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Diagnóstico e Acompanhamento

Funcional da Asma Brônquica


Agnaldo José Lopes
José Manoel Jansen

Resumo (PFE) após a inalação de um β2-agonista de


curta ação ou, ainda, melhora gradual, em dias
Testes de função pulmonar são muito úteis
ou semanas, após a introdução de medicação
para avaliar as consequências fisiológicas da
controladora efetiva3.
asma, assim como para acompanhar os efeitos
Na asma, torna-se fundamental a avaliação
de sua progressão ou remissão.
funcional para o estabelecimento do diagnósti-
A espirometria e a medida do pico de fluxo
co da doença, uma vez que a limitação ao fluxo
expiratório são os testes mais simples para se
aéreo só pode ser medida objetivamente através
avaliar a função pulmonar nesses pacientes. Em
dos testes de função pulmonar. Além do mais,
determinadas situações, o teste de broncopro-
as provas de função respiratória são essenciais
vocação pode ser importante para estabelecer o
na avaliação de gravidade e no monitoramento
diagnóstico de asma.
PALAVRAS-CHAVE: Teste de função pul- do tratamento.
monar; Espirometria; Asma. O arsenal de exames disponíveis para
o manejo da doença é enorme. Dentre eles,
1. Introdução destacam-se a espirometria, a medida do PFE e
o teste de broncoprovocação (TBP). Entretanto,
A asma é definida como uma afecção
em situações especiais, outros testes poderão
crônica das vias aéreas, caracterizada por in-
tornar-se importantes (Quad.1).
flamação, obstrução reversível ao fluxo aéreo,
hiper-responsividade brônquica e episódios
recorrentes de sibilância, tosse e dispneia. Des-
2. Diagnóstico Funcional
sa forma, a obstrução ao fluxo aéreo, implícita Na prática clínica, o diagnóstico funcional
no conceito da doença, é o fator que tem maior da asma é basicamente feito através dos parâ-
significado clínico. Já o termo reversibilidade metros espirométricos e da medida do PFE.
é utilizado para indicar melhoras rápidas no Entretanto, em determinadas condições, pode
volume expiratório forçado no primeiro se- tornar-se imprescindível à realização do TBP.
gundo (VEF1) ou no pico de fluxo expiratório

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Quadro 1. Testes funcionais que poderão ser A reversibilidade da obstrução é outra
utilizados no diagnóstico e manejo da asma. característica marcante da asma e, por isso,
nestes pacientes, deve ser sempre realizada a
• Espirometria prova broncodilatadora. Nela, procura-se avaliar
• Medida do pico de fluxo expiratório as variações funcionais imediatas decorrentes
• Teste de broncoprovocação da alteração do tônus muscular brônquico – o
• Oximetria não invasiva chamado componente espástico – um dos ele-
• Gasometria arterial mentos-chave da gênese do processo obstrutivo
• Volumes pulmonares estáticos na asma. É convencionalmente avaliada após a
• Resistência de vias aéreas administração de β2-adrenérgico de curta ação
• Capacidade de difusão ao monóxido de carbono
por spray, usualmente na dose de 200-400μg,
sendo a resposta medida após 10 a 15 minutos1.
Considera-se como resposta broncodilata-
2.1. Espirometria e prova dora positiva em fluxo uma variação absoluta
broncodilatadora
no VEF1 maior que 200mL e uma variação
É o método de escolha na determinação da percentual em relação ao valor basal maior que
limitação do fluxo expiratório e estabelecimento 12%1, que pode ser facilmente notada na curva
do diagnóstico, sendo indicativos de asma2: fluxo-volume (Fig.2).
• obstrução das vias aéreas; Em relação ao valor previsto (percentual do
teórico), uma variação acima de 10% aumenta
• reversibilidade da obstrução;
em muito a chance do diagnóstico de asma, uma
• aumento do VEF1 superior a 20% e exce- vez que mostra uma sensibilidade de quase 50%
dendo 250ml, de modo espontâneo no de- e uma especificidade de 90%4. É importante
correr do tempo, ou após intervenção com salientar, ainda, que alguns pacientes com asma,
medicação (como, por exemplo, prednisona especialmente nos extremos de obstrução, não
na dose de 30-40mg/dia, por duas semanas). respondem agudamente a broncodilatador.
O diagnóstico da síndrome obstrutiva Nestes casos, a introdução de corticoide oral ou
brônquica constitui-se na principal aplicação o aumento da dose do broncodilatador devem
da espirometria na asma. O padrão obstrutivo ser considerados.
é aquele em que há redução dos fluxos máximos
2.2. Medida do pico de fluxo
com relativa preservação da capacidade vital
expiratório
forçada (CVF), com diminuição da relação
VEF1/CVF (índice de Tiffeneau). Sendo assim, A medida do PFE pode ser utilizada para
a simples observação da morfologia da alça diagnóstico, avaliação de gravidade e monito-
fluxo-volume já possibilita identificar a pre- rização do tratamento, sendo também bastante
sença de obstrução das vias aéreas: o pico de útil na confirmação do diagnóstico de asma
fluxo é inferior ao normal e a curva expiratória ocupacional.
apresenta-se côncava para cima (Fig.1). A monitorização do PFE geralmente é feita
Entretanto, o padrão ventilatório da asma através de um medidor portátil para avaliar
nem sempre é o obstrutivo clássico, podendo a periodicamente a capacidade de pico de fluxo
curva fluxo-volume ter aspecto normal e, em do indivíduo. Pelo menos três medidas devem
casos excepcionais, até mesmo restritivo, sem ser realizadas em cada sessão. A manobra deve
o esperado aumento dos volumes pulmonares. ser repetida até que três leituras estejam dentro
Estes padrões, ditos “paradoxais”, podem ocor- de 20L/min cada uma da outra, sendo anotado
rer em pacientes obesos ou com deformidades o maior valor das três leituras. Deve ser medido
torácicas. ao acordar, 10 minutos após broncodilatador, à

