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DIREITO DO CONSUMIDOR – AULA II

Onde ESTAMOS?

Segunda aula de Direito do Consumidor, cujo objeto é iniciar os estudos dos artigos do nosso
Código de Defesa do Consumidor, a fim, nesse momento, saber quem é e quem pode ser o
consumidor, quem é e quem pode ser o fornecedor, a fim de podermos visualizar a relação de
consumo existente conforme o produto adquirido ou o serviço prestado e ainda, verificar a
efetiva aplicação ou não do CDC nos casos concretos para os quais exista regulamentação
prevista também em outras normas ou códigos do ordenamento jurídico brasileiro.

De onde VIEMOS?

Viemos dos apontamentos sobre a evolução da defesa do consumidor nas Américas e na Europa,
em especial no Brasil, cuja elaboração de um Código para a proteção do Consumidor se deu por
uma renomada comissão de juristas que não mediram esforços para trazer o que havia de mais
avançado na legislação da Alemanha, França, Estados Unidos e toda a Europa.

Viemos dos estudos sobre a previsão da defesa do consumidor na Constituição Federal de 1988,
sendo que essa defesa foi disposta na Constituição em três momentos, sendo o primeiro no
Título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, protegida por Cláusula Pétrea (art. 60, §4º CF/88).

Inobstante a importância da defesa do consumidor como direito fundamental, a Constituição


previu ainda, a proteção do consumidor como princípio da atividade econômica, disposta no
Título VII que trata da Ordem Econômica e Financeira (art. 170, V CF/88).

Por fim, a defesa do consumidor, ganhou teve prazo para ser devidamente codificada conforme
a previsão do artigo 48 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), dispondo
que em 120 dias da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional deveria elaborar o
Código de Defesa do Consumidor.

A inércia do Congresso Nacional não causou prejuízo à sociedade, considerando que a comissão
de juristas designada pelo Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, exerceu seu papel com
êxito, fazendo com que a Lei 8078 publicada em 11 de setembro de 1990, instituindo o nosso
Código de Defesa do Consumidor, primeira codificação a proteger o consumidor na América
Latina, se tornasse referência para outros países da latino americanos, e se consolidasse como
um microssistema de proteção ao consumidor composto por normas principiológicas de caráter
geral, mantendo-se extremamente avançado nesses seus quase 29 anos de existência.
Para onde VAMOS?

O céu, por enquanto, é o nosso limite!

TÍTULO I - Dos Direitos do Consumidor - CAPÍTULO I - Disposições Gerais

Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem


pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição
Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

Sem prejuízo do que já estudamos acerca da previsão Constitucional da defesa do consumidor,


cumpre, pois, analisar o CDC não apenas como sistema, mas ainda, como um contexto
construído, codificado, organizado e principalmente de identificação do sujeito beneficiado.

Isso porque o CDC brasileiro NÃO é um código de “consumo”, como a consolidação legal
francesa denominada Code de la Consommation, ou como a italiana denominada Codice del
Consumo, assim como não se trata de um Código Civil que se ocupa também de relações de
consumo, como a atual lei civil alemã BGB Reformado.

O nosso CDC concentra-se justamente no sujeito de direitos e tem como objetivo a proteção
desse sujeito. Ele sistematiza suas normas a partir desta ideia básica de proteção de apenas um
sujeito “vulnerável” na sociedade de consumo: o consumidor.

Trata-se de um Código especial elaborado para “desiguais”, para os “diferentes” em relações


mistas que se estabelecem entre um consumidor e um fornecedor, considerando que o
consumidor foi identificado constitucionalmente (art. 5º, XXXII, art. 170, V, CF/88 e art. 48 ADCT)
como agente a ser protegido de forma especial.

