bosque sobre as amplas costas de Thunder. Não esperava que
ninguém saísse da casa antes do meio da tarde, depois de
passar um dia intenso na mesa de bilhar na noite anterior.
Por isso, ficou surpreso quando Hart apareceu diante de
seu cavalo, que mal conseguiu puxar as rédeas a tempo.
— Bom dia, Hart — disse agradavelmente. — Saí para
dar uma volta, mas não tenho nenhuma objeção de
permanecer aqui fora se quiser se unir a mim.
— É um bom dia para isso — disse Jonathan, passando
a mão pelas rédeas de Thunder. Robert não gostou do tom de
sua voz, muito menos que outro homem controlasse a cabeça
de seu cavalo.
Como Hart parecia inclinado a falar, Robert desceu de
seu cavalo para se encontrar na frente dele.
— No que está pensando?
— Somente na direção de onde você veio, irmão.
— O bosque de Scarcliffe é tanto minha terra como do
duque de Loxwell, Hart.
— Ah. — A mandíbula de Hart se apertou. — Não queria
ser o primeiro a mencionar a família Balfour, mas já que...
— Não sei o que está insinuando — disse Robert, dando
um passo à frente e obrigando Hart a soltar as rédeas e
recuar. — E não tenho certeza se quero saber. Vamos,
voltaremos para casa juntos.
— Não acho que você quer que papai ouça o que tenho
para lhe dizer.
Hart era um pouco mais baixo e muito mais magro que
Robert. Tinha herdado a constituição esbelta e elegante de
sua mãe, enquanto que Robert era, em geral, igual seu pai.
Robert nunca tinha intimidado seu irmão mais novo,
mas isso não significava que gostasse da ideia de ter uma
briga.
— Está vendo coisas que simplesmente não existem —
disse, e fez Thunder seguir pelo caminho.
Hart saltou diante dele e bateu no peito de Robert com a
palma da mão — Como pode trair nossa família assim? —
Para assombro de Robert, a voz de Hart tremia de raiva. —
Sempre me ensinou que lealdade e família são tudo. E agora
escapule para Loxwell Park para pular com essa… essa...
— Cuidado com o que diz, Hart — advertiu Robert,
incapaz de suportar a ideia de Cecily ser insultada. — Tenha
muito cuidado.
— Essa Balfour — cuspiu Hart. — Sei que foi atrás dela
na noite do baile de máscaras. Que tipo de enfeitiço lançou
sobre você?
— Tome cuidado como fala dela!
— Falarei como quiser da prostituta que o duque de
Loxwell tem por filha.
A mão de Robert se levantou por vontade própria.
Apertou o punho, e teve que fazer um grande esforço para se
conter e não golpear o rosto de Jonathan.
— Você vai me bater, Robert? — Hart perguntou, sem
sequer tremer. Não parecia zangado tanto quanto estava
ferido. Robert suspirou e abaixou o punho.
— Essa foi uma advertência, Hart. Não me tente.
Para sua surpresa, Jonathan respondeu empurrando-o
no peito com força. Ao perder o equilíbrio, Robert deu um
passo para trás, agarrando-se às ancas de Thunder para se
manter em pé.
— Diga-me que a arruinaste — exigiu Hart. — Diga-me
que o pai te meteu nisso. Diga-me que tudo o que quer fazer é
seduzi-la e desonrá-la.
Robert sabia que podia golpear seu irmão com um único
murro, mas não estava preparado para deixar a raiva tomar
conta dele. Agarrou a Jonathan pelos braços, obrigando-o a
parar.
— Neste momento, — gritou — a honra de Cecily
significa muito mais para mim que sua bonita cara, Hart.
Tome cuidado com o que diz.
Jonathan grunhiu de raiva e incapaz de se soltar das
mãos de Robert, baixou sua cabeça e avançou para frente
para atingi-lo no nariz. Robert se agachou bem a tempo e,
soltou Jonathan que tropeçou pela rapidez do movimento.
Levantou seu punho e o golpeou com força sob o olho
esquerdo.
Jonathan se ajoelhou com um grito de dor. A raiva de
Robert desapareceu. Sabia muito bem que teria reagido da
mesma maneira se tivesse enfrentado a mesma situação há
mais de um mês atrás. Odiar os Balfour era o que fazia um
Hartley. Não havia maneira de evitá-lo. Mas Cecily tinha
conseguido mudar tudo isso.
— Está machucado? — Ele perguntou, pondo a mão no
ombro de Jonathan.
Hart o ignorou.
— Você me cegou — gemeu.
— Tolices — Robert se inclinou e tirou a mão de Hart de
seu rosto. — Terá um bom olho roxo, isso é tudo.
— Meu rosto, Robert! Por que teve que me golpear no
rosto?
Robert o ajudou a ficar de pé. — Fica tranquilo. Acalme-
se. — Pôs um dos braços de Hart ao redor de seus ombros e
tomou as rédeas de Thunder com sua outra mão,
caminhando lentamente pelo caminho que conduzia até a
casa.
— Diremos a papai que Thunder o atirou contra uma
árvore.
Jonathan não respondeu. Por um momento, Robert
pensou que era simplesmente porque estava zangado. Então,
seguindo o olhar de seu irmão, viu que o anel pendurado em
sua corrente tinha escapado durante a briga por baixo da
camisa.
Parou de caminhar.
Hart estendeu a mão e olhou o anel com bons olhos.
Girou o anel para que o selo dos Balfour brilhasse com a luz
do sol. — Diga-me que não está apaixonado, irmão.
— Não é assunto seu.
— Se não sentir nada por ela, isto será uma boa sorte.
Robert agarrou o anel e o colocou de volta debaixo da
camisa, onde o sentiu frio e pesado contra sua pele. — O que
diz?
— Pensa no que o pai poderia fazer à reputação do
Duque com esse anel!
— Isso só se puser suas mãos nele, coisa que não fará —
disse Robert. — Não tenho medo de escurecer seu outro olho.
— E não tenho medo de levar uma surra. Diga a papai o
que tem feito, Robert. Ele entenderá, desde que seja honesto.
Não será o primeiro em ter a cabeça transtornada por uma
garota bonita, mas agora… agora que tem seu anel…
— Não posso, Hart — suspirou Robert. — Não é isso o
que pretendo fazer. De fato, é exatamente o contrário. E se
você se opuser a isso, temo que não me deterei perante nada
para me vingar. Essa é uma promessa que não quero
cumprir.
Hart se afastou, tocando seu olho esquerdo com cautela.
Já estava ficando roxo.
— Então está apaixonado — disse categoricamente.
— Assim é.
— Sinto muito não sentir simpatia por você. — Hart
balançou a cabeça com cansaço.
— O amor é para pessoas comuns, Robert. As grandes
famílias têm coisas melhores para fazer com seu tempo. Já
esqueceu o quão perto nossa irmã esteve de ficar arruinada, e
tudo por culpa dessa tola fantasia chamada amor?
— Nem sempre pensou que era tão ruim — recordou-lhe
Robert.
O rosto de Hart mudou. — Sei melhor que ninguém como
o amor pode destroçar um homem — disse sombriamente.
— Então, não deixará que a mesma desgraça caia sobre
minha cabeça — insistiu Robert. — Não diga a papai.
Hart pôs seu braço em volta do ombro de Robert. — Não
o farei.
— Obrigado, Hart. — A respiração de Robert se acalmou.
Ele estalou a língua para Thunder e voltou para a casa.
— Não é porque tenho medo de brigar com você.
— Nem em sonhos pensaria.
— É porque vai me dar seu melhor rifle de caça.
Robert se deteve em seco. O rifle em questão era uma
arma belamente feita de ferro cinza, aço e nogueira inglesa
polida, encrustada com um delicado desenho em arame
prateado. Era uma de suas posses mais apreciadas.
— Não pode estar falando sério!
— Muito sério. — Hart fez uma careta, embora seu olho
roxo deve ter doído muito. — Vamos, Robert, O que é mais
importante... o rifle, ou a honra de Lady Cecily? Não pode ter
os dois.
Robert gemeu. — É um homem cruel, Hart.
— Tenho uma cabeça prática sobre meus ombros. O que
é mais do que posso dizer no seu caso.
— Muito bem. O rifle é seu.
Eles subiram por uma ladeira e Scarcliffe Hall apareceu
diante deles em toda sua majestade.
— Realmente quer fazer dessa mulher a Senhora de
Scarcliffe Hall — disse Jonathan, com um suspiro teatral.
— Para você, “essa” é lady Cecily.
— “Essa” será minha nova e mais querida irmã, e será
um castigo. Assumindo que planeja se casar com ela — Hart
lançou-lhe um olhar questionável. — Que demônios espera
obter com isto, Robert? Sabe perfeitamente que o Duque
preferiria vê-la fugir com um bandoleiro do que dar a você. E
quanto a pai…
— Deixe isso comigo, Hart — disse Robert, com um ar de
confiança que sabia que era tão irritante quanto injustificado.
— Será uma pequena vingança de nós pelo...
— Amor verdadeiro? — Hart terminou para ele. — Você
me deixa doente. — Baixou a voz quando se aproximaram da
entrada, como se as pedras pudessem escutar. — Isto não me
agrada, Robert. Há uma boa razão para que os Balfour tenha
sido nossos inimigos durante todos estes anos.
— Confie em mim — disse Robert. — Confie em mim, e
eu vou acabar com isso.
Só desejava poder estar tão seguro quanto soava. Não
tinha nem ideia do que faria para persuadir seu pai e o de
Cecily a deixarem para trás seu antigo ódio. Hart tinha razão
ao pensar que era uma situação impossível.
Mas Hart não tinha o benefício que Robert tinha, que era
ver sua situação através da brilhante e esperançosa luz do
amor.
Encontraria uma maneira. Embora apenas fosse porque
sentia que murcharia e morreria se não o fizesse, encontraria
uma maneira de se casar com Cecily.
17

Cecily não visitava com muita frequência a longa e


estreita galeria que abrigava a coleção de arte de sua família.
Era um lugar onde seu pai recebia visitas quando queria
exibir sua riqueza.
Jemima ia frequentemente olhar com atenção uma
pintura ou outra, mas, desta vez, Cecily não queria sua
ajuda. Esta era uma missão privada.
Além disso, Jemima não era um Balfour. Parte da
família, sim, mas não era do seu sangue.
Ela nunca tinha entendido realmente esta disputa. A
forma como cada membro de sua família aprendeu desde o
nascimento que os Hartley não eram nada além de uma
família insidiosa e infame.
Cecily sempre se considerou uma pessoa inteligente.
Enquanto caminhava pela longa fila de paisagens luxuriantes
e retratos de antepassados mortos há muito tempo,
perguntou-se como se deixara levar completamente pelos
preconceitos de seu pai.
Ela sempre se esforçou para tratar a todos de maneira
justa, e nunca tinha menosprezado ninguém, com exceção
dos Hartley, a quem realmente acreditava que mereciam.
Agora, sentia como se seus olhos estavam pela primeira
vez completamente abertos.
Tudo estava iluminado por uma luz nova e fresca.
O pai de Robert nunca fora um monstro. O próprio
Robert era o homem mais amável e maravilhoso.
Ela não podia dizer nada sobre lorde Jonathan, mas em
seus momentos mais caridosos, decidiu que ele só atuava
como faria se tivesse entrado sem convite a sua casa.
Todos eram culpados. Qualquer que fosse a verdade,
todos eram igualmente culpados.
Quando menina, Cecily tinha memorizado os nomes dos
benevolentes Duques e Duquesas nos retratos que agora
olhava. Eram tão familiares para ela como seu próprio rosto.
Muitos deles, de fato, tinham características similares às
dela. Em um velho cavalheiro de peruca branca, reconheceu
seu delicado queixo. Nos imperiosos olhos pintados de azul de
uma dama, viu os seus.
Era uma sensação maravilhosa ter este conhecimento de
pertencer. Cecily sentia pena de Jemima, que não teve
absolutamente nenhuma oportunidade de se conectar com
sua própria história familiar. Mas Cecily não estava lá para
rastrear a sua própria ascendência.
Estava procurando um retrato com um rosto que não
conhecia.
O Duque se esmerava em cuidar de sua coleção. Sempre
dizia que não era realmente o dono deles, mas simplesmente
cuidava deles até que seus descendentes os herdassem. A
moldura de cada quadro levava uma placa de metal que
indicava quem eram seu artista e modelo.
Cecily estava segura de que teria notado se uma das
placas se lia Lady Letitia Hartley. Teria sido estranho
encontrar o retrato de um Hartley dentro da Loxwell House.
Não, ela procurava um retrato que não tinha placa. Ou,
pior ainda, eles o deixaram deliberadamente sem uma placa.
Poderia ter sido feito por seu pai, que com sua natureza
superprotetora, queria protegê-la de qualquer indício das
maldades passadas de sua família.
Cecily chegou quase ao final da galeria antes de
encontrar uma opção provável. Era o retrato de uma jovem
que não podia ter mais de dezessete anos. Usava um vestido
branco bordado com flores rosas quase infantis.
Havia algo no brilho de seus olhos marrons, a inclinação
de seu queixo que lembrava levemente Robert. Mas isso
poderia ser facilmente um produto de sua imaginação como
qualquer outra coisa.
Cecily olhou a placa ao lado do retrato: Young Girl,
Andrew Clearwell, 1765.
Havia muitas outras Garotas Jovens ou Damas Sem
Nome na galeria, mas algo sobre esta falou com Cecily.
Olhou-o mais de perto, examinando cada centímetro em
busca de pistas. A garota, poderia ser realmente Letitia?
Estava sentada em um banco do jardim, com um buquê de
flores na mão.
Essa mão chamou a atenção de Cecily. Por um instante,
não pôde acreditar no que estava vendo. A garota estava
usando um anel. Era muito pequeno para distinguir qualquer
inscrição, mas os dois pontos de pintura escarlate eram
inconfundíveis.
Um anel com rubis gêmeos.
— Você está interessa pela arte, querida?
Cecily deu um salto cheia de culpa por causa do retrato
enquanto sua mãe caminhava pela galeria em sua direção. —
Eu só estava…
— Esta é uma peça encantadora, não é? — A Duquesa a
interrompeu, unindo-se a ela para olhar o retrato. — Eu
sempre me perguntei que segredos existem por trás de seus
olhos.
— Sim, está certa — Cecily concordou. — Foi isso que
me fez parar para olhá-lo. Parece que guarda um segredo.
— Seu pai já contou alguma vez a história desse retrato?
— Perguntou sua mãe, com um toque de tristeza.
Cecily mal se atrevia a respirar. Estava congelada pela
indecisão, incapaz de incentivar a sua mãe a revelar a história
da pintura.
Acabou que o silêncio era a melhor opção que podia ter
escolhido.
— Na verdade, pertence à família Hartley. É algo
misterioso, como a pintura caiu em nossas mãos.
— Como se chamava?
— Acho que era lady Letitia. Ela era a jovem que se
mesclou nesse assunto desagradável que… — A Duquesa
ficou em silêncio. Talvez sentisse que estava dizendo muito. —
Sabe que eu não gosto de discordar de seu pai, querida. Faz
tempo, tivemos uma briga bastante forte sobre esse assunto
com a família Hartley. Ele sempre disse que eu não o entendia
totalmente, e devo admitir que nunca pude entender por que
esses enganos de tanto tempo atrás deveriam fazer parte nas
divergências de hoje. Mas ele tem suas razões. Ele sempre as
tem, e você sabe. E eu serei a primeira a admitir que o
marquês de Lilistone não tem feito nada para perdoar.
— Talvez devêssemos devolver o quadro aos Hartley —
sugeriu Cecily. — Isso parece um gesto amável, mesmo se a
gentileza não seja devolvida.
— Na verdade, nunca pertenceu a eles. O quadro foi
entregue a seu bisavô. Venderam para ele. A história diz que o
artista o trouxe para esta casa depois de ser desprezado por
lady Letitia, por quem se apaixonou. O velho Duque
procurava uma desculpa para se vingar dos Hartley depois
que eles denunciaram o sequestro do pobre lorde Thomas, e
comprou esta pintura como prova de que lady Letitia não era
a jovem inocente que dizia ser.
— Era verdade? — Perguntou Cecily. Tentou evitar
desviar o olhar de sua mãe para o anel no dedo de lady
Letitia. Ela ainda não tinha decidido o que aquele anel
significava…
— Não sei dizer. Seu pai diz isso, e não vejo utilidade em
discordar dele.
— E o pintor?
A Duquesa lançou um olhar penetrante para Cecily. —
Está muito curiosa hoje, Cecily.
— Oh não, não há nenhum motivo em particular para
isso — disse Cecily.
— Só sinto que não é de tudo correto que eu tenha um
conhecimento tão vago de minha própria história familiar.
Especialmente agora que o Marquês voltou para Scarcliffe
Hall. Parece-me que este velho problema voltou para nos
atormentar e, a menos que saiba o que é, não posso me
defender dele.
A Duquesa olhou de um lado para o outro da galeria
para verificar se não seriam ouvidas.
— É, minha filha — disse em voz baixa. — E sei o que
está pensando. Certamente, deve existir alguma maneira de
acalmar a tensão entre seu pai e o Marquês. Acredite em
mim, querida, já tentei. Inclusive localizei o pintor acusado na
cidade de Brampton, a menos de dezesseis quilômetros daqui.
Quando seu pai descobriu… — Fechou os olhos ao recordar.
— Foi a primeira vez que o vi realmente zangado. Não lhe
desejaria isso por nada no mundo, Cecily. Segue meu
conselho e fique longe disso. Só lhe trará problemas.
— Não pensarei nisso de novo, mamãe — disse Cecily.
Mentir foi tão sutil e fácil que se surpreendeu. Estava
acostumada a contar pequenas mentiras a seus pais. Faziam
que resultasse muito mais fácil se sair com a sua, mas esta
foi a primeira vez que sentiu que realmente tinha participado
de um completo engano. Ela manteve seu rosto
cuidadosamente composto para ocultar a culpa que lhe
rasgava.
— Mas tudo bem, não vim aqui para falar de retratos
velhos — disse a Duquesa. — Queria que soubesse que seu
pai e eu concordamos que sua amiga, a condessa de
Streatham, pode nos visitar pelo tempo que ela quiser. A
pobre garota teve tanta má sorte, ficar viúva em uma idade
tão jovem! Qualquer coisa que possamos fazer para ajudá-la,
faremos. Então vá em frente e lhe escreva já! Não quero que
seu pai a encontre aqui com o retrato de lady Letitia.
— Sim, mamãe. — Cecily inclinou sua cabeça
obedientemente e saiu da galeria. Ela virou-se para a porta e
encontrou sua mãe contemplando o retrato, profundamente
pensativa.
Foi reconfortante saber que ela e Robert poderiam
encontrar uma aliada em sua mãe.
Não se atreveu a lhe dizer ainda, mas talvez, quando a
verdade fosse revelada, só teria um pai com quem lutar.
Cecily foi imediatamente para seu dormitório para escrever
uma carta para Isabella e, ainda mais importante, para
Robert. Teria que pensar em algum suborno inteligente para
convencer Jemima a levá-la ao carvalho.
Mas quando se sentou para escrever a carta para Robert,
descobriu que sua mente estava muito confusa para pensar
com clareza. O que significava, que lady Letitia usasse um
anel que pertencia à família de seu sequestrador? Por que ele
estava escondido em Scarcliffe Hall?
Será que Letitia e Thomas não tinham sido inimigos, mas
sim… algo completamente diferente?
Cecily largou sua pluma. Talvez ela e Robert não tenham
sido os primeiros Hartley e Balfour a se apaixonar. Mas, se
tivesse razão, a primeira tentativa de unir suas famílias
resultara em ódio eterno.
O que seria dela e de Robert diante de uma história tão
trágica?
Cecilia deixou suas dúvidas de lado e escreveu o que
tinha ouvido da maneira mais coerente possível.
Ela já tinha posto sua fé em Robert. Agora, devia mantê-
la queimando intensamente.
18

