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UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis/SC

Curso de Graduação em Direito


Disciplina: Psicologia Jurídica - 5° Semestre

Atividade Avaliativa I
A escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência

No Brasil, a escuta qualificada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de


violência ainda é um objetivo a ser alcançado pelo Poder Judiciário. Este método de
acolhimento busca enfrentar a forma constrangedora que conduz os questionamentos trazidos
para as salas de audiências e que são direcionados diretamente à criança, expondo-a frente à
promotores, juízes, defensores e advogados.
Tal processo pode ser muito prejudicial para a saúde psicológica da vítima, e por este
motivo, a escuta qualificada deve ser introduzida, objetivando coibir com a violência a que as
crianças são submetidas. Com este método, pretende-se direcionar uma conversa saudável
para com a criança, fazendo com que ela se sinta confortável para falar sobre o assunto. O
objetivo principal é o seu acolhimento, desta forma, o silêncio da criança também deve ser
respeitado. Daí tem-se a importância do juiz confiar no laudo produzido pelo perito, que trará
as questões íntimas que violam a dignidade do menor, e evita que ele seja exposto
desnecessariamente às situações violentas já vivenciadas.
É importante salientar que as reações de uma criança abusada não são lineares, e
podem moldar-se conforme o jeito com que a pessoa se direciona a ela. Por este motivo, a
escuta inquiridora deve ser afastada dos processos em que a criança está vinculada, tendo em
vista que o papel do profissional envolvido nesta situação não é extrair a verdade, mas sim,
como já dito anteriormente, acolhê-la.
A utilização da criança abusada como meio de prova é totalmente inaceitável e
avassaladora, compete ao réu ser submetido a esse processo de extração da verdade. É
relevante pontuar que diferente da produção de um depoimento como recurso rápido e
superficial para a solução de casos, a avaliação a longo prazo é a forma correta para guiar esta
situação, haja vista que através de um processo que respeita a dignidade da criança poderá
também ser coletadas informações importantes, não contribuindo, desta forma, para a piora do
quadro psicológico da vítima.
Diante da visível inadequação dos métodos de escuta disponíveis anteriormente
abordados, estabeleceu-se, por meio da Lei n. 13.431/2017, o sistema de garantia de direitos
da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, o qual objetivou fixar regras
gerais para realização das escutas, bem como reafirmar direitos diversos. Com isso, alterou-se
o principal mecanismo para proteção e defesa da infância e juventude, o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA).
O sistema de garantia de direitos buscou articular o Estado, a sociedade e a família
(como prevê o ECA) para assegurar a promoção, a defesa e a efetividade dos direitos
positivados pelo Estatuto e pela Constituição Federal de 1988, fazendo com que os menores
de idade passassem ao status de sujeitos de direitos, pois até então eram tutelados pelo Código
de Menores e guardavam para si uma diminuta lista de direitos que não se aplicava a todos os
ditos menores.
A partir da entrada em vigor do ECA houve uma inversão no imaginário social e nas
leis, as quais voltaram-se para a proteção desse grupo historicamente marginalizado,
ganhando cada vez mais espaço a noção de proteção integral e a atuação em redes. Entretanto,
embora a Lei n. 13.431/2017 tenha sido importante para preencher algumas lacunas e
revolucionar alguns aspectos do ECA, de igual modo, ainda foi vaga em inúmeros pontos.
Entre as críticas dignas de destaque estão a ausência de compromisso com o pilar da
prevenção mencionado pela Lei do Sistema de Garantias, o incentivo a busca exacerbada por
uma verdade inquisitiva que visa a fala da criança como mero ato de prova e meio de alcançar
a condenação do autor da violência, desviando do foco da escuta especial, que é ou deveria
ser, idealmente, o acolhimento da criança e o seu bem estar pós escuta.
Além disso, o seu uso indiscriminado como forma de solucionar disputas com maior
agilidade, desvirtua essa ferramenta - o que levou à intensas discussões no Conselho Federal
de Psicologia (CFP) acerca da possibilidade de atuação ou não dos psicólogos nos tribunais
para este fim e a forma pela qual deveria se dar a regulação dessa atividade, originando o
parecer (2015) e a nota técnica (2018) do CFP, com posições divergentes.
Atualmente, com a inclusão da Psicologia nos ritos legais no âmbito do sistema de
justiça e em contextos a ele relacionados, podemos contar com a participação de psicólogos
em diferentes áreas nas varas da infância e juventude, seja em situações de acolhimento de
crianças e adolescentes em instituições, na apresentação de pareceres técnicos nos processos,
seja no incentivo à promoção de ações que visem salvaguardar o bem-estar psicológico de
crianças e adolescentes, entre outras. Segundo dispõe o Caderno de Psicologia e Justiça
(2016), tais atividades dão ênfase à Psicologia ao demandar que operadores do Direito
fundamentem suas decisões não apenas no saber jurídico, mas complementem a interpretação
das leis com posicionamentos técnicos oriundos de outras áreas do conhecimento.
Entretanto, conforme apontam diversos estudos, ainda é preciso encontrar a melhor
forma de conduzir os processos judiciais que visam à responsabilização de pessoas que
cometeram crimes contra crianças ou adolescente, posto que a justiça criminal ainda não está
preparada para abordar pessoas que não têm condições de testemunhar. Para tanto, se faz
necessária a sensibilização e o compromisso de todos os profissionais envolvidos, bem como
das instituições, cuja questão central deve focar na não revitimização dos menores.
Importante ressaltar o entendimento de que ainda que a Psicologia deve sustentar no
sistema de justiça a efetiva garantia à prioridade absoluta e à proteção integral de crianças e
adolescentes dentro dos dispositivos éticos e técnicos e ter resguardada a autonomia de seus
profissionais na escolha de instrumentais reconhecidamente fundamentados na ciência
psicológica, na ética e na legislação profissional (Caderno de Psicologia e Justiça, 2016). Nos
últimos anos, tanto o Direito como a Psicologia têm destinado cada vez mais tempo e energia
na definição de alcances e limites na relação entre esses dois saberes e suas práticas.
Diante do exposto, fica evidente a problemática da manutenção desse sistema que
exclui as redes de apoio do menor e não oferece a ele a proteção integral de seus direitos. A
escuta especializada, junto das mais diversas técnicas, pode minimizar o sofrimento que a
criança já foi exposta, promovendo um ambiente mais acolhedor e sadio para estes indivíduos.