As normas de ordem pública, claramente esclarecidas no artigo 1º do CDC, são normas de direito
privado, com forte interesse social. São normas que se dirigem a à proteção prioritária de um
grupo social, os consumidores, e que por serem normas de ordem pública e de interesse social,
tornam-se inafastáveis pelo interesse individual, ou seja, prevalecem à vontade individual,
porque tratam de interesse de toda a sociedade.
A expressão Diálogo das Fontes

A expressão “diálogo das fontes” foi criada por Erik Jayme em seu curso de Haia (JAYME, Identité
culturelle et intégration ..., p. 259), significando, a aplicação simultânea, coerente e coordenada
das inúmeras fontes legislativas, leis especiais e gerais, com campos de aplicação convergentes1.

Cláudia Lima Marques, afirma que há “diálogo”, porque há influências recíprocas, “diálogo”
porque haverá aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja
complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção pela fonte prevalente ou
mesmo permitindo uma opção por uma das leis em conflito abstrato2.

O que podemos entender da lição dada pela eminente professora Claudia Lima Marques, é que
em caso de previsão tanto do CDC quanto do Código Civil de 2002, por exemplo, poderemos
fazer uso tanto do CDC se ele for mais favorável ao consumidor, quanto fazer uso das duas
normas em conjunto (CDC e Código Civil), ou ainda fazer uso subsidiário apenas do Código Civil
ou uso complementar, dependendo da necessidade que o caso em concreto apresentar.

O Código Civil de 2002, por exemplo, prevê normas que tratam de diversos tipos de contratos
entre as pessoas, contudo, em se tratando de relação de consumo, deverão prevalecer as
normas do CDC em detrimento do previsto no Código Civil, ou ainda, sendo o caso, poderá haver
a aplicação conjunta do CDC e do Código Civil, considerando a aplicação do Diálogo das Fontes.

RESPONSABILIDADE CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO USADO EM


EMPRESA REVENDEDORA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. Inépcia da petição inicial não verificada, ante
o preenchimento dos requisitos previstos no art. 319 do CPC/2015. Relação de consumo.
Demanda ajuizada dentro do prazo decadencial de cento e oitenta dias, após a constatação do
defeito. Dicção do art. 445, caput e § 1º, do Código Civil. De acordo com a teoria do diálogo das
fontes, o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma coerente e sistemática, evitando
distinções injustas e desfavoráveis ao consumidor. Demonstração, quantum satis, de que o
veículo apresentou defeito poucos dias após a tradição, havendo necessidade de substituição de
peças. Ressarcimento dos componentes substituídos que se impõe, excluídos os gastos com
alinhamento e colocação de óleo e fluído, por serem despesas ordinárias de manutenção do

1
JAYME, Erik. Identité culturelle et intpegration: Le droit internationale privé postmoderne. Recueil des
Cours de l’Académie de Droit International de la Haye, Kluwer, Doordrecht, 1995, II; apud MARQUES,
Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor / Claudia Lima Marques, Antônio Herman
V. Benjamin, Bruno Miragem. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. P. 40
2
MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor / Claudia Lima Marques,
Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. P. 41
veículo. Valor fixado por arbitramento. Admissibilidade. Mero dissabor que não caracteriza lesão
anímica e afasta a compensação pretendida a título de dano moral. Recurso provido em parte.

(TJSP; Apelação 1005830-86.2018.8.26.0037; Relator (a): Dimas Rubens Fonseca; Órgão


Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araraquara - 1ª Vara Cível; Data do
Julgamento: 03/12/2018; Data de Registro: 03/12/2018)

Conflito de normas

Lembrando sempre, que o CDC por ser lei especial, deverá prevalecer, em caso de conflito de
normas, mesmo sendo o Código Civil de 2002, lei posterior ao CDC (Lei 8078/1990).

O Código Civil de 2002, embora seja norma posterior, não trouxe revogação tácita ou expressa
às normas contratuais do CDC, pelo contrário, em alguns artigos, até esclarece a aplicação
subsidiária de suas próprias normas. Um exemplo é o artigo 593 que abre o capitulo sobre a
prestação de serviços.

CAPÍTULO VII - Da Prestação de Serviço

Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial,
reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.

E o conflito de normas é claramente possível de ocorrer, considerando, por exemplo, uma


situação concreta de contrato de seguro. Um exemplo é o artigo 732 do CC/2002:

Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não
contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de
tratados e convenções internacionais.