Robert não cumpriu sua promessa. Encontrou a carta


deixada na cavidade do velho carvalho, e a lera muitas vezes,
mas ainda não a tinha queimado. Não poderia fazer isso até
que se lembrasse de cada palavra. Passou a noite com a carta
debaixo do travesseiro, como se a tinta e o papel fossem
suficientes para encher seus sonhos com Cecily. Quando
despertou pela manhã, tendo dormido sem sonhar, sentiu-se
amargamente desapontado.
O plano do Cecily era simples. Ela sairia para cavalgar
essa manhã com a complacente Jemima como sua
acompanhante, mas, em vez de fazê-lo nos arredores do
imóvel Loxwell, pegaria a estrada principal para Scarcliffe
Hall. Robert as encontraria no caminho em sua carruagem
mais rápida, que levaria os três a Brampton, a cidade onde
vivia Andrew Clearwell. Eles indagariam em volta até
encontrarem sua casa e, assim que o fizessem, perguntar-lhe-
iam sobre as origens do retrato de Lady Letitia e se realmente
era o anel Balfour que ela estava usando.
Robert não encontrou nada para se opor no próprio
plano, exceto pelo fato de Cecily não ter lhe dado tempo para
responder.
Era um maldito aborrecimento ela ter escolhido esse dia
em particular para sua busca.
Tinha prometido passar o dia com Hart, Northmere e
Beaumont - eles estavam tentando sair para caçar.
Não deixaria Cecily decepcionada por nada no mundo.
Além disso, estava tão intrigado quanto ela pela possibilidade
de que houvesse mais na história de Lorde Thomas e Lady
Letitia do que as lendas familiares contavam.
— Digo, Beaumont — disse, encontrando o Duque
tomando seu habitual café da manhã. — Pergunto se pode me
ajudar em um assunto um pouco delicado. Encontro-me em
uma situação em que tenho um certo dever de realizar esta
manhã e que não posso adiar.
Beaumont dobrou seu periódico e olhou para Robert
desconfiado. — Está suspendendo a caçada?
— Em absoluto! Certamente devem ir sem mim. Não,
simplesmente não poderei me unir a vocês.
Beaumont era esperto demais para pressionar Robert a
dar mais explicações. Sabia quando um homem tinha um
segredo que não compartilharia. — Quer que invente uma
desculpa para você?
— Se fosse tão gentil.
— Pensarei um pouco. — Beaumont voltou para seu
periódico, mas Robert sabia que sua mente ágil estava dando
voltas no problema enquanto lia.
— Acho que Hart não deveria saber sobre este… certo
dever?
— Não se puder evitar. — Robert percebeu que ainda
estava segurando a carta na mão. Graças a Deus que
Beaumont estava fazendo todo o possível por ignorá-la! O
homem podia ser absolutamente confiável.
— Isto tem algo há ver com Hart aparecer com seu olho
roxo? — Perguntou Beaumont. — Não tenho nenhum desejo
de cair no meio de uma briga entre irmãos.
— Hart caiu de um cavalo, como bem sabe — disse
Robert brandamente. Beaumont não se deixou enganar.
— Não sei se eu gosto de todo esse segredo e risco,
Scarcliffe. Você nos convidou aqui para um verão de
relaxamento, não de intrigas. Você e Hart chegaram aos
golpes por algo, e qualquer homem com um pouco de
criatividade pode vê-lo.
Robert suspirou. Deixou a acusação de Beaumont pairar
no ar por alguns instantes enquanto considerava como
respondê-la. Seria errado dizer toda a verdade, naturalmente
ele confiava em Beaumont, - mas não podia lhe pedir que
escondesse um assunto de tal magnitude como seus
encontros com Cecily - entretanto, uma mentira lançada sem
mais estava fora de questão. Beaumont veria através dele em
um instante.
Seus dedos acariciaram a carta que Cecily lhe tinha
escrito enquanto respondia. — Brigamos por uma mulher.
Agora somos amigos novamente.
— E ainda assim está me pedindo que minta por você. —
O tom de Beaumont era decididamente irritante. — Muito
bem. E se dissermos que tenho um assunto de negócios
particular em Loxton, e que pedi sua opinião a respeito?
— E empilhar um mistério sobre outro? Parece sábio
para você? Além disso, isso significaria que você também terá
que perder a caçada.
Beaumont pigarreou. — Acontece que tenho um assunto
de negócios em Loxton, e, embora não pretendesse lidar com
ele hoje, também posso aproveitar a oportunidade e ajudá-lo
ao mesmo tempo. Se pedir uma carruagem para nós dois, irei
com você até a estrada de Loxton. Depois nos separaremos e
seguiremos com nossos assuntos separados. Você me fará a
cortesia de não me perguntar o que poderia ser. Afinal, eu
não o pressionei por informações.
Robert tentou reprimir um sorriso. Quando Beaumont
ficava sério, como estava agora, odiava que sorrissem. — Nós
dois temos nossos segredos. E se Hart me perguntar que tipo
de negócio requer minha opinião?
Beaumont levantou uma sobrancelha. — Se lhe disser
que é particular, não se atreverá.
Certamente era muito útil ter um Duque poderoso como
amigo. Satisfeito, Robert sentou-se para tomar um café da
manhã abundante com ovos, toucinho e torradas.
Precisaria de forças para as aventuras do dia.
Como fazia com muita frequência estes dias, sua mente
se dirigiu para Cecily. O que estava fazendo nesse momento?
A que hora da manhã se levantou? Quais eram seus hábitos
diários? Cada pequeno detalhe de seu tempo era tão
fascinante para Robert como a cena final de uma nova peça.
Queria conhecer Cecily profundamente, intimamente,
completamente. Queria memorizar a maneira como ela
tomava seu chá e a maneira como amarrava seu chapéu.
Em resumo, tinha uma fome insaciável de começar uma
vida com ela cheia de felizes minúcias domésticas. O comum
nunca pareceu tão extraordinário como quando Cecily o
realizava. Sua separação forçada o aprofundava a cada
momento que passava.
Robert estava tão absorto em seus pensamentos que mal
notou seu pai entrar na sala.
O duque de Beaumont, felizmente, não foi tão negligente.
— Bom dia, meu querido marquês! — Exclamou,
levantando-se de seu assento com um grau de entusiasmo
desconcertante. — Posso confiar que você está se sentindo
melhor hoje?
— Toleravelmente melhor — suspirou o pai de Robert,
sentando-se em uma cadeira com uma careta de dor. —
Esperava me encontrar me preparando para minha partida,
Sua Excelência, receio ter que decepcioná-lo. Temo estar
incomodando você por algum tempo mais.
— Absolutamente! — Para surpresa de Robert,
Beaumont levantou-se de sua confortável cadeira e foi sentar-
se ao lado do Marquês. — Deve se recuperar completamente
antes de pensar em viajar!
O marquês deu um sorriso amável, agradecido pela
atenção. — Receio que a noção de recuperar a saúde por
completo na minha idade esteja fora de discussão. Mas
agradeço sua preocupação, Sua Alteza.
— Estou particularmente contente de vê-lo esta manhã,
— Beaumont continuou fazendo desta conversa a mais
extensa que tinha mantido com o pai de Robert. — Porque há
um assunto em particular que queria discutir com você.
Agora que tive um pouco de tempo para explorar o bosque ao
redor de Scarcliffe Hall, devo dizer que o acho
excepcionalmente bem mantido…
— Oh, mas deve dirigir todas suas perguntas sobre a
gestão das terras para Robert — disse o Marquês, assinalando
seu filho. — Ele é o perito!
— Não! — disse Beaumont, um pouco muito agudo. Ele
se moveu em sua cadeira para que, o marquês tivesse que
apartar o olhar de Robert e ficar de frente para ele. — Não,
meu querido Marquês, acredito que não há outra explicação
para seu cenário superior além de várias décadas de boa
gestão, por isso parece-me que devo lhe fazer várias
perguntas…
Enquanto falava, sua mão direita deslizou atrás de suas
costas e a apertou em um punho com urgência. Robert
compreendeu imediatamente que estava tentando de lhe dizer
algo, mas o quê.
Que motivo Beaumont tinha para distrair o Marquês?
Foi então que Robert percebeu que ainda segurava a
carta de Cecily em sua mão. Sentiu um calafrio de medo tão
repentino como se alguém tivesse derramado gelo por suas
costas.
Com seu pai adequadamente ocupado, Robert amassou a
carta em uma bola apertada e a jogou no fogo. Era um dia
muito quente para que o fogo estivesse aceso, mas a carta se
queimaria até virar cinzas essa noite.
Sentiu um remorso ao destruir algo que tinha a letra de
Cecily. Que sentimental se tornou! Tocou o local em seu peito,
onde estava o anel Balfour, escondido sob sua roupa. Logo, se
tudo saísse como o planejado, ele e Cecily levariam cada um
símbolos mais duradouros de seu amor.
— Tem frio, Robert? — Perguntou o pai, afastando seu
olhar do duque e fixando-o em Robert.
— Frio, pai?
— Está parado junto a lareira? — O olhar do Marquês se
estreitou. — Passa algo?
— Não passa nada. Simplesmente estava esticando as
pernas. — Robert não se sentou à mesa, mas caminhou para
a porta como se estivesse passando à toa. — Sobre seu
assunto privado, Beaumont?
— O assunto privado?
— Sim, esse. Irei procurar uma carruagem para nós dois.
— Não vai caçar hoje? — Perguntou o Marquês. Robert
amaldiçoou sua natural falta de astúcia. Não foi feito para
intrigas.
— Tenho um assunto pessoal que tratar em Loxton —
disse Beaumont preguiçosamente.
— Hart e Northmere terão que caçar sozinhos.
O Marquês o olhou durante um momento como fosse
fazer mais perguntas, mas o olhar gelado de um duque foi
suficiente para reduzir qualquer homem ao silêncio. — Tenho
certeza de que os outros cavalheiros ficariam bem sem você.
— Calma. — Beaumont tomou um sorvo de café. —
Estarei com você em breve, Scarcliffe. Obrigado por sua ajuda
neste... assunto privado.
— É um prazer — disse Robert, com toda honestidade.
Seu coração estava batendo forte quando saiu da sala de café
da manhã. Seu pai não era um homem fácil de enganar.
Enquanto se dirigia aos estábulos para pedir uma
carruagem, sua mente retornou à carta que tinha deixado na
lareira. Não estaria realmente a salvo até que se queimasse.
Quão certo estava de que seu pai não a tinha notado?
Robert tentou acalmar seus nervos crescentes. Mesmo
que o Marquês tivesse notado a carta, seria muito estranho
que ele chegasse tão longe ao ponto de recuperá-la e lê-la.
Além disso, estava quase seguro de que não a tinha visto.
Realmente não tinha nada com que se preocupar.
19

Cecily não estava nem um pouco nervosa enquanto


esperava na estrada arborizada para que aparecesse a
carruagem de Robert. Era um dia bonito e claro de verão.
Fragmentos de luz caíam verdes e dourados através das
árvores dominantes, iluminando tudo com uma beleza etérea.
O próprio ar parecia cantar uma melodia de esperança e
promessa futura.
Tinha amarrado seu cavalo em uma árvore um pouco
afastado da estrada, e se retirava para a sombra toda vez que
passava uma carruagem. A estrada entre Scarcliffe Hall e
Loxwell Park não era exatamente frequentada por conhecidos,
mas não seria bom vê-lo onde não deveria estar alguém que
pudesse transmitir a mensagem a seu pai. Cecily tinha
permissão para sair sozinha, já que Jemima acordou essa
manhã com um resfriado, mas certamente não devia sair de
casa e ir para Scarcliffe Hall sem sequer uma criada.
Entretanto, estava muito feliz de estar realmente
preocupada com a perspectiva de ser vista. Logo estaria nos
braços de Robert novamente, e isso foi suficiente para enchê-
la de alegria.
Quando a próxima carruagem a alcançou, escondeu-se o
suficiente para passar despercebida enquanto olhava para ver
quem poderia ser. Era uma carruagem pequena, com a libré
coberta, indo tão devagar que pensou que poderia estar
procurando alguém. Quando se aproximava, Cecily saiu à
estrada. Tinha visto quem a conduzia.
Robert pulou da carruagem e a pegou nos braços,
girando-a até que ela estivesse tonta. — Minha Cecily!
— Robert — ela respirou. Havia tanto peso por trás da
forma que disse seu nome que ele parou por um momento
antes de beijá-la, reconhecendo-o com um olhar de emoção
não expressa.
— Senti saudades — disse, colocando sua cabeça sobre
seu ombro. — Não teria pensado que fosse possível sentir
saudades de alguém tão profundamente nos conhecendo em
tão pouco tempo, mas assim é.
— Eu também senti saudades — disse Cecily. Seu
coração cantava de alegria. — Mas não demorará muito
tempo até que estejamos preparados para nos tornar
conhecidos ao mundo.
Ele levantou o queixo para poder olhá-la nos olhos. —
Realmente acha isso?
— Não posso deixar de acreditar. Nunca desejei algo
tanto em minha vida. Não posso pensar que o destino seria
tão cruel para nos negar isso. — Ela deixou que os dedos de
cada mão se entrelaçassem com os dele. — Não quando
nossos sentimentos são tão sinceros.
Robert a beijou de novo e o som do canto dos pássaros se
desvaneceu a seu redor. O mundo em si era um sonho
distante. Nada importava, exceto a sensação celestial de seus
lábios sobre os dela.
Nada, exceto os cascos que se aproximavam
rapidamente, que quebraram o silêncio da manhã.
Cecily se afastou de Robert instintivamente. — Alguém
está com pressa — ela disse, envergonhada por seu medo.
— Rápido, entre no carro — disse Robert, oferecendo sua
mão para ajudá-la. — Não devemos deixar que ninguém nos
apanhe juntos, não até que ambos estejamos a salvo em
Scarcliffe Hall e Loxwell Park. — Olhou em volta, de repente
confuso. — Onde está Lady Jemima? Deveria estar
acompanhada, pelo menos...
— Jemima não estava bem. Não se alarme. — Cecily teve
a solução perfeita. — Se alguém em Brampton estiver
interessado, dir-lhe-emos que somos um casal de recém-
casados que vieram visitar a área em nossa lua de mel.
— E se formos reconhecidos?
— É muito gentil que se preocupe!
A julgar pela expressão de Robert, ele não achou sua
risada reconfortante. Desamarrou seu cavalo da árvore e
amarrou as rédeas na parte traseira do carro, antes de ficar
ao lado de Cecily. Estava a ponto de enviar aos cavalos para
trotar quando um grito surgiu atrás dele, parando-o em seco.
— Robert! Espera!
Cecily virou-se para ver que o cavaleiro galopante tinha
dobrado a curva da estrada e não era outro senão Lorde
Jonathan Hartley.
— Seu irmão! — Ela ofegou. Não havia possibilidade de
se esconder. Já tinha visto o rosto dela.
Cecily deixou cair a cabeça entre as mãos, como se isso
fizesse algum bem agora. A lembrança de seu último e
doloroso encontro com Lorde Jonathan estava marcado em
sua mente. A última coisa que queria era encontrá-lo
novamente, especialmente em circunstâncias tão
comprometedoras.
Robert a abraçou. Ela encolheu os ombros, horrorizada.
— Quer revelar tudo?
— Não há nada a esconder, Cecily. Receio que nunca fui
um professor do engano. Hart sabe o que aconteceu entre
nós. Não vai dizer.
Cecily mal teve tempo de se perguntar sobre as palavras
de Robert antes que Lorde Jonathan os alcançasse. Deteve
bruscamente seu cavalo, manteve-se magistralmente em seu
assento enquanto o sacudia, e passou os olhos por Cecily com
uma expressão que seu olho esquerdo machucado e inchado
tornava ainda mais ilegível.
— Está em perigo — disse secamente. — Não me
pergunte como o pai descobriu seu plano, porque não me
disse isso. Certamente não tive nada a ver com isso. Mas está
se aproximando de nós neste exato momento. Não pude fazer
nada além de selar meu cavalo e vir na frente dele.
— Ele sabe? — Robert perguntou, uma nota de pânico
grudada em sua voz. — Ele sabe de tudo?
— Parece que sim. Ele reuniu um grupo de homens para
atuar como testemunhas, e tem a intenção de fazer do
comportamento de Lady Cecily uma questão de ridículo
público.
— Não! — Cecily ofegou. — Não pode, ainda não, é muito
cedo!
— Minha Lady — Jonathan disse, reconhecendo sua
presença com um breve aceno antes de se virar para Robert.
— O pai enviou homens pelo bosque a cavalo para bloquear o
caminho. Não sei dizer se já estão à frente. Não descobri o que
ele estava fazendo até que foi tarde demais.
— Obrigado, Hart — disse Robert, com sentimento. —
Isso significa mais para mim do que posso dizer para você
estar do meu lado nisso.
Jonathan fez um gesto irônico a seu olho roxo. — Eu fiz
meus sentimentos conhecidos sobre este assunto. Não acho
que seja útil continuar discutindo meu ponto. — Olhou para
a estrada atrás deles, como se esperasse o marquês e seus
homens se aproximarem. — Não quando as coisas já
tomaram seu curso.
— Devemos escondê-la no bosque — disse Robert,
saltando do carro e estendendo seus braços para levantá-la.
— Não se assuste. Mantê-la-ei a salvo.
— O pai procurará no bosque — disse Jonathan. — Não
vejo como pode escapar disto, Robert. Só vim te dar um aviso.
— Nenhum de vocês pensou em me perguntar o que
acho que deveríamos fazer — disse Cecily. Os dois homens a
olharam: Robert com cálida admiração, Jonathan com frieza
disfarçada. Ela levantou o queixo com orgulho. — Serei
perfeitamente capaz de escapar dos homens de seu pai por
minha conta.
— Como vai fazer isso, minha Cecily?
— Superá-los-ei, é claro — Cecily correu para desatar
seu cavalo atrás do carro.
— Você? — Perguntou Jonathan, incrédulo. Cecily
montou seu cavalo com uma graça elegante que sabia que
esclareceria sua destreza.
— Será difícil encontrar um cavaleiro melhor do que eu,
meu senhor — disse. Ela não se gabava. Era a pura verdade.
— Você realmente acha que pode escapar deles? —
Jonathan perguntou. Cecily assentiu com a cabeça. Pensou,
embora não estava muito segura, que viu um leve indício de
respeito em seus olhos. — Então lhe desejo toda a velocidade
do mundo.
— Hart, me dê seu cavalo — exigiu Robert. — Não
permitirei que Cecily vá sozinha.
— Não deve pensar em me seguir — disse Cecily. Ela se
inclinou sobre seu cavalo e lhe deu a mão para apertá-la. —
Não há vergonha em que ser pega cavalgando sozinha no
bosque. Mas se estiver comigo, meu amor...
— Sim, entendo seu ponto — disse Robert. Uma ruga de
infelicidade se formou entre suas sobrancelhas. Era uma
expressão que nunca tinha visto antes e, apesar do perigo,
descobriu que tinha coração suficiente para se deleitar. Cada
nova faceta de Robert era uma alegria para ela.
— Eu não gosto, mas sou obrigado a aceitar. Hart,
voltarei com você. Que não se diga que tenho medo de
enfrentar nosso pai.
— Encontre-me em Brampton — sussurrou Cecily, antes
de chutar o cavalo. Afastou-se por entre as árvores o mais
rápido que os arbustos permitiam, deixando que seu cavalo
saísse do caminho. Atrás dela, escutou Robert chamar seus
cavalos e começar a virar o carro.
Ela não invejava a reunião que ele teria com seu pai.
Segundo todos os relatos, o marquês de Lilistone era um
homem temível, embora tenha diminuído um pouco em sua
velhice. Mas, tinha demonstrado que Lorde Jonathan temia
bastante na última reunião, e ele era apenas o filho mais
novo!
Era uma prova de seu afeto por Robert, que tinha
conseguido deixar de lado sua desconfiança dela para ajudá-
los. Cecily sentiu pela primeira vez que um dia estaria feliz de
ser membro da família Hartley. Havia mais do que ela
suspeitava.
Virou seu cavalo para o norte, continuando pelo bosque
ao longo de sua melhor suposição paralelo à estrada. Seu
ritmo era frustrantemente lento, açoitado o tempo todo por
ramos caídos ou vegetação rasteira. A certa altura, escutou
cavaleiros que vinham do Norte, e foi forçada a voltar vários
passos até que mais uma vez não conseguia ouvi-los.
Cecily levou alguns minutos de paz para relaxar
novamente e sentir que estava longe o suficientemente para
escapar da captura. O plano do marquês tinha falhado.
Nada a impediria de chegar a cidade de Brampton e
descobrir a verdade.
20

