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Os inícios da teoria da arquitectura:

da estética clássica aos tratados de arquitectura


Introdução à teoria da arquitectura:
Antecedentes
Antecedentes da teoria da arquitectura

1. Teoria e estética em Pitágoras


2. Teoria e estética em Sócrates
3. Teoria e estética em Platão
4. Teoria e estética em Aristóteles
Teoria e estética em Pitágoras
Teoria e estética em Pitágoras
Considerado o fundador da geometria teórica. Pitágoras encontrou uma relação entre números,
matemáticas e a natureza e funcionamento do mundo. Ele concluiu que a natureza trabalha por meio
de números e que os números constituem tudo o que ela é.

Os pitagóricos foram os precursores daquilo que se conhece como grande teoria da Beleza. Essa
grande teoria é formulada em tempos pré-clássicos e segundo ela a beleza é resultado da inter-
relação entre equilíbrio, proporção e ordem. Assim, os pitagóricos afirmaram que:

A ordem e a proporção são sempre belas e adequadas e que os números são sempre belos.
Teoria e estética em Pitágoras
Essa concepção de beleza ligada à medida e à ordem tem um objetivo muito específico: evitar o
amorfo. O que a escola pitagórica fez foi transpor o ideal de medida que eles criaram no plano
espiritual para o plano filosófico e, para isso, tomaram como modelo o universo entendido desde os
seus fenômenos completamente cíclicos.

Segundo Pitágoras o céu, a terra e o ser humano estão submetidos a mesma lei: a lei do número.
Por isso, o prazer que a alma experimenta diante das coisas belas que têm uma ordem e medida
advém da nossa capacidade para reconhecer nessas coisas as leis que governam o universo.
Teoria e estética em Pitágoras
Os pitagóricos com o seu pensamento posto em prática queriam que a vida fosse uma espécie de
obra de arte já que viam nas artes, principalmente na música e na poesia, uma ação catártica,
purificadora das emoções e até da moralidade.

Eles perceberam que as cordas produzem sons agradáveis quando o seu comprimento mantém a
mesma relação que a de números simples. Por isso, música e poesia podem gerar sentimentos de
harmonia, ordem, gentileza e simpatia. Desta maneira, definem o conceito de harmonia:

“a unidade da pluralidade e o acorde do discordante, baseada em relações de medida".


Teoria e estética em Pitágoras

As leis dos números na natureza respondem ao princípio da harmonia. Mas a lei da harmonia não é
encontrada apenas na natureza, também nos humanos: harmonia espiritual como meio para
alcançar uma vida bela. É por isso que os artistas gregos buscaram harmonia nas suas obras porque
transmitia harmonia espiritual aos seus cidadãos.

A harmonia apresenta um grande valor estético e é a base da teoria clássica da beleza. Este
conceito também será chave na arquitectura.
Teoria e estética em Sócrates
Teoria e estética em Sócrates
O grande lema de Sócrates era "conhece-te a ti mesmo" e desta manira conseguirás alcançar a
sabedoria. Para conhecer o ser humano e conhecer a profundidade das coisas utilizava no seu ensino
a sutil interrogação desenvolvida no diálogo. Foi assim que ele alcançou a maiêutica: o princípio
socrático de abrir a mente.

A maiêutica do ensino de Sócrates é baseada no diálogo que permite abrir a mente dos seus
discípulos. Na verdade, uma das razões pelas quais Sócrates não acreditava nos escritos era porque
não tinha outra mente diante com quem dialogar. Outra razão pela qual Sócrates não valorizava os
escritos era porque o ensino da palavra permitia interiorizar mais o conhecimento.
Teoria e estética em Sócrates
O seu conceito de beleza se baseia na ideia de Kalokagathia: fusão entre a beleza e o bem.

No caso de Sócrates, essa bondade das coisas, está ligada à utilidade. O belo não é um valor por si
mesmo se não está orientado para algo diferente a si, isto é, se não tem uma utilidade. A beleza não
existe se não estiver associada ao útil e, portanto, não pode ser formal.

