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Aula #03 - 08/03/24

Revisão sobre o Estado de Direito


O Estado de Direito tem três dimensões:

material - um Estado de Direito é um Estado de direitos fundamentais;

organização do poder - separação de poderes/limitação de poderes;

ordem constitucional.

O princípio do Estado de Direito não está declarado na CRP - o que há é o título do art. 2º, mas
não se faz uma formulação do que é o Estado de Direito, muito embora seja de onde decorrem
muitos dos restantes princípios expressos na CRP.

Porquê falar de dignidade da pessoa humana quando já existe um conjunto de direitos


fundamentais tipificados que existem por si?
A dignidade da pessoa humana é um valor supraconstitucional que “tudo e nada é a dignidade da
pessoa humana” - alguns dizem que é uma forma que se refere a muitas coisas, mas não funciona
com autonomia em relação aos direitos. Mas, justifica os direitos fundamentais que estão ligados
à pessoa humana - utilidade de legitimação material (nota: a CRP não fala de direito à
personalidade jurídica, mas isso está na DUDH) - temos é de ter em atenção que nem todos os
direitos fundamentais estão ligados a esse princípio.

Também tem utilidade na interpretação de normas (função hermenêutica) e de resolução de


conflitos se houver princípios em colisão; e, ainda, utilidade integradora - pode integrar lacunas
que existam sobre direitos fundamentais.

Assim, há uma dificuldade entre dizer o que é dignidade da pessoa humana - de acordo com um
discurso simplista, é a pessoa viver com dignidade, mas, na prática, os direitos fundamentais já
concretizam isso. Esse pº não deve ser um mero resumo dos outros direitos, e deve funcionar
noutros casos para dirimir conflitos entre direitos fundamentais.
O art. 26º da CRP refere-se apenas a alguns direitos e não todos, complicando ainda mais o
problema - a única vez que a CRP fala da dignidade da pessoa humana (na parte dos Direitos
Fundamentais) refere-se à bioética, sem ser no art. 1º como princípio geral. Há quem faça uma
interpretação restritiva de que só tem a ver com direitos de personalidade/natureza pessoal,

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contudo, parece ser um erro do legislador por ter sido um aditamento numa revisão, o que deu
força mais a estes direitos do que outros, mas, possivelmente, sem essa intenção.

☁️ A dignidade da pessoa humana nem está nos limites materiais, e, além disso, não
escreveu que não se pode mexer nos direitos fundamentais, referindo-se apenas a uma
parte deles como “direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”. Assim, há outros
direitos que não estão protegidos - ou seja, os direitos sociais, económicos e culturais
podem ser reduzidos ou revogados, porque não estão expressamente protegidos em
nenhuma cláusula daquele artigo. Será que há limites materiais implícitos?
Uma possível reformulação seria adicionar que qualquer revisão tem de respeitar o pº
do Estado de Direito Democrático (o que iria incluir a dignidade da pessoa humana,
entre outros).

Existem duas visões em que se baseia este princípio:

visão kantiana (imperativo categórico kantiano - ideia de que a pessoa é um fim em si


mesmo);

e cristã.

A fórmula da dignidade da pessoa humana é tão ambígua que satisfaz tanto posições
jusnaturalistas, como positivistas. Para muitos autores, é uma porta aberta para o Direito
natural - apesar de ser um pº do Direito positivo, é tão abrangente que pode justificar vários sub-
princípios. Da perspetiva do professor, a dignidade da pessoa humana confirma um Direito
natural, o Direito positivo apenas adere a uma realidade que ele não cria, mas apenas reconhece -
a CRP auto-limita-se, aceitando essa ordem supra-positiva que se baseia na dignidade da pessoa
humana.
Encontra-se no art. 1º da CRP e funciona como um pº que se impõe à atuação do Estado.

Análise histórico-comparatistíca aos direitos


fundamentais

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As Constituições Portuguesas
Portugal nunca teve uma declaração à parte (como a França, EUA, UK) - optamos sempre por
incluí-los sempre nas Constituições e nunca fizemos declarações autónomas de direitos. De
constituição para constituição, o número de direitos vai aumentando, mas também tivemos
momentos de constituição nominal (estavam escritos, mas na prática não eram observados).
Portugal teve seis Constituições. Divide-se a análise em quatro períodos históricos:

liberalismo monárquico:

Constituição de 1822:

Parte I - conjunto de direitos (liberdade de expressão, de penas) e adaptação do


lema da revolução francesa (liberdade, segurança e propriedade) e também
continha deveres (o próprio povo tinha de cumprir um conjunto de deveres, como
dever de amar a pátria, respeitar autoridades públicas, venerar a religião, obedecer à
constituição e contribuir para as despesas - art. 19º). Contém matéria de Direito
penal de proteção das pessoas contra o Estado.

é a primeira constituição que consagra o pº da igualdade, rompendo com o Estado


senhorial absoluto e é a primeira vez na História de Portugal em que os direitos são
reconhecidos.

Carta Constitucional - abertura à liberdade religiosa, liberdade de emigração, e outros


direitos novos.

