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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Curso de Graduação de Bacharelado em Direito


Disciplina: Criminologia e Políticas Criminais
Docente: Prof. Dr. Francisco Bissoli Filho
3°semestre

ESTATÍSTICAS SOBRE O ENCARCERAMENTO NO BRASIL

Florianópolis
2022
INTRODUÇÃO

A realidade dos presídios brasileiros, segundo Oliveira, “se resume em superlotação carcerária,
convivência de presos cautelares com os apenados, insuficiência de estabelecimento do tipo colônia
agrícola ou estabelecimento fabril, resultando em apenados com cumprimento de regime distinto, porém,
recebendo o mesmo tratamento” (OLIVEIRA, 2022, p.52).
Nas palavras do Ministro Luiz Fux, “a superlotação é um problema histórico que viola direitos
fundamentais das pessoas presas e alimenta o ciclo de violência dentro e fora das prisões”. Segundo ele,
as evidências apontam que as medidas adotadas até o momento não apresentaram a eficácia desejada, o
que enseja a necessidade de soluções inovadoras a partir de uma abordagem sistêmica para impactos
mensuráveis e duradouros (CNJ, 2021, p.5).
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que quase 1 milhão de brasileiros
vivem à margem da Constituição Federal, enquanto dentro dos estabelecimentos prisionais do país, com
efeitos nefastos para o grau de desenvolvimento inclusivo
Conforme afirma o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, conhecer a situação da população
prisional é condição necessária para o desenvolvimento de uma política pública consistente na área,
cujos desafios políticos, de recursos e infraestrutura são inúmeros. Por isso a necessidade de conhecer
as condições existentes e fomentar o seu desenvolvimento (2016, p.2).
O presente trabalho pretende mostrar alguns aspectos estatísticos quanto ao sistema prisional
brasileiro. Por ser uma análise baseada em mapeamento nacional, enfatizamos que se trata unicamente
de uma abordagem geral, não havendo espaço para detalhamentos e enfoques que o devido tema
necessitaria para melhor compreensão da complexidade do tema.
Para a elaboração, foi utilizado o método dedutivo-bibliográfico, através de pesquisa feita em
sítios da internet, periódicos, bem como o uso de doutrinas.

1. Aspectos gerais

O Brasil tem uma população prisional que não para de crescer. Atualmente, segundo o
levantamento feito pelo Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (SISDEPEN)
em junho de 2022, o Brasil possui uma população carcerária de 837.443 (oitocentos e trinta e sete mil,
quatrocentos e quarenta e três) pessoas presas – aumento de aproximadamente 2% em relação ao mesmo
período do ano passado – o que corresponde a 392,58 presos a cada cem mil habitantes (MJSP, 2022).
Esses números colocam o país como a terceira maior população prisional do mundo, ficando atrás apenas
dos Estados Unidos e da China.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “a superlotação carcerária é um fenômeno de
causas multifatoriais, que envolve desde a inadequação de investimentos, obstáculos legislativos e uso
excessivo da medida de prisão à lentidão na tramitação de ações criminais e da execução penal.”
Como será mostrado nos próximos tópicos, os dados e pesquisas indicam que a população
prisional não é multicultural e tem, sistematicamente, seus direitos violados, resultado, em grande parte,
da ausência de políticas prisionais claras, baixo investimento nas estruturas penitenciárias, elevado
índice de pessoas presas aguardando julgamento, dentre outros fatores.

1.1. Um panorama geral sobre a problemática do encarceramento no Brasil

Faz-se prudente iniciar a presente análise com a transcrição do pensamento de um proeminente


pensador da Escola Clássica, Cesare Beccaria, que ainda ecoa na atualidade:
[...] o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um crime já
cometido. [...] Entre as penas e na maneira de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é mister,
pois, escolher os meios que devem causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais
durável e, ao mesmo tempo, menos cruel no corpo do culpado.
Entretanto, no sistema carcerário brasileiro opera uma lógica totalmente inversa da humanização
das penas proposta pelo Marquês de Beccaria, especialmente diante das reiteradas violações de direitos
humanos perpetradas pelo Estado ao negar direitos básicos aos apenados, além do flagrante desrespeito
à Lei de Execução Penal (LEP) no que diz respeito às regras para cumprimento da pena e acerca da
ineficácia da ressocialização.
Para além do descaso estatal, a dificuldade de superação do imaginário social coletivo também
torna-se um empecilho para a redução do número de encarcerados e para a própria ressocialização desses
indivíduos, como expressa perfeitamente Francesco Carnelutti:

“As pessoas crêem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; as
pessoas crêem que o cárcere perpétuo seja a única pena perpétua; e não é verdade. A
pena, se não mesmo sempre, nove vezes em dez não termina nunca. Quem em pecado
está é perdido. Cristo perdoa, mas os homens não.”