Hart cavalgava ao lado do carro de Robert em um


silêncio tenso. Robert não sabia dizer se seu irmão estava
mais angustiado porque se encontrou com Cecily, ou se
achava que não tinha confiado nele desde o início.
— Onde está Beaumont? — Hart perguntou,
eventualmente. — Pensei que estava com você.
— Tem sua própria intriga em Loxton. Saiu do
cruzamento e se dirigiu a pé.
— Essa não é forma de um duque abrir caminho.
Pergunto-me o que fará.
— Não me atrevi a perguntar. — Robert tossiu. — Foi
bom o suficiente para os meus próprios segredos, afinal.
Hart lançou-lhe um olhar de profunda dor, mas não fez
nenhum comentário.
Robert teria que encontrar alguma forma de compensá-
lo. Tinha julgado mal a lealdade de seu irmão.
— Prepare-se — murmurou Hart, enquanto dobravam
uma curva. Robert sentou-se ereto e orgulhoso em seu carro,
vendo o grupo de homens que o esperava na estrada à frente.
Ele se recusou a deixar seu pai o intimidar.
Hart trotou diante dele, gritando alegremente. — Bom
dia, pai! Bom dia, todos vocês, cavalheiros! Que grande
reunião todos nós temos!
— Hart! — Grunhiu o marquês, que mantinha em seu
assento em seu próprio cavalo com admirável equilíbrio, dado
a dor que sua perna devia ter causado. — Deveria ter te
vigiado mais de perto! Não me diga que também está
envolvido neste engano.
— Sou totalmente incapaz de enganar de qualquer
maneira, pai — disse Hart com desprezo. Acomodou seu
cavalo um pouco à frente da multidão, encarando seu pai com
um ar de desafio casual.
Robert apreciou o apoio de seu irmão, mas esta era uma
batalha que estava decidido a lutar por si mesmo. Saltou do
carro antes que parasse completamente e encarou o pai.
— Bom dia, pai — disse, protegendo os olhos do sol
enquanto levantava a vista para encontrar os olhos do ancião.
— O que te traz neste bom dia?
O marquês assinalou para seus homens. — Procura
nesse carro — ordenou.
Não havia muito o que procurar. Era apenas um carro de
dois cavalos. Os homens subiram de um salto e pisotearam os
assentos como medida. — Ninguém aqui, meu Lorde!
— Então, se espalhem pelo bosque. Ela não terá se
afastado muito.
Robert só podia esperar que Cecily fosse tão boa
amazona como ela dizia. Recebeu um aceno tranquilizador de
Hart, que estava observando o desenrolar dos acontecimentos
com total falta de preocupação.
Sim. Não tinha motivos para duvidar do orgulho de
Cecily. Não só isso, mas tinha uma vantagem inicial. Ela já
estava longe do alcance de seu pai.
Isso deu a Robert um pouco de conforto quando a raiva
do marquês se voltou totalmente contra ele.
— Você trouxe vergonha para nossa família! — Grunhiu,
brandindo a carta amassada que Robert tinha deixado na
lareira.
— Perdão, pai. Não percebi que fazer um curto passeio
pelo campo iria vergonhá-lo.
— Sabe muito bem do que estou falando! — Uma
mancha de saliva voou da boca do marquês para a bochecha
de Robert. Ele pegou um lenço e a limpou lentamente.
— Terá que ser mais explícito, pai. Qual de meus muitos
pecados o ofendeu mais recentemente?
— Advirto-lhe, Robert, não estou de humor para seus
jogos. Onde está Lady Cecily?
— Não posso dizê-lo. — Robert estava
desconfortavelmente consciente de que seu pai estava fazendo
a cena na frente de muitas testemunhas curiosas. Fez um
esforço por acalmar a situação. — Pai, talvez devêssemos falar
sobre isso em casa…
— Acha que tenho a intenção de deixar você voltar para
Scarcliffe Hall depois desta desgraça? — Os olhos do marquês
se dilataram. — depois de negligenciar a oportunidade de
finalmente se vingar dos malditos Balfours?
— Não me interessam suas ideias de vingança e insultos
ancestrais para aqueles mortos há muito tempo — disse
Robert, sentindo seu próprio temperamento crescer. — Se
tivesse algum senso, pai, você teria deixado de lado essa
inimizade há muito tempo…
Captou a careta de Hart pela extremidade do olho. O
marquês não era conhecido por aceitar bem as críticas.
— Encontraremos Lady Cecily — cuspiu. — Vou ter que
arrastá-la aqui pelos cabelos se for necessário. E quando a
encontrarmos.
— Não fará nada. Não é um delito circular nas vias
públicas.
— Menino tolo! — Gritou o marquês, frustrado. — Pensar
que poderia ter sido o vingador de Letitia de uma vez por
todas! Realmente desperdiçou sua oportunidade com um
amor tolo? Onde está sua lealdade? Onde está seu orgulho,
sua honra?
— Estão bastante seguros, pai, e sob a custódia de Lady
Cecily.
— Arrependerá de me desafiar — disse o marquês,
inclinando-se para frente na sela com uma ameaça sombria
em seus olhos. — Você pode ser meu filho e herdeiro, mas
não hesitarei em fazer você se arrepender do seu desafio
atual. Andrews! — Chamou bruscamente o lacaio que estava
ao lado do seu cavalo. — Ajude-me a sair desta besta. Não
tenho medo de ver meu filho cara a cara.
— Isso me parece uma péssima ideia, pai — disse Hart,
desmontando rapidamente. — Aqui, Robert. Pega meu cavalo.
É melhor você ir para casa até que os ânimos esfriem.
— Não fará tal coisa! — Rugiu o marquês. — Homens!
Agarrem esse cavalo!
— Meus senhores! — Berrou Northmere, cavalgando para
impedir que os homens seguissem as ordens do marquês. —
Isto me parece um tipo singular de loucura.
Seu cavalo saltou e sacudiu a crina enquanto o conduzia
de um lado para o outro pelo caminho, detendo os homens do
marquês em seu caminho.
— Isso não lhe diz respeito, Northmere, — grunhiu o
marquês.
— Entretanto, estou profundamente preocupado com o
que ouvi — disse Northmere. Robert estava impressionado
com os nervos de seu amigo. Não deveria ser possível para um
simples barão desafiar um marquês. Mas Northmere nunca
foi um dos que apoiavam a convenção. — Se seu objetivo hoje
é manchar a honra de uma dama inocente, tenho a honra de
detê-lo.
— Aquela mulher Balfour está longe de ser inocente!
— Robert, perdeu completamente o juízo? — Exigiu Hart,
sacudindo-o. — Suba nesse cavalo e saia daqui! Encarregar-
me-ei do pai.
O orgulho de Robert se rebelou com a ideia. — Não vou
deixar você lutar minhas batalhas por mim, Hart.
— Às vezes a discrição é a melhor parte do valor. — Hart
colocou a mão em cada um dos ombros de Robert e o
conduziu para o cavalo. — Deixa que a comoção desapareça.
Seria desaconselhável enfrentar o pai antes que ele esteja
calmo.
— Vá e se esconda até que seja o momento adequado.
Está prejudicando sua causa ao ficar.
Robert não podia negar a lógica das palavras de seu
irmão. Montou o cavalo e o chutou em um galope, avançando
rapidamente ao longo da estrada para o norte. Uma vez que
perdeu de vista os homens de seu pai, se virou para
atravessar o bosque.
Quão último queria fazer era se encontrar com a festa
que seu pai tinha enviado para bloquear o caminho.
Atordoado por seu temperamento, chegaria a Brampton em
menos de uma hora. Então, com um pouco de sorte, poderia
chegar ao fundo do velho rancor que tinha causado tanta dor
à sua família.
E, se não podia resolver o mistério, havia apenas uma
coisa a fazer.
Ele e Cecily estariam a caminho de Gretna Green antes
que o dia terminasse.
21

Cecily esteve cavalgando pela estrada de Brampton por


mais de uma hora, e ainda não estava calma o
suficientemente para evitar olhar para trás a cada dois
minutos para se certificar de que não a seguiam. Felizmente,
encontrou-se com alguns granjeiros com carros cheios de
produtos que se arrastavam na direção oposta. Nada que
possa fazer seu coração bater mais rápido.
Quando ela viu o cavaleiro se aproximando dela a um
ritmo considerável, então, foi tudo o que pôde fazer para não
galopar.
— Respira — disse a si mesma severamente. — É um
homem. Não está sendo caçada por um homem, mas sim por
muitos. Não chame a atenção sobre si mesma. Não há nada a
temer.
Ela armou-se de coragem para não voltar a olhar para
trás até que passaram alguns momentos. Quando finalmente
cedeu à tentação, a visão que seus olhos encontraram
provocou um grito de alegria.
Era Robert.
Ela virou seu cavalo e trotou para encontrá-lo.
— Cecily! — Robert chamou. Aproximou seu cavalo do
dela e estendeu a mão para agarrá-la. Ela soltou as rédeas
completamente e pôs suas duas mãos ao redor das dele,
mantendo seu assento ao lado com absoluta facilidade. —
Graças a Deus que está a salvo. Está bem? Ninguém tentou te
machucar?
— Não vi ninguém em toda a viagem aqui, — disse
Cecily, sem deixar de notar a irritação nos olhos de Robert. —
O que se passou? Esse é o cavalo de Lorde Jonathan, não?
Reuniu-se com seu pai?
— Não saiu como esperava — disse Robert
sombriamente. — Receio que devemos planejar o pior. Se este
Sr. Clearwell não tiver nada a dizer para nós...
— Não imagine coisas ruins antes que elas aconteçam —
Cecily o repreendeu. — Devemos esperar o melhor.
Robert balançou a cabeça. — Tenho a intenção de me
casar com você independentemente do que descobrirmos hoje.
Parece-me que será uma tarefa mais fácil reconciliar nossas
famílias quando nos casarmos.
O coração de Cecily acelerou com uma combinação
embriagadora de nervos e emoção. — Não pode desejar fugir?
— Por que não?
— Robert, o escândalo!
— Mas devo ter você, Cecily — disse suavemente,
enviando uma onda de prazer através de seu peito. — Acho
que já não posso ficar sem você. Você pode dizer que se
casará comigo, independentemente das consequências?
— Então, isto é amor — murmurou Cecily, não ousando
dizer as palavras. Na verdade, ela sabia disso há algum
tempo. Robert tinha entrado em seu coração tão rápido e
completamente que teria sido a maior crueldade descobrir que
ela não o tinha cativado em troca.
— É amor. — Robert parecia tão surpreso com as
palavras quanto ela. — Nunca pensei que me casaria por
amor.
— Eu tampouco — Mas não há mais nada a fazer, Cecily.
Meu coração é seu.
Cecily brilhava de felicidade. — E eu sou sua. De
verdade, e para sempre.
— Então está de acordo? Virá comigo a Gretna Green?
Cecily hesitou apenas por um momento. O rosto de seu
pai apareceu no olho de sua mente, tão arrepiado e brusco
como sempre. Como receberia a notícia de que sua única filha
escapou com um Hartley?
Não havia como evitá-lo. Ficaria devastado. Ele nunca
poderia perdoá-la.
No entanto, sua mãe... sua mãe tinha tentado uma vez antes
curar a rachadura. A confiança de Cecily aumentou um
pouco. Sua mãe não a abandonaria. E sempre teria Jemima,
sem mencionar os amigos sólidos que tinha como a duquesa
de Redhaven e a condessa Streatham. Nunca seria uma pária
da sociedade, sozinha, possivelmente, no coração de seu pai.
— Se é isso o que deseja, eu vou — disse. Todo o corpo
de Robert relaxou visivelmente com suas palavras. Não havia
percebido até esse momento o quão vulnerável se tornara
quando lhe perguntou. Supôs que ele não estava acostumado
a arriscar seu coração.
— Então será condessa de Scarcliffe antes de que
termine a semana — disse.
Cecily quase saltou com a estranheza do título. Condessa
de Scarcliffe! Isso levaria um tempo para se acostumar.
— Não há necessidade de abandonar nosso plano de
reconciliar nossas famílias — disse. — Necessitaremos de
todas as armas à nossa disposição para vencer o ódio que têm
um pelo outro. Vamos passar rapidamente por Brampton e
ver o que pode ser descoberto ali.
Agora não estavam muito longe da cidade, e o resto da
viagem transcorreu rapidamente. Cecily tinha esquecido seu
medo. Seu caráter nunca tendia à miséria, e a perspectiva de
uma próxima solução para seus problemas foi suficiente para
levantar completamente seu ânimo.
Robert se animou com menos facilidade. Não entrou em
detalhes sobre seu encontro com o pai, e ela não o
pressionou. Tinha certeza de que ele falaria disso quando
estivesse preparado. Enquanto isso, distraiu-o com uma
conversa alegre e suposições divertidas sobre como seriam
suas vidas juntos.
— Sairemos todas as manhãs, sob a chuva, a neve ou o
sol — disse com determinação.
— E, quando celebrarmos jantares, não serviremos
pescado, porque não posso suportá-lo.
— Devemos fazer muitos eventos? — Robert perguntou,
um leve sorriso começando no canto de sua boca.
— É claro. Naturalmente! Jemima ficará conosco — Não
sonharia em te negar nada.
— E tenho muitos conhecidos em Londres que
simplesmente desejarão visitar Scarcliffe Hall. E devemos ter
a sua irmã para visitar! Ela está casada ultimamente, não é?
Seremos um casal de recém casados muito cômodos.
Pretendo me tornar sua melhor amiga.
— Você gostará, — disse Robert. — Ambas têm o mesmo
desprezo pela propriedade.
— Meu Deus, Robert! Como pode dizer algo assim? —
Cecily levantou o nariz, interiormente contente por ele ter
recuperado seu espírito o suficiente para zombar dela. —
Nunca sou nada menos do que a altura da propriedade.
— Veremos quão primorosa e apropriada é esta noite,
quando estivermos sozinhos juntos em um dormitório da
estalagem sob os nomes de senhor e senhora Somerville, os
dois recém-casados e felizes — disse Robert. Sua voz era
profunda e grave de uma maneira que fez Cecily se
estremecesse com algo mais que alegria.
— Mas o que, Cecily? — Riu Robert. — É um rubor o que
vejo? Certamente que não.
Cecily tocou as bochechas, que brilhavam intensamente.
— Não estou ruborizando.
— Não?
— É simplesmente o esforço da viagem.
— Ah. Muito certo.
— Agora recordará que é um cavalheiro, e se absterá de
brincar mais sobre tais... assuntos íntimos.
— Estava brincando? — Robert conseguiu manter seu
olhar firme enquanto seu corpo se movia com o trote do
cavalo. — Tinha a intenção de falar sério.
Cecily baixou os olhos. Não estava acostumada à
sensação de estar realmente apaixonada por Robert. Quando
lhe lançou um de seus olhares sombrios, seu coração
respondeu com uma emoção tão avassaladora que foi quase
dolorosa. Tinha perdido o domínio de si mesma que sempre
tinha apreciado. Pior ainda, não se importava.
Chegaram a Brampton exatamente quando a tarde
estava mais quente. Cecily esperou com os cavalos enquanto
Robert perguntava na estalagem onde poderiam encontrar o
senhor Andrew Clearwell. Trouxe-lhe um copo de água fria e
Cecily bebeu agradecida.
— Gostaria de poder cuidar melhor de você — disse
Robert, afastando uma mecha de cabelo dos olhos. — Todas
minhas provisões de viagem ficaram para trás no carro.
— Sou mais forte do que parece — disse Cecily com
firmeza. — Você descobriu o endereço do senhor Clearwell?
— Nós o encontraremos no extremo mais afastado da
cidade. Aqui, deixe-me encontrar um estábulo. Aluguei um
dormitório na estalagem hoje à noite.
Uma vez mais, Cecily sentiu esse pico de ansiedade
misturado com antecipação. Ela não queria decepcionar
Robert ao lhe pedir que pedissem dormitórios separados, mas
tampouco queria que ele acreditasse que podia tomar todas
as liberdades com ela antes de se casarem. Antes que ela
pudesse falar, Robert pareceu sentir sua preocupação.
— É pelo segredo — disse. — Se nos apresentarmos
como recém casados, precisamos de apenas um dormitório.
Não estou tentando seduzi-la. — Ele a olhou com esse
fascinante olhar sombrio. — Ainda não.
Cecily estava quase decepcionada.
Andrew Clearwell vivia em uma doce casinha nos
subúrbios da cidade. Cecily estava acostumada a visitar esses
lugares quando visitava os pobres de Loxton, mas desde o
pequeno jardim bem cuidado e a manutenção do teto de
palha, o Sr. Clearwell não estava vivendo na pobreza. Em vez
disso, a casa tinha o tamanho perfeito para um homem
solteiro de fortuna limitada.
Parecia exatamente como a casa de um pintor deveria
parecer, pensou Cecily, enquanto Robert bateu na porta
principal. Avaliação as paredes de arenito além de uma das
janelas do andar de cima, e o jardim estava cheio de
ordenadas fileiras de roseiras em plena e perfumada floração.
A porta foi atendida, depois de alguns momentos de
espera, por um ancião que usava um par de óculos de
armação de chifre e uma expressão benevolente. Parecia estar
esperando por outra pessoa, e quando viu Robert e Cecily,
seu sorriso rapidamente se converteu em um cenho franzido.
— Será melhor que entre — disse, sem se incomodar em
uma apresentação.
— Senhor Clearwell — disse Robert, — meu nome é…
— Posso adivinhar quem é.
Clearwell os conduziu a uma sala de estar pequena, mas
bem equipada. Cecily sentou-se em uma cadeira de balanço
de madeira e se balançou suavemente de um lado para o
outro enquanto observava o senhor Clearwell espiar pela
janela, como se esperasse ver alguém vindo atrás deles, antes
de fechar as cortinas.
— Aqui estamos — disse, uma vez que o mundo exterior
estava firmemente fechado.
— Podemos falar agora sem medo de que alguém nos
note. Ou, melhor dizendo, quem poderia notar você. — Ele se
virou e fez uma reverência estridente a Cecily. — Perdoe
minha franqueza. Frequentemente não tenho convidados tão
ilustres. Lady Cecily.
— Você sabe quem sou? — Cecily estava assombrada. O
senhor Clearwell se apressou para um pequeno gabinete
lateral, onde tirou uma garrafa alta de xerez.
— Sou um pintor, minha lady. Um retratista. Nunca
esqueço um rosto uma vez que pinto suas características.
Tem o perfil Balfour. Sua linhagem é um livro aberto para
quem sabe lê-lo.
Alarmada, Cecily tocou seu rosto, como se seus dedos
pudessem distinguir os contornos que ele reconheceu tão
facilmente. Se fosse assim tão simples descobrir quem era ela,
seus planos de fuga não seriam tão fáceis como tinham
esperado.
— Não se angustie — disse o Sr. Clearwell, pousando
três pequenos copos. — Não há muitos nesta terra que
possuam meus talentos. Você, meu Lorde — disse,
assinalando Robert, — deve ser o conde de Scarcliffe ou seu
irmão.
— Assim é. Sou Lorde Robert, o irmão mais velho.
— Posso lhe oferecer uma bebida? — O Sr. Clearwell fez
a pergunta quase como uma ocorrência tardia, a garrafa já
estava em sua mão.
— Obrigado — disse Cecily, quem não permitiria que o
encontro mais desconcertante a fizesse esquecer suas
maneiras. — Isso é muito amável.
— Certamente precisarei de um — disse o senhor
Clearwell enigmaticamente, e sorveu três copos de xerez. —
Acredito que não lhe surpreenderá, meu Lorde, que pintei a
um antepassado seu. — Olhou de Cecily para Robert com
uma expressão muito ardilosa. — Não posso te dizer como
fiquei chocado ao vê-los na porta. Trouxe-me lembranças...
Sacudiu a cabeça energicamente, como se essas
lembranças fossem uma fonte de dor que queria forçar nos
cantos de sua mente. Entregou as taças de xerez e levantou a
suas. — Deveríamos fazer um brinde — disse. — Para uma
feliz conclusão desse lamentável negócio entre suas duas
grandes famílias.
Robert levantou sua taça em silêncio. Cecily o seguiu.
Enquanto sorvia seu xerez, o senhor Clearwell tomou-o de um
só gole.
— Agora — disse, sentando-se. — Espero que tenham
algumas perguntas para mim.
22

