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Sinais e sintomas respiratórios

José Alberto Neder


Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Tosse

A - Introdução

A tosse representa o principal mecanismo de defesa das vias aéreas inferiores.


É definida como uma manobra expiratória forçada contra a glote fechada,
promovendo um som característico. Trata-se de um dos motivos mais comuns
de consulta ao pneumologista, atingindo cerca de 30 milhões de atendimentos
ambulatoriais por ano na população norte americana.

B - Classificação

Ainda que possamos diferenciar a tosse produtiva ou seca, diária ou


episódica, a principal característica clínica para correlação com hipótese
diagnóstica é o seu tempo de duração:

Aguda: até 3 semanas;


Subaguda: tosse persistente por um período entre 3 e 8 semanas;
Crônica: superior a 8 semanas.

a) Tosse aguda

As principais causas de tosse aguda são as Infecções das Vias Aéreas


Superiores (IVAS) e inferiores (traqueobronquites agudas), sendo os vírus
respiratórios os agentes etiológicos mais frequentes. Outras causas comuns
são sinusites bacterianas agudas, exposição a alérgenos e irritantes e
exacerbações de doenças crônicas, como asma, Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica (DPOC) e doenças intersticiais pulmonares (DPI).
Nas IVAS, o diagnóstico é altamente sugestivo em pacientes com tosse,
rinorreia (mucosa ou hialina), espirros, obstrução nasal e drenagem pós-nasal
de secreções, na presença ou não de odinofagia e febre; caracteristicamente, a
ausculta pulmonar deverá ser normal. A principal etiologia é a viral, e o
quadro resolve-se espontaneamente na maioria dos casos.
As traqueobronquites agudas, em mais de 50% dos casos, são de etiologia
viral, sem necessidade de tratamento específico para a tosse. Febre persistente
por mais de 3 dias e purulência de escarro sugerem etiologia bacteriana,
devendo o uso de antibióticos ser considerado. As exacerbações agudas de
doenças pulmonares crônicas serão discutidas em outros capítulos.

b) Tosse subaguda

As orientações para o manejo da tosse subaguda são controversas, até porque


a classificação é recente. Antigamente, a tosse com mais de 3 semanas de
evolução era categorizada como crônica. Na verdade, as etiologias são
similares e a abordagem muito semelhante, com uma exceção relevante, que
representa a principal causa de tosse subaguda: a tosse pós-infecciosa.
O diagnóstico da tosse pós-infecciosa é de exclusão e baseia-se em 3 critérios:
tosse com duração >3 e <8 semanas; avaliação clínica detalhada sem
identificação de uma causa e história de infecção das vias aéreas nas últimas 3
semanas. Não há tratamento específico, mas devemos identificar se os
sintomas decorrem de obstrução/gotejamento pós-nasal persistente, e os
principais medicamentos auxiliares são os anti-histamínicos e fármacos
inalatórios (sobretudo o brometo de ipratrópio); o uso de corticoide sistêmico
deve ser desencorajado, visto que habitualmente não abrevia os sintomas.
A abordagem da tosse subaguda exige história clínica cuidadosa que permite
o diagnóstico, na maioria das vezes, sem a necessidade de investigação
adicional ou de tentativas terapêuticas.

c) Tosse crônica

A abordagem do paciente com tosse crônica não é simples. Entretanto, com


uma anamnese detalhada, podemos direcionar corretamente a abordagem
diagnóstica e terapêutica. Ainda que as possibilidades etiológicas sejam
inúmeras (Tabela 1), segundo o último consenso para o manejo da tosse do
American College of Chest Phisicians de 2006, quando descartamos o
tabagismo e o uso de Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina
(IECAs) como causas de tosse crônica em paciente com radiografia de tórax
normal, cerca de 99% dos casos serão provocados por uma das 3 causas mais
frequentes: gotejamento pós-nasal, asma/hiper-reatividade brônquica e
refluxo gastroesofágico. Estas causas nem sempre ocorrem isoladamente; é
comum a associação entre 2 ou mesmo 3 delas.
A história de tosse na vigência de terapia com IECA ocorre em até 15% dos
usuários dessa medicação e, comumente, logo depois do início do uso,
resolvendo-se após a retirada do fármaco. Isso se dá em razão da inibição da
degradação da bradicinina, com acúmulo no epitélio brônquico que promove
irritação local e tosse.
O Consenso Brasileiro de Tosse sugere abordagem em que, na ausência de
sintomas que sugiram o diagnóstico, como tosse reativa das vias aéreas
superiores, sintomas de refluxo ou outros, se realize uma radiografia de tórax.
A tomografia computadorizada de tórax é o principal exame auxiliar no
paciente com radiografia considerada não diagnóstica. É atualmente o melhor
exame para avaliação de doenças pulmonares parenquimatosas, tumores e
lesões endobrônquicas, além de possíveis etiologias pleurais e mediastinais.
Caso o diagnóstico continue inconclusivo, outros testes, como espirometria
e/ou broncoprovocação, análise microbiológica de escarro (BAAR, cultura
geral e de fungos), pHmetria esofágica e broncoscopia, deverão ser
realizados. Conforme orientação atual do Ministério da Saúde, todos os
pacientes com tosse crônica (>8 semanas) devem ser referenciados para
investigação quanto à possibilidade de tuberculose pulmonar.
Diagnóstico
Apesar das diversas causas de tosse, o diagnóstico em sua maioria é
clínico, com base na duração da tosse e na avaliação minuciosa da história
(fatores desencadeantes, de melhora ou piora, medicamentos em uso etc.).

C - Tratamento
O tratamento deve ser direcionado à sua etiologia (a Tabela 4 enumera
recomendações para as principais etiologias da tosse crônica). Como a tosse é
um dos principais mecanismos de defesa das vias aéreas, sua supressão com
fármacos antitussígenos é habitualmente pouco eficaz, devendo ser indicada
apenas a situações em que o controle é extremamente necessário, como em
crises de tosse que promovam desconforto respiratório importante, alguns
casos de pós-operatório e de hemoptise.

2. Dispneia
A dispneia tem sido conceituada de inúmeras formas, mas provavelmente a
definição mais completa é a de que “dispneia é a percepção da respiração”.
De fato, a respiração deve ser um fenômeno automático, não notado, e sua
simples percepção denota um fenômeno anormal.

Dica
Sempre se deve diferenciar dispneia subjetiva (queixa do paciente) de
dispneia objetiva (percebem-se os sinais).

Vários mecanismos podem explicar o surgimento da dispneia. De forma


geral, sua presença pode sinalizar alteração funcional respiratória. O estímulo
para a ventilação é regulado por nervos periféricos (na face e nas vias aéreas),
mecanorreceptores (na parede torácica e no diafragma) e barorreceptores
(para CO2 e O2); uma excitação excessiva desses sensores é o gatilho para a
dispneia. A seguir, estão enumeradas situações que exemplificam os
mecanismos de dispneia.

A classificação britânica do Medical Research Council modificada (mMRC),


atualmente, é mais utilizada para a avaliação da severidade da dispneia. Vale
ressaltar que tais classificações serão importantes sobretudo no manejo de
pacientes com diagnóstico de pneumopatias crônicas, diferentemente dos
pacientes com outras patologias ou sintomas agudos.
Dica
Lembrar que dispneia não ocorre unicamente por alteração pulmonar,
podendo estar relacionada com distúrbios psiquiátricos (crise de ansiedade
ou pânico).

A - Tipos
O tipo mais comum de dispneia é o que acompanha o esforço físico. O centro
respiratório aumenta a frequência respiratória e/ou a profundidade da
respiração (volume corrente) quando os níveis de oxigênio no sangue estão
baixos ou os níveis de dióxido de carbono estão elevados. Por outro lado, se
as funções cardíaca e pulmonar estiverem anormais, mesmo um pequeno
esforço poderá acarretar aumento acentuado da frequência respiratória e
causar a dispneia. Nas formas mais graves, pode acontecer mesmo em
repouso.
A dispneia de causa pulmonar pode ser consequência de defeitos restritivos ou
obstrutivos. Na dispneia restritiva, o trabalho respiratório aumenta em virtude
do comprometimento da expansão torácica devido à perda de distensibilidade
dos pulmões, à deformidade da parede torácica ou ao espessamento pleural. O
volume de ar que chega aos pulmões é inferior ao normal, como mostram as
provas de função pulmonar.
Os indivíduos com dispneia restritiva comumente se sentem confortáveis em
repouso, mas apresentam dificuldade respiratória quando estão em atividade
porque seus pulmões não conseguem expandir-se o suficiente para obter o
volume desejado. Na dispneia obstrutiva, o paciente não é capaz de eliminar
totalmente o ar previamente inalado, e a retenção intratorácica de ar
(hiperinsuflação pulmonar) desloca o diafragma para baixo, diminuindo sua
eficiência ventilatória, o que é interpretado como dispneia (por exemplo, na
DPOC).
Algumas características da falta de ar referida pelo paciente podem ser úteis
na determinação da etiologia, conforme sumariza a Tabela 7.

Existem situações em que há mudança do padrão respiratório, como na


respiração de Cheyne-Stokes, caracterizada por alternância entre períodos de
respiração acelerada (hiperpneia) e períodos de respiração lenta (hipopneia)
ou de ausência de respiração (apneia). As suas possíveis causas são a
insuficiência cardíaca e a redução da eficácia do centro respiratório, bem
como o uso de sedação.
A acidemia, ou mesmo o coma diabético, pode produzir um padrão
respiratório caracterizado por respirações lentas e profundas, denominado
respiração de Kussmaul, mas o indivíduo não apresenta falta de ar. Por outro
lado, aquele com insuficiência renal grave pode apresentar dispneia com
respiração ofegante e rápida devido à combinação de acidose, insuficiência
cardíaca e anemia. Lesão cerebral súbita, decorrente de hemorragia cerebral,
de traumatismo ou de qualquer outro distúrbio, pode também alterar o padrão
respiratório, acarretando respiração rápida e intensa (hiperventilação).
Muitos indivíduos apresentam episódios de dispneia caracterizados por
respirações rápidas e profundas. Esses episódios, denominados como
síndromes de hiperventilação, são comumente causados por ansiedade, e não
por um problema físico. Muitos que apresentam a síndrome se assustam,
julgando sofrer um infarto do miocárdio. Os sintomas devem-se a alterações
das concentrações dos gases sanguíneos (principalmente em função da
diminuição do nível de dióxido de carbono) provocadas pela respiração
acelerada, com possível alteração da consciência, comumente descrita como
sensação de que tudo ao redor está muito distante. Também há sensação de
formigamento nas mãos, nos pés e em torno da boca.

B - Abordagem diagnóstica

O 1º passo na investigação diagnóstica de pacientes com dispneia é a


determinação do órgão primariamente envolvido; é uma tarefa que pode ser
difícil se consideramos que, em até 1/3 dos pacientes, a causa da dispneia é
multifatorial. No entanto, em cerca de 80%, a história e o exame físico são
suficientes para realizar o diagnóstico. Em alguns pacientes, exames
complementares e triagem podem contribuir.
Em pacientes com dispneia aguda no pronto-socorro, marcadores hormonais
têm sido úteis para a sua avaliação. A concentração de peptídio natriurético
atrial e de peptídio natriurético cerebral (BNP) aumenta nas formas mais
avançadas ou crônicas de ICC, e o uso, em particular do BNP, foi estudado
para diferenciar quadros cardíacos de pulmonares, em unidades de
emergência. Valores de BNP >100pg/mL apresentam sensibilidade,
especificidade e valor preditivo positivo de, respectivamente, 90, 76 e 83%. O
BNP revelou-se a melhor variável isolada para o diagnóstico de ICC em
dados de história, exame físico e exames complementares. Quanto maiores os
valores de BNP, maior a probabilidade do diagnóstico final de ICC; quando
maiores do que 400pg/mL, têm grande valor preditivo positivo; se menores
do que 100pg/mL, têm bom valor preditivo negativo. Um estudo europeu
demonstrou que valores menores do que 80pg/mL têm valor preditivo
negativo de 98%.

Diagnóstico
Os testes de função pulmonar (espirometria, pletismografia, capacidade
difusiva do monóxido de carbono) e tomografia de tórax são os principais
exames utilizados na avaliação de causa de dispneia por doença pulmonar.
Ecocardiograma, eletrocardiograma e dosagem de BNP podem ser úteis na
diferenciação de dispneia de etiologia cardíaca.

3. Dor torácica
A dor torácica habitualmente é um tópico mais importante de discussão na
área de Cardiologia. Isto se deve ao fato de que, apesar de não ser a etiologia
mais frequente de dor torácica, as síndromes coronarianas agudas ainda
representam uma das principais causas de morbimortalidade no Brasil e no
mundo.
Cabe aqui ressaltar especificamente a caracterização do paciente com suspeita
de doenças pleuropulmonares associadas à dor torácica (Tabela 9), dentre as
quais se destacam as síndromes pleurais, o tromboembolismo pulmonar e as
neoplasias pulmonares. A caracterização da dor pleurítica é a principal pista
para a correta avaliação do caso; trata-se de dor habitualmente posterolateral,
que piora à movimentação do tórax ou decúbito, mas sobretudo relacionada à
inspiração mais profunda do tórax. Uma vez identificada, os exames de
imagem (radiografia de tórax, tomografia de tórax ou angiotomografia de
artérias pulmonares) são os principais exames para condução clínica.
Dica
Todo paciente com dor torácica deve ser avaliado, e o diagnóstico de
síndrome coronariana aguda deve ser descartado; no entanto, quando
identificamos dor de característica pleurítica, as doenças pleuropulmonares
devem ser investigadas adequadamente.

4. Sibilos
Sibilos são sons agudos, semelhantes a assobios, produzidos durante a
respiração, cujos mecanismos ainda são muito discutidos. O mais aceito é que
ocorrem por vibração das paredes de pequenas vias aéreas, principalmente
aquelas com alguma redução do fluxo de ar. Podem ser causados por
estreitamento geral das vias respiratórias (como acontece na asma ou na
DPOC), por estreitamento localizado (como o produzido por tumor) ou por
partícula estranha que se aloje nas vias aéreas.

Importante
Na presença de tosse acompanhada de sibilos e dispneia, sempre se deve
pensar em asma, sugerida por tosse após início de tratamento com
betabloqueador.

A causa mais comum de sibilos recorrentes é a asma, embora muitos


indivíduos que nunca tiveram a doença os apresentem em algum momento da
vida. Para medir a extensão do estreitamento das vias aéreas e avaliar os
benefícios do tratamento, é necessária a realização de provas da função
pulmonar.
Um subtipo de sibilo, chamado grasnado, é um som ultracurto, com a mesma
tonalidade, que dura menos de 100ms. Característico da pneumonia de
hipersensibilidade, pode ocorrer em outras desordens bronquiolares.

Dica
Sibilos traduzem obstruções de vias de pequeno calibre, presentes em
ambas as fases da respiração; roncos traduzem obstruções de vias de
grande calibre, também em ambas as fases, sendo alterados com a tosse.

5. Estridor
O estridor é um sintoma e sinal (pode ser relatado pelo paciente e facilmente
identificado ao exame físico) que, de modo geral, se correlaciona com
obstrução ao fluxo aéreo em vias respiratórias de grande calibre,
frequentemente, laringe, traqueia e brônquios principais. É um ruído
adventício mais facilmente detectado na inspiração. Pode ocorrer nas
síndromes infecciosas agudas, sobretudo em crianças (laringite aguda, crupe),
porém, como sintoma isolado, com frequência, está relacionado a um dos
seguintes diagnósticos: discinesia de pregas vocais (muitas vezes, de difícil
diferenciação com crises de asma pela sua característica intermitente e
súbita), estenose de traqueia (causa mais comum e pós-trauma de intubação
prolongada), tumores endobrônquicos e obstrução por corpo estranho. O
principal cuidado que se deve ter é com a sua evolução rápida para
insuficiência respiratória aguda e necessidade de intubação orotraqueal na
unidade de emergência.

6. Hemoptise

Tema frequente de prova


As causas da hemoptise, bem como suas características, são temas sempre
vistos em questões de concursos médicos. Os diagnósticos mais
frequentemente associados em questões de prova são as doenças
necrotizantes do parênquima pulmonar: tuberculose, carcinoma brônquico,
tromboembolismo com infarto pulmonar e vasculites pulmonares
(síndrome pulmão-rim).

A hemoptise consiste na expectoração de sangue originário do trato


respiratório, na forma de sangue vivo, ou como estrias de sangue
(hemoptoicos). Existem classificações na literatura para estimar a gravidade,
geralmente com base no volume expectorado. Uma das mais aceitas considera
sangramentos superiores a 100mL como maciços e ameaçadores à vida.
A hemoptise deve ser diferenciada, na investigação inicial, dos sangramentos
oriundos das vias aéreas superiores e do trato gastrintestinal alto. As causas
mais comuns são doenças de vias aéreas, traqueobronquite aguda e
bronquiectasias; no Brasil, estima-se que a tuberculose pulmonar seja
responsável por grande número de casos. Outras causas são o abscesso
pulmonar, a bola fúngica, o carcinoma de pulmão e a fibrose cística.
Os tumores são responsáveis por cerca de 20% dos casos, destacando-se o
carcinoma pulmonar. Essa hipótese deve ser cuidadosamente investigada em
indivíduos com mais de 40 anos e tabagistas.
Deve-se lembrar que, na ICC com edema alveolar, pode haver tosse com
secreção espumosa rosada; esta, por sua vez, pode ser confundida com
hemoptise (portanto, devem-se caracterizar bem o quadro, a expectoração e
possíveis comorbidades).

A - Principais causas

Observam-se infecções do trato respiratório, bronquite, pneumonia,


tuberculose, infecção por fungo (Aspergillus, por exemplo), abscessos
pulmonares, bronquiectasias, insuficiência cardíaca, estenose da válvula
mitral e síndrome de Goodpasture. Outras: malformações arteriovenosas,
corpo estranho nas vias aéreas, distúrbios hemorrágicos, trauma, lesão durante
procedimento médico, embolia pulmonar e tumor, tosse paroxística (pelo
esforço repetitivo).

B - Diagnóstico

A história clínica é um fator importante na investigação da etiologia da


hemoptise. Tempo de duração, sintomas sistêmicos associados e história de
tabagismo são dados que devem ser sempre verificados. Muitas vezes, o
principal desafio diagnóstico é identificar adequadamente a origem do
sangramento das vias aéreas inferiores, de acordo com os dados clínicos, ou
seja, se este provém das vias aéreas superiores ou do trato digestivo. Os
principais achados relacionados são: sensação de “calor” localizado no tórax
antes do episódio, acesso de tosse precedendo o sangramento, eliminação de
sangue vivo sozinho (não misturado com expectoração purulenta), sensação
de sufocamento e alterações localizadas na ausculta pulmonar (estertores,
roncos ou sibilos).
Dentre os exames complementares, a radiografia é o exame inicial:
recomenda-se que pacientes jovens, com hemoptise não maciça por menos de
7 dias e com radiografia normal, recebam tratamento antimicrobiano por
provável traqueobronquite complicada ou sinusopatia aguda com
sangramento de vias aéreas superiores que se manifestem também com a
tosse. Porém, trata-se de um sintoma que com grande frequência indica a
necessidade de investigação complementar, pela possibilidade de etiologias
graves. Hematócrito, coagulograma, testes de função renal, sedimento
urinário e pesquisa de bacilo álcool-ácido-resistente no escarro devem ser
solicitados.
Além destes, tomografia de tórax de alta resolução e/ou broncoscopia estão
indicadas. Atualmente, a maioria dos autores recomenda a priorização da
tomografia como método diagnóstico em detrimento da broncoscopia, pois
permite definir a causa do sangramento (avaliação de bronquiectasias,
tumores, embolia pulmonar, dentre outros), conseguindo identificar a origem
do sangramento no paciente com doença parenquimatosa difusa, mediante
administração de contraste endovenoso; exceção vale aos casos com
repercussão hemodinâmica, em que a broncoscopia apresenta papel
terapêutico relevante na tentativa de controle do sangramento ativo.

Diagnóstico
O diagnóstico geralmente é realizado com a história clínica, porém a
radiografia e a tomografia de tórax apresentam papel importante. A
broncoscopia deve ser priorizada em casos em que há repercussão
hemodinâmica do paciente.

C - Tratamento

7. Cianose
A cianose corresponde a uma coloração azulada da pele e decorre da
concentração elevada de hemoglobina reduzida – não ligada a oxigênio – no
sangue periférico. Concentrações >5g/dL de hemoglobina reduzida são
capazes de gerar cianose. Esse detalhe é interessante e tem implicação clínica:
para um mesmo grau da doença, é mais provável que um indivíduo com
poliglobulia fique cianótico do que um paciente com anemia. Como denota
uma coloração anormal do sangue, geralmente é mais bem avaliada nos
segmentos periféricos e em mucosas.
Dois fatores concorrem para o surgimento de cianose: deficiência em
oxigenar o sangue no território capilar pulmonar, padrão conhecido como
cianose central, e extração periférica excessiva de oxigênio, denominada
cianose periférica.
A cianose central pode ser consequência de vários tipos de doenças
pulmonares graves e de determinadas malformações vasculares e cardíacas
que desviam o sangue da direita para a esquerda, o que é denominado shunt
direito-esquerdo. A cianose periférica pode decorrer de redução da velocidade
do fluxo sanguíneo na periferia, com aumento da extração de oxigênio pelos
tecidos, como visto nas tromboses arteriais ou venosas e nos estados de
choque.
Uma forma de diferenciar os 2 tipos é a extensão da cianose: enquanto a
central costuma ser identificada tanto na pele quanto nas mucosas, a periférica
geralmente poupa as mucosas oral e labial. A cianose central habitualmente
melhora com a administração de oxigênio, ao contrário da periférica.
Outra forma de classificar a cianose é o local de manifestação. Assim,
podemos encontrar 2 padrões: cianose localizada (restrita a um segmento
corpóreo) e cianose generalizada (acometimento difuso). É necessário
cuidado para não confundir a classificação fisiopatológica com a distribuição
da cianose: toda cianose central é generalizada, no entanto nem toda cianose
generalizada é central, pois pode ser vista também na periférica.

Na presença de cianose, é necessário estimar a saturação de hemoglobina com


oxigênio por meio de oxímetro de pulso e gasometria arterial. Algumas vezes,
podem ser necessários radiografias, estudos do fluxo sanguíneo e provas de
função pulmonar e cardíaca para determinar a causa da cianose. O tratamento
será, sempre, dirigido à causa-base.
Uma situação interessante, que por vezes intriga o clínico, é a de um paciente
com cianose, mas sem hipoxemia identificada na gasometria arterial: a meta-
hemoglobinemia. O distúrbio acontece por um estado alterado da
hemoglobina, com o íon ferroso tornando-se oxidado a íon férrico, que é
incapaz de ligar-se ao oxigênio. Assim, a curva de dissociação da
hemoglobina é desviada para a esquerda, para tentar aumentar a afinidade da
hemoglobina pelo oxigênio, mas a liberação tecidual do gás é reduzida. Há
redução do conteúdo de oxigênio no sangue.
Níveis de até 3% de meta-hemoglobina são considerados normais; pacientes
com a doença crônica, mesmo com níveis próximos de 50%, podem ser
assintomáticos, sendo cianose a única queixa. Quando aguda, surgem
dispneia, letargia, cefaleia e fadiga, ou quadros mais graves, com convulsões,
choque e coma. O grande problema diagnóstico da meta-hemoglobinemia é
que a oximetria de pulso é incapaz de detectá-la, e os aparelhos de gasometria
convencionais calculam a SO2 por extrapolação, por meio das medidas
diretas da paO2 e do pH (que não se modificam na meta-hemoglobinemia).
Para o diagnóstico, deve-se usar a espectrofotometria, que determina as
concentrações de hemoglobina, oxi-hemoglobina, meta-hemoglobina e
carboxi-hemoglobina. Pode-se inferir o diagnóstico, também, ao avaliar o
sangue coletado, geralmente de aspecto marrom-chocolate. A doença pode ser
hereditária ou estar associada a exposição a medicamentos (antimaláricos,
nitratos, paracetamol, lidocaína), substâncias industriais (naftaleno,
nitrotolueno etc.), alimentos em conserva (por conter nitrato e nitrito de
sódio) etc. O tratamento é feito com azul de metileno na dose de 0,1 a
0,2mL/kg IV, por 5 minutos.

Resumo
A tosse é um dos sintomas respiratórios mais comuns. O tempo de
duração auxilia na definição da etiologia: aguda, com menos de 3
semanas, geralmente se deve a infecções de vias aéreas; subaguda, entre
3 e 8 semanas, associa-se ao estado pós-infeccioso; crônica, com mais de
8 semanas, tendo como causas mais prováveis rinossinusite, hiper-
reatividade brônquica e refluxo gastroesofágico;
A dispneia, outro sintoma comum, pode associar-se a diferentes
etiologias conforme sua apresentação: aguda, na embolia pulmonar;
episódica, na asma; crônica, na DPOC e doenças fibrosantes. A ortopneia
e a dispneia paroxística noturna são vistas na insuficiência cardíaca, esta
última bastante específica. A trepopneia ocorre em derrames pleurais
volumosos, e a platipneia associa-se à síndrome hepatopulmonar;
A sibilância tem como diagnóstico mais comum a asma, mas outras
causas, como obstrução mecânica das vias aéreas e insuficiência
cardíaca, devem fazer parte do diagnóstico diferencial;
As principais causas da hemoptise são as doenças de vias aéreas; pode
ser de pequeno volume (<100mL) ou maciça e ameaçadora à vida.
Pacientes jovens, com hemoptise discreta e radiografia normal, podem
receber antimicrobianos empiricamente; outros pacientes podem ter
evolução mais grave, necessitando de intubação e procedimento
cirúrgico emergencial. A broncoscopia deve ser priorizada em casos em
que há repercussão hemodinâmica do paciente.
A cianose denota aumento da concentração de hemoglobina reduzida no
sangue periférico. Pode ser central ou periférica, conforme a
fisiopatologia, e apresentar distribuição localizada ou generalizada.
Outra forma de classificar a cianose é o local de manifestação. Assim,
podemos encontrar 2 padrões: cianose localizada (restrita a um segmento
corpóreo) e cianose generalizada (acometimento difuso).
Fisiologia respiratória e provas
de função pulmonar
Rodrigo Antônio Brandão Neto
José Alberto Neder
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro.

1. Introdução

Figura 1 - Métodos de avaliação pulmonar


2. Espirometria

A - Definições

A espirometria é um método que mede os volumes e as capacidades


pulmonares, com exceção do volume residual e da capacidade pulmonar total,
que só podem ser mensurados por meio de pletismografia (método mais
acurado), método de diluição de hélio e método de lavagem de nitrogênio.
Além disso, pode ser realizada durante a respiração lenta ou manobras
forçadas, deve ser incluída na avaliação de pacientes com sintomas
respiratórios e auxilia na prevenção, no diagnóstico, na quantificação e no
tratamento das doenças pulmonares.

Dica
A espirometria não avalia o VR e a CPT, observados apenas na
pletismografia.
B - Princípios fisiológicos

A principal manobra espirométrica é a expiração forçada, que desencadeia


aumento pronunciado das pressões alveolares – que tendem a expulsar o ar –
e da pressão pleural, que, envolvendo as vias aéreas, tende a fechá-las. Ambos
os processos praticamente se cancelam em determinado segmento das vias
aéreas (ponto de igual pressão); assim, a pressão resultante para eliminar o ar
é a de recuo elástico dos pulmões (Figura 2). A consequência lógica é que,
nessa circunstância, tem-se o fluxo máximo possível para determinado
volume pulmonar. Na verdade, ao tentar forçar mais ar para fora, aumentando
a pressão pleural, o efeito pode ser contraproducente, isto é, haverá somente
mais compressão das vias aéreas e menor fluxo.
Obviamente, quanto mais compressíveis as vias aéreas (por exemplo, na
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica – DPOC), maior esse efeito. De fato,
em tais pacientes, pode ocorrer substancial aprisionamento de ar nas pequenas
vias aéreas, e nem todo o ar inspirado é expirado com sucesso. Logo, na
expiração forçada, a taxa de fluxo aéreo é constante em um dado volume
pulmonar, o que torna os parâmetros espirométricos reprodutíveis e
analisáveis. Em contraste, na manobra expiratória lenta, não há compressão
das vias aéreas, e os fluxos são altamente variáveis. Em compensação, todo o
ar previamente inspirado é exalado com sucesso, fornecendo valores mais
acurados de Capacidade Vital (CV) e suas subdivisões.

Figura 2 - No final da inspiração (A), a Pressão Alveolar (PA) está em equilíbrio com a pressão de
abertura das vias aéreas (boca), portanto não há fluxo de ar. Em uma expiração tranquila (B), a
Pressão dentro das Vias Aéreas (PVA) é sempre maior do que a pressão circunjacente (pressão
pleural ou Ppl), e o fluxo de ar é contínuo. Na expiração forçada (Ppl elevada), como a realizada na
espirometria, a pressão de expulsão do ar (PA) está aumentada, mas, em algum ponto das vias aéreas
(Ponto de Igual Pressão, ou PIP), a pressão circunjacente (Ppl) será igual ou mesmo superior à PVA
(PIP), limitando, assim, o fluxo para aquele volume pulmonar. Assim, a expiração forçada (C)
permite a obtenção de valores reprodutíveis e confiáveis dos fluxos e volumes pulmonares

C - Siglas e definições

Tema frequente de prova


O conhecimento de cada um dos termos da prova de função pulmonar é
fundamental para os concursos médicos.

Para o adequado entendimento dos testes de função pulmonar, é necessário


uniformizar alguns termos. A nomenclatura usada de acordo com a Sociedade
Brasileira de Pneumologia e Tisiologia está descrita a seguir: VR (Volume
Residual): volume de ar que permanece nos pulmões após uma expiração
máxima;

CPT (Capacidade Pulmonar Total): volume de ar intratorácico ao final de


uma inspiração máxima;
CRF (Capacidade Residual Funcional): volume de ar que permanece nos
pulmões ao final de uma expiração usual, em volume corrente (volume
de reserva expiratório + volume residual);
CV (Capacidade Vital): representa o maior volume de ar mobilizado,
medido tanto na inspiração quanto na expiração;
CVF (Capacidade Vital Forçada): volume máximo de ar exalado com
esforço máximo, iniciando-se ao final de uma inspiração forçada
máxima;
VEF1 (Volume Expiratório Forçado de 1º segundo): volume de ar
exalado no 1º segundo durante a manobra de CVF;
VEF1/CVF: razão entre o volume expiratório forçado de 1º segundo e a
CVF;
Fluxo: expresso em L/min, representa a taxa de variação de um volume;
PFE (Pico de Fluxo Expiratório): representa o fluxo máximo de ar
durante a manobra de CVF (também denominado Fluxo Expiratório
Forçado máximo – FEFmáx);
FEF25-75% (Fluxo Expiratório Forçado médio – 25 a 75%): fluxo
expiratório forçado médio de determinado período, obtido durante a
CVF;
TEF (Tempo Expiratório Forçado): mede, em segundos, o tempo do
início ao fim da CVF.

Figura 3 - Volumes e capacidades pulmonares

D - Dados

A espirometria permite medir o volume de ar inspirado, o volume expirado e


os fluxos respiratórios.
Quando se realiza inspiração forçada máxima, a quantidade de ar nos pulmões
após a manobra é a CPT. Por outro lado, mesmo que haja esforço máximo
para expiração, o pulmão não se esvazia completamente, e essa quantidade de
ar que permanece nele após expiração máxima é denominada de VR. A
diferença entre a CPT e o VR é denominada de CVF. Pela espirometria, não
se conseguem medir nem um nem outro.
O VEF1 é uma das medidas mais úteis na prática clínica porque é
razoavelmente esforço-independente e depende da permeabilidade das vias
aéreas e de boa retração elástica pulmonar. Os resultados espirométricos
devem ser expressos em gráficos de fluxo-volume (Figura 4) e volume-tempo
(Figura 5).
A curva fluxo-volume mostra que o fluxo é máximo logo ao início da
expiração, próximo à CPT, havendo queda lenta posteriormente. É importante
observar a curva fluxo-volume, pois um esforço respiratório submáximo pode
ser evidente nessa curva, o que não acontece na curva volume-tempo. Nesse
caso, o paciente deve ser treinado para poder realizar um esforço apropriado,
de forma a obter uma curva fiel à sua função respiratória.
A CVF é o teste de função pulmonar mais importante, pois, em dado
indivíduo, durante a expiração, há limite para o fluxo máximo que pode ser
atingido em qualquer volume pulmonar. Além disso, é afetada na maioria das
doenças pulmonares.

Figura 4 - Curva fluxo-volume


Figura 5 - Curva volume-tempo

E - Interpretação dos resultados

a) Distúrbio ventilatório restritivo

A restrição pulmonar é definida por redução da CPT. Como a espirometria


não a mede (por não estimar o volume residual, como relatado), não é
possível confirmar a presença desse distúrbio. Entretanto, com base em dados
clínicos sugestivos e em alterações específicas no exame, é aceitável fornecer
o diagnóstico de restrição de forma presuntiva. A restrição pulmonar pode ser
consequência de várias doenças, afetando a expansibilidade pulmonar ou da
caixa torácica. Nesse distúrbio, as velocidades de entrada e a saída do ar não
estão comprometidas (de fato, podem estar até aumentadas): o problema
básico é a dificuldade em distender os tecidos toracopulmonares, por
enrijecimento pulmonar e/ou torácico.

Apesar de a espirometria ter incapacidade teórica de definir um distúrbio


restritivo, existe uma situação em que sua presença é irrefutável: quando a
CVF é inferior a 50% do previsto. Entenda a razão: uma vez que CPT = CVF
+ VR e o VR representa habitualmente 20% da CPT, sempre que a CVF
estiver inferior a 50% a CPT estará anormalmente reduzida, inferior a 70%,
definindo restrição. Com o mesmo princípio, outra conclusão é possível: a
restrição só poderá se manifestar na espirometria com CVF abaixo do limite
inferior esperado para o indivíduo.
No distúrbio restritivo, ocorre também redução proporcional do VEF1, o que
faz que a relação VEF1/CVF permaneça normal ou eventualmente se eleve.
Em distúrbios restritivos moderados a graves, toda a CVF pode ser expirada
no 1º segundo, tornando similares o VEF1 e a CVF, ou seja, a relação
VEF1/CVF é igual a 1 ou 100%.
Na fibrose idiopática, a tração dos tecidos aumenta a elastância dos pulmões,
reduzindo a resistência do fluxo aéreo e implicando valores supranormais de
VEF1 ou de FEF25-75%. Nessa situação, o valor da razão VEF1/CVF ou
FEF25-75%/CVF pode ser maior do que 150% do previsto.

Dica
A CVF sempre estará alterada em doenças restritivas.

b) Distúrbio ventilatório obstrutivo

Indivíduos normais expiram cerca de 80% da CVF no 1º segundo. Sabemos


também que a quantidade de ar expirada no 1º segundo representa o VEF1.
Assim, caso expire menos que esse valor, ou seja, caso a relação do
VEF1/CVF seja inferior a 0,8 (ou 80% em valores percentuais), a conclusão é
que há lentificação à saída do ar, o que indica distúrbio obstrutivo. No
entanto, para fugir do rigor fisiológico, o limite da relação VEF1/CVF
considerado clinicamente normal é de 0,7; ou seja, VEF1/CVF <0,7 define a
presença de obstrução de vias aéreas.
Dica
Quando há obstrução, a CVF do paciente não se altera inicialmente, mas
sim o VEF1, trazendo como resultado uma relação VEF1/CVF reduzida.

Figura 6 - Comparação gráfica dos distúrbios restritivos e obstrutivos

c) Distúrbio ventilatório combinado ou misto


Em geral, o diagnóstico de doença obstrutiva é facilmente realizado quando
há redução do VEF1 e da VEF1/CVF, com CVF normal. Entretanto, podem-
se ter dúvidas quando há redução associada da CVF antes e depois da
broncodilatação. Nesse caso, a CVF pode estar reduzida por restrição
associada (Distúrbio Ventilatório Combinado – DVC), com diminuição da
CPT, ou, simplesmente, porque a obstrução é tão importante que aumenta o
VR mais do que a CPT, reduzindo a CVF (Figuras 7 e 8). Obviamente, em
qualquer momento (antes e depois do broncodilatador), uma CVF normal
afasta distúrbio restritivo.

Figura 7 - Diferentes mecanismos de redução da capacidade vital

O ideal é que pacientes com VEF1 e VEF1/CVF baixos, mas também com
CVF reduzida após o broncodilatador, sejam submetidos à medida direta da
CPT. Diante de distúrbio obstrutivo com redução de CVF, na impossibilidade
de realizar a medida da CPT, recomenda-se a seguinte medida:

Subtrair o valor da CVF do VEF1: CVF = 59% e VEF1 = 26%;


diferença: 59 - 26 = 33;
Diferença >25%: distúrbio obstrutivo;
Diferença de 12 a 25%: distúrbio obstrutivo com CVF reduzida;
Diferença <12%: distúrbio restritivo e obstrutivo (misto ou combinado).

São exemplos de doenças que podem causar obstrução e restrição


concomitantes: sarcoidose, tuberculose, bronquiectasias, insuficiência
cardíaca congestiva, silicose, granuloma eosinofílico, linfangioleiomiomatose
etc.

d) Distúrbio ventilatório inespecífico

Tradicionalmente, os distúrbios ventilatórios têm sido classificados como


obstrutivos, restritivos ou combinados (mistos).
Denomina-se Distúrbio Ventilatório Inespecífico (DVI) quando é impossível a
espirometria determinar o distúrbio ventilatório em questão. Ocorre quando
há redução leve a moderada da CVF (>50% do previsto), com relação
VEF1/CVF normal. Tal fenômeno se dá porque diversos fatores podem
reduzir a CVF, incluindo a obstrução. Obviamente, se for possível medir a
CPT diretamente, o diagnóstico correto será definido. Contudo, quando não se
tem essa medida, diante de CVF reduzida que lembra restrição, o laudo da
espirometria deve ser de DVI na presença de todos os achados da Tabela 6.

F - Resposta a broncodilatadores

A resposta aos broncodilatadores (BDs) é avaliada por meio da variação (pré


e pós) do VEF1 e, secundariamente, dos volumes pulmonares como CVF, CV
e capacidade inspiratória. É importante salientar que a ausência de resposta
aos BDs não elimina a possibilidade de resposta terapêutica ao uso
continuado da droga. Para o teste, geralmente, são fornecidos 400µg de
fenoterol ou de salbutamol com espaçador, e a espirometria é repetida após 15
a 20 minutos. Os critérios de resposta baseiam-se em 2 pontos:

Indivíduos normais que podem ter algum grau de broncodilatação com o


uso de BDs;
Indivíduos normais que podem apresentar mudança do tônus
broncomotor, mesmo na ausência de medicamentos. As diretrizes
nacionais recomendam considerar como resposta significativa ao BD a
melhora do VEF1 em 200mL e de 7% em relação ao valor previsto.

Diretrizes internacionais, como da ATS (American Thoracic Society) e da


ERS (European Respiratory Society), fazem recomendação diferente. Além
do valor de 200mL de variação absoluta, sugerem o valor de 12% em relação
ao valor basal, e não 7% em relação ao predito. Ainda que bastante utilizado
por alguns grupos no Brasil, há muitas críticas a esse critério, que
desconsidera a importância da variação de acordo com a antropometria do
paciente. Não há, no entanto, motivo para preocupação com a multiplicidade
de critérios. Comumente, a resposta a 1 dos critérios preenche os demais;
dificilmente há discordância. Veja os exemplos a seguir.

a) Variação expressa como a diferença absoluta entre VEF1


pré e pós-BD

Exemplo: 500 - 250 = 250mL (0,25L) – resposta positiva com aumento


>200mL ou 0,2L.

b) Variação expressa como a variação absoluta de VEF1


em relação ao valor previsto

Exemplo: (500 - 250) x 100/300 = 8% – resposta positiva >7%.

c) Variação expressa como porcentagem do valor basal


(sugerido por algumas diretrizes internacionais)

Exemplo: o VEF1 passou de 400 para 500mL.


(500 - 400/400) x 100, ou seja, 25% – resposta positiva >12% do valor basal.
Variações da CVF também podem indicar resposta ao BD: quando superiores
a 350mL, são significativas. Não é fundamental distúrbio obstrutivo (relação
VEF1/CVF reduzida) para caracterizar resposta a BD: se houver melhora de
12% ou mais do VEF1 em relação ao previsto, estará caracterizada, descrita
no laudo do exame como espirometria normal com aumento do tônus
broncomotor.

Importante
Convém lembrar que a resposta é considerada positiva ao broncodilatador
quando há aumento de 200mL no VEF1 pós-broncodilatador, em relação
ao pré-broncodilatador, e aumento de 7% em relação ao valor previsto.

Tema frequente de prova


O teste de broncodilatação, junto à espirometria, sempre é mencionado em
questões sobre asma, sendo fundamental o seu conhecimento.

G - Classificação de gravidade pelas alterações


espirométricas

A classificação quanto à gravidade dos distúrbios, tendo em vista o parâmetro


espirométrico, é evidenciada na Tabela 7.

Vale lembrar que assim como a espirometria não é o melhor exame para
diagnosticar distúrbios restritivos, as mesmas diretrizes internacionais da ATS
e ERS recomendam o uso somente da CPT pela pletismografia com
parâmetro de avaliação de gravidade; a espirometria deverá sempre vir
laudada como sugestiva de distúrbio restritivo e sem graduação de gravidade
somente pelo valor percentual do predito da CVF. Além disso, deve-se ter
muito cuidado com a interpretação da estimativa de gravidade pelo exame;
não pode ser confundida a avaliação de gravidade das doenças específicas.
Por exemplo, em um indivíduo com DPOC, a avaliação de gravidade da
doença é feita com níveis diferentes de VEF1 daqueles usados para
caracterizar a gravidade do distúrbio obstrutivo.

H - Interpretação

Figura 8 - Interpretação geral

I - Teste de broncoprovocação

O teste de broncoprovocação envolve a repetição seriada das manobras


espirométricas forçadas após a inalação de doses progressivamente mais
concentradas de substâncias sabidamente broncoconstritoras (histamina,
metacolina ou carbacol). A principal variável desse teste é a PD20, dada pela
menor concentração da substância inalada capaz de promover queda de 20%
ou mais do VEF1 basal. É um exame de uso rotineiro incomum, por ser de
realização demorada, pela dificuldade em conseguir a substância
broncoconstritora, e por não ser isento de reações adversas.
O teste tem maior utilidade em casos suspeitos de asma, sem comprovação
pela espirometria. Deve-se observar, entretanto, que diversas condições
podem tornar positivos os testes de broncoprovocação, como rinite, chiado
torácico ocasional, infecção das vias aéreas superiores recente, teste cutâneo
alérgico recente, tabagismo e DPOC. É uma prova que não permite uma
separação segura de DPOC e asma, notadamente naqueles com espirometria
basal já indicando DVO.

3. Gasometria arterial
A gasometria arterial é o principal teste utilizado na prática diária com o
objetivo de avaliar as trocas gasosas. A rigor, estará indicado sempre que
houver indícios de anormalidade expressiva nessa função pulmonar, como nos
casos de insuficiência respiratória, cianose e anormalidade na oximetria de
pulso.

A - Variáveis de interesse prático

a) paO2

É a pressão de oxigênio dissolvido no sangue. A hipoxemia é a redução do


conteúdo de O2 no sangue, que depende, basicamente, da quantidade de O2
ligada à hemoglobina, podendo ocorrer mesmo com pO2 normal ou elevada,
ou seja:
Em um indivíduo jovem e sadio, a paO2 deve estar entre 80 e 100mmHg,
embora a hiperventilação aguda possa elevá-la a valores superiores a
100mmHg. A paO2 declina com a idade e com o excesso de peso para a altura
(Índice de Massa Corpórea – IMC).

Sendo o limite inferior do intervalo de confiança, o valor calculado é


subtraído de 12mmHg (considerar 75 anos como limite, utilizando esse valor
para indivíduos mais idosos).

b) paCO2

É a pressão de dióxido de carbono dissolvido no sangue (valores normais: de


35 a 45mmHg). Como o CO2 é mais difusível do que o O2 e a sua curva de
dissociação é quase uma linha reta, a sua pressão alveolar (pACO2 e, logo, a
paCO2) é controlada facilmente pela ventilação alveolar, modificando a taxa
de formação dos íons H+ (pH):

c) pH

É o potencial hidrogeniônico, ou seja, quanto menor o pH de uma solução,


mais íons H+ existirão e maior será o potencial dessa solução em fornecer H+
(normal: 7,35 a 7,45).

d) SatO2

Mais de 98,5% do O2 são carreados pela hemoglobina, logo a SatO2 é


extremamente importante para a oferta periférica de O2. O aspecto sigmoide
da curva de dissociação da oxi-hemoglobina determina que variações de paO2
>60mmHg levam a mudanças apenas discretas na SatO2 (SatO2 = 90%); em
contrapartida, pequenas mudanças da paO2 <60mmHg determinam grandes
variações na SatO2. Contudo, deslocamentos para a direita (menor afinidade
da hemoglobina pelo O2, com aumento da pressão necessária para saturar em
50% a hemoglobina – P50) ou para a esquerda (maior afinidade, ou seja, P50
<27mmHg) também influenciam o valor final da SatO2.
Se forem citadas curvas desviadas para a esquerda e para a direita, cabe dar
exemplos de situações fisiológicas e patológicas: a hemoglobina fetal tem
maior afinidade pelo O2.

Figura 9 - Curva de dissociação da hemoglobina


Tema frequente de prova
Questões sobre os fatores que alteram a curva de dissociação da
hemoglobina são recorrentes em provas de concursos médicos.

B - Bases para a interpretação da gasometria

a) paO2 e D(Aa)O2

A redução da paO2 pode ocorrer por uma baixa FiO2 (respiração hipóxica) ou
uma baixa pressão atmosférica e, consequentemente, PIO2 reduzida (altitude),
hipoventilação, desequilíbrio difusivo, distúrbios V/Q e shunt. A exclusão de
hipoventilação como causa de hipoxemia pode ser feita pelo cálculo da
D(Aa)O2, e a respiração de O2 a 100% ajuda na identificação de shunt,
contudo a separação entre fatores difusivos e distributivos V/Q requer testes
mais complexos.
b) D(Aa)O2

O cálculo da diferença alveoloarterial de O2 fornece uma indicação mais


precisa da homeostase da troca gasosa intrapulmonar do que a simples análise
da paO2.

Em condições ideais, essa diferença deveria ser de, no máximo, 5mmHg, já


que os valores capilares finais são bastante semelhantes aos alveolares
médios. Entretanto, como habitualmente se estima o valor de pressão alveolar
de oxigênio, toleram-se valores até 15mmHg como normais (em indivíduos
idosos, até 25mmHg), sempre em ar ambiente, com FiO2 de 0,21 (os valores
normais para outras concentrações de oxigênio são desconhecidos).
Na insuficiência respiratória, os distúrbios de difusão (edema pulmonar) e os
de ventilação/perfusão (shunt, efeito shunt e efeito espaço morto) geralmente
se apresentam com aumento da diferença alveolocapilar. Por outro lado, a
hipoventilação per se não afeta a D(Aa)O2.

c) paCO2

O CO2 tem difusibilidade melhor do que o oxigênio. Disso resulta que sua
eliminação é menos afetada nos distúrbios de unidade alveolocapilar. De fato,
os níveis de CO2 dependem, fundamentalmente, da ventilação alveolar, de
forma que quanto maior a ventilação, menores os níveis de CO2; caso
contrário, se houver hipoventilação, os níveis de CO2 ficarão elevados. As
anormalidades da unidade alveolocapilar só promovem elevação de pCO2 em
fases avançadas da lesão.

d) pH

A acidose caracteriza-se pelo excesso de H+ (pH <7,36 ou [H+] >44mmol/L),


e a alcalose, pela depleção dele (pH >7,44 ou [H+] <36mmol/L). As 2
principais variáveis que afetam o pH são:
Logo, quanto mais CO2 (controle respiratório) e menos HCO3- (controle
metabólico) houver em dada solução, mais acidótica ela será.

C - Testes relacionados
A oximetria de pulso separa a oxi-hemoglobina da hemoglobina reduzida
pelas suas diferenças de absorção dos raios vermelho e quase-infravermelho.
Valores elevados de carboxi-hemoglobina (HbCO >3%) e meta-hemoglobina
(HbMet >5%) podem invalidar as medidas de saturação pela oximetria
(SpO2). A SatO2 na gasometria arterial é estimada a partir da paO2 e do pH,
assumindo uma reação normal entre O2 e hemoglobina. Entretanto, se esta
está ocupada pelo monóxido de carbono, por exemplo, a paO2 está pouco
alterada e a SatO2 é grosseiramente superestimada pela gasometria
convencional. Nesse caso, somente a medida direta da SatO2 por
espectrofotometria (co-oxímetro) revelará o distúrbio, já que a oximetria de
pulso não difere HbO2 de HbCO. Uma situação semelhante acontece na
HbMet, em que o oxímetro tende a ler valores fixos de SpO2 de,
aproximadamente, 85%.
A estimativa do shunt pode ser realizada pela respiração de O2 a 100% por 10
a 15 minutos. Esse procedimento elimina todo o N2 alveolar, tornando sabida
a pressão alveolar de O2:

Deve-se lembrar, entretanto, que essa equação simplificada só é válida


quando a hemoglobina está quase totalmente saturada (paO2 >150mmHg).
Como áreas de shunt, por definição, não têm acesso a esse O2 alveolar
aumentado (mas às áreas de baixo V/Q), o valor esperado de paO2, para dada
paO2, diminui proporcionalmente à magnitude do shunt (5% de shunt para
cada 100mmHg de redução da paO2 <700mmHg). Logo, podemos diferenciar
shunt de efeito shunt.

4. Outros testes de função pulmonar

A - Medida dos volumes pulmonares estáticos

Os volumes estáticos, ou absolutos, representam os diferentes


compartimentos volumétricos pulmonares e são estabelecidos por manobras
que prescindem das condições vigentes do fluxo aéreo. Alguns volumes e
capacidades podem ser obtidos pela espirometria, principalmente a partir das
manobras lentas: volume corrente, volume de reserva inspiratório, volume de
reserva expiratório, CV e capacidade inspiratória. Entretanto, o VR e,
portanto, a CRF e a CPT não podem ser determinados por manobras diretas.
Existem, basicamente, 3 tipos de exames: que exploram as relações inversas
entre volume e pressão (pletismografia corpórea); que estimam o volume de
ar intratorácico a partir da diluição de gases inertes (isto é, gases que não são
absorvidos nem produzidos pelo organismo); técnicas radiográficas. A maior
vantagem da pletismografia corpórea é que todo o ar intratorácico é realmente
medido.

a) Indicações

Para a identificação correta de componente ventilatório restritivo: como visto,


(I) no DVO pela espirometria, a CVF pode estar reduzida devido ao aumento
do VR diante de uma CPT inalterada, e (II) o que realmente define o DVC é a
presença de DVO com CPT diminuída ou normal, ou seja, pouco elevada para
o grau de obstrução observada;
Para o clareamento diagnóstico dos casos de DVI;
No diagnóstico de hiperinsuflação e aprisionamento aéreo;
No seguimento longitudinal das doenças pulmonares parenquimatosas,
especialmente as doenças fibrosantes;
Como auxiliar na determinação da resposta a intervenções terapêuticas
clínicas (BDs, por exemplo) ou cirúrgicas (cirurgia redutora de volume
pulmonar, bulectomia);
Na avaliação da disfunção e incapacidade.

b) Interpretação

Hiperinsuflação: caracterizada por CPT >120% do previsto, geralmente com


aumento concomitante da CRF (>130%), do VR (>140%) e das relações
CRF/CPT (>0,55) e VR/CPT (>0,4);
Alçaponamento aéreo: caracterizado por VR >140% do previsto e relação
VR/CPT >0,4, na presença de DVO;
Restrição: caracterizada por CPT <80% do previsto, geralmente com CRF e
VR menos reduzidos ou até próximos da normalidade (de 70 a 130% e de 60
a 140%, respectivamente), isto é, as relações CRF/CPT e VR/CPT podem até
aumentar no DVR.

B - Medida da capacidade de difusão de monóxido de


carbono

O teste da capacidade de difusão pulmonar utiliza um gás que tem afinidade


alta pela hemoglobina, o monóxido de carbono (CO). Esse gás, quando
inalado, tem sua transferência para o capilar pulmonar dependente,
basicamente, da difusão pela parede alveolar, interstício e endotélio vascular.
O teste consiste na inalação de quantidade conhecida do gás e na estimativa
do volume absorvido pelos pulmões.
Alterações ventilatórias, hemodinâmicas, das relações ventilação/perfusão e
hematológicas podem afetar as medidas de capacidade de difusão pulmonar
(DCO). Como diversos fatores podem afetar a DCO, esta, embora seja
bastante inespecífica, é particularmente sensível ao acometimento, mesmo
inicial, da área funcional de troca gasosa pulmonar.
A hipoventilação, em contrapartida, como não interfere na difusão dos gases
diretamente, pois a membrana alveolocapilar está íntegra, habitualmente não
interfere no resultado do teste.

a) Indicações

A DCO tem papel importante no diagnóstico precoce e na avaliação da


gravidade, no prognóstico e na resposta terapêutica das doenças intersticiais
pulmonares;
Na avaliação pré-operatória, a DCO, junto à espirometria, é o teste de repouso
com maior poder preditivo para complicações;
Em determinadas circunstâncias clínicas, a redução da DCO pode ser
importante para a separação entre enfisema pulmonar e asma brônquica
persistente com obstrução fixa;
Avaliação da disfunção e incapacidade.

b) Interpretação

Redução da DCO: a reduzida (leve = de 61 a 75% do previsto; moderada = de


41 a 60%; acentuada = <40%) deve ser analisada em conjunto com os dados
clínicos e funcionais associados, especialmente espirométricos; Elevação da
DCO: pode ocorrer em circunstâncias como obesidade acentuada, asma,
policitemia, hemorragia pulmonar recente, shunt esquerdo-direito,
insuficiência cardíaca congestiva leve, exercício ou erro técnico.

C - Mensuração das pressões respiratórias estáticas


máximas
A redução da força muscular respiratória (pressão máxima gerada na
inspiração, ou PImáx, e na expiração, PEmáx) pode ter importantes
consequências clínicas, especialmente no desencadeamento da dispneia, e
como fenômeno precoce na falência ventilatória hipercápnica. Na prática,
determinam-se a PImáx ao nível do VR e a PEmáx ao nível da CPT.

a) Indicações

Suspeita de fraqueza muscular ventilatória, especialmente para o diagnóstico


diferencial da dispneia de origem incerta;
Avaliação longitudinal ou pós-intervenções terapêuticas ou reabilitadoras em
pacientes com doença toracopulmonar ou sistêmica que curse com fraqueza
muscular respiratória;
Avaliação pré-operatória de pacientes de risco para complicações pulmonares.

b) Interpretação

A interpretação de valores muito baixos pode ser problemática, especialmente


se não se sabem a CPT ou o VR. Em caso positivo, deve-se sempre tentar
corrigir para o volume pulmonar. Há queda particularmente pronunciada da
PImáx e da PEmáx quando a manobra se inicia em valores >70% e <40% da
CPT, respectivamente. As manobras dependem crucialmente da cooperação:
idosos, pacientes com fraqueza ou paralisia da face ou debilidade muscular
dos membros superiores podem ter grande dificuldade em manobras
reprodutíveis.

D - Teste de exercício cardiopulmonar


Também denominado ergoespirometria, adiciona, ao eletrocardiograma e ao
registro da frequência cardíaca, a mensuração direta do volume de ar
ventilado (habitualmente, o expirado) e as respectivas frações de oxigênio e
dióxido de carbono (FEO2 e FECO2). Esses dados permitem o cálculo de
variáveis metabólicas (consumo de O2, produção de CO2), ventilatórias e
cardiovasculares. A aparelhagem necessária para o teste apresenta-se
comercialmente disponível na forma de sistemas metabólicos integrados que
medem e integram continuamente os diversos sinais por meio de tecnologia
microprocessada.

- Indicações

É indicado como direcionador precoce da linha de investigação da dispneia de


origem indeterminada. O teste deve ser a alternativa imediatamente posterior
às avaliações clínica, radiográfica, espirométrica (incluindo
broncoprovocação) e eletrocardiográfica de repouso. É útil para diferenciar a
dispneia de origem cardiovascular da pulmonar, identificar componente
circulatório insuspeito e apontar componente psicogênico ou comportamental;
Em qualquer paciente com doença cardiopulmonar com queixas de
intolerância ao exercício em que a avaliação de repouso é inconclusiva ou
com discordância entre os sintomas e os testes de repouso, incluindo as
alterações radiológicas;
Para a determinação do fator preponderante de dispneia em um paciente com
múltiplas causas possíveis; Na avaliação pré-operatória de pacientes com
risco funcional moderado a elevado (por exemplo, VEF1 e/ou DCO <60% do
previsto);
Na avaliação prognóstica da insuficiência cardíaca congestiva e na indicação
de transplante cardíaco, pulmonar ou cardiopulmonar;
Na prescrição de treinamento físico ou reabilitação;
Na avaliação do grau de disfunção e incapacidade.

Resumo
s testes de função pulmonar são úteis para o diagnóstico, a avaliação de
gravidade e o seguimento terapêutico;
A espirometria mede volumes e capacidades pulmonares, exceção feita
ao VR e à CPT. Pode identificar os seguintes distúrbios ventilatórios
Obstrutivo: caracterizado por VEF1/CVF reduzida, com graus
variados de redução do VEF1 e da CVF;
Restritivo: pela espirometria, o diagnóstico será presuntivo se
houver redução da CVF (principalmente, se inferior a 50%), com
VEF1/CVF normal, associado ao quadro clínico sugestivo, uma vez
que a espirometria não mede a CPT;
Misto ou combinado: ocorre com VEF1/CVF reduzida e redução
proporcional do VEF1 com a CVF, verificando-se diferença dos
valores preditos entre estes inferiores a 12%;
Inespecífico: quando a espirometria não é capaz de determinar a
presença dos outros distúrbios. Ocorre com CVF reduzida (mas
>50%), com VEF1/CVF normal ou elevada, sem estigmas clínicos
de doença restritiva;
A principal manobra espirométrica é a expiração forçada, que
desencadeia aumento pronunciado das pressões alveolares e da
pressão pleural, que, envolvendo as vias aéreas, tende a fechá-las.
A espirometria avalia resposta a BDs. A resposta será dita significativa
se houver:
Variação do VEF1 >200mL e 7% em relação ao previsto;
Variação da CVF >350mL.
Os métodos capazes de medir VR e CPT são pletismografia (mais
acurado), lavagem de nitrogênio e diluição de hélio;
A gasometria arterial, nas doenças respiratórias, é um parâmetro
fundamental para a avaliação das trocas gasosas. Hipoxemia é definida
como pO2 <60mmHg, já que, abaixo desse valor, o decréscimo na SatO2
é relevante;
Mais de 98,5% do O2 são carreados pela hemoglobina, logo a SatO2 é
extremamente importante para a oferta periférica de O2. O aspecto
sigmoide da curva de dissociação da oxi-hemoglobina determina que
variações de paO2 >60mmHg levam a mudanças apenas discretas na
SatO2 (SatO2 = 90%); em contrapartida, pequenas mudanças da paO2
<60mmHg determinam grandes variações na SatO2;
Alguns fatores podem deslocar a curva de dissociação da hemoglobina:
para a direita (hipertermia, hipercapnia, acidose, aumento de 2,3-
difosfoglicerato, policitemia) e para a esquerda (hipotermia, hipocapnia,
alcalose, redução de 2,3-difosfoglicerato, anemia);
É importante mensurar a diferença alveoloarterial de oxigênio, que pode
alterar-se antes da presença de hipoxemia propriamente dita, e para
avaliar a eventual presença de hipoventilação – hipoxemia, com
hipercapnia e D(Aa)O2 normal. A fórmula simplificada é: D(Aa)O2 =
135 - (paO2 + pCO2); considera-se normal até 15mmHg;
A capacidade de difusão de CO avalia a integridade da membrana
alveolocapilar, constituindo um método de excelência na avaliação de
trocas gasosas. Paradoxalmente, pode estar aumentada em algumas
situações: hemorragia alveolar (o CO é captado pelo sangue dentro do
alvéolo) e asma (a inflamação aumenta o fluxo sanguíneo local).
Radiografia de tórax
Fabrício Martins Valois

Rafael Medeiros Carraro

1. Introdução
A radiografia de tórax é, ainda hoje, o principal método de imagem utilizado
na Pneumologia, pelo baixo custo e pela grande disponibilidade. Tem
limitações quando comparada a métodos como a tomografia
computadorizada, mas, em número considerável de casos, pode-se prescindir
de exames mais sofisticados com a interpretação adequada desse exame.
Como um método simples e bastante disponível, por vezes é utilizado de
forma inadequada. O American College of Radiology enumera indicações e
situações em que a radiografia de tórax é desnecessária, listadas nas Tabelas 1
e 2.
2. Incidências radiográficas
As incidências radiográficas referem-se à postura do paciente com relação à
ampola de raios X: na anteroposterior (AP), fica de frente para ela, com o
dorso voltado ao filme; no perfil, um dos hemitórax (habitualmente o
esquerdo) é voltado à fonte de raios X, e o lado oposto direcionado ao filme
(Figura 1).
As incidências radiográficas mais utilizadas no estudo das doenças torácicas
são posteroanterior (PA) e perfil (Figuras 1, 2 e 3). A análise das 2 incidências
em conjunto permite a visualização completa de todos os segmentos
pulmonares, permitindo uma avaliação tridimensional. A incidência PA tem
preferência em relação à AP, pelo fato de o coração e os vasos da base terem
posição mais anterior: quanto mais próximos da fonte de raios X (como na
projeção AP), maior a sua sombra no filme, bem como a sua deformação,
ocultando parte do parênquima pulmonar e gerando a falsa impressão de
aumento do índice cardiotorácico, limitando a análise.
Figura 1 - Incidências radiográficas: (A) posteroanterior; (B) perfil; (C) apicolordótica; (D)
anteroposterior; (E) decúbito lateral com raios horizontais – Laurell

Dica
Convém lembrar que a incidência anteroposterior é aquela em que há
maior magnificação da área cardíaca, pela incidência direta dos raios.
Figura 2 - Radiografia em posteroanterior: (T) Traqueia; (C) Clavícula; (E) Escápula; (Diaf)
Diafragma; (Est) Estômago – bolha gástrica; (AD) Átrio Direito; (AE) Átrio Esquerdo; (VE)
Ventrículo Esquerdo; (Hd) Hilo direito; (He) Hilo esquerdo; (Ao) Aorta; (APu) Artéria Pulmonar;
(Pf) Pequena fissura
Figura 3 - Radiografia em perfil normal: (Ao) Aorta; (Pf) Pequena fissura; (Cor) Coração; (Gf)
Grande fissura; (Dd) Diafragma direito; (De) Diafragma esquerdo – observar o sinal “do dégradé”
da coluna torácica, opaca superiormente e transparente inferiormente

A projeção AP tem aplicação especial a pacientes restritos ao leito e é


largamente utilizada em UTI. Sua maior utilidade está na localização de
drenos, tubos e outros dispositivos (Figura 4).

Figura 4 - Radiografia de tórax em anteroposterior de paciente em UTI: (T) Tubo orotraqueal; (S)
Sonda enteral; (E) Eletrodo de monitorização

Outras incidências não raramente utilizadas são decúbito lateral com raios
horizontais (Laurell), quando o paciente se deita sobre o hemitórax que se
deseja estudar, adotando posição paralela ao filme (Figura 5), e
apicolordótica, quando a ampola de raios X é inclinada 15° em direção à
cabeça do paciente, na intenção de retirar a clavícula do campo torácico,
facilitando a visualização dos segmentos superiores dos lobos superiores.
Existem outras incidências, como as oblíquas e a penetrada do mediastino,
com utilização bem restrita na prática.
Figura 5 - Radiografia em decúbito lateral esquerdo com raios horizontais evidenciando pequeno
derrame pleural à esquerda

3. Interpretação
A interpretação adequada da radiografia de tórax requer o conhecimento de
um exame normal. Antes de qualquer análise detalhada, é fundamental avaliar
a qualidade da imagem realizada.
Não há regra na interpretação da radiografia de tórax. O ideal é que cada
médico adote a própria rotina de visualização, avaliando todas as estruturas
torácicas, incluindo o parênquima pulmonar, o mediastino, as partes moles
torácicas e extratorácicas e o arcabouço ósseo.

4. Sinais radiográficos

A - Hiperinsuflação

Sua principal característica é a redução das impressões vasculares pelo


parênquima pulmonar. O enfisema pulmonar é a principal causa na prática
médica. Outros parâmetros úteis na detecção da hiperinsuflação são aumento
dos espaços intercostais com retificação das costelas, retificação das cúpulas
diafragmáticas, verticalização do coração, aumento do diâmetro
anteroposterior do tórax e aumento do espaço retroesternal (Figura 6).
Figura 6 - Radiografias de tórax (A) em posteroanterior e (B) em perfil evidenciando sinais de
hiperinsuflação

B - Sinal “da silhueta”

Corresponde ao borramento da borda do coração, de vasos mediastinais ou do


diafragma por uma opacidade adjacente (Tabela 5). Sua presença auxilia na
localização da lesão, se anterior ou posterior (Figura 7).
Figura 7 - Sinal “da silhueta” em radiografia em posteroanterior: (A) opacidade heterogênea com
apagamento da borda cardíaca direita e preservação da sombra do diafragma, compatível com lesão
no lobo médio; (B) radiografia em perfil que confirma a localização da lesão

C - Broncograma aéreo

O sinal do broncograma aéreo (ou aerobroncograma) corresponde à imagem


hipertransparente tubular localizada dentro da área de hipotransparência e
representa a passagem de ar por um brônquio segmentar com edema ao seu
redor (Figura 8). O significado desse sinal é que a lesão se localiza no
parênquima pulmonar, não no espaço pleural ou no mediastino. Não é útil
para diferenciar atelectasias não obstrutivas, neoplasias e infecções.
Figura 8 - Radiografia de tórax em posteroanterior mostrando opacidade heterogênea no pulmão
esquerdo com broncograma aéreo: observar o desenho da segmentação brônquica

D - Sinal “do crescente”

Trata-se de um achado clássico do aspergiloma. O sinal refere-se a uma


imagem habitualmente arredondada, obliterando quase completamente uma
cavitação (Figura 9). A imagem pode modificar sua conformação, de acordo
com o decúbito adotado pelo paciente.
Figura 9 - Sinal “do crescente” em radiografia de tórax: cavitação com limites precisos preenchida
por imagem opaca em seu interior

E - Sinal de Hampton

Dica
A corcova de Hampton e o sinal de Westermark são achados clássicos da
embolia pulmonar.
Também conhecido como corcova de Hampton, o sinal de Hampton
compreende uma imagem triangular periférica, com a base voltada para as
costelas e o ápice para o hilo. É um achado clássico da embolia pulmonar,
mas visto em menos de 15% dos casos: representa infarto pulmonar ou
pequena área de hemorragia (Figura 10).

Figura 10 - Radiografia de tórax em posteroanterior mostrando imagem triangular periférica, com a


base voltada para a parede torácica e o ápice para o hilo; sinal de Hampton: observar a
proeminência dos hilos pulmonares

F - Sinal de Westermark

O sinal de Westermark representa uma área de hipovascularização segmentar


no parênquima pulmonar, também denominada oligoemia focal (Figura 11). É
resultado de obstrução vascular em uma área específica do parênquima, sendo
achado clássico da embolia pulmonar.
Outro sinal que sugere embolia pulmonar é a dilatação dos ramos principais
das artérias pulmonares, denotando algum grau de hipertensão pulmonar,
conhecido por sinal de Fleischner (ou de Palla).