Nesse artigo o CC expressamente exclui a aplicação de outras normas que contrariem suas
disposições, prevendo a subsidiariedade de leis especiais, como o CDC e até mesmo a Convenção
de Varsóvia, que contém regras relativas ao transporte aéreo internacional e está em vigor no
Brasil por meio do Decreto nº 20.704, de 24 de novembro de 1931.

Em todo esse contexto, encontramos uma exceção à aplicação do CDC, por ser norma especial,
por ser norma mais favorável ao consumidor, entretanto, que mesmo assim, NÃO prevalece no
caso de limitação da indenização a ser paga, no caso pela AIR FRANCE por desvio de bagagem
de passageiro. No Recurso Extraordinário nº 636.331/RJ, O STF assim decidiu:
O Tribunal, apreciando o tema 210 da repercussão geral, por maioria e nos termos do voto do
Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, deu provimento ao recurso
extraordinário, para reduzir o valor da condenação por danos materiais, limitando-o ao patamar
estabelecido no art. 22 da Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas pelos acordos
internacionais posteriores. Em seguida, o Tribunal fixou a seguinte tese: “Nos termos do art. 178
da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da
responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de
Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”, vencido
o Ministro Marco Aurélio. Não votou o Ministro Alexandre de Moraes, por suceder o Ministro
Teori Zavascki, que votara em assentada anterior. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen
Lúcia. Plenário, 25.5.2017.

Tratava-se de:

Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Extravio de bagagem. Dano material.


Limitação. Antinomia. Convenção de Varsóvia. Código de Defesa do Consumidor. 3. Julgamento
de mérito. É aplicável o limite indenizatório estabelecido na Convenção de Varsóvia e demais
acordos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material
decorrente de extravio de bagagem, em voos internacionais. 5. Repercussão geral. Tema 210.
Fixação da tese: "Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados
internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros,
especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de
Defesa do Consumidor". 6. Caso concreto. Acórdão que aplicou o Código de Defesa do
Consumidor. Indenização superior ao limite previsto no art. 22 da Convenção de Varsóvia, com
as modificações efetuadas pelos acordos internacionais posteriores. Decisão recorrida
reformada, para reduzir o valor da condenação por danos materiais, limitando-o ao patamar
estabelecido na legislação internacional. 7. Recurso a que se dá provimento.

Apenas para esclarecimento, e para que não haja dúvida ou confusão quanto à aplicação do CDC
no caso de extravio de bagagem por companhia aérea internacional, o valor da indenização será
limitado ao que dispõe o artigo 22 da Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas
por acordos posteriores (Decreto nº 5.910 de 27/09/2006 promulgou a Convenção de
Montreal), o valor limite de indenização atualmente fica em torno de quase cinco mil reais.
ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO

Para que se estabeleça uma relação de consumo, é necessário a presença dos elementos,
imprescindíveis, a saber: Consumidor, Fornecedor, Produto ou serviço.

QUEM É O CONSUMIDOR?

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que


indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

A definição de quem é o consumidor é trazida pelo artigo 2º do próprio CDC de forma objetiva,
sendo necessário interpretar a expressão: destinatário final. Destinatário final é o consumidor
final, é aquele que retira o bem do mercado para simplesmente utilizá-lo.

Existem interpretações divergentes sobre a expressão destinatário final. São elas:

1- A interpretação finalista ou subjetiva: esta interpretação restringe a figura do consumidor à


aquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família. A corrente finalista,
considera que, restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que precisam de proteção,
restará assegurado um nível mais alto de proteção para essas pessoas, pois a jurisprudência será
construída sobre casos em que o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de
consumo e não sobre casos de profissionais-consumidores que reclamam mais benesses que já
lhes dão o direito civil e comercial.

