Você está na página 1de 5

O estudo das mordeduras

Identificação Odontolegal pelas Marcas de Mordida


• Denominam-se mordidas, em Odontologia Legal, as marcas deixadas pelos dentes, humanos ou
de animais, na pele de pessoas vivas, de cadáveres ou sobre objetos inanimados relativamente
moles.

• O ponto mais importante é que as marcas ou impressões deixadas pelos dentes ou outros
elementos duros da boca (e.g., pontes móveis, aparelhos ortodônticos etc.), sobre um suporte,
possuem características individualizadoras incontroversas, que podem ser utilizadas na
identificação da pessoa que provocou a lesão, partindo-se do pressuposto de que a dentadura é
única para cada indivíduo.

• O seu estudo pode ser feito usando-se as mesmas técnicas que se utilizam para comparar outros
indícios físicos ou marcas deixadas por instrumentos. Assim, para analisar uma mordida utilizar-se-
ão o exame cuidadoso da lesão (ferimento), medições e cotejos minuciosos, de modo a poder
compará-la com as características próprias dos arcos dentais do(s) suspeito(s).

• Além da própria identificação do agente, quatro pontos fundamentais na investigação forense


podem ser elucidados pela análise minudente das marcas de mordida:
➢ violência da agressão;
➢ precedência ou seqüência na produção das mordidas, quando mais de uma;
➢ reação vital das lesões, para determinar se foram produzidas intra vitam ou post mortem;
➢ data aproximada das mesmas, isto é, tempo transcorrido entre sua produção e o exame.

• Na maioria dos Institutos Médico-Legais, a análise das marcas de mordidas oferece problemas
práticos para sua efetivação, o que limita bastante o seu estudo. Entre essas dificuldades
encontram-se:
➢ A dificuldade de reconhecimento das mordidas, que, por vezes, passam inadvertidas
durante a perinecroscopia.
➢ Por tratar-se de lesões que se alteram com o tempo, o lapso transcorrido entre a produção
da lesão e o exame e a colheita do material pode ser de vital importância.
➢ Os padrões das mordidas soem ser bastante variáveis, já que se trata de uma ação entre
dois instrumentos móveis: a mandíbula (os arcos dentais) e a pele (o corpo da vítima).
➢ A pele não é um suporte adequado para conservar as marcas de mordida, nem para facilitar
a colheita de impressões.

• É por isso que o reconhecimento rápido das mordidas, uma boa técnica de colheita das impressões
e uma avaliação minudente de todas as evidências de que se dispõe serão elementos
imprescindíveis para minimizar as divergências.

• O procedimento de identificação através das marcas de mordidas é semelhante ao que acontece


com as impressões digitais e implica três fases sucessivas:
1. Reconhecimento da mordida e colheita do material, por moldagem, para análise ulterior.
2. Colheita de amostras do(s) suspeito(s) e moldagem.
3. Confronto das marcas de mordidas com as amostras obtidas do(s) suspeitos(s).
Análise das impressões de mordidas
• O exame visual tem por objetivo caracterizar se se trata de uma marca deixada por uma mordida,
exigindo, por isso, um conhecimento suficiente das formas dos arcos dentais humanos, bem como
da morfologia de cada peça dentária e das transformações que possam ter ocorrido sobre elas por
traumas, por perda de peças ou pela própria dinâmica da mordida.

• À inspeção, uma marca de mordida humana característica estaria composta das seguintes zonas,
de fora para dentro:
1. Equimose em área difusa, mais ou menos intensa, limitando externamente a área,
provocada pela pressão dos lábios.
2. Escoriações ou lesões cortocontusas: marcas deixadas pelos dentes anteriores –
incisivos e caninos, excepcionalmente pré-molares – ou pela superfície do palato, onde
poderão ser observadas as características individuais dos dentes.
3. Equimoses de sucção (sugilações) provocadas pela língua ou pelo vácuo criado pelo
agente.

• A forma circular ou elíptica da marca da mordida humana, resultante da somatória dos arcos
superior e inferior, com freqüência pode ser acompanhada por equimoses puntiformes de sucção e
por escoriações superficiais.

• A marca deixada pelos incisivos se corresponde com um retângulo alongado para cada um, ao
passo que as marcas dos caninos são de forma triangular ou estrelada. Em geral pré-molares e
molares não deixam marcas, exceto quando o segmento mordido, pelo seu tamanho menor, é
passível de “entrar na boca” do agente: e.g., mão ou antebraço de criança, dedo de adulto etc.
Nesses casos, as marcas têm forma de largos retângulos com pressões variadas em função das
cúspides.