Robert nunca teve uma recepção mais desconcertante do


que a que acabava de receber. O senhor Clearwell tinha a
aparência de um ancião doce, mas o comportamento de um
paranoico inválido. Robert observou com inquietação como o
senhor Clearwell se serviu de outra taça de xerez. A última
coisa que queriam era que o homem se embebedasse.
— Entendo que pintou uma foto de minha tia avó, Lady
Letitia Hartley — disse. Clearwell assentiu sombriamente. —
Essa pintura está agora em posse do duque de Loxwell. Como
caiu em suas mãos?
— Uma pergunta simples que justifica uma resposta
simples. Eu dei a ele.
— O que levou você a dar um retrato de Lady Letitia a
seus inimigos?
O senhor Clearwell sacudiu a cabeça com tristeza. — Não
eram seus inimigos na época. — Ele passou uma mão
cansada pela testa e suspirou. — Se puder, meu Lorde,
começarei do começo. Houve um tempo, quando era jovem no
começo de minha carreira, quando me tornei amigo de um tal
Lorde Thomas Balfour. Lorde Thomas acreditava ser um
patrono em ascensão das artes, veja bem, e me sinto
lisonjeado de ter sido um dos pintores mais talentosos desta
parte da Inglaterra. Conhecemo-nos em uma exposição de
meu trabalho e ele encomendou várias peças nos meses
seguintes. Alma amável e gentil, como se poderia esperar de
seu amor pela arte. Tratava a todos com respeito, do aldeão
mais baixo até os duques que eram os companheiros de seu
pai. Mas acredito que não exagero quando digo que ele e eu
fomos verdadeiros amigos, apesar da diferença de posições.
Quando aconteceu que Lorde Thomas se apaixonou, ele veio a
mim antes mesmo de seu pai. ‘Clearwell’, ele disse, ‘quero que
a pinte’. Pensei que estava se referindo a uma miniatura para
um relicário, mas Lorde Thomas tinha projetos mais
grandiosos. Trouxe-me a dama e me fez pintá-la com seu
anel. Fiquei surpreso como ela era jovem, só dezesseis anos. A
família dela: bom, não havia esperança de que seu pai
aceitasse seu matrimônio antes de que ela fizesse dezoito
anos.
— Era Lady Letitia — disse Cecily. — Reconheci o anel
Balfour no retrato. Oh, sabia! Sabia que estavam
apaixonados!
Estava tão orgulhosa de si mesma por resolver o mistério
que praticamente brilhava.
Robert não pôde evitar que seus olhos percorressem
amorosamente seu rosto radiante, mesmo sabendo que
Clearwell estava observando cada movimento com os olhos de
pintor em busca de detalhes.
— Se Lorde Thomas tinha um defeito, era impaciência —
disse Clearwell, sem mencionar o que viu entre Robert e
Cecily. — Ele não queria esperar até que o pai da dama
acreditasse que era prudente se separar dela. Lady Letitia
também estava ansiosa para se casar. Fizeram um plano aqui
em minha cabana para fugir juntos.
— Que romântico! — Cecily suspirou. — E, oh! Que
triste!
— Triste não é a palavra. — A voz de Clearwell se
quebrou com uma dor meio esquecida. — A próxima notícia
que escutei de meu amigo foi que tinha morrido em um
acidente de carruagem.
— E Lady Letitia estava com ele!
— A pobre menina — murmurou Robert. — Ver seu
amante morrer à beira da felicidade... Não é à toa que ela
ficou louca.
— Está se adiantando a mim, meu Lorde — disse
Clearwell. — Minha história ainda não chegou a essa
desafortunada conclusão. Agora, no momento que soube da
morte de Lorde Thomas, fui a Loxwell Park para oferecer
minhas condolências.
— Naturalmente, levei a pintura que tinha terminado
recentemente para ele. Não pensei em minha comissão,
marquem! Só que, como tinha ordenado Lorde Thomas, era
correto entregá-la à sua família. Sabendo que o então
Marquês, pai de Lady Letitia, não aprovava o amor entre o
jovem casal, não pude lhe entregar a pintura.
Clearwell passou a mão enrugada sobre a perna
enquanto falava. Robert supôs que sofria de dor artrítica,
embora fosse muito orgulhoso para demonstrar. Isso o
lembrou de seu pai: um pensamento que não poderia ter
agora sem uma pontada de arrependimento. — Ainda não
tinha ouvido falar, — continuou Clearwell — sobre os maus
sentimentos que surgiram entre as duas famílias.
— Seus filhos se amavam, mas não sabiam. A família de
Lady Letitia afirmou que ela foi sequestrada por Lorde
Thomas. O duque e a duquesa, naturalmente, negaram a
acusação. Culparam à carruagem dos Hartley pela morte de
seu filho.
— E foi no meio desse problema que você apareceu, com
a pintura? — A voz de Cecily estava cheia de simpatia.
— O duque tirou de mim sem dizer uma palavra do que
eu tinha planejado. Se eu soubesse... — Clearwell sacudiu a
cabeça com ironia. — Isso poderia ter me economizado muitos
problemas, e a Lady Letitia também. O duque usou o retrato
para me acusar como seu amante secreto. Perdi minha
posição entre a nobreza.
— Minha carreira esteve quase arruinada por isso. E
quanto à jovem dama...
— A própria família da qual tinha planejado fazer parte a
difamou no auge de sua dor. Com apenas dezesseis anos!
— Visitei-a, já sabe — disse Clearwell. — Foi o mínimo
que pude fazer depois da dor que lhe causei. Se souberam dos
rumores que nos cercam na casa dos inválidos, nunca o
mencionaram. Eu a visitava todos os meses. Quando um
surto de gripe finalmente a levou, eu estava ao seu lado. —
Sua voz começou a vacilar. — Devo dizer a última coisa que
ela me disse?
Robert não tinha certeza de que queria ouvir, por mais
que isso pudesse aliviar a mente do ancião. Preferia afastar-se
da escuridão. Cecily, entretanto, levantou-se da cadeira de
balanço e foi para o lado de Clearwell.
— Por favor, conte-nos. A história de Lady Letitia não
deveria morrer com ela.
— Ela disse: ‘Não se angustie, Andrew. Verei o amigo
mais querido que já conheci’.
— A pobre dama — murmurou Cecily. Ofereceu a
Clearwell um lenço, que usou para limpar os olhos.
— Bom, acabou — disse, com um brilho pouco
convincente. — Como são a maioria de minhas provas e
problemas, graças a Deus. — Tentando limpar a dor do
passado de sua mente, sua expressão se tornou ardilosa e
sábia. — Acho que seus próprios problemas ainda estão por
vir.
— Acho que adivinhou que circunstância trouxe um
Hartley e um Balfour à sua porta — disse Robert.
— Só desejaria que não estivesse tão claro. Olhar para os
dois me transporta cinquenta e cinco anos atrás. Não tenho
nenhum conselho para lhe dar. Se tivesse algum poder para
mudar a opinião de um duque e um marquês, teria feito isso
todos esses anos atrás.
— Já nos ajudou imensamente — disse Cecily. — Tudo o
que pediríamos é que venha conosco para falar com nossos
pais quando for o momento adequado. Sua história poderia
nos ajudar a deixar de lado anos de disputas.
Os ombros de Clearwell afundaram em alívio. — Então
não têm a intenção de fugir?
Cecily chamou a atenção de Robert. Ele entendeu sua
preocupação. Não parecia correto mentir para o ancião,
especialmente quando ele lhes havia dito tanto.
— Manteremos nossos sentimentos um pelo outro em
segredo até que nossas famílias se reconciliem — disse,
assumindo a carga da desonestidade. Cecily estava torcendo
uma mecha de cabelo ansiosamente em torno de um dedo.
Embora lamentasse seu desconforto, Robert considerou isso
um bom sinal. Embora sua história de amor exigia engano,
Cecily claramente apreciava a honestidade.
— Não permitirei que a história se repita — disse
Clearwell, com toda a autoridade de sua idade. — Conde ou
não, não aguentarei outra fuga. Não depois do problema que
causou a última.
— Tenha a certeza de que esse não é nosso objetivo —
disse Robert.
Não tinha medo de descobrir. Quando Clearwell se
inteirasse de que um jovem casal elegante estava hospedado
na estalagem local, estariam a salvo a caminho de Gretna
Green.
— Eu não gosto de mentir — disse Cecily, enquanto
caminhavam de volta para a estalagem, de braços dados. —
Não seria melhor, agora que sabemos a verdade, ir ver nossos
pais e ver se podemos fazer as coisas da maneira correta?
— Não vou forçá-la a fugir comigo — disse Robert,
embora não pudesse esconder sua decepção. Sua necessidade
de reivindicar Cecily como sua, aumentava a cada minuto que
passava. Já era uma agonia o tempo até que chegasse o
momento feliz.
Não tinha certeza se aguentaria esperar mais. — Mas me
parece o caminho menos arriscado. Uma vez casados, nossas
famílias não poderão nos separar.
— Será muito menos difícil lidar com isso se pudermos
apresentá-lo como um fato consumado.
— Tem razão — suspirou Cecily. Ela deixou cair a cabeça
no ombro dele. — Pelo menos, estou muito tentada para
pensar que você está errado.
Eles chegaram à entrada da estalagem, onde uma placa
com um cisne branco balançava suavemente com a brisa.
— Entramos, Sra. Somerville? — Robert perguntou, com
um sorriso irônico. Os olhos de Cecily estavam arregalados e
azuis, meio esperança e meio medo.
— Por que não, senhor Somerville? Por que não?
23

Para alívio de Cecily, Robert esperou no andar de baixo


no bar enquanto ela se banhava e vestia a singela camisola de
algodão que tinham comprado da esposa do estalajadeiro.
Cecily estava agradecida por a mulher ter sido discreta o
suficiente para não fazer muitas perguntas. Tinham-lhe
contado uma história de se perder na estrada enquanto sua
bagagem era levava no carro, um engodo débil, mas o
suficiente por apenas uma noite. Pela manhã, parariam em
outra cidade mais movimentada, com a esperança de comprar
roupa limpa e outras necessidades no mercado. Então estaria
no carro do correio e finalmente Gretna Green.
Cecily não podia acreditar que, em alguns dias, seria
uma mulher casada. Os eventos foram tão rápidos que ela
sentiu que corria continuamente para acompanhá-los. Quão
pouco tempo tinha passado desde que Robert fora seu inimigo
mais odiado! E quão querido era para ela agora!
Se lhe tivessem perguntado há um mês se tal mudança
material era possível em tão pouco tempo, teria rido. Agora,
ela sabia que milagres poderiam acontecer.
No entanto, o milagre de seu matrimônio... Esse era
outro assunto completamente diferente. Cecily se considerava
um tipo audaz, mas esse era um grande empreendimento,
mesmo para ela.
Ela ficou feliz que Robert entendesse tanto sua confusão.
Era a própria bondade.
Sabia quão profundamente, quão apaixonadamente a
desejava, isso tinha ficado perfeitamente claro. Ela mesma
sentiu o mesmo desejo e lutou contra seu estranho poder. Era
muito mais fácil para os homens aceitarem seus desejos. A
sociedade exigia que as mulheres fossem doces, inocentes e
silenciosas; prontas para aceitar um matrimônio vantajoso e
nunca sonhando com a ternura de um amante.
Mas os sentimentos que Robert tinha despertado dentro
de Cecily eram fortes demais para negar. Melhor ainda, não
pareciam pecaminosos ou errados. Havia uma justiça, uma
pureza em seu amor por ele que lhe dizia que tinha razão em
renunciar a tudo para ser dele. Mesmo o risco de escândalo
não poderia manchá-los.
Com estas convicções firmemente em mente, ela se
sentou para aproveitar ao máximo a luz da janela e escrever
uma carta de pesar, mas de esperança, ao pai.
Uma batida na porta lhe deu um pouco de alívio para
descobrir como começar.
— Está decente? — Robert chamou em voz baixa.
— Entre!
Ele entrou, fechou a porta com cuidado, depois parou
atrás dela e começou a massagear a tensão de seus ombros.
Cecily suspirou, sentindo-se relaxada sob suas fortes mãos.
— Está escrevendo para seu pai? — Perguntou, vendo a
saudação que era tudo o que ela tinha conseguido escrever.
— É errado? Não suporto deixá-lo sem saber nada de
mim. Esteve fora de si aquela noite que passei em Scarcliffe
Hall.
— Não — disse Robert, dando um beijo no topo de sua
cabeça. — Acho que é o correto. Eu desejaria poder escrever
para meu próprio pai, mas ainda estou muito bravo com ele.
Se está preocupado, deixa-o!
— Lorde Jonathan poderia apreciar uma palavra sua.
— Hart se preocupará principalmente com o que eu fiz
com o cavalo dele. Terei que perguntar ao estalajadeiro se há
um menino na aldeia que eu possa contratar para ir a
Scarcliffe Hall quando estivermos prontos para embarcar no
carro de correio.
— É muito diferente para os cavalheiros — suspirou
Cecily. — Ninguém dúvida de que é capaz de se cuidar. Eu,
por outro lado, estive fugindo das acompanhantes toda minha
vida.
— Que este último voo seja o último — disse Robert. —
Terá mais liberdade como minha esposa, eu prometo. Valorizo
sua independência tanto quanto você.
Cecily inclinou a cabeça para beijá-lo, mas antes que
seus lábios se encontrassem, uma batida na porta os
assustou.
— Será a esposa do estalajadeiro — disse Cecily,
tentando esconder seus nervos.
Robert abriu a porta. Cecily se permitiu respirar quando
viu que era realmente a esposa do estalajadeiro que os
incomodava.
Seu alívio durou apenas um momento.
— Com licença, senhor Somerville — disse a mulher,
soando insegura quanto ao nome. — No andar de abaixo há
duas mulheres muito boas que procuram um jovem casal.
Pensei que talvez fossem vocês quem elas estavam
procurando.
— Isso é impossível — disse Robert. Cecily estava
impressionada por sua calma. — Como eu disse, nos
perdemos no caminho para outro lugar e não esperávamos
parar aqui de noite. Ninguém sabe que estamos aqui.
— Foi exatamente por isso que pensei que devia lhe
advertir — disse a esposa do estalajadeiro. — As duas damas
não me deram nenhum nome, senhor. Parecem estar
procurando duas pessoas que viajam em segredo.
— Então desejo-lhe boa sorte em sua busca — disse
Robert, fechando a porta.
— Cecily! — Uma voz desesperada surgiu da escada. —
Cecily, se está aqui, eu imploro, não se esconda!
Cecily agarrou a borda de sua cadeira, sentindo-se
enjoada. — É minha mãe — sussurrou.
Robert congelou com a mão na maçaneta da porta. A
esposa do estalajadeiro contraiu os lábios.
— Direi às damas que eu estava errada — ofereceu. — O
senhor e senhora Somerville não se encaixam na sua
descrição.
— Isso é muito amável de sua parte — disse Cecily,
ficando de pé. — Mas descerei e falarei com elas eu mesma.
— Tem certeza? — Perguntou Robert, calmamente. Cecily
não pôde olhá-lo nos olhos.
Sabia que não teria forças para escapar com ele se sua
mãe lhe pedisse que não fosse.
Robert também parecia saber disso. Ele se afastou com
um suspiro. — A escolha é sua.
Tentando não tremer sob o olhar sábio da esposa do
estalajadeiro, Cecily passou por Robert e desceu.
Ao pé da escada, Jemima e sua mãe esperavam com os
rostos erguidos e expressões preocupadas.
— Cecily! — A duquesa subiu as escadas e jogou os
braços ao redor do pescoço de sua filha. — O que fez,
querida? Em que estava pensando?
— Sinto muito, Ceci — disse Jemima. — Quando não
voltou para casa, não podia mentir para sua mãe. Eu também
estava preocupada com você.
— Talvez deveriam entrar no dormitório — sugeriu a
esposa do estalajadeiro. — Já que tenho outros convidados na
casa, e acredito que não querem que lhes escutem.
Cecily pegou o braço da mãe com uma mão e o da
Jemima com a outra. — Há alguém que eu gostaria que
conhecesse, mamãe — disse, e as conduziu ao dormitório.
A compostura de Robert sob estresse estava começando
a ser o que Cecily mais admirava nele. Não deu nenhum sinal
de que um homem foi pego no meio da fuga, mas saudou a
duquesa tão gentilmente como se estivessem em um salão de
baile.
— É um grande prazer finalmente conhecê-la, Sua Graça
— disse, beijando sua mão.
A duquesa apertou os lábios em uma linha apertada e
fina. — Eu gostaria de poder dizer o mesmo, meu Lorde.
Robert não permitiu que a menor sombra de vergonha
obscurecesse seus traços. — Era minha intenção e a de Cecily
que visitássemos Loxwell Park no momento em que nosso
negócio estivesse concluído.
— Visitar? — A duquesa repetiu fracamente, enquanto
Jemima fez um ruído deselegante de desprezo.
— Ha! Sabia. De todos seus planos malucos, Ceci, fugir
deve ser o pior. E com ele!
— E comigo. — Robert repetiu gravemente. Jemima
ergueu os ombros e o olhou sem vergonha.
— Eu não tenho medo, meu Lorde. Seu título exige
minha deferência, mas seu comportamento me mostra que
deveria estar envergonhado de exigi-lo!
— Então é verdade? — A duquesa perguntou, agarrando
a mão de Cecily. — Quer dizer fugir com este homem?
— Mamãe... — Cecily descobriu que não podia encontrar
as palavras para se defender diante do desespero de sua mãe.
Felizmente, Robert não havia perdido o controle de si
mesmo. — Estamos apaixonados — disse, colocando uma
mão sobre o ombro de Cecily. — E, como não havia esperança
de que nossas famílias aprovassem o matrimônio, tomamos
medidas que acreditávamos necessárias.
— Amor? — Repetiu a duquesa, como se a palavra
tivesse perdido todo seu significado. — O que é o amor para
nós, Ceci? Seu pai é duque de Loxwell.
— Estava destinada a se casar por vantagem, por
dinheiro, por um título, por lucros políticos. — Ela cobriu a
boca com uma mão para ocultar o tremor de seus lábios. —
Nunca pensei em sonhar com amor para minha única filha.
Estava sendo negligente?
— Mamãe! Não, nunca! — Cecily a abraçou o mais forte
que pôde. — Ninguém poderia ter previsto isso.
— Predisse — disse Jemima, virando na cadeira e
olhando para Robert com um olhar assassino.
A duquesa apertou as mãos de Cecily. — Ainda tem a
intenção de fugir com ele? Mesmo agora, vendo como vai me
ferir?
Cecily sabia que todos no dormitório estavam olhando
para ela. Jemima, reprovadoramente; sua mãe, angustiada;
Robert, com esperança e medo.
— Escolhi correr porque não via outro caminho — disse,
escolhendo suas palavras com cuidado. Como equilibrar o
coração de Robert com o de sua mãe? Não tinha vontade de
machucar nenhum deles, e sabia que, por sua escolha, devia
fazê-lo. — Se houvesse outra forma, tomaria.
— Mas, meu amor, não explorou todas as opções —
repreendeu-a gentilmente sua mãe. — Não veio até mim.
Cecily levantou os olhos. — Você nos daria sua bênção?
— Com todo meu coração — disse a duquesa,
estendendo uma mão para Robert. — Com a condição de que
não fujam juntos. Devem ficar em Loxwell Park, minha filha, e
juntos, encontraremos uma maneira de persuadir seu pai a
desistir desta pequena disputa.
— Já tentou uma vez antes, sem sucesso — Cecily
lembrou-lhe.
— Era uma mulher mais jovem na época, e não tinha a
sabedoria de um matrimônio de muitos anos — disse a
duquesa com firmeza. — Se seu pai não ver a razão, por que,
simplesmente se recusa. Tenho o maior motivo para me
inspirar agora: a felicidade de minha própria filha! — Ela se
virou para Robert e levantou o queixo imperiosamente. —
Espero que a faça feliz, jovem.
— Tenho a intenção de fazer, Sua Graça.
O discurso de Robert foi perfeitamente calmo, mas,
Cecily captou a corrente da miséria debaixo de sua cortesia.
Quase teve medo de olhá-lo nos olhos e, quando o fez,
encontrou o que temia: sua escuridão insondável se
enegreceu de desespero.
— Vai ficar tudo bem, Robert — disse suavemente. —
Vamos nos casar, em Loxwell, se não for Gretna Green. E
quão mais agradável será ter umas bodas real, rodeada do
amor de nossos amigos e familiares!
— A escolha sempre foi sua, Cecily — disse, inclinando a
cabeça.
A culpa a mordeu dolorosamente. Sua própria tristeza ao
pensar em adiar seu matrimônio foi aguda e mordaz; saber
que ela também tinha machucado Robert era quase demais
para suportar.
— Virá para casa comigo? — A duquesa perguntou, mal
sussurrando as palavras. Cecily rechaçou seu pesar e
assentiu com firmeza.
— É o correto.
— Graças a Deus por isso! — Jemima disse, ficando de
pé abruptamente. — Agora, vamos sem mais demora. Saímos
de Loxwell Park antes do jantar, e estou morrendo de fome.
Cecily só desejava que a sensação de vazio em seu
próprio estômago fosse devida à fome. Quando saíram da
estalagem e os olhos sábios da esposa do estalajadeiro, ela
mal podia suportar olhar para Robert.
Não o traí, disse a si mesma. Vamos nos casar em pouco
tempo. É melhor assim.
O conjunto de seus ombros, a orgulhosa inclinação de
sua cabeça, o som profundo de sua voz, estavam tão firmes
como sempre. No entanto, sabia muito bem que, enquanto
cavalgava ao lado da carruagem de sua mãe, estava
escondendo uma devastação privada que ela lhe causara.
Pressionou sua mão contra a janela da carruagem, desejando
poder sentir sua mão através do vidro frio. Tinha o benefício
de conhecer o valor de sua mãe. Podia confiar que tudo ficaria
bem.
Robert só tinha sua palavra e esperança, mas agora sua
palavra estava vazia.
24