Assim, quanto mais adequada for a sua função, mais belo será o objecto. A ideia de Sócrates é de
uma beleza funcionalista que está intrinsecamente vinculada ao objetivo que a coisa bela deve
cumprir, isto é, a adequação do objeto à a função ou finalidade para o qual foi realizado.
Teoria e estética em Platão
Teoria e estética em Platão
A beleza, segundo Platão, responde à teoria platônica das ideias que foi transmitida ao mundo da
arte na busca de uma ideia de beleza. Nesta teoria, Platão afirma que:

“a realidade mais elevada e perfeita não se encontra neste mundo, mas em um mundo superior,
que é precisamente o mundo das ideias”

Para Platão no mundo, não existem apenas corpos, mas também almas ou ideias eternas. As almas
são mais perfeitas que os corpos e as ideias são mais perfeitos que as almas. Trata-se de um sistema
articulado através da abstração, onde quanto mais abstrato, mais belo.
Teoria e estética em Platão
A beleza se refere àquilo que não é acessível à nossa experiência. Fruto dessa concepção tudo o
que até aquele momento era considerado belo é desvalorizado contra a beleza ideal.

Platão também introduz uma nova medida: o grau de beleza das coisas reais agora depende de
uma distância maior ou menor dessa ideia de beleza.

Ele não nega a beleza dos corpos, mas diz que as ações ou pensamentos são mais belos e sensatos. A
experiência da beleza do mundo é uma beleza imperfeita, mas serve para dar passos ascendentes a
essa beleza ideal.
Teoria e estética em Platão
Segundo Platão, é preciso apreciar belos corpos, depois aprender a apreciar belos comportamentos
e então apreciar as belas ciências. Assim, estabelece uma concepção hierárquica de beleza:

• Beleza inanimada: é a beleza da natureza e da arte, do mundo dos sentidos. A mais baixa.
• Beleza moral e espiritual: é a beleza da alma.
• Beleza transcendente: é a beleza que está no mundo supersensível. A beleza das ideias.

Nesta ideia de beleza, vemos como o conceito de Kalokagathia aparece novamente, no sentido de
fusão entre o belo e o bem. Onde o belo e o bem serão indissociáveis da verdade.
Teoria e estética em Platão
Platão também apresenta uma definição mais matemática de beleza onde a beleza é consequência
da harmonia, da ordem, da simetria e da proporção.

“As qualidades de medida e proporção constituem invariavelmente beleza e excelência”

Nessa perspectiva, Platão exalta a beleza das formas mais puras e abstractas, dos corpos mais
regulares com lados iguais (formas platônicas). Os grandes corpos regulares adquirem um
significado quase místico: o tetraedro, o octaedro, cubo, icosaedro e dodecaedro; e são tratados
como figuras de extraordinária pureza.
Teoria e estética em Platão
Em relação às artes e criações artísticas a atitude de Platão é negativa. Essa rejeição da arte é
baseada na sua teoria das ideias: o homem real é uma má cópia da ideia de homem (o homem
ideal) e se imitarmos essa má cópia (em uma obra de arte) ele fica ainda mais longe dessa ideia.

Desde esta perspectiva, Platão estabelece uma graduação das artes, seguindo as suas três
categorias de beleza. Para ele, a cama como conceito e ideia é perfeita; a cama moldada pelo
carpinteiro já não é perfeita, porque imita a cama ideal; e finalmente a cama pintada por um pintor,
que imita a cama realizada pelo carpinteiro é ainda menos perfeita. Assim, o pintor está mais longe
da ideia do que o carpinteiro.
Teoria e estética em Platão
Neste sentido, a arquitectura, nesse sentido, teria maior reconhecimento que a pintura. Sobre a
arquitectura, Platão afirmou:

"se sobre arquitetura me perguntassem que trabalho ela faz como ciência da construção, eu
responderia que os lugares onde habitamos"

• Ciência da construção: a arquitectura como a ciência que realiza construções.


• Habitar, que tem a ver com a vivência integral do ser humano na medida em que existem
emoções, sensações e pensamentos. Refere-se a ideia de conforto dentro de um espaço.
Teoria e estética em Platão
Platão também destaca o valor funcional da arquitectura:

"A primeira das necessidades humanas é a comida, a segunda o quarto e a terceira roupa."

Em relação aos arquitectos, Platão declarou:

"Nenhum arquiteto é pessoalmente trabalhador, mas o chefe dos trabalhadores. O que o arquitecto
dá é o conhecimento e não faz o trabalho manual. Assim, tem-se o direito de dizer que o arquitecto
participa da ciência teórica”.
Teoria e estética em Platão
Platão reconhece que o arquitecto tem um papel de destaque na cidade. Referindo-se à cidade:

“Ela nasce da impotência de cada um de nós para ser autossuficiente e da necessidade que sentimos
de muitas coisas. Não haverá nela um cidadão que é agricultor, outro arquitecto e outro tecelão?”

