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Propriedade
1. Conteúdo
1. O Código Civil estabelece no art. 1305.º, sob a epígrafe “conteúdo do
direito de propriedade” que o proprietário gozo de modo pleno e exclusivo dos
direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem1. Esta disposição
inspira-se na fórmula romana que qualifica a propriedade como ius utendi, fruendi et
abutendi, abrangendo assim o uso, a fruição e a disposição2, que constituem as
faculdades da propriedade.
1
MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 279.
2
Ibidem.
3
Ibidem, p. 280.
4
MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 280.
5
Ibidem.
6
Ibidem.
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Ibidem.
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Vide infra.
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Quando o proprietário decida a usar do direito de tapagem com muros pode dizer-se que o exercício
deste direito não conhece restrições, pois que o legislador as não prevê. De facto, é esta a letra do art.
1356.º: “a todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de
qualquer modo.” Ou seja, não existindo nenhuma delimitação da lei, então o proprietário é livre de
actuar como bem entender, por causa do seu direito exclusivo e absoluto.
A origem desta norma encontra-se no Código Civil francês, tratando-se de afirmar a exclusividade do
domínio contra certas prerrogativas dos senhores feudais, como o direito de caça e o direito de
apascentar rebanhos.
Ou seja, o objectivo fundamental é o de permitir ao proprietário impedir o livre trânsito de pessoas
estranhas ou animais e constitui uma das faculdades inerentes ao direito de propriedade, enquanto
direito absoluto.
Há quem considere que, sendo o direito de propriedade um direito absoluto e exclusivo, uma norma
como esta seria desnecessária, mas tem, ainda assim, o efeito útil de permitir que o acto de vedação do
prédio seja inatacável do ponto de vista do abuso de direito, nomeadamente invocando-se contra ele
uma ilicitude decorrente de pretender o proprietário causar dano a terceiro. Isto porque vedar um
imóvel para assegurar a sua fruição exclusiva é actuar no âmbito do fim económico-social do direito de
propriedade e, por isto, não pode consistir em abuso de direito.
Porém, nem a jurisprudência nem os autores assim têm entendido, admitindo que, por recurso ao
instituto do abuso de direito, possam ser impostas restrições ao direito de propriedade que não estão
expressas na lei. Vejamos dois casos distintos.
Num caso, o tribunal julgou não haver abuso de direito, porque existia uma explicação plausível para a
construção do muro — sustentação e vedação —, além de que não foi dado como provado que a
construção do muro tivesse aqueles resultados narrados por A. A conclusão do tribunal foi a de que “o
muro que levantaram em consequência do aterro (…), no exercício legítimo da vertente subjectiva-
individual que integra o conteúdo do direito de propriedade, não ofende de modo clamoroso a justiça.”
Mas, numa outra situação a decisão não foi idêntica: o tribunal decidiu que havia abuso do direito de
tapagem, porque, atendendo à distância entre o prédio de A e o prédio de B nunca se constituiria uma
servidão de vistas; o proprietário não tem, por isso, nenhum interesse sério na vedação do prédio, pelo
que B exerceu o seu direito de propriedade em termos clamorosamente ofensivos do sentimento
jurídico socialmente dominante, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim
económico social do direito. Destas considerações resultou uma decisão de condenação do réu a retirar
a chapa.
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Ocupam-se das modalidades de propriedade, distinguindo a propriedade perpétua, a propriedade
resolúvel e a propriedade temporária, entre outros, ORLANDO GOMES. Direitos das Coisas, pp. 114-
115; HENRIQUES MESQUITA, Direitos Reais, ob. cit., p. 123.
11
Cfr. ORLANDO GOMES, Direitos reais, ob. cit., p. 114; PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA,
Código Civil Anotado, p. 105, MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 629; PENHA
GONÇALVES, p, 329 apud SANTOS JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 230.
12
Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., pp. 235 e 236 apud SANTOS JUSTO, Direitos Reais,
ob. cit., p. 230.
13
Cfr. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 230.
Estamos perante a propriedade-regra, como se observa na imprescritibilidade da acção de reivindicação
(art. 1313.º) e na excepcionalidade da extinção do direito de propriedade pelo não uso (art. 298.º, n.º 3).
E, constituindo a regra, admite excepções que caracterizam a propriedade temporária. Cfr. SANTOS
JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 230.
14
Referem-se à propriedade temporária, nomeadamente, OLIVEIRA ASCENSÃO. Direito Civil.
Reais, ob. cit., pp. 458-461; MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., pp. 628-629; PINTO
DUARTE, Direitos Reais, ob. cit. p. 47.