— Então, papai — disse Cecily, lutando para evitar que


seus dedos brincassem nervosamente com uma mecha de seu
cabelo — este ódio lamentável entre nossa família e os Hartley
não foi causado por nenhum delito por parte de ninguém.
Tinha suas raízes no amor - verdadeiro amor.
As sobrancelhas espessas do duque se baixaram
enquanto olhava do retrato de lady Letitia para o anel que
Cecily segurava para ele. Cecily, de pé orgulhosa, mas ansiosa
diante da imponente escrivaninha no escritório de seu pai,
sentiu a forma com que seu mordomo deve fazê-lo
apresentando-lhe figuras de suas propriedades que não
atendiam às suas expectativas. Seria elogiada por seus
esforços ou culpada por seu resultado?
— Deixe-me ver esse anel — disse o duque. Ele segurou-
o contra a luz, examinando-o de todos os ângulos. — Boa
graça!
— Há algo errado?
— Não vejo isso desde que era menino. Era uma vez uma
das principais joias da família Balfour, que usualmente usava
o segundo filho, como um sinal do amor de seu pai. Faz parte
de nossa família há gerações, antes que se perdesse…
— No acidente de carruagem de Lorde Thomas — Cecily
terminou para ele. — Mas agora sabemos, papai, que o anel
não se perdeu absolutamente, mas ele entregou a Lady Letitia
Hartley.
O duque saiu de sua mesa para examinar a pintura mais
de perto. — Suponho que a dama parece estar usando um
anel com rubis gêmeos — admitiu.
— O senhor Clearwell me assegurou que o anel também
levava o brasão do Balfour.
— Eu não daria muita importância à palavra desse
homem, Ceci. Sua reputação está entre as piores do condado.
— Essa reputação e baseada em nada mais que os
rumores iniciados por seu próprio avô — insistiu Cecily.
Virou-se para sua mãe, que tinha assistido até o momento em
silêncio. — Diga-lhe mamãe!
— Está em uma melhor posição para persuadi-lo do que
eu, querida — disse a duquesa. — Você conversou com o Sr.
Clearwell, e eu não. Embora tenho que dizer que da minha
parte, acredito em cada palavra de sua história. Está tão
intimamente entrelaçada com eventos como os entendemos, e
é uma explicação muito mais convincente que a acusações de
sequestro e maldades que estiveram ocorrendo por todos
estes anos.
O duque grunhiu e acariciou o queixo. — Não, não, não!
— ladrou, fazendo que ambas as damas saltassem. — Há
muito aqui que ainda não entendo. O que lhe permitiu colocar
todo este esforço em resolver uma inimizade que existia desde
antes de você nascer? E onde exatamente encontrou o anel
Balfour, quando se perdeu durante anos? — Ele sacudiu um
dedo severo para Cecily. — Está tramando algo, jovem. Outro
de seus planos! Bom, já decidi. Não serei tão facilmente
convencido como antes. Exijo a verdade de você, Ceci, em
geral e a verdade completa.
— Até que o tenha, não há dúvida de que reconsidere
nossas relações com esses malditos Hartley.
— Não fale mal do nome Hartley, papai — disse Cecily,
aproveitando toda sua coragem. — É um nome que tenho a
intenção de levar ao altar em breve.
Tinha esperado raiva, confusão, decepção: o duque era
conhecido pela violência de seu temperamento quando o
deixava livre.
Cecily se surpreendeu, portanto, ao ver o rosto de seu
pai enrugar não com fúria, mas com alegria. Soltou uma
risada estrondosa. — Um Hartley! Minha filha, um Hartley! É
demais, Ceci, inclusive para você, demais!
— Não ria de mim, papai — disse, cada vez mais
insegura de si mesma. — Estou falando sério.
O duque sacudiu a cabeça e secou os olhos
lacrimejantes. — Sem dúvida viu o conde ou seu irmão passar
por Loxton em uma de suas lindas carruagens e sonhou com
um pouco de amor para você! Minha menina, é bastante
natural na sua idade. As mulheres jovens são propensas a
este tipo de tolices. Todos meus amigos com filhas dizem o
mesmo.
A duquesa, notando o constrangimento de Cecily, falou
com severidade. — Seus amigos, que pensam que são tão
sábios, poderiam ouvir melhor suas filhas, em vez de rir
delas!
— Mas, querida, — disse o duque, com os ombros ainda
tremendo alegremente. — É a tolice mais absurda que escutei
em minha vida! Que deixe minha única filha imaginar um
vínculo entre ela e um... um Hartley ! Qual é, Ceci? Quem
devo saudar como meu novo filho? O mais velho ou o mais
jovem? Ouvi que o mais velho é o melhor atirador da
Inglaterra, e teve uma grande oportunidade de demonstrar
sua valia no campo de duelo, através de sua ousadia
imprudente Hartley! Talvez seja o mais jovem. Temperamento
mais doce?
— O conde de Scarcliffe — disse Cecily com rigidez. — E
garanto que seu temperamento me convém exatamente como
é.
A risada do duque se afogou em silêncio. — Tome
cuidado, Ceci. Pela forma com que fala, parece quase como se
estivesse familiarizada com Lorde Robert.
— Estamos muito familiarizados — disse Cecily
primordialmente. — Conhecemo-nos há umas semanas, na
noite em que me perdi no bosque e terminei em Scarcliffe
Hall.
— Fez o quê?
— Lorde Robert foi bom o suficientemente para cuidar de
mim, e desde esse dia, nossa afeição só cresceu. Papai, ele
pediu que me case com ele, e farei isso com ou sem sua
permissão.
O rosto do duque ficou vermelho escuro pouco saudável
enquanto falava. — É assim que te criei para se comportar?
Passar a noite em lugares estranhos sem sequer uma
acompanhante? E exigir que eu deixe você se casar com o
primeiro homem que te pergunte?
— Vamos, papai — disse Cecily. — Não é o primeiro. Sua
proposta é simplesmente a única que pensei que vale a pena
considerar.
— Não pense me distrair da gravidade de seu
comportamento! — Gritou seu pai, as veias se sobressaíam
em seu pescoço. Sua antiga alegria só arrojou sua raiva a um
alívio mais agudo. — Traiu nossa família! Lançou nosso bom
nome na lama!
— Nossa família é tão culpada do mal quanto os Hartley!
— Cecily respondeu bruscamente. — Seu próprio avô
arruinou Lady Letitia em vingança pela morte de Lorde
Thomas! Não pode negar!
— Era o que mereciam…
— Então mereço a ruína tanto quanto ela — disse Cecily,
e lhe estendeu a mão. — Por favor, me devolva o anel, papai.
O dei de presente a Robert, tal como seu tio uma vez o deu
para a tia avó de Robert. Se não vai abençoar nosso
matrimônio, simplesmente esperarei até meu vigésimo
primeiro aniversário. Não está tão longe agora. Menos de um
ano, e vou pôr fim a esta tola rivalidade com minha própria
mão.
— Vai custar muito lidar com isso, minha menina,
quando lhe mantiverem trancada nesta casa! — O duque
passou a mão trêmula sobre sua frente. Cecily percebeu que
não era tanto a raiva, mas a dor que o alimentava. — Minha
única filha! Minha Cecily!
— Papai, não me perderá — disse Cecily, dando um
passo cauteloso para ele. — Apenas pense! Scarcliffe Hall está
tão perto! Pense em como seria diferente se me casasse com
um cavalheiro de Yorkshire, ou talvez Cornwall! Quando for
condessa de Scarcliffe, nos veremos todos os dias, se desejar.
— Não tenho medo de perder você, minha filha — disse o
duque, falando mais brandamente. — A maior felicidade de
um pai é ver sua filha forjando uma vida própria. Mas ele,
Ceci, qualquer um menos ele, rogo-lhe isso.
Cecily sacudiu a cabeça. — É muito tarde, papai. Já está
feito. Estamos apaixonados.
O duque olhou o anel que ainda segurava. Esfregou o
polegar sobre a superfície salpicada de rubis. — Tantos anos
de ódio — murmurou.
Cecily gentilmente colocou a mão sobre a dele e retirou o
anel. — Eles acabarão em breve.
O duque olhou sua esposa, que lhe deu um aceno
silencioso. Ele se virou para Cecily, suspirou e lhe deu um
tenro beijo na testa. — Este Hartley, este Lorde Robert, é um
homem melhor do que diz sua reputação?
— Acho que sua reputação não é tão ruim como imagina
— disse Cecily, contendo um sorriso. — Não há um homem
no país que não se sinta tentado a adular o duque de Loxwell
arrastando o nome de seu inimigo pela lama, afinal.
— Espero que tenha razão. — O duque se sentou atrás
de sua mesa, apoiando os dois cotovelos sobre ela. — Até
hoje, Ceci, nunca me deu motivos para desconfiar de seu
julgamento. Irei com o Marquês de Lilistone e lhe apresentarei
as provas que me deu. Afinal, ainda é possível curar as velhas
feridas.
— Oh! Papai! De verdade está falando sério?
O duque esfregou a testa com uma careta irônica. — Não
há nada que eu não faria para assegurar sua felicidade, Ceci.
Cecily beijou o pai nas duas bochechas, deixando-o com
o rosto vermelho e murmurando algo sobre estas garotas e
seus caprichos, e rogando que o deixassem em paz para
reunir seus pensamentos e escrever para o marquês. A
duquesa saiu da sala com um suave sorriso de satisfação em
seu rosto, e Cecily a seguiu. Colocou o anel Balfour no quarto
dedo de sua mão esquerda, onde estaria seguro até que
pudesse entregá-lo a Robert.
Pertencia agora às duas famílias, tanto a sua como a
dela. Uma vez o símbolo de um amor condenado, logo se
converteria no sinal de esperança, paz e, acima de tudo,
reconciliação.
25

No dia seguinte, entretanto, Robert se viu envolto em


uma entrevista com seu próprio pai, que estava destinado a
produzir resultados muito menos felizes que os de Cecily e o
duque.
Robert tinha passado os dois dias da fuga abortada em
um estado de miséria frustrada. Seu pai, confinado em seu
dormitório mais uma vez pela recorrência da gota
desencadeada por seus esforços no caminho para Loxwell
Park, negou-se a vê-lo. Se Robert pensasse que havia algo a
ganhar com isso, teria derrubado a porta fechada do velho e
teria irrompido para enfrentá-lo. Mas Cecily pediu que
esperasse enquanto discutia com seu próprio pai, então ele
esperava.
— Não está acostumado a ter paciência, querido amigo —
disse Beaumont com simpatia, vendo como Robert se irritava
por sua falta de ação. — Não tem temperamento para isso.
Todos os cavalheiros de Scarcliffe Hall, salvo o marquês,
puseram-se em dia com a situação. Robert tinha reservado
apenas o doloroso feito de que, por algumas horas, ele e
Cecily estavam a caminho de Gretna Green. Essa ferida ainda
era muito fresca para falar dela.
Não a culpava por ir para casa. Se Hart, ou sua irmã,
tivessem implorado para suspender a fuga, poderia ter feito o
mesmo. Sabia que Cecily tinha seus próprios sonhos para o
começo de sua vida matrimonial, o que não podia ignorar.
Queria família, alegria, felicidade: flores brancas e o próprio
pátio paroquial. As lágrimas felizes de sua mãe, a bênção de
seu pai.
Robert entendeu estas necessidades, mas não conseguiu
compartilhar. Tudo o que queria era Cecily.
Rejeitou as súplicas de Beaumont, Northmere e Hart
para cavalgar com eles e esquecer suas tristezas no clima do
verão. Sabendo que cada momento que passava aproximava a
notícia da decisão do duque, não podia abandonar o salão
com a consciência tranquila.
Não lhe escapou a notícia de que uma nota com o brasão
Balfour foi entregue a seu pai na noite depois que Cecily
retornou a Loxwell Park. Também não conseguiu descobrir
pelo ajudante de câmara de seu pai que a nota tinha sido
jogada imediatamente no fogo, sem ler.
A ausência do anel em sua corrente ao redor de seu
pescoço era tão tangível que quase doía. Tinha dado a Cecily
para ajudá-la a persuadir seu pai; Não tinha pensado que a
perda da peça perfuraria seu coração com o temor de uma
perda ainda maior.
— Não sou do tipo que cede a terrores imaginários —
disse a si mesmo, com os dentes cerrados, ao ver seu rosto
pálido no espelho.
Quando a manhã seguinte à nota queimada trouxe para
a porta uma carruagem com a libré do Balfour, era impossível
para Robert permanecer inativo.
— Pai! — Gritou, golpeando a porta fechada do marquês.
— O duque de Loxwell está aqui para vê-lo, e vão me enforcar
se não o deixa entrar!
— Não devem permitir esse homem entrar na minha
casa! — Veio a obstinada resposta. Robert virou-se para
Peters, o mordomo.
— Leva o duque ao salão — ordenou. — Estarei com ele
em um momento.
Peters, que parecia infeliz, não fez nenhum movimento.
— Guie o duque! — Robert deu de ombros, tentando
evitar que seus punhos se apertassem. Ficou tentado chutar
a porta e colocar algum sentido na cabeça orgulhosa de seu
pai. — Esta é a minha casa, não é sua, pai, está aqui como
meu convidado, e não permitirei que despreze um homem que
escolhi para dar as boas-vindas!
— Ainda não é sua casa! — O marquês se enfureceu. —
Não estou morto, moço, como deseja!
— Meu Lorde, — disse Peters — não me peça que
desobedeça o marquês, rogo-lhe isso. Temo por minha
posição.
— Sua posição está abaixo de mim — disse Robert. A
boca de Peters se abriu e fechou miseravelmente. Robert
lamentou sua insistência imediatamente. Sabia que tinha
colocado o homem em uma posição intolerável.
O costume poderia fazer de Robert o mestre de Scarcliffe
Hall, mas todos, e todos os que habitavam dentro de suas
paredes, estavam legalmente sob o poder de seu pai.
— Não se preocupe, Peters — disse. — Por favor, saía e
peça ao duque que espere, se quiser.
Quando Peters saiu, Robert voltou a bater na porta de
seu pai, desta vez com mais suavidade. — Pai, não vamos
gritar um com o outro como animais rosnando. Deixe-me
entrar, para que possamos discutir isto pessoalmente.
Houve uma longa pausa. Robert pensou a princípio que
seu pai estava simplesmente ignorando-o, mas sua paciência
por um momento foi recompensada pelo som de passos
suaves dentro da câmara, seguido pelo clique de uma chave
na fechadura. O ajudante de câmara de seu pai abriu a porta
e o deixou entrar.
O marquês estava sentado em um sofá muito estofado,
com a perna doente apoiada em um tamborete acolchoado.
Sobre a mesa a seu lado havia um copo de vinho do porto,
exatamente o que o doutor Hawkins tinha recomendado para
não tomar. Robert deixou de lado seu discurso sobre a
importância de seguir as instruções do doutor para um tempo
posterior e mais calmo.
— Pai, — disse, sentando-se em frente ao marquês —
não é pouca coisa rechaçar um duque na porta.
O marquês burlou. — Quando se trata destes Balfours,
Robert, os títulos são irrelevantes. São pessoas baixas, não
importa quão alta seja a sociedade que os cria.
— Seu comportamento e temperamento são comuns.
Não, pior que comum. São vergonhosos. Apenas um parvo
confiaria em um Balfour. — Encarou Robert com um olhar
brilhante. — Confio que não criei um parvo.
— Fui um tolo — suspirou Robert. — Confiei em sua
palavra durante tantos anos sem duvidar. Meus olhos foram
abertos agora. Conhece minhas intenções, pai. Não pode
chamar de bobo que minha esposa seja uma mulher boa e
honesta.
— Chega! — O marquês agarrou sua bengala com ponta
de prata e a jogou no chão. — Você foi enganado, Robert!
Vergonhosamente enganado! Não é suficiente dizer que seus
sentimentos por esta garota são puros. Os Balfours
simplesmente insultaram muito a nossa família, durante
muitos anos. Não posso mais permitir isso. Não permitirei que
o Duque entre em minha casa mais do que posso cortar meu
próprio coração. O dano de qualquer uma dessas ações seria
muito profundo. Vê?
— Não vejo — disse Robert friamente. — Apenas vejo que
está tratando muito mal o duque, e isso reflete muito mal em
você. Eu mesmo irei a ele e lhe oferecerei minhas mais
sinceras desculpas.
— Não fará nada assim!
— Não pode me deter, pai. Assim como não pode evitar
que me case com Cecily.
Agora ele estava maluco.
— É mesmo? — Perguntou o marquês, seus olhos
brilhando cruelmente. — Mais uma vez, moço, fala como se já
fosse marquês de Lilistone. Deixe-me lembrá-lo que ainda não
estou em meu túmulo, por muito que o deseje.
— Vamos, vamos, pai — disse Hart, entrando no
dormitório atrás de Robert. — Ninguém te desejou nada
absolutamente. — Ele se inclinou para sussurrar no ouvido
de Robert. — Falei com o duque. É mais razoável do que eu
poderia esperar. Ele sabe que tem uma tarefa formidável aqui
com papai.
— Não tome parte de seu irmão, Hart — advertiu o
marquês. — Vai se arrepender.
Hart encolheu os ombros elegantemente. — Já existem
tantas coisas que me arrependo. O que importa mais uma?
— Não terei esta insubordinação — grunhiu o marquês.
— Tampouco verei meu filho e herdeiro casado com nosso
inimigo.
— Com todo o respeito, pai — disse Robert, agradecido
pelo lugar de Hart ao seu lado, — não vejo o que pode fazer a
respeito.
— O que posso fazer? O que posso fazer? — O marquês
riu sem deixar vestígios de alegria. — Se eu pudesse deserdá-
lo, Robert, eu o faria sem hesitação.
Isso foi difícil de ouvir. A mão de Hart caiu sobre o ombro
de Robert em solidariedade. Robert encolheu os ombros,
decidido a não deixar vestígios de seus sentimentos internos.
— Pena, então, que a lei não permita.
— Mas tenho sorte que a lei não diga nada sobre os
segundos filhos. — Os olhos do marquês piscaram
brevemente para Hart. Havia mais malícia neles do que
Robert sonhava ver em seu pai. — Algum dia poderá herdar
minhas terras e meu dinheiro, Robert, e não há nada que eu
possa fazer a respeito. Hart é outro assunto. Sua herança
está completamente em meu poder.
— Não deixe que isso o intimide, Robert — disse Hart
com calma. — Não tenho medo.
— Prefiro ver os dois sair à rua e se isolar da sociedade
do que me desafiar — retrucou o marquês. — Isso, pelo
menos, está em meu poder. Não terá dinheiro, nem posição
social, nem sequer um pensamento amável de minha parte,
até eu deixar esta terra. É isso o que quer? — Seus olhos
passaram de um filho a outro, brilhando com uma raiva que
se aproximava da loucura. — E, além disso, não esqueça que
ainda tenho em meu poder uma carta endereçada a você por
Lady Cecily. Que imprudente de sua parte, escrever para você
antes de um compromisso matrimonial formal. Veremos o que
a alta sociedade diz disso!
Robert sabia que seu pai era ancião, sofria e não estava
acostumado à desobediência. Foram apenas estas
considerações que o impediram de jogar o ancião de seu sofá
de pelúcia no chão.
— Como é honroso fazer Hart e Cecily pagar por meus
crimes?
— Você mostrou que não escutará a razão, Robert. — Por
um momento, a raiva do marquês desapareceu de seu rosto e
deixou de ser o Lorde furioso. Era apenas um homem velho,
doente e cansado, enfrentado problemas que era velho demais
para lidar. — Se não posso convencê-lo racionalmente, devo
aplicar qualquer castigo que encontrar para afetá-lo.
— Bom, já cansei disso, por mais agradável que seja
conversar — disse Hart alegremente. — Robert, vamos tomar
um pouco de ar.
Robert não podia deixar a conversa parada assim, mas,
lembrando que o duque ainda estava esperando do lado de
fora, permitiu que Hart o levasse embora.
— O que vou fazer? — Perguntou, em voz baixa,
enquanto desciam as escadas. — Não posso deixar que isso te
machuque. Menos ainda, para Cecily.
— Não se preocupe comigo, irmão — disse Hart,
mantendo esse descuido lacônico que Robert sabia que
trabalhava tanto para aperfeiçoar. — Sempre posso me juntar
à Marinha. Frequentemente me considero um homem naval.
Robert parou na escada e agarrou o braço de seu irmão.
— Não vou vê-lo sendo jogando em guerra em climas
estrangeiros por minha causa, Hart. Isso é o fim.
A boca de Hart arqueou no canto; a única indicação que
daria de que estava afetado. — Prefiro pensar que papai tem
mais responsabilidade em terminar que você, Robert, mas não
abandonaria você por ele por nada do mundo. Agora, vá com
o Duque, ele não está acostumado a esperar.
Robert seguiu o conselho de Hart e saiu apressado, onde
se sentiu aliviado ao encontrar a carruagem do duque
esperando na entrada larga.
Este era seu primeiro encontro com seu futuro sogro, um
pensamento que só o atingiu quando se aproximou da janela
da carruagem. Robert não era um homem geralmente
intimidado por aqueles com títulos mais poderosos que o seu.
O fato de Loxwell ser um duque significava pouco.
O fato de ele ser o pai de Cecily, por outro lado, agora era
uma perspectiva temível.
Robert acenou com a cabeça para os lacaios e bateu na
janela, tentando bater na janela de uma maneira que falava
de respeito. A cortina interna se abriu para um lado e,
embora não pudesse distinguir o ocupante, imaginou que
estava sendo cuidadosamente inspecionado de dentro.
A porta se abriu.
Robert fez uma reverência. — Sua Graça — disse. — Por
favor permita-me me apresentar.
— Sei quem é — chegou uma voz nítida da penumbra. —
Pelo menos, posso adivinhar. Primeiro enviou seu irmão,
certo?
— Minhas desculpas, Sua Excelência — disse Robert. —
Estava tentando argumentar com meu pai. Infelizmente…
— A velha cabra não quer me ver.
Robert tragou o insulto com boa graça. — Meu pai está
atualmente indisposto.
— E não me permitirá entrar na casa! — Ladrou o
duque. — Como se fosse um mendigo nas portas, não o
duque de Loxwell!
— Mais uma vez, Sua Excelência, só posso oferecer
minhas sinceras desculpas…
— Desculpas, desculpas! Devo entender que minha
Cecily deu seu coração a um apologista? — O duque abriu a
porta um pouco mais. Um raio de luz entrou na carruagem,
revelando um rosto com bigodes e um par de olhos amáveis
debaixo de uma sobrancelha irregular. Robert divertiu-se ao
descobrir traços de Cecily no nariz elegante e no queixo firme
do duque. Clearwell tinha razão: as características de Balfour
eram fortes.
— Entra, Lorde Scarcliffe, — convidou-o o duque. — Se
for se desculpar por algo, deve ser por ser tão negligente ao
pedir a mão de minha filha. Eu realmente, esperava que você
falasse comigo antes.
— Perdoe-me, Sua Graça. — Robert estava
dolorosamente ciente de que estava se desculpando mais uma
vez. — Não sabia exatamente como seria recebido.
— Muito bem! — O duque deixou escapar uma
gargalhada. — Muito bem, também! Antes de ontem, não teria
permitido que estivesse na presença de minha filha. Mas não
vamos nos deter no passado. Já se tem feito muito isso. Entre
e vamos falar aqui, se seu pai não me ver. Desejo conhecê-lo
um pouco antes de tomar minha decisão.
Robert entrou na carruagem e sentou-se em frente ao
duque. — Sua decisão, Sua Graça? — O duque baixou suas
impressionantes sobrancelhas. — Suponho que ainda quer
perguntar por minha filha, Scarcliffe.
— Com respeito a isso... — Os olhos de Robert foram
para a porta da carruagem.
Mais à frente, na janela da sala de baixo de Scarcliffe
Hall, viu Hart olhando-o de perto.
Seu irmão renunciaria de qualquer coisa para vê-lo feliz.
Ele sabia disso. Hart tinha renunciado fazia muito tempo de
toda esperança de felicidade para si mesmo. Um navio de
guerra, um campo de batalha, as comodidades de Scarcliffe
Hall: Hart provavelmente afirmaria que era o mesmo para ele.
Mas Robert não podia permitir que seu irmão fosse
expulso. E não podia arriscar a reputação de Cecily.
— Continue — insistiu o duque. Robert não conseguia
olhar nos olhos do velho.
— Receio que será impossível para eu fazer uma oferta
séria a sua filha até eu ser meu próprio homem, Sua
Excelência — disse.
O duque ficou em silêncio por um longo tempo. — Isso
não é o que esperava ouvir — ele finalmente disse.
— Não era o que eu esperava lhe dizer, Sua Graça.
Porém, a felicidade não só a minha depende disso. —
Levantou a cabeça. — Isso não quer dizer que tenha
renunciado por completo à esperança. Se Cecily me esperar,
nos casaremos assim que a morte de meu pai permitir. Se ela
não me esperar. — Fez uma pausa para respirar, as palavras
tinham um gosto amargo em sua boca para continuar. — Não
lhe farei cumprir nenhuma promessa que me fez.
— Se está tentando ser nobre, essa é uma maneira
sombria de fazê-lo, — disse o duque.
— Cecily me fez acreditar que tinha deixado de lado a
antiga inimizade entre nós.
— E o tenho feito, por sua honra, acredite em mim. Sei
que não é meu inimigo, e não desejo nada além do bem.
— Então, por que está se comportando desta maneira? —
O duque olhou para a casa. — Se seu pai tiver a intenção de
te cortar, deve saber que dinheiro não será um problema. —
— Não é apenas dinheiro, Sua Graça. É um assunto
familiar. Pelo bem do meu irmão, pelo bem de nossa mãe,
quem tomaria a nossa perda mais profundamente.
Robert descobriu pela primeira vez em sua vida que não
tinha uma resposta inteligente a dar. Nenhum grau de
engenho ou coragem alteraria sua situação absolutamente. —
Não posso ser o instrumento da destruição de minha própria
família. Não quando, ao esperar, poderia nos manter todos
juntos. Meu pai é um homem velho. Sua saúde é deficiente.
— Não acredita em desejar a morte de seu próprio pai,
Scarcliffe.
— E, entretanto, é o único consolo que me resta.
O rosto do duque enrugou de tristeza. — Receio que
minha filha aceite essa notícia muito mal. E, no entanto, a
culpa não é sua, Scarcliffe. Não. Somos seu pai e eu quem
deveríamos ter feito sentido e deixado a inimizade anos atrás.
Que pena! Que nossos próprios filhos tenham que nos
ensinar como nos comportar! — Ele se inclinou para frente e
olhou para Robert com um severo olhar azul. — Como seu pai
não cederá, deixe-me dar o primeiro passo. Convido
abertamente você e aos seus para visitar Loxwell Park. Todos
serão bem-vindos.
— Sou grato, Sua Graça. — A gratidão era a menor das
emoções de Robert nesse momento, e o duque parecia saber
disso. Ele assentiu com simpatia enquanto Robert se
despedia e deixava a carruagem. O cocheiro instigou
rapidamente os cavalos, e a carruagem de Loxwell
desapareceu na longa estrada.
A dor havia amortecido os sentidos geralmente aguçados
de Robert. Enquanto voltava a subir os largos degraus da
frente para o salão, mal notou que Hart não estava mais na
janela. Os quatro corpulentos lacaios que o abordaram na
porta passaram completamente despercebidos até que Robert
colidiu diretamente em um corpo imóvel.
Robert era alto, mas seu pai tinha uma inclinação por
força e poder em seus serventes, e estes homens eram pelo
menos iguais em altura e vigor. Não havia dúvida do que
estavam fazendo ali. Os quatro tinham rostos sombrios.
Nenhum deles foi escolhido entre os serventes de Scarcliffe
Hall; eram homens de seu pai.
— Onde é que me levarão? — Perguntou, sua voz um
grunhido perigoso. Os lacaios se mantiveram firmes, embora
um ou dois deles pareciam preferir se afastar.
— Meu Lorde, o marquês decidiu que é hora de você
visitar sua irmã e seu marido em Larksley — disse o lacaio
mais alto.
Robert encolheu primeiro um ombro, logo o outro,
erguendo-se lentamente e deixando que seus músculos
marcassem visivelmente seus braços. — E se escolher não ir?
— Rogo-lhe, meu Lorde, não recuse. — O lacaio engoliu
em seco. — Se disser que não irá, devemos obrigá-lo.
Robert viu Hart parado na penumbra de uma porta
entreaberta, observando os acontecimentos com um rosto
impassível. Quando seus olhos se encontraram, Hart assentiu
e desapareceu.
Robert deixou que sua escolha ficasse no ar por mais
alguns momentos. Era este o momento de brigar? Ou ia
deixá-los segurá-lo e enviá-lo sob guarda, confiando em Hart
para elaborar um plano para ajudá-lo?
A enormidade do que acabava de abandonar pelo bem de
seu irmão o atingiu como um golpe no peito. Cecily, o
esperaria? Entenderia que não foi voluntariamente?
Deu uma última olhada para a sólida porta de carvalho
de Scarcliffe Hall e se perguntou quando voltaria a vê-la.
— Muito bem, cavalheiros — disse. — Não desejo brigar.
Partirei para Larksley.
26