Figura 11 - Radiografia de tórax em posteroanterior evidenciando oligoemia focal: tênue redução de


vascularização regional no terço inferior do pulmão esquerdo
Figura 12 - Radiografia de tórax em posteroanterior evidenciando o sinal de Fleischner: dilatação do
ramo da artéria pulmonar do pulmão direito

G - Centro da lesão

A determinação virtual do centro da lesão é útil para estabelecer a localização


de massas como as parenquimatosas ou mediastinais. Diante de uma imagem
com o centro projetado sobre o parênquima, a maior possibilidade é doença
no pulmão. Sobre o mediastino, é mais provável lesão desse compartimento
(Figura 13).
Figura 13 - Opacidade em conformação de massa projetada sobre o terço superior do pulmão
esquerdo, com o centro virtual (ponto) projetado no parênquima pulmonar, indicando ser a imagem
localizada no pulmão, e não no mediastino, o que sugere neoplasia

5. Padrões de imagem

A - Hipertransparências

a) Pneumotórax

Independentemente da etiologia, o pneumotórax apresenta-se à radiografia de


tórax como uma hipertransparência associada a ausência de marcações
vasculares e a uma linha da pleura visceral (Figura 14). Pequenos
pneumotórax podem ser de difícil visualização à radiografia, podendo-se
lançar mão da radiografia em expiração, que amplifica a hipertransparência da
lesão, tornando-a mais visível. Nos grandes, o parênquima pulmonar aparece
totalmente atelectasiado, retraído em volta do hilo.

Figura 14 - Pneumotórax à esquerda em paciente com infiltrado parenquimatoso micronodular:


observar a ausência de impressão vascular, ou mesmo do infiltrado nodular na periferia do pulmão
esquerdo, com linha de pleura visceral visível

b) Bolhas, cistos e cavitação

Áreas de hipertransparências parenquimatosas bem circunscritas são


ocasionadas por bolhas, cistos ou cavitação. O que distingue as lesões é a sua
parede: ausente nas bolhas, fina nos cistos (<0,4cm) e espessa nas cavitações
(>0,4cm). A radiografia de tórax não é o melhor método para determinar essa
diferenciação (e sim a tomografia), mas, na maioria dos casos, revela indícios
suficientes para o diagnóstico diferencial (Figura 15).
Figura 15 - Cavitação em segmento superior do lobo inferior direito: observar as paredes espessas,
que a distinguem de bolhas ou cistos

No diagnóstico diferencial das bolhas, devem ser lembradas a hérnia de


Bochdalek (a mais comum, posterior e habitualmente à esquerda), a de
Morgagni (anterior e mais comumente à direita) e a hiatal, algumas vezes de
fácil identificação pela presença de haustrações intestinais ou nível líquido,
mas, em outras, necessitando de métodos adicionais, como exame baritado.

B - Hipotransparências

a) Atelectasia

Trata-se de uma imagem de opacidade de aspecto retrátil (Figura 16). O


aspecto mais relevante na identificação de um segmento pulmonar
atelectasiado é a retração que causa em estruturas adjacentes, pela redução
volumétrica dos pulmões.
São sinais úteis na identificação de atelectasias o deslocamento dos hilos, o
deslocamento das fissuras, a elevação de hemicúpula, a tração do mediastino
e a redução de espaços intercostais.
Figura 16 - Atelectasia total do pulmão direito: observar a tração de estruturas mediastinais para o
mesmo lado da opacidade

b) Derrame pleural

A radiografia de tórax não é muito sensível na identificação de derrames


pleurais: a radiografia em PA somente revela derrame quando em volume
>300mL; o perfil, >75 a 100mL.
Quando o derrame é livre, com o paciente em posição ortostática, o líquido
acumula-se inferiormente, respeitando a gravidade e assumindo conformação
“em parábola” (curva de Damoiseau). A radiografia em decúbito lateral com
raios horizontais mobiliza o líquido livre e é capaz de demonstrar sua
significância clínica (quando a espessura for maior do que 1cm, medida da
caixa torácica à linha de pleura visceral – Figura 17).
Figura 17 - Radiografia de tórax em posteroanterior mostrando opacidade homogênea periférica em
conformação “em parábola”; à radiografia em decúbito lateral direito, observa-se mobilização de
líquido pleural, separando a parede torácica da pleura visceral

Derrames septados apresentam localização fixa e são vistos à radiografia


como opacidade periférica com ângulo obtuso com a superfície costal (Figura
18).

Figura 18 - Opacidade homogênea periférica, com ângulo obtuso com caixa torácica, configurando
imagem pleural; a ultrassonografia confirma a presença de derrame pleural loculado
Pela radiografia em PA, podem-se classificar os derrames como pequeno
(obliteração de seio costofrênico), moderado (além do seio costofrênico e até
o hilo), grande (além do hilo) e maciço (velamento do hemitórax – Figura 19).

Figura 19 - Opacidade homogênea no hemitórax direito, desviando estruturas mediastinais para o


lado contrário: derrame pleural maciço

Por vezes, o derrame pode assumir conformação subpulmonar, localizando-se


entre o lobo inferior e o hemidiafragma (Figura 20). A suspeita surge ao
identificar aparente elevação da hemicúpula, com desvio da sua maior
convexidade lateralmente (habitualmente, a maior convexidade de uma
hemicúpula é mais medial). O diagnóstico pode ser confirmado com a
solicitação do exame em decúbito lateral.
Figura 20 - Aparente elevação da hemicúpula direita, com maior convexidade voltada para a
periferia: estigma de derrame subpulmonar

O derrame também pode ocorrer restrito às fissuras. O achado clássico é


líquido na pequena cissura, que confere a aparência de massa na radiografia
em PA, recebendo a denominação de tumor fantasma. No perfil, tem aspecto
fusiforme, em continuidade com a linha da cissura (Figura 21). Exames
adicionais, como tomografia, são úteis no diagnóstico diferencial, mas, por
vezes, o simples controle da insuficiência cardíaca (etiologia principal) é
suficiente para a resolução da lesão.
Figura 21 - Derrame na pequena cissura: tumor fantasma

Dica
A atelectasia pulmonar gera tração das estruturas em sentido ipsilateral à
lesão, enquanto o derrame pleural “empurra” as estruturas, no sentido
contralateral à lesão.

c) Infiltrados

São opacidades parenquimatosas de limites imprecisos, habitualmente


heterogêneas, sem caráter retrátil ou expansivo, e que na maioria das vezes se
relacionam a doenças inflamatórias ou infecciosas (pneumonia é a causa mais
comum).
Podem ser alveolares ou intersticiais. Os primeiros podem ser heterogêneos
(vistos na broncopneumonia, hemorragia alveolar etc.) ou homogêneos
(observados na pneumonia lobar, por exemplo). Os últimos podem ser
divididos em reticulares (imagens lineares tênues e irregulares – Figuras 22 e
23), nodulares (pequenas lesões arredondadas, de 1 a 10mm – Figura 24) e
reticulonodulares. O aspecto radiográfico, no entanto, não permite determinar
a etiologia (Tabela 6).
Figura 22 - Radiografia de tórax em posteroanterior mostrando redução volumétrica de ambos os
pulmões, com infiltrado intersticial reticular difuso e predomínio na periferia: diagnóstico de fibrose
pulmonar idiopática
Figura 23 - Infiltrado intersticial reticular peri-hilar em paciente com edema agudo pulmonar
cardiogênico
Figura 24 - Infiltrado intersticial micronodular difuso em paciente com diagnóstico de silicose

Na presença de infiltrados reticulares, podem ser identificadas as linhas de


Kerley, que traduzem o espessamento dos septos interlobulares, com edema
perivascular e peribrônquico geralmente associados. Sua causa principal é o
edema pulmonar. Identificam-se 3 padrões clássicos: as linhas A, encontradas
nos lobos superiores (menos características de edema cardiogênico e mais
encontradas nas doenças pulmonares fibrosantes e na linfangite
carcinomatosa); as linhas B, visíveis próximas ao seio costofrênico (por sua
localização nas bases, são mais características de edema cardiogênico); as
linhas C, dispersas nas bases, com trajeto oblíquo, menos encontradas (Figura
25).
Figura 25 - Cortes de radiografia evidenciando linhas de Kerley em paciente com edema pulmonar
cardiogênico

d) Massas e nódulos

São opacidades homogêneas, únicas ou múltiplas, por vezes de conformação


arredondada, que diferem pelo tamanho: lesões <3cm são nódulos; as
maiores, massas. Estas têm como etiologia principal as neoplasias. Já os
nódulos têm diagnóstico diferencial amplo, e o objetivo de sua análise é
determinar a sua natureza (benigna ou maligna). Nódulo pulmonar solitário é
definido como lesão <3cm, totalmente circundada por parênquima (Figura
26). Hamartomas também são nódulos, porém com calcificação “em pipoca”.
Figura 26 - Radiografias de tórax de paciente com pneumonia bacteriana, sendo evidenciado nódulo
pulmonar bem circunscrito no pulmão esquerdo; estudo tomográfico mostrou padrão de calcificação
excêntrico, sendo indicada ressecção: provável adenocarcinoma

Dica
O nódulo pulmonar solitário apresenta lesão <3cm, totalmente circundada
por parênquima pulmonar.

Além dos dados clínicos, extremamente relevantes, alguns aspectos


radiológicos sugerem etiologia maligna: bordas espiculadas, tamanho >2cm e
presença de 2 ou mais nódulos. Além disso, o padrão de calcificação (mais
bem identificado pela tomografia) pode auxiliar no diagnóstico diferencial.

Importante
Deve-se pensar em etiologia maligna quando o nódulo tem bordas
espiculadas, tamanho >2cm, presença de 2 ou mais nódulos e padrão de
calcificação (excêntricas, reticulares ou puntiformes). Toda massa
pulmonar (lesão >3cm) é altamente suspeita para etiologia neoplásica
maligna.

C - Hilos pulmonares
São estruturas opacas formadas por vasos sanguíneos, linfáticos, linfonodos e
brônquios segmentares. A maior parte da imagem projetada pelos hilos deve-
se às artérias pulmonares, assim hilos exuberantes representam congestão
vascular ou hipertensão pulmonar em boa parte dos casos. Os diagnósticos
diferenciais principais são adenomegalia hilar (Figura 27) e massa tumoral.
Figura 27 - Proeminência de hilos por adenomegalia em paciente com diagnóstico de sarcoidose

D - Mediastino

Tem sua análise bem limitada pela radiografia de tórax. A radiografia em


perfil é a que propicia melhor visualização das relações anatômicas das
estruturas mediastinais, sendo importante o reconhecimento dos seus
compartimentos e das possíveis lesões associadas (Tabela 7). Cerca de 60%
das doenças mediastinais são relativas ao mediastino anterior, 25% ao
posterior e 15% ao médio (Figura 28).
Figura 28 - Compartimentos mediastinais: (A) mediastino anterior; (B) mediastino médio; (C)
mediastino posterior

Resumo
Asma
Rodrigo Antônio Brandão Neto
José Alberto Neder
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Introdução e definições

Dica
Atualmente, o tratamento de manutenção da asma é quase sinônimo de
corticoide inalatório, diferentemente do tratamento das crises nas quais não
exerce o papel principal.

A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas com componentes
genético e ambiental em sua patogênese. Existem alguns genes que
predispõem à hiper-responsividade das vias aéreas, e outros que predispõem à
atopia. Dentre os fatores ambientais, estão alérgenos, infecções, exposição
ocupacional, tabagismo, poluição e dieta. Sua principal característica
fisiológica baseia-se na demonstração de limitação variável ao fluxo de ar nos
exames de função pulmonar, manifestando-se clinicamente por sintomas
como dispneia, tosse, sibilância e opressão torácica, que podem ser
reversíveis espontaneamente ou com o uso de medicamentos.
Estima-se que cerca de 300 milhões de indivíduos sejam acometidos por asma
em todo o mundo. No Brasil, esse número deve situar-se em torno de 20
milhões, o que torna a doença uma das principais causas de morbidade
crônica e mortalidade. A doença, apesar de muito prevalente, tem sofrido
decréscimo nos últimos anos. Segundo dados do DATASUS, em 2017, foram
cerca de 90.000 internações por asma, sendo observada uma taxa de
mortalidade de, aproximadamente, 0,52/100.000 habitantes no mesmo ano. A
doença afeta pessoas de todas as raças e idades, com maior prevalência no
sexo masculino antes da puberdade e no sexo feminino na idade adulta.
Os corticoides inalatórios foram os responsáveis por inúmeros avanços no
controle da asma. No entanto, observamos claramente que o impacto
epidemiológico foi tardio: os corticoides já têm sido indicados há mais de 30
anos, contudo o custo elevado e a necessidade de uso prolongado impediam o
controle adequado da doença. De fato, somente nos últimos anos uma série de
medidas facilitou o acesso a esses fármacos, resultando em melhora dos
indicadores de saúde.

Importante
Convém lembrar que a asma deve apresentar hiper-reatividade das vias
aéreas e limitação variável ao fluxo de ar.

2. Mecanismos de doença

A - Fisiopatogenia
O desenvolvimento da asma é complexo e relaciona diversos mecanismos.
Dentre estes, provavelmente o mais importante é o relacionado à inflamação
crônica das vias aéreas, com espessamento da mucosa, hipersecreção de muco
e exposição de terminações nervosas, o que promove sensibilidade anormal a
diversos estímulos (hiper-responsividade brônquica).
Diversas células são envolvidas, incluindo eosinófilos, monócitos e linfócitos,
encontrados em biópsias brônquicas de pacientes com asma. Os níveis séricos
de IgE desses pacientes estão frequentemente aumentados, o que sugere
ativação crônica da imunidade humoral. Da mesma forma, durante
exacerbações agudas da asma, encontram-se níveis elevados de leucotrienos e
seus metabólitos na urina, no plasma e no lavado broncoalveolar.
A resposta imune associada à asma é provavelmente responsável por seu
quadro clínico. Assim, aeroalérgenos são processados nas vias aéreas por
células apresentadoras de antígenos, como as células dendríticas e os
macrófagos. A forma como esses aeroalérgenos são apresentados à célula T
influencia o tipo de inflamação do paciente. Existem 2 padrões de resposta
imune associada aos linfócitos T: o Th1 e o Th2, este último associado à
asma.
A teoria da “hipótese da higiene” tentou estabelecer um paralelo entre
doenças atópicas, como asma, e os linfócitos Th2. De acordo com a hipótese,
o risco de doenças alérgicas diminuiria pelas infecções precoces na infância
transmitidas por contato não higiênico com irmãos mais velhos ou adquiridas
no período pré-natal, o que direcionaria o padrão de respostas futuras do
organismo para o padrão Th1, afastando-o do perfil Th2. Ainda que lógica,
essa hipótese não foi confirmada, talvez pela interferência de outros fatores,
como os genéticos.
A presença de células Th2 na mucosa das vias aéreas implica produção de
citocinas como IL-4 e IL-5, que, potencialmente, agem de maneira indireta
em células efetoras como células B, mastócitos e eosinófilos, e contribuem
para o quadro clínico do paciente com asma. A IL-4, por exemplo, tem papel
importante no aumento da produção de anticorpos IgE específicos ao
alérgeno. A IgE sintetizada pelas células B penetra na circulação e infiltra os
tecidos das vias aéreas, sensibilizando os mastócitos. Estes, previamente
sensibilizados pela IgE, em contato com um antígeno específico, liberam uma
série de mediadores.
O padrão de resposta dos asmáticos aos aeroalérgenos caracteriza-se por uma
resposta precoce e outra tardia:

Fase imediata, podendo ocorrer vasodilatação, aumento da


permeabilidade capilar, espasmos da musculatura lisa e secreção
glandular, e resolve-se em 1 a 2 horas;
Fase tardia, que ocorre de 3 a 12 horas depois e se caracteriza por
infiltração de eosinófilos, basófilos, monócitos, neutrófilos e linfócitos,
podendo desenvolver destruição e dano tecidual.

O mecanismo de ambos os tipos de respostas envolve o acúmulo de


eosinófilos e mastócitos, estes últimos levando à liberação de mediadores pré-
formados ou recém-sintetizados, como histamina, leucotrienos, triptase e
prostaglandinas. Os eosinófilos, em particular, parecem ter papel fundamental
na fisiopatologia da asma, secretando grânulos proteicos, metabólitos de
oxidação, proteína básica principal e citocinas, induzindo à fase tardia da
resposta inflamatória. Observa-se aumento dos eosinófilos nas secreções das
vias aéreas em exacerbações de asma induzidas por retirada de
corticosteroides e nas secreções e parede das vias aéreas em grande parte dos
casos de asma fatal. Além disso, parte dos efeitos benéficos dos
corticosteroides no tratamento da asma deve estar relacionada aos seus efeitos
eosinopênicos.
O papel dos neutrófilos na fisiopatologia da asma ainda é muito discutido,
sendo mais relevante na fisiopatologia da Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica (DPOC). Parecem potencializar as crises de asma, em particular, suas
exacerbações agudas.
Outro mecanismo envolvido na crise asmática relaciona-se à inervação
autonômica das vias aéreas. Dados experimentais sugerem que a ativação de
células inflamatórias e a liberação de mediadores inflamatórios, como
leucotrienos e bradicininas, alteram o limiar de despolarização de neurônios
dos brônquios e dos bronquíolos, o que pode levar a aumento da irritabilidade
das vias aéreas (hiper-responsividade). O termo “inflamação neurogênica” é
usado para descrever as respostas inflamatórias causadas pelas citocinas que
ativam receptores neurais (adrenérgicos, colinérgicos e outros). A neurocinina
A e a substância P são alguns desses mediadores.
Com a evolução da doença, alterações estruturais persistentes nas vias aéreas
podem ocorrer devido à inflamação crônica. Esse processo é denominado
remodelamento das vias aéreas, levando à irreversibilidade da limitação do
fluxo aéreo. As alterações são consequência do espessamento das paredes das
vias aéreas, aumento da vascularização e hiperplasia das células glandulares
locais. O grau de remodelamento costuma guardar relação inversa com o
nível de controle clínico da doença, porém já foi demonstrado que mesmo
asmáticos leves intermitentes podem ter algum grau de remodelamento de
vias aéreas.

B - Fatores desencadeadores

3. Diagnóstico
O diagnóstico de asma pode ser simples, com sinais clínicos sugestivos, como
dispneia e sibilância, em um paciente atópico e com alívio espontaneamente
ou após o uso de broncodilatadores; ou mais difícil, como em pacientes com
tosse crônica isolada. Ademais, a lista de diagnósticos diferenciais é extensa
(Tabela 2), com o diagnóstico definitivo com base em aspectos clínicos,
funcionais e presença de alergia.
A - Diagnóstico clínico

O diagnóstico clínico exige sintomas compatíveis, caracteristicamente


episódicos e com algum grau de resposta ao tratamento-padrão. Na exclusão
de outras causas para os sintomas, pode ser definido o diagnóstico clínico.
Os sintomas caracterizam-se por dispneia, tosse, desconforto torácico e
sibilância. A dispneia relatada pelos pacientes durante as crises é a de
sensação de incapacidade de fazer que o ar entre nas vias aéreas. A tosse
também é um sintoma comum acompanhando o quadro, ocorrendo, em
particular, à noite ou nas primeiras horas da manhã, com expectoração
esbranquiçada. Eventualmente, pode aparecer isoladamente e dominar o
quadro clínico por meses, caracterizando um quadro sindrômico de tosse
crônica (a asma é considerada a 2ª principal causa dessa tosse).
A presença de sintomas episódicos, melhora espontânea ou com medicações
específicas para asma (broncodilatadores e corticosteroides), 3 ou mais
episódios de sibilância no último ano, variabilidade sazonal dos sintomas e
história familiar positiva para asma ou atopia é sugestiva do diagnóstico.
Alguns estudos mostraram que de 50 a 80% das crianças asmáticas
desenvolvem sintomas antes do 5º ano de vida, sendo importante verificar
história de antecedente pessoal ou familiar de asma.
Eventualmente, percebe-se o motivo dos sintomas: exposição a alérgenos
(como poeira domiciliar e mofo) e irritantes (como produtos de limpeza),
sintomas dispépticos ou rinossinusais, estresse emocional, medicamentos
(como betabloqueadores), sendo um dado importante na confecção do
diagnóstico. Na história clínica, é importante investigar achados que indicam
maior risco de evolução desfavorável ou crise asmática potencialmente mais
grave, como antecedente de crise quase fatal ou idas frequentes a serviços de
emergência.
Ao exame físico, um achado relevante é a presença de sibilos. Entretanto, em
pacientes com manifestação leve da doença, e fora de exacerbações, o exame
pode ser normal. Deformidades torácicas ou estigmas de hiperinsuflação não
são habituais.

B - Diagnóstico funcional
a) Espirometria

Com o entendimento da fisiopatologia da doença, fica fácil imaginar a


repercussão funcional que pode ocorrer na asma. A inflamação das vias aéreas
promove limitação ao fluxo de ar – em outras palavras, o estreitamento das
vias aéreas gera redução da velocidade de passagem do ar –, gerando o
chamado distúrbio obstrutivo à espirometria. De fato, a espirometria é
considerada o método de escolha na avaliação da asma, apesar de poder se
apresentar dentro da normalidade, na determinação da limitação do fluxo de
ar e no estabelecimento do diagnóstico.
Assim, o que se espera é a presença de distúrbio ventilatório obstrutivo
(relação Volume Expiratório Forçado no 1º segundo-Capacidade Vital
Forçada – VEF1/CVF – <0,7) que desaparece ou melhora significativamente
após o broncodilatador. A resposta a este último é considerada positiva
quando há aumento do VEF1 de 7% em relação ao valor previsto e de 200mL
em valor absoluto, após a inalação de beta-2-agonista de curta duração
(lembrar que, como ponderado no capítulo de função pulmonar, algumas
sociedades recomendam usar a variação de 12% em relação ao valor basal).
No entanto, devemos ter atenção a um aspecto fundamental: a ausência de
obstrução ou de resposta ao broncodilatador em teste isolado não exclui o
diagnóstico, já que pacientes com doença leve ou aqueles com
remodelamento brônquico podem não apresentar esses achados.
A espirometria também pode ser utilizada no seguimento do indivíduo como
um parâmetro diagnóstico. Por exemplo, se, em espirometrias consecutivas,
após tratamento específico para asma por 2 ou mais semanas, houver aumento
no VEF1 >20% e que ultrapassa 250mL, teremos um forte indicativo da
doença. De fato, das doenças obstrutivas, ela é que tem como característica
uma grande variabilidade de sintomas.

b) Hiper-responsividade brônquica

Em casos de pacientes sintomáticos com espirometria normal e ausência de


reversibilidade demonstrável ao uso de broncodilatador, ou com sintomas
atípicos e isolados, como na avaliação da tosse crônica, o diagnóstico pode
ser confirmado pela demonstração de hiper-responsividade das vias aéreas.
As medidas de hiper-responsividade refletem a sensibilidade ou a facilidade
com que as vias aéreas reagem a desencadeantes variados causando sintomas.
O resultado do teste é, usualmente, expresso pela concentração da substância
que produz queda de 20% no VEF1 (PC20); os asmáticos respondem a
concentrações menores do que os não asmáticos. O teste de
broncoprovocação pode ser realizado por meio de estímulos diretos, por
exemplo, com agentes broncoconstritores (metacolina, histamina, carbacol)
apresentando alta sensibilidade e alto valor preditivo negativo. Por ser um
teste demorado, não isento de riscos, e pela dificuldade em obter a substância
broncoconstritora, tem sido pouco utilizado na prática diária, quase restrito a
protocolos de pesquisa clínica.
O teste de exercício tem menos sensibilidade do que o de broncoprovocação,
mas é mais fácil de ser realizado, imitando as condições associadas à
manifestação dos sintomas respiratórios em muitos pacientes. Para isso, são
feitas medidas de VEF1 antes e depois de exercício, demonstrando-se, após o
esforço, queda significativa da função pulmonar (>10 a 15%).

c) Medidas de fluxo expiratório

Com o uso de um medidor de Pico de Fluxo Expiratório (PFE), o diagnóstico


pode ser obtido se:

O PFE aumenta mais do que 15% cerca de 15 a 20 minutos após a


inalação de um beta-2-agonista de ação rápida;
O PFE varia mais do que 20% entre a medida da manhã, feita após o
acordar, e a realizada 12 horas depois em pacientes usando um
broncodilatador (mais do que 10% em asmáticos que não estiverem
usando um broncodilatador);
O PFE diminui mais do que 15% após 6 minutos de corrida ou exercício.

Medidas da função pulmonar avaliam a limitação do fluxo aéreo e ajudam a


diagnosticar e monitorizar o curso da asma. A acurácia de todas elas depende
do esforço do paciente e da técnica correta.
O controle por longo prazo do PFE é útil, além da revisão dos sintomas, para
avaliar a resposta do paciente ao tratamento.
Monitorizar o PFE também pode auxiliar na detecção de sinais precoces de
deterioração antes que os sintomas surjam.

C - Diagnóstico de alergia
A identificação da exposição a alérgenos relacionados com a asma é um dado
importante da história. A sensibilização alérgica pode ser confirmada por
meio de provas in vivo (testes cutâneos) ou in vitro (determinação de
concentração sanguínea de IgE específica). As primeiras devem ser realizadas
com o uso de extratos biologicamente padronizados (a técnica mais utilizada é
a puntura). Em nosso meio, predomina a sensibilização a antígenos inaláveis,
entre os mais frequentes, os ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus,
Dermatophagoides farinae e Blomia tropicalis).
Outros alérgenos inaláveis, como pólen, baratas, epitélio de gatos e cães,
também são importantes, mas sensibilizam um número menor de pessoas, ao
passo que os alimentos raramente são associados. Poluentes ambientais ou
ocupacionais podem estar associados à piora do controle da doença, e a IgE
sérica específica confirma e complementa os resultados dos testes cutâneos.
Diagnóstico
O diagnóstico é feito com base na história clínica sugestiva (sintomas
episódicos, melhora espontânea ou com medicações específicas, 3 ou mais
episódios de sibilância no último ano, história familiar positiva para asma
ou atopia) somada, em geral, à espirometria (aumento do VEF1 em 7% em
relação ao valor previsto e 200mL em absoluto, após a inalação de beta-2-
agonista de curta duração).

4. Manejo do paciente ambulatorial


As principais metas do tratamento da asma são o controle das manifestações
clínicas e funcionais atuais e a prevenção de danos futuros. Para atingir e
manter o controle da asma, a abordagem do tratamento farmacológico deve
ser feita em etapas (degraus) e levar em conta o tratamento atual, as
propriedades farmacológicas e a disponibilidade dos tratamentos específicos,
bem como as condições econômicas.

A - Controle da asma – estimativa clínica e funcional


atual

Houve uma modificação significativa na forma de classificar o paciente


asmático nos últimos anos. Essa mudança já vinha sendo sugerida por
diretrizes nacionais e internacionais há algum tempo, mas foi implementada
definitiva e internacionalmente pelo Global Initiative for Asthma (GINA) e,
no Brasil, pelas Diretrizes para o Manejo da Asma (2012). Entendendo o
problema: imagine que você receba um paciente asmático e o classifique
como portador de asma persistente grave; o tratamento é iniciado, e, após 2
meses, o paciente retorna assintomático. Nesse momento, você aplica
novamente a classificação proposta e tem como resultado: seria ele agora um
asmático leve intermitente? A resposta é não, é um asmático grave com
controle da doença.
Estabeleceram-se 3 níveis de controle: controlado, parcialmente controlado e
não controlado. A ideia é definir o paciente como asmático leve, moderado ou
grave persistente, mas isso acontece com o tempo, após novas avaliações, e o
principal parâmetro será a menor quantidade de medicamento que o indivíduo
necessitará para manter-se controlado. O GINA 2016 modificou a estratégia
de avaliação clínica, priorizando sintomas e retirando a análise de função
pulmonar como critério obrigatório (Tabela 4).

Tema frequente de prova


A classificação da asma sempre é cobrada em provas de concursos
médicos.
B - Estimativa de riscos futuros

Além de avaliar o controle da doença, é fundamental sempre analisar os riscos


futuros relacionados. Isso é feito de forma subjetiva, considerando a
quantidade de exacerbações, a piora da função pulmonar, os efeitos adversos
dos fármacos e a instabilidade clínica. Ajustes no tratamento devem ser feitos
caso essas metas não estejam sendo cumpridas.

C - Tratamento com base na gravidade e no controle


da doença

Todo asmático, independentemente da gravidade ou do controle da doença,


deve ser abordado com ações educacionais sobre ela (controle ambiental,
evitar exposição a fatores de risco, forma correta de uso de medicamentos,
automanejo de exacerbações). O cuidado apropriado pode ajudar o paciente a
prevenir a maior parte das crises, ficar livre de sintomas problemáticos
diurnos e noturnos e manter-se fisicamente ativo. O tratamento respeita
algumas etapas bem estabelecidas e, no seguimento clínico, deve ser ajustado
de acordo com o controle da doença, com reavaliações a cada 2 a 3 meses,
conforme etapas bem definidas (Tabelas 5 e 6).
Tema frequente de prova
O conhecimento das fases do tratamento da asma está sempre presente nas
questões de concursos médicos.
D - Fármacos utilizados

A via inalatória é muito utilizada para o tratamento da asma. Existem vários


dispositivos disponíveis no mercado para a oferta dos fármacos, quer
corticoides, quer broncodilatadores, e que apresentam peculiaridades em seu
uso. Antes de lembrarmos detalhes específicos acerca dos fármacos, observe a
Tabela 7, que relaciona os principais dispositivos inalatórios.

Algumas formulações em nebulímetro dosimetrado não necessitam ser


administradas à distância de alguns centímetros da boca e devem ser ofertadas
como os dispositivos em pó seco, como a ciclesonida (corticoide inalatório).

a) Beta-2-adrenérgicos

Curta duração ou SABA (Short-Acting Beta-2-Agonist), que agem por 4 a 6


horas: fenoterol, salbutamol e terbutalina;
Longa duração ou LABA (Long-Acting Beta-2-Agonist), que agem por 12
horas, como formoterol ou salmeterol, ou por 24 horas, como o vilanterol ou
o indacaterol.
Modo de ação: ação agonista, ligando-se ao receptor beta-2-adrenérgico, com
aumento da produção de adenilciclase e, consequentemente, de AMP cíclico,
promovendo a broncodilatação;
Efeitos colaterais: taquicardia, tremores, hipocalemia e midríase (pela
especificidade não ser total aos receptores beta-2).

Os LABAs podem ser utilizados na asma em associação ao corticoide


inalatório, geralmente em formulações fixas, para uso 1 ou 2 vezes ao dia.
Não devem ser usados isoladamente no tratamento de manutenção. Um
detalhe adicional interessante é que o formoterol tem início de ação rápido,
como o salbutamol e o fenoterol, agindo em 5 minutos. Assim, pode ser
utilizado para alívio das crises como medicação de resgate.

b) Corticoides inalatórios

São utilizados na redução da sintomatologia e do processo inflamatório.


Prefere-se a via inalatória em razão do menor número de efeitos colaterais em
comparação à via sistêmica. Os principais utilizados são, em ordem crescente
de potência, os relacionados na Tabela 9.
São efeitos colaterais (via inalatória) rouquidão e candidíase de orofaringe
(locais); adelgaçamento da pele, equimose e, raramente, supressão adrenal
(altas doses diárias). Com o intuito de enfatizar a preferência pelo corticoide
inalatório em detrimento do sistêmico (comprimidos, xaropes) em longo
prazo, citamos os possíveis efeitos colaterais destes últimos com uso contínuo
(Tabela 10).
c) Anticolinérgicos

Curta duração (de 4 a 6 horas): brometo de ipratrópio;


Longa duração (24 horas): tiotrópio – antes restrito para pacientes com
DPOC, agora pode ser utilizado em pacientes com asma de controle clínico
mais difícil, em associação a outros fármacos; outros agentes ainda não
liberados para o uso em pacientes asmáticos são o glicopirrônio e o
umeclidínio.
Modo de ação: atuam, preferencialmente, no antagonismo aos receptores M1
e M3, impedindo a broncoconstrição desencadeada pela acetilcolina ao ligar-
se a esses receptores;
Efeitos colaterais: a xerostomia é o efeito colateral mais significativo e mais
frequente.

d) Metilxantinas

Curta duração (8 horas): aminofilina;


Longa duração (12 horas): teofilina;
Modo de ação: atuam na adenilciclase, mas não têm receptor específico.
Apresentam menor poder broncodilatador do que outras classes citadas;
Efeitos colaterais: náuseas, vômitos, agitação, rebaixamento do nível de
consciência, convulsão e arritmias.
A faixa terapêutica é muito estreita, isto é, a dose tóxica é próxima da dose
terapêutica. Entre as drogas utilizadas para o tratamento da asma, as xantinas
têm o maior potencial para toxicidade grave. As metilxantinas só podem ser
utilizadas por via sistêmica e atualmente são uma classe de medicamentos em
desuso para o tratamento da asma.

e) Medicações associadas

Estão disponíveis, no mercado, formulações que combinam fármacos de


diferentes classes, com maior praticidade, mas com limitação quando se
necessita manipular a dose de um dos fármacos isoladamente. Várias
formulações estão disponíveis, combinando corticoides inalados e
broncodilatadores de ação prolongada.

E - Outras medicações
a) Bambuterol (beta-agonista de ação prolongada por via
oral)

Trata-se de uma pró-droga da terbutalina oral com ação broncodilatadora


prolongada, permitindo administração 1x/d. É útil principalmente aos
pacientes com asma noturna. A comparação do bambuterol com o salmeterol
mostrou equivalência no controle dos sintomas da asma, sendo alternativa a
crianças e idosos com dificuldades no uso de medicações inalatórias. Pode ser
administrado a partir de 2 anos na dose de 10mg (10mL), 1x/d. Para crianças
com idade superior a 6 anos, a dose pode ser aumentada para 20mg/d. A
crianças orientais, recomenda-se iniciar com metade da dose. Sem efeito
benéfico na asma induzida por exercício, deve-se acrescentar que a via
inalatória ainda é a de escolha para pacientes com asma.

b) Agentes biológicos

Existem 2 opções de classes terapêuticas atualmente: os anticorpos anti-IgE e


os anticorpos anti-IL-5. A Tabela 11 sumariza os agentes disponíveis no
mercado, suas indicações e precauções principais. O omalizumabe é um
anticorpo monoclonal recombinante humanizado específico anti-IgE. Sua
principal característica é inibir a ligação da IgE com o seu receptor de alta
afinidade (FceRI), além de ocasionar inibição da broncoconstrição induzida
por alérgeno tanto na fase precoce quanto na fase tardia da inflamação,
levando à diminuição da hiper-responsividade das vias aéreas.
O tratamento com a anti-IgE está indicado a pacientes maiores de 6 anos com
asma de difícil controle, com componente alérgico comprovado e com níveis
de IgE sérica total entre 30 e 700UI/mL. A dose empregada (a cada 2 ou 4
semanas por via subcutânea) deve considerar o peso e o nível de IgE sérica
total.
O mepolizumabe foi o primeiro agente anti-IL-5 disponível e atualmente está
liberado pela Food and Drug Administration (FDA) para pacientes maiores de
12 anos; mais recentemente, surgiram o beralizumabe (>12 anos) e o
reslizumabe (>18 anos). Todos podem ser considerados somente em pacientes
com asma de fenótipo eosinofílico que tenham difícil controle com tratamento
já otimizado pela associação de corticosteroides inalatórios em altas doses +
LABA + outra classe de medicação, independentemente do nível sérico de
IgE, mas sim baseado na contagem de eosinófilos no sangue periférico, com
valores de referência maiores do que 150, 300 e 450 células por mm³,
respectivamente. Destes, o beralizumabe é o que apresenta maior risco de
reações graves com anafilaxia, em torno de 3%.
c) Imunoterapia específica com alérgenos

Consiste na administração de doses progressivamente maiores de alérgenos


específicos em pacientes sensibilizados, objetivando a indução do estado de
tolerância. Tal modalidade terapêutica não pode ser realizada em pacientes
com exacerbação aguda. Deve ser administrada por profissional treinado no
manejo de reações anafiláticas graves e indicada apenas a asmáticos com
evidência importante de alergia, demonstrada pela presença de anticorpos IgE
para alérgenos do ambiente, principalmente ácaros, polens, fungos e insetos.
Para pacientes em terapia farmacológica, antes de administrar a injeção, é
importante verificar VEF1 ou PFE >70% do previsto. Asmáticos leves ou
muito graves devem ser excluídos.
Indivíduos com boa resposta à profilaxia ambiental e ao tratamento
farmacológico não apresentam indicação desse tipo de tratamento,
contraindicado àqueles com outras doenças imunológicas ou que utilizem
drogas betabloqueadoras.

d) Antileucotrienos

Os antileucotrienos bloqueiam a síntese ou as interações com os receptores


dos leucotrienos. Os agentes em uso clínico no Brasil são montelucaste e
zafirlucaste (antagonistas dos receptores).
Apresentam efeito broncodilatador modesto, lento e inferior ao obtido com os
beta-2-agonistas, embora possam ser aditivos a estes. Esses medicamentos são
anti-inflamatórios administrados por via oral, o que facilita a adesão ao
tratamento. São indicados na monoterapia para o tratamento de controle de
pacientes com asma persistente leve a moderada. Àqueles com asma grave,
que requerem doses altas de corticosteroides inalatório e oral, podem ser
prescritos como terapia adicional a fim de reduzir a dose do corticosteroide.
Embora alguns casos de vasculite de Churg-Strauss tenham sido descritos
com o emprego de antileucotrienos a pacientes que interromperam o uso de
corticosteroides orais, não há muitas referências de outros efeitos adversos
importantes. As situações em que são observados os melhores resultados são
em crianças, asma induzida por ácido acetilsalicílico e asma induzida por
exercício.

Tema frequente de prova


As drogas utilizadas no tratamento da asma estão sempre presentes nas
questões de concursos médicos.

F - Situações especiais
a) Asma induzida por ácido acetilsalicílico

A asma induzida por esse ácido é uma entidade que surge, em geral, entre a 3ª
e a 5ª décadas de vida, em sujeitos que não apresentavam sensibilidade a anti-
inflamatórios nem a ácido acetilsalicílico. Em geral, concomitantemente à
crise, surgem fenômenos comuns às crises anafilactoides (angioedema,
urticária, flushing facial, rinorreia, congestão ocular, sintomas
gastrintestinais). Não é incomum a associação entre intolerância a ácido
acetilsalicílico, sintomas asmatiformes e polipose rinossinusal, conhecida
como tríade de Samter.
No tratamento ambulatorial, deve-se evitar o uso desse ácido, anti-
inflamatórios não hormonais e dipirona, pela possibilidade de reação cruzada.
Devem-se usar, como analgésico, paracetamol ou, quando necessário, anti-
inflamatórios não hormonais inibidores da cicloxigenase-2. O tratamento deve
ser feito de acordo com a gravidade do caso. O uso de antileucotrienos
costuma ser benéfico.

b) Broncoespasmo induzido por exercício

O exercício é um fator desencadeador de crises bem determinado pela


literatura, as quais tipicamente ocorrem após o exercício, não durante. Os
fatores que determinam o aparecimento de obstrução crônica incluem níveis
de ventilação atingida, temperatura e umidade do ar inspirado.
A broncoconstrição induzida pelo exercício acontece, na maioria das vezes,
em portadores de asma (mais de 80% dos casos). Durante o exercício, em
geral, acontece broncodilatação; porém, nesses pacientes, provavelmente
devido à hiper-responsividade das vias aéreas, ocorre broncoconstrição. O
exercício é o único precipitante natural da asma que leva à taquifilaxia. Cerca
de 45% dos indivíduos com a condição apresentam um período refratário
característico, durante o qual a manutenção do exercício não causa
broncoespasmo. Quando se repete o exercício após intervalos de 30 a 90
minutos, verifica-se que a broncoconstrição diminui ou não acontece.
Diagnóstico: queda de 10% ou mais do VEF1 cerca de 10 a 15 minutos após o
final do exercício (para crianças, queda de 15%);
Tratamento: o objetivo é a profilaxia dos episódios, os quais podem ser
atenuados com a elaboração de uma escala personalizada de aquecimento
antes de um exercício físico vigoroso. O controle mais efetivo, contudo, é
obtido com medicações. O 1º passo deve ser o controle subjacente. A
profilaxia pode ser realizada com beta-agonista 15 minutos antes do exercício,
podendo-se ainda usar cromoglicato de sódio ou antileucotrienos com
resultados satisfatórios. A melhora no condicionamento físico e a prática de
exercícios em ambientes com ar úmido e aquecido são medidas adjuvantes
que amenizam bastante esse tipo de manifestação.

c) Asma na gestante

Na gestação, a asma pode ter um comportamento interessante: 1/3 melhora,


1/3 piora e 1/3 permanece com a doença inalterada. Alguns fatores mecânicos
e hormonais justificam essa interação, ainda não bem compreendida. Há
segurança para o uso dos medicamentos habituais no tratamento de
manutenção da asma (corticoides inalatórios, broncodilatadores,
antileucotrienos) em qualquer fase da gestação e durante a amamentação.

d) Asma no lactente

O diagnóstico de asma no lactente é difícil de ser realizado. A sibilância é


referida como síndrome “do bebê chiador”, e, em menores de 3 anos, deve-se
evitar rotular como asmáticos, pois existem várias causas de sibilância, como
bronquiolite e vias aéreas de pequeno calibre. Muitos desses quadros são
transitórios, principalmente secundários à exposição a vírus, sobretudo ao
sincicial respiratório. Em lactentes suscetíveis, a presença de atopia predispõe
à sensibilização por alérgenos ambientais ou irritantes e, desse modo, a
quadros com recorrência de sibilância. A exposição precoce aos ácaros
domésticos, fungos e antígenos derivados de animais é relevante para a
sensibilização.
O desenvolvimento de atopia em fase precoce da vida parece relacionar-se à
hiper-responsividade das vias aéreas nos próximos anos. Outros dados
apontam para o fato de que a asma iniciada nos 2 primeiros anos de vida pode
resultar em função pulmonar reduzida na idade adulta, indicando provável
ação deletéria da asma no desenvolvimento da função pulmonar. O Consenso
Brasileiro de Asma definiu critérios para estabelecer a asma no lactente,
conforme descrito a seguir.
Em lactentes com ao menos 3 episódios de sibilância no último ano, a
presença de 2 critérios maiores, ou 1 critério maior e 2 menores, deve ser
considerada de alto risco para sibilância persistente e com provável
diagnóstico de asma (risco relativo entre 2,6 e 5,5).

e) Asma de difícil controle

A maioria dos asmáticos controla a doença com a adoção das medidas


terapêuticas recomendadas pelas diretrizes nacionais ou internacionais; em
cerca de 5%, entretanto, haverá dificuldades terapêuticas importantes,
definindo a asma de difícil controle.
Existem critérios sugeridos para a melhor caracterização dessa condição,
descritos na Tabela 13. São necessários 1 critério maior e 2 menores, além de
6 meses de seguimento, exclusão de outros diagnósticos, avaliação de fatores
agravantes e verificação de boa adesão ao tratamento.
5. Manejo das exacerbações agudas

A - Exames complementares na exacerbação

O diagnóstico de asma no pronto-socorro e, até mesmo, no ambiente


ambulatorial é clínico. Os exames complementares podem ajudar a classificar
a gravidade da doença, sugerir complicações e fatores precipitantes
associados e definir casos duvidosos.
A indicação de outros exames depende das condições associadas e
características individuais.
Importante
Ao receber um paciente em crise asmática, além do tratamento imediato,
devem-se investigar as causas de exacerbação (infecções, alérgenos,
medicações como anti-inflamatórios não hormonais, fatores emocionais,
mudança brusca de temperatura, exercício etc.).
Tema frequente de prova
A classificação da gravidade da crise asmática é tema recorrente em provas
de concursos médicos.

B - Tratamento na exacerbação da asma

Seguem comentários sobre as diversas medicações, suas indicações e as


evidências para uso em pacientes com crises agudas de asma.

a) Beta-2-agonistas

O uso de beta-2-agonistas é a terapêutica imediata mais importante no manejo


de broncoespasmo no pronto-socorro e deve ser prescrito assim que o
paciente chega à Emergência. O uso de beta-agonistas por via sistêmica não é
superior à via inalatória e associa-se a mais efeitos adversos. Além disso,
restringe-se aos pacientes com crises graves e refratárias a doses adequadas
dos fármacos inalatórios.
Podem ser administrados de forma intermitente ou em nebulização contínua,
dando-se preferência àquela, pois a aplicação sequencial do fármaco parece
fornecer broncodilatação adicional. Recomendam-se inalações a cada 15 ou
20 minutos, totalizando 3 inalações na 1ª hora da chegada ao pronto-socorro.
O beta-2-agonista mais disponível no Brasil é o fenoterol, em dose de 10 a 20
gotas diluídas em 3 a 5mL de soro fisiológico, embora seja o que mais causa
efeitos colaterais. A preferência, entretanto, é o salbutamol, de 2,5 a 5mg (de
10 a 20 gotas) em nebulização, com 3 a 5mL de soro fisiológico.
Após as 3 inalações na 1ª hora, deve-se reavaliar e deixar a frequência de
novas inalações de acordo com o paciente. Se ainda houver broncoespasmo,
pode-se prescrever para cada hora e aumentar o espaçamento posteriormente.
O nebulímetro, em geral, não está disponível na sala de emergência, mas seu
uso é tão eficaz quanto o do nebulizador.

b) Anticolinérgicos

As recomendações para o uso de anticolinérgicos em unidades de emergência


para asma não são precisas. Sua combinação com os beta-2-agonistas
apresentou resultados positivos e negativos em diferentes estudos clínicos. O
mecanismo de ação dessas medicações baseia-se na diminuição da ação da
acetilcolina nas fibras pós-gangliônicas que terminam no epitélio, glândulas
submucosas e musculatura lisa das vias aéreas, diminuindo, assim, o tônus
broncoconstritor. Ademais, como seu início de efeito é tardio (apenas 90
minutos após a inalação), recomenda-se utilizá-los nos casos de ausência de
resposta à 1ª oferta de beta-agonistas ou inicialmente nas crises muito graves.
A dose ideal de brometo de ipratrópio no pronto-socorro é de 5mg (40 gotas)
adicionada ao beta-2-agonista.

c) Corticosteroides

Pedra angular no tratamento de manutenção da asma, os corticoides também


têm papel relevante no controle das crises. Na exacerbação, entretanto, os
corticoides inalatórios geralmente não são indicados, utilizando-se,
preferencialmente, os sistêmicos. Apesar de apresentarem início de ação
tardio (6 a 8 horas após o uso) e de não serem capazes de aliviar o
broncoespasmo agudo, seu uso associa-se à resolução mais rápida da
obstrução ao fluxo aéreo, dos sintomas e da redução da taxa de recidiva.
Nem todos os pacientes com crise, entretanto, necessitam de corticoides.
Estima-se que cerca de 70% dos pacientes que chegam ao hospital em crise de
asma apresentam resolução clínica após a 1ª oferta de broncodilatador. Nesses
casos, o corticoide é prescindível; nos demais, deve ser ofertado por via oral
ou intravenosa. Como a biodisponibilidade e o tempo de início de ação são
similares às 2 modalidades, a via oral deve ser utilizada desde que o paciente
tenha condições de deglutir o fármaco.
A prednisona tem sido recomendada na dose de 1 a 2mg/kg/d; no entanto,
habitualmente, é utilizada em dose de 40 a 60mg/d, por 5 a 14 dias. É
importante lembrar que não é necessária a retirada gradual do corticoide
quando usado por período inferior a 3 semanas. Os corticoides intravenosos
devem ser utilizados respeitando-se a equivalência de dose com a prednisona.

Dica
O corticoide tem pico de ação após 6 a 8 horas da administração, portanto
novas doses antes desse período não são indicadas.

O corticoide inalatório é frequentemente prescrito, após a alta do pronto-


socorro, a pessoas com asma persistente, associado ao corticoide oral (por 7 a
10 dias). Seu uso no departamento de emergência é incomum, embora já haja
evidências de sua eficácia nessa situação, sempre com doses extremamente
elevadas, especulando-se um possível efeito imunomodulador direto na
mucosa brônquica, não mediado por alteração em transcrição proteica.

Tratamento
De forma direta, na crise aguda de asma, deve-se iniciar com beta-2-
agonista em inalação sequencial (salbutamol, de 2,5 a 5mg – de 10 a 20
gotas, a cada 20 minutos, 3 inalações na 1ª hora), anticolinérgicos pela via
inalatória associada ao beta-2, como brometo de ipratrópio, 30 a 40 gotas, e
corticosteroides como hidrocortisona ou metilprednisolona ou
prednisona/prednisolona oral (conforme a disponibilidade).

d) Metilxantinas

As metilxantinas não são recomendadas rotineiramente no tratamento da crise


de asma. Sua prescrição deve restringir-se aos casos selecionados com
ausência de resposta ao tratamento-padrão otimizado. Quando usá-las, deve-
se ter muito cuidado com os efeitos colaterais, sobretudo com arritmias e
convulsões, e devem-se monitorizar os níveis séricos.

e) Sulfato de magnésio

O magnésio é cofator em várias reações enzimáticas, e estudos têm mostrado


que células musculares lisas contraem em ambiente de hipomagnesemia e
relaxam quando há hipermagnesemia. Há evidências de que magnésio
infundido em asmáticos providencia uma adicional broncodilatação, assim
como a hipermagnesemia diminui a ativação de polimorfonucleares. Seu
efeito broncodilatador é discreto, bem inferior ao atingido com os beta-
agonistas inalatórios. Assim, seu uso é restrito aos casos refratários ao
tratamento inicial.

f) Oxigênio suplementar

O uso suplementar de oxigênio em crises de asma é teoricamente benéfico,


considerando o seu papel na fisiopatologia e a experiência médica universal.
Deve ser ofertado sempre que a saturação de oxigênio estiver inferior a 92%.
O uso da combinação dos gases hélio e oxigênio, o chamado heliox, foi
estudado pela literatura. O hélio, devido à sua densidade diminuída em
comparação com a do ar, poderia diminuir a resistência das vias aéreas.
Outro benefício teórico é que esse elemento poderia promover uma retenção
maior das partículas aerolisadas no pulmão, podendo, assim, aumentar o
benefício dos beta-2-agonistas inalatórios. Sua disponibilidade prática é
pequena, e seu uso é reservado aos casos graves e refratários.

g) Intubação e ventilação mecânica

O paciente que chega em crise aguda de asma ao serviço de emergência


apresentando alteração do nível de consciência, bradicardia e iminência de
parada cardiorrespiratória deve ser submetido à intubação orotraqueal. Da
mesma forma, durante a evolução no pronto-socorro, pode ser necessária a
intubação, a qual deve basear-se em parâmetros clínicos e, especialmente,
antes que o paciente esteja em situação crítica com risco de parada
cardiorrespiratória.
Caso se escolha a intubação, o procedimento deve ser realizado rapidamente,
pois a condição clínica pode piorar em pouco tempo. Vários agentes podem
ser utilizados, e a medicação de escolha é a cetamina, pelo seu efeito
broncodilatador. A experiência demonstra que a ventilação mecânica é uma
intervenção que salva vidas e não deve ser adiada quando indicada. Não se
pode esquecer que o paciente com asma tem excelente prognóstico, e a
intubação é temporária. Já uma parada cardiorrespiratória é muito mais grave,
e não se pode permitir que ela aconteça. A intubação deve ser realizada rápida
e deliberadamente, de preferência utilizando o tubo endotraqueal mais largo
possível, com 8 ou 9mm, para diminuir a resistência das vias aéreas.
Após a intubação, o paciente deve ser sedado adequadamente, e os parâmetros
bem ajustados, para que se consiga sincronia com o aparelho e conforto
ventilatório, fundamentais para o adequado controle do broncoespasmo com
broncodilatadores (que devem ser ofertados imediatamente e em doses
máximas). Quanto aos parâmetros do respirador, pode-se utilizar modo de
controle a volume ou a pressão, com o cuidado de monitorizar a mecânica
respiratória, evitando picos de pressão ou volumes correntes muitos baixos (a
depender do modo escolhido); o ideal é que a frequência respiratória seja
baixa, para aumentar o tempo expiratório e impedir a hiperinsuflação
dinâmica. A pressão positiva ao final da expiração (PEEP), inicialmente, deve
ser a mais baixa possível, já que, diferentemente dos pacientes com DPOC, os
asmáticos podem ter piora da mecânica com PEEP elevada, por causar
hiperinsuflação dinâmica – auto-PEEP. Dependendo da evolução (dos
parâmetros de troca gasosa e da auto-PEEP), pode-se tentar elevar a PEEP,
sempre observando, cautelosamente, se haverá ou não piora da auto-PEEP.
A maioria dos asmáticos que necessitam de intubação e ventilação mecânica o
faz por período curto, podendo ser avaliada a desintubação precocemente,
eventualmente dentro de 24 horas.
A ventilação não invasiva tem apresentado evidências crescentes de benefício
na asma, sendo recomendada se a equipe estiver familiarizada com o método
e, claro, na ausência de contraindicações.

Dica
Alterações do nível de consciência (agitação ou sonolência), bradipneia e
ausência de sibilos (silêncio no tórax), além de instabilidade hemodinâmica
são sinais iminentes de parada respiratória na crise asmática. Com
frequência, tais alterações chamam a atenção para a conduta de intubação
imediata em questões de prova. Uso de ventilação não invasiva, nessas
situações, não é indicado. Medicações com efeito sedativo, sobretudo
benzodiazepínicos, nunca devem ser administradass, sob risco de precipitar
parada respiratória.
h) Medidas de benefício duvidoso

Não é recomendada antibioticoterapia para crise aguda de asma sem


pneumonia. A maioria das exacerbações de causa infecciosa é de etiologia
viral, e não existem evidências na literatura que indiquem benefício na
evolução com antibioticoterapia. Está indicada apenas em caso de pneumonia,
sinusite bacteriana aguda ou outra indicação específica.
Da mesma forma, não há benefícios comprovados de que a fisioterapia
respiratória de rotina, durante a crise aguda de asma, seja benéfica. Uma
exceção é a presença de grande quantidade de secreção; a fisioterapia, nesse
caso, pode contribuir para a sua eliminação. Mucolíticos podem piorar a tosse
e o broncoespasmo, principalmente se inalatório, portanto não são
recomendados.
Exceto quando é necessária a intubação orotraqueal, benzodiazepínicos,
sedativos e hipnóticos são potencialmente perigosos e podem levar à apneia.
Caso sejam necessários (indivíduos muito ansiosos), devem-se usá-los em
doses bem baixas e com cuidado.

C - Abordagem da crise aguda de asma na


Emergência
Alguns detalhes são importantes:

Em crise de broncoespasmo grave, recomenda-se prescrever, desde a


chegada ao pronto-socorro, beta-2-agonista + ipratrópio, corticoide e
sulfato de magnésio. Conforme detalhado nos respectivos tópicos, essa
terapia acelera a recuperação e diminui a necessidade de internação;
VEF1 ou PFE sempre são referidos como predito para idade, sexo e
altura;
Pacientes que apresentam boa resposta à terapêutica inicial ou melhora
relevante durante a internação hospitalar podem ter alta hospitalar.

A presença dos seguintes fatores ajuda na decisão correta da alta:

Espirometria com VEF1 >70%;


Capacidade de deambulação sem dispneia;
Uso de medicação inalatória em espaços maiores do que 3 a 4 horas;
Ausência de medicações parenterais;
Compreensão do uso das medicações que ele usará em casa;
Acompanhamento ambulatorial breve.

- Prognóstico

Em média, de 10 a 20% dos pacientes com crise aguda de asma que procuram
o pronto-socorro necessitam de hospitalização. Destes, menos de 10%
recebem ventilação mecânica. Uma necessidade prévia de ventilação
mecânica em um asmático aumenta em 19 vezes a chance de ser necessária,
novamente, intubação orotraqueal durante uma crise aguda.
Resumo
A asma é uma doença inflamatória crônica e intermitente das vias aéreas,
caracterizada por sinais e sintomas de dispneia, tosse, sibilos, obstrução
variável e hiper-responsividade das vias aéreas, quadro reversível
espontaneamente ou com o uso de broncodilatadores;
O diagnóstico de asma baseia-se em dados clínicos (sintomas
compatíveis, história familiar e pessoal de asma na infância, resposta aos
medicamentos específicos), dados funcionais (principalmente, obstrução
com resposta ao broncodilatador) e diagnóstico de alergia;
A asma pode ser classificada como intermitente, persistente leve,
persistente moderada e persistente grave. Essa classificação é
fundamental para a escolha terapêutica inicial. Posteriormente, o
tratamento baseia-se no nível de controle da doença: controlada,
parcialmente controlada e não controlada;
Todos os asmáticos devem receber educação ambiental e orientação para
o uso de broncodilatadores de demanda em caso de sintomas. Aqueles
com doença persistente devem receber corticoides inalatórios, em doses
variáveis e associados, ou não, a outros fármacos;
O uso de corticoide sistêmico deve ser reservado a situações de
exacerbação ou doença muito grave, para evitar efeitos colaterais
indesejáveis; os paraefeitos dos medicamentos inalatórios são discretos e
geralmente bem tolerados;
O principal diagnóstico diferencial de asma é DPOC. Hoje, em algumas
situações, tem sido aceito o diagnóstico das 2 condições associadas;
A pacientes com tríade de Samter – sintomas asmatiformes, polipose
nasal e intolerância a ácido acetilsalicílico –, os antileucotrienos são os
fármacos com melhor resposta terapêutica;
As xantinas têm sido recomendadas como terapêutica de exceção;
quando usá-las, deve-se ter muito cuidado com os efeitos colaterais,
sobretudo com arritmias e convulsões, e devem-se monitorizar os níveis
séricos.
No idoso, deve-se ter especial atenção ao diagnóstico diferencial; na
gestante, a asma pode piorar (33%), permanecer estável (33%) ou
melhorar (33%) – os fármacos habitualmente utilizados no tratamento da
asma são seguros na gestação;
A etiologia mais comum das exacerbações de asma é infecção
respiratória viral;
Uma regra geral no atendimento de paciente asmático na sala de
emergência é sempre ofertar broncodilatadores inalados como
terapêutica imediata, exceto em caso de sinais de parada cardíaca
iminente, quando a intubação deve ser precoce.
Doença pulmonar obstrutiva
crônica
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Introdução
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma condição clínica
comum, prevenível e tratável, que se caracteriza, basicamente, pelo
desenvolvimento progressivo de limitação ao fluxo aéreo, que não é
totalmente reversível, associado à inflamação crônica das vias aéreas por
inalação de partículas e gases nocivos. A síndrome classicamente é descrita
como representada por 2 polos, detalhados na Tabela 1.

Na realidade, o termo DPOC denota a presença de limitação ao fluxo aéreo


com manifestações clínicas de enfisema e/ou bronquite crônica. Raramente se
encontra um paciente com diagnóstico de DPOC e fenótipo puramente de
enfisema pulmonar (chamado “soprador rosado”) ou de bronquite crônica
(chamado “azul pletórico”). Frequentemente, os indivíduos têm os 2
processos patológicos associados. Entretanto, o paciente pode apresentar as
características que definem bronquite crônica, ou mesmo ter o diagnóstico
histopatológico de enfisema pulmonar, e não ter DPOC, já que para ambas
(bronquite e enfisema) não é necessário haver limitação ao fluxo aéreo.
Figura 1 - Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica com: (A) enfisema pulmonar (“pink
puffer” ou “soprador rosado”) e (B) bronquite crônica (“blue bloater” ou “azul pletórico”)

Em uma perspectiva unificadora, a Organização Mundial da Saúde e o


National Institutes of Health criaram um grupo multicêntrico para o estudo da
DPOC, a Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD). A
GOLD aglutina as principais recomendações relacionadas à DPOC,
principalmente nos aspectos diagnósticos e terapêuticos, com atualizações
anuais.

2. Prevalência e fisiopatologia
A DPOC acomete mais de 50 milhões de pessoas no mundo, e, no Brasil,
estimam-se mais de 7 milhões de acometidos, com cerca de 275.000
internações ao ano. Segundo projeções da Organização Mundial da Saúde
para 2020, a DPOC será, globalmente, a 5ª causa de morte. Outras projeções
acreditam que a doença, na verdade, será a 4ª maior causa de mortalidade
mundial.
A perda de Volume Expiratório Forçado no 1º segundo (VEF1) é de 15 a
30mL/ano em pessoas normais. No paciente com DPOC, essa perda anual é
aumentada em 2 a 5 vezes. Curiosamente, tal perda excessiva de VEF1 só
acontece em torno de 15% dos indivíduos que fumam, indicando
componentes genéticos envolvidos (Figura 2). De outra forma, um
componente genético parece também estar envolvido devido a casos
aglomerados em famílias com DPOC, inclusive em indivíduos com menos
idade e diferenças em prevalência de acordo com etnias. Outra evidência vem
da deficiência de alfa-1-antitripsina (alfa-1-AT), com enfisema grave entre
pacientes mais jovens.

Figura 2 - História natural da perda funcional em pacientes tabagistas, ex-tabagistas e não


tabagistas

A maioria dos pacientes com DPOC é identificada pela presença de obstrução


em prova de função pulmonar, usualmente na 5ª década de vida. Geralmente,
VEF1 <40% do predito implica dispneia aos pequenos esforços, e <25%,
dispneia em repouso, retenção de CO2 e cor pulmonale. Além da diminuição
do VEF1, há outras alterações (Tabela 2).
3. Processo inflamatório crônico das vias aéreas
O tabagismo (ativo e passivo) de longe é o maior responsável por DPOC.
Estima-se que 90% dos casos o têm como fator etiológico.

Dica
A mensuração da carga tabágica é simples. Utilizando a variável
anos/maço, deve-se multiplicar o número de anos de tabagismo pela média
de maços fumados ao dia (um maço tem 20 cigarros). Considera-se carga
significativa quando superior a 10 anos/maço.
Dica
Apesar de o tabagismo ser o principal fator envolvido na DPOC, deve-se
atentar-se para os fatores ambientais (inalação de partículas de enxofre,
cádmio) e para doenças genéticas (deficiência de alfa-1-antitripsina).

Existe um processo inflamatório crônico nas vias aéreas do paciente com


DPOC, mas essa inflamação difere, significativamente, da vista na asma
brônquica. A via final da inflamação na DPOC é o desbalanço entre as
proteases (lesivas ao epitélio respiratório) e as antiproteases.
4. Diagnóstico e exames complementares
O diagnóstico de DPOC exige dados clínicos (sintomas respiratórios crônicos
e progressivos), funcionais (obstrução ao fluxo aéreo) e epidemiológicos
(fator de risco como o tabagismo). A história e o exame físico, isoladamente,
têm baixa sensibilidade. Em formas leves a moderadas de DPOC, o exame
físico pode ser absolutamente normal. O principal sintoma associado é a
dispneia, que é progressiva com a evolução da doença. Alguns índices de
avaliação de dispneia, como a classificação do MRC (Medical Research
Council) modificada, apresentam correlação com prognósticos dos pacientes
com DPOC. Essa classificação é adotada pela American Thoracic Society
para avaliação da dispneia, conforme a Tabela 6.

Outro sintoma frequente é a tosse, tanto seca quanto produtiva. O


aparecimento da tosse no fumante é, entretanto, comum, e muitos pacientes
não a julgam um sintoma de doença, considerando-a um sintoma esperado em
um tabagista, o que retarda a procura por auxílio médico.

Um detalhe importante na propedêutica de pacientes com DPOC:


baqueteamento digital não constitui sinal de DPOC; quando presente, pode
indicar doenças associadas (Tabela 8).
A GOLD sugere alguns achados sugestivos do diagnóstico de DPOC,
resumidos na Tabela 9.

Quadro clínico
Tosse crônica intermitente, expectoração crônica, dispneia progressiva ou
persistente e história positiva para fatores de risco (tabagismo, poeiras e
químicos) são dados clínicos comuns aos pacientes com DPOC.

A - Espirometria

A espirometria tem papel diagnóstico central na DPOC. É por meio dela que o
componente obstrutivo da doença pode ser caracterizado. De fato, a presença
de relação VEF1/CVF <0,7, associada aos dados clínicos e epidemiológicos,
praticamente define o diagnóstico. Em fases precoces da doença, o VEF1
pode ser preservado, com seu valor reduzindo conforme a progressão clínica.
Como, por definição, a limitação ao fluxo de ar na DPOC tende a ser
progressiva e irreversível, na maioria das vezes, não é observada resposta
broncodilatadora na espirometria. No entanto, em até 30% dos casos ela pode
estar presente, não afastando o diagnóstico. Por sinal, recentemente se passou
a denominar pacientes que apresentem, simultaneamente, características de
DPOC e asma como portadores da síndrome ACOS (Asthma-COPD Overlap
Syndrome).

B - Radiografia de tórax
Pode ser normal em formas leves de DPOC, de maneira que não é útil para
definir ou afastar o diagnóstico da doença, mas pode revelar diagnósticos
associados ou diferenciais (neoplasia, pneumonia, doenças fibrosantes etc.). A
radiografia de tórax é importante a pacientes com exacerbação, pois modifica
a conduta em pouco mais de 20% dos casos, sendo, portanto, obrigatória
nessa situação. Na deficiência de alfa-1-AT, essas zonas de enfisema
predominam nos lobos inferiores. Retificação do diafragma, aumento do
espaço retroesternal e retrocardíaco, aumento de espaço entre as costelas e
sinais de hipertensão pulmonar também podem estabelecer o diagnóstico de
DPOC.
Figura 3 - Radiografia de tórax de enfisema de predomínio nos lobos inferiores
Figura 4 - Radiografias posteroanterior e em perfil de doença pulmonar obstrutiva crônica
evidenciando sinais de hiperinsuflação

C - Eletrocardiograma

Pode mostrar sinais de hipertensão pulmonar (onda P apiculada em DII,


desvio do eixo para a direita), que pode ser indício de DPOC muito grave.
Durante a exacerbação, podem ser observadas arritmias atriais, sendo a
taquicardia atrial multifocal a mais característica.

Dica
A taquicardia atrial multifocal é muito encontrada em pacientes com
DPOC.

D - Tomografia computadorizada de tórax

Habitualmente, é desnecessária para o diagnóstico. O achado de enfisema não


define o diagnóstico de DPOC, tampouco tem significado patológico. Pela
tomografia, podem-se caracterizar 3 tipos de enfisema: enfisema parasseptal
(observado na região subpleural, sem relação com tabagismo e sem
significado patológico), enfisema centrolobular (associado ao hábito de
fumar; eventualmente, assume o aspecto “em roído de traça”), enfisema
panlobular (muito comum em deficiência de alfa-1-AT). É possível encontrar
bolhas.
Figura 5 - Enfisema parasseptal

Figura 6 - Enfisema centrolobular


Figura 7 - Enfisema panlobular

E - Gasometria arterial

As alterações relevantes de troca gasosa aparecem em fase avançada da


DPOC, o que torna a gasometria um exame dispensável na maioria das vezes.
É indicada para avaliar a gravidade da doença em pacientes que tenham a
saturação de oxigênio inferior a 92%, a fim de avaliar indicação de oxigênio
domiciliar. A hipercapnia habitualmente surge em fase bem mais avançada.

Importante
Pacientes enfisematosos têm centro respiratório mais sensível ao CO2 e
não permitem o aparecimento de hipoventilação com hipoxemia e retenção
de CO2 mesmo com dispneia. Os bronquíticos têm centro respiratório
pouco sensível ao CO2, permitindo hipoventilação, retenção de CO2,
hipoxemia e elevação da pressão arterial pulmonar (cor pulmonale).

5. Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial é amplo e pode incluir pneumonia, insuficiência
cardíaca, arritmias, pneumotórax, derrame pleural, embolia pulmonar, câncer
de pulmão, tuberculose, bronquiectasias, bronquiolite obliterante e
panbronquiolite difusa. O diagnóstico diferencial com asma é o que gera mais
dificuldade, tanto que hoje em dia se tem aceitado o diagnóstico de associação
de DPOC e asma em alguns casos, principalmente naqueles que mesclam
características relevantes das 2 doenças (corresponde a menos de 10% dos
casos).
Diagnóstico diferencial
Os diagnósticos diferenciais principais são asma (limitação de fluxo
reversível), insuficiência cardíaca congestiva (restrição e não limitação de
fluxo), tuberculose (há confirmação microbiológica), bronquiolite
obliterante (indivíduos jovens, não fumantes) e bronquiectasias (supuração
crônica mais marcante).
6. Particularidades no manejo ambulatorial

A - Classificação de risco

A classificação de risco (antes denominada estadiamento) é fundamental para


a abordagem terapêutica de pacientes com DPOC. Inicialmente se baseava
apenas na espirometria; nos últimos anos, no entanto, observou-se que fatores
como intensidade dos sintomas (dispneia) e o número de exacerbações
representavam fatores prognósticos ainda mais robustos, passando a compor o
sistema de categorização. Desde então, os pacientes passaram a ser
classificados em 4 grupos: A, B, C ou D.
Em 2017, a GOLD reconheceu que, de fato, a espirometria era inferior aos
demais parâmetros na classificação de risco. Assim, a espirometria foi
removida dos critérios principais, passando a ser utilizada como mera
categorização adicional – indicada por números, conforme o grau de limitação
ao fluxo de ar (Tabela 13).
Figura 8 - Classificação de risco da doença pulmonar obstrutiva crônica (GOLD, 2017). Na
classificação de sintomas, o sistema COPD Assessment Test também pode ser utilizado: ≥10 pontos
seria equivalente a mMRC ≥2

Como exemplo, no modelo atual, um paciente que tenha DPOC e apresente


dispneia classificada como mMRC 2, sem exacerbações no último ano e com
espirometria demonstrando VEF1 42%, seria classificado como GOLD B-3
(“B” conforme dispneia e exacerbações; “3” pela espirometria).