Constituição de 1838:

acrescenta direitos importantes como o direito de resistência, liberdade de reunião e


de associação;

contudo durou apenas quatro anos, porque um golpe veio a repor a Carta
Constitucional.

período republicano:

Constituição de 1911:

representa uma grande rutura na forma de governo (passamos de monarquia para


república) e no sistema de governo (parlamentar de assembleia);

generalização da abolição da pena de morte;

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alguns direitos sociais (poucos) - direito às escolas públicas;

habeas corpus;

princípio da responsabilidade e indemnização em caso de condenação injusta;

liberdade religiosa - nas anteriores existia um Estado confessional e havia


interferência do poder religioso no político. Além de separação, havia, na prática,
oposição entre o Estado/poder político e o poder religioso.

Estado novo:

Constituição de 1933:

a única referendada e foi a mais anti-democrática de todas;

também continha direitos fundamentais, e acrescentou outros (nomeadamente


direito à vida, à integridade pessoal, à instrução, etc. todos elencados no art. 8º);

era uma Constituição nominal (os direitos existiam, mas não eram exercitados;
ninguém falava de política e não havia opinião pública) - havia um mecanismo sub-
repetício que permitia que os direitos não fossem respeitados (nº2 do art. 8º, 2º
parágrafo): “Leis especiais regularão o exercício da liberdade de pensamento,
ensino, reunião e associação (…)”, ou seja, em vez de haver garantias do exercício,
havia restrição da capacidade de exercício do direito, o que havia era censura e
pensar contra o ultra-mar era crime. Há aqui uma inversão da hierarquia, como se a
lei valesse mais que a Constituição.

período contemporâneo:

Constituição de 1976:

o único texto fora da CRP com valor constitucional é a DUDH. O art. 16º/2 tem um
conteúdo simbólico, pois na prática a CRP vai mais além em direitos do que a
DUDH;

do ponto de vista dos direitos que temos na Constituição, as constituições que mais
no influenciaram foram a italiana e a alemã.

são poucos os direitos que foram acrescentados nas revisões constitucionais.

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☁️ A versão inicial do CC desrespeitava os direitos das mulheres em vários sentidos.

As Constituições Estrangeiras
O Reino Unido não tem uma constituição escrita, mas vários textos considerados constitucionais
e leis avulsas. A Magna Carta (1215) e outros textos históricos que, em parte, ainda estão em
vigor, cumprem a função dos direitos fundamentais de limitação do poder político. Mais
recentemente, foi escrito o Human Rights Act, para incorporar a convenção europeia dos direitos
do homem, portanto, hoje, o Reino Unido tem um sistema de direitos fundamentais mais
consolidado graças a isso - o problema é que são direitos de primeira geração apenas (direitos,
liberdades e garantias), logo, direitos sociais não estão presentes.

Os EUA têm um sistema misto legislativo e jurisprudencial. Quando se tornaram Federação foi
feita a Constituição de Filadélfia (1887) e aprovaram, à parte, a Bill of Rights que entrou em
vigor posteriormente (os dez primeiros aditamentos) e consagram liberdade religiosa, de
imprensa, propriedade, etc. Nesta altura ainda havia escravatura, e estes direitos são sobretudo de
natureza processual. O art. 9º da Bill of Rights foi a primeira cláusula aberta a direitos
constitucionais não tipificados.

Depois disto veio legislação e jurisprudência sobre abolição de escravatura, igualdade no direito
de sufrágio, igualdade racial nas escolas, direito ao silêncio e ao advogado/defesa em caso de
prisão (ac. Miranda v. Arizona).

A França não tem os direitos fundamentais no texto da constituição, mas na Declaração de 1789
(16 artigos) e que ainda estão em vigor. É uma declaração muito restrita, e apenas de natureza
liberal. Assim, apesar da constituição francesa não ter um elenco de direitos fundamentais, eles
estão consagrados através de vários processos:

DDHC;

carta do ambiente de 2004;

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direitos fundamentais consagrados nos direitos fundamentais da 3º República;

os pº económicos e sociais necessários ao nosso tempo.

Na Alemanha, a Lei Fundamental de Bona não tem assim tantos direitos como se pode pensar,
mas tem cláusulas que a diferenciam das outras constituições:

inviolabilidade da pessoa humana e a liberdade geral da ação - são cláusulas gerais;

as restrições de direitos estão submetidas a muitos limites - leis restritivas de direitos


devem ser reduzidas ao mínimo impacto;

vinculação dos direitos aos poderes públicos e privados - os direitos fundamentais são
eficazes tanto para os poderes públicos como privados (entre particulares). Por exemplo, não
se pode fazer discriminação à mulher nem no gabinete na administração, nem num
restaurante, loja, etc.

os direitos aplicam-se diretamente mesmo na ausência de lei ordinária - a lei ordinária é


que depende dos direitos, não pode haver inversão desses direitos.

☁️ O art. 18º/1 e 2 da CRP plasmam as cláusulas específicas de forma praticamente


igual.

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