— Realmente tem seu coração posto nisso, Ceci? —


Perguntou Jemima duvidosamente, olhando através do véu da
garoa noturna para a imponente fachada de Scarcliffe Hall. —
Não desfrutamos da recepção mais calorosa da última vez que
viemos aqui.
— Mas não é um prazer absoluto visitar Scarcliffe Hall
com a permissão de papai? — Cecily perguntou alegremente,
brincando com o pacote apoiado contra o assento do carro ao
lado dela.
— Ele lhe deu permissão — concordou Jemima. — O que
não lhe deu foi nenhuma esperança.
A perspectiva de deixar a carruagem com o tempo
piorando não era atraente para nenhuma das garotas. Cecily
esperou pacientemente enquanto seus lacaios se
aproximavam com guarda-chuvas para as escoltar pelas
escadas.
Paciência nunca tinha sido o ponto forte de Cecily.
Entretanto, ela descobriu que, quando precisasse, poderia
convocá-la em infinitas reservas.
Encontrou o olhar ansioso de Jemima com um sorriso
feliz. Sabia que estava preocupada com ela. Provavelmente
havia boas razões para se preocupar. Ouvir que Robert queria
adiar suas bodas foi uma decepção que deveria tê-la cortado
profundamente.
Mas se recusou a dar-se por vencida até que todas as
opções fossem exploradas. Esta poderia ser sua última
oportunidade de convencer o marquês, mas estava decidida a
enfrentá-lo com coragem e bom humor.
Um lacaio levou a pintura envolta em papel para o
corredor. Cecily deu uma boa olhada ao seu redor, com um
olho mais possessivo do que ela já o teve. Um dia, essa seria
sua casa. Se tudo corresse conforme o planejado, esse dia
chegaria logo.
— Diga ao marquês que a senhorita Jane e a senhorita
Harriet Somerville estão aqui para vê-lo em uma missão de
grande importância — sugeriu ao mordomo.
Peters sacudiu a cabeça tristemente. Se reconheceu
Cecily de sua estadia anterior em Scarcliffe Hall, não o
demonstrou. — Receio que o marquês esteja indisposto,
senhorita Somerville.
— Não pode estar indisposto — disse Cecily
imperiosamente, esquecendo que ela estava interpretando o
papel de uma simples senhorita, em vez da filha do duque.
— Este é um assunto muito urgente.
— No entanto, sua senhoria não está suficientemente
bem para receber visitantes hoje.
— Então vamos esperar até que se sinta melhor —
declarou Cecily, e passou o mordomo atônito para o que ela
lembrava ser a sala de estar. O lacaio com a pintura partiu
elegantemente atrás dela, e Jemima apareceu na retaguarda,
sem dúvida revirando os olhos.
Cecily se surpreendeu ao descobrir que a sala não estava
vazia. Lorde Jonathan Hartley estava parado junto à lareira,
vestido para andar a cavalo e passando um grande lenço
branco entre os dedos. Quando Cecily entrou, ele se virou
como se esperasse por outra pessoa, e passou um momento
simplesmente olhando-a com espanto.
— Isso é tudo, Peters — disse ao mordomo. — Obrigado.
— Com licença, Lorde Jonathan — disse Jemima
imediatamente, passando a mão pelo braço de Cecily. — Não
vamos incomodá-lo mais. Nós estávamos saindo.
— Certamente não estávamos saindo — disse Cecily. —
Lorde Jonathan, desejamos ver seu pai. Trouxe-lhe uma
oferta de paz para demonstrar como minha família é séria
para resolver nossos problemas. — Fez um gesto com a mão
para o lacaio e, quando ele deu um passo adiante, rasgou o
pacote dramaticamente.
— O que é isso? — Hart perguntou, perplexo.
— O retrato de Lady Letitia Hartley, que uma vez ficou
pendurado no salão de Loxwell Park, trouxe mais descrédito a
meu sobrenome que ao dela — disse Cecily. — Foi uma vez o
símbolo de inimizade entre nós. Agora que foi devolvido...
Hart colocou as mãos nos bolsos e rodeou a pintura,
examinando-a de todos os ângulos. — Realmente acha que
isso mudará a opinião do meu pai?
— Vale a pena tentar — disse Cecily, recusando-se a
vacilar. Hart a olhou com olhos tristes.
— Não é. Deixe-me te assegurar que Robert fez tudo o
que pôde para persuadi-lo. Por que você deveria ter êxito,
onde falhou? — Hart ajeitou as luvas de montar
distraidamente. — Não conhece meu pai. Se ele soubesse que
está aqui, mandaria seus lacaios agarrarem as duas pelo
pescoço e jogá-las na chuva.
— Onde está Robert? — Cecily perguntou. A expressão
de Hart se fechou.
— Não aqui. O pai o enviou a Larksley.
Cecily quase riu. — E quer me dizer que aceitou ir?
— Sob coação. — Hart olhou rapidamente para Jemima e
o lacaio, como se estivesse pensando se continuaria. — Não
se assuste — disse em voz baixa. — Robert não teria ido
embora se não soubesse que faria todo o possível para
recuperá-la. Papai nos pegou de surpresa esta manhã, mas
agora estamos preparados.
— Nós?
— Nós três juntos — chegou uma voz profunda atrás
dela. O duque de Beaumont e o barão Northmere estavam
esperando por Hart, vestidos com roupa de montar. Cada um
usava um grande lenço branco.
— Que está tentando fazer? — Cecily perguntou. — É
muito tarde para sair, certamente.
— Devemos ter a esperança de interceptar a carruagem.
Você sabe tão bem quanto eu que a estrada para o sul está
em péssimo estado. Vamos superá-los facilmente a cavalo.
— Então me deixe ir com você — disse Cecily.
— Ceci! — Jemima ofegou. —Você perdeu a cabeça?
Hart ficou pensativo por um momento, depois pegou a
mão de Cecily e a beijou antes que ela pudesse fazer um
movimento em resposta. — Você e eu não tivemos muitos
motivos para fazer amizade. Mas ama Robert, e isso a torna
tão querida como minha própria irmã. Preferiria abandonar
Robert completamente do que arrastá-la para a perigosa
tarefa que empreendemos esta noite. Vá para casa e espere
notícias. Não demorará para chegar.
Cecily manteve sua mão na dele. — Meu pai me disse
que era para o seu próprio bem que Robert me pediu para
esperar.
— Sim, me desculpe.
— Não se desculpe. Só queria dizer que agora posso ver
por que Robert te valoriza tanto.
Hart deixou cair sua mão como se o tivesse queimado. —
Não posso ver isso pela minha vida. Mas discutiremos estas
coisas quando o tempo for menos premente. Cavalheiros?
— Deu um aceno rápido a Beaumont e Northmere. —
Vamos seguir nosso caminho.
Cecily e Jemima seguiram os três homens até o caminho
de entrada, onde os viram montar os cavalos e cavalgar em
um ritmo que, por mais incrível que fosse, Cecily sabia que
ela podia igualar facilmente.
— Jemima — disse, em um sussurro urgente. — Ama-
me?
— Tanto quanto amava meu pobre irmão. — Os olhos de
Jemima estreitaram.
— O que vai fazer?
— Se realmente me ama, não dirá uma palavra sobre o
que estou prestes a fazer.
Cecily levantou as saias e se dirigiu para a carruagem. —
Agora, vou entrar, onde me sentarei e esperarei
pacientemente enquanto dirigimos de volta para Scarcliffe
Hall. Entende-me?
— Ceci…
— Entende?
Jemima suspirou profundamente, mas relutantemente
assentiu.
Cecily entrou na carruagem.
Escutou Jemima gritar quando tropeçou no caminho e
caiu no chão. Todos os lacaios se apressaram a ajudá-la.
Cecily abriu a porta do outro lado da carruagem, fechou-
a silenciosamente atrás dela e correu para os estábulos
enquanto todos os olhos estavam ocupados com o gemido de
Jemima.
Abriu a porta do estábulo e foi atingida pelo familiar
aroma quente de feno e cavalos. Pareceu-lhe que inclusive
escutou um estalo de boas-vindas.
— Olá, Thunder — disse, enquanto tirava a sela da
prateleira.
27

A estrada ao sul de Scarcliffe Hall e Loxwell Park era um


território muito disputado.
Os Hartley alegaram que estava sob a jurisdição dos
Balfours e tinham mapas elaborados para provar isso. Os
Balfours afirmaram que não estava em sua terra e tinham
seus próprios mapas.
O resultado final foi que ambas as famílias tinham
abandonado seu dever, e a estrada estava em estado selvagem
e quase em ruínas. Fez das visitas anuais à temporada de
Londres um esforço difícil, um que cada família naturalmente
atribuía à incompetência da outra.
Percorrer esse caminho em plena luz do dia, antecipando
uma feliz temporada, era uma coisa. Viajar à noite, contra a
vontade de alguém, era um pesadelo cheio de buracos.
Os buracos, sulcos de carruagens e grandes atoleiros de
lama, impossibilitavam aumentar a velocidade.
Robert relaxou contra o assento o melhor que pôde, a
pesar do golpe, e se resignou a chegar a Larksley um bom dia
depois do permitido. Sim, estava destinado a chegar lá.
Ele se perguntou que tipo de recepção receberia de sua
irmã, que se casara recentemente em circunstâncias
consideravelmente difíceis. Robert sentiu uma pontada de
culpa ao lembrar que tinha feito todo o possível para impedir
o compromisso de sua irmã, mesmo sendo embora uma união
de amor. Sua opinião agora era tão radicalmente diferente
que se sentia como um homem completamente diferente do
homem imprudente que desafiara o jovem William Marsden
para um duelo.
Foi tudo graças a Cecily. Em pouco tempo, já tinha
conseguido suavizar as arestas mais duras de sua
personalidade. Agora descobriu que seu gosto pelo perigo
tinha diminuído, substituído por um desejo de se tornar,
acima de tudo, um bom marido. Um pai amoroso para seus
futuros filhos. Um orgulho para o sobrenome de sua família,
não apenas um herdeiro livre.
Só podia esperar que o plano de Hart de tirá-lo da
armadilha de seu pai não causasse muito dano a seu novo
senso de responsabilidade.
Robert quase foi jogado de seu assento quando a
carruagem parou. — Outro buraco? — Ele chamou o
condutor. — Ou é barro desta vez?
Ele tirou a jaqueta e começou a arregaçar as mangas da
camisa, preparando-se para ajudar os homens a levantar a
carruagem de onde havia encravado.
— Não saia, meu Lorde! — Chamou a voz desesperada do
condutor. — Salteadores de estrada!
— Salteadores? — Robert repetiu, espantado. Tinha
ouvido relatos dos perigos que aconteciam aos viajantes na
estrada do sul, é claro, mas ele não era o tipo de pessoa que
previa dificuldades.
Abriu de um chute a porta da carruagem e enfiou a
cabeça para fora.
Um homem alto com o rosto coberto por um lenço
sentado em um cavalo no meio da estrada. Robert olhou para
trás e encontrou outros dois homens mascarados que
trotavam para a carruagem. Os três tinham suas armas
apontadas constantemente para seus lacaios.
Como desejava uma pistola! Logo ele mostraria a eles o
erro de seus caminhos!
— Não procuramos suas vidas ou seu dinheiro — disse o
primeiro homem, sua voz estranhamente abafada. — É sua
carga que procuramos.
— Carga? — Repetiu o condutor. — Senhores, não temos
nenhuma!
— Ele — disseram os salteadores, apontando sua pistola
para Robert. — É ele que queremos. O conde de Scarcliffe.
Robert estreitou os olhos. O homem estava falando em
um grunhido baixo, mas algo em sua voz era estranhamente
familiar.
— Morrerei antes de deixar você pegar sua senhoria! —
Gritou o condutor. O salteador, impassível, puxou o gatilho de
sua pistola.
— Esta é sua primeira advertência.
— Levantem suas armas! — Gritou Robert, saltando da
carruagem. — Irei pacificamente.
— Meu lorde, — ofegou um lacaio — não podemos
permitir...
— Tolices, homem, tolices! Não quero que arrisque sua
vida por mim. — Robert caminhou para o salteador,
permitindo um leve orgulho em benefício dos lacaios. — Estou
seguro de que estes cavalheiros só procuram um pequeno
resgate, que meu pai pode pagar facilmente. Não é, senhor?
Agora que Robert estava de pé junto à cabeça do cavalo,
as sobrancelhas negras do duque de Beaumont eram
inconfundíveis. Levantou um comentário elegante sobre a
exibição de heroísmo de Robert.
— Exatamente — disse Beaumont, seu acento recortado
de Duque começou a aparecer através de sua voz assumida.
— Agora, suba no meu cavalo e iremos.
Robert se colocou alegremente atrás de seu amigo e
saudou os lacaios enquanto Beaumont guiava o cavalo pela
carruagem para se juntar a Hart e Northmere na parte de
trás.
— Então agora! — Beaumont gritou teatralmente. — Para
o nosso esconderijo secreto!
Os quatro homens se afastaram rapidamente na direção
de Loxwell Park e Scarcliffe Hall, enquanto o condutor lutava
por virar a carruagem atrás deles.
Depois que a carruagem foi tragada pela escuridão,
Beaumont arrancou o lenço do rosto com um grito de triunfo.
— Eu digo! Que fiz um bom trabalho como trapaceiro, você
não acha?
— Foi aterrador — riu Robert. — Embora eu desejasse
que tivesse pensado em me trazer um cavalo.
— Isso teria delatado completamente o jogo — disse Hart,
agitando o próprio lenço no ar. Galopava ao lado deles. Robert
raramente tinha visto seu irmão com espíritos tão altos
quanto estes. Seu coração ficou aliviado com a vista. — O que
uma turma de bandidos oportunistas estaria fazendo com um
cavalo de reserva? Não, pensamos tudo eficientemente. Pode
nos parabenizar por nossa inteligência e audácia.
— Parabenize-me — interrompeu Northmere. — A ideia
foi minha.
— Vocês três são os melhores bandidos da Inglaterra, —
disse Robert complacentemente. — Embora eu seja obrigado a
saber para onde me levam.
— Receio que nosso esquema não tenha sido estendido o
suficiente para estabelecer um verdadeiro esconderijo secreto
no estilo Robin Hood — disse Northmere. — Nós o levaremos
para Loxton, onde se alojará na estalagem, e ficará lá até que
a notícia de seu sequestro leve seu pai a ver o erro de seus
caminhos. Ele não saberá sobre você enquanto você estiver
nas terras de Loxwell.
— Esperarei bastante tempo, então — refletiu Robert. —
Diminui a velocidade, Beaumont. A estrada não é adequada
para circular nessa velocidade.
— Hah! Meu cavalo pode saltar qualquer buraco —
Beaumont zombou.
— Mesmo no escuro?
— Não pense que papai te abandonará felizmente —
disse Hart, aproximando-se enquanto os cavalos diminuíam a
velocidade. — É seu herdeiro. Ele não aceitará a perda fácil.
Ele te ama, Robert, embora nem sempre saiba como
demonstrá-lo.
— Quando desenvolveu tal fé? — Perguntou Robert,
espantado. — Não é típico de você.
Hart encolheu os ombros. — Parece-me que há pouco no
mundo no que confiar. Ponho minha fé onde posso. Se não
estiver na família, onde mais?
— Pare! — Gritou uma voz rouca. O cavalo de Beaumont
se levantou quando um homem mascarado pulou na estrada
à frente e agarrou as rédeas.
Mais homens saíram do bosque. Cada um deles tinha
escurecido o cabelo e o rosto com carvão, e usava uma
máscara que cobria todo o rosto, salvo os olhos.
— O que é isto? — Robert perguntou, lutando para
manter seu assento sobre o cavalo assustado. — Mais de suas
intrigas, Beaumont?
— Isso não é coisa nossa — disse Beaumont.
O primeiro homem tirou uma pistola e apontou para a
cabeça de Hart. — Seu dinheiro ou sua vida, — disse
sombriamente. — E esses cavalos. Nós os levaremos também.
Robert agarrou a pistola do cinto de Beaumont e
disparou um tiro de advertência aos pés do salteador. —
Abaixa sua arma! — Rugiu. — Ou o próximo vai te pegar no
crânio. — Ele brandiu a arma para mostrar que era uma
pederneira de cano duplo, com um disparo ainda pendente.
— Scarcliffe, não seja tolo — Beaumont assobiou. O
salteador recuou com cautela, mantendo sua pontaria em
Hart.
— Largue isso — grunhiu Robert. Pela extremidade do
olho, viu os outros salteadores pegar suas próprias armas. —
E nenhum movimento de nenhum de vocês! Sou Robert
Hartley, conde de Scarcliffe, e juro pelas pedras de Scarcliffe
Hall que porei esta bala entre seus olhos!
— É ele! — murmurou um dos salteadores. Robert ficou
lisonjeado com o sussurro de consternação que os
atravessou. O homem que apontava para Hart, deu outro
passo para trás.
— Nenhum dano foi feito, meu Lorde — disse nervoso,
apontando a pistola para o céu. — Não há dano.
— Largue todas as suas armas — exigiu Robert. — Atira-
as ao chão.
Houve uma série de golpes surdos satisfatórios quando
as armas caíram na estrada.
— Agora para o bosque — ordenou Robert. — Pouco a
pouco, agora. Mãos no ar.
Os homens começaram a se retirar. Beaumont tinha o
controle total do cavalo agora, e habilmente o girou para
permitir que Robert mantivesse sua arma apontada para o
líder.
A situação parecia resolvida assim que tinha começado
quando o líder dos salteadores, caminhando lentamente para
trás, escorregou em um galho e caiu de costas com um
grande grito de surpresa.
— Não! — Gritou um de seus companheiros, o mais
jovem e o menor de todos, que correu para frente, tomou sua
pistola e disparou loucamente no ar. — Vou te matar se o
machucou!
A noite se converteu em um caos de cavalos pisoteando,
homens correndo e disparos. Robert teve o rápido instinto de
Beaumont de agradecer o poderoso salto que seu cavalo deu
sobre a vala à beira da estrada. Robert rapidamente se jogou
na vala, Beaumont o seguiu.
— Termina com isto, Scarcliffe — queixou-se o Duque. —
Desejaria que não tivesse tomado minha única pistola.
— Que classe de salteador de fantasia sai de casa com
apenas uma arma? — Robert grunhiu, apontando para um
dos homens que lutava com o cavalo de Hart.
Northmere se refugiou atrás de uma árvore caída do
outro lado da estrada.
— Vamos, Hart! — Robert chamou. — Mova-se! Saia do
caminho!
Hart mantinha seu assento com sua habitual
despreocupação. Em um momento como este, sua atitude era
mais do que irritante. Ele cambaleou torpemente de um lado
para o outro enquanto seu cavalo tentava virar o freio das
garras do salteador.
— Hart! — Gritou Robert. — Este não é momento para…
O movimento do cavalo virou o corpo de Hart na direção
de Robert bem a tempo para ver o sangue que se estendia por
sua camisa quando Hart deslizou pesadamente das costas de
seu cavalo.
Ele atingiu o chão em um respingo de barro e membros
agitados, e ficou quieto.
28