B - Tratamento não farmacológico

Pacientes com DPOC beneficiam-se de medidas não medicamentosas:

1 - O paciente deve abandonar o tabagismo: a persistência do vício está


associada a pior prognóstico, maior queda anual do VEF1, maior número
de exacerbações e maior chance de internação e morte. Devem-se usar
todas as medidas farmacológicas (bupropiona, nicotina ou ambos) e não
farmacológicas (exercícios, psicoterapia etc.).
2 - Indicar vacinação (anual para influenza e a cada 5 anos para
pneumococo).
3 - Indicar reabilitação pulmonar para os pacientes com sintomas
persistentes, de classificação B, C e D.
Tema frequente de prova
Apesar de simples, as medidas não farmacológicas para o tratamento da
DPOC sempre caem em concursos médicos. A reabilitação pulmonar está
sempre indicada no tratamento não farmacológico, com exceção dos casos
mais leves (Gold A).

C - Tratamento farmacológico

As medicações disponíveis para o tratamento de DPOC têm como objetivo


principal melhorar a qualidade de vida dos pacientes e compreendem
broncodilatadores, glicocorticoides e metilxantinas. A escolha entre um ou
outro broncodilatador depende de cada paciente. Em geral, recomenda-se um
deles, e é possível associar outros, de acordo com os sintomas. A descrição
das principais medicações utilizadas para tratamento da DPOC será discutida
a seguir.

a) Broncodilatadores de curta duração

São recomendados como terapia de resgate, indicados a todos os pacientes


com DPOC. O uso sob demanda, conforme a presença de sintomas, tem o
mesmo impacto clínico que o uso regular por horário. Considerando menores
custo e ocorrência de efeitos adversos do uso sob demanda, essa tem sido a
recomendação mais aceita. Os beta-agonistas são os broncodilatadores mais
efetivos no controle da hiperinsuflação dinâmica da DPOC. Levando em
conta a pequena resposta aos broncodilatadores quando comparada ao uso na
asma, por exemplo, o uso concomitante de anticolinérgicos sempre é
recomendado, na tentativa de otimizar o efeito desejado.
Beta-agonistas:

Salbutamol: atua preferencialmente nos receptores beta-2, ativando a


adenilciclase e aumentando o AMP cíclico. Esse aumento causa
relaxamento da musculatura brônquica e inibição da liberação de
mediadores inflamatórios nos mastócitos.
Aerossol: dose usual de 200 a 400µg, com intervalo de 4 a 6 horas.
A forma inalatória também pode ser usada no pronto-socorro, na
dose de 200 a 400µg até a cada 20 minutos na 1ª hora;
Nebulização: de 10 a 20 gotas diluídas em 3 a 5mL de soro
fisiológico, com intervalo de 4 a 6 horas. No Brasil, é a
apresentação mais usada.
Fenoterol: tem índice de efeitos adversos um pouco maior do que o
salbutamol.
Aerossol: dose usual de 200 a 400µg, com intervalo de 4 a 6 horas. A
forma inalatória também pode ser usada no pronto-socorro, na dose de
200 a 400µg até a cada 20 minutos na 1ª hora;
Nebulização: de 10 a 20 gotas diluídas em 3 a 5mL de soro fisiológico,
com intervalo de 4 a 6 horas.

Anticolinérgico:

Brometo de ipratrópio: diminui a ação da acetilcolina nas fibras pós-


gangliônicas muscarínicas (M1 e M3) que terminam no epitélio,
glândulas submucosas e musculatura lisa das vias aéreas, reduzindo
assim o tônus broncoconstritor.
Aerossol: a dose usual é de 2 a 3 puffs (de 400 a 600µg), com
intervalo de 4 horas;
Nebulização: a dose usual é de 20 a 40 gotas diluídas em 3 a 5mL
de soro fisiológico, com intervalo de 4 a 6 horas.

b) Broncodilatadores de longa duração

Beta-agonistas (LABA – Long-Acting Beta-Agonists): em linhas gerais, têm


semelhanças com o salbutamol, o fenoterol ou a terbutalina inalatórios, exceto
pela maior duração de ação, que é de 12 horas para o formoterol e o
salmeterol e de 24 horas para o indacaterol, vilanterol e olodaterol. Todos são
utilizados por via inalatória, 2 vezes ao dia para formoterol e salmeterol e 1
vez para os demais;
Anticolinérgicos (LAMA, Long-Acting Muscarinic Antagonists): são
exemplos o tiotrópio, o glicopirrônio e o umeclidínio. Ambos são utilizados
por via inalatória e agem por cerca de 24 horas, necessitando apenas de uma
tomada diária. Não têm utilidade no tratamento dos sintomas agudos, apenas
como fármaco de manutenção.

c) Corticoides inalatórios

São os mesmos fármacos do tratamento da asma, mas habitualmente têm uso


mais restrito no manejo da DPOC, em que vinham sendo muito utilizados,
especificamente quando o paciente apresentava exacerbações repetidas e
VEF1 <50% – questão corriqueira nas provas. No entanto, recentemente foi
demonstrado risco aumentado de pneumonia nos pacientes com DPOC e uso
prolongado de corticoide inalado, o que restringiu ainda mais sua
recomendação em 2017. Assim, atualmente, devem ser considerados em
pacientes com tratamento já otimizado – LAMA e LABA – e que mantenham
instabilidade clínica. Nesse cenário, estão associados ao tratamento em vigor
(terapia tripla).

d) Metilxantinas

As xantinas são fármacos cada vez menos utilizados no tratamento de doenças


pulmonares. É uma classe com índice terapêutico muito baixo – a dose tóxica
é próxima da terapêutica. Seu efeito direto ocorre por inibição da
fosfodiesterase, causando o acúmulo de AMP cíclico intracelular e o
consequente relaxamento do músculo liso das vias aéreas, embora se acredite
que tenham um adicional, antagonizando os receptores da adenosina. O
fármaco ainda utilizado eventualmente é a bamifilina, preparação oral com
menos efeitos adversos. A GOLD 2017 restringiu o uso dessa classe a
situações em que os broncodilatadores estejam indisponíveis – o que não é
real. Ressalte-se que o temor de efeitos cardiovasculares dos
broncodilatadores não deve servir de pretexto para o uso de xantinas; afinal,
estas, sim, têm efeitos cardiovasculares bem indesejáveis.

e) Inibidor de fosfodiesterase-4 (roflumilaste)

A fosfodiesterase (PDE) é uma enzima com propriedades inflamatórias e


papel reconhecido na DPOC. As metilxantinas são os representantes clássicos
desse grupo, mas não têm especificidade para a enzima. O roflumilaste,
inibidor específico da PDE-4, tem sido incorporado ao tratamento de alguns
pacientes com DPOC e demonstrado redução da frequência de exacerbações.
Os benefícios foram bem documentados entre pacientes da classificação
espirométrica 3 ou 4, com manifestações de bronquite crônica, e com 2 ou
mais exacerbações ao ano. O fármaco é usado por via oral, em uma tomada
diária.

f) Mucolíticos

Pequenas evidências sugerem que pacientes com exacerbações frequentes e


que não utilizem corticoide inalado possam se beneficiar do uso de
mucolíticos, carbocisteína ou N-acetilcisteína. Pela pequena ocorrência de
efeitos adversos, os mucolíticos podem ser tentados em indivíduos com
doença grave e exacerbações frequentes.

D - Racional do tratamento farmacológico da doença


pulmonar obstrutiva crônica

Ainda que a GOLD estabeleça recomendações terapêuticas conforme a


classificação de risco, é aconselhável, na rotina diária, que se tente alinhar o
tratamento do paciente com DPOC conforme um racional um tanto quanto
uniforme. É que a categorização multiparamétrica sugerida é muito pouco
prática e extremamente dispendiosa (Tabelas 14, 15 e 16). Obviamente, não é
incorreto utilizá-la, mas é bem mais simples recorrer a outra estratégia; de
forma geral, os princípios do tratamento farmacológico da DPOC são:

Avaliar a indicação de terapia não farmacológica;


Para quadros incipientes, com sintomas apenas em esforços casuais,
considerar apenas broncodilatador de ação curta, se necessário;
Se houver sintomas persistentes, sem exacerbações repetidas, ofertar um
broncodilatador de ação prolongada; se insucesso, considerar troca ou
associação de outra classe, conforme a gravidade;
Se houver sintomas persistentes com exacerbações repetidas, considerar
a associação de classes de broncodilatadores (LABA e LAMA); em caso
de ausência de resposta sustentada, considerar terapia tripla (associar
corticoide) e/ou macrolídeos/roflumilaste por tempo prolongado.
O período de reavaliação sugerido é de 1 a 2 meses.
Tema frequente de prova
Cerne de toda DPOC, é obrigatório o conhecimento do tratamento
conforme o seu estádio.
E - Oxigênio domiciliar

A oxigenoterapia domiciliar para hipoxêmicos é uma medida terapêutica que


já demonstrou melhorar a sobrevida de pacientes com DPOC; quando
indicada, deve ser utilizada por, no mínimo, 16 horas por dia. As indicações
com maior nível de evidência são:

1 - paO2 ≤55mmHg em repouso, ou SatO2 ≤88%, sem sinais de cor


pulmonale.
2 - paO2 ≤59mmHg em repouso, ou SatO2 entre 88 e 90%, com sinais
de cor pulmonale.

A titulação do oxigênio é feita ambulatorialmente, ofertando-se o menor fluxo


que garanta uma SatO2 >90% em repouso. Após essa verificação, o paciente
será orientado a utilizar esse valor quando em repouso, 1L a mais quando
dormindo e 2L a mais durante atividades físicas. O momento ideal de avaliar
a indicação de oxigenoterapia é com a doença estável. Após exacerbações, o
paciente pode apresentar piora das trocas gasosas que serão revertidas em um
período variável, entre 30 e 90 dias.

Dica
A oxigenoterapia é uma medida que melhora a sobrevida do paciente e
deve ser sempre indicada, quando necessária.

F - Tratamento cirúrgico

Dentre as opções cirúrgicas para o tratamento da DPOC, tem-se, em especial,


a cirurgia de redução pulmonar e bulectomia, para pacientes com grandes
bolhas de enfisema, além do transplante pulmonar.
A cirurgia de redução do volume foi avaliada, principalmente, no estudo
NETT (National Emphysema Treatment Trial), que identificou características
que ajudam a determinar pacientes com maior probabilidade de benefício com
o procedimento: aqueles com enfisema predominante nos lobos superiores e
baixa capacidade de exercício (por meio da ergoespirometria). Vale ressaltar
que os pacientes com VEF1 <20%, medida de DCO <20% e hipertensão
pulmonar (fatores de maior mortalidade cirúrgica) não são considerados
elegíveis para a cirurgia redutora de volumes pulmonares.
Mais recentemente, surgiu outra modalidade de redução de volumes
pulmonares: a colocação por válvulas endobrônquicas por auxílio de
broncoscopia. Após a sua alocação, em um brônquio previamente selecionado
por avaliação criteriosa de software de análise específico de tomografia
computadorizada, essas válvulas têm capacidade de fluxo unidirecional do ar,
permitindo somente a sua saída do brônquio, e não sua entrada. Por
conseguinte, promovem também atelectasia daquele lobo pulmonar distal à
sua localização. Trata-se de procedimento menos invasivo, com possibilidade
de reversibilidade, caso o resultado clínico não seja favorável. A redução
pulmonar, seja por cirurgia convencional ou por meio das válvulas
endobrônquicas, deve sempre ser vista como um tratamento com eficácia
temporária, não devendo-se postergar a referência do paciente a um centro de
transplante, se houver critérios para realização da cirurgia.
O transplante pulmonar pode ser considerado alternativa àqueles com doença
pulmonar grave sem resposta aos tratamentos disponíveis. Entre os portadores
de DPOC, o transplante deve ser reservado aos que apresentam
contraindicação à cirurgia redutora do volume pulmonar ou aos previamente
submetidos ao procedimento sem melhora ou que novamente apresentam
piora funcional. A indicação pode ser considerada a pacientes com VEF1
<25%, principalmente se VEF1 <20%, sem alternativas terapêuticas, clínicas
ou cirúrgicas, sem comorbidades, mas com menos de 65 anos e boas
condições psicossocial e familiar. A principal indicação da bulectomia é a
presença de dispneia em pacientes com bolhas de enfisema que ocupam, pelo
menos, 30% do hemitórax. Outra indicação é a história de pneumotórax. Os
resultados cirúrgicos tendem a ser melhores em indivíduos com bolhas que
ocupam mais de 50% de 1 hemitórax. O risco cirúrgico aumenta muito
naqueles com VEF1 <40% do predito, na presença de dispneia severa,
hipercapnia ou cor pulmonale: o risco cirúrgico torna proibitiva a cirurgia.

G - Prognóstico

Por muito tempo, a variável prognóstica mais utilizada foi a espirometria. No


entanto, hoje sabemos que inúmeros parâmetros são mais relevantes, como já
discutido na classificação de risco: grau de limitação funcional (escalas de
dispneia ou distância caminhada no teste de 6 minutos), número de
exacerbações, presença de hipoxemia/hipercapnia/cor pulmonale, baixo peso
(sugere maior estresse oxidativo associado à doença) etc.
Um índice ainda amplamente utilizado na avaliação prognóstica de paciente
com DPOC é o BODE. Ele leva em conta 4 variáveis clínicas (B – body
index; IMC / O – obstruction; VEF1 / D – dyspnea; graduação mMRC / E –
exercise – distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos). Trata-se
de um escore simples, com pontuação de 0 a 10, sendo pior o prognóstico de
morbimortalidade pela doença quanto maior o valor encontrado. Valores ≥7
são considerados para inclusão em fila de espera para transplante de pulmão.

7. Exacerbação
A exacerbação é definida como aumento nos sintomas e piora da função
pulmonar e caracteriza-se por piora da dispneia com aumento da produção
e/ou mudança na característica do escarro (torna-se purulento). É uma causa
comum de internação, e, aparentemente, as infecções têm papel central. Uma
diferença importante durante a exacerbação é que aumentam os eosinófilos
nas vias aéreas, o que talvez explique a melhora com corticoide nessa
agudização. A GOLD utiliza 3 critérios cardinais para classificar a
exacerbação de DPOC.

A exacerbação pode ser classificada em:

Leve: 1 dos critérios cardinais + 1 achado adicional (infecção das vias


aéreas superiores, febre sem causa aparente, sibilos, aumento da tosse,
aumento na frequência respiratória ou frequência cardíaca em mais de
20% daquela de base);
Moderada: 2 dos 3 critérios cardinais;
Grave: presença dos 3 critérios cardinais.

Dica
É essencial o reconhecimento das exacerbações, caracterizadas como piora
da dispneia, aumento da produção ou alteração da característica do escarro.

A avaliação da gravidade deve ser feita por meio dos sintomas e da avaliação
dos gases arteriais. A espirometria não parece adequada para a avaliação da
gravidade da crise. A gasometria apresenta uma nuance importante: a
presença de hipercapnia não necessariamente indica gravidade maior. A razão
é que alguns pacientes, no dia a dia, já apresentam pCO2 elevada pelo
estadiamento avançado da doença – nesses casos, o bicarbonato é
cronicamente elevado, para manter o pH em níveis normais. Na hipercapnia
aguda, esse mecanismo de compensação inexiste, e o pH cai, traduzindo
acidemia; assim, em pacientes na sala de emergência que tenham pCO2
elevada e pH normal, a gasometria não acresce gravidade; entretanto,
naqueles com pCO2 elevada e pH baixo, a exacerbação reveste-se de
gravidade extrema, e medidas devem ser adotadas para a correção da pCO2,
como a ventilação não invasiva.
O papel das infecções bacterianas como o principal fator etiológico das
exacerbações da DPOC ainda é controverso. Um estudo recente procurou
avaliar se, antes da exacerbação, poderia haver uma mudança nas cepas
bacterianas. Os autores estudaram, prospectivamente, 81 pacientes com
DPOC, com coleta de escarro mensalmente e nova coleta durante uma
exacerbação. Em todas as amostras, foi realizada tipagem molecular para
vários germes. Os principais resultados foram 374 episódios de exacerbação:
em 33% das exacerbações, houve mudança na cepa bacteriana. Dos
indivíduos que não tiveram nenhuma exacerbação, apenas 15,4% tiveram
mudança na cepa, o que leva a um risco relativo = 2,15 (IC95%: 1,83 a 2,53).
Nesse estudo, concluiu-se que a aquisição de novas cepas de pneumococo,
Haemophilus ou Moraxella pode estar associada a maior chance de
exacerbação da DPOC. Entretanto, em grande parte, não foi encontrada uma
mudança nas cepas, o que implica a existência de outros fatores envolvidos.
Acredita-se que parte das exacerbações se deva a infecções virais (até 1/3) ou
fatores ambientais (poluição e alterações de temperatura).
Ainda que a etiologia infecciosa seja a principal, é importante valorizar as
etiologias não infecciosas: pneumotórax, síndromes coronarianas agudas,
insuficiência cardíaca congestiva, embolia pulmonar, trauma, arritmia etc.

8. Tratamento da exacerbação

A - Internação versus tratamento ambulatorial

A decisão de internar ou não o paciente baseia-se em vários fatores, como


gravidade da exacerbação, gravidade da DPOC de base, comorbidades e
suporte adequados em casa. Não há regras firmes; deve-se usar o bom senso.
Algumas vezes, o paciente apresenta descompensação grave e pode necessitar
de tratamento em UTI.
B - Objetivos
Os objetivos do tratamento da exacerbação da DPOC são tratar a etiologia,
manter nível adequado de oximetria, reduzir a resistência das vias aéreas e
melhorar a performance muscular. Ferramentas terapêuticas incluem
oxigênio, broncodilatadores, corticosteroides, antibióticos, fármacos
específicos para comorbidades, ventilação não invasiva e, eventualmente,
intubação orotraqueal e ventilação mecânica.

C - Broncodilatadores inalatórios

Geralmente, há pouca melhora espirométrica, porém há melhora sintomática


importante da dispneia. Estudos têm demonstrado a eficácia de
anticolinérgicos e beta-2-adrenérgicos de curta duração. Ao menos 3 grandes
estudos controlados e randomizados mostraram que a associação do beta-2-
adrenérgico ao anticolinérgico foi melhor do que ambos isoladamente; houve
melhora significativa no VEF1 de 25% com a terapia combinada. Os
medicamentos e as doses recomendadas são:

Salbutamol ou fenoterol: de 10 a 20 gotas (de 2,5 a 5mg) em 3 a 5mL


de soro fisiológico – 3 inalações a cada 20 minutos ou mesmo contínuas,
se o paciente está muito grave. Depois, aumentar o intervalo entre as
doses (a cada hora, a cada 2 horas, e assim por diante, de acordo com a
melhora);
Brometo de ipratrópio: de 20 a 40 gotas na mesma solução da inalação
citada.

As diretrizes nacionais recomendam utilizar a combinação de beta-2-


adrenérgico e anticolinérgico inalados no alívio da dispneia. Não há vantagem
adicional de uso de beta-agonista sistêmico.

D - Antibióticos

Existe muita controvérsia com relação às indicações de antibióticos nas


exacerbações de DPOC. A recomendação mais aceita é fornecer
antibacterianos nas seguintes situações:

Estigmas inequívocos de infecção bacteriana (exemplo: foco


pneumônico em radiografia);
Exacerbação com secreção purulenta;
Exacerbação grave da DPOC (definida como aquela que necessita de
admissão em UTI).

As bactérias mais associadas são Haemophilus influenzae, Streptococcus


pneumoniae e Moraxella catarrhalis. A escolha do antibacteriano, entretanto,
é outro ponto de polêmica, pois outros germes podem estar envolvidos, como
Pseudomonas ou outros com padrão de resistência relevante. A presunção do
germe responsável depende da gravidade da doença e dos fatores de risco
para mau prognóstico. As recomendações da Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tisiologia (SBPT) estão listadas na Tabela 19.
E - Oxigênio

Pacientes com exacerbação da DPOC e SatO2 <90% devem receber oxigênio


em menor fluxo necessário para manter a oximetria superior a 90%.
Especialmente em DPOC grave ou muito grave (GOLD III e IV), há risco de
piora da acidose respiratória e da hipercapnia com o uso de oxigênio em altos
fluxos. É importante lembrar que esses pacientes mais graves convivem
adequadamente com a hipóxia. Por isso, não é necessário manter a sua
saturação de oxigênio muito acima de 90%. De fato, é suficiente manter a
oximetria nesses níveis, destacando-se que valores superiores não trazem
benefícios adicionais. Ademais, fluxos excessivos podem ser deletérios para
pacientes com DPOC grave, levando à redução do drive respiratório por
acidose.
Os mecanismos de acidose e hipercapnia induzidas pelo oxigênio são
multifatoriais e incluem redução no drive respiratório, devido à correção da
hipoxemia, aumento do desequilíbrio ventilação-perfusão e aumento do
espaço morto. Durante a avaliação da alta hospitalar, quando ainda há
hipoxemia, a recomendação é que o indivíduo receba alta sem orientação de
oxigenoterapia domiciliar e seja novamente avaliado em 30 a 45 dias, período
em que a grande maioria já apresenta correção do distúrbio de trocas gasosas.
Caso a hipoxemia persista nesse tempo, indica-se oxigenoterapia.

F - Corticosteroides
O corticosteroide sistêmico é indicado a qualquer exacerbação da DPOC,
independentemente da etiologia. Seu uso é recomendado por 7 dias,
geralmente em doses baixas, de 30 a 40mg de prednisona ou equivalente, sem
necessidade de redução gradual do fármaco. Os corticoides inalados não têm
utilidade na exacerbação da DPOC.

G - Mucolíticos

O papel dos agentes mucolíticos na exacerbação da DPOC é limitado. Não há


dados na literatura que permitam considerar seu uso rotineiro.

H - Metilxantinas

Apesar do uso disseminado de metilxantinas, não há evidência adequada que


sustente o uso rotineiro na exacerbação da DPOC. São utilizadas em casos
refratários, como opção terapêutica final. Além disso, não melhoram
significativamente o VEF1 e podem causar graves efeitos adversos.
Tema frequente de prova
As medidas de manejo da exacerbação da DPOC também estão sempre
presentes em questões de concursos médicos.

I - Ventilação não invasiva

A ventilação não invasiva na forma de BiPAP está indicada a todos com


exacerbação da doença e insuficiência respiratória aguda, respeitadas as
contraindicações (Tabela 22). Seu principal objetivo é reduzir o trabalho
respiratório por meio da oferta de 2 níveis de pressão positiva, um na
inspiração (maior) e outro na expiração (menor) – por exemplo, pressão
inspiratória de 14cmH2O e expiratória de 8cmH2O.
A CPAP, que fornece um nível único de pressão na inspiração e na expiração,
pode ser problemática a pacientes com hipercapnia acentuada ou acidemia
importante, pois a pressão fornecida, útil na inspiração, pode aumentar o
trabalho respiratório na expiração, porque o indivíduo necessitará gerar mais
força muscular para vencer a pressão fornecida pelo aparelho.
J - Ventilação invasiva

A presença de alteração do nível de consciência, bradicardia ou iminência de


parada cardiorrespiratória indica necessidade de intubação orotraqueal
imediata. Da mesma forma, durante a evolução no pronto-socorro, pode ser
necessária a intubação, que deverá basear-se em parâmetros clínicos, antes
que o indivíduo se encontre em situação crítica com risco de parada
cardiorrespiratória. A ventilação mecânica é uma intervenção que salva vidas
e não deve ser adiada quando indicada.
Inicialmente, o paciente deve ser mantido com sedação profunda, evitando-se
bloqueadores neuromusculares. A ventilação mecânica deve ser iniciada no
modo assistido-controlado, respeitando-se a mecânica ventilatória do
indivíduo: como há obstrução grave, deve-se manter o tempo expiratório o
mais prolongado possível para evitar a permanência de volume excessivo ao
final da expiração (auto-PEEP); a não observância desse detalhe culminará
com risco elevado de barotrauma. Assim, deve-se manter a frequência
respiratória baixa (6 a 12irpm) e o tempo inspiratório curto (ou fluxo
elevado).
A ventilação a pressão ou volume tem resultados idênticos, desde que o
intensivista realize monitorização adequada da mecânica respiratória. Quando
se ventila a pressão em um paciente com DPOC, o volume gerado pode ser
demasiadamente pequeno e piorar a hipercapnia, pois há obstrução das vias
aéreas, o que exige pressões mais elevadas para um volume satisfatório –
assim, este precisa ser monitorizado. Na ventilação a volume de pacientes
com DPOC, a pressão de pico gerada (aquela que se dirige às vias aéreas e
não se relaciona tanto ao barotrauma) costuma ser bem elevada; se os alarmes
do aparelho estiverem ajustados para pressões menores, o pico pressórico
abortará o ciclo respiratório, e o volume oferecido também será muito baixo.
Assim, nesses casos, deve-se ajustar o ventilador para permitir a ocorrência de
picos de pressão inspiratória (45 a 50cmH2O), mas sempre com atenção à
pressão de platô (até 35cmH2O). Os níveis de PEEP recomendados são de
cerca de 80% da auto-PEEP, principalmente quando o indivíduo está em
ventilação de suporte.
Outro ponto importante é com relação à hipercapnia. Pacientes que
apresentem hipercapnia sem acidemia (por compensação metabólica) não
necessitam ter os níveis de pCO2 corrigidos. Entenda a razão: com a redução
dos níveis de CO2 em pacientes com compensação, os níveis de bicarbonato
voltam ao normal, já que o distúrbio ventilatório foi corrigido; retirado o
paciente do suporte ventilatório, o comprometimento da mecânica elevará
novamente os níveis de CO2, sem que exista a compensação metabólica: o
resultado final é acidose respiratória grave com necessidade de reintubação.
Assim, só há necessidade de reduzir a pCO2 na presença de acidemia
instalada.

K - Algoritmo da exacerbação
Figura 9 - Abordagem inicial da exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica

Resumo
A DPOC caracteriza-se por sintomas respiratórios crônicos e
progressivos, associados à limitação ao fluxo aéreo e presença de fator
de risco. A bronquite crônica e o enfisema pulmonar raramente são
encontrados isoladamente. A bronquite crônica define-se por tosse
produtiva por mais de 3 meses, por 2 anos consecutivos. A tosse é
ocasionada por hipersecreção de muco, não necessariamente com
obstrução ao fluxo aéreo. Já no enfisema pulmonar ocorre aumento
permanente e anormal dos espaços aéreos distais aos bronquíolos
terminais, acompanhado de destruição de suas paredes, sem fibrose
óbvia; ainda que o termo seja muito utilizado no dia a dia, é considerado
um diagnóstico histopatológico.
O principal fator de risco para DPOC é o tabagismo, relevante em cerca
de 90% dos casos; inalação de outros gases (como fumaça de fogão à
lenha) e deficiência de antiproteases (como alfa-1-AT) respondem pelos
demais;
Deve-se suspeitar da deficiência de alfa-1-AT em pacientes com
enfisema que surge em idade inferior a 45 anos, indivíduos que nunca
fumaram, enfisema com predomínio nos lobos inferiores, vasculite com
c-ANCA positivo, doença hepática inexplicada, história familiar de
cirrose, paniculite, bronquiectasias, ou DPOC em idade precoce. Em
alguns casos, é indicada a reposição da enzima;
O exame necessário e suficiente para o diagnóstico é a espirometria:
deve existir relação VEF1/CVF <0,7, com ou sem redução do VEF1; a
presença de resposta ao broncodilatador não exclui DPOC, apesar de ser
incomum; os principais sintomas da DPOC são tosse e dispneia;
Exames de imagem não são fundamentais ao diagnóstico, mas têm
importância no diagnóstico diferencial;
A classificação de risco (antes denominada estadiamento) é fundamental
para a abordagem terapêutica de pacientes com DPOC. Inicialmente se
baseava apenas na espirometria; nos últimos anos, no entanto, observou-
se que fatores como a intensidade dos sintomas (dispneia) e o número de
exacerbações representavam fatores prognósticos ainda mais robustos,
passando a compor o sistema de categorização. Desde então, os
pacientes passaram a ser classificados em 4 grupos: A, B, C ou D.
As únicas medidas terapêuticas que modificam a sobrevida de pacientes
com DPOC são cessação de tabagismo e oxigenoterapia, quando
indicada;
Os fármacos habitualmente utilizados apenas melhoram a qualidade de
vida, por um melhor controle dos sintomas;
Os corticoides inalatórios são indicados a pacientes com doença grave ou
muito grave (VEF1 <50%), com 2 ou mais exacerbações ao ano;
Vacinações anti-influenza (anual) e antipneumocócica (a cada 5 anos)
estão indicadas, assim como reabilitação pulmonar (esta, para pacientes
com estádio II ou maior);
As indicações de oxigenoterapia domiciliar são pO2 ≤55mmHg ou
SatO2 ≤88%; ela também pode ser indicada a pacientes com pO2 entre
55 e 60mmHg e SatO2 entre 88 e 90, na presença de policitemia ou cor
pulmonale;
Pacientes com doença grave ou muito grave podem ser candidatos a
tratamento cirúrgico: bulectomia, cirurgia redutora de volume pulmonar
ou transplante pulmonar;
Os broncodilatadores são o esteio do tratamento de tais pacientes, e deve
ser usada a combinação de anticolinérgico e beta-2-agonista em
pacientes graves;
O uso de corticosteroide sistêmico está indicado na exacerbação da
DPOC, independentemente da etiologia, por um período de 7 a 10 dias;
Na ausência de pneumonia, os antibióticos são extremamente discutíveis:
têm sido indicados em casos de exacerbação de doença muito grave e em
pacientes com exacerbação purulenta;
As metilxantinas não apresentam benefício nas exacerbações.
Tabagismo
Fabrício Martins Valois
João Batista Carlos de Sá Filho
Rafael Medeiros Carraro

1. Por que as pessoas fumam?


O tabagismo é um transtorno mental e comportamental secundário ao uso de
substâncias psicoativas derivadas do tabaco. É considerado doença segundo a
Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID-10, F17), além de reconhecido como a maior
causa isolada evitável de adoecimento e mortes precoces em todo o mundo.

Importante
Atualmente, o tabagismo é uma pandemia e um grave problema de saúde
pública, em razão da alta prevalência de fumantes e da mortalidade
decorrente das doenças relacionadas ao tabaco.

Os produtos do tabaco (cigarro, cigarro eletrônico, narguilé, charutos,


cigarrilhas, cachimbos, tabaco mascável, rapé) nas suas mais diferentes
formas (fumado, aspirado ou mascado) promovem dependência física,
psicológica e comportamental semelhante ao que ocorre com o uso de outras
drogas, como álcool, cocaína e heroína. A dependência obriga os fumantes a
inalar mais de 4.720 substâncias tóxicas, como monóxido de carbono,
amônia, cetonas, formaldeído, acetaldeído e acroleína, além de 43 substâncias
cancerígenas, sendo as principais arsênio, níquel, benzopireno, cádmio,
chumbo, resíduos de agrotóxicos e substâncias radioativas.
A nicotina, contida nos derivados do tabaco, representa a principal substância
responsável pela dependência química, que, por sua vez, apresenta 3
mecanismos para manutenção:

Reforço positivo: a liberação de dopamina no sistema mesolímbico,


área de recompensa cerebral, resulta em sensações prazerosas, bem como
na ação nos receptores colinérgicos do tipo nicotínico, que proporcionam
a redução do apetite, o aumento da disposição, do estado de alerta e da
atenção, modificando o estado emocional e comportamental do tabagista;
Condicionamento: desencadeado por estímulos ambientais e emoções
positivas e negativas associadas ao consumo do tabaco, como acender
um cigarro após tomar café ou em momentos de tensão ou de alegria.
Depois de algumas repetições, essas associações tornam-se constantes,
de modo que, toda vez que o tabagista toma uma xícara de café ou está
triste ou alegre ele tem o desejo de fumar. Outras associações comuns
são fumar e ingerir bebidas alcoólicas, fumar e falar ao telefone, fumar e
escrever um relatório, fumar e assistir à televisão ou fumar depois de
comer;
Reforço negativo: manutenção do consumo do tabaco para evitar o
desconforto proporcionado pelos sintomas da síndrome de abstinência
(disforia, aumento do apetite, irritabilidade, dificuldade de concentração,
ansiedade etc.).

O consumo contínuo da nicotina faz o cérebro adaptar-se e passar a precisar


de doses cada vez maiores para manter o nível de satisfação anterior –
“tolerância à droga”. Dessa forma, o tabagista sente necessidade de consumir
cada vez mais tabaco, e, com a dependência, cresce o risco do
desenvolvimento de determinadas doenças.

2. Por que parar de fumar?


O consumo do tabaco é demonstrado em vários estudos como fator causal de
quase 50 doenças diferentes, muitas delas incapacitantes e fatais, como
neoplasias, doenças cardiovasculares e doenças respiratórias crônicas. Esses
estudos mostram que esse consumo é responsável por 45% das mortes por
doença coronariana, 85% das mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica,
25% das mortes por doença cerebrovascular e 30% das mortes por neoplasias.
É importante enfatizar que 90% dos casos de câncer de pulmão manifestam-se
em fumantes, demonstrando a forte correlação dessa doença com o
tabagismo.
O tabagismo mata 5,4 milhões de pessoas anualmente no mundo; no Brasil,
são 200.000 mortes anuais. É um número maior do que a soma das mortes por
AIDS, acidentes de trânsito, homicídios, suicídios e alcoolismo juntos. Sabe-
se que a expectativa de vida de um indivíduo que fuma é 25% menor do que a
de um não fumante. Dessa maneira, o tabagismo ativo representa a principal
causa de morte evitável no mundo e o tabagismo passivo ocupa a 3ª colocação
nesse ranking. Os tabagistas passivos apresentam o risco 30% maior de
desenvolver câncer de pulmão e 25% maior de desenvolver doença
cardiovascular, além de outras doenças respiratórias. As crianças, principal
exemplo de tabagistas passivos, apresentam o risco de aumento de infecções
respiratórias, morte súbita infantil, asma e otite média. Não há, no entanto,
dados que demonstrem aumento de risco de doença pulmonar obstrutiva
crônica entre tabagistas passivos.

Dica
É interessante observar um dado explorado com certa frequência em
provas de concursos médicos. Alguns trabalhos descritivos sugeriram que
o cigarro tivesse efeito “protetor” para algumas doenças: sarcoidose,
pneumonite de hipersensibilidade, pneumonite actínica e retocolite
ulcerativa. No entanto, esses dados não permitiram estabelecer uma relação
de causa e efeito concreta. O fato é que, ainda que possa ser um dado real,
a evidência mais clara é a de que, se qualquer uma dessas doenças se
manifestar em um tabagista, o prognóstico será pior.

3. O que diz a legislação?


No mundo e no Brasil, o tabagismo vem concentrando-se cada vez mais em
populações mais pobres e de menor escolaridade. Ser adicto de nicotina leva
muitos chefes de família a gastar grande parte de sua renda familiar na
compra de cigarros. A debilidade causada pelas doenças relacionadas ao
tabaco gera perda de produtividade e retira do mercado de trabalho muitos
desses chefes, o que forma um círculo vicioso difícil de conter, a menos que
os tabagistas sejam encorajados e apoiados a abandonar o consumo.
Para reverter essa situação, o Ministério da Saúde, junto ao Instituto Nacional
de Câncer, desde 1989 articula ações nacionais que visam controlar o
tabagismo, reduzindo a prevalência de fumantes e, consequentemente, a
morbimortalidade relacionada ao tabagismo no Brasil. Para isso, usa, como
estratégias, reduzir a aceitação social do ato de fumar; reduzir os estímulos
sociais e econômicos para o consumo; prevenir a iniciação no tabagismo;
proteger a população contra a exposição ambiental à fumaça de tabaco;
promover e apoiar a cessação de fumar.
Essas ações nacionais geraram modificações progressivas na legislação
brasileira, como pode ser percebido na Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996,
que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígenos e
as advertências nas embalagens desses produtos. Na Lei nº 9.782, de 26 de
janeiro de 1999, que define a Agência Nacional de Vigilância Sanitária como
o órgão responsável por registrar os produtos derivados do tabaco, por meio
de normas internas, em geral resoluções, a Anvisa regulamenta, controla e
fiscaliza a produção, comercialização e publicidade de produtos derivados do
tabaco.
Em maio de 1999, o reconhecimento de que a expansão do tabagismo
representava um problema mundial levou 192 países membros da Assembleia
Mundial de Saúde a criar o 1º tratado internacional de saúde pública sob
coordenação da Organização Mundial de Saúde: a Convenção-Quadro para o
Controle do Tabaco, da qual o Brasil é signatário desde 2005. Essa convenção
visa “proteger as gerações presentes e futuras das devastadoras consequências
sanitárias, sociais, ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela
exposição à fumaça do tabaco, proporcionando uma referência para as
medidas de controle do tabaco, a fim de reduzir de maneira contínua e
substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco”. As
principais medidas são:

Proteger a população contra a exposição à fumaça do tabaco em


ambientes fechados;
Regulamentar os conteúdos e as emissões dos produtos;
Desenvolver programas de educação e conscientização sobre os
malefícios do tabagismo;
Proibir a publicidade, promoção e o patrocínio dos produtos de tabaco;
Implementar programas de tratamento da dependência da nicotina;
Promover medidas de preços e impostos eficientes para redução do
consumo;
Eliminar o contrabando;
Restringir o acesso dos produtos para os jovens;
Promover alternativas econômicas para a produção de tabaco e proteger
o meio ambiente e a saúde do trabalhador dos riscos causados pelas
atividades de produção de tabaco.

A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco visa conter a epidemia do


tabagismo em todo o mundo. Sua ratificação pelo Brasil se deu em 2005 por
meio do Decreto Legislativo nº 1.012/2005, sua implementação nacional
ganhou o status de Política de Estado, e o cumprimento de suas medidas e
diretrizes tornou-se uma obrigação legal do governo brasileiro com a
promulgação da Convenção-Quadro pelo Presidente da República, por meio
do Decreto nº 5.658, de 2 de janeiro de 2006.
Posteriormente, ocorreram as modificações mais impactantes na legislação
dos produtos fumígenos brasileiros, como o Decreto nº 8.262, de 31 de maio
de 2014, que proibiu o fumo em quaisquer ambientes fechados, proibiu os
fumódromos, restringiu ainda mais a propaganda de cigarros e aumentou nas
embalagens os avisos sobre os riscos à saúde.
Como resultado, pode-se perceber que, entre 1989 e 2005, houve uma
redução do consumo per capita de cigarros em torno de 32%. Já a prevalência
de fumantes na população acima de 18 anos caiu de 34% em 1989 para 22%
em 2003, e para 16% em 2006.

4. Parando de fumar
O tabagismo, por muitos anos, representou um comportamento social
aceitável e amplamente difundido; só passou a ser reconhecido como doença
no final do século passado. Em 1986, surgiu o 1º relatório nos Estados Unidos
citando a nicotina como droga psicoativa. A dependência a ela, conforme
descrito, obriga o tabagista a se expor a inúmeras substâncias tóxicas,
responsáveis por 50 doenças, sendo imprescindível que todos os
consumidores dos derivados de tabaco sejam aconselhados a abandonar o
hábito. Definir o grau de dependência à nicotina é um importante elemento da
avaliação dos tabagistas que querem cessar esse hábito, e, para avaliar essa
dependência, foi desenvolvido o teste de Fagerström, constituído de 6
perguntas. Uma soma acima de 6 pontos indica que, provavelmente, o
paciente sofre de síndrome de abstinência significativa.
Além da avaliação do grau de dependência à nicotina, a motivação é uma
condição imprescindível para iniciar o tratamento. Prochaska e DiClemente
desenvolveram um modelo transteórico que explica os estágios de mudança
de comportamento pelos quais uma pessoa passa até se libertar
definitivamente do vício. Esse modelo baseia-se na premissa de que toda
mudança comportamental é um processo e que as pessoas têm diversos níveis
de motivação, de prontidão para mudar. Os estágios de mudança, quando se
inicia um tratamento com o objetivo de parar de fumar, são:

Pré-contemplação: não há intenção de parar, nem mesmo uma crítica a


respeito do conflito sobre o ato de fumar;
Contemplação: existe a conscientização de que fumar é um problema, no
entanto há uma ambivalência quanto à perspectiva de mudança;
Preparação: há o preparo para parar de fumar (quando o paciente aceita
escolher uma estratégia para a mudança de comportamento);
Ação: o paciente para de fumar, ou seja, toma a atitude que o leva a
concretizar a mudança de comportamento;
Manutenção: o paciente deve aprender estratégias para prevenir a recaída
e consolidar os ganhos obtidos durante a fase de ação. Nesse estágio,
pode ocorrer a finalização do processo de mudança ou a recaída.

Sabe-se que cerca de 80% dos fumantes desejam parar de fumar, porém
apenas 3% o conseguem sem ajuda. Destes, 85% deixam de fumar sem apoio
formal, o que aponta para o grande potencial que a abordagem rotineira do
fumante pelos profissionais de saúde pode oferecer para reduzir a prevalência
de fumantes. Assim, quando comparadas com as situações em que nenhum
aconselhamento é dado ao fumante, a abordagem mínima (<3 minutos)
aumenta a taxa de cessação de fumar em 30%, a abordagem de 3 a 10 minutos
aumenta em 60%, e a abordagem de 10 minutos de duração aumenta em mais
de 100%.

Quando o paciente está na fase de pré-contemplação, a abordagem do


profissional de saúde deve limitar-se à conscientização sobre a importância de
cessar o hábito, convidando-o a pensar sobre o assunto. Qualquer abordagem
mais agressiva, ou mesmo prescrição de fármaco, não será efetiva. Diante de
um paciente tabagista, a abordagem mínima do profissional de saúde deve
envolver as seguintes manifestações:

Já pensou em parar de fumar?


Conhece as doenças relacionadas ao cigarro? Eu posso ajudar.

Umas das estratégias mais utilizadas para promover planos de ação no auxílio
à cessação do tabagismo é a abordagem dos 5 “A”s, que consistem de 5
etapas, conforme mostrado na Tabela 3.

As ações para a cessação do tabagismo devem basear-se em uma abordagem


cognitivo-comportamental, podendo ser utilizado apoio farmacológico em
condições específicas. A terapia cognitivo-comportamental visa detectar
situações de risco que levam o indivíduo a fumar e desenvolver meios de
enfrentamento para essas situações. Estudos de meta-análise comprovam que,
qualquer que seja a duração dessa abordagem, há aumento na taxa de
abstinência. Quando se associa tratamento farmacológico a esse método,
observa-se aumento ainda maior nas taxas de cessação.
O uso de fármacos representa um recurso adicional no tratamento do
tabagismo quando a abordagem comportamental é insuficiente pela presença
de elevado grau de dependência à nicotina. A farmacoterapia está indicada,
geralmente, quando:

O paciente fuma 20 cigarros ou mais por dia;


O paciente fuma o 1º cigarro até 30 minutos após acordar e consome, no
mínimo, 10 cigarros diários;
O paciente apresenta teste de Fagerström ≥5;
O paciente tentou parar com a abordagem cognitivo-comportamental e
não conseguiu, devido a sintomas de abstinência insuportáveis;
Não existem contraindicações clínicas aos fármacos propostos.

Os fármacos com evidências de eficácia são classificados em nicotínicos e


não nicotínicos. Na Terapia de Reposição de Nicotina (TRN), a bupropiona e
a vareniclina são consideradas de 1ª linha, enquanto a nortriptilina e a
clonidina são de 2ª linha no tratamento.
A TRN visa à substituição da nicotina do cigarro por doses menores e mais
seguras, reduzindo a fissura e outros sintomas da abstinência. Todas as formas
são eficazes na cessação do tabagismo, podendo-se dobrar a taxa de cessação
em longo prazo. Como exemplo, temos o adesivo transdérmico, a goma de
mascar, a pastilha, o inalador em aerossol, o spray nasal e o comprimido
sublingual. Há 2 formas de apresentação da TRN: liberação lenta (adesivos),
que apresenta maior adesão, e liberação rápida (goma, inalador, spray nasal e
pastilha), mais efetiva no controle da fissura, porém com maior risco de
dependência. O número de cigarros fumados por dia pode orientar a dose
inicial da TRN.
O cloridrato de bupropiona é um antidepressivo de ação lenta com diversos
estudos demonstrando de forma consistente a sua efetividade no tratamento a
dependência à nicotina. As principais características da bupropiona são
demonstradas na Tabela a seguir.
O tartarato de vareniclina foi desenvolvido para ocupar os receptores
colinérgicos nicotínicos produzindo efeitos semelhantes à nicotina. Tem sido
considerado uma droga eficaz, segura e bem tolerada. O uso desse fármaco
vem sendo associado, em vários ensaios, a taxas de abstinência
significativamente maiores do que o placebo, a bupropiona e a TRN. As
principais características da vareniclina são demonstradas na Tabela a seguir.
A nortriptilina é um antidepressivo tricíclico considerado como droga de 2ª
linha no tratamento do tabagismo. Evidências sugerem que sua eficácia é
similar à obtida com TRN ou bupropiona. Promove redução dos sintomas de
abstinência, além de ação ansiolítica e efeitos colaterais anticolinérgicos. O
uso não é recomendado a pacientes com infarto agudo do miocárdio. É
contraindicado àqueles com insuficiência hepática, epilepsia, psicose e
mulheres em amamentação. A clonidina é um agonista adrenérgico de ação
central usado principalmente como anti-hipertensivo, agindo também no
controle de sintomas de abstinência da dependência nicotínica. Algumas
meta-análises demonstram que o seu uso pode aumentar a chance de cessação
em até 2 vezes comparada ao placebo. No entanto, seu uso é limitado devido
a seus importantes efeitos colaterais, dentre eles boca seca, sedação,
sonolência, hipotensão ortostática, depressão, constipação e distúrbios do
sono.
O cigarro eletrônico, que tem sido proposto como método alternativo para
auxiliar na cessação do tabagismo, está sendo proibido por uma série de
agências regulatórias internacionais e também pela Anvisa, em razão da
presença de nicotina e substâncias cancerígenas.
Instituído o tratamento, o paciente deve manter acompanhamento regular e
multidisciplinar com equipe de saúde. O objetivo é mantê-lo motivado na
cessação do tabagismo e orientá-lo quanto a estratégias para diminuir os
sintomas desagradáveis da abstinência, prevenindo as recaídas.
É de extrema importância que o profissional antecipe as situações de risco no
processo de cessação de cada paciente, como as barreiras comportamentais e
os sintomas da síndrome de abstinência à nicotina e fissura.
Aqueles pacientes em que o principal complicador é a associação de hábitos
(por exemplo, aqueles que fumam depois de refeições, ou quando ingerem
bebidas alcoólicas, ou na folga do trabalho, ou ainda quando chegam em casa
à noite para relaxar da rotina estressante do trabalho) podem ser os mais
difíceis de se conseguir convencer. Muitos minimizam essas associações e
não se mostram de fato empenhados em modificar hábitos da vida diária pelo
benefício de parar de fumar. Nesses casos, a antecipação e o reforço positivo
são fundamentais no sucesso da terapia. Metodologias de seguimento que não
alterem muito as atividades da vida pessoal e do trabalho também podem se
mostrar mais eficazes no aumento da aderência do paciente às consultas de
seguimento. A telemedicina com apoio médico e psicológico tem-se mostrado
um método promissor no aumento das taxas de abstinência.
Os sintomas de fissura surgem logo nas primeiras 24 a 48 horas e não se
devem à abstinência química da nicotina. Os principais são irritabilidade e
vontade enorme e inexplicável de fumar. Habitualmente, apresentam duração
curta, e a melhor maneira de se evitar a recaída, nesses casos, é não ter
cigarros próximos. A síndrome de abstinência manifesta-se a partir do 4º ou 5º
dia após a cessação total do tabagismo e caracteriza-se por sintomas físicos de
taquicardia, sudorese, dispneia, agitação psicomotora e insônia. O principal
método para sua prevenção é a identificação adequada da necessidade de
farmacoterapia para cada paciente, seja com agentes nicotínicos ou não
nicotínicos. Sua duração costuma ser de 2 semanas, podendo, em alguns
pacientes, estender-se até 4 semanas. Após esse período, não há nenhuma
evidência de que a síndrome de abstinência à nicotina possa contribuir para o
retorno do hábito de fumar.
Por fim, existem algumas situações especiais nas quais os pacientes tabagistas
devem receber atenção diferenciada no auxílio cognitivo-comportamental e
medicamentoso, conforme descrito na Tabela a seguir.

Tema frequente de prova


Vale a pena observar as situações de precaução clássica quanto aos
fármacos utilizados na cessação do tabagismo, que são: reposição de
nicotina (IAM recente e arritmias graves), bupropiona (antecedente de
epilepsia) e vareniclina (depressão com ideação suicida e gestantes).

Resumo
O tabagismo é uma pandemia e um grave problema de saúde pública;
Existem quase 50 doenças relacionadas diretamente ao hábito de fumar;
Há dados que sugerem que algumas doenças são menos frequentes
dentre os tabagistas: sarcoidose, pneumonite actínica, retocolite
ulcerativa e pneumonite de hipersensibilidade; se ocorrerem em um
tabagista, no entanto, o prognóstico será bem pior;
É fundamental reconhecer o grau de dependência à nicotina e o estágio
de cessação do tabagismo;
Os estágios de mudança quando os pacientes iniciam um tratamento para
cessar de fumar são: pré-contemplação (não há intenção de parar, nem
mesmo uma crítica a respeito do conflito sobre o comportamento);
contemplação (há a conscientização de que fumar é um problema, no
entanto há também uma ambivalência quanto à perspectiva de mudança);
preparação (o paciente prepara-se para parar de fumar e aceita escolher
uma estratégia para realizar a mudança de comportamento); ação (o
paciente para de fumar; toma a atitude que o leva a concretizar a
mudança de comportamento); manutenção (o paciente deve aprender
estratégias para prevenir a recaída e consolidar os ganhos obtidos
durante a fase de ação. Nesse estágio, pode ocorrer a finalização do
processo de mudança ou a recaída);
A abordagem mínima do profissional de saúde já é capaz de aumentar a
chance de o paciente parar de fumar;
A abordagem terapêutica envolve terapia cognitivo-comportamental e
farmacoterapia. Os principais fármacos são vareniclina, nicotina e
bupropiona.
Bronquiectasias
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Introdução e fisiopatologia
Bronquiectasias representam dilatações anormais e irreversíveis das paredes
brônquicas. Muitas das manifestações são semelhantes às da doença pulmonar
obstrutiva crônica, incluindo obstrução do fluxo aéreo e inflamação das vias
aéreas. Historicamente, já era descrito no século XIX, por Laennec, um
quadro semelhante, no entanto, apenas em 1922, por meio da broncografia,
Sicard demonstrou, pela 1ª vez, imagens compatíveis com bronquiectasias.

Os aspectos cilíndrico, cístico e varicoso são as formas vistas na tomografia


de cortes finos. As áreas afetadas mostram graus variados de inflamação
transmural, edema de mucosa (bronquiectasias cilíndricas), ulceração e
depressão com neovascularização de arteríolas brônquicas (bronquiectasias
císticas) e distorção da arquitetura brônquica devido à obstrução e/ou infecção
(bronquiectasias varicosas). A obstrução brônquica pode levar a infecções
distais, criando um ciclo de destruição parenquimatosa.
Em geral, a indução de bronquiectasias requer 2 condições: insulto infeccioso
e clearance inadequado de secreções de vias aéreas (por obstrução,
anormalidade da viscosidade do muco ou deficiência ciliar).
Figura 1 - Broncografia que evidencia vias aéreas dilatadas e espessadas, especialmente as inferiores

Nas bronquiectasias, algumas áreas da parede brônquica são destruídas e


apresentam inflamação crônica. Os cílios são destruídos ou lesados, e a
produção de muco aumenta. Os pacientes podem apresentar-se de 2 formas,
sendo a primeira um processo local ou focal obstrutivo, afetando um
segmento ou um lobo pulmonar, e a segunda, um processo difuso com
envolvimento da maior parte de ambos os pulmões.

Figura 2 - Brônquio normal versus bronquiectasia


Dica
Convém lembrar que, para que ocorram bronquiectasias, há a necessidade
de um insulto infeccioso e clearance inadequado de secreções de vias
aéreas (por obstrução, anormalidade da viscosidade do muco ou deficiência
ciliar). Pacientes com bronquiectasias em questões de provas via de regra
terão o dado clínico de infecção pulmonar recorrente.

2. Etiologia
Nos países desenvolvidos, as principais causas de bronquiectasias são as
doenças genéticas, com especial citação à fibrose cística, e, em menor
frequência, a discinesia ciliar primária e a deficiência de alfa-1-antitripsina.
Vale ressaltar que a fibrose cística é a doença de transmissão genética que
apresenta maior número de óbitos, e isoladamente é a 3ª maior indicação de
transplante de pulmão, segundo os dados do informe anual da International
Society for Heart and Lung Transplantation. No Brasil, assim como nos
países da África subsaariana e sudeste asiático, acredita-se que mais de 60%
dos casos ocorram por infecção, independentemente da etiologia. No Brasil,
entretanto, é provável que a principal causa de bronquiectasias seja a
tuberculose. Um estudo realizado no Ambulatório de Bronquiectasias da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) avaliou 314 pacientes com
diagnóstico de bronquiectasias, identificando tuberculose como etiologia em
42,7% dos casos. Contudo, em pelo menos um terço dos casos, o diagnóstico
etiológico não é realizado. A Tabela 3 relaciona as principais causas de
bronquiectasias.
Tema frequente de prova
As causas das bronquiectasias são o tema mais prevalente do assunto em
provas de concursos médicos.
A - Obstrução das vias aéreas
Síndromes aspirativas com evolução para bronquiectasias são mais comuns
em segmentos inferiores do pulmão direito ou posteriores dos lobos
superiores, também à direita. Um corpo estranho predispõe a infecções
distais, promovendo um círculo vicioso. Deve-se sempre suspeitar de um
corpo estranho, uma vez que a sua remoção pode eliminar um componente
importante na perpetuação das bronquiectasias. Também se deve suspeitar de
obstrução das vias aéreas, sobretudo nos casos de doença localizada.

B - Síndromes de imunodeficiência
Pacientes com hipogamaglobulinemia podem apresentar quadros de sinusites
e pneumonias de repetição na infância. A deficiência de imunoglobulinas é
uma causa tratável de bronquiectasias, haja vista que se dispõe de
imunoglobulina humana. Os pacientes podem apresentar apenas deficiência
de IgA, de subclasses de IgG3 ou uma deficiência global, como na
imunodeficiência comum variada. Esses pacientes devem ser vacinados para
H. influenzae e pneumococo, e, naqueles com múltiplas infecções e
deterioração da função pulmonar, a reposição de gamaglobulina poderá ser
indicada.

C - Fibrose cística

A fibrose cística inicia-se na infância, com sinusites e pneumonias de


repetição, levando a extensas bronquiectasias. Deve-se suspeitar da doença na
presença de alteração desproporcional dos lobos superiores e culturas de
escarro contendo P. aeruginosa ou S. aureus. Alguns podem apresentar o
quadro quando adultos, sem manifestações de insuficiência pancreática
exócrina e infecções respiratórias de repetição. O diagnóstico é feito por meio
da dosagem de cloro no suor, com níveis repetidamente >60mmol/L, ou
associados a dados clínicos robustos, sendo sugestivos de fibrose cística.
Devido à heterogeneidade genética e clínica da doença, atualmente todo
paciente criança ou adulto com bronquiectasias difusas deve ser submetido a
teste de pesquisa de mutação genética, sendo o alelo DeltaF 508 o mais
frequentemente encontrado.

D - Doenças reumáticas autoimunes

Artrite reumatoide e síndrome de Sjögren são as doenças reumatológicas


sistêmicas que mais comumente podem evoluir com bronquiectasias, sendo
que, muitas vezes, o diagnóstico da doença pulmonar precede o da doença
sistêmica. Estudos com tomografia de alta resolução demonstram
bronquiectasias em até 30% desses pacientes. As bronquiectasias costumam
ser cilíndricas, e as manifestações supurativas habitualmente não tão
exuberantes quanto em outras doenças, como a fibrose cística. Além disso, há
aumento da taxa de mortalidade associada a infecções respiratórias. O
aumento da incidência também acontece no lúpus eritematoso sistêmico e na
síndrome de Marfan, além das doenças inflamatórias intestinais.

E - Discinesia ciliar
Embora a descrição original da síndrome dos cílios imóveis tenha incluído a
presença de alteração do espermatozoide, acometimento do trato respiratório
(bronquiectasias, sinusopatias) e dextrocardia (denominada de síndrome de
Kartagener), os pacientes podem ter apenas alterações de motilidade dos
cílios prejudicando o clearance mucociliar, infecções respiratórias de
repetição e bronquiectasias. A herança dessas doenças é autossômica
recessiva, com frequência de 1 a 15 a cada 30.000 nascimentos.

F - Infecções pulmonares
Infecções respiratórias baixas podem evoluir com bronquiectasias, devido à
destruição do parênquima pulmonar, com acúmulo importante de secreção e
atividade ciliar comprometida.
No Brasil, a importância da tuberculose como causa de bronquiectasias é
maior do que em países desenvolvidos, devido às altas taxas de infecção que
ainda existem aqui com o bacilo. A tuberculose destrói o parênquima
pulmonar e a arquitetura normal, formando cavernas e predispondo a
infecções bacterianas de repetição.
Pacientes com AIDS podem ter sinusites e pneumonias de repetição,
evoluindo com bronquiectasias, um achado que ilustra bem a interação da
imunodeficiência e as infecções de repetição. Adenovírus, vírus influenza,
anaeróbios, S. aureus e Klebsiella são causas adicionais de bronquiectasias.
Ainda são descritas em mulheres com mais de 60 anos infecções com
complexo Mycobacterium avium. A pista para o diagnóstico é de tosse
crônica com envolvimento principal do lobo médio.

G - Aspergilose broncopulmonar alérgica


A aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA) representa situação clínica
em que o fungo do gênero Aspergillus se comporta como um alérgeno
(diferindo do aspergiloma ou “bola fúngica”, em que é um mero colonizante
do parênquima pulmonar, e da aspergilose invasiva, em que se comporta
como um verdadeiro agente infeccioso, promovendo infecção grave em
imunossuprimidos – Tabela 7), em pacientes com doença estrutural do
pulmão, principalmente asma e fibrose cística.
A aspergilose, nesses indivíduos, representa uma resposta imunológica
excessiva ao fungo com destruição de vias aéreas, tanto pela produção de
micotoxinas quanto pela resposta imunológica exacerbada. Uma característica
interessante da ABPA é que as bronquiectasias tendem a ser centrais.
Suspeita-se da ABPA em casos de asma de difícil controle ou de pacientes
com fibrose cística com supuração muito evidente e arresponsiva a medidas
habituais, com necessidade frequente de corticosteroides orais, excluídos
outros motivos para o descontrole. Indivíduos com asma ou fibrose cística,
com 1 dos seguintes critérios, devem ser testados para ABPA: infiltrados
recorrentes ou bronquiectasias centrais; refratariedade ao tratamento; prick
test positivo para Aspergillus; Aspergillus em cultura de escarro ou eosinofilia
periférica (>1.000/mm3). A confirmação é feita com a dosagem de IgE sérica
total e IgE ou IgG específicas – quando elevadas, é confirmado o diagnóstico.
É importante ressaltar que, apesar de fazer parte dos critérios diagnósticos,
muito raramente se identifica o fungo nos cultivos de secreções, mesmo
quando realizado exame de lavado broncoalveolar. Por isso, os testes de
sensibilidade (cutâneos, precipitinas séricas ou IgE específica) são mais úteis
para conclusão do diagnóstico.
O tratamento é feito com corticosteroides por via oral, por tempo prolongado
(prednisona 0,5 a 1mg/kg/d). Antifúngicos não são muito efetivos, sendo
indicados em casos selecionados, como agentes poupadores de
corticosteroides.

3. Quadro clínico
Os pacientes costumam referir quadros crônicos de tosse com expectoração
frequente, com o uso prévio de vários antibióticos. Dispneia, sibilância e
hemoptise são outras queixas comuns. Classicamente, as bronquiectasias
localizadas nos segmentos superiores (mais características da tuberculose) são
descritas como “secas”, pela tendência a supuração menos evidente do que as
demais, já que a drenagem gravitacional é favorecida naturalmente;
entretanto, são as mais associadas aos sangramentos. Algumas vezes, os
pacientes procuram assistência médica por hemoptise maciça, que pode ser
fatal.

Quadro clínico
Deve-se suspeitar de bronquiectasias quando o paciente apresenta quadros
de tosse crônica com expectoração, uso de medicação antibiótica sem
sucesso, dispneia, sibilos ou mesmo hemoptise.

4. Exames diagnósticos

A - Exames de imagem

a) Radiografia de tórax

Anormal na maioria dos pacientes, dificilmente é capaz de firmar o


diagnóstico, além de não mostrar a verdadeira extensão da doença (Figura 3).
Figura 3 - Radiografia posteroanterior mostrando opacidades heterogêneas nos terços inferiores de
ambos os pulmões

b) Tomografia de alta resolução (cortes finos)

Além de confirmar com precisão a presença de bronquiectasias, a tomografia


permite avaliar a sua extensão. O achado clássico é o de “anel de sinete”, que
caracteriza o maior diâmetro do brônquio em relação ao vaso adjacente. O
exame ideal apresenta cortes de 1 a 1,5mm a cada 10mm em estudo não
contrastado. Os principais achados são dilatação de vias aéreas, constrições
varicosas, espessamento da parede brônquica e formação de cilindros nas vias
aéreas distais.

Diagnóstico
O diagnóstico é feito com base na história clínica associada sempre à
tomografia computadorizada de tórax. O sinal do “anel de sinete” costuma
ser citado com frequência em questões de prova, remetendo ao diagnóstico
de bronquiectasias.

Em casos de bronquiectasia mais destrutiva, podem-se verificar cistos nas


paredes brônquicas, além de bolhas de enfisema. A tomografia helicoidal
pode oferecer informações adicionais, pois reduz a possibilidade de artefatos.

Figura 4 - Tomografia de tórax em janela de parênquima, caracterizando, com detalhes,


bronquiectasias bilateralmente
Figura 5 - Tomografia de alta resolução em janela de parênquima, em paciente com diagnóstico de
aspergilose broncopulmonar alérgica, mostrando bronquiectasias centrais com imagem “em anel de
sinete” (seta)

B - Identificação da etiologia

Nem sempre é possível documentar a causa das bronquiectasias; história


clínica pessoal e familiar, além de testes específicos ou mesmo genéricos
podem ser úteis (Tabela 5). A tomografia de tórax, por exemplo, conforme o
local de acometimento, pode sugerir uma etiologia em detrimento de outra.
C - Avaliação da repercussão pulmonar da doença

Os testes de função pulmonar permitem uma avaliação do comprometimento


pulmonar global. Os achados mais frequentes são redução do Volume
Expiratório Forçado no 1º segundo (VEF1), da Capacidade Vital Forçada
(CVF) e da relação VEF1/CVF, portanto um quadro de distúrbio obstrutivo,
em que se pode observar hiper-responsividade brônquica em cerca de 40%
dos pacientes. Em doença mais avançada, pode haver redução considerável da
CVF.

5. Tratamento clínico

A - Exacerbação aguda
O diagnóstico da exacerbação aguda baseia-se em critérios clínicos. Em geral,
uma nova infecção bacteriana é responsável por maior produção de escarro,
aumento da purulência, dispneia com ou sem queixas sistêmicas (anorexia,
adinamia, febre ou calafrios). Deve-se acrescentar que a definição de
exacerbação aguda nesses pacientes é mais difícil do que naqueles com
doença pulmonar obstrutiva crônica, pois o escarro dos portadores de
bronquiectasias pode ser cronicamente purulento. Existem alguns critérios
propostos para auxiliar no diagnóstico de exacerbação; um dos mais
utilizados é mostrado na Tabela 6.

Nas fases iniciais da doença, os agentes etiológicos mais comuns são S.


pneumoniae e H. influenzae. Em fases posteriores, já com crises repetidas, os
germes mais relacionados são S. aureus e P. aeruginosa. Na prática, o
tratamento depende da fase da doença e do quadro geral.
Em pacientes estáveis e com relato de poucas exacerbações, o uso de
macrolídeos ou quinolona respiratória (levofloxacino ou moxifloxacino) pode
ser considerado por 7 a 10 dias. Em pacientes com doença mais avançada,
mas com exacerbação leve, sem necessidade de internação, evita-se o uso de
macrolídeo, com preferência por uma quinolona – ciprofloxacino também
pode ser utilizado –, por tempo mais prolongado, de 14 a 21 dias. Nos casos
de exacerbações graves, no entanto, o tratamento deve ser feito com
antibiótico intravenoso, preferencialmente com atividade anti-Pseudomonas:
piperacilina-tazobactam, cefepima ou carbapenêmico. Nesses casos, é sempre
importante solicitar estudo microbacteriológico do escarro.
O uso de corticoide sistêmico é discutível, mas tem sido recomendado nos
casos em que há algum indício de hiper-reatividade brônquica, como sibilos
recorrentes. Quando ofertado, é feito geralmente na dose de 0,5mg/kg/d de
prednisona ou equivalente, por 7 a 10 dias.

B - Terapia crônica preventiva

Pacientes com exacerbações infecciosas frequentes são candidatos a


antimicrobianos por tempo prolongado. A ideia não é especificamente
promover a esterilização das vias aéreas; aparentemente, há efeito
imunomodulador local, que regula a atividade inflamatória e melhora a
depuração mucociliar.
As estratégias mais estudadas na literatura foram o uso de quinolonas por 7
dias consecutivos mensalmente ou de macrolídeos (azitromicina
principalmente), 250mg, 3x/sem, pelo período de 6 a 12 meses. Ainda que
cercados de temores de aumento de resistência bacteriana, ambos os
esquemas mostraram-se efetivos em controlar a recorrência de exacerbações.

Dica
A abordagem da terapia crônica envolve azitromicina por 3 a 6 meses, na
dose diária de 250mg, 3x/sem, em pacientes com mais de 2 exacerbações
ao ano.

C - Higiene brônquica

As bronquiectasias são o protótipo da doença hipersecretora, por isso técnicas


de higiene brônquica podem ser úteis no manejo crônico. Algumas formas são
relatadas a seguir.
a) Hidratação e nebulização

Recomenda-se manter o paciente bem hidratado, ainda que inexista uma


evidência clara de que a medida melhore o clearance de secreções.
Nebulizações com solução salina hipertônica e agentes mucolíticos não
parecem ter benefício expressivo, salvo o uso da alfadornase em indivíduos
com fibrose cística, que já se mostrou útil em reduzir as taxas de internação.

b) Fisioterapia

Sempre houve grande entusiasmo com as técnicas de mobilização de secreção


das vias aéreas (tapotagem), embora meta-análises publicadas não tenham
mostrado benefício clínico. Alguns autores recomendam fisioterapia
respiratória 3 a 4x/d.

D - Broncodilatadores
Os broncodilatadores podem ser úteis em alguns pacientes com
bronquiectasias, pela presença de hiper-reatividade brônquica. Não existe
recomendação universal para seu uso, no entanto, na prática, avalia-se a
resposta individual ao uso de broncodilatadores. Se houver percepção de
melhora (subjetiva), o fármaco deverá ser mantido – broncodilatador de ação
curta ou prolongada. Da mesma forma, os que apresentem resposta
significativa ao broncodilatador na espirometria devem utilizar,
rotineiramente, broncodilatadores.