REFERÊNCIAS

Bruno Jardini Mäder (org.). Caderno de psicologia e justiça: diálogos sobre uma
relação em evidência. Curitiba : CRP-PR, 2016. 71 p. Disponível em:
<https://crppr.org.br/wp-content/uploads/2019/05/AF_CRP_CadernoJuridico_pdf.pdf>.
Acesso em: 3 nov. 2022.
CFP. NOTA TÉCNICA Nº 1/2018/GTEC/CG NOTA TÉCNICA SOBRE OS
IMPACTOS DA LEI Nº 13.431/2017 NA ATUAÇÃO DAS PSICÓLOGAS E DOS
PSICÓLOGOS. 2018. Disponível em:
<https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/01/NOTA-TECNICA-N%C2%BA-
1_2018_GTEC_CG.pdf>. Acesso em: 31 out. 2022.
CFP. Parecer Técnico. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA E A PRÁTICA DE
ESCUTA ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIA, ABUSO OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. 2015. Disponível em:
<https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2015/05/Parecer-CFP-Escuta-Especial-de-Crian
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(H)ouve?. Documentário. Dirigido por Silvia Ignez e Henrique Ligeiro. Rio de Janeiro, 2018.
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LARA, Bruna de; GUIMARÃES, Paula; DIAS Tatiana. PORTAL CATARINAS. Vídeo: em
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sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial
da União, Brasília, 1990. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 27 de out. de 2022.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Estabelece
o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de
violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente). Diário Oficial da União. Brasília, 2017. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13431.htm>. Acesso em:
27 out. 2022.

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