Platão apresenta o arquitecto como um homem de importância pública:

“Quando a assembleia se reúne e vejo que se trata de obras que têm de ser feitas, os arquitectos são
chamados a consultar”.
Teoria e estética em Aristóteles
Teoria e estética em Aristóteles
Aristóteles é o filósofo do rigor do detalhe. Dentro desse rigor, Aristóteles distingue no ser humano
três níveis:
• Conhecimento. Ao conhecer o ser humano atende à Teoria.
• Ação. Ao agir, o ser humano atende a Praxis.
• Realização. Ao fazer algo, o ser humano atende à Poiesis (poética).

Neste sentido, ele reconhece que algumas artes tratam da práxis e outras da poiesis. No caso da
arquitetura, ela é uma arte da poiesis, pois a arquitectura fabrica algo diferente de nós mesmos
(realiza).
Teoria e estética em Aristóteles
A contribuição estética fundamental de Aristóteles foi para as artes. Esta contribuição encontra-se
principalmente na sua obra "Poética", na qual se dedica a quebrar os aspectos do teatro e da
literatura em geral. No teatro, ele dá atenção especial à tragédia e lhe dá valor dizendo como deve
ser julgado, isto é, determina princípios sobre como fazer teatro. Isso abre um precedente que
influenciará o surgimento de tratados arquitetónicos posteriores.

Sobre a beleza, Aristóteles dá ideias próximas a Platão, mas ele diferencia muito mais a ideia de
bem e de beleza: o bem está sempre ligado à ação, enquanto a beleza ocorre na ação, mas
também nas coisas imóveis.
Teoria e estética em Aristóteles
Aristóteles também entende a beleza desde a medida:

"as principais espécies do belo são: ordem, proporção e delimitação, que são ensinadas
sobretudo nas ciências matemáticas"

Nesta definição, a ordem é entendida como o arranjo espacial das partes; a proporção como a
relação das partes entre si e em relação ao todo; e a delimitação se refere à limitação de tamanho
do conjunto. Assim, para que algo seja belo, além de ter as suas partes ordenadas e proporcionais,
elas devem ter o tamanho certo. Trata-se, portanto, de uma questão de escala.
Teoria e estética em Aristóteles
Aristóteles não fala das artes apenas no sentido estético, mas desde o conceito de habilidade, técnica
e destreza. As habilidades são definidas por ele como “uma disposição acompanhada de
verdadeira razão relativa à fabricação.”

A "razão verdadeira" revela que nem toda disposição de fazer coisas é arte. A arte é uma
disposição que o artista tem de fazer algo, mas acompanhada da verdadeira razão.

O arquitecto cria a casa a partir da ideia da casa, mas não da ideia suprema de Platão, mas da
ideia que o próprio arquitecto tem. Não é uma ideia sublime, mas apenas uma ideia.
Teoria e estética em Aristóteles
Para Aristóteles, a mimese ou imitação não é algo negativo como o era para Platão. Em Aristóteles,
Mimese não se limita a imitar a natureza, mas a proceder à medida que a natureza prossegue:

"As artes se multiplicaram umas tendo por objeto as necessidades e outras o prazer da vida”.

Assim ele não despreza as artes que têm como objecto o mero prazer:

“É belo o que é valioso por si mesmo e o que gostamos ao mesmo tempo”.

A beleza é o que nos dá prazer, sendo o corpo uma fonte válida de beleza e de conhecimento.
Teoria e estética em Aristóteles

Aristóteles também fala da utilidade por excelência da arquitectura porque protege o homem dos
elementos e é também um abrigo psicológico e acolhedor. Aristóteles dizia que:

“O homem de arte é superior ao homem de experiência, o arquitecto é superior ao operador e as


ciências teóricas à práctica”

No arquitecto há, portanto, um conhecimento teórico para além da prática.


Considerações finais
Antecedentes da teoria da arquitectura
• Pitagóricos: conceito pragmático de beleza. Relação com os números, a medida e a ordem.
• Sócrates: conceito funcionalista de beleza. Fusão entre o belo e o bom, entendido o bom
como útil.
• Platão: conceito ético de beleza. Fusão entre o belo e o bom, onde o bom ligado ao mundo
das ideias, isto é, mais além daquilo que conseguem captar os nossos sentidos. Também está
ligada a ideia de medida, ordem e harmonia.
• Aristóteles: conceito misto de beleza. Depende da relação proporcional entre as partes e a
escala. O belo não só é bom, mas também produz prazer.
Antecedentes da teoria da arquitectura

Como entende Sócrates o conceito de beleza?

Como entende Platão o conceito de beleza?

Explica quais são as três categorias de Beleza que define Platão.

Que filósofos clássicos vinculam a beleza a questões de ordem e proporção?

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