E - Corticosteroides
Figura 6 - Corticosteroides utilizados nas bronquiectasias

Recentemente, o interesse no uso crônico de corticosteroides inalatórios em


bronquiectasias graves aumentou. Estudos preliminares têm mostrado
melhora na função pulmonar e na redução da produção de escarro. Alguns
autores sugerem que sejam usados, de preferência, em comparação com o uso
sistêmico.
Figura 7 - Tomografia de tórax: massa no interior da cavidade pulmonar à esquerda – aspergiloma;
à direita, opacidade que corresponde a artefato, sem significado patológico algum
Figura 8 - Tomografia de tórax: consolidações “em vidro fosco” de permeio – sinal “do halo” – em
paciente com diagnóstico de aspergilose invasiva

F - Outros tratamentos

O tratamento de condições conhecidas deve ser sempre realizado (por


exemplo: imunoglobulinas nas imunodeficiências humorais; inalação com
desoxirribonuclease humana recombinante – rh-DNAse – na fibrose cística
etc.).
Várias complicações são possíveis entre pacientes com bronquiectasias, como
amiloidose secundária, broncoespasmo, hipoxemia com necessidade de
oxigênio domiciliar e cor pulmonale (alteração na estrutura e na função do
ventrículo direito decorrente de distúrbio do sistema respiratório).
Entretanto, a hemoptise é a maior característica das bronquiectasias. Em razão
da neovascularização (com circuito arterial), os pacientes podem ter
hemoptises volumosas, eventualmente ameaçadoras à vida. O tratamento
consiste em suportes hemodinâmico e respiratório (intubação, se necessário) e
em tratamento específico para o sangramento. A tomografia de cortes finos e
a broncoscopia podem localizar o segmento ou o lobo sangrante e ajudar a
guiar uma eventual lobectomia. Porém, o melhor tratamento consiste na
embolização por meio da canulação de artérias brônquicas (radiologia
intervencionista).

G - Prevenção
Aconselhamento genético e planejamento familiar são fundamentais na
prevenção de novos casos de Fibrose Cística e doenças dos cílios imóveis,
embora estas últimas com frequência acometam indivíduos inférteis.
Em relação às bronquiectasias pós-infecciosas (tuberculose, sarampo, fungos,
vírus respiratórios e bactérias), sem dúvida a prevenção passa por medidas de
saúde pública, saneamento básico e condições de moradia adequada, fato
facilmente demonstrado pela sua baixa ocorrência em países desenvolvidos. A
vacinação, conforme o calendário atual do Ministério da Saúde, contempla
causas preveníveis, como o sarampo e as infecções por bactérias, como
Haemophilus influenzae e pneumococos. Em relação à tuberculose, sabemos
que a vacinação na infância é eficaz para prevenção de casos graves de
tuberculose miliar e meníngea, porém não parece reduzir tão drasticamente a
incidência da tuberculose pulmonar em países endêmicos como o Brasil,
sendo, portanto, muito mais um esforço global de saúde pública e melhoria de
condições sociais do que um ato único de prevenção por vacina. O
diagnóstico precoce e o tratamento adequado dos casos diagnosticados de
tuberculose talvez hoje sejam a principal medida clínica de prevenção para
evolução de bronquiectasias, após o diagnóstico da doença. Aqueles pacientes
com diagnóstico de deficiências imunológicas, antes do desenvolvimento de
doença pulmonar manifesta, podem ser adequadamente tratados de modo
preventivo, com administração periódica de concentrados de imunoglobulinas
policlonais.

6. Tratamento cirúrgico e transplante


O tratamento cirúrgico está indicado aos casos de doença localizada, sem
melhora clínica com o tratamento convencional ou com hemoptises
recorrentes ou maciças. É fundamental que o paciente ainda tenha boa reserva
funcional, com boas condições clínicas para realizar a cirurgia.
Por outro lado, o transplante de pulmão é indicado àqueles com
bronquiectasias extensas e graves, com repercussões funcionais e na
qualidade de vida significativas. Realizado por essa indicação, o transplante
deve ser sempre bilateral.
As indicações devem ser sempre individualizadas e decididas por um
especialista, consideradas e analisadas para os pacientes nos quais há falha do
tratamento clínico, o qual não deve ser interrompido mesmo nessas situações.

Resumo
Bronquiectasias são uma desordem adquirida dos brônquios maiores e
dos bronquíolos caracterizada por dilatação anormal dessas estruturas,
com caráter irreversível. Muitas das manifestações são semelhantes às da
doença pulmonar obstrutiva crônica, incluindo obstrução do fluxo aéreo
e inflamação das vias aéreas.
Nas bronquiectasias, algumas áreas da parede brônquica são destruídas e
apresentam inflamação crônica. Os cílios são destruídos ou lesados, e a
produção de muco aumenta.
Infecções de repetição são a principal causa de bronquiectasias em todo
o mundo; no Brasil, estima-se que a tuberculose seja uma das principais
etiologias. Outras etiologias comuns principalmente nos países
desenvolvidos são a discinesia ciliar (quando associada a situs inversus,
que caracteriza a síndrome de Kartagener) e a fibrose cística;
A tomografia de tórax com cortes finos é o método diagnóstico de
escolha para a avaliação desses pacientes;
A prova de função pulmonar pode ser utilizada para avaliar o
comprometimento funcional e, usualmente, mostra distúrbio obstrutivo;
Exacerbações são frequentemente causadas por infecções bacterianas,
que são difíceis de serem identificadas. A colonização por Pseudomonas
aeruginosa é um importante fator de mau prognóstico;
Os pacientes com exacerbação infecciosa aguda devem receber
antibioticoterapia por 7 a 10 dias, preferencialmente betalactâmicos ou
quinolonas, ou conforme o perfil de sensibilidade do germe, sendo que
os cultivos de escarro para identificação de colonização devem sempre
ser realizados nestes pacientes;
Existem várias estratégias para a prevenção de infecção, mas seus efeitos
em longo prazo permanecem incertos;
O tratamento cirúrgico pode ser considerado a pacientes específicos,
quando há falha no tratamento clínico;
A pacientes com bronquiectasias difusas, com comprometimento
funcional importante, o transplante pulmonar pode ser indicado, devendo
ser sempre bilateral.
Derrame pleural
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Etiologias e definições
O derrame pleural é definido como o acúmulo anormal de líquido no espaço
pleural. Normalmente, existe de 0,1 a 0,2mL/kg de líquido entre as pleuras
visceral e parietal, com produção e reabsorção contínuas, de forma que
qualquer doença que modifique essa dinâmica pode promover a formação de
derrame pleural. Inúmeras doenças, sistêmicas ou restritas ao aparelho
respiratório, podem ter esse derrame como manifestação clínica.

Não se dispõe de estatísticas nacionais, mas dados dos Estados Unidos


estimam a ocorrência de cerca de 1,5 milhão de casos por ano, sendo as
etiologias mais frequentes a insuficiência cardíaca congestiva, o derrame
parapneumônico e o derrame neoplásico (Tabela 3). Entretanto, é importante
lembrar que nos países subdesenvolvidos, especialmente o Brasil, existe uma
incidência considerável de tuberculose pleural, o que não é valorizado pelos
dados norte-americanos, não sendo possível adaptar esses números à nossa
realidade.
Em uma visão simplista, a principal diferenciação entre os tipos de derrame
pleural é feita avaliando o grau de inflamação do fluido, classificando-os
como transudatos (pouca inflamação) ou exsudatos. A Tabela 4 lista as causas
mais relevantes de transudatos e exsudatos.
Figura 1 - Derrame pleural moderado à esquerda: observar o aspecto “em parábola” da opacidade
no pulmão esquerdo, característico da doença
Tema frequente de prova
As doenças relacionadas aos derrames transudatos e exsudatos são bastante
recorrentes nas provas de concursos médicos. Uma regra fácil para sua
diferenciação é que os transudatos decorrem de alguma doença sistêmica
que se manifesta com acúmulo de líquido no tórax, enquanto os exsudatos
são causados por uma doença que está acontecendo ativamente na pleura.

2. Quadro clínico e exames radiológicos


O quadro clínico dependerá da doença de base e do volume do derrame
pleural. Assim, cada morbidade que se associa ao derrame pleural apresenta
tanto dados clínicos inerentes ao seu processo patológico (edema periférico e
dispneia paroxística noturna na insuficiência cardíaca, por exemplo) quanto
relativos à presença de líquido no espaço pleural, gerando compressão do
parênquima pulmonar adjacente.
A presença de derrame pleural gera sintomas como dispneia aos esforços e
tosse (seca ou produtiva). Em casos de derrames volumosos, pode ser referida
pelo paciente a piora da dispneia conforme o decúbito lateral que adote, o que
caracteriza a trepopneia. Dor torácica pode estar presente por inflamação
pleural (incomum nos transudatos) e, habitualmente, é bem localizada,
piorando com a inspiração profunda – dor tipo pleurítica.
Achados ao exame físico são redução da expansibilidade, macicez à
percussão torácica, frêmito toracovocal diminuído ou abolido e redução do
murmúrio vesicular. Destes, o achado mais precoce é a macicez à percussão.
A principal confusão diagnóstica ao exame físico deve-se à presença de
atelectasia. Existem 2 sinais clínicos que, quando presentes, ajudam a
diferenciar derrame de atelectasia pelo exame físico: sinal de Signorelli
(macicez à percussão da coluna torácica, característica de derrames pleurais) e
sinal de Lemos Torres (abaulamento do espaço intercostal à expiração).
Os exames de imagem são fundamentais para o diagnóstico. O exame mais
simples e prático é a radiografia de tórax. Porém, para identificar a presença
de líquido, é necessário acúmulo não desprezível: mínimo de 250 a 500mL de
líquido na radiografia em posteroanterior e de 75 a 100mL no perfil.

Quadro clínico
O quadro clínico envolve sintomas como dispneia aos esforços e tosse
(seca ou produtiva), bem como trepopneia (piora da dispneia com decúbito
lateral) e dor pleurítica (piora com a inspiração profunda). Ao exame
físico, observam-se redução da expansibilidade, macicez à percussão
torácica (mais precoce), frêmito toracovocal diminuído ou abolido e
redução do murmúrio vesicular.

O aspecto clássico do derrame pleural é de opacidade homogênea nos


segmentos inferiores, com conformação “em parábola”, ou curva de
Damoiseau, o que caracteriza líquido livre na cavidade pleural (Figura 3). Em
situações duvidosas, pode-se solicitar raios X em decúbito lateral ipsilateral
ao derrame, com raios horizontais (incidência de Hjelm-Laurell), em que se
espera que o líquido mude de conformação com a mudança de decúbito
(Figura 3).
Figura 2 - Derrame subpulmonar à direita: aparente elevação da hemicúpula, mas com conformação
atípica, com a maior angulação situada mais lateralmente
Figura 3 - Radiografia de tórax em decúbito lateral esquerdo com raios horizontais, mostrando
líquido livre na cavidade pleural

Há uma situação especial de derrame pleural livre: o derrame subpulmonar,


que se caracteriza por acúmulo de líquido abaixo do pulmão, gerando um
aspecto semelhante à elevação da hemicúpula, sem velamento do seio
costofrênico ou conformação “em parábola”.
A principal característica que ajuda a suspeitar de derrame pleural é a
conformação da curvatura da cúpula diafragmática. Em situações normais, a
curvatura da cúpula é mais acentuada medialmente; no derrame subpulmonar,
ocorre mais lateralmente (Figura 2). Para confirmar o diagnóstico, basta
solicitar a radiografia em decúbito lateral com raios horizontais, em que será
observada a mudança de conformação do líquido.
Eventualmente, o líquido pode não estar livre na cavidade pleural, recebendo
a denominação de derrame pleural loculado. A confirmação diagnóstica,
usualmente, depende de outros métodos de imagem, já que o exame em
decúbito lateral não modifica a conformação desse tipo de derrame (Figura 4).
Figura 4 - Derrame pleural loculado à direita

Exames mais sofisticados, como ultrassonografia ou tomografia de tórax,


podem ser úteis em casos duvidosos ou para a avaliação adicional de massas,
pneumopatias, mediastino ou loculação do derrame.

3. Indicações de toracocentese
A toracocentese pode ser diagnóstica ou de alívio. Na Figura 5, seguem as
recomendações universais para realização de toracocentese.
Figura 5 - Indicações de toracocentese

Independentemente da modalidade, deve ser reservado um local limpo e


destinado para pequenos procedimentos, exceto em situações emergenciais. O
local da punção deve ser delimitado por meio do exame físico, com percussão
e ausculta da voz, e confirmado com uma radiografia de tórax. Em pacientes
com suspeita de derrame pleural loculado, pode ser necessária a realização do
procedimento guiado por ultrassonografia de tórax.
A técnica de punção deve sempre ser com a agulha em posição perpendicular
à pele e tangenciando a borda superior do arco costal inferior, de modo a
evitar punção acidental do feixe vasculonervoso, que percorre a margem
inferior de cada uma das costelas (Figura 6). Deve ser realizada limpeza
apropriada da pele com solução antisséptica, e deve ser utilizado campo
estéril; anestesia da pele e subcutâneo, assim como da pleura parietal, deve
ser feita com anestésico local antes do procedimento. Atingindo o espaço
pleural com saída de líquido, deve-se retirar a agulha e introduzir o Jelco®,
com retirada posterior do mandril, mantendo apenas o cateter plástico. Pode-
se retirar todo o líquido, mas é prudente não mais de 1.500mL por vez, pela
possibilidade de edema pulmonar de reexpansão. Para a retirada do líquido,
podem ser utilizados frascos comuns ou a vácuo, com o cuidado de garantir
débito lento.
Figura 6 - Sequência da toracocentese: (A) anestesia local; (B) punção do hemitórax; (C) drenagem
do derrame pleural

A - Ultrassonografia para guiar a toracocentese

Permanece incerto se o uso rotineiro da ultrassonografia para auxílio da


toracocentese diminui a incidência de pneumotórax. Os autores acreditam que
o fator mais importante seja a experiência do médico com o procedimento. A
ultrassonografia tem maior utilidade no derrame pleural pequeno e em casos
de dificuldade na toracocentese.

B - Radiografia após a toracocentese

Em uma série de 506 toracocenteses, apenas 18 pacientes tiveram


complicações com pneumotórax. Na ausência de tosse, dispneia, dor após
punção, saída de ar ou redução do frêmito toracovocal na parte superior do
hemitórax puncionado, menos de 1% teve pneumotórax. Por isso, não é
recomendada a realização de radiografia de tórax de rotina após uma
toracocentese, exceto na presença de sinais e sintomas já referidos.
Por outro lado, quando a toracocentese é de alívio (retirada de 1 a 1,5L), uma
radiografia após a punção pode mostrar lesão parenquimatosa subjacente,
embora seja necessária muita cautela na interpretação dos achados, uma vez
que são comuns atelectasias decorrentes de compressão extrínseca pelo
derrame.

4. Análise do líquido pleural

Dica
Derrames pleurais exsudativos geralmente são causados por doenças
pleuropulmonares (tuberculose, pneumonia, tromboembolismo pulmonar,
neoplasia pulmonar primária ou com metástase pulmonar), enquanto os
transudatos são causados por doenças sistêmicas (insuficiência cardíaca,
cirrose, síndrome nefrótica).

O objetivo principal da análise do líquido pleural é a diferenciação entre


exsudato e transudato. Há mais de 30 anos, Richard Light validou critérios
aceitos até hoje como extremamente acurados para o diagnóstico diferencial,
utilizando, basicamente, dosagem de proteínas e de desidrogenase láctica
(DHL) no líquido pleural e no sangue do paciente. Apesar das tentativas de
utilização de outro marcador diagnóstico, como colesterol, esses parâmetros
continuam a ser aqueles com melhores sensibilidade, especificidade e custo.

Tema frequente de prova


Os critérios de Light devem ser memorizados, pois sempre estão presentes
nas provas, e auxiliam na resolução de inúmeras questões.

Esses parâmetros, embora sejam bastante sensíveis para exsudato, perdem um


pouco em especificidade. A tradução disso na prática clínica é que, em
situações nas quais a suspeita seja transudato, a análise demonstra
erroneamente um líquido exsudativo. Tal problema ocorre classicamente em
pacientes com insuficiência cardíaca congestiva que receberam diurético, o
que torna o líquido um pouco mais “concentrado”, alterando as concentrações
de DHL e proteínas no fluido. A maneira de evitar essa confusão é solicitar a
dosagem de albumina, para cálculo do gradiente de albumina soro/líquido
pleural; este, quando ≥1,2, na situação citada, define transudato. É importante
ponderar que o uso isolado da albumina pode gerar equívocos diagnósticos e
não é indicado a situações diferentes da descrita.
A análise do líquido não se restringe à sua caracterização como transudativo
ou exsudativo. Deve-se buscar o diagnóstico etiológico. Para tanto, avaliam-
se as características macroscópicas, bioquímicas e bacteriológicas do líquido.

A - Características macroscópicas
A aparência e o odor do líquido pleural podem sugerir a etiologia. Dessa
forma, o aspecto inicial do líquido pleural pode ser o relatado na Tabela 7.
B - Bacterioscópico
Na suspeita de derrame exsudativo, deve-se solicitar uma bacterioscopia
(Gram) e inocular, à beira do leito, o líquido pleural em meios de cultura para
aeróbios e anaeróbios. Dependendo do caso, podem-se pedir culturas para
fungos e micobactérias; o micológico direto pode mostrar algum fungo, mas a
pesquisa de micobactérias no esfregaço tem baixíssimo rendimento, exceto na
AIDS ou no empiema tuberculoso.

C - Citologia

Mais do que a contagem absoluta de células no líquido, é importante a


avaliação diferencial.
No líquido pleural, via de regra, são encontrados mesoteliócitos, que têm
maior importância prática quando estão ausentes, o que é um estigma de
pleurite tuberculosa. A citologia oncótica pode diagnosticar um derrame
pleural neoplásico (Tabela 9). A sensibilidade é baixa, e sua ausência nunca
exclui o diagnóstico de neoplasia, mas vale ressaltar que a sensibilidade do
método está diretamente relacionada à expertise do laboratório que faz a
análise. Tem maior utilidade em derrames com predomínio de linfócitos e
monócitos. Quanto a pacientes com suspeita de derrame neoplásico e
citológico negativo, deve-se realizar uma videotoracoscopia. As principais
neoplasias associadas ao derrame pleural maligno (>75% dos casos) são, em
ordem decrescente de frequência, cânceres de pulmão e de mama e linfoma.

Na presença de derrame sanguinolento, deve-se solicitar o hematócrito do


líquido: quando >50% do hematócrito do paciente, define-se hemotórax,
sendo indicada a drenagem torácica (etiologia mais comum é trauma); quando
<1%, não tem significado; quando entre tais valores, define-se o líquido como
sero-hemorrágico (observado em neoplasias, embolia etc.).

D - Bioquímica

a) pH

Quando <7,2, é compatível com derrame parapneumônico complicado, artrite


reumatoide, ruptura esofágica, tuberculose, neoplasia ou urinotórax (este
último a única causa de transudato com pH baixo).

b) Glicose

Útil quando <60mg/dL, pode acontecer em derrame parapneumônico


complicado, neoplasia, pleurite lúpica ou reumatoide. Empiema e pleurite
reumatoide podem cursar com níveis extremamente baixos de glicose
(<20mg/dL).

c) Adenosina deaminase

Trata-se de um marcador de atividade linfocitária, com baixo custo, e


importante como auxílio diagnóstico a casos suspeitos de tuberculose pleural
em regiões com alta incidência da doença. Além da ADA, podem ser
solicitados alfainterferona ou reação em cadeia da polimerase (PCR) no
líquido pleural. Em um estudo, ADA >40UI ocorreu em 253 de 254 pacientes
(99,6%) com pleurite tuberculosa. Além disso, foi menor do que 40UI em 102
derrames linfocitários de 105 pacientes que não tinham tuberculose (97,1%).
Outras causas de ADA elevada são empiema, pleurite reumatoide,
mesotelioma e linfoma.

Dica
Convém lembrar que adenosina deaminase é sugestiva de tuberculose
pleural, porém o marcador não é patognomônico.

d) Amilase

A principal causa de sua elevação é a neoplasia. Classicamente, entretanto,


está aumentada na presença de pancreatite e ruptura esofágica.

e) Triglicérides

Quando triglicérides >110mg/dL, definem a presença de quilotórax. Se o


aspecto for leitoso, com pH normal e triglicérides <50mg/dL, com colesterol
elevado, define-se pseudoquilotórax (aspecto de derrame pleural antigo).
Quando entre 50 e 110mg/dL, deve-se solicitar a dosagem de quilomícrons,
para tentar caracterizar o quilotórax.

f) Ureia e creatinina

Seus aumentos no líquido pleural sugerem a presença de urinotórax.

g) Testes imunológicos

Fator reumatoide, fator antinuclear e células LE podem ser encontrados no


líquido pleural de pacientes com derrame associado a colagenoses.
5. Biópsia de pleura
A biópsia de pleura é indicada aos derrames exsudativos, sem etiologia
definida pela análise bioquímica ou bacteriológica. Alguns grupos realizam a
biópsia transtorácica com agulha de Cope no momento da toracocentese
inicial, na presença de estigmas clínicos de exsudato ou na compatibilidade da
aparência macroscópica do líquido. A biópsia transtorácica tem excelente
acurácia para o diagnóstico de pleurite tuberculosa, pois o envolvimento
pleural é difuso e homogêneo, mas apresenta rendimento baixo para
neoplasia, em que, frequentemente, os fragmentos retirados correspondem a
áreas de pleura parietal sem infiltração neoplásica. Assim, nos casos a que se
indica biópsia, se a transtorácica for negativa, o próximo passo será indicar
uma videopleuroscopia com biópsia dirigida.

Tema frequente de prova


Todas as características bioquímicas e citológicas do derrame pleural estão
presentes nas questões de concursos médicos.

6. Causas específicas
A - Tuberculose
A tuberculose é uma causa frequente de derrame pleural em nosso meio e
deve sempre entrar no diagnóstico diferencial de exsudatos.
Na maioria das vezes, o derrame pleural tuberculoso decorre de uma reação
de hipersensibilidade da pleura ao bacilo. Os antígenos podem entrar no
espaço pleural após ruptura de foco caseoso pulmonar na região subpleural,
por contiguidade da lesão pulmonar, por ruptura do gânglio mediastinal ou
pela via hematogênica/linfática. Por esses motivos, tem-se uma baixíssima
positividade da pesquisa de Bacilos Álcool-Ácido-Resistentes (BAARs) e da
cultura do líquido pleural (crescimento em menos de 30% dos pacientes).
Bem mais raramente pode haver ruptura de cavitação subpleural, provocando
o que se chama de empiema tuberculoso, com pesquisa de BAAR e cultura
habitualmente positivas.
Os pacientes costumam buscar auxílio médico com tosse seca (eventualmente
com secreção), febre e dispneia. Na maioria das vezes, o quadro é agudo,
simulando infecção pulmonar bacteriana. O quadro clínico pode ser arrastado
(perda de peso, sudorese noturna, febre vespertina), principalmente na
presença de envolvimento de outros órgãos na apresentação inicial.
O aspecto do líquido pleural é geralmente amarelo-citrino ou turvo, sendo
incomum a apresentação hemática. O derrame pleural é unilateral,
habitualmente de tamanho pequeno a moderado, mas podendo ocupar todo
um hemitórax.
Deve-se suspeitar de tuberculose se houver predomínio de linfócitos no
líquido pleural, mas, em pacientes com sintomas há menos de 15 dias, é
possível o predomínio de neutrófilos, caracterizando a fase aguda da
inflamação. A porcentagem de células mesoteliais é geralmente inferior a 5%
(pela inflamação difusa da pleura), e pacientes com mais de 5% dessas células
no derrame pleural tuberculoso sugerem diagnóstico alternativo. Outro dado
contrário ao diagnóstico é a presença de mais de 10% de eosinófilos no
líquido, a menos que o paciente tenha realizado múltiplas punções ou
pneumotórax.
O PPD é negativo em 1/3 dos pacientes, ao passo que o parênquima
pulmonar, à radiografia de tórax, é normal na maioria dos casos, podendo
mostrar sinais de tuberculose prévia.
Como se trata de reação de hipersensibilidade na pleura, mesmo se a
tuberculose pleural não for tratada, pode ocorrer cura espontânea, embora
50% dos pacientes acabem desenvolvendo tuberculose ativa em outro sítio
nos próximos anos.
A positividade da baciloscopia direta do líquido pleural é muito baixa: menor
do que 5% na maioria das séries. A positividade da cultura em meio de
Löwenstein-Jensen varia de 10 a 35% para o líquido pleural e de 39 a 65% em
submetidos a biópsia pleural. Além de pesquisa direta e cultura, há outras
possibilidades diagnósticas, descritas a seguir.

a) Reação em cadeia da polimerase para M. tuberculosis

Ainda apresenta grande variação na acurácia, dependendo do laboratório


estudado. A literatura relata grandes variações na sensibilidade e na
especificidade, com estudos com sensibilidade <20% e outros com >90%; em
média, a sensibilidade é de cerca de 70%. Regra geral: um teste de PCR
positivo indica tuberculose pleural com mais de 90% de especificidade.

b) Adenosina deaminase

Trata-se de uma enzima em grande quantidade em linfócitos e monócitos


ativados, sobretudo em linfócitos T-helper. É proveniente do catabolismo das
purinas, que, catalisando a conversão da adenosina em inosina e da
desoxiadenosina em desoxiinosina, é importante para a diferenciação de
linfócitos, principalmente da população T. A 1ª descrição dessa enzima para
uso diagnóstico foi feita em 1970 em pacientes com câncer de pulmão, mas só
em 1978 se descreveu o seu uso para o diagnóstico de tuberculose.
A sensibilidade e a especificidade da ADA para o diagnóstico de tuberculose
no derrame pleural dependem do cut-off usado, que varia conforme o estudo e
a metodologia usados. Atualmente, o cut-off recomendado é de 40UI/L
(sensibilidade de 91 a 100% e especificidade de 81 a 94%; valor preditivo
positivo de 84 a 93% e valor preditivo negativo de 89 a 100%). Por outro
lado, quanto maior é a prevalência da tuberculose em determinada região,
maior é o valor preditivo positivo do exame.
Níveis superiores a 60UI/L têm valor preditivo positivo ainda maior,
raramente encontrado em outras condições. Em algumas situações que não a
tuberculose, pode haver elevação da ADA no líquido pleural, especialmente
em linfomas e raramente em empiema pleural, mesotelioma e artrite
reumatoide. Em derrames pleurais exsudativos com predomínio de linfócitos
e ADA elevada, na ausência de estigmas clínicos de linfoma, empiema e
artrite reumatoide, o diagnóstico de tuberculose pleural é bastante provável e
o tratamento está indicado.

c) Gamainterferona

Semelhante à ADA, quando aumentada, sugere tuberculose pleural.


Entretanto, em nosso meio, não está facilmente disponível para uso rotineiro.
Utilizando um ponto de corte de 140pg/mL, a sensibilidade pode variar de 86
a 97%, enquanto a especificidade tem sempre valores acima de 90%. Uma
meta-análise demonstrou que, devido ao custo, a dosagem da ADA apresenta
melhor relação custo-benefício para o diagnóstico de tuberculose pleural.

d) Biópsia pleural fechada

Recomenda-se a coleta de 2 a 3 fragmentos para a realização do exame


anatomopatológico e outro para a cultura. A sensibilidade pode chegar a 60%.
Múltiplas biópsias aumentam o rendimento diagnóstico (busca de granulomas
ou cultura da pleura). A formação do granuloma requer imunidade celular
bem preservada, a qual é prejudicada na imunodepressão causada pelo HIV,
de forma que se perde a sensibilidade nesses pacientes.

e) Lisozima

Exame pouco utilizado, é uma enzima bacteriolítica decorrente,


principalmente, da decomposição dos leucócitos. Níveis elevados dessa
enzima são encontrados no líquido pleural por tuberculose e nos empiemas. O
valor da relação líquido pleural-sangue >1 pode ser utilizado no diagnóstico
diferencial com exsudatos de outras etiologias. Aumentos significativos
(>50UI/L), excluindo empiema, apresentam alta probabilidade de tuberculose.
É um exame pouco solicitado na prática diária em virtude da sua acurácia
limitada.

f) Videotoracoscopia com biópsia

Método mais sensível do que a biópsia pleural “às cegas” (sensibilidade =


95%), possibilita o diagnóstico de outras doenças com manifestações
semelhantes, como o câncer.
Eventualmente, a tuberculose pleural pode manifestar-se como o denominado
empiema tuberculoso. Representa uma forma de derrame pleural decorrente
da ruptura de um foco caseoso para o espaço pleural. O diagnóstico deve ser
realizado por meio da pesquisa e/ou da cultura de BAAR, cultura para
bactérias e/ou biópsia de pleura. A ADA pode estar elevada, >40UI/L, não
podendo, entretanto, ser utilizada como critério diagnóstico diferencial, pois
está aumentada no derrame pleural parapneumônico complicado. A citologia
demonstra grande número de neutrófilos, a glicose é baixa, o nível de DHL é
elevado, e o pH é inferior a 7,2. Diferentemente do que ocorre na tuberculose
pleural habitual, o rendimento da pesquisa de BAAR e da cultura para
tuberculose no empiema tuberculoso é alto, servindo de parâmetro para a
monitorização da efetividade do tratamento enquanto há líquido. É necessário
fazer drenagem pleural em sistema fechado. Posteriormente, pleurostomia ou
drenagem aberta (por dreno ou próteses) podem estar indicadas, e
pleuroscopia, para lise de aderências, deve ser realizada em pacientes com
espessamento pleural significativo.
O tratamento segue as orientações gerais para casos de tuberculose pulmonar
ou extrapulmonar, com esquema básico com rifampicina, isoniazida,
pirazinamida e etambutol por 2 meses, seguindo-se 4 meses com rifampicina
e isoniazida. Não há indicação de uso de corticosteroides, tampouco de
drenagem pleural (desde que não exista empiema).

Dica
Na tuberculose, o líquido pleural possui características exsudativas,
predomínio linfocitário, <5% de células mesoteliais e <10% de células
eosinófilas, cor amarelo-citrino, derrame unilateral e ADA >40. O
tratamento é similar ao da doença pulmonar (2RHZE/4RH).

Tema frequente de prova


Dentro dos diagnósticos de derrame pleural, a tuberculose pleural é uma
das mais cobradas em provas de concursos médicos.

B - Derrame pleural parapneumônico

O derrame pleural associado à infecção do trato respiratório inferior


(pneumonia, abscesso ou bronquiectasias) é chamado de parapneumônico. Na
maioria das vezes, é pequeno, sem a necessidade de intervenção específica,
remitindo com o tratamento da infecção. Entretanto, pode haver infecção da
cavidade pleural com inflamação exuberante, que pode culminar com a
formação de empiema de necessidade, situação em que há uma fístula na
parede torácica, que drena espontaneamente o líquido acumulado no espaço
pleural. O que dita esse espectro de gravidade é a fase evolutiva do derrame,
com 3 estágios observados, relacionados a seguir.

Importante
Os dados clínicos não têm acurácia suficiente para determinar o estágio da
doença pleural e, assim, a necessidade de drenagem. Dessa forma, todos os
pacientes com derrame pleural associado à infecção, que seja clinicamente
significativo, devem ser submetidos à toracocentese. O que determina o
estágio e, logo, o prognóstico e a conduta a ser tomada são as análises de
volume de líquido, a presença de loculações, o pH, a DHL, a glicose e a
presença de germes. A indicação clássica de drenagem pleural fechada se
faz no estágio de derrame fibrinopurulento, para evitar progressão para
empiema e sepse ou encarceramento pulmonar.

De forma prática, podem-se resumir as recomendações sobre a conduta diante


de um derrame parapneumônico conforme a Tabela 13. A antibioticoterapia
segue as orientações de tratamento da pneumonia e deve ser ajustada
conforme o germe isolado em culturas.
C - Derrame pleural neoplásico

O derrame pleural é uma complicação frequente entre os pacientes com


neoplasia pulmonar e uma apresentação inicial comum entre essas pessoas.
Nem sempre indica infiltração pleural e, assim, doença em estágio avançado;
são etiologias possíveis, associadas a neoplasia, hipoalbuminemia, embolia
pulmonar, pneumonia com derrame parapneumônico, insuficiência cardíaca,
obstrução de grandes vasos no mediastino e pós-radioterapia. A toracocentese
e a biópsia pleural são importantes para a definição diagnóstica.
Dentre as neoplasias, as que mais evoluem com comprometimento pleural,
em ordem decrescente de frequência, são neoplasia pulmonar, neoplasia de
mama e linfoma. O derrame pleural é de volume variável, podendo ter
velocidade de acúmulo rápida. É um exsudato, amarelo-citrino ou hemático,
com predomínio de linfócitos e níveis de glicose e pH reduzidos em cerca de
20% dos casos. Eosinofilia é incomum. Os derrames neoplásicos são a
principal causa de elevação de amilase em líquido pleural, entretanto níveis
de amilase estão elevados em apenas 10 a 20% dos casos.

Dica
O líquido pleural neoplásico tem característica exsudativa, cor amarelo-
citrino ou hemático, predomínio linfocitário e pH e glicose reduzidos (20%
dos casos). Pode apresentar, ainda, elevação da amilase em 10% dos casos.
A citologia oncótica tem baixa sensibilidade, que é um pouco maior nos casos
de adenocarcinoma; sempre deve ser solicitada, pois, se positiva, define o
diagnóstico. Quanto aos pacientes ainda sem diagnóstico de neoplasia, é
importante realizar um exame de imagem logo após a toracocentese, para
visualizar por completo o parênquima pulmonar.
Uma vez confirmado o derrame pleural maligno em paciente com carcinoma
pulmonar, está caracterizada doença avançada, com estádio, no mínimo, IIIb,
apresentando tratamento paliativo. Nesse caso, o objetivo do tratamento é a
melhora da dispneia. Os derrames pleurais malignos de pequeno volume,
minimamente sintomáticos, não progressivos e não recidivantes, podem ser
acompanhados somente com observação clínica. A toracocentese é o
procedimento de escolha para o alívio da dispneia em pacientes com
sobrevida curta (3 a 6 meses). A taxa de reacúmulo de líquido pleural, após 30
dias da toracocentese, está próxima de 100%, e deve-se evitar a retirada de
mais de 1,5L por punção devido ao risco de edema de reexpansão, embora
este não pareça comum.
Uma opção de tratamento, para pacientes em que não ocorre expansão
pulmonar após a toracocentese, é a drenagem pleural, usando cateter de fino
calibre. A pleurodese representa uma opção para o tratamento definitivo. O
uso de substâncias esclerosantes determina reação inflamatória aguda das
superfícies pleurais, que resulta em intensa fibrose e sínfise do espaço pleural.
Tal processo pressupõe aposição das pleuras visceral e parietal, mediante a
drenagem de todo o líquido acumulado e a reexpansão pulmonar. Algumas
condições são necessárias para o sucesso do procedimento: melhora clínica
com toracocentese com remoção parcial ou total do volume, natureza maligna
do derrame bem determinada e reexpansão pulmonar com a toracocentese, a
qual pode não acontecer em pacientes com obstrução brônquica,
encarceramento neoplásico do pulmão e linfangite carcinomatosa.

D - Outras causas

a) Tromboembolismo pulmonar

O tromboembolismo pulmonar (TEP) faz parte do diagnóstico diferencial de


derrames transudativos ou exsudativos. Nos Estados Unidos, 50% dos TEPs
cursam com derrame pleural (150.000 derrames/ano devido ao TEP). Em
95% dos pacientes, o derrame é unilateral; cerca de 80% são exsudatos e 20%
transudatos. O derrame tem volume pequeno a moderado e nem sempre é
hemorrágico (este ocorre quando há infarto pulmonar). Caso seja puncionado
muito precocemente, haverá predomínio de neutrófilos; logo em seguida, o
predomínio passa a ser de linfócitos. O derrame exsudativo habitualmente
ocorre por pleurite reacional à área de infarto periférica; o transudativo
associa-se a eventos com algum grau de repercussão hemodinâmica, já que
resulta de elevação significativa e rápida das pressões em câmaras direitas,
transmitidas às vênulas do espaço pleural, que têm sua drenagem prejudicada.

b) Pleurite reumatoide

Apenas 5% dos pacientes com artrite reumatoide têm derrame pleural. É mais
frequente em homens, idosos, 80% deles com nódulos subcutâneos e artrite
reumatoide de longa data. Febre, tosse e dor torácica são comuns. O derrame
costuma ser de tamanho pequeno a moderado e bilateral em 25%. Pode haver
regressão espontânea do derrame de um lado e, em seguida, surgir do outro.
Em 1/3, há manifestações pulmonares associadas. A pleura costuma tornar-se
espessada e apresenta vários nódulos.
São características do líquido pleural: glicose (<30mg/dL), pH diminuído
(<7,2), DHL aumentado e alto título de fator reumatoide (>1:320). No início,
a glicose do líquido pleural pode estar normal, mas, com o tempo, diminui.
Concentração de colesterol aumentada é comum, assim como a formação de
cristais. O prognóstico é pouco conhecido. Alguns têm remissão em 3 meses,
outros evoluem com espessamento pleural, necessitando de decorticação. Não
há estudos do efeito de anti-inflamatórios ou drogas indutoras de remissão na
pleurite reumatoide. Curiosamente, não costuma responder a corticosteroides.

c) Pleurite lúpica

Os pacientes com lúpus podem ter derrame pleural associado à própria doença
ou relacionado a drogas. Estima-se que 40% dos lúpicos terão um derrame
pleural ao longo da vida. Geralmente, artrite e artralgia precedem as
manifestações pleurais, mas, em até 30%, as manifestações pleurais podem
preceder as articulares. A pleurite lúpica costuma fazer parte de uma
exacerbação sistêmica da doença. Em geral, o derrame pleural é pequeno e,
em até 50% dos casos, bilateral. A pleurite lúpica deve ser considerada
hipótese diagnóstica em todos os derrames pleurais exsudativos de causa
indeterminada.
As características do líquido pleural são exsudativo, glicose normal ou baixa e
possibilidade de predomínio de PMN precocemente, evoluindo com
predomínio linfomononuclear. O achado de fator antinúcleo positivo no
líquido pleural não costuma fornecer informação adicional à obtida pelos
testes sorológicos, e essa pesquisa não mais é recomendada de rotina. O
diagnóstico é feito por meio de dados clínicos e marcadores séricos de
atividade lúpica. Sempre se deve descartar uma etiologia infecciosa. Ao
contrário da artrite reumatoide, a pleurite lúpica responde bem a
corticosteroides, mas só estão indicados a casos cujos sintomas são
exuberantes.

d) Doenças abdominais

Podem ser oligossintomáticas e causar derrame pleural, o que pode dificultar


o diagnóstico. Algumas particularidades são:

Cirróticos: mesmo sem ascite, podem apresentar derrame pleural (são


transudatos), que acontece pela passagem do líquido peritoneal para o
espaço pleural por fenestras diafragmáticas, mais comumente unilaterais
à direita. O diagnóstico é definido comparando as características dos
líquidos peritoneal e pleural colhidos simultaneamente;
Pancreatite crônica com fístula pleural: exsudato, derrame pleural
mais frequente à esquerda; o diagnóstico é confirmado com a dosagem
de amilase no líquido pleural;
Infarto esplênico: causa exsudato; pode cursar com dor na base do
hemitórax esquerdo ou do hipocôndrio esquerdo, algumas vezes com
elevação de cúpula frênica esquerda. O derrame pleural pode ser rico em
PMN. As causas habituais são leucemia mieloide crônica, endocardite,
sepse ou hemoglobinopatias;
Abscesso subfrênico: exsudato, muitas vezes, devido à reação
diafragmática (líquido estéril), mas também pode ser uma extensão do
processo infeccioso. Normalmente, há predomínio de PMN; os pacientes
podem ser oligossintomáticos.

Na suspeita, solicitar uma ultrassonografia e/ou tomografia de abdome;


Amebíase e equinococose: semelhante ao abscesso subfrênico, também
podem causar derrame pleural. Na amebíase, o líquido pleural pode ser cinza
ou de cor achocolatada e dificilmente se isola o parasita. Já na equinococose,
os escóleces do parasita podem ser encontrados.

e) Quilotórax

Ocorre por acúmulo de quilo, líquido linfático rico em gorduras na forma de


quilomícrons, recém-absorvidos no trato gastrintestinal. O fluido é
transportado pelo ducto torácico, que tem trajeto abdominal adjacente à aorta,
até passar pelo hiato aórtico no diafragma e seguir em direção à cava. Lesões
traumáticas (causa mais comum) ou obstrutivas (neoplasias) podem
interromper seu transporte e resultar em extravasamento de líquido para o
espaço pleural. A aparência leitosa nem sempre é a regra, principalmente se
transcorridas mais de 2 horas após a última refeição, já que as gorduras, que
conferem o aspecto ao líquido, mesmo no espaço pleural, são absorvidas e
metabolizadas. A dosagem de triglicérides habitualmente é elevada
(>110mg/dL), mas pode estar um pouco mais baixa (entre 50 e 110mg/dL),
sendo, às vezes, necessária a dosagem de lipoproteínas para definir o
diagnóstico. O tratamento é feito com ligadura do ducto torácico no caso de
traumas ou tratamento paliativo da neoplasia, devendo-se considerar a
possibilidade de pleurodese, já que as toracocenteses repetidas espoliam
muitos nutrientes (gordura) desses pacientes.

f) Síndrome das unhas amarelas

Tríade de mudança da coloração das unhas, derrame pleural e linfedema. O


derrame é habitualmente pequeno e assintomático, mas pode ser grande; é
bilateral em 50%, exsudativo, rico em linfócitos, com pH e glicose normais.
Devem-se excluir outras causas de derrame pleural antes de atribuir a essa
síndrome a etiologia do derrame. Acredita-se que a causa subjacente seja uma
hipoplasia do sistema linfático. As unhas costumam estar pálidas, amareladas
ou esverdeadas, além de encurvadas, e podem estar espessadas ou separadas
do leito ungueal (onicólise).

g) Reação medicamentosa

Pode ocorrer como parte de uma síndrome lúpus-like (hidralazina, isoniazida,


procainamida, fenitoína, clorpromazina, metildopa) ou não: nitrofurantoína,
amiodarona, dantroleno, bromocriptina, procarbazina, metisergida.

h) Síndrome de Meigs

A tríade clássica consiste em ascite, derrame pleural e tumor benigno de


ovário. Mais recentemente, também tem sido descrita com tumores benignos
de útero e mesmo tumores malignos de ovário de baixo grau de agressividade.
A ascite origina-se da hiperprodução de fluido pelo tumor. Acredita-se que o
derrame pleural decorra de passagem direta do líquido ascítico para a
cavidade torácica. O diagnóstico pode ser sugerido pelo achado de massa
pélvica. O derrame pleural é do lado direito em 70% dos pacientes e bilateral
em 20%. As características do líquido pleural são: exsudativo; baixa
celularidade (<1.000 células); possibilidade de a citologia oncótica sugerir o
diagnóstico; confirmação da doença pela laparoscopia com biópsia. Tanto o
derrame pleural quanto a ascite desaparecem após o tratamento da causa-base.

i) Sarcoidose
Apesar de rara, pode ser confundida com tuberculose. O derrame pleural é
pequeno e pode ser bilateral em 1/3, além de ser exsudativo e rico em
linfócitos. A biópsia pleural mostra granulomas não caseosos. Os pacientes
costumam ter sarcoidose pulmonar extensa, inclusive extratorácica. Costuma
responder bem a corticosteroides.

Resumo
O derrame pleural representa diagnóstico sindrômico, correspondendo ao
acúmulo anormal de líquido no espaço pleural;
As principais etiologias são insuficiência cardíaca, pneumonia com
derrame parapneumônico, tuberculose e neoplasia. Todo derrame pleural
de etiologia indeterminada e clinicamente significativa (>10mm de
espessura em radiografia em decúbito lateral) deve ser puncionado;
A propedêutica específica do derrame pleural envolve sua caracterização
com transudato e exsudato, o que pode limitar as etiologias;
A radiografia de tórax geralmente identifica derrames com volume
>200mL (posteroanterior); em casos de dúvida da existência de derrame,
ou se este é livre, solicita-se a radiografia em decúbito lateral com raios
horizontais. A ultrassonografia e a tomografia computadorizada podem
ser úteis;
Os critérios de Light podem definir a presença de exsudato: proteína do
líquido pleural >50% da sérica, ou DHL pleural >60% da sérica, ou DHL
>2/3 do limite de normalidade do laboratório. A especificidade dos
critérios não é tão boa, e, se houver suspeita importante de transudato
(principalmente se o paciente estiver em uso de diurético), pode-se
utilizar critério adicional: gradiente de albumina pleura-sangue ≥1,2
indica transudato;
Algumas características sugerem algumas etiologias:
Líquido hemorrágico: neoplasia, embolia pulmonar ou hemotórax;
Líquido esbranquiçado: quilotórax ou empiema;
Líquido achocolatado: abscesso hepático ou derrame antigo;
Transudato com pH reduzido: urinotórax;
Glicose reduzida: artrite reumatoide, pleurite lúpica, tuberculose e
empiema;
pH reduzido: artrite reumatoide, ruptura esofágica, empiema,
neoplasias;
Amilase elevada: neoplasia (principal causa), ruptura esofágica e
pancreatite;
ADA elevada: tuberculose (principalmente se >60), linfoma,
empiema, mesotelioma, artrite reumatoide;
Eosinofilia: ar ou sangue no espaço pleural; raramente: reação a
drogas, paragonimíase, Churg-Strauss.
O derrame pleural associado à insuficiência cardíaca é mais comum à
direita, ou bilateralmente, raramente sendo unilateral esquerdo (15%);
pode apresentar conformações atípicas, como acúmulo na fissura,
gerando a imagem conhecida como “tumor fantasma”, por vezes
confundido com neoplasia. O tratamento diurético fornece boa resposta
em 48 horas;
Derrame parapneumônico é aquele que ocorre associado à infecção do
parênquima: é um exsudato neutrofílico, em que podem coexistir
redução de glicose e pH; em fases avançadas, os germes podem atingir o
espaço pleural, caracterizando empiema; a drenagem está indicada a
derrames com pH <7,2 (7 para alguns autores), glicose <40mg/dL,
presença de loculação ou identificação de germes;
O derrame neoplásico indica doença em fase avançada: o tratamento
proposto é o paliativo. Toracocenteses repetidas podem ser necessárias,
bem como pleurodese, que é mais efetiva quando realizada por
videotoracoscopia;
O derrame pleural tuberculoso pode ocorrer:
Por reação de hipersensibilidade na pleura, com evolução benigna,
resolução em 30 a 60 dias e apresentação simulando quadro
infeccioso agudo, com derrame exsudativo e ADA elevada; a
biópsia de pleura tem alto rendimento mostrando granulomas; o
tratamento é importante para evitar surgimento de tuberculose em
outro órgão na evolução (ocorre em 60% após 1 ano);
Empiema tuberculoso: trata-se de um quadro insidioso, que resulta
de ruptura de um foco caseoso para o espaço pleural, quando a
baciloscopia no líquido pode encontrar o germe; o tratamento está
indicado e é feito com o esquema básico para tuberculose.
O TEP pode causar derrame transudativo (pequeno volume, em pacientes
com TEP maciço ou submaciço) ou exsudativo (pequeno volume,
resultado de pleurite reacional, caracteristicamente sero-hemorrágico). O
derrame exsudativo habitualmente ocorre por pleurite reacional à área de
infarto periférica; o transudativo associa-se a eventos com algum grau de
repercussão hemodinâmica, já que resulta de elevação significativa e
rápida das pressões em câmaras direitas, transmitidas às vênulas do
espaço pleural, as quais têm sua drenagem prejudicada.
Pneumonia adquirida na
comunidade
Durval A. G. Costa
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Introdução e definições
A Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC) é uma doença de grande
morbimortalidade, definida como um processo infeccioso agudo do
parênquima pulmonar e diagnosticada em pacientes que estejam fora do
ambiente hospitalar ou nos quais ela se manifeste em até 48 horas após a
admissão.
A microaspiração de micro-organismos da via aérea superior, associada à
falha dos mecanismos de defesa do hospedeiro, geralmente é responsável pelo
desenvolvimento da pneumonia. No entanto, outras vias como a inalatória,
disseminação hematogênica e contaminação por contiguidade são
mecanismos conhecidos que também podem ser responsáveis pela chegada
dos micro-organismos ao pulmão, com posterior dano tecidual. Deve ocorrer
consolidação da área do parênquima pulmonar, representada
microscopicamente pelo preenchimento dos espaços alveolares com exsudato
infeccioso.
O diagnóstico de pneumonia envolve, além de quadro clínico compatível, a
evidência de infiltrado pulmonar nos exames radiológicos, lembrando que a
tomografia de tórax apresenta maior sensibilidade do que a radiografia. Os
padrões radiológicos podem variar desde densa consolidação do parênquima
até infiltrados de padrão alveolar mais tênue (vidro fosco ou micronódulos
centrolobulares agrupados) ou de padrão intersticial, dependendo do agente
infeccioso e da interação com o sistema imune do indivíduo.
O broncograma aéreo é o achado radiológico classicamente associado ao
diagnóstico de pneumonia em questões de prova, porém vale lembrar que não
é o mais comum e muito menos patognomônico; ele nada mais representa do
que a visualização de um segmento brônquico pérvio em meio a uma região
do parênquima pulmonar densamente preenchida por exsudato inflamatório.
Pode também estar presente em outras doenças, como atelectasia e tumores,
como o linfoma e o carcinoma bronquíolo-alveolar.
Figura 1 - Presença de broncograma aéreo: como existe condensação em um pulmão com
pneumonia, a imagem não é de ar (que sai preto na radiografia normal), mas ressalta o bronquíolo
ao redor, facilitando a sua visualização

Microscopicamente, a evolução clássica de uma pneumonia passa por 4 fases,


nesta sequência:

Congestão e edema: apenas exsudato plasmático, com congestão dos


vasos;
Hepatização vermelha: extravasamento de hemácias, fibrina e
neutrófilos nos alvéolos;
Hepatização cinzenta: hemácias que se desintegram, formando
exsudato supurativo com fibrina pela ação dos macrófagos;
Resolução: recuperação da arquitetura do alvéolo.

Figura 2 - Aspecto macroscópico de hepatização vermelha em processo difuso de infecção pulmonar


(broncopneumonia)

Figura 3 - Hepatização cinzenta: observa-se bastante exsudato – observar que o alvéolo está cheio de
células leucocitárias (mais especificamente neutrófilos)
Dica
As 4 fases da pneumonia vistas ao microscópio são congestão e edema,
hepatização vermelha, hepatização cinzenta e resolução.

Classicamente, as pneumonias eram divididas em típica ou atípica.


Utilizavam-se tais termos, pois havia a crença de que o quadro clínico mais
toxêmico/febril associado a infiltrados radiológicos do tipo consolidação teria
como etiologia mais frequente o S. pneumoniae, em detrimento de outros
agentes infecciosos, como o M. pneumoniae e a C. pneumoniae. Estes últimos
eram denominados agentes bacterianos atípicos de infecção pulmonar, e, via
de regra, causariam quadro clínico com dissociação entre gravidade da
infecção e intensidade referida de sintomas. Por muitos anos, essa
classificação foi adotada para tentar determinar a melhor terapia empírica a
ser utilizada, inicialmente, em cada caso. No entanto, estudos de etiologia
publicados no final da década de 1990 mostraram que tal classificação não era
eficaz; por isso, atualmente, está em desuso. Porém, ainda encontramos em
questões de concursos termos como “pneumonia atípica”, “infiltrado
radiológico atípico” ou “agentes atípicos causadores de pneumonia”. De
maneira geral, essas denominações visam referenciar as seguintes bactérias:
M. pneumoniae, C. pneumoniae e L. pneumophila.

Dica
Quando você se deparar com o termo pneumonia atípica, saiba que o autor
da questão está fazendo referência aos seguintes agentes infecciosos: C.
pneumoniae, M. pneumoniae e L. pneumophila.

2. Etiologia
Mesmo em ensaios clínicos conduzidos para esta finalidade em pacientes com
pneumonia de tratamento hospitalar, menos de 50% das pneumonias têm um
agente etiológico identificado. Com relação à identificação por hemoculturas,
menos de 20% são positivas e dependem muito do tipo de agente infeccioso.
Isso significa que o tratamento, na maioria das vezes, é feito empiricamente,
considerando os potenciais patógenos envolvidos. A partir desse momento,
torna-se muito importante a coleta de características clínicas,
epidemiológicas, radiológicas e de faixa etária para a definição do perfil a ser
tratado.
Importante
Em qualquer idade e qualquer situação, o micro-organismo mais frequente
causador de pneumonia é o Streptococcus pneumoniae. Há apenas 2
exceções: recém-nascidos, em que as bactérias mais prevalentes são
aquelas do canal vaginal (Gram negativos, como E. coli), e, em pacientes
com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), o principal germe
causador de PAC é o H. influenzae.

O S. pneumoniae é responsável por cerca de 40% das pneumonias na


população em geral. É a bactéria a ser tratada em qualquer esquema de PAC,
independentemente da associação. A Tabela 1 representa as bactérias que
mais causam pneumonias. Na última coluna, estão as frequências das mais
comuns. Note-se que as bactérias que não estão com as porcentagens descritas
devem apresentar valores inferiores a 1%, não mostrados.
A classificação pode ser feita, ainda, de acordo com o ambiente do paciente.
Desta maneira, devem-se considerar as bactérias mais frequentes em
pacientes da comunidade (como já mostrado), mas, em situações de
internação, a flora bacteriana muda. Seguem, na Tabela 2, as mudanças por
frequência, de acordo com o ambiente onde o paciente está.
Importante
Após 48 horas de internação, a pneumonia diagnosticada em um paciente
passa a ser considerada nosocomial.

A PAC deve, então, ser tratada pensando-se em Streptococcus pneumoniae


como causador principal. Entretanto, em algumas situações, deve-se lembrar
dos demais micro-organismos. Sobre as bactérias atípicas, o quadro de
frequência mostra que esses micro-organismos se apresentam em 2º lugar
como etiologia de pneumonias (somando-se Mycoplasma, Chlamydophila e
Legionella). As pneumonias por Gram negativos e por vírus fecham a conta
dos principais causadores. Por isso, serão discutidas, agora, as condições que
facilitam essas bactérias.

A - Pneumonia por bactérias atípicas


Como já foi dito, a tendência de terminologia, atualmente, é de pneumonia
por bactérias atípicas, e não pneumonia atípica. Isso porque uma pneumonia
por bactéria típica como S. pneumoniae pode causar quadro atípico em
pacientes que não tenham resposta imunológica adequada (por exemplo, HIV
positivos, idosos ou asmáticos). Entre as bactérias que causam pneumonia
com tal característica, a Mycoplasma pneumoniae é a mais frequente. Esta,
apesar de não ter parede celular, é considerada uma bactéria.
Chlamydophila pneumoniae e Legionella pneumophila também são
causadoras frequentes. Os vírus causam quadros pulmonares bastante
semelhantes a essas bactérias, inclusive com imagens radiológicas similares.
A diferenciação entre pneumonia viral e bacteriana, quando feita, pode ser
sugerida por alterações laboratoriais e microbiológicas. O perfil da
pneumonia por bactérias atípicas deve ser relacionado a quadros específicos
de idade e doenças associadas, conforme a Tabela 3.
Importante
Os principais agentes atípicos causadores de pneumonia são: Mycoplasma
pneumoniae (que acomete principalmente adultos jovens e adolescentes),
Chlamydophila pneumoniae (acomete mais idosos acima de 65 anos) e
Legionella pneumoniae (acomete mais indivíduos com AIDS, usuários
crônicos de corticoides e transplantados).

Figura 4 - Pneumonia por bactéria atípica, em paciente com identificação posterior de Mycoplasma:
o quadro de infiltrado intersticial também está presente em infecções virais, portanto deve haver
outras características para tratá-la como bacteriana (como alteração no leucograma ou
características específicas do quadro clínico descrito)

B - Pneumonias por Gram negativos

A infecção pulmonar comunitária causada por Gram negativos, normalmente,


não ocorre em imunocompetentes. Em geral, está associada a uma condição
de internação hospitalar e comorbidades prévias (cardíacas, pulmonares,
diabetes, fibrose cística). Também se deve pensar em risco maior para
institucionalizados (casas de repouso para idosos, instituição para pacientes
crônicos).

Importante
Deve-se pensar em infecção pulmonar por bactérias Gram negativas nas
seguintes situações: diabéticos, pacientes renais crônicos ou em uremia,
pacientes com doença cerebrovascular (acidente vascular cerebral prévio),
indivíduos com fibrose cística, institucionalizados (principalmente
crônicos) e etilistas (pensar principalmente em Klebsiella pneumoniae).

O principal agente etiológico causador de infecção por Gram negativos é a


Pseudomonas aeruginosa. Escherichia coli é a 2ª bactéria Gram negativa mais
comum causadora de pneumonia. Em condições específicas, como em
etilistas, a Klebsiella pneumoniae é bastante comum (causa frequente de
pneumonia lobar por aspiração de vômitos). A pneumonia por Haemophilus
influenzae (cocobacilo Gram negativo) tornou-se cada vez mais rara com a
introdução da vacinação dessa bactéria no Calendário Nacional de Vacinação
Brasileiro. A vacinação fez que a bactéria diminuísse, também, a incidência
em adultos, pois a circulação principal ocorria em crianças. A Tabela 4
descreve condições específicas para pensar em alguns tipos de Gram
negativos, além das condições gerais citadas.
Figura 5 - Pneumonia por bactéria Gram negativa; neste caso, por Klebsiella pneumoniae, causando
uma imagem de pneumonia lobar em paciente previamente etilista. Esse tipo de pneumonia também
era conhecido como “pneumonia do lobo pesado”, pela característica lobar

C - Idosos

Os idosos merecem abordagem à parte, pela frequência e alta mortalidade.


Nessa população, as comorbidades sempre associadas (diabetes, acamados,
demência, insuficiência cardíaca, hipertensão, insuficiência renal crônica)
complicam o tratamento e aceleram a mortalidade, sobretudo acima dos 80
anos. Apesar de o S. pneumoniae ser a bactéria mais comum nessa idade,
Gram negativos e outros micro-organismos também são prevalentes.

D - Outras condições que favorecem agentes


etiológicos específicos

Outras condições devem ser utilizadas para ajudar no diagnóstico etiológico e


decidir o melhor esquema de tratamento, direcionado a esses perfis. O fato de
haver risco específico para determinado micro-organismo não implica
necessariamente a infecção por aquele patógeno, mas a cobertura deve sempre
ser avaliada criteriosamente. A Tabela 5 relembra essas condições.

Algumas condições remetem a mais de 1 tipo de perfil de bactéria. Dessa


maneira, a presença de cavitação, por exemplo, sugere infecção por
tuberculose, mas pode estar presente também nas infecções por anaeróbios e,
ainda, por Staphylococcusi aureus. Para concluir, a avaliação da etiologia de
uma PAC deve incluir, além da idade, hábitos de vida, doenças associadas,
exposições ocupacionais e fatores de risco.

Figura 6 - Criança de 2 anos com quadro de pneumatoceles (setas): nesse caso, a imagem auxilia
bastante na escolha da terapia antimicrobiana, devido ao maior risco de infecção por S. aureus,
apesar de não ser definidora do agente etiológico. Porém, como é muito mais frequente, o
pneumococo é o agente etiológico mais comum em número absoluto, mesmo nos pacientes com
pneumonias necrotizantes. Esta pode ser uma armadilha em questões de prova

Importante
Algumas parasitoses intestinais podem, eventualmente, ocasionar um
processo pneumônico migratório associado à passagem pulmonar de suas
larvas, quadro conhecido como síndrome de Löeffler. Para memorizar os
agentes que podem cursar com esses quadros, deve-se utilizar a regra
mnemônica “SANTA”: S = Strongyloides stercoralis (estrongiloidíase), A
= Ascaris lumbricoides (ascaridíase), N = Necator americanus
(necatoríase), T = Toxocara canis (toxocaríase) e A = Ancylostoma
duodenale (ancilostomíase).

3. Diagnóstico

Diagnóstico
O diagnóstico de PAC envolve os sintomas clínicos de tosse, febre,
expectoração e dor torácica, os achados radiológicos que podem evidenciar
áreas de condensação ou derrame pleural e, ainda, os achados laboratoriais
que evidenciam aumento das provas inflamatórias, podendo haver, ainda,
leucocitose ou leucopenia.

A - Clínico

O quadro clínico típico reúne os sintomas clássicos de tosse, febre,


expectoração e dor torácica. Estes são os mais frequentes de qualquer
pneumonia. Entretanto, a ausência desses sintomas não exclui a presença de
pneumonia. Vale ressaltar que tosse com escarro hemoptoico é também
achado bastante frequente em pneumonias.
A presença de estertores crepitantes à ausculta é a principal alteração na
semiologia respiratória a corroborar o diagnóstico de pneumonia bacteriana,
mas a presença desse sinal clínico à ausculta não é patognomônica de
pneumonia. É exatamente esse o problema do diagnóstico da doença: não
existem sinais exclusivos, mas o somatório de sinais clínicos e sintomas é que
torna a suspeita mais forte.
A sintomatologia clínica não é capaz de definir ou excluir PAC isoladamente.
Em pacientes de baixo risco, pode até ser considerado tratamento apenas com
sintomas clínicos, mas a recomendação é de uma avaliação criteriosa, em que
seriam beneficiados com investigação radiológica.

Importante
É fato que a pneumonia comunitária apresenta frequência elevada.
Entretanto, trata-se de um diagnóstico frequentemente superestimado, pela
eventual semelhança das apresentações clínicas de outras patologias, como
DPOC e Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC), dificultando o
diagnóstico nesses grupos epidemiológicos específicos, entre outros. Além
disso, sobretudo nos casos mais leves de tratamento domiciliar, não há
evidência de alteração radiológica conclusiva para o diagnóstico.

B - Radiológico

Qualquer suspeita de PAC requer uma imagem do tórax. A escolha da


radiografia de tórax como primeira a ser feita na investigação radiológica
considera o baixo custo, a fácil disponibilidade e a baixa radiação. A
radiografia de tórax em perfil é solicitada para avaliar a possibilidade de
imagens retrocardíacas e pneumonias muito difíceis de serem vistas no
posteroanterior. A radiografia em decúbito lateral é solicitada aos casos de
derrame pleural para ajudar no diagnóstico da presença de líquido e na
avaliação de septações na imagem.

Dica
Os raios X de tórax são os exames essenciais no diagnóstico de pneumonia,
sendo necessário solicitar o perfil, principalmente por aumentar a
sensibilidade para detecção de infiltrados em lobos inferiores em posição
retrocardíaca.

Figura 7 - Pneumonia de base do hemitórax esquerdo associada a derrame pleural: notar região com
possível cisurite (líquido até na região da cisura), mostrada pela seta. Neste caso, os raios X de
decúbito lateral (incidência de Laurell) são bastante úteis para avaliar septações e nível líquido

A ultrassonografia de tórax é utilizada a fim de delimitar localizações de


derrames de difícil punção e com loculações. A tomografia de tórax, por sua
vez, torna-se uma ferramenta cada vez mais frequente no auxílio ao
diagnóstico. Deve ser indicada quando há dúvidas sobre a presença da
condensação pulmonar, melhor avaliação de diferentes tipos de infiltrados
pulmonares, suspeitas de complicação (como derrame com septos, cavitações,
abscessos etc.) e, ainda, no diagnóstico diferencial de massas com
pneumonias.

Figura 8 - Corte sagital de tomografia de tórax de uma pneumatocele, dificilmente visualizada nos
raios X de tórax comum
Figura 9 - Tomografia de tórax em corte coronal do mesmo paciente dos raios X do derrame pleural
mostrado na Figura 7: notar que foi confirmada a presença de líquido na base esquerda, além da
cisurite previamente demonstrada, mas sem septações visualizadas
C - Exames laboratoriais versus diagnóstico de
pneumonia adquirida na comunidade

A conduta diante de um caso suspeito de PAC envolve a solicitação de


exames que ajudem a sedimentar o diagnóstico. O hemograma, normalmente,
mostra leucocitose ou leucopenia. A leucopenia pode ser um sinal de pior
prognóstico. Em idosos, pode haver apenas desvio para células jovens, com
leucometria absoluta normal. Entretanto, o hemograma funciona mais como
um marcador de melhora clínica quando o paciente está em tratamento, já que
pode estar alterado em outras situações infecciosas associadas. Provas
inflamatórias geralmente estão aumentadas (PCR, VHS, procalcitonina).
Devido à baixa sensibilidade das hemoculturas, esse exame NÃO deve ser
solicitado rotineiramente na investigação de agente etiológico, sendo
reservado sobretudo àqueles com quadro de sepse grave ou choque séptico. A
função renal é um marcador de gravidade (determina fatores associados,
como insuficiência renal aguda pré-renal) e auxilia em ferramentas
prognósticas, como será discutido adiante (CURB-65). A creatinina é um
marcador que pode determinar a correção da dose de antibióticos, dependendo
da idade e da situação.
Caso o paciente esteja dispneico, a gasometria arterial e o lactato arterial
serão os exames que podem determinar fatores associados de gravidade, como
acidose metabólica, hipoxemia e choque séptico. A pesquisa de escarro
diretamente coletado da boca (espontâneo ou por meio de sonda) não é
recomendada normalmente, já que o paciente pode apresentar colonização por
bactérias não necessariamente causadoras da infecção vigente. Nos casos
mais graves com necessidade de internação em terapia intensiva, sobretudo se
houver indicação de intubação orotraqueal, a coleta de cultivos de lavado
broncoalveolar deverá ser solicitada.
As indicações para coleta de escarro em pacientes internados são as seguintes:
doença cavitária, falha terapêutica, admissão em UTI, pacientes etilistas,
doenças pulmonares estruturais ou obstrutivas graves, pesquisa urinária de
antígenos para pneumococo ou Legionella positivos e derrame pleural.
A Tabela 8 indica as situações em que a cultura de secreção traqueal ajuda no
diagnóstico, desde que seja avaliada a quantidade de Unidades Formadoras de
Colônia (UFCs).
Algumas bactérias apresentam diagnóstico raramente identificado por
culturas, hemoculturas ou culturas de secreção. Para elas, foram
desenvolvidos testes específicos. É o caso da Legionella, bactéria que causa
pneumonia de micro-organismos atípicos, mas não cresce habitualmente em
meios de cultura utilizados (necessita de meio próprio). Nessas situações,
deve ser solicitada a procura de antígenos urinários (teste de urina) para o
diagnóstico da Legionella. Da mesma forma, existe o teste urinário para
pneumococo, que, nesse caso, auxilia no diagnóstico de pneumonias suspeitas
ou de quadros em que a pneumonia por pneumococo deve ser confirmada
(evitando toxicidade por tratamentos múltiplos, por exemplo). A vantagem
dos testes urinários é sua rapidez no diagnóstico, em comparação com as
sorologias (que também existem para essas bactérias), as quais levam de 4 a 6
semanas para se positivarem.

A avaliação laboratorial passa, ainda, por uma criteriosa observação de um


possível derrame pleural (também discutido em capítulo específico). Todo
paciente com pneumonia e derrame parapneumônico deve ter o líquido
estudado, caso a quantidade seja significativa. Como definir isso? Se, ao
decúbito lateral, a lâmina de líquido for maior do que 1cm, ou nos casos em
que houver loculação, deve-se proceder à toracocentese. O objetivo da punção
é definir se há derrame complicado ou mesmo empiema. Entendendo a
importância: se houver germe no espaço pleural, o antimicrobiano terá
dificuldade de atingir boa concentração no líquido, sendo fundamental a
drenagem; caso exista reação inflamatória marcante, o que define um derrame
complicado, existe a possibilidade de evolução com encarceramento
pulmonar, por reação fibrótica intensa, o que pode comprometer a mecânica
ventilatória no futuro – a drenagem facilita a resolução da inflamação.
Após a toracocentese, a definição pela drenagem do tórax dependerá de
alguns parâmetros, discutidos no capítulo de derrame pleural. Se houver
germes, se o pH for inferior a 7 (7,2 para alguns autores) ou se a glicose do
líquido for inferior a 40mg/dL, a drenagem estará indicada.