• No caso de mordidas de animais domésticos (canídeos, felídeos etc.), estas têm características
próprias:
são mais alongadas, tendo forma de “V”;
➢ nunca têm vestígios de sucção;
➢ maior profundidade das lesões perfurocontusas;
➢ maior profundidade das lesões produzidas pelos caninos;
➢ apresentam lacerações freqüentes;
➢ exibem marcas dos diastemas, próprios e naturais, de cada espécie animal.

Registro fotográfico
• A boa observação não dispensa a fotografia. A observação é perecível, a fotografia é duradoura,
sem contar que é um dos melhores métodos para documentar a análise das mordidas.

• A técnica deve ser cuidadosa, lembrando que para evitar distorções recomenda-se:
➢ manter o paralelismo entre o filme e a marca;
➢ incluir sempre uma escala ou régua milimetrada;
➢ fazer fotografias: ⇒ com luz natural, ⇒ com flash, ⇒ em cores, ⇒ em preto-e-branco, e ⇒
com filme para infravermelho (quando for possível);
➢ começar sempre por tomadas “panorâmicas”para, depois, centrar-se nos detalhes através
de fotografias em close;
➢ tirar fotografias em dias sucessivos, notadamente entre o 3° e o 5° dias.
As mordidas como indícios biológicos
• Toda vez que alguém morde, deixa escapar a sua saliva no local da lesão. Segue-se, daí, a
importância que tem a colheita para se poder efetivar um estudo genético-molecular, visando a
identificação do agente.
• O exame da saliva, para fins de identificação, permite as seguintes determinações:
➢ O estudo do grupo sangüíneo do agressor (sistema ABH), para os indivíduos secretores
(em torno de 80% da população).
➢ A pesquisa de amilase salivar em torno da lesão, o que confirmará tratar-se de uma mordida
(principalmente naqueles casos em que a configuração seja dúbia).
➢ A identificação do DNA, extraído das células orais do agressor que existem na saliva em
volta da lesão, multiplicado através da técnica da PCR.

Orientações a se seguir após um episódio com mordida


• Toda vez que existe uma mordida, e mesmo antes de se proceder aos curativos, se deverá tentar
(mesmo que os resultados laboratoriais possam ser negativos) colher o máximo possível de células
orais vindas na saliva e que tenham ficado no local.

• Essa é uma colheita inadiável, já que os vestígios são perecíveis, daí a sua prioridade.

• O material para extração do DNA e amplificação em amostras de saliva sobre a pele oferece os
melhores resultados utilizando dois cotonetes (swabs) sucessivos:
➢ o primeiro cotonete umedecido em água destilada, fazendo-o girar em toda a região e
deixando-o, depois, secar ao ar;
➢ o segundo cotonete seco, passando-o na mesma área em que foi passado o primeiro;
➢ colocar ambos os cotonetes, sem contato manual, em envelopes de papel secos e
encaminhá-los ao laboratório;
➢ enviar ao laboratório que pesquisa o DNA uma pequena amostra de sangue da vítima
(extraído por venopuntura em tubo vacutainer).

• A remessa de sangue da vítima é importante para estabelecer o seu perfil de DNA, uma vez que
suas células cutâneas ou sangüíneas (quando houve sangramento) poderão contaminar a saliva
retirada pelos cotonetes (swabs).

Moldagem da mordida
• Em todos os casos em que a mordida provoca lesões corto- contusas ou lacerações na superfície
cutânea, a moldagem de tais lesões pode ser feita com o auxílio de materiais de moldagem de alta
precisão, do tipo do silicone ou de vinilpolissiloxano.

• O material praticamente líquido se aplica sobre as lesões, deixan- do-se fraguar. Esse processo de
fraguado é dependente da temperatu- ra do suporte, razão pela qual será bastante mais lento nos
cadáveres do que com as vítimas vivas. Isso deve ser lembrado para evitar a retirada precoce, o
que levaria a uma distorção da impressão.

• Esse material de moldagem de precisão pode ser reforçado pela aplicação sobre ele de um
material mais duro e rígido, como o gesso e, por vezes, até uma malha metálica, para evitar que a
impressão sofra deformações. O positivo da impressão original deverá ser executado com um
material adequado (gesso), de modo a colocar a “mordida” no articulador.
• Em casos de levantamento de lesões de mordida em cadáveres, pode-se dissecar a pele na área
da mordida ou fazer uma retirada, em bloco, da área da mordida, seguida de fixação pelo formol
tamponado.