Um gravame extra à situação do encarceramento surge quando se volta o olhar ao público alvo
das prisões, do processo de criminalização e da seletividade do sistema, usualmente jovens negros(as) e
periféricos(as), a prisão “nos livra da responsabilidade de nos envolver [...] com os problemas da nossa
sociedade, especialmente com aqueles produzidos pelo racismo e, cada vez mais, pelo capitalismo
global.” (DAVIS, 2020, p.17).
No que diz respeito à estrutura das unidades prisionais, o levantamento do CNJ aponta que 47%
são classificados como regulares, 28% como péssimas, 13% como boas, 11% como ruins, e apenas 1%
como excelentes. Apesar de apontar uma melhora na estrutura do sistema prisional de 2015 para 2020,
o percentual de acesso dos presos aos serviços oferecidos apresentou uma queda (CNJ, 2021, p.6).
Além disso, segundo dados do Infopen de junho de 2020, 87% dos estabelecimentos não possui
infraestrutura que permita a separação de grupos mais vulneráveis, como ala ou celas para pessoas que
se declarassem lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Ainda conforme o Infopen, 88% dos estabelecimentos não dispunham de espaço exclusivo para
abrigar a população idosa, enquanto 98% dos estabelecimentos não tinham ala ou cela destinada
exclusivamente para população indígena.
Essa insuficiência além de corresponder à fragilidade de fluxos e procedimentos na custódia
prisional, que deveriam levar em conta as especificidades desses grupos, escancara a fala de segurança
e vulnerabilidade a que esses grupos estão sujeitos dentro do sistema prisional (CNJ, 2021, p.14).
Tão assombroso como os dados evidenciando um colapso, são as ideias que surgem visando
resolver mirabolantemente o problema, muitas das quais atentando contra os direitos humanos e a
dignidade da pessoa humana, como utilização de dois contêineres que funcionam como celas em anexo
do Instituto Penal de Novo Hamburgo (RS), cujas situação era degradante tanto para presos quanto para
os policiais militares que faziam suas custódias.

1.2 A superlotação do sistema carcerário e seus males

De acordo com a análise de dados constante do informe do CNJ de 2021, desde os anos 1980 a
população prisional cresce continuamente, sendo que nos últimos dez anos o número de presos foi 50%
maior em relação às vagas existentes, chegando a quase duas pessoas por vaga no primeiro semestre de
2016. Embora o crescimento tenha desacelerado desde então, ainda alcança patamares elevados. Em
2020, por motivo da pandemia de COVID-19, houve uma redução (CNJ, 2021, p.6).
Segundo dados do CNJ, obtidos por meio do programa “Central da Regulação de Vagas”, entre
os anos de “2011 e 2021 havia, em média, cerca de 66% mais presos do que vagas existentes com pico
de quase duas pessoas por vaga em 2015. No mesmo período, o número de pessoas presas por 100 mil
habitantes subiu 20,3% (CNJ, 2022).
Já em 2022, segundo os dados extraídos do SISDEPEN, em 2022 constatou-se a população
privada de liberdade correspondia a 661.915 (seiscentos e sessenta e um mil e novecentos e quinze)
pessoas, enquanto havia apenas 470.116 (quatrocentos e setenta mil e cento e dezesseis) vagas para elas,
correspondendo à um déficit de 191.799 (cento e noventa e um mil e setecentos e noventa e nove) vagas
(MJSP, 2022). A Figura 1, abaixo, mostra as taxas de ocupação de unidades prisionais em diferentes
estados.