Importante
Quando há derrame pleural, é mandatória a toracocentese diagnóstica
(sempre que o derrame tiver quantidade puncionável), a fim de definir se
há derrame complicado ou empiema.
Figura 10 - Principais características e sequência de condutas diante de um derrame pleural

D - Classificação diagnóstica da gravidade

Após discutir sobre os principais causadores e as maneiras de diagnosticar


uma pneumonia, a pergunta seguinte seria: como saber qual paciente mandar
para casa e qual internar? É muito fácil olhar um paciente com pneumonia em
franca dispneia e dizer que ele necessita de internação, mas não é sempre
assim. Dessa maneira, diversos protocolos para estratificação foram criados
para tentar classificá-los por gravidade e dividi-los entre tratamento
domiciliar (ambulatorial), hospitalar em enfermaria ou hospitalar em terapia
intensiva.
Fine et al. (1997) desenvolveram o índice de severidade de uma pneumonia,
classificando pela probabilidade de óbito e indicando a internação a partir de
então. Inicialmente, os autores classificam os pacientes por pontos e,
posteriormente, avaliam a mortalidade.
O critério mais aceito atualmente é a classificação de CRB-65. Esse escore foi
criado inicialmente pela British Thoracic Society, mas ficou conhecido
mundialmente pela facilidade de memorização. Além disso, envolve a inicial
das letras em inglês. Esse escore é a simplificação do CURB-65, na qual se
inclui a ureia (>50mg/dL), e deixa de ser uma avaliação essencialmente
clínica, dificultando a aplicação em locais com limitação de recursos.

Importante
A classificação da CRB-65 é o método mais utilizado para indicação de
internação de um paciente com pneumonia: confusão mental (C),
frequência respiratória ≥30irpm (R), pressão arterial sistólica <90mmHg ou
diastólica ≤60mmHg (B) e idade ≥65 anos. Com o escore de 0, o
tratamento é ambulatorial; com 1 ou 2 pontos, considera-se tratamento
hospitalar; e, com mais de 3 pontos, a internação hospitalar é urgente e
talvez com necessidade de terapia intensiva.

Tema frequente de prova


A classificação da CRB-65 é um tema frequentemente encontrado em
concursos médicos.

A principal crítica ao modelo CRB-65 é que ele não considera doenças


associadas (diabetes mellitus, etilismo etc.). A partir do somatório dos pontos,
determinam-se o perfil do paciente e o tipo de tratamento (ambulatorial,
hospitalar em unidade de enfermaria ou terapia intensiva).
Outro escore utilizado, que na verdade originou o CRB-65, é o CURB-65.
Existem 2 diferenças em relação ao CRB: (a) incorpora a ureia, que, se
>50mg/dL, gera 1 ponto; (b) o tratamento ambulatorial será considerado se a
pontuação final for 0 ou 1 (Figura 11). Esse sistema é muito usado por alguns
grupos e também pode ser explorado nas provas.

Figura 11 - Somatório dos pontos e conduta

A indicação da internação avaliada apenas pelo CRB-65 (ou pelo CURB-65)


pode deixar de lado características que influenciam a internação, como a
presença de comorbidades. Por esse motivo, a Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tisiologia sugere o uso de características multifatoriais para a
avaliação de internação hospitalar, conforme a Tabela 13. Assim, a avaliação
do COx2 (C = comorbidades; Ox = Oxigenação; 2 = doença multilobar)
torna-se imprescindível para definir o melhor local de tratamento. A presença
de qualquer um desses fatores autoriza o tratamento em regime hospitalar.
A Tabela 13 engloba os parâmetros usados para essa decisão. Na ausência de
fatores clínicos relevantes para a internação e o tratamento hospitalar, a
avaliação de fatores sociais e cognitivos é de igual importância para essa
tomada de decisão.

Por último, vem o paciente com pneumonia grave. Define-se como portador
de PAC grave todo indivíduo que necessite de internação em UTI pela
infecção. Existem critérios sugeridos pela Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tisiologia – é necessário 1 critério maior ou 2 menores,
conforme a Tabela 14.
Esses critérios, no entanto, não substituem o julgamento clínico como
indicativo da necessidade de UTI. A própria Infectious Diseases Society of
America recomenda que se acoplem como critérios menores fatores como
hipotermia, plaquetopenia, leucopenia, uremia, confusão mental, taquipneia
(com esses critérios adicionais, sugerem aumentar para 3 o número de fatores
menores como definidores de PAC grave).

4. Tratamento

Importante
Considerando a realidade brasileira, consensos como o Infectious Disease
Society of America/American Thoracic Society Consensus Guidelines on
the Management of Community-Aquired Pneumonia in Adults de 2007
mostram realidade diferente da nossa (perfil de resistência que se espera
maior, sobretudo do pneumococo, o principal causador). Com base nisso,
este capítulo visa discorrer acerca das Diretrizes Brasileiras para
Pneumonia Adquirida na Comunidade em Adultos Imunocompetentes
(2009), último documento desse assunto publicado em consenso. Ainda
que não haja trabalhos nacionais extensos sobre perfis de resistência, esse é
o que mais se aproxima da nossa realidade. Além disso, o tratamento
cobrado em concursos médicos é mais voltado para o consenso brasileiro
do que para o norte-americano, por razões óbvias. Não caberia, portanto,
apresentar mais dados e confundir o entendimento do estudante neste
momento.

Novamente, deve-se lembrar que a identificação do agente etiológico é difícil


na PAC. Exatamente por isso, o tratamento, na maioria das vezes, é empírico,
com base nas características mais frequentes da população a ser tratada. O
tratamento empírico é, portanto, dirigido à bactéria que se espera estar
causando a infecção, de acordo com o perfil do paciente.
Tratamento
O tratamento da PAC, na maioria das vezes, é empírico e deve ser iniciado
antes das primeiras 8 horas da chegada ao serviço de saúde. No tratamento
ambulatorial, utilizam-se preferencialmente macrolídeos ou quinolonas
respiratórias. Nos casos internados, opta-se por quinolona ou betalactâmico
+ macrolídeo, e, nos casos de pacientes em UTI, utiliza-se betalactâmico +
quinolona ou macrolídeo quando não há risco de infecção por
Pseudomonas, ou betalactâmico + quinolona quando há risco.

O tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível. Se iniciado


antes das primeiras 8 horas da chegada do paciente ao hospital com a
administração da 1ª dose do antibiótico, a redução da mortalidade é de 50%,
em média, e mais acentuada acima de 65 anos.

Figura 12 - Caminhos a serem seguidos na antibioticoterapia de um paciente com pneumonia


adquirida na comunidade, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia

A - Doses de antimicrobianos

As doses de drogas utilizadas no tratamento de PAC estão detalhadas na


Tabela 15. Foram inseridas, ainda, informações quanto ao perfil de cada
droga, além de algumas características específicas.
A linezolida é uma oxazolidinona que tem ampla cobertura para Gram
positivos com perfil de Staphylococcusi meticilinorresistente (MRSA) e boa
cobertura pulmonar. A dose de uso é de 600mg, a cada 12 horas. Houve
grande divulgação na mídia farmacêutica sobre a melhor penetração pulmonar
dessa droga em comparação com a vancomicina e, ainda, sobre a menor
mortalidade, já que não possui nefrotoxicidade quando comparada à última.
Entretanto, estudos recentes demonstram que não existe inferioridade da
vancomicina em comparação à linezolida, desde que se utilize a vancomicina
na dose correta e se faça acompanhamento com dosagem sérica de
vancomicina (vancocinemia). Em pacientes graves, a vancocinemia deve ficar
entre 15 e 20µg/dL para tratamento efetivo de uma infecção por MRSA. A
daptomicina, outra opção para tratamento para MRSA, não tem boa
penetração no tecido pulmonar, por isso está proscrita para o tratamento de
pneumonias.
A polimixina é uma droga de baixa concentração pulmonar. Entretanto, a
prevalência cada vez maior de Gram negativos resistentes a carbapenêmicos
(Pseudomonas, Acinetobacter, Klebsiella) fez que a droga fosse ressuscitada
no uso diário, inclusive para uso inalatório. Existem 2 apresentações de
polimixina no Brasil, a B e a E (colistina), que têm melhor penetração
pulmonar. De qualquer forma, o que deve ficar marcado é que, qualquer que
seja o uso, a penetração no tecido pulmonar é ruim, aumentando a
mortalidade nesse perfil de paciente.

B - Quando pensar em infecção pulmonar por


Pseudomonas?

A infecção pulmonar por Pseudomonas aeruginosa é, sem dúvida, uma das


principais causas de óbito na pneumonia, considerando, ainda, que o perfil de
um paciente que apresenta pneumonia por essa bactéria bastante virulenta já é
naturalmente grave. O tratamento de um paciente nessa situação deve incluir
um betalactâmico com quinolona, de acordo com o fluxograma no início
deste capítulo.

Importante
Há algumas situações nas quais é necessário pensar em infecção pulmonar
por Pseudomonas: bronquiectasia, fibrose cística, uso de antibiótico de
amplo espectro por mais de 7 dias recentemente (últimos 30 dias),
internação recente (últimos 7 dias), corticoterapia, transplantados e
neutropênicos.

C - Outras situações a avaliar em uma pneumonia

Diversas outras situações devem ser avaliadas em um paciente com PAC, para
tentar direcionar a terapêutica antimicrobiana, como já foi dito. Assim, um
paciente previamente sadio não deve receber o mesmo tipo de terapia que um
institucionalizado, ou, ainda, com uso prévio recente de antibióticos.
D - Definição do tempo de antimicrobianos para
tratamento

De acordo com o que já foi explicado, o início precoce da terapia diminui a


mortalidade. Mais do que isso, também diminui o tempo de tratamento
necessário à cura da PAC tratada. Portanto, a tendência atual é tratar
precocemente para tratar por menos tempo. Os tempos de tratamento são
avaliados de acordo com o perfil do paciente:

Ambulatorial: 7 dias, em média. Com macrolídeos, 5 dias podem ser


suficientes, já que existe o efeito duradouro dessa classe;
Internado: 10 a 14 dias, dependendo da resposta à terapêutica e do
momento em que se começou o tratamento (precocemente ou não);
Situações especiais: tratamentos para Pseudomonas ou legionelose têm
resposta mais lenta do que uma pneumonia normal e, por isso, podem ser
estendidos para 14 a 21 dias.

É interessante lembrar que, quando há pacientes que têm resposta lenta ao


tratamento ou retorno precoce de nova infecção pulmonar, são necessárias
novas investigações para outras causas de infecção.

Dica
O interessante não é memorizar o antimicrobiano, mas entender qual é a
bactéria que se quer tratar. Quando se disser que se trata PAC em um
paciente de 19 anos com ceftriaxona e claritromicina, por exemplo, se
saberá que a cobertura é para S. pneumoniae (ceftriaxona) e atípicos como
Mycoplasma (com claritromicina). Isso facilita o entendimento,
principalmente quando o paciente não pode usar um dos medicamentos e
precisa trocá-lo, como os alérgicos.

5. Profilaxia
A profilaxia de pneumonias é feita pela vacinação contra o principal agente
causador, o pneumococo. A vacina disponível na rede pública
tradicionalmente é a pneumocócica 23-valente, muito questionada sobre sua
efetividade. É utilizada para vacinação gratuita em pacientes com
comorbidades e infecções de repetição (asmáticos, DPOC,
institucionalizados), todos com indicação médica. Também é utilizada para
pacientes HIV positivo, esplenectomizados e transplantados. Deve ser feita a
cada 5 anos.
Desde 2011, a rede pública oferece no calendário de vacinação da criança a
vacina contra pneumococos chamada pneumocócica 10-valente. Há a
expectativa de que essa vacina, apesar de nunca ter sido utilizada em larga
escala, diminua drasticamente a incidência de pneumonias em crianças, a
exemplo do que já ocorre com as infecções por Haemophilus influenzae, cuja
vacinação já é administrada em crianças há cerca de 20 anos.
Na rede privada, existe, ainda, a vacina pneumocócica 13-valente, com
perspectiva de melhor espectro para evitar pneumonias e meningites por
pneumococo. No entanto, para ser realizada, deve ser paga separadamente do
calendário de vacinação oferecido pelo governo brasileiro.
A pneumonia bacteriana secundária é uma das principais complicações da
influenza. Por esse motivo, a vacinação contra essa enfermidade deve ser
sempre incentivada.

Importante
A profilaxia de pneumonias é feita com a vacinação contra pneumococo,
por meio da vacina pneumocócica 23-valente em adultos com
comorbidades como asmáticos, com DPOC, institucionalizados, HIV
positivo, esplenectomizados e transplantados, devendo ser repetida a cada
5 anos.

Os cuidados para evitar pneumonias são completados por pequenos atos no


dia a dia de pacientes de risco. O simples cuidado com a cavidade oral (com
assepsia bucal correta em idosos institucionalizados, por exemplo) diminui
bastante o risco de infecções. Dentes em mal estado de conservação são outro
fator que facilita a infecção por anaeróbios e Gram negativos, além de
possíveis abscessos. Logo, a saúde bucal influencia diretamente o diagnóstico
e a evolução de um quadro pulmonar.

Resumo
Tuberculose
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Durval A. G. Costa
Carolina dos Santos Lázari
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Epidemiologia
Trata-se da doença infecciosa que mais mata no mundo, superando as mortes
causadas pela AIDS, que apresenta coincidência de 10% dos casos de
tuberculose (TB). Estimou-se a incidência de 10,6 milhões de casos em 2016,
sendo que 87% se concentrariam em apenas 30 países. No Brasil, ao contrário
de outros países da África e Ásia, existe uma tendência de redução de
incidência na última década, com cerca de 69 mil novos casos diagnosticados
entre 2016 e 2017, totalizando 4.500 óbitos. O Brasil é, atualmente, o 20º país
no ranking de atenção à TB, segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS). A coinfecção por TB-HIV e a doença multirresistente ainda não são
consideradas alarmantes em relação ao total de casos diagnosticados.

2. Fisiopatologia
A TB é uma doença infecciosa crônica causada por micobactérias de
replicação lenta, do complexo Mycobacterium tuberculosis, integrante do
grupo das micobactérias. Trata-se de pequenos bacilos, não esporulados,
aeróbios, que contam com uma parede celular rica em lipídios. As
características físico-químicas dessa parede fazem que a bactéria seja corada
por fucsina na técnica de Ziehl-Neelsen, o que a define como Bacilo Álcool-
Ácido-Resistente (BAAR). O crescimento é lento, com tempo de duplicação
em torno de 18 horas, formando colônias em cultura ao redor de 30 dias.
Locais com tensão elevada de O2, os alvéolos pulmonares, sobretudo aqueles
presentes nos ápices dos pulmões, são mais propícios à proliferação do M.
tuberculosis.
A transmissão ocorre por meio da inalação de aerossóis contendo o bacilo
proveniente das secreções da via respiratória de indivíduos bacilíferos. As
partículas inspiradas atravessam as barreiras mecânicas existentes nas vias
aéreas superiores e instalam-se nos alvéolos. A alteração do clearance
mucociliar do receptor é fundamental na patogênese da doença. Existe um
processo inflamatório local inespecífico do qual participam células
polimorfonucleares e macrófagos não ativados. Os macrófagos fagocitam os
bacilos, processam seus antígenos e apresentam epítopos para linfócitos T
CD4+ específicos, os quais secretam citocinas quimiotáxicas e ativadoras de
macrófagos. Estes se diferenciam em células epitelioides e organizam-se em
uma estrutura característica da resposta granulomatosa. Se os granulomas
estão bem formados, a infecção é contida.
A capacidade de conter a multiplicação do bacilo e impedir que a infecção
progrida para doença envolve a integridade do sistema imune celular. A célula
responsável pela resposta imune efetiva é o macrófago, entretanto sua
funcionalidade depende da interação com os linfócitos T CD4+. As citocinas
produzidas e liberadas pelos linfócitos T CD4+ – sobretudo IFN-gama, IL-2 e
TNF-alfa – promovem a ativação e a diferenciação dos macrófagos e a
migração de células específicas, como monócitos e linfócitos. Além disso,
garantem a formação e a manutenção da estrutura do granuloma, cujo
microambiente é dinâmico, com constante renovação das células ali presentes.
Deste modo, condições que interfiram quantitativa ou qualitativamente na
imunidade celular configuram fatores de risco para o desenvolvimento de TB.
Entre elas, destacam-se a infecção por HIV/AIDS e outras condições de
imunossupressão, como transplante de órgão sólido, idade <5 anos ou >60
anos, desnutrição, alcoolismo, diabetes mellitus e doenças autoimunes,
especialmente aquelas em tratamento com corticosteroides.

Importante
O contato com a TB não garante a evolução da doença. Há necessidade de
alteração nos mecanismos de imunidade celular para ativação de focos,
como nos casos de transplante de órgão sólido, idade <5 anos ou >60 anos,
desnutrição, alcoolismo, diabetes mellitus e doenças autoimunes,
especialmente aquelas em tratamento com corticosteroides.

O período de incubação da infecção, desde a inalação da bactéria até a


formação do granuloma, é de 6 a 14 semanas. Nesse momento, já é possível
observar positividade nas provas de hipersensibilidade tardia, como a reação
intradérmica à tuberculina (PPD), que testa a imunidade celular.
É interessante que, se a infecção for contida nos pulmões, uma lesão
cicatricial poderá ser vista em exames de imagem, como nódulo densamente
calcificado, denominado nódulo de Gohn. Em alguns casos, os bacilos podem
ter escapado do parênquima pulmonar antes do surgimento da resposta celular
específica; assim, atingem gânglios hilares e podem se disseminar
sistemicamente, alojando-se em alguns órgãos. No entanto, a resposta
granulomatosa surge na maioria dos casos, e a proliferação dos bacilos é
contida. Caso não o seja, é possível haver formas miliares ou extrapulmonares
da doença. E mais: mesmo com contenção inicial, no futuro, obviamente, se
houver queda de imunidade celular, esses focos de bacilos poderão se reativar,
gerando doença.
Em alguns casos, assim como pode ser visualizado o nódulo de Gohn, é
possível observar um gânglio hilar calcificado (exatamente no local em que
houve a passagem do bacilo). Esse complexo, nódulo pulmonar e gânglio
calcificado, recebe o nome de complexo de Ranke.
Durante a fase do complexo primário, a maioria dos indivíduos infectados é
assintomática, principalmente os adultos. As crianças podem apresentar tosse
e febre. Os linfonodos hilares podem aumentar a ponto de provocar obstrução
dos brônquios, causando atelectasia. Outros sintomas possíveis são eritema
nodoso e ceratoconjuntivite flictenular, ambos fenômenos imunomediados,
que ocorrem na época da viragem tuberculínica.

Figura 1 - Ciclo resumido da tuberculose


Fonte: adaptado de Ernst, 2012.

A fisiopatogenia da doença pode ser resumida com o esquema da Figura 2.


Figura 2 - Descrição resumida da fisiopatogenia da infecção inicial por tuberculose
Fonte: adaptado de Nunes-Alves et al., 2014.

Note-se que, na sequência, não há definições claras do que leva um paciente a


ter o desenvolvimento para o controle do M. tuberculosis, para a formação de
granulomas calcificados, ou para granuloma caseoso.

3. Apresentação clínica

A - Tuberculose primária

O complexo primário de Gohn pode evoluir para cura espontânea, doença


circunscrita ou doença disseminada.
A cura ocorre na grande maioria dos casos, e o complexo primário calcifica-se
e perde a capacidade de reativação. A doença localizada manifesta-se por TB
pulmonar primária ou pleurite tuberculosa. A TB pulmonar progressiva
primária, ou pneumonia tuberculosa primária, decorre da evolução do
processo que teve início no complexo primário, ainda nos primeiros 2 anos
que se seguem à aquisição da infecção. Localiza-se mais frequentemente na
porção superior do lobo inferior ou na porção inferior do lobo médio à direita.
O quadro clínico corresponde a uma pneumonia clássica, com febre e tosse
produtiva, podendo raramente evoluir para insuficiência respiratória aguda. A
pleurite tuberculosa ocorre quando o processo se desenvolve em uma região
justapleural, com inflamação secundária da pleura e derrame pleural, que se
resolve espontaneamente na maioria dos casos. O quadro clínico é de dor
pleurítica aguda, com tosse e febre alta, e pode ser observada mais
frequentemente em crianças e adultos jovens. A doença disseminada é
representada pela TB miliar primária. É mais comum em recém-nascidos e
crianças com imunodeficiências, nos quais não se consegue conter os focos a
distância, formados durante a fase de disseminação hematogênica. Na TB
miliar primária, é muito comum o comprometimento do sistema nervoso
central (neurotuberculose e meningite tuberculosa). O paciente desenvolve
insuficiência dos múltiplos órgãos afetados, febre, insuficiência respiratória
aguda e pode ter evolução fatal.

Importante
A maioria dos casos de TB primária evolui para cura espontânea e
granuloma com calcificação, que perde a sua capacidade de reativação.
Quando ocorre a doença disseminada, a frequência é maior em crianças e
imunodeficientes.

B - Secundária ou de reativação
Anos depois da infecção inicial, os bacilos viáveis, presentes no complexo
primário, podem voltar a se multiplicar e induzir a doença. O processo é
denominado reativação e geralmente origina um quadro de febre vespertina,
tosse produtiva ou não, queda do estado geral e perda de peso. A reativação é
mais comum em indivíduos com algum tipo de imunodepressão, desnutrição,
alcoolismo, na gravidez e em doentes com outras afecções pulmonares
subjacentes, como doença pulmonar obstrutiva crônica e câncer de pulmão. A
ausculta pulmonar, no início, é de diminuição dos murmúrios vesiculares,
principalmente nos ápices, que pode progredir para ausculta de sopro (nem
sempre presente), produzido pela presença de cavidade.
Admite-se que a maioria dos casos de TB secundária deve-se à reativação de
bacilos latentes, resultante de uma falha localizada da resposta imune no
microambiente dos granulomas do complexo primário. A resposta imune
adaptativa específica ao M. tuberculosis desencadeia reação inflamatória à
infecção, levando à formação de focos de necrose caseosa importante. Se esse
sítio de inflamação e necrose se comunica com um brônquio, o material
necrótico é drenado pelas vias aéreas, formando uma cavidade.

Importante
Paciente com presença de cavitação nos raios X é aquele com maior fonte
de transmissão da TB, devido à grande presença de bacilos em tais locais.

Podem ocorrer lesões das paredes de vasos sanguíneos próximos às


cavidades, produzindo hemoptise.
A Figura 3 mostra um exemplo de TB pulmonar secundária.

Figura 3 - Cavitação no ápice direito: lembrar que o hemitórax direito é mais frequentemente
atingido pela facilidade de o bacilo alcançá-lo na primoinfecção; no entanto, pode haver qualquer
imagem, inclusive sem cavitações

Figura 4 - Tomografia de tórax demonstrando múltiplas imagens de disseminação difusa, com


aspecto miliar. Esse perfil de imagem é sugestivo de imunodepressão com diminuição da resposta
celular, o que impede a formação de cavidades
Figura 5 - História natural

C - Extrapulmonar

O acometimento de outros órgãos, além dos pulmões, pode acontecer tanto na


infecção primária quanto na reativação da TB. A principal forma de
manifestação é a TB pleural (classificada como extrapulmonar), seguida pela
TB ganglionar.

a) Neurotuberculose

É a forma mais grave de TB, mas representa somente uma pequena proporção
dos casos de TB extrapulmonar, efeito principalmente da alta cobertura de
vacinação com BCG em crianças com menos de 5 anos. Os pacientes
apresentam quadro clínico de meningite ou meningoencefalite, caracterizado
pela ocorrência de irritação meníngea e sintomas de hipertensão intracraniana
com febre, rigidez de nuca, sinais de Kernig e Brudzinski presentes, náuseas,
vômitos e cefaleia. A meningite tuberculosa evolui de maneira mais lenta em
relação à bacteriana e cursa com envolvimento de pares cranianos, embora
seja difícil a diferenciação entre os casos de meningite bacteriana e
tuberculosa, pelos achados clínicos isoladamente.
O diagnóstico pode ser realizado por punção liquórica, que evidencia liquor
com pleocitose e predomínio de linfomononucleares – embora possa haver
um número maior de neutrófilos na fase inicial da doença –, proteína muito
elevada e glicose baixa (<50% da sérica). A bacterioscopia por método de
Gram é negativa, a pesquisa de BAAR pode ser positiva, e a cultura, embora
seja mais sensível que a baciloscopia, permite o isolamento do bacilo em
apenas 15% dos casos.
Testes indiretos, assim como a dosagem de adenosina deaminase (ADA) no
liquor, apresentam sensibilidade entre 60 e 100% e especificidade de 84 a
99%, nem sempre auxiliando no diagnóstico. A pesquisa por reação de cadeia
de polimerase (PCR) apresenta bons resultados.
A tomografia de crânio pode conter achados como hidrocefalia, edema
cerebral, espessamento da meninge basal e indícios de pequenos infartos
parenquimatosos.
Outra forma de manifestação da neurotuberculose é o tuberculoma
intracraniano, isto é, uma meningoencefalite com formação de lesão
expansiva encefálica. Esse diagnóstico requer exame de imagem, como
tomografia computadorizada ou ressonância magnética.
Importante
A neurotuberculose raramente causa lesão focal (tuberculoma),
apresentando predomínio de meningoencefalite (com alteração
comportamental, nunca focal), e frequentemente se associa ao HIV.

b) Pleural

Na maioria das vezes, o derrame pleural tuberculoso decorre de uma reação


de hipersensibilidade da pleura ao bacilo. De fato, tem-se uma baixíssima
positividade da pesquisa de BAARs e da cultura do líquido pleural
(crescimento em menos de 30% dos pacientes). É apenas em casos raros que
pode haver ruptura de cavitação subpleural, provocando o que se chama
empiema tuberculoso, com pesquisa de BAAR e cultura habitualmente
positivas.
Os pacientes costumam buscar auxílio médico com tosse seca (eventualmente
com secreção), febre e dispneia. Na maioria das vezes, o quadro é subagudo,
simulando infecção pulmonar bacteriana. A suspeita de pleurite tuberculosa
ocorrerá pela presença de síndrome de derrame pleural ao exame físico e
ausência de dados que sugiram consolidação do parênquima pulmonar.
O derrame pleural é exsudativo, geralmente unilateral, de tamanho pequeno a
moderado. O aspecto é de líquido amarelo-citrino, sendo incomum a
apresentação hemática. Na celularidade, há predomínio de linfócitos (embora
nos primeiros dias possa haver maior número de neutrófilos). A porcentagem
de células mesoteliais é geralmente inferior a 5% (pela inflamação difusa da
pleura), e pacientes com mais de 5% dessas células no derrame pleural
tuberculoso sugerem diagnóstico alternativo.
O diagnóstico definitivo pode ser feito por meio da dosagem da ADA, que se
maior que 40UI/L sugere fortemente TB, desde que afastadas clinicamente
causas menos comuns, como linfoma, artrite reumatoide, mesotelioma e
empiema. Quando a ADA for negativa, a biópsia de pleura geralmente estará
indicada, tendo um bom rendimento – a presença de granuloma acaba
definindo o diagnóstico.

Dica
A adenosina deaminase aumentada não é específica de TB pleural – pode
ocorrer também nos linfomas, artrite reumatoide, mesotelioma e empiema
pleural.
Figura 6 - Derrame pleural: lembrar que, no Brasil, um dos principais diagnósticos diferenciais para
causas de derrame pleural é a tuberculose pleural, principalmente se à direita (tuberculose mais
frequente à direita)

c) Ganglionar

Os gânglios mais acometidos são aqueles das cadeias cervical e mediastinal.


Quando de localização cervical, por vezes é volumoso e pode fistulizar. O
diagnóstico diferencial é feito com síndromes mono-like, TORSCH, HIV
agudo e neoplasias. O diagnóstico-padrão é com biópsia de gânglio. No
entanto, se houver sinais de coalescência com supuração líquida, será possível
o achado de BAAR na punção do líquido. A realização de punção aspirativa
por agulha fina com pesquisa do DNA do M. tuberculosis por método de PCR
apresenta boa sensibilidade (entre 60 a 70%) para o diagnóstico.

d) Pericárdica

Trata-se de uma causadora frequente de quadros de síndrome consumptiva


associada a sinais de insuficiência cardíaca. Normalmente (entre 1/3 e metade
dos casos), apresenta-se com TB pleural associada. O diagnóstico é difícil, já
que a análise do derrame pericárdico é pouco definitiva, com linfocitose
apenas. A ADA pode estar aumentada e apenas fortalece uma suspeita. A
cultura para micobactérias pode ser positiva, mas demora em média 60 dias
para ficar pronta. A biópsia de pericárdio é o exame padrão-ouro para
diagnóstico, com o achado de granuloma e, às vezes, a presença de BAAR na
fixação ao microscópio.
O fato de o derrame se formar novamente pode causar tamponamentos
cardíacos, mesmo após punções de Marfan sucessivas (nome da punção
específica para derrame pericárdico). O tratamento, muitas vezes, envolve a
retirada definitiva de parte do pericárdio (pericardiectomia anterior) em
conjunto com os medicamentos para TB. Assim, evitam-se tamponamentos
futuros.

e) Do trato urinário

O M. tuberculosis pode ocasionar lesões renais com perda da função deste ou


em qualquer órgão que inclua o sistema urinário, como bexiga, ureteres,
uretra e próstata (no sexo masculino). Deve ser lembrado sempre que há
infecções de urina de repetição, com leucocitúria e uroculturas negativas
sucessivas – o que é denominado “piúria estéril”. Também pode ter razoável
melhora com o uso de quinolonas, que são frequentemente utilizadas nas
infecções do trato urinário e têm alguma ação contra o M. tuberculosis,
apresentando melhora temporária.
Deve-se ter cuidado ao diagnóstico. É que a pesquisa de BAAR na urina tem
baixíssima especificidade para M. tuberculosis, pois existem micobactérias
saprófitas no trato urinário; assim, o método de escolha é a cultura de urina,
geralmente feita com várias amostras sucessivas de material. Em alguns
casos, poderá ser indicada a biópsia de lesões vistas em tomografia ou
cistoscopia de vias urinárias.

f) Osteoarticular

Importante
A TB osteoarticular causa o mal de Pott, que, por sua vez, causa a
destruição de vértebras (em geral lombares), podendo formar abscessos
paravertebrais e, consequentemente, paraplegia.

Apesar de não ser tão frequente, a TB osteoarticular ganha importância pela


sua apresentação mais temida, o mal de Pott. Essa forma de TB óssea causa
destruição total da vértebra, com reativação de focos hematogênicos nas
porções central e anterior do osso esponjoso do corpo vertebral. Pode haver a
formação de abscessos paravertebrais pela caseificação natural do bacilo ao
redor da lesão inicial óssea. Além disso, pode evoluir com febre e alterações
associadas à localização da lesão; portanto, paraplegia pode existir. Os corpos
vertebrais mais acometidos são os das colunas torácica baixa e lombar alta.
Figura 7 - Observa-se lesão com destruição total da vértebra e área de abscesso anterior associado:
lembrar-se do mal de Pott sempre que se observem lesões destrutivas de vértebras – diagnóstico
diferencial principal com neoplasias (metástases)

g) Outras formas

Qualquer região do corpo pode ser foco da doença – exceção a unhas e


cabelos. No entanto, este capítulo prioriza as mais comuns, com as demais
abordadas oportunamente como diagnósticos diferenciais de outras doenças,
em seções específicas: peritoneal (diagnóstico semelhante ao das demais TBs
que causam serosites), cutânea, ocular, genital (relacionada a más condições
de higiene e promiscuidade), de tubo digestivo (principalmente íleo) e de
glândulas endócrinas (a suprarrenal é a mais comum) etc.

Dica
É importante lembrar que, mesmo em pacientes assintomáticos
respiratórios, na suspeita clínica de TB extrapulmonar, deverá sempre ser
realizado exame radiológico do tórax (de preferência tomografia
computadorizada pela sua maior sensibilidade), visto que até 50% destes
pacientes apresentam alterações compatíveis com a doença, mesmo que
sem doença bacilífera em atividade.

4. Procura de casos – “busca ativa”


A procura de casos é um conceito programático que compreende tanto os
métodos diagnósticos quanto as ações de saúde pública para operacionalizá-
los, envolvendo os serviços e a comunidade. Essas ações estão voltadas para
os grupos com maior probabilidade de apresentar a doença.

Importante
São os grupos populacionais com maior probabilidade de apresentar a TB:
sintomáticos respiratórios (pessoas com tosse e expectoração por 3
semanas ou mais); contactantes de casos de TB; suspeitos radiológicos;
pessoas com doença ou condição social que predisponham à doença
(indivíduos em situação de rua, imigrantes, imunodeficientes).

Os contatos, definidos como toda pessoa, parente ou não, que coabita com um
doente de TB, constituem um grupo para o qual se recomenda uma atitude de
“busca ativa”.
Os locais ideais para organizar a procura de casos são os serviços de saúde,
públicos ou privados, com “busca ativa” de sintomáticos respiratórios. Nas
áreas onde as ações já estão organizadas, a visita domiciliar periódica do
agente de saúde deve incluir a detecção de casos entre sintomáticos
respiratórios e contatos, principalmente de casos bacilíferos e crianças. Deve-
se ter atenção especial com populações de maior risco de adoecer,
representadas, sobretudo, por residentes em comunidades fechadas, como
presídios, instituições psiquiátricas, abrigos e asilos. Nesses ambientes,
justifica-se a busca ativa periódica de casos. Alcoolistas, usuários de drogas,
moradores de rua, trabalhadores de saúde, imunodeprimidos por uso de
medicamentos ou por doenças imunossupressoras também são prioridade.

Importante
Os serviços de saúde, em especial as Unidades Básicas de Saúde, devem
fazer a “busca ativa” de sintomáticos respiratórios.

Em infectados por HIV, principalmente na fase avançada de imunodepressão


(contagem de linfócitos T CD4 <200 células/mm3 ou linfócitos <1.000
células/mm3), deve-se suspeitar de TB na presença de qualquer sintoma
respiratório e quadros de febre de origem indeterminada. As justificativas
para essa conduta são a alta frequência de manifestações atípicas de TB e a
ocorrência de outras doenças respiratórias causadas por agentes oportunistas.

A - Definições importantes
B - Diagnóstico

Diagnóstico
O diagnóstico de TB é feito principalmente com base na baciloscopia, com
pelo menos 2 amostras de escarro, e na cultura desse escarro.

O diagnóstico da TB, além da avaliação clínica, deve fundamentar-se nos


métodos a seguir.
a) Baciloscopia

Método fundamental tanto para o diagnóstico quanto para o controle do


tratamento. Não é aceitável, exceto para crianças, o diagnóstico de TB
pulmonar sem a investigação pela baciloscopia de escarro. O método de
coloração específico adotado no Brasil e de custo mais baixo é o de Ziehl-
Neelsen, mas também podem ser utilizados o meio de Kinyoun (uma variante
do Ziehl-Neelsen, com a exclusão da etapa de aquecimento) e a coloração
fluorescente com auramina; contudo, eles pouco contribuem em termos de
sensibilidade.
A sensibilidade da baciloscopia é de mais de 80% na 1ª amostra, com
aumento de 12% com a 2ª amostra. A baciloscopia direta permite descobrir as
fontes mais importantes de infecção, os casos bacilíferos. Recomenda-se a
colheita de, ao menos, 2 amostras de escarro.
Deve-se solicitar baciloscopia aos pacientes que apresentem: tosse e
expectoração há 3 semanas ou mais; alterações radiológicas pulmonares
sugestivas; infecção por HIV com qualquer afecção pulmonar.

Figura 8 - Bacilos álcool-ácido-resistentes em método de Ziehl-Neelsen

A sensibilidade do teste tem certa limitação, e sua especificidade também não


é de 100%. Falsos positivos podem ocorrer, quer por outras micobactérias,
quer por bactérias como Nocardia sp. e Rhodococcus equi.
Importante
Baciloscopia no escarro ainda é o exame de maior custo-benefício no
diagnóstico da TB, pois tem baixo custo e boa sensibilidade, caso o
examinador seja treinado.

b) Teste molecular rápido para tuberculose

Em 2014, o Ministério da Saúde implantou um teste rápido para TB em


diversas cidades, chamado GeneXpert®. Esse teste consiste na utilização de
escarro do paciente com identificação da micobactéria. O teste fornece, ainda,
se o bacilo é resistente a rifampicina. O principal objetivo é facilitar o
diagnóstico, principalmente em áreas onde há dificuldade técnica para realizar
a baciloscopia tradicional.

Importante
O teste molecular para o diagnóstico de TB já é utilizado em todo o Brasil
como instrumento auxiliador no diagnóstico da forma pulmonar,
principalmente em locais em que há baixa quantidade de técnicos treinados
para leitura de bacilo álcool-ácido-resistente no escarro.

c) Cultura para micobactéria

Há vários meios de cultura disponíveis para as micobactérias. O mais


utilizado no Brasil, aprovado pela OMS, é o de Löwenstein-Jensen.

Os meios líquidos de cultura têm-se tornado cada vez mais frequentes. Apesar
do alto custo comparado ao Löwenstein, esses métodos são mais rápidos, com
crescimento em 15 dias, em média, em comparação ao anterior, que leva até
60 dias para crescer. Provavelmente, substituirão o Löwenstein em médio
prazo. No caso de suspeita de TB de vias urinárias, lembrar-se de solicitar em
pelo menos 5 amostras de urina em dias alternados, utilizando toda a urina da
manhã (após centrifugação, pode ser feita baciloscopia e cultura).

Dica
Os meios líquidos de cultura são mais rápidos, mas podem resultar falsos
positivos para outras micobactérias não tuberculosas simbióticas apenas no
ser humano.

d) Radiografia de tórax

Suspeitas radiológicas de TB pulmonar com baciloscopia direta negativa:


afastar a possibilidade de outras doenças, recomendando-se, ainda, a cultura
para micobactéria;
Diferenciação de formas de TB de apresentação atípica;
Diagnóstico de outras pneumopatias no paciente portador de HIV/AIDS ou de
outras situações de imunossupressão;
Em pacientes com baciloscopia positiva, sua função principal é excluir
doença pulmonar associada, que necessite de tratamento concomitante, além
de possibilitar a avaliação da evolução radiológica dos pacientes, sobretudo
aqueles que não respondem à quimioterapia.
As manifestações radiológicas da TB variam conforme a apresentação:

Primária: é mais comum em crianças. A radiografia pode ser normal,


embora possa haver pequenos nódulos periféricos, mas não visualizados.
Comumente se apresenta como consolidação parenquimatosa com
opacidade homogênea do pulmão, algumas vezes com broncograma
aéreo, simulando uma pneumonia bacteriana. O aumento de linfonodos é
uma das manifestações radiológicas mais frequentes na TB primária.
Acomete entre 83 e 96% das crianças, e sua frequência diminui entre os
adultos, variando entre 10 e 43%. É, tipicamente, hilar, localizada no
paratraqueal direito e, mais raramente, subcarinal, ou na região
aortopulmonar. Usualmente, associa-se à consolidação parenquimatosa
ou atelectasia. Esta ocorre entre 9 e 30%. O padrão é miliar ou
micronodular e consiste em pequenas opacidades isoladas, com diâmetro
de 2 a 10mm, geralmente uniforme em tamanho e com distribuição
homogeneamente disseminada. O padrão clássico de 2 a 3mm torna-se
visível somente após 2 a 6 semanas;
Pós-primária: forma mais comum entre adultos e adolescentes; 85% dos
casos têm apresentação pulmonar. Os achados mais frequentes são
opacidades heterogêneas e cavidades. As cavidades mais frequentemente
se localizam em segmentos superiores. O padrão reticulonodular
representa a disseminação broncogênica da TB a partir de uma cavidade
ou de um linfonodo fistulizado, que determina a implantação de bacilos
em outras localizações dos pulmões.

Figura 9 - Radiografia de tórax posteroanterior: consolidação no campo superior do pulmão direito


Figura 10 - Radiografia de tórax em posteroanterior: opacidades reticulomicronodulares difusas em
ambos os pulmões (tuberculose miliar)

O diagnóstico diferencial das cavitações deverá ser considerado, sobretudo, se


a pesquisa de BAAR no escarro for negativa e envolve:

Abscesso pulmonar: geralmente há fator de risco para aspiração (como


epilepsia mal controlada), cavidade em segmento posterior e nível
líquido;
Neoplasias: valorizar em indivíduos idosos, tabagistas, com cavidade
localizada no segmento anterior do lobo superior;
Aspergiloma (bola fúngica): há opacidade dentro de uma lesão cavitária
antiga – em geral, há história de TB.

e) Tomografia de tórax

Trata-se de um método de imagem de alto custo e indicado somente a


situações em que a radiografia de tórax não contribui para o diagnóstico de
doença, por alterações parenquimatosas mínimas ou por não permitir
distinguir lesões antigas fibróticas das lesões características de disseminação
broncogênica. Os pacientes com TB miliar apresentam micronódulos,
habitualmente <6mm, distribuídos difusa e aleatoriamente. Também podem
existir nódulos >6mm e pequenas cavidades.

Figura 11 - Tomografia de tórax: nódulos centrolobulares de distribuição segmentar (setas) – notar,


também, nódulo na região posterior do pulmão esquerdo

f) Prova tuberculínica – PPD

Dica
Na prova tuberculínica (PPD), o valor de corte é de 5mm, sendo os
indivíduos classificados da seguinte forma: PPD <5mm é não reator, e PPD
≥5mm é considerado reator. No entanto, no adulto, não tem nenhum
impacto para o diagnóstico da doença, servindo especificamente para
avaliação de TB latente.

Trata-se de um método auxiliar que, quando positivo, isoladamente, é


insuficiente para o diagnóstico da doença. Na realidade, consiste em teste de
hipersensibilidade tardia à inoculação intradérmica de antígeno de M.
tuberculosis. A leitura da PPD é realizada de 72 a 96 horas após a aplicação,
medindo-se o maior diâmetro da área de endurecimento palpável. Atualmente,
segundo o Manual de Recomendações para Tratamento de Tuberculose –
2011, publicado pelo Ministério da Saúde, considera-se apenas o valor de
5mm como corte. Assim, para adultos, a classificação é a seguinte: PPD
<5mm é não reator, e PPD ≥5mm é considerado como reator. Algumas
circunstâncias podem interferir no resultado das provas tuberculínicas, como:

Portadores de doenças imunodepressoras: sarcoidose, AIDS, neoplasias


de cabeça e pescoço, doenças linfoproliferativas, outras neoplasias;
Situações com imunodepressão transitória: vacinação com vírus vivos,
gravidez, tratamentos com corticosteroides e drogas imunodepressoras,
crianças com menos de 2 meses, pessoas com mais de 65 anos.

Considerando a alta prevalência de TB no Brasil, o teste de PPD não deve ser


utilizado para indicar tratamento, como ocorre em países onde a prevalência é
baixa. De fato, não pode ser utilizado para o diagnóstico de TB no adulto. A
exceção é a criança, em que pode compor um escore para previsão
diagnóstica.

Importante
Todos os indivíduos infectados por HIV devem ser submetidos a PPD, e,
de acordo com o resultado, deve ser adotada uma das seguintes condutas:
se PPD ≥5mm, deve-se fazer tratamento de TB latente (após afastamento
da forma ativa); se PPD entre 0 e 4mm, não há indicação de tratamento
nem de repetição de exame; se PPD igual a zero, deve-se repetir o teste
anualmente.

g) IGRA

O IGRA corresponde a um ensaio de detecção de gamainterferona (Interferon


Gamma Release Assay), que pode ser utilizado em substituição ao PPD na
avaliação de TB latente. A rigor, o teste avalia os níveis de interferona
produzidos por linfócitos T estimulados por antígenos da micobactéria. A
interpretação é qualitativa: positivo ou negativo.
O teste é mais prático, requer coleta sanguínea pontual e tem leitura
automatizada, não sofrendo efeitos de erros de leitura. Ademais, não há
impacto da vacinação prévia em sua interpretação. No entanto, o custo tem
limitado a sua implementação no Brasil.
h) Histopatológico

É útil na investigação das formas extrapulmonares. A lesão apresenta-se como


um granuloma, geralmente com necrose de caseificação e infiltrado
histiocitário de células multinucleadas. Como essa apresentação ocorre em
outras doenças, o achado de BAAR na lesão é fundamental para o diagnóstico
de TB.

i) Outros métodos de diagnóstico

São complementares aos métodos convencionais:

Hemocultura: em pacientes HIV positivo ou com AIDS, em que haja


suspeita de doença disseminada;
Cultura com detecção da produção de CO2: utiliza a produção de gás
carbônico pelo bacilo em crescimento para a detecção de sua presença
nos meios de cultura. Permite, também, a realização de TS a drogas em
um tempo mais curto que o habitual;
Lavado broncoalveolar (LBA): em pacientes com suspeita de TB com
escarro negativo, as opções são o LBA e o escarro induzido (usando
salina a 3%). O escarro induzido apresenta melhor relação custo-
benefício, e a pesquisa de PCR em escarro induzido em pacientes com
baciloscopia negativa confirma o diagnóstico em vários casos. Alguns
estudos demonstraram a utilidade da broncoscopia no diagnóstico da TB,
nas formas negativas na baciloscopia, com rendimento que varia de 11 a
96%. Dentre os procedimentos associados à broncoscopia, lavado
brônquico, LBA, escovado brônquico, biópsia brônquica, biópsia
transbrônquica e punção aspirativa com agulha, o de melhor relação
custo-benefício é o LBA. Este pode aumentar, ainda, a possibilidade de
diagnóstico de TB miliar, com confirmação diagnóstica em 83% dos
casos. Utilizando-se o lavado brônquico e a biópsia transbrônquica
também em pacientes com broncoscopia com envolvimento ganglionar
hilar e mediastinal, faz-se o diagnóstico em até 87% dos casos; também é
útil para o diagnóstico da TB endobrônquica. As principais indicações da
broncoscopia com LBA são:
Baciloscopia com escarro induzido negativa;
Suspeita de outra doença pulmonar que não TB;
Doença com acometimento difuso do parênquima pulmonar;
Suspeita de TB endobrônquica;
Pacientes imunodeprimidos, principalmente HIV.
Métodos moleculares: o PCR é um método muito difundido no
diagnóstico de várias doenças infecciosas. Na TB, tem seu uso cada vez
mais crescente. Entretanto, como a padronização do método ainda não
foi completamente estabelecida, valores diferentes podem ser
encontrados dependendo do laboratório analisado (métodos in house).
Isso dificulta a sua utilização em larga escala, além do alto custo do
exame;
ADA: método acessório de grande importância, pois fortalece o
diagnóstico de TB, é coletado nos líquidos cavitários (pleural, peritoneal,
pericárdico, liquor). No entanto, não realiza tal diagnóstico
isoladamente, pois pode aumentar em outras situações, como neoplasias,
empiemas e infecções bacterianas.

C - Classificação dos pacientes

a) Tuberculose pulmonar positiva

2 baciloscopias diretas positivas; ou


1 baciloscopia direta positiva e cultura positiva; ou
1 baciloscopia direta positiva e imagem radiológica sugestiva de TB.

Em doentes adultos, com sintomatologia crônica e baciloscopias negativas,


deve-se afastar a possibilidade de doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer
de pulmão, micoses pulmonares, outras pneumopatias crônicas e infecção por
HIV ou AIDS.

b) Extrapulmonar

A TB pode, ainda, expressar-se por formas disseminadas como a miliar ou


extrapulmonar (classificada segundo as localizações: pleural, ganglionar
periférica, osteoarticular, geniturinária, meningoencefálica e assim por
diante). A TB pleural e a ganglionar são as mais comuns.

5. Tratamento
A TB é uma doença grave, porém curável em praticamente 100% dos casos
novos. A associação medicamentosa adequada, com doses corretas, e o uso
por tempo suficiente com supervisão da tomada dos medicamentos são os
meios para evitar a persistência bacteriana e o desenvolvimento de resistência
às drogas, assegurando, assim, a cura do paciente.
O tratamento dos bacilíferos é a atividade prioritária de controle da TB, uma
vez que permite anular, rapidamente, as maiores fontes de infecção. O
tratamento para caso suspeito de TB sem comprovação bacteriológica deve
ser iniciado após tentativa de tratamento específico para pneumonia, com
antibiótico de largo espectro, sem melhora dos sintomas. Uma vez iniciado, o
tratamento não deve ser interrompido, salvo após uma rigorosa revisão clínica
e laboratorial que determine mudanças de diagnóstico.
Apesar de o tratamento medicamentoso ser essencial, as políticas de saúde
englobam medidas para diminuir a disseminação que surtem resultado, como
“busca ativa” de contactantes, medidas sanitárias e culturais envolvendo
comunidades pobres e aglomeração em favelas. Dessa maneira, o
envolvimento de agentes comunitários, os programas de Medicina de Família
e o tratamento supervisionado melhoram a transmissibilidade da infecção.

Tratamento
O esquema básico de tratamento da TB para adultos e adolescentes é feito
da seguinte forma: fase de ataque por 2 meses, com 4 drogas (rifampicina,
isoniazida, pirazinamida e etambutol), e, posteriormente, fase de
manutenção por 4 meses, com 2 drogas (rifampicina e isoniazida). O
acompanhamento é mensal, com baciloscopia.

A - Regimes

O tratamento é desenvolvido sob regime ambulatorial, preferencialmente


supervisionado, com pelo menos 3 observações semanais da tomada dos
medicamentos nos primeiros 2 meses e 1 observação semanal até o seu final.
As principais indicações para realização de internação para tratamento
seguem na Tabela 4.
B - Esquemas

Desde 2009, os esquemas de tratamento de TB para pacientes com mais de 10


anos necessariamente apresentam 4 drogas (em associação a etambutol). O
motivo principal desse acréscimo foi o aumento na resistência ao tratamento
com apenas 3 drogas avaliado anteriormente. A seguir, são reproduzidas as
recomendações atuais do Ministério da Saúde para o tratamento de TB,
modificadas conforme a Nota técnica sobre as mudanças no tratamento da TB
no Brasil para adultos e adolescentes, de 2009.

a) Esquema básico para adultos e adolescentes


(2RHZE/4RH)

R (rifampicina) – H (isoniazida) – Z (pirazinamida) – E (etambutol).


Indicações: casos novos de todas as formas de TB pulmonar e extrapulmonar
(exceto meningoencefalite) infectados ou não pelo HIV;
Retratamento: recidiva (independentemente do tempo decorrido do 1º
episódio) ou retorno após abandono com doença ativa. Preconiza-se a
solicitação de cultura, identificação e TS em todos os casos de retratamento.
Recomenda-se a solicitação de cultura, identificação e TS para todos os casos
com baciloscopia positiva ao final do 2º mês de tratamento. De acordo com o
resultado do TS, será identificada a possível resistência aos fármacos, e a
mudança do esquema será avaliada na unidade de referência. Até o retorno e a
avaliação do TS, deverá ser mantido o esquema inicial.

b) Esquema para meningoencefalite para adultos e


adolescentes (2RHZE/7RH)

Importante
Na meningoencefalite tuberculosa, o tratamento é semelhante ao da forma
pulmonar, porém feita por mais tempo: 2 meses com esquema de 4 drogas
(rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol) e 7 meses com
esquema de 2 drogas (rifampicina e isoniazida). Nesses casos, deve ser
associado também um corticoide (prednisona oral 1 a 2mg/kg/d, por 4
semanas, ou dexametasona intravenosa nos casos graves de 0,3 a
0,4mg/kg/d, por 4 a 8 semanas).
Na meningoencefalite tuberculosa, deve ser associado corticosteroide ao
esquema anti-TB: prednisona oral (1 a 2mg/kg/d), por 4 semanas, ou
dexametasona intravenosa nos casos graves (0,3 a 0,4mg/kg/d), por 4 a 8
semanas, com redução gradual da dose nas 4 semanas subsequentes.

c) Esquema para multirresistência


(2S5ELZT/4S3ELZT/12ELT)

S (estreptomicina) – E (etambutol) – L (levofloxacino) – Z (pirazinamida) – T


(terizidona). Está indicado para resistência a RH e outro(s) fármaco(s) de 1ª
linha, falência ao esquema básico ou na impossibilidade do uso do esquema
básico por intolerância a 2 ou mais fármacos.

Dica
Lembrar que a definição para TB multidrogarresistente é a presença de
resistência comprovada tanto à rifampicina quanto à isoniazida. Outro dado
importante é o papel fundamental da rifampicina no tempo de tratamento,
visto que qualquer esquema alternativo, na impossibilidade de uso da
rifampicina, implica tempo de tratamento de, no mínimo, 12 meses.

Importante
O esquema para multirresistência não é melhor do que o esquema básico.
Na realidade, é a única opção a alguns pacientes. Quais? Aqueles com
resistência aos fármacos. Parece um raciocínio elementar, mas na prática
precisamos relembrar esse aspecto para não incorrer em erro.
d) Esquemas especiais para adultos e adolescentes

O efeito adverso mais comum dos tuberculostáticos é a toxicidade hepática.


No entanto, é importante lembrar que, nas primeiras semanas de tratamento,
pode ocorrer elevação transitória de aminotransferases, geralmente de até 2 a
3 vezes o Limite Superior de Normalidade (LSN), sem necessidade de
qualquer intervenção. Em casos de elevação mais pronunciada, ou se houver
doença hepática prévia, poderá ser necessário ajuste do tratamento. Nos casos
de doença hepática, prévia ou crônica, o tratamento vai depender dos valores
de transaminases antes do início do tratamento. Doença hepática prévia:

Doença hepática (porém sem cirrose) estável ou instável + exames basais


(antes do início do tratamento) mostrando: alanina aminotransferase –
ALT (transaminase pirúvica – TGP) >3 vezes LSN = 2RHE/7RH; ALT
(TGP) ≤3 vezes LSN = 2RHZE/4RH;
Cirrose hepática = RE + levofloxacino ou moxifloxacino ou ofloxacino
ou ciclosserina, por 12 a 18 meses.

Doença hepática crônica estabelecida:

ALT (TGP) ≤3 vezes LSN e sem evidências clínicas de doença =


2RHZE/4RH (mesmo que sejam portadores de vírus da hepatite ou
tenham antecedentes de hepatite aguda ou hábitos alcoólicos excessivos),
acompanhar com exames laboratoriais periódicos;
ALT >3 vezes LSN e com evidências clínicas de doença = 2RHES/6HE
ou 2HRE/6HE ou 2HSE/10HE ou 3SEO/9EO (neste esquema,
ofloxacino pode ser substituído pelo levofloxacino);
Hepatotoxicidade após início do tratamento;
ALT >5 vezes LSN (com ou sem icterícia) ou icterícia (com ou sem
aumento de ALT) ou sintomas hepáticos: suspender o esquema e
investigar abuso de álcool, doença biliar ou uso de outras drogas
hepatotóxicas.

No caso de piora dos valores de transaminases após o início do tratamento:


suspender o tratamento e reintroduzir os fármacos quando ALT <2 vezes
LSN: reiniciar RHZ um a um. Primeiramente R (com ou sem E); de 3 a 7
dias, depois solicitar exames; se não houver aumento, reintroduzir H; se não
houver aumento de ALT 1 semana após H, reiniciar Z;
Nos casos de intolerância moderada a grave, hepatotoxicidade ou
hipersensibilidade: mantém-se a recomendação de reintrodução fármaco por
fármaco, para a avaliação da necessidade de sua substituição;
Em casos graves: até que se detecte a causa da anormalidade, ou em casos em
que as enzimas e/ou bilirrubinas não se normalizam após 4 semanas sem
tratamento = 3SEO/9EO (nesse esquema, o ofloxacino pode ser substituído
pelo levofloxacino), acrescido ou não de H;
No caso de intolerância a 1 fármaco, apenas:

Rifampicina (2HZES/10HE);
Isoniazida (2RZES/7RE);
Pirazinamida (2RHE/4RH);
Etambutol (2RHZ/4RH).

No caso de polirresistência (R ou H + outro fármaco):

Esquemas individualizados de acordo com o TS.

6. Efeitos colaterais

A - Isoniazida – hidrazida
Dica
A isoniazida pode causar toxicidade neurológica, especialmente neuropatia
periférica, tratada com piridoxina (vitamina B6).

Trata-se de uma droga geralmente bem tolerada, cujos efeitos adversos podem
ocorrer em até 5,4% das pessoas. Os efeitos adversos mais importantes são a
toxicidade hepática e a hepatite potencialmente fatal. A frequência de hepatite
associada à isoniazida é, primariamente, em função da idade, diretamente
associada à idade avançada. Outros fatores que predispõem ao dano hepático
associado à isoniazida incluem abuso de álcool, uso de drogas ilícitas e
história de doença hepática prévia.
A elevação assintomática das transaminases é possível em até mais de 20%
dos pacientes durante os primeiros 2 meses de tratamento, com o retorno aos
valores normais com o prosseguimento da terapêutica. Entre outras reações
adversas atribuídas à isoniazida, inclui-se a toxicidade ao sistema nervoso: a
neuropatia periférica é a mais comum, relacionada à dose e, provavelmente,
causada pelo aumento da excreção da piridoxina (vitamina B6).
Encefalopatia tóxica, neurite óptica, ataxia cerebelar e psicoses são sintomas
neurológicos menos frequentes. Reações de hipersensibilidade são
encontradas casualmente e manifestam-se por febre, prurido e erupção
cutânea, podendo, ainda, ser acusada como causa de uma reação semelhante
ao lúpus. Artralgia e distúrbios hematológicos (anemia e agranulocitose)
também são descritos.
Além disso, monitoriza-se a hepatotoxicidade e procede-se conforme já
descrito nos esquemas especiais para essa situação.

B - Rifampicina

É administrada em dose única, de preferência 1 hora antes ou 2 horas após a


alimentação, para evitar interferência na absorção da droga. Sua excreção é
predominantemente hepática.

Importante
A rifampicina causa, como principais efeitos colaterais, alterações
gastrintestinais como anorexia, náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia.
Pode causar, também, aumento de enzimas hepáticas.
C - Pirazinamida

Utilizada na quimioterapia antituberculosa de curta duração, geralmente não


representa toxicidade hepática adicional. Inibe a secreção tubular de ácido
úrico e pode causar hiperuricemia sérica. Embora a ocorrência de gota
clássica não seja frequente, poliartralgia é um efeito colateral comum, em
cerca de 40% dos pacientes que estão recebendo a droga. A poliartralgia,
usualmente, responde bem a anti-inflamatórios ou alopurinol e não requer a
suspensão da droga. Outros efeitos colaterais incluem intolerância
gastrintestinal e quadros alérgicos cutâneos.

D - Etambutol
Dica
O etambutol pode causar manifestações oculares como neurite óptica.

Nas doses habituais, os eventos adversos são incomuns. Em doses


aumentadas, a reação adversa mais frequente é uma neuropatia retrobulbar,
manifestada por diminuição da acuidade visual. A neurite óptica é reversível
após semanas a meses da suspensão da droga; no entanto, em crianças, pela
dificuldade de diagnóstico e monitorização da lesão ocular, geralmente é
contraindicada.

7. Situações especiais

A - Doença hepática prévia


Deve-se proceder conforme já descrito nos esquemas especiais para adultos e
adolescentes, de acordo com o item “B - d)”, do tópico 5 deste mesmo
capítulo.

B - Gravidez

Deve ser tratada com o esquema básico, com associação de piridoxina, em


virtude do risco aumentado de neuropatia periférica. Caso a mãe, no período
do parto, seja bacilífera, deve ser adotado o isolamento respiratório, e o
recém-nascido não deve ficar em contato com ela, até que a baciloscopia se
torne negativa. Não há contraindicação ao uso do leite materno. O esquema
básico não induz maior número de partos prematuros, abortamentos,
teratogenicidade ou natimortalidade.
Após o nascimento, caso a mãe esteja em tratamento por menos de 3 meses,
ou seja, bacilífera, a criança deve receber a quimioprofilaxia com isoniazida
por 3 meses. Após esse período, deve-se realizar PPD na criança, e, se
positivo, deve-se prolongar a quimioprofilaxia por mais 3 meses e investigar a
possibilidade de doença ativa. Se negativo, deve-se interromper a isoniazida e
aplicar a BCG.

C - Doença renal crônica

Os pacientes com função renal alterada devem ser tratados com o esquema
básico com ajuste das doses. Já aqueles em regime crônico de hemodiálise
devem receber as doses dos medicamentos logo após a diálise. A recente nota
técnica não traz informações específicas quanto aos esquemas preconizados
para pacientes renais crônicos.

D - Outras situações

Os portadores de diabetes mellitus, idosos e aqueles com forma disseminada


da doença não relacionada à imunodeficiência devem receber o esquema
básico. Deve-se ressaltar que os efeitos colaterais podem ser mais frequentes
nesses grupos de doentes, e a monitorização de tais efeitos deve ser mais
constante do que nos outros pacientes.

E - Imunodeficiências não associadas ao HIV

Os pacientes em uso prolongado de corticosteroides e outros


imunossupressores devem ser tratados com o esquema básico, podendo-se
optar por um prolongamento (de até 9 meses) deste. A quimioprofilaxia para
TB com base no PPD pode estar indicada antes do início da imunossupressão,
como no caso do uso de anticorpos monoclonais anti-TNF-alfa (infliximabe).

F - Coinfecção TB-HIV
Os pacientes coinfectados por M. tuberculosis e HIV têm risco aumentado de
desenvolver TB. Por conta disso, recomenda-se, para aqueles com PPD
positivo (>5mm), afastada TB ativa, quimioprofilaxia com isoniazida por um
período de 6 meses. Também é recomendada quimioprofilaxia quando há
aumento de 10mm no PPD de um ano para outro (descartando TB ativa). E,
em pacientes que melhoram a imunidade (com PPD anterior de zero ou
<5mm), também deve ser repetido o PPD, pois valores >5mm devem receber
quimioprofilaxia, desde que excluída TB em atividade.
Apesar de ser considerada uma doença oportunista, frequentemente
resultando de reativação endógena, a ocorrência de TB com padrão clínico-
radiológico típico (acometimento apical) não caracteriza, necessariamente,
comprometimento significativo da imunidade ou falha da terapia
antirretroviral (TARV). Já quadros incomuns e graves de TB
(meningoencefalite, TB miliar) associam-se, habitualmente, a quadros de
baixa contagem de linfócitos T CD4+. Deve-se ressaltar que,
independentemente da situação imunológica inicial, o adoecimento por TB
com frequência promove elevação da carga viral e redução concomitante da
contagem de células T CD4 em pacientes HIV positivo.
Atenção especial deve ser dada ao tratamento da TB em HIV positivos que
fazem uso de esquema antirretroviral, incluindo um inibidor de protease e/ou
nevirapina. Essas drogas têm interação com a rifampicina, gerando grande
risco de toxicidade e diminuição da efetividade (diminuição do nível sérico)
do antirretroviral. A rifampicina pode ser utilizada, concomitantemente, com
esquemas que contenham inibidores da transcriptase reversa análogos de
nucleosídeos (ITRN) associados ao efavirenz. A nota técnica traz uma nova
possibilidade de tratamento da coinfecção TB-HIV: para os casos que
necessitam de TARV, que é incompatível com o uso da rifampicina, em seu
lugar, a rifabutina estará disponível para a composição do esquema básico e
para a meningoencefalite.
O uso de esquemas antirretrovirais com apenas 2 drogas está proscrito, em
razão da sua inferioridade na redução da carga viral do HIV, além da
possibilidade de induzir rápida resistência viral. É importante considerar que a
adesão adequada aos esquemas tuberculostáticos e antirretrovirais
concomitantemente é um grande desafio para o paciente, devido à elevada
quantidade de comprimidos a serem tomados por dia e à ocorrência de efeitos
colaterais. Portanto, deve-se considerar, sempre que possível, a possibilidade
de postergar o início do tratamento antirretroviral em pacientes com
coinfecção TB-HIV, particularmente naqueles com quadros de
imunodeficiência menos graves do ponto de vista clínico-laboratorial.

Dica
Deve-se ofertar teste para HIV a todo paciente com TB ativa. Em caso
positivo, o tratamento do HIV não deve ser imediato; recomenda-se
aguardar cerca de 4 semanas para iniciar, reduzindo o risco de síndrome de
reconstituição imune.

Pacientes com TB ativa, infectados pelo HIV, devem seguir estas


recomendações:

Indivíduos que nunca receberam tratamento para HIV devem receber


esquemas habituais de TB (esquema básico), conforme indicação, e ter
TARV iniciada com esquema compatível com o uso de RMP (2 ITRNs +
efavirenz). Nesse caso, aconselha-se aguardar a estabilização do quadro
clínico de TB para introdução de TARV, até, no máximo, 30 dias. Nas
situações em que o efavirenz for contraindicado a pacientes que nunca
receberam TARV (por exemplo, na gravidez), pode-se optar por
esquemas contendo nevirapina ou inibidor de protease e substituir a
rifampicina por rifabutina. Recomenda-se contagem de linfócitos T CD4
e carga viral de HIV de 30 dias após o início do tratamento de TB, para
avaliar a indicação de TARV, conforme recomendações para o
tratamento do HIV em adultos;
Pacientes já em uso de TARV na ocasião do diagnóstico de TB devem
receber esquemas habituais de TB conforme indicação e ter TARV
modificada para esquema compatível com uso de rifampicina. Em caso
de contraindicações ao esquema antirretroviral compatível, deve ser
mantido o esquema antirretroviral em uso e introduzido esquema para
TB com rifabutina em substituição à rifampicina.

G - Diagnóstico na criança e no adolescente

As manifestações clínicas podem ser diversas. O dado que chama atenção, na


maioria dos casos, é febre, habitualmente moderada, persistente por mais de
15 dias e frequentemente vespertina. São comuns irritabilidade, tosse, perda
de peso, sudorese noturna, às vezes profusa; hemoptise é rara.
Frequentemente, há suspeita de TB em casos de pneumonia que não
apresentam melhora com antimicrobianos para germes comuns. Predomina a
localização pulmonar sobre as demais formas de TB.
Os achados radiográficos mais sugestivos da TB pulmonar são adenomegalias
hilares e/ou paratraqueais, mediastino aumentado de volume, pneumonias
com qualquer aspecto radiológico, de evolução lenta, associadas a
adenomegalias mediastinais, ou que cavitam durante a evolução; infiltrado
nodular difuso (padrão major). Sempre deve ser estabelecido o diagnóstico
diferencial com TB em crianças que vêm sendo tratadas com antibióticos para
germes comuns sem apresentar melhora após 2 semanas.
A história de contágio com adulto tuberculoso, bacilífero ou não, deve ser
valorizada, principalmente entre crianças até a idade escolar.
O PPD é sugestivo de TB na criança quando >5mm após 2 anos de BCG e
>10mm quando menos de 2 anos de BCG.
Em crianças de até 5 anos, internadas para investigação de TB, pode-se tentar
a cultura para M. tuberculosis em amostra de lavado gástrico, que, em
serviços ambulatoriais, não é recomendado. Exame de escarro (baciloscopia e
cultura), em geral, só é possível a partir dos 5 ou 6 anos. Portanto, raramente
o diagnóstico de TB na criança é feito pelo exame de escarro.
Dependendo do quadro clínico radiológico apresentado pela criança, podem
ser necessários outros métodos diagnósticos, como broncoscopia, punções e,
até mesmo, biópsia pulmonar por toracotomia, para exame bacteriológico e
histopatológico.
Algumas localizações extrapulmonares da TB são mais frequentes na
infância, como gânglios periféricos, pleura, ossos e meninges. As TBs do
aparelho digestivo (peritoneal e intestinal), pericárdio, geniturinária e cutânea
são mais raras. A TB ganglionar periférica acomete, com frequência, as
cadeias cervicais e é, em geral, unilateral, com adenomegalias de evolução
lenta, superior a 3 semanas. Os gânglios têm consistência endurecida e podem
fistulizar (escrofuloderma). É comum a suspeita de TB em casos de
adenomegalia que não respondem ao uso de antibióticos.
A meningoencefalite tuberculosa costuma cursar com fase prodrômica de 1 a
8 semanas, quase sempre com febre, irritabilidade, paralisia de pares
cranianos, e pode evoluir com sinais clínicos de hipertensão intracraniana,
como vômitos, letargia e rigidez de nuca. O liquor é claro, com glicose baixa
e predomínio de mononucleares. O PPD pode ser não reator, pois a forma é
anérgica.
A forma osteoarticular mais encontrada ocorre na coluna vertebral,
constituindo o mal de Pott. Cursa com dor no segmento atingido e posição
antálgica nas lesões cervicais e torácicas, paraplegias e gibosidade.
Apesar de tudo apresentado até o momento, deve-se dizer que o diagnóstico
de TB na criança é realizado na maioria das vezes por meio de um conjunto
de sinais e sintomas. Por esse motivo, foi proposto e criado um algoritmo de
tratamento de acordo com pontos que são avaliados pelos sinais, o PPD e os
sintomas. As recomendações, de acordo com a Fundação Nacional de Saúde,
são apresentadas nas Tabelas 10 e 11.
H - Tuberculose multirresistente
Os pacientes que não se curam após tratamento com os esquemas
padronizados, em geral, portadores de bacilos resistentes a mais de 2 drogas,
incluindo rifampicina e isoniazida, constituem um grupo de doentes
classificados como portadores de TB multirresistente. Deve-se dar atenção
especial àqueles com risco de desenvolvimento desse tipo de TB,
particularmente os coinfectados pelo HIV, com tratamento prévio, regular ou
irregular e os pacientes com risco de abandono. As drogas disponíveis para tal
situação (2ª linha) são mais caras, com maior toxicidade e menor efetividade.
Dessa forma, esses pacientes devem ser tratados por uma equipe
multiprofissional treinada para esse fim, sob controle estrito e com incentivos
frequentes para adesão ao tratamento.