• Para tanto, antes de proceder a retirada do material em bloco, se faz em volta da lesão um aro
usando cera ou plástico, que poderá ser mantido em posição com 4 a 6 pontos de sutura na pele.
Dentro dessa retenção poderá ser distribuído o material de moldagem, e, uma vez que este tenha
dado presa, pode-se retirar a peça inteira e fixar, como indicado, para seu exame posterior, no
laboratório.

Mordidas sobre objetos


• Marcas de mordidas podem ser achadas sobre objetos inanimados perecíveis (frutas, queijos etc.),
que deverão ser conservados, em sacos de plástico herméticos, no refrigerador, a 4°C. Como
sobre esses objetos inanimados também podem encontrar-se restos de saliva, sua colheita deve
ser prévia a qualquer manipulação sobre a peça.

• Para se poder proceder a um exame comparativo posterior das marcas de mordida achadas, estas
deverão ser fotografadas usando a mesma técnica mencionada a respeito do levantamento
cadavérico. Depois de fotografadas, ainda, poderá ser feita a tomada de impressões das mordidas
sobre o objeto inanimado, com material de moldagem de precisão (e.g., silicone).

• Se a conservação tem de ser feita por tempo longo (semanas, meses), recomenda-se a imersão
em uma mistura fixadora:
✔ Formol a 40% .......................................................5ml

✔ Ácido acético glacial .............................................5ml

✔ Álcool a 70% ....................................................... 90 ml

Colheita de amostras do suspeito


• Para possibilitar a comparação das marcas, torna-se necessária a colheita de amostras do(s)
suspeito(s), caso exista(m), incluindo:

✔ mordidas em lâmina de cera;

✔ moldagem dos arcos dentários, superior e inferior;

✔ colheita de saliva ou de células da mucosa oral;

✔ colheita de sangue (esta é mais difícil, em face da possível negativa).

• Os positivos, em gesso, dos arcos dentais superior e inferior deverão ser montados no articulador,
verificando se a mordida na cera se adapta aos mesmos.

Comparação das marcas de mordida com as moldagens do(s)


suspeito(s)
• O cotejo entre as marcas de mordida colhidas sobre a vítima ou sobre o objeto inanimado e as
moldagens obtidas a partir do suspeito inclui duas etapas:
✔ análise métrica da mordida na vítima e
✔ a associação e comparação da forma da lesão com a forma dos dentes do(s) suspeito(s).

1. A análise métrica deverá ser feita sobre as fotografias que têm a régua graduada sobre os modelos
em alginato ou em gesso e sobre as mordidas em cera, e deverá repetir-se sobre o material da
vítima e o material do(s) suspeito(s). Compreende:
✔ medida da largura e comprimento de cada dente;
✔ avaliação do tamanho comparativo dos dentes;
✔ distância entre as peças dentárias, e
✔ tamanho geral dos arcos.

2. A associação e comparação de padrões representam a segunda fase do procedimento, e incluem:


✔ A comparação física da forma da lesão com a dos dentes do suspeito;
✔ orientação da marca, diferenciando a parte do arco superior daquela do arco inferior;
✔ análise das rotações dentárias;
✔ verificação das posições relativas de cada peça no respectivo arco;

• registro de:
✔ ausência de peças;
✔ distância entre as peças;
✔ curvatura dos arcos;
✔ outras características individualizadoras (fraturas, restaurações etc.).

• De modo a se conseguir essa associação entre as marcas e os padrões de confronto podem-se


utilizar técnicas fotográficas (usando transparências) ou radiográficas (depositando material
radiopaco no interior das marcas, seguido de radiografia da peça).

• A análise das mordidas não é um trabalho para amadores, antes para técnicos com habilidade no
manejo dos procedimentos periciais. Todavia, é necessário ter presente que, antes de qualquer
procedimento mais complexo ou sofisticado, a observação morfológica cuidadosa das marcas de
mordida, via de regra, é o procedimento que dá melhores resultados. De nada adianta ir para os
detalhes quando a simples morfologia geral já exclui o suspeito.

• Com efeito, o grande número de características individuais que aparecem nas peças dentais, e o
seu exame combinado e simultâneo, habitualmente é o que permite determinar o caráter
personalíssimo de cada mordida quando objetivamente comparada com outras.

Você também pode gostar