Figura 1:Taxa de ocupação das unidades prisionais, de acordo com a região do país. Fonte [CNJ, 2021, p.6]

Como pode ser observado, o sistema prisional brasileiro está muito aquém da sua capacidade.
Como consequência, tem-se o surgimento de outros problemas como a insalubridade das celas, a qual
facilita a proliferação de doenças e a expansão de epidemias, a má alimentação dos presos, em conjunto
com o sedentarismo e o uso de drogas dentro dos presídios, além da formação de ambientes, violentos e
reprodutores dos delitos, conforme destaca o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar
Mendes:

“Cabe observar, desde logo, que a contrariedade à lei e à Constituição escancara-se


diante das péssimas condições dos presídios, em situações que vão desde instalações
inadequadas até maus-tratos, agressões sexuais, promiscuidade, corrupção e inúmeros
abusos de autoridade, verdadeiras escolas do crime controladas por facções
criminosas. Não é de se estranhar, portanto, que muitas dessas pessoas, quando soltas,
voltam a praticar novos crimes, às vezes bem mais graves do que o cometido pela
primeira vez.1”

1
MENDES, Gilmar Ferreira. Segurança Pública e Justiça Criminal. Disponível em: . Acesso em: 03 de nov. 2022.
Logo, em vista dos fatos, o cárcere deveria ser usado com extrema moderação, consoante às
palavras de Zaffaroni em entrevista concedida à Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
(EPSJV)/Fiocruz: “enquanto não podemos eliminar a prisão, é necessário usá-la com muita moderação.
Cada país tem o número de presos que decide politicamente ter”.
A escritora americana Angela Davis, traduz o pensamento da realidade de seu país para o nosso,
ao afirmar que “os números são chocantes, embora não haja vagas disponíveis, percebe-se um aumento
da repressão, [...] entretanto, os índices tendem a piorar nos próximos anos se não houver uma busca por
alternativas “[...] eficazes [que] envolvem a transformação tanto das técnicas de abordagem do “crime”
quanto das condições sociais e econômicas que levam tantos jovens [...] ao sistema correcional juvenil
e depois à prisão.” (DAVIS, 2020, p. 22).

1.3 A crise generalizada do sistema penitenciário brasileiro e o “Estado de coisas inconstitucional”

Devido a diversas deficiências, o sistema penitenciário brasileiro se encontra, há anos, em crise.


Problemas crônicos do sistema prisional como superlotação, estruturas precárias e os elevados níveis de
violência, são agravados pela falta de fiscalização pelos órgãos responsáveis (DIAS; SALLAS;
SILVESTRE, 2012, p.334). Os agentes de fiscalização, no cumprimento de suas tarefas legais, muitas
vezes acabam por apenas preencher relatórios, referentes à existência ou não de determinados serviços
ou relatando se a lei está sendo cumprida, deixando de lado, no entanto, de analisar as situações e buscar
soluções práticas para os problemas encontrados (FILHO, 2017, p. 115).
A realidade enfrentada pelos estabelecimentos prisionais brasileiros vem se distanciando cada
vez mais do que está disposto na LEP, da qual prevê garantias aos presos como assistência material,
jurídica, educacional, social e religiosa, além de impor aos agentes o respeito à integridade física e moral
dos presos (DANDARO, 2018, p. 56).
De acordo com os dados do CNJ, nos últimos cinco anos, foram registrados repetidos casos de
descontrole e insegurança interna nos estabelecimentos prisionais (12 deles tiveram maior repercussão)
- com maior concentração nas regiões Norte e Nordeste -, os quais resultaram na morte de, ao menos
278 pessoas. Em 201, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou um relatório indicando que, dos
18 estados/DF fiscalizados, 11 (61%) declararam ter enfrentado algum tipo de rebelião em unidades
prisionais no período de outubro de 2016 a maio de 2017 (CNJ, 2021, p.15).
Em razão da superlotação nas penitenciárias, à falta de estrutura física, à falta de respeito aos
direitos preconizados pela referida lei e nas normas constitucionais, entre outros motivos, a
ressocialização e reinserção social do preso é prejudicada, o que acaba, na verdade, por potencializar a
criminalidade, corrompendo os cidadãos que lá se encontram.
Sob o ponto de vista quantitativo, há uma política de encarceramento em massa no Brasil, da
qual atinge principalmente a parcela jovem, pobre e negra da população. Diante disso, atrelado à
ineficiência do Estado em garantir a segurança e integridade física dos presos, as facções criminosas
ganham espaço dentro dos presídios, oferecendo segurança e resolução de problemas no cotidiano
prisional, diante da incapacidade da administração prisional em lidar com as demandas advindas do
cárcere (VAREJÃO, 2020, p. 96).