Der uma posição inicial mais forte, influenciada pela doutrina francesa e belga, os finalistas
evoluíram para uma posição mais branda, em que pese, sempre teleológica, aceitando a
possibilidade de que o poder judiciário, reconheça a vulnerabilidade de uma pequena empresa
ou mesmo profissional, que adquiriu produto, fora do campo de sua especialidade, de forma a
permitir a interpretação do artigo 2º em consonância com o fim da norma, qual seja, a proteção
do vulnerável, do mais fraco na relação de consumo3.

2- Interpretação maximalista ou objetiva: Os maximalistas entendem que o artigo 2º do CDC


deve ser interpretado o mais extensamente possível, pois segundo essa corrente, para que as

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MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor / Claudia Lima Marques,
Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. P.
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normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Para
essa corrente interpretativa, não importa, por exemplo, se a pessoa física ou jurídica tem lucro
ou não quando adquire um produto ou utiliza um serviço.

3- Interpretação finalista aprofundada: Claudia Lima Marques afirma que em análise de


decisões dos anos de 2003, 2004 e 2005, o STJ parece apresentar-se pendente para a teoria
“finalista”, contudo, executando uma interpretação do campo de aplicação e também das
normas do CDC, de forma mais subjetiva quanto ao consumidor, porém, mais finalista e objetiva
quanto a atividade ou o fornecedor.4

Trata-se de uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que procura abrandar o
critério subjetivo dado pela lei, uma vez provada a principal característica do consumidor, qual
seja, a sua vulnerabilidade.

A teoria finalista aprofundada ou mitigada amplia o conceito de consumidor incluindo todo


aquele que possua vulnerabilidade em face do fornecedor. Decorre da mitigação dos rigores da
teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte, pessoa física ou
jurídica, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta
em situação de vulnerabilidade. Assim, o conceito-chave no finalismo aprofundado é a
presunção de vulnerabilidade, ou seja, uma situação permanente ou provisória, individual ou
coletiva, que fragiliza e enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo.

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. DECLARATÓRIA DE


INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PAGAMENTO DE PRESTAÇÃO EM
DUPLICIDADE. COMUNICAÇÃO. SOLICITAÇÃO DE COMPENSAÇÃO. AUSÊNCIA DE BAIXA.
INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL
CARACTERIZADO. 1. Apelação interposta da r. sentença, proferida na ação de declaração de
inexistência de débito cumulada com reparação por danos morais, que julgou improcedentes os
pedidos formulados na inicial. 2. Conforme corrente finalista mitigada, equipara-se à condição
de consumidor as pessoas jurídicas que, embora não sejam destinatárias finais do produto ou
serviço adquirido, revelem vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica em relações de
consumo estranhas à sua especialidade. 3. Presente toda a documentação necessária ao exame
e julgamento da demanda, torna-se dispensável a inversão do ônus da prova - até mesmo
porque, no caso, ela ensejaria a produção de prova negativa pela ré. 4. No caso, o consumidor

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MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor / Claudia Lima Marques,
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efetuara o pagamento de trinta e seis parcelas de seu financiamento, contudo, com o equívoco
que uma delas ficara em aberto, já que efetuara o pagamento de outra em duplicidade. Nada
obstante, considerava-se em dia com suas obrigações, não recebera qualquer negativa da
instituição bancária ao pedido de compensação dos valores, razão pela qual se mostra indevida
a inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes justamente após ele ter entrado em
contato com a instituição financeira visando a adequada compensação. 5. A Súmula 227 do STJ
enuncia que a pessoa jurídica, assim como a pessoa física, é capaz de sofrer lesão de natureza
moral, sendo necessário, em tais casos, que a ofensa atinja a sua honra objetiva, ou seja, que a
violação atinja a sua reputação ou o seu nome no meio comercial em que atue. 6. O quantum
indenizatório deve estar em consonância com a razoabilidade e a proporcionalidade e cumprir à
finalidade compensatório-pedagógica, de modo que, no caso, o valor de R$3.000,00 (três mil
reais) irá recompor devidamente o apelante-autor pelos danos suportados. 7. Apelação do autor
conhecida e provida. (Acórdão n. 1068365, Relator Des. CÉSAR LOYOLA, 2ª Turma Cível, data de
julgamento: 13/12/2017, publicado no DJe: 19/12/2017.)