Cecily nunca esqueceu um cavalo uma vez que o tinha


montado. O movimento de Thunder debaixo dela era tão
familiar como o de seu próprio árabe em Loxwell Park.
Fez questão de não superar os homens que foram à sua
frente para o resgate de Robert.
Talvez fosse um plano louco, ir atrás dele, mas não
suportava esperar na ociosidade.
Além disso, Robert lhe devia uma explicação urgente.
Afinal, ele tinha quebrado seu compromisso. O mínimo que
podia fazer era se explicar em pessoa.
A chuva se dissipou rápido o suficiente para que suas
roupas não fossem muito afetadas e, apesar de anoitecer, a
lua estava clara e brilhante. Seus olhos se acostumaram à
escuridão e fez progressos constantes ao longo do caminho.
Thunder parecia conhecê-lo bem; evitou os buracos e as
poças mais profundas por instinto.
Isso a fez se sentir perto de Robert, de algum jeito, estar
montando seu cavalo. Sentiu o anel Balfour pressionando seu
dedo enquanto agarrava as rédeas.
— Logo, meu amor — murmurou para si mesma. —
Logo.
A viagem foi tão silenciosa e a brisa noturna tão
relaxante que Cecily foi embalada a um estado de antecipação
de sonho. Quando os primeiros disparos soaram na estrada à
sua frente, foi apenas sua montaria que a manteve na sela.
— Vamos lá, Thunder — disse, acariciando o pescoço do
cavalo. — Qualquer problema eminente, não tem nada a ver
conosco. Simplesmente o solucionaremos.
Ela desmontou do cavalo, teria sido uma tolice cavalgar
pelo bosque na escuridão, e o conduziu lentamente para as
árvores. Gritos e mais disparos cruzavam o ar à distância.
— Podemos ter certeza de que, mesmo que Robert esteja
brigando, não sofrerá danos, — disse, tanto para se consolar
como para Thunder. — É um bom atirador e tão valente
quanto qualquer homem.
Percebeu com arrependimento de como tinha sido tolice
perseguir os homens. Qual teria sido o mal de esperar um ou
dois dias até que se encontrasse com Robert? Pior ainda,
tinha quebrado outra promessa a seu pai. Ela fez uma careta
ao pensar em sua reação quando descobrisse que Jemima
tinha retornado sozinha.
— Compensá-lo-ei — prometeu a si mesma. — Nunca
voltarei a fazer algo tão imprudente. Parece que fui uma parva
por amor, mas essa é uma maneira ruim de se comportar.
— Com quem poderia estar falando, senhorita?
Cecily congelou. Diante dela, mal iluminado por um raio
de luar que caía entre as árvores, encontrava-se um homem
cujo rosto estava oculto por uma máscara.
Levantou sua pistola, e ela escutou o estalo do gatilho
enquanto a levantava.
— Essa é uma criatura bonita que tem aí, senhorita, —
ele sussurrou para ela. — Passe-me as rédeas, agora, seja
uma boa garota.
Cecily não podia permitir que ele roubasse o cavalo de
Robert de seus cuidados. Ela deu uma palmada forte no
flanco de Thunder. — Corra, Thunder!
O salteador amaldiçoou em voz alta quando Thunder se
virou e galopou para a estrada.
— Por que fez isso?
Cecily percebeu que acabava de enviar seu único meio de
escapar. Envolveu seus braços sobre seu peito, muito ciente
de que usava um vestido fino feito para visitar, não um
vestido de montar, e tentou não deixá-lo vê-la tremer. — Não
tenho mais nada de valor.
— Oh, não, senhorita — o homem respirou, avançando e
pressionando o cano da arma contra seu peito. — É claro que
tem.
29

Robert disparou três vezes no ar, fazendo os salteadores


se dispersarem em pânico.
Enquanto recuperavam o juízo, lançou-se para a estrada
e levantou seu irmão nos braços. Teve tempo de registrar a
queixa murmurada de Hart e se alegrar disso, quando uma
bala golpeou a terra ao lado dele e rodou a si mesmo e ao
ferido de volta à vala.
— Pistola! — Beaumont estalou. Robert passou para ele e
atendeu Hart, enquanto que Beaumont pegou a arma do
primeiro salteador, depois de outro. — Fique para trás! Fique
para trás, estou avisando!
— Parece ruim? — Hart perguntou, sua respiração era
rápida e superficial.
— Não consigo ver nada nesta maldita escuridão — disse
Robert. Hart se levantou sobre seu cotovelo.
— Não parece tão ruim…
— Fica quieto!
— Robert, você deve sair daqui. — Hart fez um gesto
para o cavalo de Beaumont.
— Vá para casa. Obtenha ajuda.
— A carruagem, — disse Robert. — A carruagem que me
trouxe aqui, estava muito perto de nós.
— E ficará para trás, e bem longe disto. O que quatro
lacaios podem fazer desarmados contra estes salteadores? —
Hart pressionou uma mão contra a ferida no peito e conteve
um gemido de agonia. — Deve ir para casa.
Robert olhou do irmão para o cavalo e tomou uma
decisão rápida. — Está em condições de montar?
— Robert, não deixarei você…
— Não está em condições de brigar, Hart, está em
condições de montar?
Hart mordeu o lábio e assentiu. — O choque da bala me
desgastou um pouco. A princípio fiquei sem fôlego. Acho que
posso segurar o arreio agora.
— Cubra-me, Beaumont! — Robert chamou. Ele virou
Hart, fazendo o possível para ignorar os grunhidos de dor, e
sentou-o no cavalo de Beaumont. — Fique no bosque — disse.
— Vá para a estrada só quando for seguro. Vá! Vá!
Ele se jogou de novo no chão, esperando que as balas
passassem por seus ouvidos a qualquer momento. Para sua
surpresa, não havia nada além de silêncio.
— Scarcliffe, — disse Beaumont, com voz tensa — é
melhor dar uma olhada nisso.
Robert se arrastou até a beira da vala e seguiu com os
olhos o dedo acusador de Beaumont.
Um salteador, o magro que tinha disparado o primeiro
tiro, estava parado no meio da estrada. Tinha uma pistola em
uma mão e a outra torcia o braço de uma jovem que parecia
tão zangada como assustada.
— Cecily!
Seu nome saiu de sua garganta, mesmo quando o
assobio de desgosto de Beaumont lhe disse que tinha
arruinado completamente sua vantagem.
— Então ela é uma conhecida sua — provocou o
salteador. — Isso é interessante.
— Ela não faz parte desse negócio! — Robert gritou. —
Deixa-a ir! Ela não será de nenhum valor para você!
— De verdade acha que Lady Cecily Balfour não me faria
ganhar um bom resgate? — Exigiu o bandido. Robert
amaldiçoou.
— Como é que ele a conhece? — Murmurou Beaumont.
— Estes homens devem ser da região.
Robert não teve tempo de considerar sua origem. Sua
mente foi consumida ao ver o rosto de Cecily, assustado e
pálido, do lado do bandido.
— Baixem suas armas, meus senhores — exigiu o
asqueroso. — A menos que queira causar dano a sua
senhoria, é isso.
— Não o escute! — Cecily protestou. — Estou
perfeitamente bem, ah!
O salteador dobrou seu braço de uma maneira cruel, e
ela se calou. O sangue de Robert pulsava em seus ouvidos. Se
não fosse pela arma apontada diretamente para o peito de
Cecily, teria pulado para frente e esmigalhado esse homem
membro por membro.
— Deixei cair minha pistola! — Northmere chamou, de
seu esconderijo do outro lado da estrada.
— E deixei a minha! — fez coro Beaumont. — Deixem a
dama ir. Podem pensar que é um bom plano apostar com o
duque de Loxwell, moços, mas esse tipo de jogo é muito
perigoso para vocês.
— Tem razão — sibilou um dos bandidos, agitando sua
própria arma para enfatizar.
— O duque nos perseguirá como cães se a levarmos.
— Cale a boca! — Exigiu o bandido magro. Ele deu outro
puxão no braço de Cecily. — Este prêmio é meu. Cavalheiros
na vala, saiam daí com os braços levantados.
— O que faremos, Scarcliffe? — Beaumont perguntou. —
Incomoda-me fazer o que essa criatura nos diz.
— Há alguma outra opção? — Robert perguntou. O olhar
de Beaumont caiu sobre a pistola caída na terra entre eles.
O coração de Robert se rebelou. — Não. Não! É muito
perigoso.
— Você pode atirar, Scarcliffe — disse Beaumont com
urgência. — Pode disparar em uma perdiz no céu em um dia
nublado com quase nenhuma pontaria. Tenho fé em você.
Os dedos de Robert se moveram para a arma. Pela
primeira vez em sua vida, sua mão tremia. — Não posso pôr
Cecily em risco.
— Robert! — Cecily gritou, ignorando a arma em seu
peito e as olhadas zombadoras do bandido. — Robert, se
estiver aí, acabe com isso!
Agarrou a pistola.
— Bom homem — disse Beaumont.
O bandido magro estava cada vez mais ansioso. As
coisas não estavam indo conforme o planejado.
Ele apontou sua arma vagamente na direção de Robert,
deixando que Cecily se soltasse por um momento. — Estou
advertindo! — Ele chamou. — Uma pista para negociar não é
divertido, e…
A bala de Robert o atingiu diretamente no ombro. O
bandido caiu no chão, quase levando Cecily com ele. Ela se
libertou de sua mão fracamente agarrada e o chutou antes de
correr para a vala e se lançar ao lado de Robert. Deslizou-se
pela margem lamacenta, deixando uma grande faixa de lama
e matéria de folhas perturbadas no seu caminho, e aterrissou
diretamente aos pés de Robert.
Os salteadores restantes se dispersaram pelo bosque, um
deles parou para arrastar o seu companheiro ferido para fora
do caminho. Robert ouviu o grito de triunfo de Beaumont e o
grito louco de Northmere. Não teve atenção extra para
participar das comemorações. Cecily estava deitada na terra
úmida a seu lado, transformando aquela vala imunda em
uma pracinha cheia de flores. Ambos estavam manchados de
lama, desalinhados, rindo quase histericamente com a louca
alegria da fuga. Ele beijou sua testa, beijou as folhas que
engancharam em seu cabelo, beijou suas luvas manchadas e
mangas rasgadas e o lugar em seu pescoço onde seu coração
ainda pulsavam pelo medo.
— Realmente, Scarcliffe — disse o duque de Beaumont
secamente. — Isso foi uma batalha, não umas bodas.
Cecily empurrou Robert para longe com fingida raiva. —
Primeiro me pede para esperar por você. Depois atira em
mim. Agora espera que te beije? — Ela ficou de pé, usando o
ombro de Robert como apoio. — É demais, Robert.
— Está ferida? — Ele perguntou, saindo da vala de
maneira instável e se virando para ajudar. Passou seus olhos
sobre seu corpo, não, pela primeira vez, em agradecimento,
mas para verificar se havia algum sinal de dano. — Seu
braço?
— Um pouco retorcido. Nada mais. — Cecily pressionou
a mão no peito. — Embora desejasse que meu coração
parasse de bater tão rápido.
Northmere se juntou a eles no centro do caminho,
conduzindo seu cavalo. — Este é um posto de observação
ruim. E resta apenas um cavalo para nós!
Hart tinha escapado, em um Beaumont surpreso pelos
disparos de volta a Scarcliffe Hall.
— Não importa — disse Robert. — É uma boa noite para
uma caminhada.
Cecily estava olhando a mancha escura de sangue que
agora manchava o caminho.
— Matou-o, Robert?
— Não. Apontei para seu ombro.
Beaumont deixou escapar um assobio de aprovação. —
Foi um bom tiro, homem!
Robert, de fato, estava mirando o ombro esquerdo, e
tinha atingido o bandido à direita. A bala chegou tão perto de
Cecily que deve ter sentido o vento ao passar. Robert resolveu
imediatamente levar esse fato em particular à sepultura. —
Obrigado, Beaumont. Embora deva dizer que isto arruína
meu plano de convencê-lo a apostar na quantidade de
perdizes que nós dois derrubamos este verão.
Beaumont moveu um dedo. — Enganou-me uma vez,
Scarcliffe. Nunca mais.
— Sua graça! — Cecily ofegou, tocando o braço de
Beaumont. — Está ferido!
Beaumont olhou espantado sua manga ensanguentada.
— Meu Deus! Não senti nada.
Só um arranhão, Lady Cecily. Não se alarme.
— E Lorde Jonathan — disse Cecily, olhando em volta
como se pudesse encontrá-lo escondido atrás de uma árvore.
— Lorde Jonathan cavalgou com você, onde está?
A atmosfera festiva que seguiu à vitória se dissolveu
imediatamente. O estômago de Robert torceu de ansiedade.
Não tinha conseguido avaliar a extensão da ferida de Hart
antes de sua partida.
— Ele vai conseguir e foi procurar ajuda — disse. —
Recebeu uma bala, mas...
Cecily pôs a mão na dele, entendendo imediatamente. —
Caminharemos para Scarcliffe Hall o mais rápido possível —
disse. — Isso é o melhor e a única coisa que podemos fazer.
Lorde Jonathan estará bem, Robert. Sei.
Northmere ofereceu a Cecily seu cavalo, mas ela recusou,
preferindo caminhar ao lado de Robert. Enquanto avançavam,
Beaumont e Northmere começaram a conversar mais uma
vez, tentando levantar o ânimo de Robert.
A mão de Cecily ficou na sua. Sentiu que ela desejava
que toda sua força e fortaleza passassem para ele através da
tensão de seu aperto.
O que a manhã traria, nenhum deles poderia dizer. Tudo
o que podiam fazer, quando o primeiro resplendor do
amanhecer começou a se filtrar entre as árvores, foi caminhar
em sua direção.
30

Demorou consideravelmente mais tempo para voltar a


Scarcliffe Hall do que para sair. Quando o sol tinha saído por
completo, ainda estavam na estrada, com a viagem quase pela
metade. Northmere, que preferia a moda à praticidade quando
se tratava de escolher seu calçado, começou a queixar-se
amargamente da dor nos pés. Beaumont, por outro lado,
estava mais tranquilo do que nunca, e tinha conversado com
Cecily com a mesma leveza que faria se estivesse fazendo uma
visita social pela manhã. Como Robert foi o primeiro dos
quatro bons amigos a escolher uma prometida, Beaumont
parecia querer conhecê-la.
Robert estava surpreendentemente comovido.
Mesmo com as queixas de Northmere, era difícil não ficar
otimista nessa manhã fresca de verão. O ar se encheu com o
aroma fresco e verde do bosque depois de uma chuva leve. As
tribulações da noite foram sentidas a mais de uma hora de
distância: tinham mais em comum com um sonho
horripilante do que com a realidade. Somente o sangue no
braço de Beaumont, agora impossível de ignorar à luz da
manhã, e a ausência de Hart, permaneceram como
marcadores do que havia acontecido.
— O que é isto? — Beaumont perguntou, parando em
seco. — Alguém vindo pela estrada. Muitos.
Cecily protegeu os olhos para ver melhor. — Esse é o
uniforme de meu pai, acho. Que diabos seus homens estão
fazendo na estrada?
— Northmere, você tem a melhor vista — disse Robert. —
Pare de olhar suas próprias botas e diga-nos o que vê.
Northmere obedeceu sem reclamar demais. Enquanto
olhava os homens à distância, sua mandíbula se afrouxou
lentamente com incredulidade.
— O que acontece, homem? — Perguntou Beaumont.
Northmere olhou para Robert e Cecily, afligido pela confusão.
— Não vai acreditar o que te digo, — disse — mas apenas
metade desses homens levam o uniforme do duque de
Loxwell. A outra metade, até onde posso entender, são de
Scarcliffe Hall.
— O quê? — A mão de Cecily apertou a de Robert. — Isso
é completamente impossível. — Parecia mais assustada agora
do que tinha estado com os bandidos.
— Pode ser que se uniram para nos encontrar e... e...
— Não deixaremos que te faça mal, querida senhora —
disse Beaumont galantemente.
Cecily não foi consolada.
— O maior dano que poderiam fazer seria afastar-me do
lado de Robert.
Os homens na estrada à frente os tinham notado.
Escutou-se um grande grito e vários deles vieram correndo.
Não importava a rapidez com que corriam, no entanto, foram
rapidamente alcançados por dois homens a cavalo que se
aproximavam da retaguarda da multidão.
— Papai! — Cecily chorou.
Robert não sabia se devia se manter firme ou levantar
Cecily nos braços e levá-la para o bosque. O homem que
cavalgava ao lado do duque de Loxwell não era outro senão
seu próprio pai.
O duque os alcançou primeiro. Parando bruscamente
seu cavalo, olhou para Cecily e passou a mão na testa. Em
seu primeiro encontro, Robert achou isso bastante proibitivo.
Agora, embora o duque estivesse montado e Robert não, tinha
a estranha sensação de ter a vantagem.
— Maldição! — Falou o duque. — Garota insolente! Eu
lhe dei permissão para visitar Scarcliffe Hall, e aproveita a
oportunidade para escapar? Para passar a noite fora de casa,
quando os bandoleiros e bandidos estão no campo? — Saltou
de seu cavalo com surpreendente agilidade para um homem
de sua idade e pegou Cecily em seus braços.
— Nunca em minha vida fiquei tão assustado. A
princípio, pensei que simplesmente tivesse fugido para se
casar. Isso teria sido bastante doloroso, mas quando Lorde
Jonathan apareceu, e nos falou dos perigos na estrada, e que
não estava com os cavalheiros...
— Viu meu irmão? — Robert perguntou com urgência. —
Diga-me, Sua Graça, está bem?
Antes que o duque pudesse responder, o marquês os
alcançou e soltou um uivo que ninguém poderia dizer que era
raiva ou gratidão. — Meu filho!
O inchaço na perna do marquês causado pela gota ainda
era visível através de suas calças de couro. Robert o ajudou a
descer de seu cavalo, espantado ao descobrir que seu
formidável pai estava à beira das lágrimas. — Não está ferido,
moço? — O marquês perguntou, abraçando Robert com força
suficiente para cortar o fôlego e deixá-lo incapaz de
responder. — Eles não machucaram você?
— Estou bem, estou bem — ofegou Robert, lutando para
se liberar das mãos desesperadamente obstinadas de seu pai.
— Mas Hart, pai, e Hart?
— Meus homens encontraram Lorde Jonathan no
caminho enquanto procuravam Cecily — disse o duque. —
Nós o levamos para Scarcliffe Hall e despertamos seu pai. Foi
ferido, mas conseguiu nos contar tudo o que tinha
acontecido. Foram buscar o médico.
Os joelhos de Robert afundaram em alívio. De repente, se
alegrou de que seu pai o estivesse abraçando com tanta força.
— Então, não está muito ferido?
— Hart viverá — disse o marquês, apertando fortemente
os ombros de Robert. — Foi uma tarefa tola que empreendeu
ontem à noite, mas viverá. Oh, moço! Quando Hart chegou
meio desacordado e disse que tinha deixado você para trás,
temi o pior.
— Ambos temíamos o pior — O duque de Loxwell disse
severamente, encarando Cecily com um olhar de tal
recriminação que era de se admirar que pudesse olhá-lo nos
olhos.
— Mas estou a salvo, papai — disse, dando tapinhas no
braço dele. Robert nunca deixou de se surpreender pela
compostura de Cecily. Havia lama em suas costas, rasgos em
seu vestido, e o chapéu estava completamente perdido,
deixando seu cabelo castanho livre em uma gloriosa e
emaranhada queda. Mas, apesar de tudo, ela tinha o porte de
uma rainha. — Robert cuidou muito bem de mim. E o duque
de Beaumont e o barão Northmere também.
O duque voltou seu temível olhar para os cavalheiros. —
Confio que cada um de vocês terá a nobreza de não falar da
forma como minha filha se comportou ultimamente. Não é
seu costume, garanto-o.
— Papai, não há nada escandaloso a respeito! — Cecily
pôs-se a rir. — Robert e eu estamos comprometidos. Por que
não deveria passar uma tarde com meu prometido? E
suponho que tive bandidos para atuar como meus
acompanhantes.
Ainda não tinham tido a oportunidade de discutir a
inevitável demora em seu matrimônio. Esta foi a primeira
indicação que Cecily havia lhe dado de que poderia aceitar
esperar. Mesmo quando seu coração se aqueceu, Robert
descobriu que não conseguia olhar para seu pai.
Não que desejasse que o velho morresse, apenas que
desejava que fosse de algum jeito diferente. Que tudo fosse
diferente. Que poderia chamar Cecily publicamente e para
sempre de sua.
— Ainda sou seu prometido? — Perguntou, mal
conseguindo acreditar.
— Por muito tempo que tenhamos que esperar —
respondeu com firmeza.
Como Robert esperava, o marquês quase esqueceu seus
antigos temores. A raiva pálida se instalou em seus traços
mais uma vez. — Está decidido a me desafiar, Robert?
Robert sentiu todos os olhos se voltarem para ele. O
duque de Loxwell observava com imperiosa atenção; o
marquês brilhava com raiva mal contida; e Cecily o olhou com
sincera confiança.
— Cecily, acho que não a apresentei ao meu pai — disse.
— Posso lhe apresentar ao marquês de Lilistone. Pai, esta é
Lady Cecily Balfour, a mulher com quem me casarei. — Ele
endireitou os ombros. — Castigue-me como achar melhor.
— Uma palavra, Lilistone, se eu puder — disse o duque
de Loxwell, levantando um dedo.
— Nossa velha inimizade já deixou este condado em
desordem. Permitimos que as estradas caiam em mal estado e
ficassem infestadas de vilões, simplesmente porque não
pudemos nos sentar ao redor de uma mesa e distribuir
responsabilidades igualmente. Nossos filhos quase pagaram
por esse erro com suas vidas. — Olhou para Cecily e
suspirou. — Não posso encontrar em meu coração oposição à
união deles. Que o passado seja passado. Vamos nos
reconciliar.
Estendeu sua mão. O marquês o olhou por um momento
e ninguém se atreveu a respirar.
— Robert e eu descobrimos a verdade atrás do que
aconteceu com Lady Letitia, meu Lorde — disse Cecily
calmamente. — Nunca houve necessidade de que nossas
famílias brigassem. Tudo começou como agora terminará. —
Pegou a mão de Robert e a apertou firmemente. — Com amor.
— Deixou de lado suas diferenças para nos salvar —
insistiu Robert. — Se você pôde fazer isso uma vez, pai,
poderá fazer novamente para assegurar minha felicidade.
As sobrancelhas do marquês baixaram. — Não mais —
disse. Agarrou a mão do duque de Loxwell com a sua.
— Não haverá mais inimizade entre nossas famílias!
Uma grande ovação aumentou entre os homens
reunidos. Cecily abraçou primeiro seu pai, depois o marquês,
beijando os dois homens nas bochechas até que se
ruborizaram de um vermelho não aristocrático.
— Então temos sua bênção, papai? — Ela perguntou,
quase com acanhamento. O duque bateu nas costas de
Robert com tanta força que, por mais forte que fosse, quase o
derrubou.
— Minha bênção, de fato!
— E minha! — Disse o marquês, para não ficar para trás.
— E selaremos nossa nova amizade com umas bodas
nunca vista antes! — Continuou o duque.
— Todos os senhores e senhoritas da Inglaterra serão
convidados! — O marquês concordou. — Meus amigos por um
lado, Loxwell, e os seu pelo outro: o dia será a inveja de todas
as grandes casas da Europa!
— Muito bem — murmurou Cecily, pegando o braço de
Robert enquanto seus pais voltavam a montar seus cavalos e
se afastavam alegremente. — Parece muito mais extravagante
que as bodas que eu havia planejado.
— Acha que vai demorar muito tempo para arrumar? —
Robert perguntou, fazendo um esforço por indiferença. Cecily
pôs-se a rir.
— Meu impaciente carinho! Não me diga que não está
disposto a esperar?
— Até o fim do mundo — disse Robert. — Até as estrelas
queimarem. Mas, Cecily, por favor, até o final do verão?
— Um casamento de outono me seria muito conveniente.
— Não zombe de mim. — Baixou a voz. — Não posso
suportá-lo.
Cecily levantou a vista para ver se seu pai não estava
olhando e ficou nas pontas dos pés para dar um beijo rápido
em Robert. — Não vai demorar, meu amor. Comparado com a
vida que nos espera, não vai demorar.
31