15
Cfr. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, ob. cit., p. 105 apud SANTOS
JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 230.
16
Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 236; SANTOS JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p.
230.
Sendo a propriedade temporária apenas admitida nos casos que a lei prevê, a sua constituição, fora
destes casos, é nula (art. 294.º), sem prejuízo, no entanto, da possibilidade da sua conversão noutro
direito real (v.g, num usufruto), se se verificarem os requisitos legais necessários (art. 293.º) — cfr.
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, ob. cit., p. 105.
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Cfr. ORLANDO GOMES, Direito das Coisas, ob. cit., p. 114; SANTOS JUSTOS, Direitos Reais,
ob. cit., p. 230.
18
Cfr. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 230.
19
A noção geral de condição encontra-se estabelecida no art. 270.º, nos termos do qual “as partes
podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a
sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”. Saber se a
condição é resolutiva ou suspensiva é problema de pura interpretação da vontade das partes (PIRES DE
LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, ob. cit., p. 250).
20
Cfr. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, p. 104; SANTOS JUSTO,
Direitos Reais, ob. cit. p. 232. Em certo sentido, a propriedade resolúvel também é temporária: o
proprietário que adquiriu sob condição resolutiva perde a propriedade com a verificação da condição
acordada. Por isso, há quem observe que “também há propriedade temporária na propriedade
resolúvel” Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, p. 236 e SANTOS JUSTO, Direitos Reais, ob. cit, p.
232. No entanto, a excepcionalidade da propriedade temporária e não restrição à constituição da
propriedade resolúvel justificam que as não confundamos: aquela está sujeita a um termo; esta, a uma
condição resolutiva. Cfr. SANTOS JUSTOS, Direitos Reais, ob. cit., p. 232.
21
Cfr. DIAS MARQUES, Prescrição Aquisitiva, ob. cit., p. 174.
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Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 626. A Nota de plenitude não significa que
o direito de propriedade seja ilimitado, apenas que, no âmbito do domínio privado das coisas, não
existe outro direito real com um conteúdo idêntico e com a mesma eficácia absoluta ou externa (jus
excluendi omnes allios).
23
Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., pp. 242 e 243.
24
Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 281
25
Cfr. CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, p. 317; PUGLIATTI, La Proprietà Nel
Nuovo Diritto, cit, p. 132 e ss.. Efectivamente, enquanto os outros direitos reais, como por exemplo o
usufruto e a superfície, se vêm forçados a concorrer com a propriedade, reduzida a uma nua
propriedade ou à propriedade do solo, o direito de propriedade é independente de qualquer outro direito
real. Por isso, dizer-se que é um direito exclusivo ou exclusivista em relação à coisa. Cfr. MENEZES
CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 628; MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 281.
Neste sentido, afirmara já HANS KELSEN que a propriedade é “o direito real subjetivo por
excelência”. Teoria Pura do Direito, trad. João Baptista Machado, 3ª ed., Arménio Amado, Coimbra,
1974, pp. 190-191.
26
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 628.
27
Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., pp. 234 e 235; MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob.
cit., p. 281.
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dilatado, à medida que vão sendo constituídos ou extintos ónus e limitações que sobre
ele incidem28.
16. Tem-se ainda dito que o direito de propriedade seria indivisível, no sentido
de não se poder reconduzir a ele, por fraccionamento, os outros direitos reais. De
facto, como se sabe, a técnica jurídica actual do direito das coisas repudia, na
sequência de WINDSCHEID e a da pandectística, a ideia de que todos os direitos
reais sejam parcelas do domínio. Simplesmente não há aqui nenhuma característica
28
Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 281.
29
Ibidem, p. 280.
30
Neste sentido, MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., pp. 234 e 235; SANTOS JUSTOS, Direitos
Reais, ob. cit., p. 220. Em sentido contrário, OLIVEIRA ASCENSÃO contesta que exista
indeterminação dos poderes do proprietário, entende que em relação ao usufruto acresce apenas um
núcleo qualitativo, a raiz da propriedade, difícil de definir, mas que não se pode considerar
indeterminado. Direito Civil. Reais, ob. cit., p. 446.
31
Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 235.