QUEM MAIS PODE SER CONSIDERADO CONSUMIDOR?

Um dos pontos mais complexos do CDC está na definição do que seja consumidor, o que permite
delimitar o âmbito de incidência das normas ao caso concreto. Há diversas acepções de
consumidor, com base na legislação e na interpretação doutrinária. De rigor, quatro podem ser
diretamente extraídas da Lei 8.078/1990, sendo que um deles é material, que acabamos de
estudar, e os outros três sentidos são por equiparação. Eles podem ser assim organizados:

a) o artigo 2º do CDC dispõe que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final”; (material)

b) o parágrafo único do artigo 2º do CDC equipara a consumidor “a coletividade de pessoas,


ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”; (consumidor por
equiparação)

c) o artigo 17 do CDC também equipara a consumidor todas as vítimas do dano causado pelo
fato do produto e do serviço; (consumidor por equiparação) e

d) o artigo 29 do CDC indica que são equiparadas a consumidor todas as pessoas, determináveis
ou não, expostas às práticas comerciais e que, por isso, fazem jus à proteção contratual.
(consumidor por equiparação)
QUEM É O FORNECEDOR? QUAL PRODUTO? QUAL SERVIÇO?

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,
bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,


inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista.

A definição de consumidor no artigo 2º do CDC é relacional, ou seja, depende da presença de


um fornecedor do outro lado da relação de consumo. E por esse motivo, a definição de
fornecedor prevista no artigo 3º do CDC é extremamente ampla, permitindo que a um maior
número de relações possa ter aplicação as normas do CDC.

O artigo 3º apresenta ainda nos parágrafos 2º e 3º, respectivamente, o conceito de produto e


de serviço.

A leitura do caput do artigo 3º já nos apresenta um panorama da extensão das pessoas


enumeradas como fornecedores, sendo que, podemos observar, que se trata de pessoas
capazes, físicas ou jurídicas e ainda entes despersonalizados (art. 75 CPC5), que desenvolvem
atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

5
Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I - a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado;
II - o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores;
III - o Município, por seu prefeito ou procurador;
IV - a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar;
V - a massa falida, pelo administrador judicial;
VI - a herança jacente ou vacante, por seu curador;
VII - o espólio, pelo inventariante;
VIII - a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa
designação, por seus diretores;
IX - a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela
pessoa a quem couber a administração de seus bens;
X - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou
sucursal aberta ou instalada no Brasil;
XI - o condomínio, pelo administrador ou síndico.
Observe, que essa indicação de atividades não é taxativa e pode açambarcar até mesmo
situações de gratuidade na oferta de bens (amostras grátis) ou na prestação do serviço
(transporte aeronáutico ou rodoviário a passageiros que são portadores de milhas obtidas em
programas de fidelização).

Se é ampla a abrangência da acepção de “fornecedor”, ampla também é a solidariedade dos que


participam do ciclo de produção. Ocorre que a oferta e a colocação de produtos e serviços no
mercado pressupõem, em regra, a atuação de mais de um fornecedor, de maneira que o sistema
de responsabilidade civil objetiva precisa alcançar todos os que, direta ou indiretamente, atuem
na “atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

Essa previsão encontra-se nos artigos 7º, parágrafo único, 18 e 25, § 1º do CDC:

Art. 7.º Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou
convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de
regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que
derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela
reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem


solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou
inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles
decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem,
rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza,
podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a
obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores. § 1° Havendo mais de um
responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista
nesta e nas seções anteriores.