1.3.1 O “Estado de coisas inconstitucional”


O Supremo Tribunal Federal, em 2015, na primeira etapa do julgamento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, proposta pelo Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL), reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro,
em razão da inércia e incapacidade constante das autoridades públicas em alterar a situação de violação
generalizada de direitos fundamentais dos indivíduos em cumprimento de pena privativa de liberdade.
Inúmeras violações foram citadas durante o julgamento, como à dignidade da pessoa humana e vedação
da tortura, o acesso à justiça e aos direitos sociais, saúde, educação e trabalho. Foi determinado com a
ADPF nº 347, entre outras coisas, o descontingenciamento dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional
(FPN), e a implementação de audiência de custódia em até 24h após a prisão.
Diante do quadro de pandemia de COVID-19 no ano de 2020, considerando o alto grau de
letalidade pelo vírus e a velocidade com que o mesmo se dissemina, a situação de aglomeração
vivenciada pelos apenados exigiu maior atenção das autoridades públicas, devido principalmente à
superlotação nos presídios. Neste contexto, uma nova ADPF nº 684 foi protocolada em maio de 2020
pelo PSOL ao STF, com o objetivo de impor medidas que reduzissem os impactos da pandemia de
COVID-19 nas unidades prisionais brasileiras, bem como reconhecer o descumprimento de preceitos
fundamentais devido à ausência do poder público na execução de eficazes para conter a contaminação
pelo vírus no sistema penitenciário (SILVA, 2012, p.112).
Foi retomado o julgamento da ADPF nº 347 em maio de 2021 que, entre outras medidas, a partir
do voto do ministro Marco Aurélio Mello, determinou a elaboração de um plano nacional de três anos
para a superação do estado de coisas inconstitucional, em até 90 dias a contar do fim do julgamento.
Segundo o CNJ, o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional foi um importante passo
dado pelo Estado brasileiro para balizar o debate técnico e institucional quanto a medidas urgentes e
necessárias para a superação desse cenário. Entretanto, com uma velocidade menor nos últimos anos,
mantêm-se cenários como a superlotação e serviços insuficientes áreas de saúde, alimentação e
segurança das pessoas privadas de liberdade (CNJ, 2021, 8).

2 Os presos em números

O levantamento realizado pelo SISDEPEN apontou que dos 830.714 custodiados pelo sistema
penitenciário nacional atualmente há 215.029 presos sem condenação; 331.680 em regime fechado;
172.551 em regime semiaberto; 109.023 no aberto; 1.008 cumprindo medida de segurança do tipo
internação e 423 cumprindo medida de segurança em tratamento ambulatorial (MJSP, 2022, p.1).

2.1 A seletividade penal

O levantamento realizado pelo CNJ observou que o perfil majoritário das pessoas privadas de
liberdade, devido ao cometimento de crimes patrimoniais, segue o mesmo padrão ao longo dos anos,
com poucas variações percentuais: pobres, negras, jovens, sem acesso a oportunidades.

Logo, têm-se clara a crise da superlotação no sistema carcerário, a qual é reflexo de um sistema
penal desigual e punitivo, em que as condutas típicas criminais afetam preponderantemente a população
mais pobre e vulnerável.

2.2 Mulheres sob custódia


Dados do CNJ informam que o pico de aprisionamento de mulheres no país ocorreu em 2016,
quando haviam 41 mil mulheres privadas de liberdade. Atualmente, quase 37 mil mulheres integram a
população prisional brasileira, representando 4,9% do total, com 17,5 mulheres presas a cada 100 mil
habitantes (CNJ, 2021, p.13), os dados podem ser vistos na Figura X, abaixo.
Diferentemente do que ocorre com os presídios masculinos, o número de presídios femininos
existentes no país ainda supre a demanda de vagas. Atualmente, 128, dos 1458 estabelecimentos
prisionais do país, são destinados a mulheres, com capacidade para 51.408 detentas (MJSP, 2022, p.1).
Infelizmente, a maioria desses estabelecimentos não estão estruturados de forma adequada para
as mulheres. Os dados apontam que apenas 59 estabelecimentos contam com berçário e/ou centro de
referência materno-infantil, o que significa dizer muitas vezes as detentas precisam ser transferidas para
outras cidades para poderem ter acesso a um período com os recém-nascidos, o que pode causar um
grande problema à sua família, em função da distância.
(a) (b)

Figura 2: Dados sobra população carcerária feminina no Brasil. Em (a) número absolutos; em (b) relação de detentas
por vaga. Fonte [CNJ, 2001, p.13].