8. Seguimento
Realização mensal da baciloscopia de controle, sendo indispensáveis aquelas
do 2º, 4º e 6º meses;
Acompanhamentos clínico e radiológico periódicos, visando à identificação
de reações adversas às medicações e ao acompanhamento da evolução das
lesões pulmonares da doença;
Controle pós-cura: a maioria dos casos curados não necessita de controle após
o término do tratamento. Alguns casos especiais justificam 1 ou mais
controles após o final do tratamento: portadores de HIV/AIDS e outras
condições de imunodeficiências; os que permaneceram com graves sequelas
anatômicas ou funcionais; os que tiveram graves efeitos adversos durante toda
a evolução da terapia, sem comprovação bacteriológica da cura.

9. Prevenção
A - Controle dos contatos

Todos os comunicantes dos pacientes de TB, prioritariamente dos pacientes


bacilíferos, devem comparecer à unidade de saúde para exame. Quando
sintomático respiratório, aplica-se a rotina prevista para o diagnóstico de TB.
Quanto àqueles sem sintomatologia respiratória, devem ser feitos os raios X
de tórax. Uma vez examinados e não sendo constatada TB-doença, deve-se
orientá-los a procurar a unidade de saúde, em caso de aparecimento de
sintomatologia respiratória.

B - Vacinação BCG

A BCG exerce proteção notável contra as manifestações graves da


primoinfecção, como as disseminações hematogênicas e a meningoencefalite,
mas não evita a infecção tuberculosa. A imunidade se mantém por 10 a 15
anos. Além disso, a vacina não protege os indivíduos já infectados pelo M.
tuberculosis, motivo pelo qual, nos países com elevada prevalência de
infecção tuberculosa, como o Brasil, as crianças devem ser vacinadas, o
quanto antes, após o nascimento. No país, a BCG é indicada, principalmente,
para as crianças de 1 a 4 anos, além de ser obrigatória para menores de 1 ano.
A aplicação é rigorosamente intradérmica, no braço direito, na altura da
inserção inferior do músculo deltoide, em caso de primovacinação, e 1 a 2cm
acima, na revacinação. Pode ser simultaneamente aplicada com outras
vacinas, mesmo com as de vírus vivos.

a) Recomendações para a vacinação

Recém-nascidos, sempre que possível, na maternidade, desde que tenham


peso ≥2kg e sem intercorrências clínicas;

Dica
Os recém-nascidos contactantes de tuberculosos bacilíferos devem fazer
quimioprofilaxia antes de serem vacinados com a BCG.

Recém-nascidos filhos de mães com AIDS;


Crianças soropositivas para HIV, desde que sejam tuberculinonegativas e
não apresentem os sintomas dessa síndrome;
Profissionais de serviços de saúde: são revacinados desde que sejam
PPD negativos;
Conscritos do serviço militar: recomenda-se que se vacinem os não
reatores à tuberculina;
População indígena: vacinar com BCG toda a população que não
apresenta cicatriz vacinal.
Recomenda-se a 2ª dose a todas as crianças em idade escolar (de 6 a 14 anos),
de preferência aos 10 anos (independentemente de haver ou não cicatriz
vacinal). No entanto, a revacinação tem sido cada vez mais discutida como
um método a ser abandonado na população brasileira. O Programa Nacional
de Imunizações não recomenda revacinar a população indígena.

b) Contraindicações

Relativas (nesses casos, a vacinação é adiada até a resolução das situações


apontadas):
Recém-nascidos com peso <2kg;
Afecções dermatológicas no local da vacinação ou generalizadas;
Uso de imunodepressores.
Absolutas:

HIV positivo em adultos (independentemente dos sintomas) e crianças


sintomáticas;
Imunodeficiência congênita.

c) Evolução da lesão vacinal, eventos adversos e conduta

A vacina BCG não provoca reações gerais, como febre ou mal-estar.


Normalmente, nos menores de 1 ano (grupo prioritário), a reação local da
vacina é de evolução lenta e benigna e varia de pessoa para pessoa. Não se
deve usar qualquer medicamento nem cobrir a úlcera resultante da lesão de
evolução normal, apenas mantê-la limpa, com água e sabão. O infarto
ganglionar axilar, não supurado, pode ocorrer durante a evolução normal da
lesão vacinal, desaparecendo espontaneamente, sem necessidade de
tratamento medicamentoso ou drenagem.
As complicações dessa vacina, aplicada por via intradérmica, são pouco
frequentes. A maior parte resulta de técnica imperfeita, como aplicação
profunda (subcutânea), inoculação de dose excessiva ou contaminação. As
complicações mais comuns são abscessos no local da aplicação, úlcera de
tamanho excessivo e gânglios flutuantes e fistulizados. O tratamento dessas
complicações é feito com isoniazida, 10mg/kg (até, no máximo, 400mg),
diariamente, até a regressão da lesão, o que acontece, em geral, em torno de
45 dias. Outras complicações, como lúpus vulgar (forma de TB cutânea) e
osteomielite, são raras, não havendo registro de ocorrência no Brasil. Lesões
generalizadas, ainda mais raras, são, em geral, associadas à deficiência
imunológica.
C - Avaliação de comunicantes e tratamento da
tuberculose latente (quimioprofilaxia)

A avaliação de comunicantes de pacientes com TB bacilífera é outro ponto


central das políticas públicas de controle da doença. Todos aqueles que têm
contato íntimo e prolongado devem ser avaliados, o que inclui residentes em
mesmo domicílio, e às vezes, colegas de estudo ou de trabalho. O objetivo
principal dessa medida é identificar outros casos de TB doença; se não
houver, passa-se à avaliação de TB latente.
Antes chamada quimioprofilaxia, a TB latente representa um cenário em que
houve contato significativo com o bacilo, resultando em um risco maior de
adoecimento futuro. Classicamente, essa análise é feita com a prova
tuberculínica, como delineado pelo Ministério da Saúde (Figura 12).
Um aspecto interessante desse protocolo é a conduta nos casos de PPD não
reator. Como sabemos que pode haver demora para a conversão do teste,
quando um comunicante tem resultado negativo, temos de repetir após 6 a 8
semanas; ora, é possível que o contato tenha sido recente e não tenha havido
tempo suficiente para o teste se tornar positivo. Nesse cenário, o novo valor
será considerado anormal se houver incremento ≥10mm no PPD.

Importante
A quimioprofilaxia da TB é feita com isoniazida na dose de 10mg/kg por 6
meses e está indicada para: recém-nascidos coabitantes de foco tuberculoso
ativo; crianças <15 anos sem sinais de TB ativa e com comunicantes de
tuberculosos bacilíferos; indivíduos com viragem tuberculínica recente (até
12 meses); população indígena; imunodeprimidos por uso de drogas ou
doenças imunodepressoras; reatores fortes à tuberculina sem sinais de TB
ativa, mas com condições clínicas associadas a alto risco de desenvolvê-la;
coinfectados por HIV e M. tuberculosis.

A isoniazida é a droga de eleição para o tratamento da TB latente, na dosagem


de 10mg/kg, com total máximo de 300mg diariamente, por 6 meses. É a droga
com menos efeitos colaterais e de menor custo. A quimioprofilaxia deve ser
dirigida aos grupos de alto risco de TB, especialmente os coinfectados pelo
HIV e pelo M. tuberculosis.
O PPD deve ser sempre realizado na avaliação inicial do paciente HIV
positivo, independentemente do seu estado clínico ou laboratorial (contagem
de células CD4 e carga viral), e ser repetido anualmente nos indivíduos não
reatores. Quanto aos pacientes não reatores e em uso de TARV, recomenda-se
o teste a cada 6 meses no 1º ano de tratamento, devido à possibilidade de
restauração da resposta tuberculínica.
A quimioprofilaxia com isoniazida reduz o risco de adoecimento a partir da
reativação endógena do bacilo, mas não protege contra exposição exógena
após a sua suspensão. Portanto, em situações de possível reexposição ao
bacilo da TB, o paciente deve ser reavaliado quanto à necessidade de
prolongamento da quimioprofilaxia.
Em pacientes com imunodeficiência moderada/grave e reação ao PPD >5mm,
sugere-se investigar, cuidadosamente, TB ativa (pulmonar ou extrapulmonar)
antes de iniciar a quimioprofilaxia.
Recomenda-se suspender imediatamente a quimioprofilaxia diante do
surgimento de qualquer sinal de TB ativa, monitorizá-la nos casos de
hepatotoxicidade e administrá-la com cuidado nos alcoólicos.
Existem situações em que, mesmo após a mudança do padrão de PPD para
5mm, ainda pode ser considerado o valor de 10mm. Essas situações são
exceções, assim consideradas apenas para avaliar o risco de desenvolver TB
em atividade. Resumindo, o Manual de Recomendações para Tratamento de
Tuberculose no Brasil, de 2011, sugere a profilaxia de acordo com avaliações
de risco, conforme as indicações a seguir.
Figura 12 - Profilaxia para adultos

Nas pessoas em que há necessidade de profilaxia, o esquema deve ser


realizado segundo a Tabela 15.

Resumo
Gripe
Ralcyon F. A. Teixeira
Durval A. G. Costa
Carolina dos Santos Lázari
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Introdução
A infecção pelo vírus influenza pandêmico pode ser por H1N1, H3N2, ou
outra mutação decorrente de um drift que pode ocorrer nos próximos anos.
Por esse motivo, não é correto mencionar infecção pelo H1N1. Para se ter
uma ideia, nos últimos anos, a infecção mais prevalente foi a do H3N2.
O vírus influenza A (H1N1) que circulou até o início de 2017 é dotado de
propriedades moleculares dos vírus influenza humano, suíno e aviário,
resultante de alterações antigênicas frequentes (drift antigênico) e do rearranjo
de segmentos gênicos provenientes de cepas dos 3 tipos de hospedeiros (shift
antigênico), que são a base virológica da epidemia sazonal. Está relacionado a
uma pandemia atual por não ser detectada imunidade prévia a esse vírus no
homem, por ser capaz de causar doença no homem e por demonstrar
transmissão eficiente entre humanos. A partir de 2013, outra variação, a
H3N2, passou a ser crescente em muitos países, inclusive no Brasil.
A emergência de uma séria epidemia global de origem animal aponta para a
necessidade crítica do conhecimento mais aprofundado das viroses
zoonóticas, incluindo estudos in vivo de patogênese em animais, além de
estudos epidemiológicos, genéticos e imunológicos.
Anualmente, apesar dos esforços na realização de vacinas que protejam contra
os principais vírus que causaram infecções no inverno do hemisfério
contrário, os casos novos se sucedem. Assim, apesar de a vacina de gripe pré-
inverno no Hemisfério Norte no final de 2012 ter contemplado os vírus
H1N1, H3N2 e influenza B, não foi suficiente para evitar novos casos,
principalmente por conta de H3N2.
A preocupação relacionada à infecção é a possibilidade de evolução
desfavorável, principalmente por ser um quadro considerado benigno tanto
por pacientes quanto por profissionais de saúde, o que inibe as medidas de
precaução de contato. De fato, parecemos muitas vezes não nos importar por
estarmos “gripados”. Ainda que houvesse dados mais alarmantes nas
epidemias, a taxa de mortalidade registrada no Brasil, no 1º semestre de 2018,
foi de 0,40/100 mil habitantes, segundo os dados do Ministério da Saúde.

Dica
Houve pandemia de H1N1 em 2009, com um novo vírus, derivado de vírus
de porcos (gripe suína). A partir de 2013, o H3N2 passou a ser o causador
mais frequente de infecção pelo vírus influenza.

2. Histórico
As primeiras suspeitas de infecção pelo vírus influenza ocorreram por volta
do século V a.C. por Hipócrates, que relatou casos de uma doença respiratória
que, em algumas semanas, matou muitas pessoas e depois desapareceu.
Antes de 1918, a influenza em humanos já era bem conhecida, mas nunca
havia sido descrita nos suínos. Nesse ano, houve uma pandemia de H1N1 –
chamada de “gripe espanhola” –, responsável por 50 milhões de mortes.
Simultaneamente, foi identificada nos porcos uma forma clínica semelhante à
humana. A adaptação viral a uma nova espécie de hospedeiro é um processo
complexo, que envolve a adaptação a novos receptores de superfície celular,
alterações nos tropismos celulares na imunidade inata e nos mecanismos de
transmissão. O vírus H1N1 ultrapassou essas barreiras e emergiu, em 1918,
de uma fonte aviária simultaneamente no homem e nos suínos.
O vírus H1N1, assim denominado pelos antígenos hemaglutinina e
neuraminidase, desapareceu abruptamente dos humanos em 1957 e foi
substituído por um novo vírus influenza A (H2N2). Seu desaparecimento
naquele ano foi decorrente, provavelmente, de 2 razões: níveis elevados de
imunidade homóloga e heteróloga da nova cepa H2N2, o que foi suficiente
para eliminar o vírus.
Em abril de 2009, nos Estados Unidos, no final da estação comumente afetada
pela influenza usual, foram identificados os primeiros casos de gripe suína. O
Centers for Disease Control and Prevention confirmou que esses casos foram
causados por um vírus suíno geneticamente modificado, capaz de infectar o
homem. Embora não se saiba se esse fato confere imunidade cruzada, o novo
vírus tem 3 segmentos de genes em comum com a influenza humana A
sazonal (H1N1) e 3 segmentos em comum com a influenza A (H3N2).
Figura 1 - Distribuição dos vírus respiratórios identificados em amostras de pacientes com síndrome
gripal, no Brasil, em 2018 (dados até julho)

3. Patogênese e transmissão
Os vírus influenza são compostos de RNA de hélice única, da família dos
ortomixovírus, e subdividem-se em 3 tipos: A, B e C, de acordo com a sua
diversidade antigênica. Os vírus podem sofrer mutações (transformações em
sua estrutura), e os tipos A e B causam maiores morbidade e mortalidade que
o tipo C. Geralmente, as epidemias e pandemias (epidemia em vários países)
estão associadas ao vírus influenza A.
Figura 2 - Vírus influenza: as 2 imagens mostram ângulos diferentes do vírus. Notar a presença das
neuraminidases (NAs) e hemaglutininas (HAs). A variedade dessas estruturas faz os diferentes tipos
de vírus (vide texto)

Importante
São características principais da influenza: alta transmissibilidade,
principalmente quando considerado o influenza A; maior gravidade entre
idosos, crianças, gestantes, imunodeprimidos, cardiopatas e pneumopatas;
rápida variação antigênica do vírus, o que favorece a rápida reposição do
estoque de suscetíveis na população e apresentação como zoonose entre
aves selvagens e domésticas, suínos, focas e equinos que, desse modo,
também se constituem em reservatórios dos vírus.

A patogênese da infecção humana pelo novo vírus H1N1 compreende 2


eventos:

O dano celular primário ou citotóxico direto pela ação viral, por


exemplo, causando injúria direta no epitélio respiratório;
A liberação de citocinas e mediadores inflamatórios secundários à
infecção viral. A individualidade do hospedeiro quanto à magnitude da
resposta inflamatória e dos mecanismos de defesa citotóxicos resulta em
quadro clínico e gravidade variáveis. Em alguns subgrupos com formas
mais graves da doença, detectam-se coinfecção com outros vírus e
infecção bacteriana secundária, o que resulta em altas taxas de
morbimortalidade. O quadro clínico espectral depende da interação entre
fatores do agente infectante (vírus) e a resposta do hospedeiro (homem).
A detecção precoce do caso e o tratamento específico de subgrupos de
maior risco podem resultar na redução da gravidade dos sintomas e na
parada da progressão da doença, que podem culminar em resposta
inflamatória sistêmica e disfunção orgânica.
A transmissão de pessoa para pessoa pode ocorrer facilmente, pela inalação
de gotículas eliminadas pela tosse ou pelos espirros das pessoas infectadas, ou
pelo contato com superfícies contaminadas com os vírus da influenza e, em
seguida, toque nos olhos, nariz ou boca. O potencial para a transmissão via
trato gastrintestinal e mucosa conjuntival não é conhecido. O período de
incubação varia de 1 a 7 dias e, em média, de 1 a 4 dias.
O período de transmissão começa 24 horas antes do início dos sintomas e
estende-se até 7 dias após. Em crianças, a transmissão pode durar até 14 dias
após o início dos sintomas. Em imunodeprimidos, pode haver a eliminação
mais prolongada do vírus por meses.

Dica
A transmissão do vírus influenza ocorre de pessoa para pessoa, por meio da
inalação de gotículas eliminadas na tosse ou pelo espirro dos indivíduos
doentes. O período de transmissão estende-se de 24 horas antes de
começarem os sintomas até 7 dias depois.
Figura 3 - Ciclo do vírus influenza

Importante
As neuraminidases e hemaglutininas fazem diferença na capacidade do
vírus em causar infecção. Por esse motivo, ficamos infectados por
diferentes tipos de influenza, de acordo com os diferentes tipos de
hemaglutininas e neuraminidases.

4. Quadro clínico

Quadro clínico
As manifestações clínicas da infecção pelo vírus influenza envolvem o
surgimento de febre alta, mialgia, dor de garganta, artralgias, prostração e
fadiga, cefaleia e tosse seca. Podem estar presentes, também, diarreia e
vômitos.

A gripe geralmente se manifesta como doença benigna e autolimitada. Na


maioria dos casos, caracteriza-se pela instalação abrupta de febre alta,
geralmente acima de 38°C, seguida de mialgia, dor de garganta, artralgias,
prostração, dor de cabeça e tosse seca. Podem estar presentes diarreia,
vômitos e fadiga. Observe como é variada a sintomatologia; de forma a
simplificar a definição de casos, o Ministério da Saúde define, como critérios:

Obrigatório: febre súbita (até 38°C);


Associada a 1 dos seguintes: dor em orofaringe ou tosse seca;
E 1 dos seguintes: mialgias, artralgia e/ou cefaleia.

A febre é o sintoma mais frequente e dura em torno de 3 dias. Com a sua


progressão, os sintomas respiratórios tornam-se mais evidentes e mantêm-se,
em geral, por 3 a 4 dias após o desaparecimento da febre.
No entanto, complicações são possíveis. Entre pessoas infectadas, síndromes
clínicas variam de sintomas respiratórios leves a pneumonia e insuficiência
respiratória. Essa forma grave da doença é denominada síndrome respiratória
aguda grave e caracteriza-se pela presença de dispneia ou 1 dos seguintes:
SaO2 <95%, taquipneia, piora de doença prévia ou hipotensão.
5. Diagnóstico laboratorial

Diagnóstico
O diagnóstico do vírus influenza é feito por meio da RT-PCR de swabs de
nasofaringe e orofaringe coletados de pacientes com quadro clínico
sugestivo da infecção. O swab deve ser coletado da narina esquerda, narina
direita e orofaringe (total de 3 swabs.

De forma geral, é possível encontrar graus variados de anemia, leucopenia ou


leucocitose, plaquetopenia ou trombocitose e elevação de transaminases. No
entanto, de relevância clínica são os testes específicos para o diagnóstico.
O teste laboratorial recomendado pela Organização Mundial da Saúde para a
detecção qualitativa do novo vírus H1N1, também conhecido como vírus da
gripe suína, é a reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR). As
amostras clínicas que devem ser coletadas para o teste são swabs combinados
de nasofaringe e orofaringe. Pacientes intubados devem ser submetidos à
coleta de aspirado nasotraqueal.
O princípio do teste inclui o emprego de um painel de oligonucleotídeos
(primers) e sondas marcadas (probes) para a detecção e a caracterização do
vírus da gripe suína, por meio da amplificação dos fragmentos de genes
específicos pela técnica da RT-PCR. Esse painel influenza foi desenhado para
a detecção concomitante de:

Vírus influenza A universal humano;


Vírus influenza A de suínos;
Vírus específico H1N1 suíno da influenza A.

Resumidamente, após o processo de extração do RNA da amostra clínica, os


fragmentos específicos do RNA do vírus da influenza A (proteína da matriz –
universal) e de regiões dos genes da influenza A suína (b-nucleocapsídeo e c-
hemaglutinina H1) são amplificados por meio da técnica de RT-PCR, no
equipamento termociclador ABI Prism® 7500. Os resultados são
interpretados por meio dos dados de fluorescência emitidos pela sonda
TaqMan® (marcada com o fluoróforo FAM) e são coletados ao longo dos 45
ciclos da reação, indicando a detecção dos genes em questão.
Concomitantemente, é amplificado um controle interno da reação (RNA da
RNAse-P) para avaliar a qualidade da amostra empregada e, assim, validar o
teste. Os resultados do teste são interpretados da seguinte forma:

Se somente o alvo do gene da proteína da matriz universal do vírus


influenza A (a) for detectado, indicará a presença do vírus da influenza A
sazonal (gripe comum);
Se ambos os alvos (1) e (2) forem detectados, isso indicará a presença de
um vírus, de origem suína, da influenza A, porém não pertencente ao tipo
H1N1;
Se os 3 alvos (1), (2) e (3) forem detectados, isso indicará a presença do
vírus da influenza A suína H1N1 pandêmico.

Atualmente, dados demonstram sensibilidade de 99,3% e especificidade de


92,3% da RT-PCR para detecção de infecção pelo novo vírus H1N1
comparada com a cultura.
São recomendações para a realização do exame diagnóstico:
Pacientes que requerem hospitalização;
Pacientes de alto risco para doença grave (já citados);
Pacientes em protocolos individualizados de cuidado – de acordo com o
julgamento clínico.

Atualmente, PCR também detecta os vírus mais prevalentes do ano no


inverno. Isso implica dizer que o teste também foi feito para influenza B e
H3N2, em 2013.

6. Diagnóstico diferencial
Além dos outros vírus não influenza, vírus sincicial respiratório e
parainfluenza, é importante entender a diferença entre gripe e um simples
resfriado. Por esse motivo, a Tabela 4 elucida essas diferenças.

7. Tratamento e quimioprofilaxia antiviral

Tratamento
O tratamento é feito com oseltamivir ou zanamivir e é indicado a todos os
hospitalizados com infecção suspeita, provável ou confirmada pelo novo
vírus H1N1 e, também, para aqueles com alto risco de complicações pela
infecção.

O novo vírus H1N1 é suscetível tanto ao oseltamivir quanto ao zanamivir,


mas o primeiro é a medicação de escolha para tratamento e profilaxia. O
julgamento clínico é um fator importante na decisão do tratamento. Após a
pandemia de 2009, casos de resistência ao oseltamivir foram descritos em
todo o mundo, com aumento em regiões específicas (por exemplo, na
Argentina). O zanamivir está disponível para uso inalatório no Brasil, sendo
outra droga disponibilizada pelo Ministério da Saúde, além de ser
contraindicado a menores de 5 anos e a qualquer paciente com quadro
respiratório crônico, pois pode causar broncoespasmo. Pacientes com suspeita
de infecção pelo novo vírus H1N1 que se apresentam com quadro febril não
complicado não requerem tratamento, a menos que façam parte dos grupos de
alto risco para complicações. O tratamento é recomendado para:

Todos os hospitalizados com infecção suspeita, provável ou confirmada


pelo novo vírus H1N1;
Pacientes de alto risco para complicações da influenza.

Se o paciente não faz parte do grupo de alto risco ou não está hospitalizado,
os profissionais de saúde devem usar o julgamento clínico para guiar decisões
de tratamento. Muitos pacientes infectados com o novo vírus H1N1
apresentam uma forma autolimitada da doença, sem benefício significativo do
tratamento específico antiviral. Assim, esforços a fim de realizar o exame
diagnóstico e estabelecer quimioprofilaxia e tratamento devem ser
direcionados, primariamente, para hospitalizados ou de alto risco para
complicações.
Se a decisão for o tratamento específico, este deverá ser iniciado o mais
rapidamente possível, pois está demonstrado maior benefício do tratamento
quando instituído dentro de 48 horas do início dos sintomas. Entretanto,
alguns estudos demonstram que, entre hospitalizados, o oseltamivir reduz a
mortalidade mesmo se iniciado após 48 horas da apresentação dos sintomas.
O tratamento antiviral deve ser mantido por 5 dias. Em áreas que continuam a
apresentar atividade da influenza sazonal, especialmente aquelas nas quais há
circulação de vírus resistentes ao oseltamivir, recomenda-se o zanamivir,
combinação entre oseltamivir e rimantadina, e amantadina para tratamento ou
quimioprofilaxia de pacientes com provável influenza sazonal.
Em 2012, foi recomendado pelo Ministério da Saúde o uso de dose dobrada
de oseltamivir para tratamentos de pacientes graves. Pode ser estendido o
tratamento por mais de 5 dias (geralmente até 10 dias) em imunodeprimidos e
graves, pelo maior tempo de disseminação do vírus.

Em pacientes com clearance de creatinina entre 10 e 30mL/min, é


recomendado que a dose seja reduzida para uma cápsula de 75mg, 1x/d,
durante 5 dias. Não existem recomendações disponíveis para submetidos à
hemodiálise de rotina e diálise peritoneal contínua. Sugere-se dose extra de
75mg após cada sessão de diálise. Pacientes com insuficiência hepática não
necessitam de correção de dose.
A duração da quimioprofilaxia é de 10 dias após a última exposição
conhecida ao vírus. A indicação da quimioprofilaxia pós-exposição baseia-se
na ocorrência de contato próximo com pessoa que é caso confirmado,
provável ou suspeito. O período de transmissão pode ocorrer de 24 horas
antes a 7 dias após o início dos sintomas. Crianças e imunossuprimidos têm o
potencial de transmissão por um período mais longo, embora haja poucos
dados definitivos quanto a essa questão. A quimioprofilaxia deve ser
considerada nos seguintes casos:

Pacientes dos grupos de alto risco que apresentarem contato próximo


com casos confirmados, suspeitos ou prováveis;
Profissionais de saúde ou cuidadores que apresentarem contato próximo
sem proteção adequada com casos confirmados, suspeitos ou prováveis.

Importante
A quimioprofilaxia do vírus influenza é indicada para pacientes de grupos
de alto risco e que apresentaram contato próximo com casos confirmados
ou suspeitos ou prováveis, e também para os profissionais da saúde ou
cuidadores que apresentam contato próximo com indivíduos infectados ou
suspeitos, sem proteção adequada.

Outras situações devem ser analisadas individualmente.


O oseltamivir é uma medicação segura, dotada de poucos efeitos adversos.
Pacientes em seu uso apresentam maior incidência de náuseas e vômitos,
além de serem descritos casos de delírio e eventos neuropsiquiátricos.
Produtos e apresentações:

Tamiflu®, Roche – cápsulas de 75mg (caixa com 10) e pó para


suspensão oral (frasco com 30g) que, após reconstituição com 52mL de
água, deve ter 12mg/mL – validade após reconstituição em temperatura
ambiente: 10 dias; sob refrigeração: 17 dias;
Oseltamivir, Farmanguinhos – cápsulas de 75mg.

8. Indicações de internação hospitalar


Deve ser considerada internação quando o paciente apresenta quadro clínico
caracterizado por disfunção orgânica aguda relacionada ao quadro gripal e
alto risco para complicações com infecção suspeita, provável ou confirmada.
Está indicada internação em terapia intensiva àqueles que apresentem as
seguintes complicações:

Instabilidade hemodinâmica;
Sinais e sintomas de insuficiência respiratória;
Extenso comprometimento pulmonar ao exame radiológico;
Hipoxemia, com necessidade de suplementação de oxigênio acima de
3L/min para manter saturação arterial de oxigênio acima de 90%;
Relação pO2/FiO2 <300, caracterizando a lesão pulmonar aguda;
Necessidade de atendimento fisioterápico contínuo;
Alterações laboratoriais como elevação significativa de desidrogenase
láctica (DHL) e creatinofosfoquinase (CPK), alteração da função renal e
alteração do nível de consciência.

O paciente grave com suspeita de pneumonia intersticial por influenza A


(H1N1) deve ter tratamento ventilatório agressivo. Dessa forma, a ventilação
mecânica necessita de altos valores de pressão limite e de PEEP elevada para
controle e expansão pulmonar. Deve ser encarado como um pulmão de SARA
(Síndrome da Angústia Respiratória Aguda) grave. Portanto, em diversas
situações, medidas consideradas extremas são frequentemente utilizadas,
como a ventilação com o paciente em pronação. Cientificamente comprovada
após a epidemia de 2009, a ventilação agressiva é fator preponderante na
diminuição da mortalidade pela doença.
Os principais grupos de risco para maior gravidade são portadores de doenças
crônico-degenerativas, como diabetes, insuficiência renal crônica,
pneumopatias crônicas prévias, doença cardiovascular e doença hepática
crônica; imunodeprimidos, como neoplasias ou quimioterapia nos últimos 3
meses, transplante de órgãos sólidos ou de medula óssea e infecção pelo
HIV/AIDS; crianças e idosos; gestantes e obesos.

A - Antibioticoterapia

Em caso de extenso comprometimento pulmonar, principalmente na presença


de áreas de condensação, deve-se suspeitar de infecção bacteriana sobreposta.
Os agentes bacterianos de pneumonia mais prevalentes são o Streptococcus
pneumoniae, o Staphylococcus aureus e o Haemophilus influenzae, sendo
considerada a ceftriaxona (na dose de 1g IV, a cada 12 horas) o
antimicrobiano de escolha nos casos comunitários. Deve-se considerar a
hipótese de outros agentes que podem causar quadro respiratório agudo grave,
como a Legionella pneumophila e o Mycoplasma pneumoniae, assim a
associação de um macrolídeo deve ser avaliada. Em subgrupos especiais,
como internados por mais de 72 horas, portadores de imunossupressão e
colonizados, como aqueles com bronquiectasias e portadores de fibrose
cística, deve-se seguir um protocolo individualizado.

B - Prevenção
A principal medida para prevenir a gripe é a higiene das mãos. Se uma pessoa
tiver tocado uma superfície que contenha saliva de pessoa infectada e levar as
mãos à boca ou aos olhos, poderá se infectar. A higiene das mãos pode ser
realizada com água e sabonete ou com álcool gel a 70%.
O paciente deve cobrir sempre o nariz e a boca quando espirrar ou tossir, para
evitar a transmissão a outras pessoas. E, sempre que possível, devem-se evitar
aglomerações ou locais pouco arejados. Além de tudo isso, manter uma boa
alimentação e hábitos saudáveis.

Importante
As orientações de prevenção são as mesmas para todos os tipos de gripe,
não apenas para o H1N1, e servem para orientar aqueles que estão com
quadro gripal e que necessitam de isolamento domiciliar.

A partir do final de 2009, uma vacina de uso nasal foi desenvolvida para o
controle dessa gripe pandêmica, realizada inicialmente nos Estados Unidos.
Essa vacina foi motivo de muita controvérsia, já que a incidência de efeitos
colaterais foi bastante disseminada, com associação principalmente de
quadros neurológicos, como síndrome de Guillain-Barré.
No Brasil, a vacina contra H1N1 foi realizada no 1º semestre de 2010, com
apresentação diferente da norte-americana. Sua apresentação foi
intramuscular, produzida pelo Instituto Butantan e, em parte, importada da
França. Poucos casos de quadros neurológicos foram descritos (ao contrário
dos Estados Unidos).
No ano de 2011, o Ministério da Saúde disponibilizou a vacina para os
seguintes grupos populacionais, considerados de maior risco para desenvolver
a síndrome respiratória aguda grave relacionada à influenza:

Pessoas com 60 anos ou mais;


Trabalhadores de saúde das unidades que fazem atendimento para
influenza;
Povos indígenas;
Gestantes;
Crianças de 6 meses a menores de 2 anos.

Dica
A vacina contra influenza (inativada) é disponibilizada na rede pública para
os seguintes grupos populacionais: idosos com 60 anos ou mais,
profissionais da saúde, povos indígenas, crianças entre 6 meses e 2 anos e
em gestantes, que podem tomar em qualquer idade gestacional.

C - Cuidados com pacientes suspeitos ou confirmados

Profissionais de saúde devem utilizar os seguintes equipamentos de proteção


individual:

Máscara cirúrgica quando o profissional da área da saúde atua a uma


distância inferior a 1 metro do paciente suspeito ou confirmado de
infecção pelo vírus da influenza, em procedimentos que não há geração
de aerossóis;
Avental de manga longa e luvas de procedimento em que há risco de
respingos de sangue, fluidos corpóreos, secreções e excreções;
Máscara N95, óculos de proteção e gorro descartável em procedimentos
com risco de geração de aerossóis, como a intubação traqueal, a
aspiração nasofaríngea e nasotraqueal, a broncoscopia e autópsias ou a
coleta de amostras respiratórias;
Para todos os casos suspeitos e confirmados, deve-se fornecer a máscara
cirúrgica e orientar o seu uso.

Resumo
Doenças pulmonares
intersticiais
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Introdução
Figura 1 - Doença intersticial fibrosante – faveolamento (honey-combing): (A) radiografia e (B)
tomografia

As Doenças Pulmonares Intersticiais (DPIs) também são conhecidas como


doenças pulmonares parenquimatosas difusas, pois, além do envolvimento
intersticial, há o preenchimento alveolar e o envolvimento das vias aéreas
distais e do compartimento vascular pulmonar. Representam um grande
número de patologias que envolvem o parênquima pulmonar, ou seja, o
alvéolo, a membrana alveolocapilar, o endotélio, estruturas perivasculares e
linfáticos. Apesar da diversidade de etiologias, essas doenças são colocadas
no mesmo grupo devido a manifestações fisiopatológicas, clínicas e
radiológicas semelhantes. São doenças que acarretam considerável
morbimortalidade e em cujo manejo ideal há pouco consenso, mesmo entre
especialistas.
Doenças infecciosas, causadas por bactérias (como Legionella, Mycoplasma,
Chlamydia), vírus (influenza, citomegalovírus, vírus do sarampo etc.), fungos
(P. jirovecii, Histoplasma) ou micobactérias, apesar de cursarem com
manifestações clínicas e radiológicas bastante similares, não devem ser
classificadas como DPIs. Isso também acontece com a linfangite
carcinomatosa, porque, apesar de essas doenças terem quadro clínico
semelhante, apresentam evolução diversa e tratamento particular quando
comparadas às DPIs. Portanto, fazem parte do diagnóstico diferencial.

Importante
Convém lembrar que as pneumopatias infecciosas e neoplásicas (linfoma
MALT e linfangite carcinomatosa) apresentam acometimento
parenquimatoso similar, mas não são DPIs, estando sempre como
diagnóstico diferencial.

2. Etiologias
Apesar de, muitas vezes, tratar-se de um desafio ao pneumologista, o
diagnóstico preciso é fundamental no manejo das doenças intersticiais
pulmonares, visto que mesmo apresentações clínicas que cursam com fibrose
extensa do parênquima pulmonar podem ser de distinta evolução com o
tratamento correto empregado.
As DPIs estão associadas, mais comumente, a exposições ambientais
domiciliares e ocupacionais, especialmente a poeiras orgânicas e inorgânicas.
Podem estar relacionadas, também, a doenças reumatológicas ou, ainda, de
etiologia idiopática. As Tabelas 1 e 2 reúnem as causas mais comuns.
Dica
As principais DPIs são fibrose pulmonar idiopática, colagenoses e
pneumoconioses.

3. Patogênese
É difícil descrever a patogênese das DPIs de maneira simplista. Em linhas
gerais, devemos entender que, em resposta a gatilhos dos mais diferenciados,
determinados indivíduos geneticamente predispostos (mesmo que ainda não
conheçamos especificamente essa predisposição para cada tipo de DPI)
desenvolvem um dano inflamatório estereotipado e anormal em nível
pulmonar, levando ao desenvolvimento de formas clínico-radiológico-
patológicas semelhantes de lesão tecidual. O dano comum mais associado a
esse grupo de doenças é a substituição do parênquima pulmonar por tecido
reparativo fibrótico, levando à perda progressiva da função do órgão. De
maneira geral, após a agressão pulmonar (única ou de repetição), a resposta
biológica pode ocorrer de 2 formas, descritas a seguir.

A - Processo granulomatoso
Ocorre o acúmulo de linfócitos T, macrófagos e células epitelioides
organizados em estruturas discretas, embora estejam difusamente presentes,
denominadas granulomas. Tais lesões granulomatosas podem agravar-se,
evoluindo para fibrose pulmonar. Contudo, quando diagnosticadas a tempo e
tratadas adequadamente, apresentam excelente prognóstico.
A maioria permanece pouco sintomática até fases avançadas. Dentre os
diagnósticos diferenciais, estão as vasculites sistêmicas, a sarcoidose e a
pneumonite de hipersensibilidade.

Dica
Quando a fisiopatologia é de processo granulomatoso, devem ser
lembradas sarcoidose, pneumonite de hipersensibilidade e vasculites
sistêmicas.

B - Alveolite, inflamação e fibrose

A lesão tem início no epitélio, causando inflamação dos espaços aéreos e


alvéolos. Uma vez continuado o processo, a inflamação pode estender-se para
as estruturas adjacentes (interstício, linfáticos e vasos), culminando em
fibrose intersticial. O desenvolvimento da fibrose avançada é uma condição
complexa e temida, que pode levar à grave limitação da função respiratória.

Dica
Quando a fisiopatologia é de processo alveolar associado à fibrose
intersticial, devem ser lembradas pneumonia organizante (antiga BOOP),
pneumoconioses, fibrose intersticial idiopática, infiltração linfocítica etc.
4. Anamnese

A - Sintomas respiratórios

A dispneia costuma ser a principal queixa referida, a qual ocorre de maneira


progressiva, iniciando-se aos grandes esforços e chegando aos pequenos
(como tomar banho), devido à barreira imposta pela doença intersticial que
dificulta a difusão de oxigênio. Outro sintoma frequente e que causa
incômodo intenso é a tosse, em geral, não produtiva.
Com menor frequência, observam-se fadiga, perda de peso e anorexia. O
súbito aparecimento de dor tipo pleurítica deve sugerir pneumotórax, pois a
dor torácica não é um sintoma comum nessa doença. Escarros hemoptoicos e
hemoptise podem ocorrer. Os sintomas dispépticos devem ser valorizados,
pois o refluxo gastroesofágico tem sido implicado na fisiopatologia das
doenças pulmonares parenquimatosas difusas. Quando a doença fibrosante
ocorre associada a outra morbidade, os sintomas da doença de base podem
dominar o quadro.

B - Duração da doença

As manifestações clínicas dependem do período de surgimento dos sintomas.


Sua duração pode ser classificada em aguda, subaguda, crônica e recorrente.

a) Aguda

Os sintomas surgem em dias a poucas semanas. Em geral, devem-se à


pneumonite de hipersensibilidade, pneumonia eosinofílica, hemorragia
alveolar, pneumonia intersticial idiopática aguda e reações imunológicas
(medicamentos, helmintos, fungos). O diagnóstico diferencial mais
importante é a pneumonia bacteriana.

b) Subaguda

Os sintomas surgem durante várias semanas a meses. Essa forma de


apresentação pode ocorrer com todas as DPIs, embora seja mais comum na
sarcoidose, na pneumonia intersticial induzida por medicamentos, pneumonia
organizante e formas intersticiais associadas a doenças do tecido conectivo
(especialmente, lúpus e polimiosite).

c) Crônica

É a forma mais comum de apresentação das doenças fibrosantes. Os sintomas


surgem em vários meses a anos, sendo tosse seca e dispneia as principais
queixas.

d) Recorrente

No caso de uma pneumonia em organização criptogênica ou na pneumonia de


hipersensibilidade aguda.

C - Idade e sexo

Algumas etiologias são mais comuns em indivíduos com menos de 40 anos,


como a histiocitose, a sarcoidose e a linfangioleiomiomatose, esta última
praticamente restrita a mulheres em idade fértil. Outras, como a FPI, são mais
comuns em pacientes com mais de 50 anos. Doenças do tecido conectivo
também são mais comuns no sexo feminino, exceto vasculite reumatoide
(mais comum no sexo masculino). A maioria das outras doenças, inclusive
aquelas ocupacionais, é mais frequente no sexo masculino.
Deve ser dada atenção especial ao componente familiar, pois é frequente o
acometimento de familiares pela mesma doença. Na sarcoidose, por exemplo,
já foi demonstrado que a razão de chances (odds ratio) para que a doença
ocorra em algum irmão é de 5,8. Também existem formas de DPI semelhantes
à fibrose pulmonar idiopática com acometimento familiar.

D - História ambiental e ocupacional

Tal pesquisa deve ser exaustiva e detalhada, tanto no ambiente de trabalho


quanto no domicílio, buscando sobretudo exposição a poeiras orgânicas
(correlação com pneumonia de hipersensibilidade) e inorgânicas
(pneumoconioses com silicose e asbestose). Várias formas de exposição
crônica podem levar às DPIs (asbesto, sílica, gases, berílio etc.).

E - Tabagismo

A relação das DPIs com o tabagismo é bastante heterogênea. Há um grupo de


etiologias que parecem precipitadas pelo cigarro (síndrome de Goodpasture),
outras que habitualmente ocorrem em fumantes (pneumonite descamativa,
bronquiolite respiratória, histiocitose de células de Langerhans) e algumas um
pouco mais comuns em tabagistas, embora o fator causa-efeito não tenha sido
comprovado, como a FPI. Todavia, há relatos na literatura de um possível
fator protetor do tabagismo para algumas doenças (Tabela 4). Todos foram
estudos de prevalência, que não tinham como objetivo principal identificar a
existência dessa associação, tampouco sua natureza; assim, os resultados são
bastante questionados. É fato, no entanto, que os tabagistas, quando
apresentam alguma dessas doenças, têm curso mais grave e pior prognóstico
do que os não tabagistas.

F - Fármacos

Vários medicamentos podem causar infiltrado intersticial. Em caso de


suspeita, devem-se suspendê-los imediatamente (Tabela 4).
G - Outros
A pneumonia eosinofílica pode ser consequência de infecções parasitárias.
Pacientes com o vírus HIV podem evoluir com DPIs, como pneumonia
intersticial linfoide, BOOP, pneumonia intersticial difusa idiopática etc.

Dica
O paciente com DPI pode apresentar queixas de comprometimento
sistêmico antes dos sintomas respiratórios (doenças do colágeno,
sarcoidose); outras vezes, queixas pulmonares precedem o aparecimento da
doença reumática.

5. Diagnóstico

A - Exame físico

Anormalidades na propedêutica pulmonar são possíveis em todas as DPIs.


Porém, não é incomum o paciente se apresentar sem qualquer alteração no
exame físico, exceto por taquipneia (costuma haver pequeno volume corrente
compensado pelo aumento da frequência respiratória, levando a respirações
rápidas e superficiais). Os achados mais característicos na ausculta pulmonar
são crepitações em ambas as bases, eventualmente difusas, teleinspiratórias,
descritas como “tipo VELCRO®”. Sibilos são raros, mas podem ocorrer na
granulomatose com poliangiite e eosinofilia (Churg-Strauss), pneumonite de
hipersensibilidade, pneumonias eosinofílicas, bronquiolite respiratória e
sarcoidose. O grasnado, um sibilo ultracurto (de duração inferior a 100ms),
pode ser identificado em indivíduos com doenças bronquiolares, como na
pneumonite de hipersensibilidade aguda/subaguda.
O baqueteamento digital é comum dentre as DPIs; a cianose surge conforme o
grau de anormalidade em trocas gasosas. Sinais de hipertensão pulmonar
podem surgir em fases mais avançadas (2ª bulha hiperfonética, sopro de
insuficiência tricúspide etc.). Dados da doença de base também podem estar
presentes, como artrite, rash malar, vasculite de pele, linfonodomegalias,
eritema nodoso etc.

Dica
Estertores crepitantes em VELCRO®, via de regra, correlacionam-se com
acometimento crônico das DPIs e fibrose pulmonar, enquanto outros
achados, como sibilos e grasnido, em manifestações mais agudas, como na
pneumonia por hipersensibilidade.

B - Testes de função pulmonar

O distúrbio funcional característico das doenças intersticiais é o restritivo:


Capacidade Vital Forçada (CVF) diminuída, Volume Expiratório Forçado no
1º segundo (VEF1) com redução proporcional e relação VEF1/CVF normal.
A presença de distúrbio obstrutivo, ou a coexistência de ambos, pode ser
evidenciada em alguns casos, como em pacientes com bronquiolites,
sarcoidose e silicose.
Medidas diretas de volumes pulmonares por meio de pletismografia
confirmam o distúrbio restritivo, mostrando redução importante da
capacidade pulmonar total. Não é incomum, todavia, que o exame funcional
seja normal, principalmente na fase precoce das doenças. Seu principal papel,
na verdade, é acompanhar a evolução com o tratamento.
A medida da capacidade de difusão é o mais importante dos testes funcionais
nas doenças intersticiais, o que se altera mais precocemente e o que mais se
correlaciona com a gravidade da doença. A redução na capacidade de difusão
do monóxido de carbono (DCO) é bastante comum, apesar de não ser
específica de DPI. Embora pareça mais lógico pensar que a redução da
difusão seja consequência do “espessamento” do espaço entre o alvéolo e o
capilar, o determinante mais importante da redução do DCO é o desequilíbrio
ventilação-perfusão (distúrbio V/Q). Isso acontece porque as regiões
infiltradas e fibróticas apresentam redução da ventilação.

C - Exames de imagem

a) Radiografia de tórax

Sem dúvida, os exames radiológicos são a peça fundamental na abordagem


diagnóstica da DPI. A radiografia de tórax exerceu um papel fundamental na
análise diagnóstica das pneumoconioses, as quais são as DPIs mais estudadas
e entendidas por meio desse método. Porém, após o desenvolvimento dos
aparelhos de tomografia computadorizada com tecnologia multicanal, que
permitiu a realização da tomografia de cortes finos de 0,5 a 1mm de
espessura, a radiografia de tórax passou a ter papel periférico para os
pacientes. Muitas vezes, os achados radiológicos são inespecíficos e
duvidosos e necessitam de confirmação com outros métodos.
A radiografia nos permite identificar dados que direcionam o diagnóstico
(mas que não são definidores), tais como:

Localização: lobos superiores (sarcoidose, silicose, histiocitose de


células de Langerhans e pneumonia de hipersensibilidade); lobos
inferiores (FPI, asbestose, pneumonia intersticial não específica,
colagenoses);
Predomínio nos campos periféricos: pneumonia organizante e
pneumonia eosinofílica crônica;
Padrão de infiltrado: micronodular (silicose, sarcoidose, tuberculose
miliar); reticular (FPI, pneumonia intersticial não específica e asbestose);
reticulonodular (pneumonia de hipersensibilidade e linfangite
carcinomatosa).

Figura 2 - Radiografia de tórax, com redução volumétrica dos pulmões e opacidades intersticiais com
predomínio em bases e periferia

b) Tomografia de tórax de alta resolução

A tomografia de tórax computadorizada de alta resolução ou de cortes finos é


o principal exame na avaliação das DPIs e permite um diagnóstico definitivo,
quando associado a uma anamnese detalhada, em cerca de 60% dos casos.
Além de definir a extensão da doença, pode mostrar alterações torácicas
adicionais (gânglios hilares, mediastinais, massas, derrame pleural etc.). A
categorização de acordo com padrões tomográficos é o principal ponto de
partida, sendo representada na Tabela 5. Os achados mais comuns em doenças
fibrosantes são nódulos (centrolobulares, perilinfáticos ou aleatórios),
espessamento septal, consolidações, padrão de “vidro fosco” (qualquer
opacidade em que seja possível visualizar vasos ao fundo), cistos e
faveolamento (Figura 3).
Figura 3 - Tomografia de tórax mostrando áreas de faveolamento “em vidro fosco” associado, de
predomínio em bases, achado clássico da fibrose pulmonar idiopática

Algumas doenças intersticiais têm padrão característico, podendo-se abrir


mão de exame adicional, sendo elas: FPI, sarcoidose, asbestose, pneumonite
de hipersensibilidade, histiocitose das células de Langerhans e
linfangioleiomiomatose.
Pode, também, ser útil no seguimento (resposta à terapia) e delinear o melhor
local para biópsia pulmonar. A Tabela 5 enumera alguns achados
tomográficos adicionais que podem sugerir diagnósticos específicos.

Diagnóstico
A tomografia de tórax computadorizada de alta resolução ou cortes finos é
o principal exame na abordagem diagnóstica de pacientes com DPI.
D - Exames laboratoriais

A solicitação de exames complementares geralmente será guiada pela suspeita


diagnóstica inicial. No entanto, se a etiologia não está clara, a investigação
laboratorial costuma ser ampla, incluindo BNP (avaliação de eventual
componente cardiogênico), anti-HIV (pela possibilidade de doença
oportunista, como pneumocistose), cálcio sérico/urinário (podem estar
aumentados na sarcoidose), FAN (doenças reumáticas autoimunes), fator
reumatoide (artrite reumatoide, síndrome de Sjögren), ANCA (vasculites
pauci-imunes) e enzimas musculares (dermatopolimiosite).

E - Broncoscopia e lavado broncoalveolar

Em casos selecionados, a análise da celularidade do lavado broncoalveolar


pode auxiliar no diagnóstico das DPIs. Os exemplos mais clássicos são
sarcoidose, pneumonite de hipersensibilidade, proteinose alveolar e síndromes
de hemorragia alveolar.
O lavado broncoalveolar não deve ser utilizado rotineiramente na abordagem
diagnóstica das DPIs, visto que, em diversas situações, não acrescenta dados
relevantes, exceções feitas aos casos citados no parágrafo anterior. Destaque
especial para o seu uso na proteinose alveolar, na qual tem valor diagnóstico e
terapêutico. No entanto, pode ser útil na elaboração de diagnósticos
diferenciais em associação a dados clínicos e por imagem, sobretudo em
paciente com dúvida diagnóstica entre sarcoidose e pneumonia por
hipersensibilidade crônica.
Outras situações em que o lavado broncoalveolar pode ser útil no diagnóstico:
na pneumonia lipoídica (presença de macrófagos xantomizados), nas
síndromes eosinofílicas, como a pneumonia eosinofílica idiopática, vasculite
de Churg-Strauss, síndrome de Loeffler e aspergilose broncopulmonar
alérgica (citológico com >25% de eosinófilos), bronquiolite respiratória
(macrófagos com inclusões tabágicas).

F - Anatomopatológico

Muitas vezes, a biópsia pulmonar é o principal exame de semiologia adicional


à tomografia para elucidação diagnóstica nas DPIs, tendo particularidades que
podem ser melhor descritas nas avaliações de cada doença específica.
Vale ressaltar que a escolha do melhor método disponível deve basear-se na
probabilidade clínica pré-teste de diagnóstico mais provável. Por exemplo, se
a minha suspeita clínica-tomográfica for sarcoidose, uma biópsia
transbrônquica estará bem indicada, pois o rendimento diagnóstico é alto pela
presença de reação granulomatosa que predomina na região próxima ao eixo
peribrônquico pulmonar; mas, por outro lado, se a minha hipótese for a
diferenciação entre FPI e pneumonia de hipersensibilidade, o melhor método,
sem dúvida, será a biópsia cirúrgica clássica, pois permite analisar melhor a
região subpleural onde se concentram os achados de faveolamento e núcleos
fibroblásticos característicos da DPI. Vale lembrar que a biópsia cirúrgica
sempre proporcionará um material de análise mais vasto ao patologista.
Portanto, são 2 métodos principais para a realização da biópsia pulmonar.

a) Biópsia transbrônquica

É a mais indicada inicialmente. Durante a broncoscopia, de 4 a 8 fragmentos


devem ser obtidos para análise. A maior vantagem da biópsia transbrônquica
é o menor risco para o paciente, e a maior desvantagem, a incapacidade de
fornecer um diagnóstico definitivo na maioria das vezes. As situações em que
pode ser mais útil são sarcoidose, pneumonite de hipersensibilidade,
pneumonia eosinofílica, proteinose alveolar, síndromes de hemorragia
alveolar e infecções.

b) Biópsia “a céu aberto”


Pode ser feita por videotoracoscopia (mais indicada) ou toracotomia, em
geral, após o resultado inespecífico de uma biópsia transbrônquica.
Obviamente, acarreta riscos (inerentes à anestesia, fístula pleural, infecção,
sangramento, óbito). Vale ressaltar que em algumas suspeitas clínicas, como
na FPI, a biópsia, quando indicada, deverá ser sempre a céu aberto, uma vez
que a transbrônquica não é capaz de atingir a região de interesse para análise
e seu rendimento diagnóstico é praticamente zero.

G - Aspectos gerais do tratamento

O curso clínico das DPIs é altamente variável e, em parte, depende da causa-


base. Todas aquelas potencialmente tratáveis devem ser diagnosticadas
precocemente a fim de evitar fibrose sequelar. O tratamento é variável e
depende, obviamente, da etiologia, ainda que, muitas vezes, a
imunossupressão seja a regra (Tabela 7). Frequentemente, os pacientes
evoluem com cor pulmonale e hipoxemia, necessitando de oxigênio
domiciliar. Os casos refratários ao tratamento recomendado são candidatos ao
transplante de pulmão.
6. Fibrose pulmonar idiopática
A FPI é o protótipo das doenças pulmonares fibrosantes e uma das formas
mais comuns de DPI de etiologia desconhecida, correspondendo ao padrão
histológico de pneumonia intersticial usual. Há até pouco tempo, muitas das
doenças fibrosantes eram classificadas erroneamente como FPI, e a definição
atual isolou pacientes com características mais homogêneas, chamando
atenção à sobrevida extremamente limitada, de 3 a 5 anos. A doença é mais
comum na 6ª década de vida, raramente em pessoas mais jovens. Existe uma
associação de frequência aumentada em tabagistas mais leves (até 20
anos/maço), porém não há evidência de relação causal, nem é vista como uma
doença tabaco-relacionada.
Dispneia progressiva aos esforços e tosse seca são os sintomas mais comuns,
com baqueteamento digital e estertores “em VELCRO®” habitualmente
encontrados ao exame físico. Grande parte é tabagista, hábito que tem sido
relacionado à doença, embora não se saiba ainda o grau dessa relação.
Testes funcionais não estão alterados precocemente. Baixa capacidade de
difusão de monóxido de carbono e hipoxemia ao esforço (teste de degrau) são
possíveis ainda com volumes pulmonares preservados.
Existem critérios diagnósticos para a doença: idade >50 anos, exclusão de
outra etiologia, estertores “em VELCRO®”, distúrbio funcional restritivo
com difusão baixa, tomografia com infiltrado reticular, faveolamento nas
bases, e sem fibrose peribrônquica, nódulos centrolobulares ou “vidro fosco”
fora das áreas de fibrose.
A broncoscopia com lavado broncoalveolar ou biópsia transbrônquica
habitualmente não é diagnóstica e pode ser útil para excluir outros
diagnósticos. A biópsia, quando indicada, tem melhor rendimento se realizada
cirurgicamente; entretanto, tem sido pouco utilizada, já que o achado de
padrão tomográfico característico normalmente permite a definição
diagnóstica. Apenas em casos duvidosos o estudo histopatológico pode ser
interessante.
Por muitos anos, o tratamento da FPI foi centrado no uso de corticoide e
imunossupressores, mas sem efetividade demonstrada; com resposta
desanimadora, havia sido proposto que nenhum tratamento específico fosse
iniciado, sendo o transplante de pulmão a única modalidade terapêutica
possível. Recentemente, no entanto, 2 fármacos com propriedades
antifibróticas demonstraram benefício em reduzir a perda de função pulmonar
e são as únicas opções medicamentosas atuais para o tratamento da doença:
pirfenidona e nintedanibe. Ainda que esses agentes tenham demonstrado
algum grau de benefício, o benefício em sobrevida não é claro, e a avaliação
para transplante de pulmão deve ser feita precocemente, tão logo o
diagnóstico seja feito.

Diagnóstico
São critérios diagnósticos para fibrose pulmonar idiopática: >50 anos,
estertores “em VELCRO®”, distúrbio funcional restritivo com difusão
baixa, tomografia com infiltrado reticular, faveolamento nas bases e sem
fibrose peribrônquica, ausência de nódulos centrolobulares ou “vidro
fosco” fora das áreas de fibrose, além de exclusão de outra etiologia.

Dica
O baqueteamento digital não é exclusivo da FPI, mas, quando presente em
um paciente com DPI, sugere muito este diagnóstico.

7. Pneumonite de hipersensibilidade

A - Introdução
A pneumonite, ou pneumonia de hipersensibilidade, engloba um grupo de
doenças pulmonares causadas pela inalação de poeiras orgânicas, muitas
vezes relacionadas ao ambiente ocupacional do paciente, portanto é
frequentemente discutida em capítulos de doenças ocupacionais. Outro termo
utilizado é alveolite alérgica extrínseca, que não é adequado, porque o
envolvimento bronquiolar é regra nessa doença.
A doença não se associa a atopia nem a elevações da IgE ou eosinofilia
sanguínea. Centenas de etiologias surgem a cada ano, podendo ser causadas
por agentes microbianos, poeiras ou substâncias químicas. Exposições a
pombos, periquitos, canários e outros pássaros podem levar à pneumonia de
hipersensibilidade por inalação de antígenos presentes em suas penas e fezes;
o tabagismo costuma apresentar relação de proteção para o desenvolvimento
da síndrome.
Outros agentes comuns são os fungos presentes no mofo e as medicações
como a nitrofurantoína. Bactérias do grupo termofílico e não termofílico
contaminantes de substratos, como feno, cogumelos, reservatórios de água,
bagaço de cana-de-açúcar, umidificadores e sistemas de ar condicionado,
podem causar pneumonia de hipersensibilidade, com denominações
específicas.

Dica
O tabagismo reduz a chance de o paciente desenvolver pneumonite por
hipersensibilidade (reduz resposta imunológica alveolar).

B - Patogênese
A doença desenvolve-se pela combinação de mecanismos imunológicos
humorais com mecanismo mediado por células, atuando sequencialmente. O
mecanismo humoral parece ser importante na fase precoce da alveolite após a
exposição antigênica, induzindo, nos predispostos, a uma resposta aguda
inflamatória mediada por imunocomplexos. Quando a exposição antigênica se
prolonga, segue-se uma resposta típica granulomatosa mediada por células.
Os macrófagos alveolares encontram-se aumentados, como pode ser
observado no lavado broncoalveolar, assim como os linfócitos CD8, com
alteração da relação CD4/CD8.

C - Manifestações clínicas e diagnóstico

A apresentação clínica pode ser classificada como aguda, subaguda ou


crônica.
A pneumonite de hipersensibilidade aguda segue a exposição a um agente e é
a forma mais fácil de ser identificada, embora possa ser confundida com
quadro de infecções de vias aéreas. Os sintomas iniciam-se de 4 a 8 horas
após a exposição em indivíduos sensibilizados e incluem febre, mialgias,
cefaleia, mal-estar, tosse e dispneia. É possível a recuperação espontânea, mas
os episódios podem ser recorrentes sempre que o antígeno é inalado. Nesse
caso, pode ser confundida com pneumonias de repetição.
Ao exame físico, podem ser detectados estertores bilaterais. O grasnido,
indicador de bronquiolite, pode estar presente. A prova de função pulmonar,
usualmente, revela distúrbio restritivo e a gasometria, hipoxemia arterial. Os
achados laboratoriais pouco ajudam, mas a velocidade de hemossedimentação
pode estar elevada, assim como PCR e o fator reumatoide positivo. E os
achados radiológicos podem ser pobres, em comparação com as alterações
funcionais.
O achado tomográfico mais comum é o de alterações “em vidro fosco”, que
aparecem em cerca de 70%. Nódulos centrolobulares mal definidos, refletindo
bronquiolite, são característicos e devem sugerir o diagnóstico, especialmente
se combinados com áreas lobulares de aprisionamento de ar e áreas de “vidro
despolido”.
A forma subaguda desenvolve-se mais insidiosamente, com exposição menos
intensa, mas contínua, com tosse produtiva, dispneia, fadiga, anorexia e perda
de peso. A tomografia computadorizada de alta resolução mostra nódulos,
opacidades “em vidro fosco”, aprisionamento de ar lobular e alterações
fibróticas leves. Essas opacidades “em vidro fosco” e nódulos usualmente
indicam lesões reversíveis.
Os pacientes com a forma crônica apresentam dispneia aos esforços e podem
não apresentar história de episódios agudos. Podem ocorrer tosse, fadiga e
perda de peso. Um sinal do estádio avançado da doença, que acontece com
certa frequência, é o baqueteamento digital. Os achados radiológicos podem
ser difíceis de diferenciar a doença da FPI.

Diagnóstico
A história clínica é composta de exposição a antígeno, como feno, excretas
de pássaros, saunas etc. Na tomografia computadorizada de alta resolução,
há infiltrado nodular broncocêntrico, com opacidades “em vidro fosco”;
nos pacientes com acometimento crônico, esses achados juntam-se ao
faveolamento e à fibrose do parênquima pulmonar. Trata-se de uma DPI
com vários padrões radiológicos possíveis, portanto o dado que,
individualmente, mais chama atenção para o diagnóstico é a caracterização
da exposição inalatória que deve ser exaustivamente pesquisada, sendo
que, em alguns casos, até mesmo, é necessária a visita domiciliar para
tanto.
O afastamento do agente, usualmente, resulta na regressão da doença,
especialmente nas formas agudas. Em casos com insuficiência respiratória
aguda, o uso de corticosteroides por 2 ou 3 semanas pode acelerar a
recuperação. Nas formas crônicas, o curso prolongado de corticoterapia pode
ser necessário, devendo ser bem ponderado, a fim de diminuir, ao máximo, os
efeitos adversos desse tipo de tratamento.

8. Sarcoidose

A - Etiologia e sintomas

A sarcoidose, doença sistêmica granulomatosa de origem desconhecida, foi


descrita pela 1ª vez no século XIX. Há acometimento pulmonar em 90% dos
casos. A maior incidência está entre a 2ª e a 4ª décadas de vida, com leve
preponderância no sexo feminino.
A doença apresenta sintomas sistêmicos, como fraqueza, astenia e febre baixa.
Entretanto, em alguns casos, a temperatura pode superar 39°C, a fadiga e a
astenia podem ser extremamente importantes, e pode haver perda de peso de 2
a 6kg algumas semanas antes da apresentação característica inicial. Dispneia,
tosse seca e dor torácica ocorrem em cerca de 35 a 50% dos casos, estertores
em 20%, e hemoptise e baqueteamento digital são raros. O envolvimento
pulmonar em 75% é inicialmente próximo a bronquíolos e subpleural; em seu
curso, as alterações podem resolver-se ou deixar alterações fibróticas. É
possível que ocorram acometimentos cutâneo, articular, renal, ocular, cardíaco
e ganglionar. Porém, o mais comum é o pulmonar, sendo a doença estadiada,
de acordo com os achados na radiografia de tórax (Figuras 4 e 5).
Figura 4 - Estádio I da sarcoidose: adenomegalia hilar, sem doença parenquimatosa
Figura 5 - Estádio II da sarcoidose: concomitância de doença parenquimatosa e adenomegalia
Figura 6 - Sarcoidose pulmonar em estádio III
Figura 7 - Sarcoidose pulmonar em estádio IV

Os pacientes podem, ainda, apresentar doenças de vias aéreas com


envolvimento de laringe, traqueia e brônquios, com hiper-reatividade em 20%
dos casos. O envolvimento pleural, embora seja incomum, pode ocorrer com
efusão pleural, quilotórax ou pneumotórax.
O envolvimento sistêmico é relevante na sarcoidose (Tabela 11). A presença
de linfonodos calcificados é comum, com aparência semelhante à observada
na silicose (calcificação “em casca de ovo”), podendo ocorrer a formação de
cavidades. O sistema linfoide é envolvido em cerca de 15% daqueles com
envolvimento de linfonodos periféricos, que podem ser palpáveis; os locais
mais acometidos são as cadeias cervicais, axilares, epitroclear e inguinal, e é
rara a ulceração desses gânglios. A esplenomegalia é mínima e silenciosa,
apesar da possibilidade de casos de sintomas compressivos e de
hiperesplenismo. Em menos de 5%, pode ocorrer o envolvimento miocárdico,
com manifestações como arritmias com bloqueio atrioventricular avançado,
mas a manifestação mais comum é a disfunção diastólica.
O fígado está atingido com granulomas diagnosticados em biópsia hepática
em 50 a 80% dos pacientes, palpável em cerca de 10% dos casos, e pode,
inclusive, ocorrer alteração de função hepática.
O envolvimento cutâneo é possível com eritema nodoso e lúpus pérnio
(infiltração da área central da face de cor vermelho-violácea – “asas de
borboleta”) na sarcoidose crônica, mas outras lesões, como placas e nódulos
subcutâneos, podem aparecer. Lesões oculares aparecem em 11 a 83% dos
pacientes, conforme a série de casos; qualquer parte do olho e da órbita pode
ser afetada, e a uveíte é a manifestação mais comum. A neurossarcoidose
acontece em menos de 5%, com predileção pela base do crânio, com
paralisias de nervos cranianos (principalmente nervo facial) e lesões
hipotalâmicas e hipofisárias; lesões ocupadoras de espaço também podem
aparecer. A dor articular aparece em 25 a 40% dos indivíduos, mas a artrite
deformante é rara; as articulações mais envolvidas são joelhos, tornozelos,
cotovelos, punhos e pequenas articulações de mãos e pés, e a miopatia pela
sarcoidose também é rara, mais comum em mulheres.
O trato gastrintestinal é acometido em menos de 1%; o órgão mais envolvido
é o estômago, mas também podem ser atingidos esôfago, apêndice, reto e
pâncreas, podendo simular a doença de Crohn. A hipercalcemia é possível de
3 a 10% dos casos, mas a hipercalciúria está descrita em cerca de 15 a 40%
dos casos. O envolvimento hipofisário pode causar hipotireoidismo e
insuficiência adrenal, além de hipogonadismo; podem ocorrer, ainda, lesões
granulomatosas em qualquer parte do sistema reprodutor feminino. Nefrite
intersticial é descrita além de nefrocalcinose, e a sarcoidose renal pode
mimetizar tumores.
B - Diagnóstico

O diagnóstico necessita de apresentação clínica compatível e evidência de


inflamação de característica granulomatosa em órgão afetado pela doença.
Como a maioria dos indivíduos com sarcoidose apresenta quadro pulmonar, o
órgão é o foco. Por exemplo, um paciente assintomático com adenopatia hilar
bilateral pode ter o diagnóstico presuntivo de sarcoidose, porém se torna
obrigatório o diagnóstico anatomopatológico para excluir o diferencial de
linfoma. Atualmente, o método mais empregado é a biópsia transbrônquica.
Outros testes, como a dosagem da enzima conversora de angiotensina, podem
ser empregados, contudo esse exame não se mostrou útil no diagnóstico, pois,
apesar de estar elevado em até 80% dos pacientes, o teste não é específico
nem sensível.

Diagnóstico
Estabelece-se o diagnóstico de sarcoidose por meio de dispneia, tosse seca
e dor torácica, associadas à fraqueza, astenia e febre baixa, perda de peso
de 2 a 6kg, além de acometimentos cutâneo, articular, renal, ocular,
cardíaco e ganglionar (cadeia cervical, axilar, epitroclear e inguinal).
Sempre em associação à biópsia de órgão-alvo, com inflamação
granulomatosa característica.