Destaca-se a amplitude da definição legal, pois o legislador não distingue a natureza, regime
jurídico ou nacionalidade do fornecedor. São abrangidos, pelo conceito, tanto empresas
estrangeiras ou multinacionais, quanto o próprio Estado, diretamente ou por intermédio de seus
Órgãos e Entidades, quando realizando atividade de fornecimento de produto ou serviço no
mercado de consumo.
Da mesma forma, com relação ao elemento dinâmico da definição (desenvolvimento de
atividade), o CDC buscou relacionar ampla gama de ações, com relação ao fornecimento de
produtos e à prestação de serviços. Neste sentido, é correto indicar que são fornecedores, para
os efeitos do CDC, todos os membros da cadeia de fornecimento, o que será relevante ao definir-
se a extensão de seus deveres jurídicos, sobretudo em matéria de responsabilidade civil.6

Em outras palavras, podemos afirmar que "fornecedor é aquele que atua profissionalmente no
mercado, recebendo remuneração direta ou indireta pela produção, distribuição e
comercialização de bens e serviços"7

Sobre o conceito de fornecedor, a doutrina nacional aponta a existência de quatro subespécies,


a saber:

a) o fornecedor real;

b) o fornecedor presumido;

c) o fornecedor equiparado e

d) o fornecedor aparente.

Assim, o fornecedor real é a pessoa física ou jurídica que, sob sua responsabilidade, participa do
processo de fabricação ou produção do produto acabado, de um componente ou de uma
matéria prima, isto é, diz respeito àquele que participa efetivamente da realização e criação do
produto, envolvendo o próprio fabricante, o produtor, o construtor.

Por outro lado, o fornecedor presumido, é o disciplinado pelo art. 13 do Código de Defesa do
Consumidor:

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou
importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

6
MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito Do Consumidor. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
135.
7
BESSA, Leonardo. Fornecedor Equiparado in Doutrinas Essenciais Direito do Consumidor. Volume I.
Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 1.023
Partindo da perspectiva da atividade desempenhada, Leonardo Bessa traz o conceito de
fornecedor equiparado, isto é, entidades que, embora não se encontrem diretamente na
conceituação prevista pelo art. 3º do CDC, estão a ele sujeitos em razão da natureza da atividade
que desenvolvem. Para tanto, exemplifica o autor, os seguintes casos: a) o banco de dados e os
cadastros de consumidores (art. 43 do CDC), b) o anunciante, a agência publicitária e o veículo
em relação às atividades publicitárias (art. 37 do CDC).8

Por sua vez, o fornecedor aparente compreende aquele que, embora não tendo participado do
processo de fabricação, apresenta-se como tal pela colocação do seu nome, marca ou outro
sinal de identificação no produto que foi fabricado por um terceiro.

A responsabilização do fornecedor aparente justifica-se pelo fato de que, ao indicar no produto


fabricado por terceiro seu nome, marca ou outro sinal que o identifique, o fornecedor aparente
assume perante o consumidor a posição de real fabricante do produto. Isso permite a sua plena
responsabilização na forma do art. 12 do CDC.9

O consumidor muitas vezes não visualiza a presença de vários fornecedores, diretos e indiretos,
na sua relação de consumo e sequer tem consciência - no caso dos serviços, principalmente -
que mantém relação contratual com todos. E, ainda, em matéria de produtos, também não sabe
que pode exigir informação e garantia dos produtos, diretamente daquele fabricante ou
produtor com o qual não mantém contrato. A nova teoria contratual, porém, permite esta visão
de conjunto do esforço econômico de "fornecimento" e valoriza, responsabilizando
solidariamente, a participação destes vários atores dedicados a organizar e realizar o
fornecimento de produtos e serviços.10

Por fim, para que se configure uma relação de consumo, basta que possamos identificar os
elementos acima estudados, em todas as suas nuances, ou seja, havendo um consumidor, direto
ou equiparado, havendo um fornecedor, real ou direto, presumido, equiparado ou aparente e,
havendo um produto ou serviço remunerado, restará estabelecida a relação de consumo.

8
BESSA, Leonardo. Fornecedor Equiparado in Doutrinas Essenciais Direito do Consumidor. Volume I.
Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 1.023-1.029
9
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo e Sustentabilidade. 3. Ed.
Curitiba: Juruá, 2011, p. 83
10
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 8ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 430

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