A situação é pior quando se trata de mães com crianças com mais de 2 anos de idade, posto que
há apenas 12 estabelecimentos prisionais com seção própria destinada a crianças a partir dessa idade,
com espaço pedagógico (MJSP, 2022, p.3). Um Estado que se propõe a ver o sistema punitivo com um
papel ressocializador não deveria impossibilitar que esse vínculo familiar tão importante – mãe/filho –
por falta de estrutura básica.

3 O cárcere como reprodutor de delitos


Conforme elucida Baratta, o sistema punitivo “produz mais problemas do que pretende resolver”, pois,
“no lugar de compor conflitos, reprime-os e, frequentemente, esses mesmos conflitos adquirem um caráter mais
grave do que o do seu contexto originário, ou novos conflitos surgem por efeito da intervenção penal no mesmo
ou em outros contextos”2. Dessa forma, as prisões reproduzem o comportamento desviante, tornando-se uma
“escola do crime”, dado que os indivíduos presos por pequenos delitos e presos provisórios que aguardam pelo
julgamento são submetidos ao mesmo ambiente que os presos de alta periculosidade.
Assim sendo, considerando que o detento se encontra em uma situação de ociosidade atrelada à violência,
têm-se como resultado o aperfeiçoamento e desenvolvimento do comportamento delinquente, principalmente no
que concerne aos crimes relacionados ao tráfico de drogas, pois muitos indivíduos adentram o sistema carcerário
por posse de pequenas quantidades, mas durante o cumprimento da pena, aliam-se à facções criminosas, como o
PCC, a maior facção criminosa do país, a qual surgiu em em presídios de São Paulo por volta de 1993. Prova
disso, De acordo com o relatório “Reentradas e reiterações Infracionais — Um olhar Sobre os Sistemas
Socioeducativo e Prisional Brasileiros”, 42,5% dos adultos que tinham processos registrados em 2015 retornaram

2
BARATTA, Alessandro. Princípios do direito penal mínimo: para uma teoria dos direitos humanos como objeto e limite da
lei penal. Tradução de Francisco Bissoli Filho. Florianópolis: Habitus, 2019. p. 30.
ao sistema prisional até dezembro de 2019, não obstante, o estado do Espírito Santo conseguiu atingir 75% do
índice de reincidência. Não obstante, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen)
em 2019, presos por delitos relacionados ao tráfico representavam 27,4% - entre as mulheres, esse índice chega a
54,9% do total.

4 O custo do sistema prisional

Assim como qualquer direito exige algum tipo de custo, não seria diferente com o direito de
punir do Estado, pois o próprio vai demandar recursos públicos para ser efetivado. Embora muitos achem
um mal necessário, os dados apontam que ele causa desequilíbrio fiscal. Especialmente quando se trata
de modelos como o sistema prisional brasileiro, que não traz benefício algum a sociedade, a medida em
que não ressocializa o condenado, ao contrário tem um trabalho de dissociabilidade, como aponta a
pesquisa do grupo de estudos da USP.
A pesquisa ainda constatou que a sociedade brasileira gasta quatro vezes mais com um preso do
que com um aluno do ensino básica, enquanto com um aluno se gasta cerca de 470$ por mês, com
o dentento se gasta cerca de 1800$ por mês. É importante ressaltar que a responsabilidade Fiscal
prevista no art.165 da Constituição Federal, tem por finalidade o controle dos gastos públicos
dessa formo os exorbitantes gastos com o Sistema prisional viola o princípio da Eficiencia da
Administração Pública. O calculo do gasto dos presídios é feito dessa forma: divide-se o número
de encarcerados em cada mês de regime fechado, semiaberto e aberto, submetidos à medida de
segurança e presos provisórios pelas despesas administrativas (despesas com pessoal como salário
e gestão penitenciária), entre outras despesas (aluguel, alimentação, recursos de higiene pessoal.
O sistema prisional Além dos custos diretos, despesas como segurança, alimentação, energia e
saúde, é importante levar em consideração os custos indiretos do aprisionamento, os custos sociais,
pois a população carceraria inativa (caso não desenvolva atividades produtivas nos presídios),
bem como os custos do bem-estar das famílias dos presidiários e as consequências para o mercado
de trabalho quando os presidiários deixam o sistema carcerário.
A pensadora Angela Davis em seu livro ( E as cadeias estão obsoletas?) complexo sistema
econômico que permeia o sistema prisional dos EUA a maior população carceraria do mundo, des
de sua origem como as politicas de criminalização tomaram força depois do pós abolição éra uma
solução do estado para continuar ter mão de obra escrava, pois a maioria dos presidiários eram
descendentes de escravos e continuaram a trabalhar como em serviços como a colheita de algodão.
Éssa complexa economia que gira em torno dos presídios, Segundo Davis, só poderá ser extinta
com politização desse debate, é necessassario pensarmos em construções de marcos
democráticos, no sentido de produzir alternativas e reduções do sistema prisional, pois segundo a
pensadora o poder punitivista do estado tem como eixo central a produção do capital