32
Cfr. neste sentido, MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 629. Acresce o autor que a
tentativa de salvar a perpetuidade, como tem-se tentado, na Faculdade de Direito de Coimbra, dizendo-
se que ela, ao contrário do que sucederia com outros direitos reais, nunca se extinguiria pelo não uso, é
vã, pois o n.º 3 do artigo 298.º do CC diz expressamente que o direito de propriedade pode extinguir-se
pelo não uso. Em qualquer altura uma previsão legal pode, concretamente, cominar essa eventualidade,
uma vez que nada, na essência da propriedade, leva a repelir essa extinção. Idem. Efectivamente, como
exemplo de uma propriedade a termo, temos a situação do fiduciário, referida no artigo 2290º, em que
a propriedade se extingue com a sua morte (artigo 2293.º, do CC). A lei admite ainda que a propriedade
se possa constituir sob condição (artigo 1307.º, nº 1 do CC). Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais,
ob. cit., p. 281. Contra esta posição, advoga MOTA PINTO que tratam-se de excepções à perpetuidade.
Direitos Reais, ob. cit., p. 236.
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Cfr. BARASSI, La Proprietà nel Nuevo Codice, ob. cit., pp 21 e ss apud MENEZES CORDEIRO,
Direitos Reais, ob. cit., p. 630. É com Bártolo que a desmaterialização da realidade se estende à
concepção dos direitos sobre as coisas, podendo,existir inúmeros direitos sobre a mesma coisa física,
cada um correspondendo a uma sua utilidade. Cfr. ANTÓNIO MANUEL HESPANHA e
FRANCISCO BORGES, “A Propriedade e a História”, in THEMES, RFDUNL, Ano VIII-N.º 15-2008,
p. 105
34
Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 287.
35
A teoria do senhorio foi adoptada no célebre artigo 544.º, do Code Civil, tendo sido igualmente
defendida no pandectista por WINDSHEID/KIPP. ob. cit., § 167, p.857; HEINRICH DERNBURG.
Pandekten, I-2, § 192, p. 54; e OTTO VON GIERKE. Deutches Privatrecht, Leipzig, 1905, § 120,
pp.347-348 apud MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 287. Tem sido também esta a
concepção dominante em Portugal, tendo aderido a ela GUILHERME MOREIRA. Instituições, III, ob
cit., p. 48; HENRIQUE MESQUITA. Direitos Reais, ob. cit., pp. 134 e 135; CARLOS MOTA PINTO.
Direitos Reais, ob. cit., pp. 234 e 235; OLIVEIRA ASCENSÃO. Direito Civil. Reais, ob. cit., pp. 448 e
449; CARVALHO FERNANDES. Direitos Reais, ob. cit., p. 334; MENEZES LEITÃO. Direitos
Reais, ob. cit., p. 288). Com base nesta teoria, OLIVEIRA ASCENSÃO define a propriedade como
sendo “o direito real que outorga a universalidade dos poderes que à coisa se podem referir”;
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Reais, ob. cit., p. 449; CARVALHO FERNANDES define-o
como “o direito real máximo, mediante o qual é assegurada a certa pessoa, com exclusividade, a
generalidade dos poderes de aproveitamento global das utilidades de certa coisa” Cfr. LUÍS DE
CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 6ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2009, p. 334; e
para MENEZES LEITÃO, a propriedade é “o direito real, que permite ao seu titular, dentro dos
limites da lei, o aproveitamento pleno e exclusivo de todas e quaisquer utilidades proporcionadas por
uma coisa corpórea” Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., 3ª ed., Almedina, 2012, p. 288.
36
Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., 287.
37
A teoria da pertença, sendo a mais antiga, não tem hoje praticamente defensores, tendo sido
defendida na pandectistica por NEUNER. NEUNER. Cfr. Wesen, p. 55 apud MENEZES LEITÃO,
Direitos Reais, ob. cit., p. 287. Em Portugal, esta teoria foi defendida por DIAS MARQUES,
Prescrição Aquisitiva, ob. cit., p. 174. Segundo esta teoria, o que há de característico na propriedade é
a relação de pertença ideal da coisa com o seu titular, relação que é diferente das faculdades que a
integram e que podem desaparecer e maior ou menor grau sem que o núcleo ou essência daquela
relação puramente ideal seja por isso destruído. Por isso, a propriedade se deve definir, não em razão
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Estas duas teorias, como se pode notar, têm por base dois termos pelos quais
mais frequentemente se traduzia já a propriedade nos textos romanos — o dominium e
a proprietas38.