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noite e quando houver sintomas. Em geral, o avaliar a responsividade brônquica envolve a
PFE é alcançado dentro do primeiro décimo de administração por aerossol de agentes farma-
segundo do esforço expiratório4. cológicos com efeitos contráteis sobre a mus-
Na asma, há uma variabilidade de 20 a 50% culatura das vias aéreas, em geral histamina,
entre o PFE mais elevado e o mais baixo, que metacolina ou carbacol. Mudanças na função
é proporcional ao descontrole inflamatório e pulmonar (diminuição no VEF1) são medidas
ao grau de hiper-responsividade brônquica por espirometria seriada após inalação de doses
(HRVA). Em asmáticos, existe uma correlação crescentes destas substâncias. Os resultados
razoável entre as medidas do PFE e o VEF1 são expressos como dose cumulativa ou como
mas, em média, o PFE situa-se em valores 10% concentração de agonista que produza queda
acima, quando estes parâmetros são expressos de 20% no VEF1. Obviamente, os portadores
em percentagem. São indicativos de asma3: de hiper-responsividade brônquica respondem
a doses menores.
• aumento de pelo menos 15% após ina-
A broncoprovocação também pode ser
lação de um broncodilatador ou um curso
induzida pelo exercício e, assim, corroborar o
oral de corticosteroide;
diagnóstico de asma por exercício. Um esforço
• variação diurna > 20%, ao longo de um de curta duração, geralmente entre 6 e 8 minu-
período de duas a três semanas. tos, se faz necessário para o desencadeamento
da crise. A espirometria deve ser então repetida
2.3. Testes de imediatamente após o esforço físico e a cada 5
broncoprovocação minutos até 30 minutos, ou até que os valores
Os testes de broncoprovocação pos- voltem aos níveis basais. A presença de bron-
suem papel fundamental no diagnóstico da coespasmo induzido pelo exercício pode ser
asma quando não está presente a tríade de demonstrada através da queda de 10-15% do
sintomas característicos (dispneia, sibilos e VEF1 em relação ao VEF1 basal, pré-exercício5.
tosse) e a espirometria não demonstra obstrução
reversível. São também indicados em casos de
3. Acompanhamento
tosse crônica, asma ocupacional, asma induzida Funcional
por exercício e asma medicamentosa. Devem
ser realizados na ausência de condições que 3.1. Espirometria e medida do
interferem na HRVA, como: infecção viral nas pico de fluxo expiratório
últimas seis semanas, uso de broncodilatadores Assim como no diagnóstico, os índices espi-
ou corticosteroides, e relação VEF1/CVF supe- rométricos e o PFE são essenciais no seguimento
rior a 70%3. da asma. Além de servirem como parâmetros
O teste de broncoprovocação baseia- de gravidade, essas medidas prestam também
se no fato de que a musculatura lisa brônquica, para o estabelecimento do nível de controle,
quando exposta a determinados estímulos, reage considerando-se “asma controlada” aquela que
com aumento do tônus. Esta resposta bronco- apresenta VEF1 ou PFE com valor normal ou
constritora exagerada das vias aéreas não é um próximo do normal. Do ponto de vista funcio-
fenômeno exclusivo de indivíduos asmáticos, nal, a asma é grave quando o VEF1 ou o PFE é
ocorrendo também em outras condições respi- < 60% do valor teórico e a variabilidade desses
ratórias como: sinusite crônica, rinite alérgica, parâmetros é maior que 30%.
bronquiectasias, bronquite crônica, fibrose cís- A espirometria deve ser realizada semes-
tica, infecções virais respiratórias e exposição a tralmente nos casos graves e anualmente para
poluentes oxidantes4. os demais. Em relação ao PFE, a magnitude da
O método mais largamente aplicado para queda matinal e a sua diminuição após expo-