Dados do CNJ apontam que, em média, o custo mensal de um preso no Brasil é de R$2.146. Levando-se
em consideração o tamanho das populações prisionais de cada estado, o custo médio é de R$ 1.803. Contudo,
observa-se uma diferença de até 340% entre o estado com o menor custo per capta, Pernambuco (R$ 955), e o
que mais gasta, o Tocantins (R$4.200), conforme pode ser observado na Figura XX (CNJ, 2021, p.23-4).
Figura 3: Custo mensal por preso, por unidade federativa. Valores em Reais. Fonte [xx, p.24].

Conforme pode ser visto, o custo per capita mensal do preso apresenta uma grande variação de acordo
com o estado analisado. Entretanto, os autores alertam que parte da variação encontrada deve ser atribuída a essa
ausência de uniformidade metodológica.
Com relação ao tipo de gasto, o peso da folha de pagamento e outras despesas com pessoal são o que mais
contribuem na composição dos custos do sistema prisional, conforme pode ser visto na Figura X.

Figura 4: Gastos com pessoal por unidade federativa. Fonte [XX, p.26]

Os autores destacam que o valor elevado apresentado pelo Amapá não é reflexo de uma proporção
adequada de agentes de custódia por preso, posto ser o segundo estado com maior quantidade de pessoas privadas
de liberdade por agente de custódia (19), ficando atrás apenas de Alagoas, cuja proporção é de 20 presos por
agente (CNJ, 2021, p.25).
Também foi observada discrepância entre os custos com alimentação informados pelos estados: enquanto
em Pernambuco o gasto diário com a alimentação da pessoa privada de liberdade é de menos de seis reais, no
Amazonas esse gasto é seis vezes maior, R$ 38.
Com relação ao Sistema Penitenciário Federal (SPF), a maior parte dos gastos do (82%) é destinada ao
pagamento de salários dos servidores. Do restante, a maior despesa é com o transporte de presos sob custódia
(equivalente em média a R$ 2.034 mensais por preso) e alimentação (R$ 1.028) (CNJ, 2021, p.29).
Importante ressaltar que o custo mensal do preso varia de acordo com o tipo de estabelecimento no qual
ele está custodiado, sendo que os estabelecimentos de alta segurança tendem a ser mais dispendiosos. Entretanto,
de acordo com o levantamento, a discrepância observada entre os custos por preso do SPF e dos sistemas estaduais
decorre, principalmente, da maior proporção no número de funcionários por preso no sistema federal.
5 Estratégias para desafogar o sistema carcerário brasileiro
Como alternativa ao sistema penal tradicional, alguns autores como Michel Foucault, Thomas Mathiesen,
Louk Hulsman e Nils Christie contribuíram para a concepção abolicionista do sistema penal tradicional, em suma,
o Abolicionismo, o qual propõe uma política criminal de total substituição ao atual processo penal e a pena
privativa de liberdade.
Isso porque, conforme explica Pallamola, nas ideias abolicionistas “os delitos não teriam uma realidade
ontológica, sendo apenas expressão de conflitos sociais, problemas, casualidades, etc. e, em segundo lugar, porque
o direito penal não auxilia na resolução de tais problemas, pois não evita delitos e não ajuda o autor do delito e a
vítima” (PALLAMOLA, 2009, p.30-40). Assim, os conflitos seriam direcionados ao âmbito do Direito Civil e
outras instâncias de resolução de conflitos, fazendo com que a própria comunidade, auxiliadas em alguns casos
por um mediador, sanasse seus conflitos.
Ainda, partindo dos pressupostos teóricos e da proposta abolicionista, o minimalismo penal formulado
por Alessandro Baratta propõe contração (e não a superação) do sistema punitivo, bem como a utilização dos
direitos humanos como instrumento teórico adequado para a contenção da violência punitiva, no dizer de Baratta,
“o conceito de direitos humanos, na dupla função antes indicada, continua sendo o fundamento mais adequado
para a estratégia da mínima intervenção penal e para sua articulação programática no quadro de uma política
alternativa do controle social”. 3Dessa forma, segunda essa a corrente doutrinária do direito penal mínimo, o
cárcere deve ser imposto apenas nos casos em que há um verdadeiro risco aos bens ou interesses jurídicos