C - Tratamento

Em geral, a doença tem curso de exacerbações-remissões, com melhora


espontânea e bom prognóstico. Assim, nem todos os pacientes necessitam de
tratamento, realizado, preferencialmente, com corticosteroides. A
possibilidade de resolução sem tratamento varia conforme o estádio da
doença: estádio I, 55 a 90%; estádio II, 40 a 70%; estádio III, 10 a 30%;
estádio IV, 0 a 5%.
As indicações são bastante controversas, mas diretrizes internacionais
sugerem tratar aqueles com envolvimento ocular, cardíaco, hepático ou do
sistema nervoso central, com hipercalcemia/hipercalciúria acentuada e
persistente (acima de 3 meses), com sintomas respiratórios, lesões de pele
desfigurantes, doença medular com pancitopenia ou artrite. Aqueles com
envolvimento sistêmico avançado, como fibrose pulmonar instalada,
raramente se beneficiam do tratamento.
Recomenda-se iniciar o tratamento com prednisona (ou correlato) a 0,5 a
1mg/kg/d, com reavaliação após 1 a 3 meses. Havendo resposta adequada, a
dose deve ser reduzida gradualmente a cada 2 meses, até doses inferiores a
0,25mg/kg, quando passa a ser considerada a suspensão. Entre os pacientes
com necessidade de tratamento prolongado, por resposta insatisfatória, podem
ser utilizados agentes poupadores de corticosteroides, como metotrexato,
cloroquina, azatioprina ou ciclofosfamida.

Tema frequente de prova


Sarcoidose é a DPI mais prevalente nas questões de concursos médicos.

9. Granulomatose com poliangiite (Wegener)


A - Introdução

A granulomatose com poliangiite é uma doença sistêmica, caracterizada por


vasculite necrosante granulomatosa com acometimento preferencial das vias
aéreas superiores e inferiores, pulmões, além de glomerulonefrite e vasculite
sistêmica (que acomete pequenas e médias artérias, além de vênulas).

B - Manifestações clínicas e diagnóstico

Os sintomas constitucionais, como febre e perda de peso, estão presentes em


cerca de 40 a 70% dos casos, respectivamente. O envolvimento pulmonar
ocorre em cerca de 45% no início da doença e em mais de 90% em algum
momento da evolução. Os sintomas mais comuns são tosse e hemoptise,
seguidos de dispneia.
As alterações nas vias aéreas inferiores são comuns, como achados
incidentais, e é frequente a estenose subglótica. São relatados dispneia aos
esforços, tosse e estridor nas formas mais graves. O acometimento das vias
aéreas superiores é a manifestação clínica mais frequente, presente em cerca
de 80% na apresentação e mais de 90% dos casos na evolução. Podem ocorrer
sinusite, rinorreia purulenta, úlceras mucosas, crostas nasais, epistaxe e
obstrução nasal; em alguns casos, há destruição da estrutura nasal, com
desabamento do nariz – “nariz em sela”. Existe, ainda, predisposição à
infecção crônica por Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa. Otite
média e otalgia também são comuns, assim como a perda da audição.
Os achados radiológicos mais comuns são infiltrados pulmonares (67%) e
nódulos (58%); estes são geralmente múltiplos, bilaterais, com cavitação em
cerca de 50% dos casos (lesões cavitadas podem apresentar resolução
relativamente rápida).
A tomografia computadorizada de tórax pode revelar infiltrado intersticial e
nódulos pulmonares. Derrame pleural é possível em 5 a 20% dos casos, e
também podem aparecer massas mediastinais e linfonodomegalia.
O envolvimento renal ocorre em 70% dos pacientes na apresentação e em
cerca de 80% dos pacientes durante a evolução. As manifestações variam
desde formas leves, como a glomerulonefrite segmentar e focal, a
glomerulonefrite rapidamente progressiva, que habitualmente cursa com
insuficiência renal dialítica.
As manifestações oculares incluem episclerite e uveíte com manifestações
cutâneas. Ocorrem em mais da metade dos casos com úlceras, púrpura
palpável e nódulos subcutâneos. Também são relatados pioderma gangrenoso
e fenômeno de Raynaud.
O envolvimento neurológico é raro na apresentação, mas possível em 1/3 dos
casos. A manifestação mais comum é a neuropatia periférica, com mais
frequência a mononeurite múltipla e a polineuropatia distal simétrica
sensitivo-motora. O acometimento do sistema nervoso central é menos
comum e pode manifestar-se como infarto cerebral, hematoma subdural e
hemorragia subaracnóidea. Os pares cranianos podem ser acometidos,
especialmente II (óptico), VI (abducente) e VII (facial). Oftalmoplegia é
possível de forma independente ou associada ao pseudotumor retro-orbitário.
O ANCA (anticorpo anticitoplasma de neutrófilo) é de extrema importância
no diagnóstico da granulomatose com poliangiite. Quando direcionado à
proteinase-3, o que configura o padrão c-ANCA, tem especificidade de mais
de 90%, o suficiente para definir o diagnóstico quando presente e associado a
quadro clínico compatível. Contudo, se positivo em mais de 97% durante a
atividade da doença, costuma ser negativo nos períodos de remissão.

Dica
Deve-se pensar em granulomatose com poliangiite quando o acometimento
pulmonar é acompanhado de febre, perda de peso, úlceras mucosas, crostas
nasais, otite média e otalgia, assim como perda da audição, alterações de
raios X e sedimento urinário anormal. O achado radiológico que mais
chama a atenção para o diagnóstico são nódulos ou massas pulmonares
com cavitação, devido ao caráter necrotizante da doença.

C - Tratamento

O tratamento é realizado com corticosteroides, como prednisona, na dose de


1mg/kg/d, por 4 a 6 semanas, com retirada progressiva em período de 6
meses. Deve-se associar ciclofosfamida na dose de 2 a 3mg/kg/d, que deve
ser ajustada de acordo com o número de linfócitos, buscando mantê-los acima
de 1.000mm3. Opções incluem metotrexato, gamaglobulina e infliximabe,
ainda considerados terapia experimental. O sulfametoxazol-trimetoprima é
associado ao tratamento, uma vez que diminui recidivas e realiza profilaxia
contra pneumocistose.

10. Granulomatose com poliangiite e eosinofilia


(Churg-Strauss)

A - Introdução
A granulomatose com poliangiite e eosinofilia é uma doença autoimune e de
etiologia indeterminada. Descrita inicialmente em 1951 por Churg e Strauss,
foi definida como angiite granulomatosa, determinada por 3 critérios maiores:
presença de vasculite necrosante, infiltração tecidual eosinofílica e
granulomas extravasculares.
A etiologia da doença ainda não está esclarecida, mas parece haver um
importante componente alérgico e imunomediado, já que há forte relação de
pacientes com eosinofilia persistente, sintomas asmatiformes e elevação de
IgE. A doença é considerada sistêmica, mas acomete, principalmente,
pulmões, sistema nervoso e pele. Mialgias e artralgias ocorrem entre 35 e
40%. O coração também pode ser atingido, e, após o pulmão, é a 2ª causa de
morte nesses indivíduos, manifestando-se como infarto agudo do miocárdio
ou pericardite (podendo ser constritiva).

B - Manifestações clínicas e diagnóstico

O sintoma usual de apresentação é dispneia devido a broncoespasmo, com


infiltrados pulmonares aparecendo na abertura do quadro em cerca da metade
dos pacientes. Parece existir uma relação da vasculite de Churg-Strauss com o
uso de medicações antileucotrienos, o que pode ser um fenômeno associado à
diminuição do uso de corticosteroides entre aqueles que apresentavam Churg-
Strauss, e não asma. Outra teoria é que o bloqueio dos receptores de
leucotrienos pode aumentar células B circulantes e aumentar a chance do
desenvolvimento de vasculite.
As manifestações radiológicas são muito variáveis, de 27 a 93%. Infiltrados
pulmonares antecedem vasculite sistêmica em 40% dos casos; infiltrados
típicos de consolidação ocorrem em cerca de 65%; outros achados incluem
infiltrados intersticiais, cavitações e adenopatia hilar, mas há derrame pleural
em menos de 10%. Nesses, o líquido é eosinofílico.
Dica
Granulomatose com poliangiite e eosinofilia deve ser cogitada quando
ocorrem sintomas asmatiformes, eosinofilia >10%, neuropatia e infiltrados
pulmonares migratórios.

A presença de 4 ou mais critérios fecha o diagnóstico com sensibilidade de


85% e especificidade que tende a 100%. A doença ainda apresenta um
marcador sorológico positivo em 40 a 60%, que é o ANCA. O p-ANCA está
presente em 75% desses casos, e o c-ANCA, nos restantes.

C - Tratamento

O tratamento baseia-se na gravidade dos sintomas. Uma abordagem sugerida


é atribuir pontos para as principais manifestações; 1 ponto para cada uma
destas:

Nesses casos, após o início de corticoterapia com metilprednisolona


(1mg/kg/d), a ciclofosfamida (4 a 5mg/kg/d) é introduzida na presença de
mais de 1 ponto na escala. A taxa de remissão para esses pacientes é de 80%,
com reatividade em torno de 25% e sobrevida em 10 anos de 79,4%. Obtida a
remissão inicial, mantêm-se prednisona (1mg/kg) por 1 mês, com redução
paulatina, e ciclofosfamida (2mg/kg) por 1 ano.

Resumo
As etiologias das DPIs são inúmeras, sendo as mais comuns aquelas
associadas a exposições ambientais, especialmente poeira orgânica ou
inorgânica; representam um grande número de patologias que envolvem
o parênquima pulmonar, ou seja, o alvéolo, a membrana alveolocapilar, o
endotélio, estruturas perivasculares e linfáticos. Apesar da diversidade de
etiologias, essas doenças são colocadas no mesmo grupo devido a
manifestações fisiopatológicas, clínicas e radiológicas semelhantes;
As queixas respiratórias dificilmente são úteis no diagnóstico diferencial.
Dispneia costuma ser a principal queixa referida; no início, ocorre aos
esforços, mas, posteriormente, pode ocorrer ao repouso; crepitações em
ambas as bases, com som descrito como “em VELCRO®”, são comuns e
podem ser audíveis, assim como roncos difusos;
Dados epidemiológicos, sintomas sistêmicos, uso de fármacos, hábitos e
hobbies podem fornecer indícios importantes sobre a etiologia;
Os exames de imagem antes eram considerados insuficientes para o
diagnóstico, e a biópsia quase sempre inevitável; hoje, com o advento da
tomografia de tórax de alta resolução, pode-se evitar a biópsia em grande
número de casos. As alterações radiográficas mais frequentes são
infiltrados reticulonodulares difusos; na tomografia, o padrão de
infiltrado pode ser bem caracterizado, bem como a presença de
faveolamento, que traduz fibrose estabelecida;
Existe um grupo de doenças intersticiais ditas idiopáticas. Dentre elas, a
FPI é a forma mais comum, em indivíduos na 6ª a 7ª décadas de vida.
Presume-se que seja uma doença imunológica, pois muitos apresentam
imunocomplexos circulantes, autoanticorpos positivos e crioglobulinas;
tem curso dramático, com sobrevida estimada em 3 a 5 anos, sendo
geralmente refratária ao tratamento imunossupressor. O melhor
tratamento proposto é o transplante pulmonar;
A pneumonite ou pneumonia de hipersensibilidade engloba um grupo de
doenças pulmonares causadas pela inalação de vários materiais
antigênicos usualmente orgânicos (principalmente exposição a pássaros e
mofo). O afastamento da exposição pode controlar a doença, mas
eventualmente é necessário o uso de imunossupressores;
A sarcoidose é uma doença sistêmica granulomatosa que tem o pulmão
como órgão mais afetado, apresentando cursos de exacerbação-remissão.
O estadiamento da doença é feito com radiografia de tórax, com graus
variados de envolvimento pulmonar ou ganglionar. As manifestações
sistêmicas são diversas, sendo indicado tratamento a pacientes com
envolvimento de órgãos nobres (ocular, hepático, cardíaco e sistema
nervoso central), envolvimento pulmonar sintomático, hipercalcemia
persistente e artrite. O tratamento é feito com corticoides e
imunossupressores;
A granulomatose com poliangiite (Wegener) é uma doença sistêmica
caracterizada por vasculite necrosante granulomatosa com acometimento
preferencial das vias aéreas superiores e inferiores, pulmões, além de
glomerulonefrite. Os achados radiológicos mais comuns são infiltrados
pulmonares e nódulos; estes são geralmente múltiplos, bilaterais, com
cavitação em cerca de 50% dos casos (lesões cavitadas podem apresentar
resolução relativamente rápida);
A poliangiite de Churg-Strauss é uma vasculite sistêmica, que se
manifesta, predominantemente, com sintomas asmatiformes, que podem
preceder as outras manifestações da doença em até 3 anos.
Pneumoconioses
Rodrigo Antônio Brandão Neto
José Alberto Neder
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Introdução e definições
O termo pneumoconiose foi criado por Zenker em 1866 para designar um
grupo de doenças que se originam da exposição a várias substâncias presentes
no ar, por reação tissular à inalação. Definiu-se poeira como um aerossol
composto de partículas sólidas inanimadas. As pneumoconioses são doenças
fibróticas crônicas do pulmão, ocasionadas pela inalação de poeira e várias
outras substâncias inertes, inorgânicas (Tabela 1). Em geral, ocorrem após
exposição longa e continuada ao agente. De acordo com portaria do
Ministério da Saúde, as pneumoconioses são doenças de notificação
compulsória.
Importante
Convém lembrar que as pneumoconioses são doenças de notificação
compulsória, além de ser obrigatória a notificação por meio de
Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).

2. Fisiopatologia
As partículas suspensas no ar (sílica, carvão, asbesto, outras) menores de 3µm
(especialmente, menores de 0,1µm) chegam aos alvéolos, sendo, inicialmente,
fagocitadas pelo macrófagos ali presentes, porém, como são partículas
inorgânicas, não conseguem ser adequadamente eliminadas pelos mecanismos
de imunidade celular, e como consequência o processo inflamatório se torna
crônico. Inflamação, formação de tecido reparativo granulomatoso e fibrótico
formam o componente anatomopatológico das pneumoconioses.
O preciso mecanismo que faz um indivíduo evoluir com uma doença
ocupacional não é conhecido. Sabe-se que os macrófagos alveolares têm
função central no processo, sobretudo ao interagir com neutrófilos, linfócitos,
fibroblastos, além da rede de interação das várias citocinas.
Existe um forte componente genético, embora mecanismos precisos também
não sejam conhecidos.

3. Doenças ocupacionais associadas ao asbesto


O asbesto (amianto) representa um grupo de silicatos fibrosos com estrutura
cristalina, abundantes na natureza, com grande resistência ao fogo e à abrasão
mecânica ou química; ademais, é um material isolante acústico e térmico. A
exposição costuma ocorrer em trabalhadores de mineradoras ou minas
explosivas, material de isolamento, construção civil e construção naval.
Os primeiros relatos científicos relacionados à exposição ao asbesto e suas
complicações pulmonares foram publicados no início do século passado. O
espectro de doenças associadas à exposição ao asbesto é grande, como
enumera a Tabela 3. A asbestose será mais bem discutida em seguida.
- Asbestose

A asbestose é definida como fibrose pulmonar intersticial associada à


exposição ao asbesto. O pulmão dos indivíduos com asbestose apresenta
fibrose, inicialmente nos ductos alveolares e nas regiões peribrônquicas. A
exposição não necessita ser intensa, existindo relato da doença em familiares
de indivíduos que trabalhavam com asbesto, possivelmente por inalação das
fibras presentes em sua vestimenta. O período de latência entre a exposição e
o início das manifestações da doença costuma ser prolongado, de cerca de 20
a 30 anos.

a) Manifestações clínicas

O quadro clínico é semelhante ao de outras doenças intersticiais crônicas. A


dispneia é o sintoma predominante aos esforços e com piora progressiva. O
sinal de exame físico mais descrito são estertores crepitantes nas bases
pulmonares. Outros sintomas, como tosse seca com meses a anos de
evolução, também são comuns. Quando há expectoração, esta provavelmente
é relacionada às doenças associadas das vias aéreas. Dor torácica e
baqueteamento digital são sintomas inespecíficos e infrequentes.

Quadro clínico
O quadro clínico da asbestose é bastante inespecífico, com dispneia aos
esforços e piora progressiva, além de estertores crepitantes em bases, tosse
seca crônica e, em alguns casos, expectoração.

b) Diagnóstico

O diagnóstico baseia-se na história ocupacional em associação aos dados de


imagem. A radiografia de tórax simples, realizada e classificada segundo as
recomendações da Organização Internacional do Trabalho de 1980, ainda é o
instrumento mais aceito para a investigação epidemiológica de populações
com história de exposição ocupacional a poeiras.
A radiografia mostra opacidades intersticiais, irregulares e com predomínio
em bases pulmonares; com a evolução da doença, podem surgir áreas de
faveolamento. Ocasionalmente, pode haver derrame pleural e/ou
espessamento pleural, o que auxilia no diagnóstico diferencial com as outras
doenças pulmonares parenquimatosas. O principal diagnóstico diferencial é a
fibrose pulmonar idiopática.
O resultado da espirometria depende da fase da doença. Em fases precoces,
pode ser normal, e posteriormente há redução da CVF (Capacidade Vital
Forçada) e do VEF1 (Volume Expiratório Forçado no 1º segundo), denotando
a presença de distúrbio restritivo. A capacidade de difusão de monóxido de
carbono costuma estar reduzida.
A tomografia de cortes finos (alta resolução) pode mostrar o padrão típico da
asbestose, de infiltrado reticular com predomínio nas bases. Diferindo da
radiografia, na qual é raro encontrar envolvimento pleural, nesse exame se
verifica comprometimento da serosa em cerca de 90% dos casos.

Diagnóstico
No diagnóstico da asbestose, sempre deve estar presente exposição
ocupacional, em associação a método de imagem, podendo ser radiografia
(opacidades intersticiais, faveolamento e derrame pleural) ou tomografia de
cortes finos (infiltrado reticular com predomínio de bases).
Figura 1 - Radiografia de tórax de asbestose: notar as opacidades lineares, principalmente nas bases
pulmonares
Figura 2 - Placas pleurais em indivíduo com exposição ao asbesto

c) Tratamento e prognóstico

Não há tratamento específico para a doença; ele é de suporte e exige o


afastamento da exposição. Estima-se que 20 a 40% dos pacientes com
asbestose apresentam doença de caráter progressivo. Essa forma de evolução
parece depender de exposição cumulativa, gravidade da doença à época do
diagnóstico e, talvez, do tipo de fibra envolvida.

Dica
Lembrar que o asbesto é a principal exposição inalatória relacionada à
ocorrência de doenças pleurais benignas e malignas.

4. Silicose
A sílica é um composto natural formado pelos 2 elementos químicos mais
abundantes na crosta terrestre: o oxigênio e o silício. É encontrada na natureza
nas formas amorfa e cristalina, que, combinadas com metais e óxidos,
originam silicatos como talco, feldspato, caulim e mica.
A exposição à sílica aumenta o risco de o indivíduo desenvolver doença
pulmonar obstrutiva crônica e câncer de pulmão; a incidência de tuberculose
também é elevada, por esses pacientes apresentarem redução da atividade de
macrófagos e linfócitos. Há evidências do aumento de incidência de esclerose
sistêmica em homens (síndrome de Erasmus), artrite reumatoide (síndrome de
Caplan) e granulomatose de Wegener, além da demonstração de que mesmo
os pacientes que cessam a exposição continuam com elevação perene de
marcadores de atividade inflamatória (PCR e VHS), deixando claro o papel
pró-inflamatório sistêmico dessa partícula.
Outra característica clínica importante da silicose é a associação de risco de
desenvolvimento de tuberculose, que, dependendo das séries analisadas, varia
de 3 a 39 vezes de aumento do risco da infecção. Recomenda-se sempre a
investigação ativa de tuberculose em paciente com progressão mais acelerada
da doença, além da realização de teste tuberculínico nos pacientes estáveis
clinicamente, e de quimioprofilaxia com isoniazida naqueles com PPD ≥10,
segundo as diretrizes do Ministério da Saúde para controle da tuberculose.
A silicose é a pneumoconiose mais comum no Brasil, ainda que os dados
epidemiológicos sejam escassos. Em um estudo realizado no Ceará com 687
cavadores de poços, encontrou-se prevalência de silicose de 27%.
Uma vez inaladas, as partículas de sílica depositam-se nos bronquíolos
respiratórios e nos alvéolos. Se essas partículas não são removidas, ocorre um
processo inflamatório, inicialmente como alveolite inflamatória, evoluindo,
posteriormente, para fibrose.
Habitualmente, classificamos a silicose de acordo com sua apresentação
clínica, que, por sua vez, tem relação com a intensidade de exposição e o tipo
de partícula inalada. Classicamente, os indivíduos que trabalham com
jateamento de areia têm uma evolução mais frequente para silicose acelerada
com tempo de latência <5 anos, enquanto cavadores de poços artesianos e
trabalhadores de pedreira evoluem para silicose crônica clássica, com tempo
de latência de 15 a 20 anos para o diagnóstico.
A Tabela 4 mostra essas formas clínicas e suas principais características.
Ademais, a silicose também pode ser classificada como simples (pouco
sintomática e com mínima alteração espirométrica) ou complicada (formação
de grandes conglomerados em segmentos pulmonares superiores e alterações
espirométricas marcantes).
O risco de desenvolvimento de silicose tem relação com o tamanho da
partícula inalada, o tempo de exposição, a concentração do material, o tipo de
sílica e a suscetibilidade individual. Dentre todas as atividades de risco, têm
maior risco os jateadores de areia e os cavadores de poços.

A - Manifestações clínicas

Na silicose crônica, apresentação mais comum, há poucos sintomas, que


costumam ser exuberantes em indivíduos com as formas complicada e aguda:
tosse e dispneia progressiva aos esforços. Os pacientes podem não apresentar
alterações de função pulmonar nas fases iniciais, evoluindo para um padrão
obstrutivo, restritivo ou misto. Na forma aguda, predomina o padrão restritivo
e, nas crônicas, o obstrutivo, em geral pouco ou não responsivo ao uso de
broncodilatadores. A obstrução é atribuída a vários fatores, como irritação
brônquica pela poeira, distorção e compressão das vias aéreas pelos nódulos
silicóticos e pela fibrose e, ainda, por existência de enfisema.

Quadro clínico
Assim como na asbestose, na silicose há tosse e dispneia progressiva, com
características evolutivas restritivas ou obstrutivas.

B - Diagnóstico

O diagnóstico da silicose baseia-se na história de exposição à sílica e nas


alterações radiográficas características. A radiografia de tórax mostra
opacidades intersticiais, irregulares, com predomínio nos campos pulmonares
superiores. Na forma complicada, esse quadro radiológico é complementado
por intensa formação de nódulos em ápices. A calcificação de nódulos não é
comum; mais frequente é a calcificação de gânglios hilares, formando uma
imagem “em casca de ovo” (também vista em sarcoidose e histoplasmose).
Ainda que não seja considerada fundamental para o diagnóstico, a tomografia
computadorizada permite a identificação de alterações mais precoces do que o
observado com o uso da radiografia nos indivíduos expostos à sílica. A
identificação de micronódulos, a coalescência desses nódulos e a presença de
enfisema nas regiões superiores e posteriores dos pulmões são mais bem
visualizadas na tomografia computadorizada de tórax de alta resolução,
quando comparada à radiografia e à tomografia convencionais. Ainda assim, a
tomografia está indicada apenas como exame complementar em casos
duvidosos; nestes, a tomografia de cortes finos (alta resolução) pode indicar o
padrão típico da silicose (Figuras 3 e 4).
Em casos duvidosos, indica-se biópsia pulmonar. A recomendação principal é
a presença de alteração radiológica com ausência de dados na história
ocupacional que sugiram a associação. A biópsia pode levar ao diagnóstico de
outra doença, confirmar uma apresentação atípica (fibrose difusa, não
granulomatosa, por exemplo) ou estabelecer a diferenciação com a beriliose.
O achado anatomopatológico clássico é o achado de partículas com
birrefringência à luz polarizada, em meio a infiltrado pulmonar linfo-
histiocitário.

Diagnóstico
O diagnóstico de silicose é feito com base na história de exposição à sílica,
além de alterações de imagem características, como presença de
opacidades intersticiais em campos pulmonares superiores, ou nodulações
em ápices nos raios X, e micronódulos de disseminação perilinfática e
enfisema em regiões superiores na tomografia de cortes finos.

Figura 3 - Infiltrado micronodular de silicose


Figura 4 - Micronódulos de disseminação perilinfática, comuns na silicose (também vistos na
sarcoidose e no linfoma), do mesmo paciente da Figura 3

C - Tratamento e prognóstico

Não há tratamento específico. O tratamento é de suporte e exige o


afastamento da exposição. O prognóstico é ruim para as silicoses aguda e
crônica e para a forma complicada (nodular e fibrose maciça) da doença. O
transplante de pulmão pode ser considerado nos casos mais avançados da
doença.

5. Pneumoconiose dos trabalhadores de carvão


O carvão, quando da sua extração em minas, libera uma série de poeiras,
incluindo a sílica, que quando inaladas podem promover pneumoconiose dos
trabalhadores de carvão, silicose, fibrose pulmonar maciça e doença pulmonar
obstrutiva crônica.
A doença tem diferentes expressões em todo o mundo, devido à ocorrência de
mais de 1 tipo de carvão: o antracitoso, com mais carbono e maior produção
de partículas inaláveis, e o betuminoso, mais comum na região Sul do Brasil,
local onde se concentram as minas de carvão do país.
A doença é denominada simples se todos os nódulos pulmonares são menores
de 1cm de diâmetro. Já a presença de nódulos maiores do que 1cm de
diâmetro marca a pneumoconiose complicada. Existe uma apresentação
clássica, resultante da associação de artrite reumatoide e da exposição ao
carvão, a síndrome de Caplan.

A - Manifestações clínicas

São semelhantes às das demais pneumoconioses. Os pacientes com a forma


simples podem ser assintomáticos, embora com maior facilidade para
apresentar tosse e, muitas vezes, enfisema concomitante. Alguns podem ter
tosse produtiva, com expectoração escura; eventualmente, podem apresentar
cavitação das lesões e hemoptise escurecida – melanoptise.

B - Diagnóstico

Para o diagnóstico, o nexo causal é fundamental, com tempo de latência


geralmente longo, de 15 a 20 anos. A radiografia de tórax pode indicar
opacidades intersticiais, irregulares, nodulares, com predomínio nos
segmentos pulmonares superiores, eventualmente formando conglomerados,
sendo difícil a distinção com a silicose, embora os nódulos desta sejam
usualmente maiores.
A espirometria pode ser normal ou demonstrar distúrbio restritivo, obstrutivo
ou misto. E a tomografia de cortes finos (alta resolução) pode mostrar o
padrão típico da doença com infiltrado intersticial nodular, de predomínio nos
campos pulmonares superiores.

C - Tratamento e prognóstico
O tratamento é de suporte, sendo fundamental o afastamento da exposição.
Em geral, pacientes com a forma simples não apresentam evolução
progressiva, com sobrevida próxima à normal. Por outro lado, aqueles com a
forma fibrótica progressiva (nódulos à radiografia >1cm de diâmetro, com
predomínio em ápices) têm sobrevida reduzida e prognóstico ruim e podem
evoluir com fibrose progressiva, cor pulmonale, necessidade de oxigênio
domiciliar, ou com uma neoplasia (câncer de pulmão).

6. Exposição a gases e a substâncias químicas


Muitos tipos de gases, como cloro, fosgênio, dióxido de enxofre, sulfato de
hidrogênio, dióxido de nitrogênio e amônia, podem ser liberados durante
acidentes industriais e irritar gravemente os pulmões. Gases como o cloro e a
amônia dissolvem-se facilmente e produzem irritação imediata da boca, do
nariz e da garganta. As partes inferiores dos pulmões só são afetadas quando
o gás é inalado profundamente. Gases radioativos, liberados em acidentes de
reatores nucleares, podem causar, em longo prazo, câncer de pulmão e de
outras regiões do corpo.
Alguns gases, como o dióxido de nitrogênio, não se dissolvem com
facilidade. Por isso, não produzem sinais precoces da exposição, como
irritação do nariz e dos olhos, aumentando a possibilidade de serem inalados
profundamente nos pulmões. Esses gases podem causar a inflamação das vias
aéreas menores (bronquiolite) ou o acúmulo de líquido nos pulmões (edema
pulmonar).
Na doença dos enchedores de silo, resultante da inalação dos vapores que
contêm dióxido de nitrogênio liberados pela silagem úmida, o acúmulo de
líquido nos pulmões pode acontecer até 12 horas após a exposição. O
distúrbio pode apresentar melhora temporária e, em seguida, recidiva 10 ou
14 dias depois, mesmo que não ocorram novos contatos com o gás.
A recorrência tende a afetar as pequenas vias aéreas (bronquíolos). Em alguns
indivíduos, a exposição a pequenas quantidades de gás ou a outras substâncias
químicas durante um período prolongado pode acarretar uma bronquite
crônica. Além disso, acredita-se que a exposição a determinadas substâncias
químicas, como compostos de arsênico e hidrocarbonetos, seja responsável
pelo câncer em alguns indivíduos. Este é possível nos pulmões ou em outras
partes do corpo, dependendo da substância inalada.

A - Sintomas e diagnóstico

Gases solúveis, como o cloro, causam graves queimaduras nos olhos, no


nariz, na garganta, na traqueia e nas grandes vias aéreas. Frequentemente
esses gases produzem tosse e hemoptise. Também são frequentes náusea e
dificuldade respiratória. Gases menos solúveis, como o dióxido de nitrogênio,
ocasionam dificuldade respiratória, algumas vezes grave, após um período de
3 a 4 horas. A radiografia torácica pode revelar edema pulmonar ou
bronquiolite.

B - Prognóstico, prevenção e tratamento

Quase todos os indivíduos apresentam uma recuperação total da exposição


acidental a gases. A complicação mais grave é a infecção pulmonar. A melhor
maneira de prevenir a exposição é o cuidado rigoroso durante a manipulação
de gases e substâncias químicas. Máscaras de gás com provisão própria de ar
devem estar disponíveis para o caso de um vazamento acidental.
Os trabalhadores rurais devem ser informados sobre o perigo da exposição
acidental a gases tóxicos em silos. A oxigenoterapia é o principal tratamento.
Em caso de lesão pulmonar grave, o indivíduo pode precisar de ventilação
mecânica. Os broncodilatadores, a infusão de líquidos por via intravenosa e a
administração de antibióticos podem ser úteis. E os corticosteroides, como a
prednisona, são comumente prescritos para reduzir a inflamação pulmonar.

7. Asma relacionada ao trabalho


O termo “asma relacionada ao trabalho” refere-se tanto à asma ocupacional
quanto à asma agravada pelo trabalho. Enquanto na primeira os fatores
desencadeantes estão restritos ao ambiente de trabalho, na segunda há o relato
de asma prévia que perdeu o controle por fatores presentes na atividade
ocupacional, como por meio de teste de broncoprovocação; entretanto, o
método nem sempre está disponível, e um teste negativo não afasta o
diagnóstico de asma ocupacional. As principais substâncias que causam asma
ocupacional são os isocianatos (presentes amplamente nas indústrias de
plástico, compostos de PVC, dentre outros) e o látex. Na prática, uma
ferramenta muito utilizada é a medida seriada do pico de fluxo expiratório,
observando-se variação significativa de seus valores quando se comparam os
períodos em que o indivíduo está trabalhando com aqueles em que esteja em
domicílio, como em finais de semana. Testes de broncoprovocação específica,
especialmente naqueles pacientes com asma induzida por isocianatos, também
podem ser realizados para conclusão diagnóstica. O tratamento de
manutenção segue as linhas gerais do tratamento da asma, sendo necessária a
modificação do ambiente de trabalho.

Tema frequente de prova


Silicose e asbestose são as pneumoconioses mais cobradas em provas de
concursos médicos.

Resumo
Pneumoconioses são doenças pulmonares originadas por inalação de
poeiras e várias outras substâncias inertes, inorgânicas ou poeira de
sílica;
Independentemente da etiologia, o nexo causal é fundamental para a
definição diagnóstica;
As pneumoconioses fibrosantes mais comuns são silicose, asbestose e
pneumoconiose do trabalhador de carvão;
A sílica é um composto natural formado pelos 2 elementos químicos
mais abundantes na crosta terrestre: o oxigênio e o silício. É encontrada
na natureza nas formas amorfa e cristalina, que, combinadas com metais
e óxidos, originam silicatos como talco, feldspato, caulim e mica;
A silicose pode ter apresentação acelerada (meses a anos desde a
exposição), aguda (5 a 10 anos desde a exposição) ou crônica (mais de
10 anos desde a exposição);
Os trabalhadores com maior risco de desenvolver silicose são os
jateadores de areia e os cavadores de poços;
O diagnóstico de silicose é feito com base na história de exposição à
sílica, além de alterações de imagem características, como presença de
opacidades intersticiais em campos pulmonares superiores, ou
nodulações em ápices nos raios X, micronódulos de disseminação
perilinfática e enfisema em regiões superiores na tomografia de cortes
finos;
A silicose aumenta o risco de o paciente desenvolver tuberculose,
esclerodermia, artrite reumatoide, granulomatose de Wegener e neoplasia
de pulmão;
A exposição ao asbesto, além da asbestose, associa-se a doenças
benignas (placas pleurais, espessamento pleural difuso, derrame pleural,
atelectasia redonda) e doenças malignas (neoplasia de pulmão e
mesotelioma);
A asbestose é a fibrose pulmonar associada à exposição ao asbesto, tem
um período de latência longo (chega a 30 anos) e pode ocorrer em
familiares de indivíduos que trabalham com amianto;
A pneumoconiose dos trabalhadores de carvão tem muitas características
semelhantes à silicose, mas com o tempo de latência habitualmente mais
longo;
As pneumoconioses são doenças de notificação compulsória.
Tromboembolismo pulmonar
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Introdução e definições
O tromboembolismo pulmonar (TEP) representa um desafio diagnóstico e
terapêutico para qualquer médico. Sem tratamento, a mortalidade pode chegar
a 30%; com a anticoagulação, gira em torno de 2 a 8%, e, em cerca de 60%
dos pacientes, o diagnóstico de TEP é feito associado ao de Trombose Venosa
Profunda (TVP), sendo que as definições mais atuais agrupam TEP e TVP
como espectros da mesma doença – o tromboembolismo venoso (TEV).
Historicamente, tem sido considerada uma doença pouco diagnosticada: em
estudos de autópsia, o TEP é encontrado em 12 a 15% dos pacientes que
estavam hospitalizados. Acredita-se que a sua incidência esteja aumentando
devido a fatores como envelhecimento global da população e aumento de
neoplasias, doenças respiratórias e acamados.

2. Etiologia e fatores de risco


A maioria dos eventos tromboembólicos é ocasionada por êmbolos
provenientes das veias dos membros inferiores, principalmente do território
iliofemoral; veias poplíteas ou mais periféricas podem ser responsáveis, mas
com menor frequência. Assim, em geral, os fatores de risco são idênticos aos
associados à TVP: fatores que interfiram na tríade de Virchow – lesão
endotelial, estase venosa e estado de hipercoagulabilidade. O trombo pode se
formar em qualquer ponto da rede venosa sistêmica ou do coração direito.
São muitos os fatores de risco reconhecidos para TEP. Os principais são
história prévia de TVP/TEP, Acidente Vascular Cerebral (AVC) com membro
plégico, neoplasia, cirurgia ortopédica e imobilização. No entanto, a lista de
fatores é grande e está explicitada nas Tabelas 1 e 2.

Tema frequente de prova


Os fatores de risco relacionados a tromboembolismo pulmonar e trombose
venosa profunda estão sempre presentes nas provas de concursos médicos.
Quando um evento embólico acontece, o indivíduo sofre imediatamente
alteração de troca gasosa do tipo espaço-morto – há área ventilada no pulmão
que não recebe perfusão. Nem sempre, no entanto, haverá dispneia ou
insuficiência respiratória. O desconforto respiratório, quando ocorre, não é
originado apenas pela obstrução vascular segmentar, mas também pela
liberação de citocinas inflamatórias em nível regional pulmonar, gerando,
assim, distúrbio ventilação-perfusão do parênquima pulmonar, por meio da
perda de regulação da vasoconstrição hipóxica pulmonar. Vale aqui ressaltar
que este é um distúrbio de regulação da circulação capilar pulmonar,
diferentemente dos pacientes com chamado efeito shunt verdadeiro, que
acontece nos defeitos de septo cardíaco e fístulas arteriovenosas pulmonares,
em que a hipoxemia se torna de mais difícil correção, mesmo com frações
inspiradas elevadas de oxigênio.
Os fatores que interferem na apresentação clínica e intensidade dos sintomas
relatados pelo paciente no momento do diagnóstico são:

Estados cardiovascular e pulmonar prévios;


Comorbidades;
Tamanho do êmbolo: quanto maior o trombo, maior a probabilidade de
causar grave distúrbio ventilação-perfusão (V/Q), shunt arteriovenoso,
hipoxemia e redução do débito cardíaco (Tabela 3).

Um aspecto fisiopatológico exige muita atenção. A mortalidade na embolia


pulmonar não decorre da alteração de trocas gasosas, mas do impacto da
obstrução vascular sobre a função ventricular direita. O entendimento é
simples: um paciente com um trombo grande ou que tenha reserva
cardiopulmonar reduzida pode apresentar aumento súbito e significativo da
pressão na artéria pulmonar, gerando dificuldade ao trabalho do Ventrículo
Direito (VD). Isso é notadamente problemático – o VD não consegue manter
o trabalho sistólico contra elevações agudas dos níveis pressóricos da
circulação pulmonar. Como resultado, o VD pode se dilatar e comprimir o
Ventrículo Esquerdo (VE), ocasionando a redução do débito cardíaco e,
assim, colapso hemodinâmico, podendo culminar com óbito. Em síntese, as
manifestações que denotam maior gravidade na embolia são aquelas que
demonstrem disfunção do VD: clinicamente, hipotensão e choque;
laboratorialmente, dilatação/sobrecarga do VD – pelo ecocardiograma – e
elevação de biomarcadores séricos (como BNP e troponina).
A história natural do tromboembolismo é a resolução do processo dentro de 3
a 4 semanas em 97% dos casos, com a maioria reabsorvendo o trombo na 1ª
semana. Os 3% restantes, em que a fibrinólise endógena não foi capaz de
reabsorver o coágulo, terão organização fibrinosa do trombo, caracterizando o
TEP crônico, que se apresenta, na prática diária, como uma das principais
causas de hipertensão pulmonar.
Figura 1 - Percurso de material trombótico pelas câmaras cardíacas até o pulmão, causando o
tromboembolismo pulmonar

3. Achados clínicos
A suspeita diagnóstica decorre da presença de quadro respiratório agudo,
principalmente quando associado à presença de fator de risco para trombose
vascular. Os sintomas mais frequentes são dispneia, tosse, dor pleurítica e
hemoptise; ao menos 1 desses sintomas estará presente na maioria dos casos.
Ao exame físico, achados frequentes são taquipneia e taquicardia e, com
menos frequência, cianose, sinais de trombose profunda, crepitações e febre.
No entanto, a definição diagnóstica exige metodologia complementar. Já foi
demonstrado que os dados clínicos de pacientes com suspeita de TEP na sala
de emergência são iguais naqueles em que o diagnóstico é confirmado e
naqueles em que a embolia foi afastada (Tabela 4). Apesar disso, os dados
clínicos terão importância adicional na definição da probabilidade pré-teste
(como veremos adiante), o que é fundamental para a escolha da metodologia
complementar.

Dica
Em questões de provas de concursos médicos, quando o tema for
hemoptise, devemos sempre lembrar do diagnóstico de TEP, embora seja
um sintoma pouco frequente na apresentação clínica inicial dos pacientes.
Os diagnósticos diferenciais habituais são neoplasia pulmonar, tuberculose
e vasculites pulmonares.
4. Exames complementares
Os exames complementares em tromboembolismo são fundamentais para a
definição diagnóstica. São inúmeros os testes propostos, alguns que auxiliam
o diagnóstico e outros de caráter confirmatório ou excludente.
Tema frequente de prova
Exames complementares para o diagnóstico de tromboembolismo
pulmonar estão sempre presentes nas provas de concursos médicos,
portanto é preciso estar atento às suas diferenças.

A - Auxílio no diagnóstico

a) Radiografia de tórax

A radiografia de tórax tem maior utilidade no diagnóstico diferencial,


excluindo outras causas de dispneia e dor torácica. A radiografia de um
paciente com TEP geralmente apresenta alguma anormalidade (é normal em
apenas 30%):

Atelectasias laminares (achado mais comum);


Derrame pleural;
Elevação da cúpula diafragmática.

Algumas anormalidades são consideradas clássicas de TEP, mas são


observadas em menos de 15% dos casos: sinal de Hampton (imagem
triangular periférica, sugestiva de infarto pulmonar), sinal de Westermark (ou
oligoemia focal, representando área do parênquima pulmonar com pobreza
vascular focal) e sinal de Fleischner ou Palla (dilatação anormal dos ramos
principais das artérias pulmonares).
Figura 2 - Corcova de Hampton: opacidade homogênea periférica, de aspecto triangular, com a base
voltada para a periferia e o ápice para o hilo, característica de infarto pulmonar secundário ao
tromboembolismo pulmonar

b) Gasometria arterial

A gasometria arterial pode estar normal em 20%. Mesmo o gradiente


alveoloarterial pode ser normal em alguns casos. Podem ocorrer graus
variáveis de hipoxemia e hipocapnia, mas são inespecíficos.

c) Eletrocardiograma

Os achados mais comuns ao eletrocardiograma são alterações inespecíficas do


segmento ST-T e taquicardia sinusal. Contudo, o exame pode ser
absolutamente normal. Há um achado clássico, mas de baixa acurácia para o
diagnóstico, que é a presença do padrão S1Q3T3 (onda S profunda em dI,
onda Q e onda T invertida em dIII – Figura 3). Dados sugestivos de
sobrecarga de câmaras direitas podem ser observados em pacientes com
eventos mais graves.
Figura 3 - Padrão S1Q3T3 em eletrocardiograma com tromboembolismo pulmonar

Dica
O padrão S1Q3T3 não é patognomônico de tromboembolismo pulmonar,
porém, nas questões, sua presença geralmente aponta para o diagnóstico.

d) Ecocardiograma

O ecocardiograma é útil na identificação de TEP que tem pior prognóstico.


Achados de hipocinesia do VD, hipertensão pulmonar persistente, forame
oval patente e trombo livre e flutuante no átrio direito identificam pacientes
com alto risco de óbito ou tromboembolismo recorrente. Também é útil para o
diagnóstico diferencial daqueles que se apresentam com dispneia, dor torácica
e colapso cardiovascular. Nessas situações, o ecocardiograma pode indicar um
diagnóstico alternativo, como infarto agudo do miocárdio, endocardite
infecciosa, dissecção aguda de aorta, pericardite ou tamponamento
pericárdico.

e) Troponinas e peptídio natriurético cerebral

As troponinas e o peptídio natriurético cerebral não têm validade para firmar


nem excluir o diagnóstico. São úteis para determinar o prognóstico de
pacientes com TEP, pois estão elevados nas situações de sobrecarga aguda de
câmaras direitas. Assim, quando em níveis anormais, indicam a possibilidade
de evento submaciço.
B - Dímero-D

O dímero-D é um produto de degradação da fibrina, detectado no sangue


sempre que o processo de coagulação-fibrinólise endógena acontece em
dinâmica maior. Habitualmente, está elevado nos casos de TEP, mas inúmeras
situações podem elevar seus níveis, como idade avançada, insuficiência renal,
gestação, puerpério e pós-operatório; assim, é dedutível ser um exame pouco
específico, nunca útil para confirmar o diagnóstico de TEP
(independentemente de seus títulos), mas que pode auxiliar na exclusão
diagnóstica, pela sua alta sensibilidade. Há várias metodologias, e a mais
acurada é o ELISA (pode ser utilizado para excluir embolia até em casos de
probabilidade clínica intermediária). Portanto, é um marcador muito sensível,
porém pouco específico, ou seja, se positivo, não é possível afastar TEP, mas,
se negativo, pode afastar TEP.

Dica
Convém lembrar que o dímero-D é um exame diagnóstico de alto valor
preditivo negativo, sobretudo em pacientes que não sejam considerados de
alto rico para o diagnóstico de TEP.

C - Cintilografia de ventilação-perfusão (V/Q)

A cintilografia usa como princípio a comparação da viabilidade das vias


aéreas com a dos vasos pulmonares, pela administração de um marcador
nuclear pelas vias inalatória e venosa (albumina marcada com tecnécio).
Espera-se que um paciente com embolia apresente falha de perfusão
localizada em segmento pulmonar com ventilação normal, praticamente
documentando o diagnóstico (Figura 4); do contrário, um teste normal afasta
a possibilidade de TEP. O impacto diagnóstico maior é visto em pacientes que
não apresentam lesão pulmonar parenquimatosa. A cintilografia deve ser
evitada entre pacientes que já tenham doença parenquimatosa pulmonar, já
que dificilmente será configurada alta probabilidade pelo exame (a captação
do marcador pela via inalatória sempre será anormal). Assim, uma pessoa
com doença pulmonar obstrutiva crônica tem maior chance de um V/Q não
diagnóstico.
A cintilografia perdeu espaço na última década, em parte por ter
disponibilidade limitada, mas principalmente pelo advento de tomógrafos
modernos.
Figura 4 - Cintilografia de ventilação e perfusão de tromboembolismo pulmonar mostrando área de
hipoperfusão com ventilação normal, denotando probabilidade alta de embolia

D - Angiotomografia de tórax

O tamanho do êmbolo interfere na sensibilidade. A Tomografia


Computadorizada (TC) é melhor para TEPs em grandes artérias (lobares ou
artérias segmentares). Em artérias subsegmentares ou menores, a
sensibilidade diminui, e é possível, mesmo com aparelhos mais novos, que
pequenos coágulos não sejam identificados.
A TC helicoidal revolucionou o manejo diagnóstico da embolia pulmonar
(Figura 5). Hoje, apenas uma pequena porcentagem necessita de arteriografia.
O Consenso Britânico já recomenda o uso da TC helicoidal como 1º exame de
imagem, mas somente após uma avaliação de probabilidade pré-teste e uma
dosagem de dímeros-D.
Outra vantagem da TC é a possibilidade de determinar a presença de outro
diagnóstico, principalmente de doenças pulmonares parenquimatosas. A TC
helicoidal tem evoluído muito rapidamente, e as imagens e os detalhes são
cada vez mais sofisticados, o que proporciona a visualização de vasos cada
vez menores.
Tem sido recomendado avaliar a presença de sobrecarga de câmaras direitas
pela tomografia helicoidal, pela avaliação comparativa dos diâmetros do VD e
do VE; essa relação, geralmente, é de 0,9, e valores superiores a esse (ou seja,
VD de diâmetro ≥VE) indicam tal sobrecarga, caracterizando o evento como
submaciço.
Há respaldo na literatura para não restringir seu uso em gestantes, desde que
se baseie em suspeita diagnóstica adequada, não sendo justificada a realização
intempestiva do exame. Os potenciais riscos devem ser debatidos com a
paciente, que pode, eventualmente, se negar a realizá-lo, indicando-se
investigação com outro método. Limitações corriqueiras à realização do
exame são alergia ao contraste e insuficiência renal.
Outra possibilidade durante a TC helicoidal é avaliar a presença de trombos
em veias dos membros inferiores, principalmente quando há êmbolos
pulmonares periféricos não identificados pela TC. O método tem boa
correlação com a ultrassonografia, não adiciona custos, tampouco é necessária
uma dose adicional de contraste.

Dica
Além do diagnóstico, a angiotomografia de tórax é importante porque
aponta diferentes diagnósticos diferenciais, além da presença de sobrecarga
do ventrículo direito.

Figura 5 - Tomografia computadorizada helicoidal evidenciando falha de enchimento em ramo


principal da artéria pulmonar direita (seta)

E - Doppler de membros inferiores

A ultrassonografia tem boa acurácia para a identificação de TVP,


principalmente do território iliofemoral. No contexto de um paciente com
sintomas compatíveis com embolia, a presença de trombose venosa é
extremamente favorável ao diagnóstico de TEP e por si só já indica o
tratamento anticoagulante. É um método de baixo custo, não invasivo, sem
uso de radiação ou contraste, e que pode ser realizado mesmo em pacientes
instáveis, sem condições de transporte ou que apresentem contraindicação à
realização da angiotomografia de tórax (por exemplo, alergia ao contraste e
insuficiência renal aguda).
Cerca de 50 a 70% dos pacientes com embolia pulmonar aguda apresentaram
diagnóstico concomitante de TVP em membros inferiores, portanto a ausência
de TVP não descarta definitivamente o diagnóstico de TEP.

F - Arteriografia pulmonar

Ainda considerado o padrão-ouro para o diagnóstico de TEP, a arteriografia


pulmonar compreende um exame invasivo, com taxas de complicações em
torno de 3 a 4%. De 10 a 20% não conseguem realizá-la, devido a fatores
como alergia ao contraste, insuficiência renal, insuficiência cardíaca
congestiva grave, plaquetopenia grave ou estado geral ruim. A tendência é
indicá-la cada vez menos, em uma estratégia que incorpore vários métodos
diagnósticos menos invasivos.

5. Avaliação de probabilidade pré-teste e uso


racional dos exames complementares
Muitas vezes nos deparamos com uma confusão de informações ao tentar
definir o método diagnóstico. De fato, são inúmeros algoritmos e muitas
metodologias disponíveis. No entanto, a ideia central é bem simples:
precisamos identificar o trombo na circulação pulmonar. Atualmente, o
método mais utilizado é a angiotomografia, por razões já mencionadas;
opções seriam a cintilografia, a ultrassonografia de membros inferiores e,
eventualmente, a arteriografia. Ou seja, escolha um desses e defina o
diagnóstico. Qual escolher? Aquele disponível no serviço, com o qual o
médico tenha mais familiaridade, e que não esteja contraindicado por algum
fator inerente ao paciente. Simples, não? No entanto, há uma ressalva: em
alguns pacientes, podemos evitar a necessidade desses métodos afastando
embolia com um exame laboratorial – a dosagem do dímero-D.
Como já discutimos, o dímero-D tem especificidade limitada – não confirma
o diagnóstico –, mas apresenta excelente valor preditivo negativo,
principalmente nos cenários em que a probabilidade clínica estimada de o
paciente ter embolia não seja elevada. Na prática, o raciocínio seria este: (a)
se a embolia for um mero diagnóstico diferencial, poderemos solicitar o
dímero-D – se negativo, afasta a doença; se positivo, solicitamos um método
de imagem; (b) se a embolia for a hipótese principal, o dímero-D não deverá
ser solicitado, pois, mesmo que negativo, não será capaz de excluir o
diagnóstico.
Fácil, não? Nem sempre, porque apenas especialistas experientes têm
facilidade de estimar bem a probabilidade de embolia de forma subjetiva. O
médico menos habituado com essa situação pode ter dificuldade. Por isso,
existem alguns escores propostos para estimar a probabilidade pré-teste, como
os de Wells, PISA-PED e Geneva. Destes, o de Wells é mais utilizado por ser
mais simples e por prescindir de análise laboratorial (Tabelas 5 e 6).
Assim, de acordo com o escore de Wells, pacientes com probabilidade baixa a
intermediária (ou TEP improvável pelo escore modificado) são candidatos à
dosagem de dímero-D antes de realizar um método de imagem. Se a dosagem
for normal, o diagnóstico poderá ser afastado; se for elevada, prossegue-se
com outra metodologia (Figura 6).
Dica
Independentemente de como se prosseguirá com a investigação
diagnóstica, a probabilidade intermediária/alta (ou provável) de TEP deve
ter anticoagulação iniciada; nos demais, pode-se aguardar para iniciar o
tratamento desde que os exames diagnósticos tardem no máximo 6 horas.

Figura 6 - Diagnóstico para tromboembolismo pulmonar

6. Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial é amplo e inclui síndromes coronarianas agudas,
dissecção aguda de aorta, pneumotórax, pneumonia, asma e doença pulmonar
obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca congestiva, pericardite,
costocondrite, fratura de costela, pleurite e dor osteomuscular, hipertensão
pulmonar idiopática, embolia não venosa (gasosa, gordurosa, amniótica) e
ansiedade. Deve-se dar atenção especial ao diagnóstico de embolia gordurosa,
já que ocorre em um cenário comum à embolia venosa – pacientes com
fraturas ortopédicas e imobilizados. Na Tabela 7, estão listadas suas principais
características.
Importante
A tríade clássica da embolia gordurosa é composta por dispneia, alteração
da consciência e petéquias (mais comuns em conjuntiva ocular e segmento
superior do tronco). Ao contrário da embolia gordurosa, a trombótica
geralmente ocorre após o 5º dia de pós-operatório ou grandes traumas,
diferentemente da primeira, mais precoce – antes do 3º dia.

7. Estratificação de risco
A mortalidade na embolia pulmonar tem relação com a sobrecarga de câmaras
direitas. Os pacientes eram classificados como portadores de embolia maciça
(se houvesse choque), submaciça (sobrecarga do VD sem hipotensão) e não
maciça (sem sobrecarga do VD ou hipotensão). Atualmente, a classificação é
feita conforme o risco de evolução desfavorável:

Elevado: pacientes com pressão sistólica <90mmHg ou queda


sustentada da pressão sistólica em mais de 40mmHg (em relação ao
basal);
Intermediário: sem hipotensão, mas com marcadores laboratoriais
(troponina ou BNP) ou de imagem (ecocardiograma ou tomografia)
sugestivos de sobrecarga do VD;
Baixo: sem hipotensão ou marcadores sugestivos de sobrecarga do VD.

A avaliação inicial dos pacientes tem sido proposta por meio do escore PESI
simplificado. Na presença de pontuação superior a 1, o paciente deve realizar
avaliação laboratorial de sobrecarga do VD, possivelmente com dosagem de
troponinas ou BNP (se elevados, sugerem sobrecarga) e por meio de imagem
(dilatação do VD no ecocardiograma ou angiotomografia).

8. Tratamento
Ainda que se utilize o termo “tratamento”, a rigor, as medidas farmacológicas
na embolia de pulmão têm como objetivo impedir a progressão da lesão
trombótica. A dissolução do coágulo/êmbolo é função do sistema fibrinolítico
endógeno. O uso de trombolíticos é reservado a um grupo mais grave de
pacientes com TEP, pelo elevado risco de complicações hemorrágicas.

A - Baixo risco
Tradicionalmente, a anticoagulação de pacientes com TEP era iniciada com
heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular ou fondaparinux
(Tabela 10), em associação a um cumarínico (varfarina), fármaco de
manutenção. A heparina era mantida até que se atingisse anticoagulação
efetiva com a varfarina (INR entre 2 e 3), o que habitualmente demandava de
4 a 5 dias. No entanto, o advento dos anticoagulantes orais não antagonistas
da vitamina K mudou esse cenário. Guidelines atuais (American College of
Chest Physicians, 2016) recomendam que esses sejam os fármacos de escolha
em pacientes com TEP de baixo risco e sem câncer, podendo ser iniciados
imediatamente (exceto dabigatrana e edoxabana, que necessitam do uso de
heparina por 5 dias para ser iniciada) – Tabela 10. Já foi demonstrado
exaustivamente que esses fármacos são mais seguros do que o tratamento
tradicional, além de não inferiores em eficácia. Ainda que sejam mais
custosos, prescindem de monitorização laboratorial e têm poucas interações
medicamentosas/alimentares.
Para pacientes com câncer, a American College of Chest Physicians (2016)
ainda recomenda heparina de baixo peso molecular (injetável) como
tratamento de 1ª linha. Caso exista limitação para seu uso, a escolha entre
cumarínico ou um anticoagulante oral não antagonista da vitamina K fica a
critério do médico.
O período de anticoagulação é variável e dependerá do fator de risco
identificado.
Situações especiais:

Insuficiência renal crônica: as heparinas de baixo peso molecular têm


eliminação renal e podem ter seus níveis séricos aumentados em casos de
disfunção renal grave. Quando se decide pela sua utilização, é
obrigatório controlar seu efeito com a monitorização da inibição do
antifator Xa, exame indisponível na maioria dos hospitais. Portanto, se
não for possível esse controle, os pacientes deverão receber heparina não
fracionada e monitorização com TTPA;
Gestação: a anticoagulação deve ser feita com heparina não fracionada
ou, preferencialmente, heparina de baixo peso molecular, nas doses
habituais. O uso de cumarínicos, entretanto, é proscrito por
teratogenicidade (1º trimestre) e maiores riscos de complicações
hemorrágicas da gestação (3º trimestre). Os anticoagulantes orais não
antagonistas da vitamina K também devem ser evitados. O tratamento
não se associa a riscos maiores de abortamento ou sangramento grave. O
parto deve acontecer por cesárea, e, caso a opção tenha sido pela
heparina de baixo peso molecular, esta deve ser trocada por heparina não
fracionada subcutânea (em dose suficiente para manter o TTPA 1,5 a 2,5
vezes superior ao controle), que deve ser suspensa 12 horas antes do
procedimento. Como o puerpério também representa fator de risco para
trombogênese, a anticoagulação deve ser mantida por mais 4 semanas
(ou até que sejam totalizados 3 meses de anticoagulação, contados desde
o período gestacional), nesta fase com associação de cumarínico, que
não é excretado no leite materno. A heparina é suspensa assim que a INR
atinge a faixa de 2,5 a 3,5.

B - Risco intermediário ou elevado


O suporte hemodinâmico e respiratório é essencial, e, se necessário, deve-se
proceder à intubação, à ventilação mecânica e ao uso de drogas vasoativas.
Indivíduos com TEP que desenvolvem hipotensão e hipoperfusão periférica
apresentam alta mortalidade, em especial nas primeiras horas após o início
dos sintomas.
Esse grupo de pacientes possui uma peculiaridade. Como a sobrecarga do VD
é pronunciada, aliviá-la parece interessante, e a opção para tanto é o
trombolítico. Pelos riscos de complicação, como sangramento, os
trombolíticos são reservados para casos graves: TEP de alto risco e casos
selecionados de TEP de risco intermediário. Caso exista alguma
contraindicação, como sangramento ativo, opções disponíveis em alguns
locais são a embolectomia por cateter ou embolectomia cirúrgica.
Um ponto óbvio é que esses pacientes também precisam de anticoagulação;
ora, há necessidade de reduzir a chance de recorrência. Por falta de estudos
específicos com esses pacientes, a anticoagulação nesses casos deve ser feita
com heparina, evitando anticoagulantes orais nos dias iniciais.

Importante
Nos pacientes com TEP de risco elevado, há indicação de trombólise, com
janela terapêutica de até 14 dias, embora o principal benefício aconteça nas
primeiras 72 horas do evento.

A trombólise reduz desfechos primários (óbito e/ou recorrência do TEP) em


45% (IC 95%: 4 a 67), com NNT (Número Necessário para Tratar) = 14. Os
trombolíticos recomendados são:

Ativador do plasminogênio tecidual (rt-PA): 100mg IV, em 2 horas;


Estreptoquinase: 1.500.000UI IV, em 2 horas (dose sugerida pelo
Consenso Europeu); administrar um bolus de 250.000UI IV, em 30
minutos e, posteriormente, manter 100.000UI/h, durante 24 horas
(opção);
Uroquinase: 4.400UI/kg/h, em 12 a 24 horas.

Há dúvida se indivíduos sem choque ou hipotensão, mas com ecocardiografia


mostrando disfunção do VD e hipertensão pulmonar aguda, se beneficiariam
da trombólise. Não há definição clara na literatura, sendo sugerida avaliação
individualizada pelo médico. A presença de TVP muito extensa em vasos
proximais de membros inferiores também pode ser um dado que corrobore a
indicação de fibrinólise em pacientes com risco intermediário, pois
apresentam risco mais elevado de uma recorrência da embolia na 1ª semana
de tratamento anticoagulante.

Figura 7 - Tromboembolismo pulmonar com sinais de hipertensão pulmonar: notar aumento do hilo
à direita

A trombólise mecânica tem se mostrado efetiva para os casos com


repercussão hemodinâmica, principalmente se há limitação para uso de
trombolítico, no entanto está disponível apenas em poucos serviços.
- Filtro de veia cava

Há vários tipos de filtros, que podem ser inseridos por via percutânea
(femoral ou jugular), o que facilita e diminui a chance de complicações. As
principais indicações são contraindicações à anticoagulação plena e TEPs de
repetição em adequadamente anticoagulados.

Tema frequente de prova


Diferenciar a necessidade de trombólise (risco intermediário ou elevado)
da de anticoagulação (risco baixo) no tromboembolismo pulmonar é um
assunto bastante frequente nas questões de concursos médicos.

9. Prevenção
A prevenção, aspecto muito importante da embolia pulmonar, deve ser sempre
instituída, caso sejam identificados fatores de risco exuberantes. Apesar de
não eliminar a possibilidade de sua ocorrência, reduz de forma significativa
essa probabilidade. Hospitalização prolongada, procedimentos ortopédicos,
cirurgias com tempo de anestesia superior a 1 hora, politraumatismo, uso de
contraceptivos orais, neoplasias, insuficiência cardíaca e antecedente de
TVP/TEP são os fatores de risco mais importantes. O risco deve ser
estratificado, e a modalidade escolhida pode variar da deambulação precoce
isoladamente ao uso de anticoagulantes orais – nos casos de trombofilia e
fatores de risco adicionais (Figura 8).
Figura 8 - Recomendações para profilaxia de trombose venosa profunda e embolia pulmonar a
pacientes hospitalizados
Fonte: Rocha et al., 2005.

Resumo
A maioria dos eventos tromboembólicos é ocasionada por êmbolos
provenientes das veias dos membros inferiores, principalmente do
território iliofemoral; veias poplíteas ou mais periféricas podem ser
responsáveis, mas com menor frequência;
O diagnóstico de TEP por vezes não é realizado. A mortalidade, quando
não há tratamento, pode chegar a 30%; com o tratamento, é de até 8%;
A maioria dos casos de TEP é secundária à TVP do território iliofemoral;
raramente decorre de trombose poplítea, veias de membros superiores e
trombos intracavitários;
Os fatores de risco são os que interferem na tríade de Virchow
(hipercoagulabilidade, estase venosa e lesão endotelial). Podem ser
hereditários ou adquiridos. Os principais são TVP ou TEP prévios,
cirurgia e imobilização recentes (3 meses), AVC com membro plégico e
neoplasia. Dentre os fatores hereditários, o principal é o fator V de
Leiden;
Clinicamente, caracteriza-se o evento em maciço (com instabilidade
hemodinâmica), submaciço (sem hipotensão ou choque, mas com sinais
de disfunção do VD) e não maciço (sem disfunção do VD);
O quadro clínico geralmente é representado por sintomas súbitos, como
dispneia, tosse, dor torácica e hemoptise. Entretanto, as queixas e os
dados do exame físico são inespecíficos e podem estar presentes em uma
ampla lista de diagnósticos diferenciais. Os exames complementares são
fundamentais;
A radiografia de tórax está anormal na maioria dos casos, mas com
alterações inespecíficas, como pequenas atelectasias. Achados clássicos
estão presentes em cerca de 10%: corcova de Hampton (imagem
triangular periférica), sinal de Westermark (oligoemia focal) e sinal de
Fleischner ou Palla (alargamento das artérias pulmonares). Exames que
podem definir ou afastar o diagnóstico são dímero-D, cintilografia
pulmonar, ultrassonografia de membros inferiores, angiotomografia de
tórax e angiografia pulmonar;
A angiografia ainda é o padrão-ouro para o diagnóstico, mas é invasiva e
tem morbimortalidade de cerca de 1,5%. Assim, os demais exames são
preferidos. Para definir a sequência de exames, é importante classificar o
paciente conforme o grau de probabilidade clínica de ter TEP. Algumas
escalas são propostas, como a de Wells, Pisa e Geneva. Pacientes com
probabilidade alta devem ser anticoagulados enquanto a investigação é
realizada;
O método complementar ideal também depende de contraindicações,
disponibilidade e experiência local;
Em pacientes com probabilidade baixa ou intermediária, o dímero-D
pode ser solicitado (ELISA); se negativo, exclui o diagnóstico, pois tem
alta sensibilidade. Quando positivo, indica continuidade de investigação.
Não deve ser utilizado em casos de probabilidade alta;
A angiotomografia tem sido indicada como o melhor exame inicial.
Além de poder visualizar o trombo, pode determinar diagnósticos
diferenciais e avaliar disfunção do VD (dilatação de parede). Pode falhar
em casos de trombos pequenos e periféricos, e pode ser necessário outro
exame em seguida. Sua principal desvantagem é a necessidade de
contraste intravenoso;
A cintilografia pode demonstrar áreas de perfusão ruim, com ventilação
normal, altamente característica de TEP; quando normal, exclui o
diagnóstico. A principal limitação é para pacientes com doença
parenquimatosa prévia, quando o exame apresenta, naturalmente,
algumas áreas de déficit de inalação e perfusão;
A ultrassonografia tem a vantagem de poder ser realizada à beira do
leito; é bem indicada principalmente se há sinais clínicos de TVP, com
boa acurácia para trombos em território iliofemoral;
Ecocardiograma, peptídio natriurético cerebral e troponinas são úteis
para definir disfunção do VD, que é característica de mau prognóstico;
O tratamento é feito com anticoagulação: heparina (baixo peso ou não
fracionada) e anticoagulante oral, ou isoladamente com rivaroxabana;
aquela deve ser mantida até o efeito adequado do fármaco oral se
estabelecer (INR entre 2,5 e 3,5). A duração do tratamento depende da
etiologia e de recorrência do quadro, de 3 meses a indefinidamente;
Os trombolíticos ainda são ponto de debate intenso: são indicados a
casos de instabilidade hemodinâmica; mais recentemente, têm sido
propostos em casos selecionados de TEP submaciço;
O filtro de veia cava está indicado a pacientes com TEP na vigência de
anticoagulação ou em casos de contraindicações à anticoagulação;
A profilaxia de TEP deve ser indicada a pacientes com fatores de risco
identificados, envolvendo deambulação precoce após cirurgias, métodos
mecânicos (meias elásticas e de compressão pneumática) e heparina
subcutânea.
Hipertensão arterial pulmonar
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Entendendo a diferença entre hipertensão


pulmonar e hipertensão arterial pulmonar
A Hipertensão Pulmonar (HP) é uma doença progressiva da circulação
pulmonar que cursa com disfunção do endotélio vascular e remodelamento,
trombose in situ e vasoconstrição. Essas alterações levam à elevação da
Pressão Média da Artéria Pulmonar (PMAP) e da sua resistência vascular,
com subsequente disfunção circulatória direita, e progressão de insuficiência
respiratória até o óbito. A PMAP é medida de forma invasiva por meio do
cateterismo, o qual consiste no método padrão-ouro para o diagnóstico e que
ainda não foi substituído por outros exames, como ressonância cardíaca e
ecocardiograma, sendo considerados anormais valores acima de 25mmHg no
repouso, ou acima de 30mmHg durante esforço.

Importante
A HP tem diversas etiologias e é definida pela Pressão Média da Artéria
Pulmonar (PMAP) ≥25mmHg, medida por cateterismo cardíaco.

Um entendimento fisiológico simples facilita todo o raciocínio em relação às


etiologias da HP. Tal como qualquer sistema fechado, a pressão da artéria
pulmonar é um produto do fluxo que atravessa aquele compartimento pela
resistência do sistema.
Pressão = fluxo x resistência
No entanto, todo sistema fechado tem uma pressão intrínseca, que acaba se
distribuindo por todo o continente. Dessa forma, teríamos:
Pressão = (fluxo x resistência) + pressão intrínseca
Transpondo esse conceito para o sistema vascular, a pressão na artéria
pulmonar poderia ser calculada se tivéssemos o fluxo (débito cardíaco), a
resistência (resistência vascular pulmonar) e a pressão intrínseca do sistema,
que é a pressão das câmaras esquerdas, que se transmite retrogradamente aos
capilares pulmonares – pressão de oclusão da artéria pulmonar, que
representa, grosso modo, a pressão do átrio esquerdo. Assim, teríamos:
Pressão da artéria pulmonar = (débito cardíaco x resistência vascular
pulmonar) + (pressão de oclusão da artéria pulmonar)
Todas as condições capazes de elevar o débito cardíaco e/ou a resistência
vascular pulmonar, e/ou a pressão do átrio esquerdo, são capazes de causar
HP. Observe a Tabela 1.