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sição identificável a alergênio ou irritante têm da devido a destrução dos espaços aéreos dispo-
correlação com o grau de hiper-responsividade níveis para a troca gasosa. Na asma, a DLCO é
das vias aéreas e com a quantidade de medicação normal ou elevada. Uma das explicações para o
necessária para controle. A monitorização do
aumento da DLCO, que geralmente é observado
PFE também tem utilidade para os pacientes que
durante as crises, está no redirecionamento do
não têm boa percepção do grau de obstrução
das vias aéreas. fluxo sanguíneo para os ápices pulmonares;
isto acarreta um aumento da perfusão relativa
3.2. Outros testes que podem à ventilação (desequilíbrio V/Q) em regiões
ser de auxílio na avaliação da
não-dependentes do pulmão.
asma

Nas crises de asma, a gasometria arterial e Referências


a oximetria não-invasiva são componentes es-
1. AMERICAN THORACIC SOCIETY. Lung
senciais do monitoramento. Enquanto na asma
function testing: selection of reference values
moderada ocorre hipoxemia não significativa, and interpretative strategies. Am Rev Respir
hipocapnia e pH normal (ou leve alcalose), na Dis, v. 144, p. 1202-18, 1991.
asma grave a hipoxemia é moderada a acentu-
2. A S B A I , S B P , S B P T. I V D I R E T R I Z E S
ada e a hipercapnia é frequente, acarretando o
BRASILEIRAS PARA O MANEJO DA ASMA.
desencadeamento de acidose respiratória. Vale J Bras Pneumol, v. 32, supl. 7, p. S447-S474, nov.
salientar, ainda, que, na oximetria não-invasiva, 2006.
valores de SatO 2 acima de 90% costumam
3. BUSSE, W.W., LEMANSKE, R.F. Asthma. N
corresponder a uma PaO2 acima de 60mmHg Engl J Med, v. 344, n. 5, p. 350-62, 2001.
(curva de dissociação da oxi-hemoglobina),
4. DIRETRIZES PARA TESTES DE FUNÇÃO
indicando um aporte satisfatório de O 2 ao
PULMONAR. J Pneumol, v. 28, supl. 3, p. S1-
organismo.
S232, out. 2002.
Em asmáticos graves, assim como ocorre
nos portadores de doença pulmonar obstrutiva 5. GODFREY, S., SPRINGER, C., BAR-YISHAY,
E. et al. Cut-off points defining normal and
crônica (DPOC), o VEF1 e o PFE podem não re-
asthmatics bronchial reactivity to exercise and
fletir a verdadeira intensidade da doença. Nesses inhalation challenges in children and young
casos, testes outros como a medida dos volumes adults. Eur Respir J, v. 14, p. 659-68, 1999.
pulmonares estáticos (preferencialmente pela
pletismografia de corpo inteiro) e da resistência Abstract
de vias aéreas (que pode ser mensurada pela
Pulmonary function testing is very helpful
pletismografia ou pela técnica de oscilações
in assessing the physiologic consequences of
forçadas) podem tornar-se de grande auxílio
para um aprofundamento fisiopatógico mais asthma, as well as in following the effects of their
relevante. Na asma grave, a capacidade pulmo- progression or remission.
nar total (CPT) pode estar aumentada devido Spirometry and measure of peak expiratory
à hipertonia da musculatura inspiratória, o que flow are the most basic tests of pulmonary func-
representa uma defesa contra o fechamento tion in those patients. In specific clinical setting,
brônquico.
the use of bronchoprovocation testing has been
Outra medida funcional que pode ser reali-
demonstrated in establishing the diagnosis of
zada é a da capacidade de difusão do monóxido
de carbono (DLCO). Sua principal indicação é asthma.
na diferenciação entre asma e DPOC, uma vez KEYWORDS: Pulmonary function testing;
que, no enfisema, a medida encontra-se reduzi- Spirometry; Asthma.