relevantes.
Em uma outra análise, têm-se a Justiça Restaurativa, a qual não se dá como um meio de solução de todos
os conflitos e extinção total do cárcere, mas, sim, como uma forma alternativa de resposta ao crime, detendo como
objetivo a reparação e responsabilização do dano causado pelo delito, a prevenção de novos delitos, o
fortalecimento dos vínculos rompidos com a sociedade e com os familiares e, consequentemente, a diminuição
do cárcere. Dessa forma, a vítima torna-se protagonista do processo de reparação do dano, a qual pode se dar de
maneira material ou simbólica, sem que seja necessário a imposição das vias ordinárias de resposta ao crime que
levam o desviante ao sistema carcerário.
Isto posto, pode-se dizer que o movimento é mais voltado à reparação e prevenção das feridas dos
infratores e dos danos causados às vítimas e às comunidades do que propriamente nas leis não obedecidas, de
maneira a qual privilegia o diálogo entre as partes implicadas no delito e contraria, dessa forma, o viés punitivo
da justiça criminal tradicional que responsabiliza o ofensor de maneira estigmatizante e afasta a vítima da
resolução dos conflitos. Assim, a Justiça Restaurativa mostra-se como uma via alternativa e não-violenta de
resposta aos crimes, a fim de reduzir de maneira significativa o emprego da medida privativa de liberdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados estatísticos sobre o encarceramento no Brasil demonstram crescimento do tipo exponencial nos
últimos anos. É sabido que os esforços estatais para criação de vagas em estabelecimentos prisionais não têm sido
suficientes para suprir a demanda, resultando em superlotação dos presídios.
Para enfrentá-la, é necessário que haja uma articulação tanto por parte dos Poderes estatais, bem como de
suas instituições e da sociedade civil como um todo.
De acordo com levantamento no Conselho Nacional do Ministério Público, é preciso fazer ajustes
estruturais no sistema de justiça criminal brasileiro, que convive com um juízo verdadeiramente contraditório. De
um lado, tem-se uma percepção de que a resposta à criminalidade carece de efetividade, ao passo que os números
do sistema prisional mostram que as estruturas prisionais não suportam o elevado número de pessoas encarceradas
(CNMP, 2020, p.8). Isso demonstra que o sistema judiciário não tem conseguido dar vazão satisfatória às
demandas criminais e que o rigor no cumprimento das penas não tem evitado o fenômeno da reincidência.

3
BARATTA, Alessandro. Princípios do direito penal mínimo: para uma teoria dos direitos humanos como objeto e limite da
lei penal. Tradução de Francisco Bissoli Filho. Florianópolis: Habitus, 2019. p. 32.
Importante ressaltar que, conforme aponta Souza e Silva (2020, p.103), o encarceramento no Brasil se
relaciona não só a partir da análise dos números absolutos da população carcerária, mas também desperta atenção
a partir das desigualdades regionais, no modo de funcionamento das forças de segurança pública e do próprio
sistema de justiça criminal.
De tudo exposto, acreditamos que a crise do sistema prisional, em especial a superlotação, é um problema
que afeta a sociedade de forma bastante ampla. Tal realidade vai contra o princípio basilar de nossa Constituição,
o da dignidade da pessoa humana, e contribui para a perpetuação do ciclo de violência e criminalidade.

REFERÊNCIAS
Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Calculando custos prisionais [recurso eletrônico]: panorama nacional e
avanços necessários/Conselho Nacional de Justiça, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
Departamento Penitenciário Nacional. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2021. p.18-30.
Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Central de Regulação de Vagas [recurso eletrônico]: Manual para a Gestão
da Lotação Prisional/Conselho Nacional de Justiça, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
Departamento Penitenciário Nacional. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2021.p.14-43.
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