A conclusão desse raciocínio é que, em muitas situações, a elevação da


pressão na artéria pulmonar é um mero reflexo de outra anormalidade, sem
necessidade nenhuma de tratamento específico da HP. De fato, isso somente
poderia ser necessário nos casos de embolia crônica ou de Hipertensão
Arterial Pulmonar (HAP).
Figura 1 - Etiologias mais comuns

A classificação fisiopatológica da HP representa, em outros termos, toda essa


discussão.
2. Como as diferentes etiologias podem causar
hipertensão pulmonar?
A Tabela a seguir resume os mecanismos pelos quais cada grupo da
classificação fisiopatológica promove a elevação da pressão da artéria
pulmonar, bem como o princípio global do tratamento.
3. Quadro clínico
Não existe uma manifestação clínica específica da HP. Os sinais e sintomas
são aqueles que denotam insuficiência cardíaca direita. Em casos graves, a
presença de dispneia, edema periférico, turgência jugular, hepatomegalia
congestiva, hiperfonese de 2ª bulha cardíaca, entre outras, fatalmente levará à
investigação de causa cardíaca dos sintomas, e o diagnóstico será sugerido.
Eventualmente, o diagnóstico pode ser direcionado por exame de
ecocardiograma realizado para investigação de quadro de síncope ou dor
torácica. O ecocardiograma não consegue estimar bem a PMAP, por isso se
utiliza a Pressão Sistólica da Artéria Pulmonar (PSAP) como parâmetro. Com
essa medida, considera-se anormal PSAP >35mmHg.
Como o cálculo da estimativa da pressão por meio do ecocardiograma
envolve uma medida subjetiva, a pressão do átrio direito, tem-se sugerido que
outro parâmetro (o mais importante no cálculo) seja considerado na suspeita
diagnóstica: a Velocidade do Refluxo Tricúspide (VRT), que quando >2,8m/s
sugere a presença de HP.
O ecocardiograma, no entanto, não é capaz de definir o diagnóstico de HP,
tampouco distinguir entre as causas específicas. Variações em mais de
10mmHg ocorrem em cerca de 30% dos casos. De fato, representa
fundamentalmente um teste de triagem e não serve para o diagnóstico
definitivo. Apesar disso, deverá sempre ser o 1º exame a ser realizado na
suspeita clínica, por ser de fácil execução, disponível, não invasivo e com
elevado valor preditivo negativo para o diagnóstico.
Outras variáveis podem aumentar a suspeita diagnóstica de HP, como
dilatação das câmaras direitas e movimento paradoxal do septo
interventricular (na sístole, ocorre abaulamento do septo em direção ao
ventrículo esquerdo).
Para facilitar o entendimento da abordagem da síndrome, o próximo item
descreve passo a passo o raciocínio a ser estabelecido quando ocorre a
suspeita de HP.

Dica
Em relação à conduta diagnóstica na HP, o ecocardiograma transtorácico
será sempre o exame inicial, e o cateterismo cardíaco, com medida direta
das pressões pulmonares, deverá ser o exame definitivo para o diagnóstico.
Este último é fundamental antes do início da terapia específica naqueles
pacientes que tenham indicação do tratamento.

4. Definindo o diagnóstico da hipertensão


pulmonar

A - A pressão sistólica da artéria pulmonar está


elevada ao ecocardiograma; o que fazer?

O 1º questionamento a ser feito é se a anormalidade é relevante. O ideal é que


o exame seja realizado em um momento de estabilidade clínica, impedindo
que oscilações de débito cardíaco por doenças agudas, como infecções,
interfiram nas estimativas de pressão.
Dependendo do nível de PSAP ou da VRT e de outros achados das câmaras
direitas, a probabilidade de se tratar de HP é maior.
Se houver sintomas compatíveis, a probabilidade de existir HP também se
elevará; do contrário, em pacientes assintomáticos, com achado incidental, a
probabilidade é menor.
Invariavelmente, a investigação deve seguir, mas a realização do cateterismo,
que confirmaria a síndrome, deve ser postergada. Isso porque nem sempre a
definição da presença de HP modificará a conduta terapêutica. O 1º passo é
investigar a provável etiologia da HP.
Na investigação inicial, serão priorizadas as causas mais comuns de HP:
doença cardíaca esquerda e doença pulmonar/hipóxia.

B - Afastar doença cardíaca esquerda

A doença cardíaca esquerda é a causa mais comum de HP em todo o mundo.


Estima-se que responda por cerca de 80% dos casos. De fato, habitualmente,
quando se encontra um ecocardiograma sugerindo HP, não é equivocado
estimular o pensamento de que a causa deva ser doença cardíaca esquerda, até
prova em contrário.
No cateterismo cardíaco, esses casos apresentam PMAP ≥25mmHg e,
caracteristicamente, pressão de oclusão da artéria pulmonar >15mmHg. No
entanto, em geral, o exame é desnecessário. O próprio ecocardiograma já
pode ser suficiente para aumentar a suspeita de HP por doença cardíaca
esquerda, ao mostrar algum dos seguintes: redução da fração de ejeção do
ventrículo esquerdo, aumento do átrio esquerdo e valvopatias moderadas a
graves, por exemplo.
Clinicamente, essa possibilidade deve ser mais valorizada em idosos,
pacientes hipertensos ou diabéticos de longa data, portadores de arritmias e,
principalmente, naqueles que melhoram substancialmente com o uso de
diuréticos.
Nos casos de claro comprometimento das câmaras esquerdas, não há
necessidade de investigação adicional, e a interpretação será de que a doença
à direita é mero reflexo da insuficiência ventricular esquerda. O tratamento
será todo direcionado ao ventrículo esquerdo.
O uso de vasodilatadores não está recomendado nessa população, pelo risco
potencial de promover edema pulmonar. Entenda a razão: ao se dilatar o leito
arterial pulmonar, automaticamente haverá incremento da pré-carga do
ventrículo esquerdo, o que eleva substancialmente o risco de edema
pulmonar.
Se não houver evidências claras de comprometimento à esquerda, ou se
houver algum grau de doença, mas em grau leve, que se julgue incapaz de
promover distúrbio retrógrado nas câmaras direitas, a investigação deverá
prosseguir.

C - Afastar doença pulmonar/hipóxia


Nesse momento, normalmente, exames de imagem do tórax e espirometria
são fundamentais. Se houver doença pulmonar instalada em grau moderado a
grave, a HP deverá ser considerada secundária, e não haverá necessidade de
investigação adicional. As causas mais comuns são DPOC e doenças
fibrosantes; asma, pelo caráter reversível, não está associada à ocorrência de
HP.
Uma situação não infrequente e que pode se apresentar com imagem e
espirometria normais é a síndrome de apneia/hipopneia do sono; assim, se
houver suspeita (roncos, sono não reparador, hipersonolência diurna), deve-se
realizar polissonografia.
Assim como nos casos de doença cardíaca à esquerda, o tratamento com
vasodilatadores/antiproliferativos não está indicado, pela possibilidade de
piora das trocas gasosas. Como o mecanismo principal da HP nesses pacientes
é a vasoconstrição hipóxica, ao ofertar um vasodilatador, a vasoconstrição é
inibida; acontece que esse reflexo serve para evitar a passagem de sangue em
áreas nas quais o alvéolo está comprometido. Ao permitir fluxo sanguíneo
nessa região de alvéolos comprometidos, o fármaco pode induzir piora da
hipoxemia.
Caso inexista evidência de doença pulmonar, ou se manifeste apenas em grau
leve (incapaz de gerar HP), a investigação deverá prosseguir.
D - Afastar tromboembolismo pulmonar crônico

Ainda que a HAP seja mais frequente do que a embolia crônica, o


tromboembolismo pulmonar crônico (HP-TEP) deve ser investigado
prioritariamente. Isso porque representa a única causa curável de HP, por
meio da tromboendarterectomia pulmonar.
A história clínica pode ser frustrante, pois grande parte dos pacientes com
tromboembolismo pulmonar crônico desconhece antecedente de doença
tromboembólica. Estima-se que possa ocorrer em até 4% dos que apresentem
embolia aguda, mas os fatores que influenciam fortemente essa evolução não
são bem conhecidos.
Os exames mais utilizados para avaliação de tromboembolismo pulmonar
crônico são a angiotomografia de artérias pulmonares e a cintilografia de
ventilação e perfusão pulmonar. A tomografia é o exame inicial mais
utilizado, pois permite a adequada visualização das falhas de enchimento da
circulação pulmonar e dilatação das artérias brônquicas (achado bastante
específico na HP-TEP, encontrado em 30 a 50% dos casos), além da avaliação
em relação às doenças do parênquima pulmonar. Com isso, fazem-se 2 etapas
importantes da investigação no mesmo exame. No entanto, o método tem
sensibilidade reduzida para detecção de falhas de enchimento subsegmentares
na circulação pulmonar, e, em caso de exame negativo, deveremos sempre
proceder à cintilografia como informação adicional de exclusão do
diagnóstico. Já o estudo da ventilação e da perfusão pulmonar pela
cintilografia permite a detecção de falhas de defeitos circulatórios menores
não detectados pela angiotomografia.
Após a confirmação, o paciente deverá ser avaliado quanto à possibilidade
cirúrgica e encaminhado a um Centro de Referência de Hipertensão Pulmonar
que realize a tromboendarterectomia. No local, ele necessitará de avaliação
hemodinâmica com cateterismo cardíaco para confirmação de valores de
pressões pulmonares e resistência vascular pulmonar, além do estudo
arteriográfico da circulação pulmonar, fornecendo dados que são decisivos na
indicação do tratamento cirúrgico. O tratamento específico será discutido
adiante.
Caso a cintilografia seja negativa, o próximo passo será investigar HAP.

E - Avaliar o diagnóstico de hipertensão arterial


pulmonar

Nesse momento, o diagnóstico de HAP passa a ser considerado. Observe-se


que o grupo miscelânea não foi abordado especificamente por congregar
doenças que já serão informadas pelo paciente, não fazendo parte do
algoritmo de investigação adicional.
Quando se considera possível o diagnóstico de HAP, um aspecto fundamental
é avaliar o impacto funcional da doença, tanto por meio dos sintomas (classe
funcional NYHA – New York Heart Association) quanto dos testes de
exercício (sendo o teste de caminhada de 6 minutos o mais utilizado).
Biomarcadores, como BNP, também são úteis em estimar a gravidade inicial e
mesmo durante o seguimento.
O cateterismo cardíaco, nessa fase, é fundamental. É o teste capaz de definir o
diagnóstico de HAP nesse momento, caracterizado por: PMAP ≥25mmHg,
com pressão de oclusão da artéria pulmonar ≤15mmHg, na exclusão de
doença pulmonar/hipóxia e embolia crônica.
Durante o cateterismo, habitualmente é realizado um teste com um
vasodilatador, o óxido nítrico; outrora, o teste era feito para identificar
pacientes que poderiam responder a um tratamento inusitado: antagonistas
dos canais de cálcio. No entanto, com o tempo, foi visto que essa resposta
terapêutica sustentada é extremamente incomum, com baixa aplicação na
prática diária. Se o caso for grave, o tratamento não se restringirá ao uso de
antagonista dos canais de cálcio.

Importante
O diagnóstico de HAP exige medida hemodinâmica: PMAP ≥25mmHg,
com pressão de oclusão da artéria pulmonar ≤15mmHg, na exclusão de
doença pulmonar/hipóxia e embolia crônica. O exame padrão-ouro é o
cateterismo direito.

A HAP é doença rara e grave. A prevalência global é estimada em 15 casos


por milhão; a sobrevida é de 80% em 1 ano e 55% em 5 anos. A etiologia
influencia essas características. Após a confirmação da HAP, testes
específicos devem ser realizados na tentativa de definir a sua causa; caso
sejam negativos, definimos a presença de HAP idiopática. O seguimento dos
pacientes deve ser feito em centros de referência preferencialmente, onde,
conforme a evolução, o tratamento é reajustado.
Alguns outros exames também deverão ser realizados de rotina na avaliação
etiológica dos pacientes com HP, listados a seguir:

US de abdome: descarte de doença hepática com cirrose;


Laboratoriais: enzimas hepáticas, sorologias para vírus HIV, hepatites
B e C, FAN, fator reumatoide, anti-DNA nativo, TSH e T4 livre
(descarte de doenças sistêmicas);
Parasitológico de fezes ou biópsia de válvula retal: suspeita
epidemiológica de esquistossomose.

Importante
A HP é contraindicação ao transplante de fígado, pelo risco de disfunção
aguda do ventrículo esquerdo e consequente congestão venosa do enxerto.

5. Tratamento específico das doenças da


circulação pulmonar

A - Tratamento da hipertensão arterial pulmonar

a) Vasodilatadores/antiproliferativos

Existem vários fármacos disponíveis para uso, agindo nas 3 principais vias
fisiopatológicas da HAP: da endotelina (bosentana, ambrisentana,
macitentana), do óxido nítrico (sildenafila, tadalafila e riociguate) e das
prostaciclinas (iloprosta, treprostinila, epoprostenol). Uma outra classe
possível de medicamento, não específica para tratamento de HP, são os
bloqueadores de canais de cálcio (diltiazem ou nifedipino).
No passado, o tratamento era iniciado apenas para pacientes com repercussão
clínica maior – classe funcional III-IV, disfunção do ventrículo direito,
elevação de BNP ou NT-proBNP etc. Hoje, no entanto, o início tende a ser
precoce; havendo sintomas, o tratamento é recomendado. Não há
superioridade demonstrada na literatura de um fármaco sobre outro.
Habitualmente, um dos fármacos é iniciado, e, conforme a evolução (sintomas
e capacidade de exercício), a dose pode ser aumentada, ou pode-se considerar
a associação de droga de outra classe, culminando com terapia dupla ou tripla.
Já se considera aceitável iniciar o tratamento com 2 fármacos em casos de
maior gravidade. Segundo as diretrizes para o manejo da HP publicadas em
2014, a recomendação atual do Ministério da Saúde é iniciar o tratamento
com sildenafila; não havendo resposta adequada ao tratamento, pode ser
associado algum inibidor da endotelina (bosentana ou ambrisentana). Ainda
se recomenda o uso como 1ª linha ou em associação do iloprosta, porém este
medicamento não está disponível para comercialização no Brasil. Os
inibidores de canal de cálcio (diltiazem ou nifedipino) podem ser utilizados
nos pacientes que apresentem teste de vasorreatividade positivo, no entanto
sabemos que estes representam menos de 10% dos casos de HAPi.
É importante observar que a PSAP medida pelo ecocardiograma não é uma
variável importante para o seguimento. Seus níveis não guardam relação clara
com gravidade, tampouco com evolução favorável ou não. De fato, sempre
que houver indícios de piora clínica, testes de esforço deverão ser realizados
para melhor caracterização do quadro, sendo necessário, inclusive, novo
cateterismo em grande parte dos casos, para reavaliar a circulação pulmonar.

b) Anticoagulação

Como a trombose in situ faz parte dos achados patológicos da HAP, a


anticoagulação foi considerada, por muito tempo, aspecto essencial do
tratamento. Seu benefício tem sido questionado atualmente, com indicação
limitada aos pacientes com HAP idiopática e familiar.

c) Diuréticos

Esses fármacos não têm impacto na sobrevida. São utilizados como


adjuvantes no tratamento, dependendo da repercussão clínica. A presença de
edema é um bom marcador para a necessidade de diurético de alça.

d) Digitálicos

São medicações frequentemente utilizadas para o controle da frequência


cardíaca dos pacientes, visto que a taquicardia, mesmo que sinusal, parece ser
um marcador importante de tolerância ao esforço e repercussão em atividade
diária. Devemos ter cuidado em monitorizar níveis tóxicos do medicamento,
visto que, pela natureza de disfunção hemodinâmica da doença, os pacientes
têm sempre a tendência de hipofluxo renal e déficit no metabolismo desses
fármacos. Vale ressaltar que nunca devemos utilizar betabloqueadores para o
tratamento de pacientes com HAP, pelo efeito deletério do inotropismo
negativo desta classe de medicamentos. Trata-se de uma observação
importante, pois com frequência nos deparamos com pacientes utilizando tais
medicamentos, uma vez que consistem em um tratamento erroneamente
óbvio, já que ajudam na performance cardíaca em pacientes com disfunção
ventricular esquerda.

e) Medidas gerais

Algumas medidas são importantes, como contracepção em mulheres (a


mortalidade pode chegar a 50% em gestantes), vacinação e reabilitação
pulmonar.
f) Tratamento cirúrgico

Algumas possibilidades para casos de evolução insatisfatória a despeito de


tratamento otimizado são:

Septostomia atrial: consiste na confecção de comunicação interatrial,


reduzindo a sobrecarga das câmaras direitas por desvio de fluxo para
esquerda; ocorre hipoxemia, mas que tem impacto anulado pela melhora
do débito cardíaco;
Transplante pulmonar: está indicado em casos graves e refratários, que
não conseguem estabilizar em classe funcional 1 ou 2, mesmo com
terapia clínica otimizada com pelo menos 2 drogas.

B - Tratamento da hipertensão pulmonar por embolia


crônica
O tratamento de escolha da embolia crônica é cirúrgico, feito por meio da
tromboendarterectomia, cirurgia de grande porte realizada apenas por centros
com grande experiência. Nesses locais, a mortalidade relacionada ao
procedimento é de cerca de 5%. Para a cirurgia ser realizada, algumas
condições devem ser preenchidas:

A localização dos trombos deve ser proximal na circulação pulmonar,


preferencialmente com a origem já nos ramos principais da artéria
pulmonar; quanto mais distal, menor a chance de benefício com o
procedimento;
A resistência vascular pulmonar deve estar em nível proporcional ao
grau de obstrução vascular visto na tomografia, sendo que este dado é
sempre subjetivo e depende da experiência da equipe médica em
correlacionar as imagens da arteriografia pulmonar com as medidas
hemodinâmicas do paciente.

Caso a cirurgia seja contraindicada, existe opção de tratamento


medicamentoso. O riociguate, que age na via do óxido nítrico, foi o único
fármaco que demonstrou benefício consistente em pacientes com HP-TEP,
com melhora hemodinâmica e de capacidade de exercício. A sildenafila e
mesmo os inibidores de endotelina também podem ser utilizados na falta de
outras opções terapêuticas. No entanto, deve ser sempre enfatizado que o
tratamento de escolha é cirúrgico. Obviamente, todos os pacientes com HP-
TEP necessitam de anticoagulação perene, mesmo depois do procedimento
cirúrgico.
O transplante pulmonar pode ser uma alternativa aos pacientes que, ao
contrário daqueles elegíveis ao procedimento de tromboendarterectomia,
tenham evidência de trombos em ramos mais periféricos da circulação
pulmonar.

Resumo
A síndrome de HP tem diversas etimologias e cursa com disfunção do
endotélio vascular e remodelamento, trombose in situ e vasoconstrição.
Essas alterações levam à elevação da PMAP e da sua resistência
vascular, com subsequentes disfunção ventricular direita, insuficiências
cardíaca e respiratória crônicas até o óbito;
A investigação etiológica da HP deve ser feita de forma organizada,
seguindo protocolos específicos, orientados por diretrizes;
O exame complementar inicial de triagem será sempre o
ecocardiograma, devendo-se prosseguir com investigação invasiva com
cateterismo cardíaco para valores de PSAP >50mmHg;
Caso se considere que o diagnóstico de HP é provável, deveremos
avaliar a possibilidade de doença cardíaca esquerda e doença
pulmonar/hipóxia;
Após afastar doença cardíaca e pulmonar, o próximo passo é excluir
embolia crônica; confirmado o diagnóstico, o tratamento de escolha é
cirúrgico;
Caso a embolia crônica seja afastada, a possibilidade maior é ser HAP,
que deve ser confirmada com cateterismo;
O tratamento da HAP pode ser feito com monoterapia ou associação de
fármacos, e o paciente deve ser acompanhado preferencialmente em
centro de referência. Existem vários fármacos disponíveis para uso,
agindo nas 3 principais vias fisiopatológicas da HAP: da endotelina
(bosentana, ambrisentana, macitentana), do óxido nítrico (sildenafila,
tadalafila e riociguate) e das prostaciclinas (iloprosta, treprostinila,
epoprostenol). Bloqueadores de canal de cálcio (nifedipino e diltiazem)
também podem ser utilizados nos pacientes com teste hemodinâmico de
vasorreatividade positivo.
Neoplasias pulmonares
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Fabrício Martins Valois
Rafael Medeiros Carraro

1. Neoplasia pulmonar primária


O câncer de pulmão é a neoplasia maligna mais frequente em todo o mundo, e
além disso, a que ocasiona maior número de óbitos. No Brasil, é a 1ª causa de
morte por câncer em homens e a segunda em mulheres. A sobrevida
cumulativa após o diagnóstico é, em média, de 13 a 21% nos países
desenvolvidos, e de 7 a 10% nos países em desenvolvimento. No Brasil, vem
apresentando aumento de incidência de 2% ao ano, com a estimativa do INCA
de 31.270 casos novos no ano de 2018, sendo 18.740 em homens e 12.530 em
mulheres. Estima-se que, em até 90% dos casos, esteja relacionado ao hábito
de fumar, sendo, portanto, a principal causa de mortalidade evitável
atualmente.
Habitualmente, o paciente apresenta sintomas respiratórios variados, ou é
necessária a investigação de achados incidentais em exames radiológicos de
tórax. O objetivo da abordagem do paciente com suspeita de neoplasia
pulmonar maligna será reunir o máximo de informações clínicas,
epidemiológicas e radiológicas, visando à melhora da estratégia para
diagnóstico e estadiamento da lesão em potencial, sendo este o foco deste
capítulo. O tratamento das neoplasias pulmonares será abordado em linhas
gerais, quando indicar as principais vertentes do tratamento oncológico
(cirurgia, radioterapia e quimioterapia), sobretudo, sua correlação com o
estadiamento.
Figura 1 - Opacidade com conformação de massa no lobo inferior esquerdo

A - Fatores de risco

a) Tabagismo

É o principal fator de risco. Cerca de 90% dos casos entre homens e 80%
entre mulheres são relacionados ao cigarro. A década de 1990 demonstrou
uma queda de casos e de mortes entre os homens, com aumento de ambos
entre as mulheres, implicados, diretamente, no aumento de mulheres
tabagistas.
A chance de aparecimento do câncer está ligada ao tempo de tabagismo e ao
número de cigarros fumados por dia, de forma que uma carga tabágica
superior a 10 anos/maço é considerada clinicamente significativa. Já a carga
tabágica de 40 anos/maço aumenta o risco em 20 vezes de desenvolver câncer
de pulmão, ao passo que deixar de ser fumante reduz drasticamente o risco de
desenvolver câncer de pulmão em 15 a 20 anos após a cessação, apesar de
ainda permanecer um pouco maior do que em não fumantes. Sabidamente,
existe correlação dose-dependência no tabaco como fator de risco.
As pessoas que fumam charutos ou cachimbos também apresentam mais
riscos de desenvolver câncer. Há ligação entre o número de anos que a pessoa
fuma, o de charutos ou de cachimbos fumados por dia e o quão
profundamente a fumaça é inalada. Mesmo sem inalação, existe o aumento de
risco de tumores de cabeça e pescoço entre os seus usuários.
A associação de maconha à neoplasia de pulmão não é tão bem documentada
quanto a do cigarro, mas ocorrem lesões no epitélio brônquico. Sabe-se que 3
ou 4 cigarros de maconha equivalem, em média, em termos de material
particulado, a 20 cigarros, mas a magnitude de risco ainda não é quantificada,
e, apesar de alguns estudos demonstrarem relação, outros falharam em
demonstrar uma associação clara de risco.
O risco do tabagismo passivo é proporcional ao tempo em que o indivíduo
inala o ar com substâncias liberadas pelo cigarro e ao número de indivíduos
no ambiente. Estima-se que, a cada 3 cigarros consumidos por um fumante, o
indivíduo que divide o ambiente com ele inala 1 cigarro inteiro.
Todos os subtipos histológicos de câncer de pulmão guardam relação com o
tabagismo, o que é mais intenso no carcinoma de células pequenas (97% dos
casos) e menos no adenocarcinoma (85% dos casos). Outros tumores
relacionados ao hábito de fumar são: cavidade oral, laringe, esôfago, bexiga,
rins, pâncreas, estômago, mama, cólon e reto e colo de útero.

Dica
Todos os subtipos histológicos de câncer de pulmão têm relação com
tabagismo, sendo maior no carcinoma de células pequenas (97%) e menor
no adenocarcinoma (85%).

Tema frequente de prova


A relação entre tabagismo e câncer de pulmão está sempre presente nas
questões de concursos médicos.

b) Asbesto

Quando inaladas, as partículas de asbesto alojam-se nos pulmões sem serem


eliminadas, levando à lesão celular e ao aumento do risco de câncer de
pulmão. Vale ressaltar que a exposição ao asbesto isolada aumenta o risco em
4 a 5 vezes o da população normal, porém a associação asbesto-tabaco
potencializa esse risco em progressão geométrica, chegando a valores de risco
80 vezes maiores em relação a quem não sofre nenhuma das 2 exposições.

c) Outros fatores de risco


Outras exposições sabidas que aumentam o risco são: sílica, metais (arsênio,
cromo, níquel, óxido de ferro), radiações ionizantes, poli-hidrocarbonetos
aromáticos (habitualmente, presentes em muitas indústrias químicas);
Radioterapia torácica prévia;
Doenças pulmonares parenquimatosas: doença pulmonar obstrutiva crônica,
doenças intersticiais fibrosantes, sarcoidose (sabemos que esse risco ocorre
mesmo quando separado do risco pela carga tabágica do paciente);
História familiar de carcinoma broncogênico (maior frequência em familiares,
possivelmente policlonal, mas ainda pouco compreendida);
Infecção pelo vírus HIV.

B - Tipos histológicos

São 4 os tipos histológicos principais do carcinoma broncogênico, cujo nome


já revela sua origem: células do epitélio brônquico (que é sempre o foco de
lesão direta da fumaça do tabaco e de outros inalantes fatores de risco). Estes
tipos histológicos correspondem a mais de 90% das neoplasias malignas
primárias do pulmão. Agora, discutiremos a correlação entre os principais
tipos histológicos e as características de apresentação clínica, como sintomas
relacionados, ocorrência de síndromes paraneoplásicas, localização
preferencial na geometria pulmonar e padrão de disseminação e metástases,
visto que esses ainda são dados frequentes de questões em concursos
médicos.
Vale a pena ressaltar que, na última década, houve um avanço no
entendimento das neoplasias pulmonares, mostrando que em um mesmo
tumor podem coexistir diferentes subtipos de lesão e que, atualmente, as
características de graduações de subtipos de lesão podem interferir
diretamente na programação do tratamento de cada paciente. Por isso, existe a
individualização do tratamento do câncer de pulmão, que segue a diretriz:
cada paciente desenvolve uma característica diferente de neoplasia pulmonar,
visto que esta é decorrente de uma interação complexa entre genética, fatores
de risco (com diferentes intensidades de exposição) e sistema imune do
paciente. Muitas vezes, tumores em 2 pacientes distintos com o mesmo
tamanho, tipo histológico principal (por exemplo, adenocarcinoma) e
estadiamento pelo sistema clássico TNM podem requerer estratégias diversas
de tratamento, como, por exemplo, um ser candidato à quimioterapia, e o
outro ao uso de imunobiológicos. Este é um tema cada vez mais abrangente
na Oncologia Clínica, de modo que o foco do pneumologista e do cirurgião
torácico será a correta correlação entre apresentação clínica-fatores de risco-
radiológica e o adequado diagnóstico e indicação cirúrgica da lesão.

a) Adenocarcinoma (de 35 a 40%)

Os adenocarcinomas são tumores originados das glândulas mucosas do


epitélio brônquico, habitualmente de localização periférica, ou seja, originam-
se em vias aéreas de menor calibre, e, portanto, manifestam-se, inicialmente,
como nódulo pulmonar isolado ou massa pulmonar totalmente circundada por
parênquima pulmonar normal; assim, não invadem estruturas nobres, como
brônquios principais, traqueia ou grandes vasos do mediastino. Mais
frequentemente, apresentam invasão das pleuras visceral e parietal e, por
vezes, da parede torácica. Trata-se do tipo histológico com menor relação
com tabagismo (80 a 85% dos casos somente), sendo o mais comum em
mulheres e em indivíduos com menos de 40 anos.
Uma variante histológica de importante denominação é o bronquioloalveolar,
o qual não apresenta potencial invasivo no epitélio brônquico e, portanto, não
origina metástases linfonodais ou em outros órgãos extratorácicos. A sua
disseminação ocorrerá exclusivamente pelas próprias vias aéreas, podendo,
por vezes, espalhar-se por um ou mais lobos pulmonares inteiros.
Diferentemente de outros tipos de neoplasias, poderá apresentar-se
radiologicamente como infiltrados do tipo alveolar associados e tosse com
secreção mucoide abundante associada à síndrome consumptiva e dispneia
progressiva. Nos casos refratários, o óbito ocorre por insuficiência respiratória
por asfixia, devido ao completo “atapetamento” das vias aéreas, em paralelo a
outras neoplasias nas quais os sítios de metástases a distância são a causa
imediata do óbito.

Dica
O adenocarcinoma é o tumor mais comum, com localização periférica. Em
questões de prova de concursos médicos, as lesões que se apresentam
como nódulo pulmonar isolado ou em indivíduos não tabagistas e jovens
(<40 anos), habitualmente, referem-se a este tipo histológico.
Figura 2 - Tomografia de tórax demonstrando consolidação persistente no lobo inferior direito, com
diagnóstico final de carcinoma bronquíolo alveolar

b) Carcinoma de células escamosas (de 25 a 30%)

É um tumor tipicamente central, que se origina nas vias aéreas mais proximais
das células de revestimento do epitélio brônquico metaplásico. Vale lembrar
que o epitélio brônquico normal é do tipo colunar pseudoestratificado ciliar
com células glandulares, ou seja, onde estão as células escamosas? Elas se
originam por metaplasia do epitélio colunar, habitualmente relacionado a
exposição à fumaça do tabaco, um mecanismo inicial de defesa daquela
agressão; logo, é óbvia a sua relação muito grande com o tabagismo ou outras
exposições correlatas, em cerca de 95% dos casos. São tumores de localização
mais próxima aos brônquios principais e, como consequência, apresentam
características muito exploradas em questões de provas: massa pulmonar
central, pneumonia obstrutiva, atelectasia pulmonar, hemoptise, facilidade de
diagnóstico por meio de broncoscopia e biópsia endobrônquica pela fácil
visualização da lesão pelo exame endoscópico. É o tipo histológico que mais
cursa com hipercalcemia e com necrose tumoral central (cavitação). Há
metástases linfonodais e ósseas com bastante frequência.
Dica
O carcinoma epidermoide tem localização central, maior relação com
hemoptise, atelectasia pulmonar, pneumonias obstrutivas, hipercalcemia e
necrose tumoral central. O diagnóstico costuma ser facilmente realizado
pela broncoscopia.

c) Carcinoma de pequenas células (de 15 a 20%)

O carcinoma de pequenas células é o tumor central que apresenta a maior


relação com o tabagismo, dentre todos os outros tipos, além da maior
velocidade de duplicação e maior potencial de metástase linfonodal e a
distância. Muitas vezes, a apresentação inicial pode ser devida a uma
síndrome compressiva (por exemplo, síndrome de veia cava superior ou
síndrome de Horner), na presença de grandes massas de linfonodos
mediastinais e uma pequena lesão primária pulmonar. Assim como o
carcinoma epidermoide, é um tumor predominantemente central (lembrar a
relação mais forte com o tabagismo), com potencial de ocasionar
estreitamento brônquico, atelectasias e pneumonias pós-obstrutivas. É
disparado o tipo histológico mais comumente relacionado às síndromes
paraneoplásicas, sobretudo as endócrinas (como síndrome de secreção
inapropriada de hormônio antidiurético e síndrome de Cushing), exceção
somente feita à hipercalcemia. Vale lembrar que, paradoxalmente, uma
síndrome paraneoplásica que praticamente exclui a sua possibilidade
diagnóstica é a presença de baqueteamento digital ou osteoartropatia
hipertrófica; esta é mais relacionada ao adenocarcinoma e ao carcinoma
epidermoide.

Dica
O carcinoma de pequenas células, ou oat cells, tem maior relação com
tabagismo, localização central, grande potencial de metástases com massas
mediastinais compressivas, metástases a distância e síndrome
paraneoplásica.

d) Carcinoma de grandes células (de 5 a 10%)

O carcinoma de grandes células é um tipo histológico que se origina mais,


frequentemente, em vias aéreas periféricas, designando um grupo
relativamente heterogêneo de tumores pouco diferenciados (células grandes e
que não preenchem critérios para os outros tipos histológicos). Costuma ser
um tumor altamente proliferativo, com curso clínico agressivo, tendência à
necrose e à invasão de estruturas por contiguidade, ao invés de metástases a
distância.

Dica
O carcinoma de grandes células, ou anaplásico, tem localização periférica e
grandes massas tumorais com potencial de cavitação.

Tema frequente de prova


A diferenciação dos tipos histológicos de câncer de pulmão é fundamental
para a resolução da grande maioria das questões de concursos médicos
sobre o tema.

C - Achados clínicos
A maioria dos pacientes apresenta sintomas à época do diagnóstico; no
entanto, nessa fase, o tumor já percorreu mais de 60% de sua evolução
natural.
Perda de peso, anorexia e adinamia acontecem em 55 a 88% dos pacientes.
Até 60% têm nova tosse ou piora do padrão de tosse crônica, e até 1/3 pode
manifestar hemoptise (de 3 a 31%). Dor torácica ocorre em 25 a 40%.
Alterações radiográficas que não apresentam resolução com o tempo devem
levantar a suspeita de neoplasia de pulmão – principalmente consolidações
previamente consideradas como relacionadas a pneumonias e que mantêm o
padrão após 40 a 60 dias do uso de antibióticos.
Existem algumas síndromes associadas a efeitos locais do tumor: atelectasia
(Figura 3), derrame pleural, síndrome de Claude Bernard-Horner, síndrome de
Pancoast e síndrome da veia cava superior.
Figura 3 - Atelectasia do pulmão esquerdo: notar o desvio da traqueia para o mesmo lado da lesão
(seta)

a) Síndrome de Claude Bernard-Horner (ou síndrome de


Horner)

Caracteriza-se por miose, enoftalmia, ptose palpebral e anidrose facial


ipsilateral, sinais de denervação simpática, que ocorrem por compressão do
simpático cervical por lesão tumoral localizada no ápice do pulmão,
conhecida como tumor de Pancoast (antes chamado tumor do sulco superior,
por originar-se no sulco anatômico na superfície pulmonar por passagem da
artéria subclávia).

Dica
A síndrome de Horner envolve ptose palpebral, miose, enoftalmia e
anidrose facial ipsilateral.

b) Síndrome de Pancoast

Caracteriza-se por dor no ombro e membro superior, com sensações


parestésicas e dor local, geradas por compressão do plexo braquial. Por vezes,
ocorre associada à síndrome de Horner, já que as estruturas nervosas
acometidas nas 2 síndromes têm proximidade regional. Não se deve confundir
com o tumor de Pancoast, ou tumor do sulco superior pulmonar (formado pela
passagem dos vasos subclávios pela cúpula da pleura e ápices pulmonares),
geralmente neoplasias pulmonares não pequenas células (principalmente,
epidermoide e adenocarcinoma), de grande potencial invasivo local,
acometendo comumente as estruturas ósseas, musculares e nervosas
adjacentes, dando origem à síndrome de Pancoast.

Dica
A síndrome de Pancoast envolve dor no ombro, parestesias e redução da
força muscular no membro afetado. Pode ter associação à síndrome de
Horner.

c) Síndrome da veia cava superior

Caracteriza-se por edema da face e de membros superiores, pletora facial,


ingurgitamento das veias cervicais, circulação colateral no tronco superior,
acrescidos de dispneia e tosse, que pioram com o decúbito dorsal ou ao
inclinar o corpo para frente; em alguns casos, pode haver estridor. É
ocasionada por obstrução ao fluxo sanguíneo venoso na veia cava, em mais de
90% dos casos de etiologia tumoral (neoplasia de pulmão e linfoma); os
sintomas respiratórios habitualmente se relacionam com compressão
extrínseca da traqueia. Os diagnósticos diferenciais são tumores de origem
linfoide, mediastinite fibrosante e histoplasmose. Os tumores de pulmão mais
associados são aqueles com predileção por áreas centrais do parênquima, mas
vale ressaltar que, geralmente, as estruturas mediastinais são comprimidas
pelas metástases linfonodais muito mais do que pela própria massa do tumor
primário. Portanto, o tipo histológico mais frequente é o carcinoma de células
pequenas e, em 2º lugar, o carcinoma epidermoide. No passado, era
considerada uma emergência oncológica, com tratamento imediato com
radioterapia e corticosteroides; hoje, a conduta preferida é investigar a
etiologia da síndrome (em alguns casos, pode não ser neoplásica, e os
diferentes tipos histológicos envolvidos têm resposta variável a modalidades
terapêuticas) e definir o melhor tratamento. Entretanto, em casos de estigmas
de obstrução de vias aéreas centrais, com desconforto respiratório evidente, a
conduta continua a ser radioterapia e corticosteroide de imediato (linfoma e
carcinoma de células pequenas costumam ter boa resposta).

Dica
A síndrome da veia cava superior envolve edema de face e membros
superiores, pletora facial, ingurgitamento jugular, circulação colateral
superior, associados à dispneia e à tosse que pioram ao decúbito dorsal. As
etiologias mais frequentes são as neoplasias: carcinomas de pequenas
células pulmonares e linfomas com massas mediastinais.

Tema frequente de prova


Síndrome de Horner, síndrome de Pancoast e síndrome da veia cava
superior são temas recorrentes em concursos médicos.

D - Síndromes paraneoplásicas
Correspondem a manifestações clínicas associadas ao tumor, mas por efeito a
distância, não por proximidade. São inúmeras, e, ainda hoje, algumas não são
completamente conhecidas (Tabela 3).
Ocorrem em cerca de 10 a 20% e são mais comuns com o tipo histológico de
pequenas células. Podem preceder e ocorrer durante ou somente após o
diagnóstico. A presença delas não necessariamente indica doença metastática.
Cerca de 15% dos tumores de pequenas células manifestam secreção
inapropriada de hormônio antidiurético, e em torno de 10% dos tumores de
células escamosas desenvolvem hipercalcemia. Outras paraneoplasias são
anemia, síndrome de Cushing (secreção ectópica de ACTH),
hipercoagulabilidade, neuropatia periférica e síndrome miastênica de Eaton-
Lambert. A ginecomastia é mais comum com o tipo histológico de grandes
células, e a osteoartropatia hipertrófica (associação de baqueteamento digital
e reação periosteal em ossos longos – Figura 4) ocorre com todos os tipos,
mas raramente com os de pequenas células.
Figura 4 - Baqueteamento digital e unhas “em vidro de relógio”

O adenocarcinoma de pulmão pode apresentar-se com endocardite marântica


ou verrucosa, similar à que acontece entre pacientes com lúpus eritematoso
sistêmico.
Em grande parte das síndromes paraneoplásicas, o tratamento do tumor
promove o alívio de seus sinais e sintomas.
Dica
A maioria das síndromes paraneoplásicas metabólicas está associada ao
carcinoma de pulmão de pequenas células; são exceções a hipercalcemia
(carcinoma epidermoide), a osteoartropatia hipertrófica e a ginecomastia
(adenocarcinoma).
E - Exames complementares

Cada vez mais se ressalta a necessidade de que o diagnóstico seja firmado


pela análise histológica do tumor primário, inclusive com grande importância
da ressecção completa da lesão no estadiamento cirúrgico para o correto
tratamento adjuvante. Análises realizadas somente por meio de exames
citológicos são consideradas inapropriadas para definição de indicação de
ressecção ou tratamento. Uma crítica fundamental é que o epitélio das vias
aéreas pode tornar-se reativo e com características semelhantes ao exame
citológico para doenças malignas e benignas de reação inflamatória muito
intensa. Exceção vale apenas para os pacientes com suspeita de derrame
pleural neoplásico, no qual uma citologia oncótica positiva pode determinar a
presença de metástase e evitar procedimentos cirúrgicos mais complexos da
lesão primária em pacientes com estadiamento mais avançado.
A seguir são descritos os principais métodos diagnósticos utilizados para
realização de biópsia pulmonar na prática clínica atual.

a) Broncoscopia

Permite a visualização direta da árvore brônquica e a realização de biópsia.


Em tumores de grandes vias aéreas, a sensibilidade pode chegar a 90%.
Entretanto, em lesões de pequenas vias aéreas, a sensibilidade pode cair para
10%. Algumas técnicas recentes associadas à broncoscopia vêm aumentando
o rendimento diagnóstico do método. São elas:

Broncoscopia com fluorescência: permite a detecção de infiltrações


menores do epitélio brônquico, permitindo o diagnóstico mais preciso de
lesões infiltrativas pequenas – na prática direciona melhor o sítio de
biópsia de uma lesão endobrônquica;
Ultrassonografia endoscópica (EBUS): este método permite a
punção/biópsia de lesões tumorais (pulmonares ou linfonodais) que não
sejam de visualização direta endobrônquica, porém desde que a sua
localização seja próxima a brônquios de, no máximo, 2ª ou 3ª ordem
divisional. Nesse método, se faz a punção transfixante da parede
brônquica para que seja alcançado um nódulo ou uma massa de
localização no meio do parênquima pulmonar ou no mediastino. Exige
material específico e deve ser realizado por broncoscopista, com grande
experiência em centros de referência para o adequado rendimento
diagnóstico.

b) Biópsia transtorácica
A punção aspirativa com agulha por via transtorácica, sem dúvida, é o método
diagnóstico que mais evoluiu na última década, para auxílio no diagnóstico de
nódulos pulmonares. É um método pouco invasivo, que pode ser realizado
somente com anestesia local e sedação leve (embora, em alguns casos, a
depender da localização da lesão e do posicionamento necessário do paciente,
possa precisar de anestesia geral). Anteriormente, era realizado somente em
lesões de localização muito periférica, de preferência em contato com a
superfície pleural. Hoje em dia, cada vez mais, são feitas biópsias de lesões
distantes da superfície pleural e com baixos índices de complicações graves.
O pneumotórax pela transfixação de parênquima pulmonar normal necessária
para o alcance da lesão-alvo é frequente (5 a 30%, dependendo, sobretudo, da
localização do nódulo e da presença de enfisema que aumenta o seu risco),
porém é adequadamente tratado com blood patch e punção aspirativa guiada
pela própria Tomografia Computadorizada (TC), eventualmente necessitando
de drenagem pleural fechada. A sensibilidade do método chega a mais de
95%, dependendo do centro onde a biópsia foi realizada (inclui aqui tipo de
tomógrafo, equipe envolvida radiologia-patologia) e da localização da lesão.
Naqueles casos em que existe limitação do método para biópsia, pode ser
importante para estereotaxia da lesão-alvo e para procedimento cirúrgico
convencional posterior.

c) Biópsia cirúrgica

A biópsia pode ser necessária quando exames menos invasivos não são
capazes de estabelecer um diagnóstico. O método de escolha hoje é a
toracoscopia videoassistida, que permite a ressecção adequada da lesão,
estadiamento ganglionar, se necessário, e a visualização de possíveis lesões de
metástases pleurais. Cada vez menos, utiliza-se a toracotomia sem o uso de
vídeo nos centros onde existe tal disponibilidade.

d) Exames de imagem

Mais de 90% dos pacientes com câncer de pulmão apresentam anormalidades


radiológicas. Os exames de imagem são utilizados para caracterização da
lesão suspeita, geralmente de um nódulo pulmonar, e, posteriormente, para o
adequado estadiamento de possíveis lesões metastáticas a distância. A Tabela
4 apresenta os exames mais utilizados, que serão mais bem detalhados, com
suas respectivas indicações, no item sobre estadiamento da neoplasia.
e) Exames funcionais

Deverão sempre ser realizados naqueles pacientes possíveis candidatos a


tratamentos de ressecção pulmonar. São exames importantes na avaliação de
tolerabilidade da cirurgia: os principais são a espirometria e o teste
cardiopulmonar de esforço.
Espirometria: deverá ser realizada em pacientes com sinais ou sintomas de
doença pulmonar obstrutiva crônica e como exame complementar antes de
uma eventual cirurgia curativa. Em geral, indivíduos em bom estado, com
Volume Expiratório Forçado no 1º segundo (VEF1) >2L, têm baixo risco de
complicações para a lobectomia ou mesmo a pneumonectomia. Caso o
indivíduo tenha VEF1 <2L, deve-se calcular o VEF1 predito para o pós-
operatório. Este é calculado por meio do VEF1 pré-operatório e da
porcentagem de parênquima ressecado. Caso a estimativa seja de VEF1
>800mL (ou >40% do predito), a cirurgia terá baixas taxas de complicações;
Ergoespirometria (ou teste cardiopulmonar de esforço): em pacientes de
alto risco, que são identificados com VEF1 <700mL (ou menor do que 40%
do predito). Um consumo de oxigênio acima de 20mL/kg/min identifica
pacientes com risco aceitável; caso seja <10mL/kg/min, são de altíssimo risco
cirúrgico. O interessante é que a hipoxemia e/ou a hipercapnia, mesmo
durante o esforço, não são preditores independentes de prognóstico.

Dica
Os pacientes candidatos à cirurgia de ressecção pulmonar deverão sempre
realizar exame funcional pulmonar: VEF1 >2L ou VO2 máximo
>20mL/kg/min = permite pneumonectomia; VEF1 >1,5L ou VO2 máximo
>15mL/kg/min = permite lobectomia.

F - Estadiamento: classificação e conceitos gerais


Quando se estuda a abordagem do paciente com câncer de pulmão, se faz
necessária a divisão em 2 grupos: as neoplasias de pequenas células e as de
não pequenas células. Após firmado o diagnóstico, etapa até a qual os
conceitos citados anteriormente são comuns a ambos os grupos de neoplasias,
é feito o estadiamento para posterior adequado tratamento. Por isso, é
fundamental a realização de tal divisão. Essa classificação torna prática a
divisão da neoplasia de pequenas células, que apresenta alta capacidade de
disseminação hematológica, com tempo de sobrevida sem tratamento de 6 a
18 semanas. No momento do diagnóstico, geralmente, já existe evidência de
disseminação para além do hemitórax da lesão primária, não sendo mais,
portanto, passível de tratamento cirúrgico com intenção curativa.
Os tumores de não pequenas células têm, em geral, tendência de disseminação
mais lenta, e podem ser passíveis de tratamento cirúrgico. O estadiamento
visa fornecer ao médico informações sobre o prognóstico, o planejamento
terapêutico e a padronização para fins de estudos clínicos (possibilitar a
comparação de resultados novos).
Nesse sentido, são importantes 2 princípios gerais comuns à maioria das
neoplasias malignas de órgãos sólidos:

Quanto mais disseminado o tumor, pior o prognóstico;


Tratamentos com intenção curativa devem incluir ressecção cirúrgica.
Figura 5 - Tomografia (corte em janela de pulmão) da massa pulmonar direita
Figura 6 - Tomografia (corte em janela de mediastino) da massa pulmonar direita

a) Carcinoma pulmonar de não pequenas células

O estadiamento é feito pelo método TNM. O tumor deverá ser categorizado


de acordo com o tamanho, a localização e a invasão de estruturas por
contiguidade (T), a disseminação para gânglios linfáticos no tórax (N) ou
metástases extratorácicas (M). Atualmente, utilizamos a 8ª edição da
padronização para estadiamento das neoplasias pulmonares de não pequenas
células, conforme mostrado na Tabela 4. Com base na categorização TNM, o
tumor é classificado como estádio I a IV, sendo, geralmente, os estádios I e II
passíveis de tratamento cirúrgico, e os estádios III e IV não.
O estadiamento clínico-radiológico é aquele realizado pelo resultado do
conjunto de exames e biópsia, com comprovação de tipo histológico. Essa
etapa é importante por diferenciar os pacientes elegíveis ao tratamento
cirúrgico, sendo utilizada a denominação cTNM.
Após a realização da cirurgia com ressecção completa da lesão, podemos
definir o estadiamento cirúrgico-patológico, ao qual acrescentamos detalhes
importantes na indicação dos tratamentos adjuvantes, como tamanho preciso
da lesão, predominância de subtipo histológico, margens livres de lesão, além
da mais adequada avaliação do comprometimento linfonodal, sendo usada a
denominação pTNM.

Dica
Os locais mais frequentes de metástases são adrenais, fígado, ossos e
cérebro.

A maioria dos estádios I ou II pode ser curada cirurgicamente. Em geral,


estádios IIIB e IV não se beneficiam de cirurgia, e o estádio IIIA tem
disseminação local e, ocasionalmente, podem beneficiar-se de cirurgia.
Em resumo, pacientes que tenham estadiamento com T4, ou N3, ou M1 não
são candidatos à cirurgia.
Tema frequente de prova
O estadiamento do câncer de pulmão deve ser conhecido, pois está
presente nas provas de concursos médicos. Os tumores passíveis de
tratamento cirúrgico são aqueles com estádio I e II. Todos os tumores
>5cm, ou com invasão de estruturas nobres no tórax, ou derrame pleural,
ou nódulo em lobo diferente do tumor primário, ou N2-3 ou M1 não são
candidatos à cirurgia.

b) Tumor de pequenas células

Classicamente, o TNM é pouco utilizado. O estadiamento é feito da seguinte


maneira:
Doença limitada (30% dos pacientes): tumor limitado a 1 hemitórax,
podendo incluir linfonodos mediastinais e supraclaviculares ipsilaterais,
derrame pleural e obstrução da veia cava superior;
Doença extensa (70%): o tumor estende-se além de 1 hemitórax; inclui
derrame pericárdico;
Nesse caso, os pacientes com doença limitada são candidatos à quimioterapia
e à radioterapia do hemitórax doente; aos pacientes com doença extensa, é
recomendada somente quimioterapia.

G - Exames especiais: screening


Estudos antigos baseados em radiografia de tórax e citologia do escarro não
mostraram benefício do screening para câncer de pulmão. No entanto, estudos
com TC com baixa dose de radiação têm demonstrado desfechos positivos em
indivíduos com carga tabágica significativa, ainda que tenham parado de
fumar há 15 anos. O método consiste em aquisição de imagem durante
inspiração única, com radiação menor do que 1/3 de exames convencionais.
Além disso, existe maior probabilidade de cessação do tabagismo em
indivíduos que participaram de estudos de screening.
Assim, a maioria dos consensos internacionais, dentre os quais o do American
College of Chest Physicians, sugere a realização de screening anual com TC
de tórax com baixa dose de radiação em pacientes de 55 a 74 anos, que
apresentam carga superior a 30 anos/maço, com tabagismo atual ou que
tenham cessado nos últimos 15 anos. Com grau de evidência menor, sugere
também a extensão para pacientes entre 75 e 80 anos, nas mesmas condições
de carga tabágica. Deve-se saber que o uso de TC de baixa dose aumenta
muito a detecção de lesões falso positivas, com a realização de procedimento
diagnóstico e geração de dano psicológico aos pacientes.
Vale ressaltar que a principal medida de prevenção de neoplasia pulmonar é a
abordagem para cessação do tabagismo, tanto em custo x efetividade quanto
em redução de mortalidade.

H - Tratamento

O tratamento depende de vários fatores, incluindo o tipo de tumor, o tamanho,


a localização, a sua extensão e, principalmente, o estado geral do paciente.
Independentemente de a modalidade escolhida ser a cirurgia, a quimioterapia
ou a radioterapia, o indivíduo necessita ter condições clínicas mínimas para
que possa ser submetido ao tratamento. Existem várias escalas propostas para
avaliar o estado físico global, e uma das mais utilizadas é a de Karnofsky
(Tabela 7).

Tratamento
O tratamento do câncer de pulmão depende de vários fatores, como tipo de
tumor, tamanho, localização, sua extensão e, principalmente, o estado geral
do paciente.

Muitos tratamentos diferentes e combinações podem ser usados para o


controle do câncer de pulmão e/ou a melhora da qualidade de vida, com a
redução dos sintomas.
a) Tumor de não pequenas células

A indicação do tratamento cirúrgico está diretamente atrelada ao melhor


prognóstico de sobrevida do paciente. Atualmente, são considerados passíveis
de cirurgia todos os pacientes com estadiamento I e II, ou seja, todos os
pacientes com tumores T4 ou doença linfonodal mediastinal não restrita ao
mesmo hemitórax ou metástases a distância não são considerados para
cirurgia. A única exceção se trata dos tumores IIIA, com linfonodo
mediastinal diagnosticado somente no intraoperatório, ou seja, quando há
elevação do nível do estadiamento no intraoperatório em relação ao
estadiamento clínico. Esses casos, no entanto, apresentam pior mortalidade
comparados aos demais casos de indicação de cirurgia. A radioterapia e a
quimioterapia podem ser utilizadas, conforme as orientações em linhas gerais
descritas na Tabela 9.
b) Tumor de células pequenas

O tratamento padronizado é a quimiorradioterapia; a cirurgia pode ser


realizada em casos de estadiamento precoce (T1-2N0). A resposta à
quimioterapia é excelente: de 80 a 100% entre pacientes com doença limitada
(com 50 a 70% mostrando resposta completa) e de 60 a 80% com doença
extensa (de 15 a 40% de resposta completa). Entretanto, as remissões são
comuns (em média de 6 a 8 meses), e a sobrevida, após recidiva, é de 3 a 4
meses.
A sobrevida global em 2 anos é de 20% em doença limitada e de 5% em
doença extensa. A radioterapia (associada à quimioterapia) só tem indicação a
pacientes com doença limitada.
A radiação profilática do sistema nervoso central é controversa e não melhora
a sobrevida. Alguns autores a indicam para indivíduos com doença limitada e
resposta completa à quimioterapia.

I - Prognóstico

Conforme ressaltado, a sobrevida global do câncer de pulmão é de apenas


15% em 5 anos, o que se deve ao fato de a maioria manifestar doença
avançada ao diagnóstico. O aspecto mais relevante na definição do
prognóstico é o estágio da doença ao ser realizado o diagnóstico.

2. Metástase pulmonar
Qualquer tumor maligno pode apresentar metástases no pulmão, tanto por
invasão direta quanto por extensão linfática ou vascular (Figura 7).
Raramente, a metástase pulmonar é oriunda de embolização arterial
(hipernefroma, coriocarcinoma, hepatocarcinoma, por exemplo). Em
particular, denomina-se linfangite carcinomatosa quando há envolvimento
difuso da rede linfática pulmonar. Nesse caso, tanto pode ocorrer com
tumores primários de pulmão quanto com tumores metastáticos (câncer de
mama, por exemplo).
Em estudos de autópsia, cerca de 20 a 55% dos que morreram de câncer
apresentaram achados de metástases parenquimatosas de pulmão.
Na maioria, é feito o diagnóstico do câncer de base, e, posteriormente, surgem
metástases pulmonares. Todavia, a apresentação inicial pode ser de sinais e
sintomas pulmonares (tosse, dispneia, hemoptise, cianose etc.), com
radiografia mostrando múltiplos nódulos pulmonares periféricos. Nesses
casos, o diagnóstico diferencial inclui malformações arteriovenosas
pulmonares, estafilococcemia, infecções granulomatosas, sarcoidose,
vasculite reumatoide e granulomatose de Wegener.
Figura 7 - Opacidades nodulares de tamanhos variados, com predomínio nos lobos inferiores:
achado clássico de lesões metastáticas

A - Abordagem

O diagnóstico do câncer primário pode já ter sido realizado e ser sugerido


pelo quadro clínico (exemplos: aumento dos testículos, nódulo na mama etc.),
o qual deve guiar a investigação, ou pode não ser claramente evidente. Nesse
último grupo, devem-se buscar tumores passíveis de tratamento (tireoide,
próstata, mama, testículo etc.).
O achado radiológico mais típico é a presença de múltiplos nódulos,
periféricos, em campos pulmonares inferiores e menores de 5cm. Cavitação
sugere câncer primário de pulmão (células escamosas), enquanto calcificações
sugerem osteossarcoma.

B - Tratamento

Em geral, deve-se tratar a doença de base e, quando isso não for possível,
fornecer cuidados paliativos. Em alguns casos, a ressecção das metástases é
factível:

Possibilidade de ressecção tumoral completa, pois se trata de um


procedimento curativo;
Ausência de focos de metástases extratorácicas;
Doença primária sob controle;
Inexistência de alternativa terapêutica para as lesões;
Risco cirúrgico aceitável. Quando a TC mostra poucos nódulos, a
ressecção cirúrgica é factível; se o paciente tem regular ou bom estado
geral, se não há outros locais de metástases (exemplos: osso, fígado etc.)
e se o câncer de base está controlado, indica-se a retirada cirúrgica das
metástases. Nesse caso, em média, a taxa global de sobrevida em 5 anos
é de 20 a 35%.

3. Nódulo pulmonar solitário

É definido como lesão <3cm de diâmetro à radiografia de tórax, com pulmão


normal circundando e na ausência de infiltrados, atelectasia ou
linfonodomegalia. Na maioria das vezes, ocorre em assintomáticos,
representando um achado radiológico. A grande importância desse achado é a
possibilidade de malignidade como a causa do nódulo e o seu bom
prognóstico com o tratamento cirúrgico.

Dica
O nódulo pulmonar solitário tem lesão <3cm de diâmetro, com pulmão
normal circundando-o.
Figura 8 - Nódulo pulmonar periférico em tomografia de tórax, com calcificação “em pipoca”,
característico de hamartoma

A - Diagnóstico diferencial

Em princípio, o manejo ideal deve ser identificar e ressecar os tumores


malignos e evitar procedimentos invasivos em doença benigna. O termo
“benignidade”, associado aos nódulos pulmonares, não se reveste de ausência
de necessidade de tratamento, apenas denota ausência de neoplasia maligna,
podendo representar doenças graves e fatais, como a granulomatose de
Wegener.
O 1º passo é buscar elementos que aumentem (ou diminuam), de forma
significativa, a probabilidade de câncer. Os principais estão expostos na
Tabela 10.
a) Sinais e sintomas

Praticamente não ajudam, pois a grande maioria é assintomática.

b) Idade

Quando <30 anos, em geral, indica benignidade. O risco de câncer aumenta


após a 3ª década, e, quanto maior a idade, maior a chance de tumor maligno.

c) Tabagismo

Aumenta a chance de câncer de forma proporcional ao tamanho da exposição


(número de cigarros fumados por dia versus tempo).

d) História prévia de câncer

Aumenta a chance de o nódulo ser maligno.

e) Tamanho
É mais bem avaliado por TC. Um estudo recente mostrou relação direta entre
o tamanho do nódulo e a chance de câncer: nódulos menores do que 5mm têm
0,1% de chance de serem malignos; os maiores do que 2cm, 80%.

f) Velocidade de duplicação

Lesões que dupliquem de tamanho entre 30 dias e 1,5 ano sugerem etiologia
maligna; caso contrário, a probabilidade de benignidade é maior.

g) Margens

Quando lisas e muito bem definidas, sugerem nódulo benigno. Margens


lobuladas ou espiculadas são favoráveis à malignidade.

Figura 9 - Nódulo espiculado no pulmão esquerdo, sugerindo malignidade, confirmada em


abordagem cirúrgica

h) Cálcio

Lesões benignas apresentam calcificação densa, central ou laminada. Nódulos


malignos tendem a ter calcificação esparsa, tipicamente excêntrica ou
pontilhada (Figuras 8 e 9).
i) Número de nódulos

A presença de 2 ou mais nódulos em exame de imagem associa-se à presença


de malignidade em mais de 70% dos casos.

j) Cavitação

Em associação à parede espessa (>1,6cm), são, mais provavelmente,


malignas.

B - Avaliação complementar

A radiografia de tórax é o método que rotineiramente sugere a presença do


nódulo. No entanto, exceto situações de pequenas lesões regulares e
densamente calcificadas, persistentes em exames anteriores, a radiografia não
é um método suficiente para análise dos nódulos. A TC é o método de
escolha.

a) Tomografia de tórax

Indicada à maioria das pessoas com nódulo pulmonar solitário. Todos os


elementos que sugerem malignidade (ou benignidade) são muito mais bem
avaliados pela TC do que pela radiografia simples de tórax. Além disso, a TC
pode revelar:

Múltiplas lesões;
Detalhes do mediastino e vias aéreas centrais;
Linfonodomegalias;
Análise do nódulo após contraste: lesões malignas são mais
vascularizadas. Por isso, nódulos malignos são mais densos após
contraste intravenoso.

b) Tomografia com contraste para análise de realce


(protocolo de Swensen)

A ausência de realce com contraste sugere tratar-se de lesão benigna,


enquanto a captação caracteriza o nódulo indeterminado, necessitando de
avaliação adicional.

c) Tomografia com emissão de pósitrons (PET-TC)

Infelizmente, é limitada pelo alto custo e de pouquíssima disponibilidade no


Brasil. Entretanto, em indivíduos com TC de tórax de alta resolução
inconclusiva, está indicada e mostra uma sensibilidade de 85 a 97% e
especificidade de 70 a 85% para o diagnóstico de câncer.

Figura 10 - Padrões de calcificação mais associados a lesões benignas


Figura 11 - Padrões de calcificação mais associados a lesões malignas
Existem algumas fórmulas propostas para estimar a probabilidade de tratar-se
de uma lesão maligna. Algumas podem ser vislumbradas nos sites
www.itorax.com.br e http://www.chestx-ray.com/index.php/calculators/spn-
calculator. De acordo com essa análise, os pacientes são classificados como
risco baixo (5%), intermediário (5 a 60%) ou alto (>60%) de neoplasia
maligna.

C - Manejo de lesão nodular

O exame mais relevante na avaliação de um paciente com nódulo pulmonar é


a avaliação radiológica (radiografia ou TC de tórax prévia), principalmente
dos últimos 2 anos. A presença de lesão com as mesmas características há 2
anos é altamente sugestiva de benignidade. Na prática, podem-se delinear 3
grandes grupos, como evidencia a Tabela 12.

Dica
Convém lembrar que lesão com as mesmas características há 2 anos é
altamente sugestiva de benignidade.
Entretanto, grande parte estará em um grupo não claramente benigno e não
obviamente maligno. Nesse caso, existem algumas opções diagnósticas e
terapêuticas, com vantagens e desvantagens.

a) Citologia oncótica do escarro

Com baixa sensibilidade, embora com alta especificidade, raramente é útil.


Técnicas recentes com anticorpos monoclonais estão em estudo e ainda não
estão disponíveis de rotina.

b) Broncoscopia com biópsia

Raramente é útil e depende muito do tamanho do nódulo e da sua localização


(quanto mais distal, pior a acurácia do exame). Por isso, estudos com
broncoscopia mostram resultados tão variados (10 a 80% de detecção de
câncer).

c) Biópsia aspirativa transtorácica

Infelizmente, os resultados são dependentes do médico que faz o


procedimento (operador-dependente), da localização e do tamanho do nódulo.
O rendimento diagnóstico pode ser de 50 a 97%, com taxas de complicações
que podem chegar a 30%. Em até 25 a 30%, o resultado é falso negativo.

d) PET-TC

Na PET-TC, o paciente recebe um marcador nuclear, flúor, marcado com


glicose, o FDG (fluoro-2-deoxiglicose); como as células tumorais apresentam
metabolismo acelerado, a captação de glicose é exuberante, e o tumor torna-se
marcado pelo flúor, detectado pelo exame. No entanto, outras lesões podem
ter o mesmo padrão, como doenças inflamatórias e infecciosas. Desta forma,
a PET-TC tem elevada sensibilidade (acima de 90%), mas especificidade não
tão boa (em torno de 72%), e é mais utilizada para tornar menos provável
malignidade.

e) Tomografia com protocolo de Swensen (realce por


contraste)

A TC com protocolo de Swensen utiliza como princípio o fato de as lesões


malignas serem bem mais vascularizadas quando comparadas às benignas. De
fato, o aumento da densidade do nódulo após a infusão de contraste tem
relação com o risco de malignidade. No entanto, como discutido com a PET-
TC, o exame também apresenta excelente sensibilidade (98%), mas
especificidade limitada (73%); assim, é mais usado para excluir neoplasia
maligna.

f) Videotoracoscopia

Dentre os citados, é o método mais agressivo para o diagnóstico, bem mais


invasivo do que a broncoscopia e a biópsia aspirativa transtorácica;
entretanto, quando comparado com a toracotomia, apresenta menor tempo de
estada hospitalar, recuperação pós-operatória mais breve, com menor
incidência de dor e retorno mais precoce.
Por isso, a maioria dos grandes centros tem recomendado a videotoracoscopia
como procedimento de escolha para nódulos com probabilidade intermediária
de câncer. Durante esse método, uma análise preliminar do material (biópsia
com congelamento) poderá determinar se há a necessidade de lobectomia com
análise ganglionar (se a análise preliminar intraoperatória mostrar
malignidade) ou não (tumor benigno).

Tema frequente de prova


Nódulo pulmonar solitário, seu diagnóstico e abordagem são temas
recorrentes nas questões, devido à sua alta prevalência em serviços de
saúde.

Resumo
A neoplasia de pulmão é a mais frequente em todo o mundo; no Brasil, é
aquela com maior mortalidade no sexo masculino e a segunda no
feminino e representa cerca de 13% de todos os casos novos de câncer;
Após o diagnóstico, apenas 40% continuam vivos depois de 1 ano. A
sobrevida em 5 anos é de apenas 15%;
O principal fator de risco para neoplasia de pulmão é o tabagismo,
independentemente do tipo histológico (relação maior com o carcinoma
de células pequenas e menor com o adenocarcinoma);
Os principais tipos histológicos, em ordem de prevalência, são
adenocarcinoma, carcinoma epidermoide, carcinoma de pequenas células
e carcinoma de grandes células. O adenocarcinoma e o carcinoma de
grandes células são considerados tumores periféricos; o epidermoide e de
pequenas células, centrais;
Queixas como dispneia, tosse e perda ponderal sugerem, geralmente, que
a neoplasia está em fase um tanto avançada; síndromes por efeito direto
do tumor são comuns, como síndrome de Horner (miose, enoftalmia,
ptose palpebral, anidrose ipsilateral), síndrome de Pancoast (parestesia
em membro superior, com dor e fraqueza muscular associada) e
síndrome de compressão da veia cava superior;
Síndromes paraneoplásicas são comuns em neoplasia de pulmão,
geralmente mais associadas ao carcinoma de pequenas células; fora
desse padrão estão a osteoartropatia hipertrófica (que tem o
baqueteamento digital como manifestação), mais comum no
adenocarcinoma, e a hipercalcemia, mais comum no epidermoide. Em
boa parte das síndromes paraneoplásicas, o tratamento do tumor
promove o alívio de seus sinais e sintomas;
O estadiamento é feito com base em características do tumor (T),
linfonodos (N) e metástase (M); o envolvimento pleural e de linfonodos
deve ser confirmado por análise histológica;
O único tratamento curativo para as neoplasias pulmonares é a cirurgia; a
possibilidade de tratamento depende do estágio e das condições clínicas
do paciente: tumores em estádios IIIB e IV são ditos inoperáveis, com
tratamento paliativo sugerido;
A presença de 2 ou mais nódulos no parênquima pulmonar denota
neoplasia em mais de 70% dos casos;
Os nódulos pulmonares solitários são lesões com menos de 3cm de
diâmetro à radiografia de tórax, com pulmão normal circundando e na
ausência de infiltrados, atelectasia ou linfonodomegalia;
A abordagem do paciente com nódulo pulmonar solitário depende da
estimativa de risco de neoplasia;
O exame mais relevante na avaliação de um paciente com nódulo
pulmonar é a avaliação radiológica (radiografia ou TC de tórax prévia),
principalmente dos últimos 2 anos. A presença de lesão com as mesmas
características há 2 anos é altamente sugestiva de benignidade;
As principais características de malignidade de nódulo são hábito de
fumar, tamanho superior a 2cm, bordas espiculadas e calcificação
excêntrica.

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