Porém, modernamente, surge uma terceira teoria, a teoria mista ou eclética,
também chamada de teses de compromisso39. Para a mista ou eclética, dentre as várias
definições ensaiadas para a propriedade em sentido subjectivo ou técnico-jurídico, a
definição mais verdadeira do direito de propriedade é a que resulta da combinação de
três elementos: o poder de dispor da coisa, a pertença da coisa ao titular do poder,
com exclusão de todos os indivíduos, e o fim jurídico ou lícito do exercício do
poder40.
do seu conteúdo, mas em razão dos seus caracteres intrínsecos, como o direito que se traduz em um
poder perpétuo, exclusivo, elástico, geral, abstracto e independente que recai imediatamente sobre a
coisa.
38
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 621; MENEZES LEITÃO, Direitos Reais,
ob. cit., p. 287.
39
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 621.
40
A concepção mista foi adoptada por PIRES DE LIMA para quem, “várias definições têm sido dadas
do direito de propriedade, mas parece-nos que a mais verdadeira é a que resulta da combinação de
três elementos: o poder de dispor da coisa, a pertença da coisa ao titular do poder, com exclusão de
todos os indivíduos, e o fim jurídico ou lícito do exercício do poder”. Cfr. Direitos Reais, p. 66 apud
MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 287. Todavia, não falta quem inclui PIRES DE LIMA
entre os autores que defendem a teoria do senhorio. É o caso de MENEZES CORDEIRO. Direitos
Reais, ob. cit., p. 630; CARVALHO FERNANDES. Direitos Reais, ob. cit., p. 333; MENEZES
LEITÃO não concorda com inclusão este autor entre os defensores da teoria do senhorio. Direiros
Reais, 3ª ed., ob. cit., pp. 287 e 288.
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tal como ficou balizado nos n.ºs 1 e 2 do citado art. 62º CRP, tem o suficiente de
determinabilidade ou densificação para ombrear com os direitos, liberdades e
garantias e assim gozar de uma norma protectora tão importante como é, p. ex., a da
aplicabilidade directa, sem necessidade de norma infra-constitucional mediadora (art.
18.º CRP).
a) Introdução
20. Como vimos, o Código Civil português não formula um conceito de
propriedade. Limita-se, no art. 1305.º, a estabelecer que “o proprietário goza de modo
pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas”. Aquilo que os
juristas medievais designavam como ius utendi, fruendi et abutendi. Isto por causa de
um erróneo entendimento do que no Direito Romano se acreditava serem os poderes
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dos proprietários, isto é, de que o pater familias era titular de um direito absoluto
sobre os bens que lhe pertenciam. Porém, a verdade é que os juristas romanos
entendiam o direito de propriedade como direito absoluto, sim; mas no sentido de que
o direito de propriedade se impunha a todos, não no de que os poderes dos
proprietários não conheciam limitações. Na verdade, conhecem-se muitas limitações
ao direito de propriedade romano. Por exemplo: os proprietários de terrenos
confinantes com rios navegáveis eram obrigados a permitir a utilização das suas
margens aos navegantes para aí desenvolverem actividades relacionadas com a
navegação e a pesca (atracar barcos, secar redes de pesca, etc.), entre as casas deveria
ser deixado um espaço de 2,5 pés, os proprietários não podiam arrancar as esculturas,
estátuas ou qualquer elemento ornamental dos seus edifícios ou incinerar cadáveres a
menos de 60 pés do edifício mais próximo, os augures podiam ordenar a demolição de
casas que os impedissem de perscrutar o voo das aves, um proprietário não podia
realizar no seu prédio obras que constituíssem obstáculos à acção do vento nas eiras
vizinhas.41
21. Esta ideia de poder absoluto e exclusivo sobre coisa própria vai ser
recuperada na Revolução Francesa, embora tal possa parecer contraditório. Durante a
Idade Média, período caracterizado por uma organização sócio-económica feudal, a
propriedade dividia-se entre domínio directo (pertence ao senhor) e domínio útil
(pertence ao vassalo).
Este domínio útil com o passar dos tempos tornou-se extraordinariamente
complexo, num intrincado de obrigações de que era credor o senhor feudal e que
impedia um adequado aproveitamento do potencial produtivo das terras.
Nomeadamente, prejudicava-se o aproveitamento industrial a que se almejava já no
séc. XVIII quando se sedimentou o poder político, económico e financeiro da classe
burguesa francesa.
Por isto, da Revolução Francesa resultou, menos de um mês depois da
Tomada da Bastilha, uma declaração oficial de extinção do regime feudal e, com ele,
do domínio útil. Sobrava, então, apenas o domínio directo que se identificou com a
propriedade e qualificou como direito pleno, absoluto e sagrado que deveria ser
reconhecido e tutelado a todo o citoyen.
41
Seguimos SANTOS JUSTO, Direito Romano III (Direitos Reais), p.