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TITULAÇÃO DOS AUTORES

Editorial Roberto Campos Meirelles


Mestre em ORL pela UFRJ
Eduardo Costa de Freitas Silva
Doutor em ORL pela USP
Mestre em Imunologia Clínica pela UFRJ Livre -Docente em ORL pela UERJ e pela UNIRIO
Chefe da Divisão de Atenção à Saúde da Diretoria Professor Associado de ORL da FCM/UERJ
Geral de Saúde do CBMERJ
Endereço para correspondência:
Chefe do Setor e Coordenador do Curso de
Unidade Docente-assistencial de ORL – HU Pedro
Aperfeiçoamento em Alergia e Imunologia Clínica Ernesto.
do HU Pedro Ernesto/UERJ. Av. 28 de Setembro, 77/5º andar, Vila Isabel.
Endereço para correspondência: Rio de Janeiro - RJ. CEP 20551-030
Setor de Alergia e Imunologia – HU Pedro Ernesto. Telefones.: (21) 2587-6220, (21) 2587-6210
E-mail: rcmeirelles@gmail.com
Av. 28 de setembro, 77/3º andar, Vila Isabel
Rio de Janeiro - RJ. CEP 20551-030
Telefones: (21) 2587-6631, (21) 2587-6414 - Artigo 3: Asma Brônquica
E-mail: eduardocostamd@hotmail.com
Eduardo Costa de Freitas Silva
Artigo 1: Rinite Alérgica e (Vide Editorial)
Comorbidades
Artigo 4: Diagnóstico e
Eduardo Costa de Freitas Silva Acompanhamento Funcional
(Vide Editorial) da Asma Brônquica
Agnaldo José Lopes
Artigo 2: Exame da Cavidade Doutor em Medicina pela FM/UERJ
Nasal e Tratamento Cirúrgi- Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia
da FCM/UERJ.
co da Obstrução Nasal Chefe do Setor de Provas de Função Pulmonar do

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HU Pedro Ernesto/UERJ Artigo 6: Sinusite Fúngica
Endereço para correspondência:
Unidade Docente-assistencial de Pneumologia –
Alérgica - Relato de Caso e
HU Pedro Ernesto. Revisão da Literatura
Av. 28 de Setembro, 77 /2º andar, Vila Isabel
Rio de Janeiro - RJ. CEP 20551-030 Eduardo Costa de Freitas Silva
Telefone: (21) 2587-6537
E-mail: phel.lop@uol.com.br (Vide Editorial)

José Manoel Jansen Artigo 7: Imunoterapia


Professor Titular da Disciplina de Pneumologia da
FCM/UERJ.
Específica em Alergia
Endereço para correspondência:
Respiratória
Unidade Docente-assistencial de Pneumologia –
HU Pedro Ernesto. Eduardo Costa de Freitas Silva
Av. 28 de Setembro, 77/2º andar, Vila Isabel.
(Vide Editorial)
Rio de Janeiro - RJ. CEP 20551-030
Telefone: (21) 2587-6537
Artigo 8: Terapia Anti-Ige em
Artigo 5: Aspergilose Alergia Respiratória
Broncopulmonar Alérgica: Nelson Guilherme Cordeiro
Médico da Clínica de Alergia da Policlínica Geral
Panorama Atual do Rio de Janeiro
Solange O. R. Valle Endereço para correspondência:
Mestre em Imunologia pela UFRJ Av. Nilo Peçanha, n. 38 / sobreloja, Centro
Médica do Serviço de Imunologia do Hospital Rio de Janeiro - RJ. CEP 20020-100
Telefone: (21) 2517 4200
Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ
E-mail: nelsongbc@uol.com.br
Médica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
Janeiro.
Eduardo Costa de Freitas Silva
Endereço para correnpondência:
Rua Miguel Lemos, 44 / sala 1002, Copacabana. (Vide Editorial)
Rio de Janeiro - RJ. CEP: 22071-000
Telefone: (21) 2521- 2649 Artigo 9: : Educação
E-mail: rodriquesvalle@terra.com.br
Integrada no Manejo das
Alfeu T. França Alergias Respiratórias
Livre-docente em Imunologia pela FM/UFRJ Fátima Emerson
Chefe do Serviço de Alergia do Hospital São
Médica da Clínica de Alergia da Policlínica Geral
Zacharias
do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Endereço de correnpondência:
Av. Carlos Peixoto, 124, Botafogo. Av. Nilo Peçanha, n. 38 – sobreloja – Centro – Rio
Rio de Janeiro - RJ. CEP: 22290-090 de Janeiro - RJ. CEP 20020-100
Telelefone: (21) 2295 4848 Telefone: (21) 2517 4200
E-mail: alfeu@hucff.ufrj.br E-mail: femerson@gmail.com

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