O espaço de uma semana, ele encontrou uma festa de


chá muito agradável nos jardins de Scarcliffe Hall, algo que
ninguém em sã consciência teria previsto no começo do verão.
O duque e a duquesa de Loxwell estavam sentados ao redor
da mesa com o conde de Scarcliffe e sua mãe, a marquesa de
Lilistone, tomando chá, comendo bolo e conversando tão
alegremente como velhos amigos.
A Marquesa tinha vindo para ficar em Scarcliffe Hall no
momento em que ouviu a notícia do compromisso de seu filho
mais velho, com a intenção de ficar até as bodas ser
planejada, o Marquês estava saudável e a nova amizade entre
os Hartley e os Balfours foi confortavelmente reforçada por
uma série de visitas e passeios felizes.
Foi um grande alívio para Robert que seu pai logo estaria
bem o suficiente para retornar ao imóvel Lilistone. Scarcliffe
Hall era quase seu mais uma vez e, embora nunca mais seria
o paraíso de solteiro que tinha prometido a seus amigos,
voltaria a correr sob seu próprio domínio.
A duquesa e a marquesa, que durante muito tempo
tinham estado separadas pela inimizade de seus maridos,
haviam encontrado muitos pontos em comum ao voltar a
contar as histórias de sua juventude, e apenas pararam sua
animada conversa para olhar ao redor com satisfação para os
jovens dispersos pelo jardim.
Northmere tinha levado a mudança para um estilo de
vida mais sociável em boa graça, e iniciou uma animada
conversa com Jemima enquanto caminhavam juntos pelo
gramado. Hart, por outro lado, estava tão à vontade com a
nova família de Robert que não teve nenhum escrúpulo em
descansar na grama, deixar que manchasse sua camisa e
tomar sol com uma xícara de chá equilibrada em uma rocha a
seu lado. Seu braço esquerdo estava amarrado em uma
tipoia, mas esse era o único lembrete da bala que o atingira
abaixo da clavícula.
— Estávamos falando esta manhã das bodas — disse a
duquesa de Loxwell, inclinando-se para captar a atenção de
Robert. Robert sorriu o melhor que pôde. Parecia-lhe que
ninguém falava em nada além das bodas. — Sei que seu pai
estava com o coração em Londres, mas Cecily pensou que
seria muito melhor tê-lo em nossa igreja paroquial em Loxton.
— Meu marido não fará objeções, se Cecily desejar —
assegurou a Marquesa, antes que Robert pudesse falar. A seu
lado, Cecily estava ocupada com uma pluma e papel, para
desgosto de sua mãe, já que não eram o acompanhamento
tradicional para o chá e o bolo.
— Isso significa que devemos nos apressar com os
convites — disse Cecily. — O duque e a duquesa de
Redhaven, por exemplo, têm uma excelente maneira de viajar.
E sua irmã, Robert, vai lidar com Larksley?
— Não em sua condição — disse Hart abruptamente.
Robert o chutou disfarçadamente.
— Receio que está passando por um momento difícil
nesta fase da gravidez — explicou, com a maior delicadeza
possível. — E seu marido, claramente, não se separará de seu
lado.
— Que afortunados eles terem sido abençoados com
filhos logo após seu matrimônio! — Cecily suspirou, com os
olhos brilhantes. — Lady Lilistone, deve estar encantada!
— Estou igualmente emocionada por todos meus filhos
— disse a Marquesa feliz.
— Pensar que dois de meus entes queridos se casaram
com segurança, com pessoas tão maravilhosas, no decorrer
de um único ano! — Ela assentiu significativamente para seu
filho mais novo. — Agora só tenho que me preocupar com
Hart.
— Não acho que você quer que me case com tanta pressa
quanto meus irmãos, mãe — disse Hart preguiçosamente.
Robert fez uma nota mental para familiarizar Cecily com a
realidade da situação de sua irmã o mais rápido possível.
Afinal, não era correto que ele ocultasse segredos de família
dela. Mas, como as indiscrições de sua irmã não eram um
assunto adequado para os ouvidos da duquesa de Loxwell,
Robert se esforçou por desviar a conversa dos comentários
irônicos de Hart.
— Mãe, não havia algo que queria dizer a Cecily?
Cecily largou a pluma e papel imediatamente e ouviu
atentamente.
— Oh, sim! Obrigado por me lembrar Robert. Cecily,
desejo fazer um passeio com você pela casa esta tarde. Sei
que já deve ter visto antes, mas há várias coisas que deve
saber antes que tome residência. O Marquês e eu não
estaremos aqui frequentemente, já vê. Deixaremos você e
Robert para começar suas vidas juntos em paz. Sobre tudo,
quero que sinta que este é realmente seu lar, e mostrarei os
dormitórios que você deve redecorar de acordo com seu
próprio gosto.
— Obrigada, minha Senhora! — Disse Cecily,
surpreendida e encantada. — Isso é muito amável!
O duque de Loxwell despertou da contemplação de sua
fatia de bolo. — Muito amável, Lady Lilistone, amável de fato,
mas me decepciona saber que você e Lilistone não têm a
intenção de ficar na região.
— Vamos visitá-lo com frequência, Sua Excelência, —
sorriu a Marquesa. — Especialmente se o desejam.
— Oh, nós desejamos — disse a Duquesa, apertando sua
mão. — Não se engane sobre isso.
Northmere e Jemima tinham terminado seu circuito de
canteiros de flores e voltaram para a mesa. — Você deixou a
condessa de Streatham fora de sua lista de convidados —
comentou Jemima, lendo a lista que Cecily tinha estabelecido.
— Oh, Isabella não precisa de um convite. Se dirige para
Loxwell Park enquanto falamos! A visita está organizada há
semanas. Na verdade, nem sequer lhe disse que estou
comprometida. — Cecily sorriu em antecipação. — Quero lhe
dizer quando chegar, para que possa receber suas felicitações
pessoalmente. Como ela ficará surpresa!
— Você convidou a condessa de Streatham? — Hart
perguntou, sentando-se tão abruptamente que derrubou sua
xícara de chá.
— Ela é uma de minhas mais queridas amigas — disse
Cecily. — Você a conhece?
— Poderia dizer. — Hart ficou de pé de um salto e foi
para o outro lado do jardim sem dizer mais uma palavra.
Cecily olhou Robert, intrigada.
— Disse algo errado?
— Absolutamente — disse Robert, olhando pensativo
para o irmão chutando um arbusto em flor. — É apenas um
dos humores estranhos de Hart. Agora, me mostre essa lista.
Espero que tenha deixado espaço suficiente para minhas
próprias adições.
Mal teve tempo de ler os primeiros nomes quando Peters,
o mordomo, saiu correndo da casa.
— Uma mensagem urgente, Lady Lilistone! — Disse,
apoiando as mãos nos joelhos para recuperar o fôlego.
— Gracioso, Peters, sente-se — disse a Marquesa. —
Correr não combina com você!
— Obrigado, minha senhora, mas estou muito bem. —
Peters pegou um lenço e secou a testa. — Um menino acaba
de chegar de Loxton. O duque de Beaumont teve um acidente
enquanto cavalgava.
— Perguntava-me aonde tinha ido! — Robert exclamou.
— É sério?
— Temo que seja, meu Lorde. Levaram-no diretamente
ao doutor Hawkins.
— Mas por que levá-lo à casa do Doutor? — Perguntou a
duquesa de Loxwell. — Certamente teria sido melhor trazê-lo
aqui, ou para Loxwell Park, se ele estivesse em nossa terra.
— O menino disse que pediu para ser levado ao Doutor
— disse Peters. Um olhar estranho cruzou seu rosto, e ele se
inclinou para Robert para murmurar: — De fato, meu Lorde,
Sua Graça aparentemente pediu que o levassem para a
senhorita Anna Hawkins.
— Anna? — Perguntou Cecily. — Mas o duque mal a
conhece! Por que deveria pedir para ser levado para lá?
— Não quero especular, minha Lady — disse Peters.
Robert levantou-se. — Irei com ele imediatamente —
disse. — Duvido que possa ajudar o Doutor, mas não posso
simplesmente me sentar aqui e não fazer nada.
— Sim, sim, deve ir imediatamente! — Disse o Duque de
Loxwell. — O pobre homem, espero que não esteja gravemente
ferido.
— Hart! — Robert chamou. Seu irmão ainda estava
absorto em um comportamento antissocial no fundo do
jardim. — Hart! Venha aqui com nossos convidados.
— Não se preocupe com ele — disse Cecily, colocando a
mão em seu braço. — Vou ver se consigo tirá-lo desse...
estado de ânimo.
— Vai, Robert! — Ordenou a Marquesa. — Sou
perfeitamente capaz de cuidar de nossos hóspedes sem você.
Vá ver o que pode fazer por Beaumont.
Robert pressionou a mão contra seus lábios e se
apressou a entrar em casa para vestir sua roupa de montaria.
Não conhecia bem a senhorita Anna Hawkins, mas a tinha
visto com frequência suficiente para se perguntar se deveria
estar mais preocupado com o duque de Beaumont ou com a
jovem e bonita ruiva que aparentemente chamou sua atenção.
Quando Robert saiu de Scarcliffe Hall, não pôde deixar
de refletir sobre a irônica melhora de todos os planos que ele,
Hart, Northmere e Beaumont haviam feito para esse verão.
Esporte, pesca, bilhar, jogos, e estritamente não mulheres!
Agora Beaumont parecia estar perseguindo a filha de um
cavalheiro, Hart enfrentava a sombria possibilidade de
encontrar a condessa de Streatham mais uma vez, e o próprio
Robert...
Robert reduziu a velocidade do seu cavalo a caminhar. A
ação lhe convinha melhor do que a contemplação. Ainda não
tinha entendido completamente as mudanças materiais que
Cecily tinha forjado sobre ele.
Logo seria um homem casado. Suas travessuras de
solteiro estavam todas atrás dele. A garota mais bela, teimosa,
vivaz e impossível da Inglaterra estaria sempre em seu braço.
Nunca tinha sido mais feliz em sua vida.
Epílogo

Finais de outono de 1820

Apoiada contra o velho carvalho no coração do bosque de


Scarcliffe, Cecily fechou os olhos e ouviu o som de cascos se
aproximando. Ela se imaginou inclinada sobre o lombo do
cavalo, com o vento açoitando seu cabelo. Sua capa teria
ficado para trás em um ramo de árvore inesperada, que era,
na opinião de Cecily, o melhor lugar para uma capa.
Mas ela não estava montando. De fato, ela estava
sentada em silêncio, com um livro na mão. O ar tinha um frio
característico que a alegrava por seu casaco forrado de pele.
Em pouco tempo, estaria vendo a neve cair sobre os jardins
de Scarcliffe Hall. Normalmente, isso não era uma grande
tragédia, mas este ano, quase certamente a limitaria à casa.
— Cecily! — A voz de Robert soou entre as árvores. Ela
sufocou um sorriso de satisfação. Sempre se preocupava em
ver que seus jogos de esconde-esconde só tinham uma
conclusão. — Cecily! — Ela se levantou e voltou a chamá-lo.
Como Robert ficaria feliz em descobrir que ela estava em sua
clareira no bosque da família, debaixo do velho carvalho!
Robert entrou na clareira com seu cavalo um momento
depois. Cecily levantou o queixo imperiosamente. — Chega
tarde.
Seu cavalo saltava e chutava enquanto seu pesado fôlego
cristalizava em grandes rajadas brancas no ar. — Não leva
meus nervos em consideração. Não deveria caminhar tão
longe no bosque! Se tiver que caminhar, quero você onde
possa te vigiar.
— Não há necessidade de se alarmar, meu amor, a
menos que seja o tempo que demorou para me encontrar. Não
deve temer o galope de Thunder, já sabe.
— Temeroso? — Robert desceu do cavalo e estendeu as
mãos para Cecily. — Venha aqui, minha pequena descarada.
Venha aqui e deixe-me te beijar.
— Sou uma amazona melhor que você, e você é um
atirador melhor do que eu. — Cecily colocou uma mão sobre a
parte redonda de seu ventre enquanto Robert a beijava na
bochecha. — Nosso filho será o esportista perfeito.
— Estou rezando por uma filha — disse Robert. — Um
filho, com seu espírito? Será demais para mim.
— Tolices — disse Cecily. — Você me dirige muito bem.
Ela deixou que a ajudasse a se sentar novamente, com
certo pesar por seu próprio desconforto. A gravidez era uma
tarefa mais desajeitada do que tinha imaginado.
— Já reparou onde estamos? — Ela perguntou,
apontando com a cabeça para os ramos de carvalho. Robert a
atraiu para ele e sorriu.
— Fiz, de fato. O mesmo lugar onde quase arruinei sua
honra convencendo você a me seguir.
— Esse não é o único ataque que fez contra minha casta
reputação, pelo que me lembro — disse Cecily, arqueando
uma sobrancelha. Robert não necessitava de muita convicção
para morder o anzol.
— Sim, se bem me recordo, era algo assim...
Os sons do bosque se calaram a seu redor enquanto a
beijava.
Se Cecily alguma vez se aborreceu de beijar o marido,
ainda não tinha acontecido. A paixão que tinha precedido o
dia de suas bodas só cresceu com o tempo. Toda vez que seus
lábios se encontravam, ela estava convencida novamente do
que sabia desde o início: eles foram feitos um para o outro. O
ajuste perfeito.
— Alguma vez sentiu saudades? — Ela perguntou,
deixando que sua cabeça descansasse sobre seu ombro.
Robert passou os dedos por seu cabelo, aliviando os
emaranhados que o vento havia formado em sua caminhada.
— A emoção? Todo isso às escondidas?
— Sinto um pouco a falta dela — confessou Cecily.
Robert riu e a apertou mais perto.
— Você quer dizer que não houve emoção suficiente para
você este ano, meu amor? Depois de tudo o que aconteceu,
tanto com nossos amigos quanto conosco?
— É o perigo, Robert! — Cecily disse. — O perigo e o
segredo! Onde está a aventura em uma vida tranquila de
casados?
— Não quis dizer isso — disse Robert. Ele levantou sua
mão para sua boca, puxou a manga para revelar um
centímetro do pulso pálido e a beijou. — Não está falando
sério.
— Ele tirou o cabelo de seu pescoço e beijou a pele macia
debaixo de sua orelha. Cecily não pôde conter um suspiro de
prazer. — Há aventura suficiente na vida matrimonial, —
continuou, beijando a ponta de seu nariz — e tenho a
intenção de mostrar a você.
Seus lábios encontraram os dela. Cecily esqueceu suas
queixas.
— Mas por hoje, minha Cecily, — disse Robert, depois de
um abraço que durou vários momentos deliciosos, — já teve
bastante aventura. Não! Não ouvirei sua queixa. Cuidarei bem
de você até o nascimento de nosso filho, quer você queira me
deixar ou não.
Cecily gritou de surpresa quando a abraçou e ficou de
pé. — Grande bruto! Deixe-me ir!
— Sabe tão bem quanto eu que lutar não a levará a lugar
algum — disse Robert alegremente. Cecily parou seu jogo de
chutar.
— Pelo contrário, — disse ela — a última vez que lutei
quando você me levou assim, terminei casada. Melhor não
lutar novamente. Só Deus sabe o que acontecerá!
Robert a pôs de pé e pegou as rédeas de seu cavalo.
— Como desejaria ter meu próprio cavalo e poder correr
de volta para o salão? — Cecily suspirou. Bateu no estômago
com uma frustração indisfarçável. — Parece que todos os dias
há cada vez menos o que posso fazer.
— Mas não é para sempre, querida. — Ele estalou a
língua, persuadindo Thunder a andar suavemente, e
começaram a perambular na direção de sua casa. —
Enquanto isso, deve deixar nossa família ser sua aventura.
— Eu gosto de como isso soa — disse Cecily,
recuperando sua alegria. — Eu gosto muito.
O conde de Scarcliffe e sua condessa caminharam juntos
pelo bosque que ligava Scarcliffe Hall à casa de infância. O
ruído das folhas no final do outono sob os cascos de Thunder
foi o único som que estragou a paz no ar. Mesmo o frio do
iminente inverno não era suficiente para dissipar o calor do
amor que os cercava.
Notas

[←1]
A dopo: Até mais tarde/ As vejo depois/ As vejo mais
tarde.

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