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22. Mas, nenhum destes diplomas, tal como depois veio a suceder com o
nosso Código Civil de 1967, deixa de condicionar a actuação do proprietário às
restrições que sejam impostas pela lei. De facto, o texto completo do nosso art. 1305.º
é este: “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e
disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância
das restrições por ela impostas.”
Ou seja, o proprietário poderá actuar com plena liberdade sobre o objecto do
seu direito, quer através de actos materiais (usando, fruindo, transformando e até
destruindo) quer de actos jurídicos (dispondo e onerando); o que também inclui a
possibilidade de se auto-restringir, como sucede na constituição de direitos reais
menores (como a servidão, o usufruto, um direito de superfície). Mas sempre tendo o
proprietário de actuar atendendo ao que a lei proíbe ou ao que a lei obriga a fazer.
23. Ora, quando olhamos para o nosso Código Civil verificamos que são
várias as restrições ao direito de propriedade que nele se incluem.43
Uma parte delas visa resguardar os interesses da comunidade e são também
designadas como restrições de interesse público. É o caso da expropriação (art.
1308.º, nos termos do qual “ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu
direito de propriedade senão nos casos fixados na lei”) ou da requisição (prevista no
art. 1309.º, segundo o qual “só nos casos previstos na lei pode ter lugar a requisição
temporária de coisas do domínio privado”)44.
42
Como observam ORLANDO DE CARVALHO e CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO
43 Todavia, a esmagadora maioria das restrições da propriedade privada que se fundamentam na
consideração dos interesses da comunidade constam de lei avulsa de natureza administrativa. Destas
não cuidaremos.
44
A lei civil faz eco, no que a estas duas restrições diz respeito, do que já se consagra no n.º 2 do art.
62.º CRP.
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27. Vamos agora debruçar-nos sobre as restrições que a lei civil impõe ao
direito de propriedade em razão das relações de vizinhança — estas, sim, são a
preocupação fundamental do nosso Código Civil, diploma maior da disciplina das
relações entre privados. O legislador está, pois, consciente de que em determinadas
situações, o exercício do direito de propriedade sobre imóveis só é possível mediante
a utilização de prédios vizinhos e de que, em outros casos, embora não implique a
intromissão em prédio alheio, repercute-se ou propaga-se para além dos limites do
respectivo imóvel, indo afectar a propriedade de outrem.
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que situações há em que mesmo este direito fundamental, muitas vezes definido como
o mais absoluto dos direitos fundamentais patrimoniais e manifestação da dignidade
humana, tem de ser restringido atendendo — já não indo para as questões mais
complexas da limitação dos direitos privados em razão do interesse público — ao
interesse daquele outro sujeito privado que está do lado de lá da vedação. Mas o
legislador português não foi ingénuo: foi, obviamente, sensível à ideia da propriedade
como prolongamento do “eu”, mas não se deixou iludir com a ideia de que a
demarcação do limite físico da propriedade resolveria todas as situações de
conflitualidade que estão sempre latentes nas relações de vizinhança. Assim, foi capaz
de ir para além da ideia simplista de que a propriedade de um começa onde termina a
propriedade do outro e abriu faixas de entendimento (embora muitas vezes forçado)
em que se observa uma constante afectação dos direitos de um em razão dos
interesses do outro, deste modo protegendo e promovendo aquele que é, no final, o
objectivo do Direito: a paz social.
i. O fraccionamento predial
31. São muito variadas as restrições aos poderes de uso e de fruição inerentes
ao direito de propriedade e que se impõem em atenção às relações de vizinhança,
podendo elas consistir em limitações que impõem um dever de abstenção (por
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A este propósito podemos lembrar um caso polémico no âmbito da vigência do Código de Seabra: o
proprietário de uma clínica pretendia que se declarasse que um vizinho era obrigado a não ter uma
capoeira onde existiam aves cujos ruídos prejudicavam a clínica — o STJ entendeu que se não podia
proibir o proprietário, porque era proprietário, de instalar no seu prédio as aves que quisesse;
actualmente, o Código Civil não permitiria que a capoeira se mantivesse, porque isso importaria um
prejuízo substancial para o uso do imóvel como clínica (desde que a existência desta fosse anterior à do
aviário).
51
No sentido alternativo se pronuncia a maioria da doutrina (HENRIQUE MESQUITA, PIRES DE
LIMA/ANTUNES VARELA, e da jurisprudência (v., por exemplo, Ac. RC 11/09/2012, proc.º n.º
24/08.OTBMGL ou o Ac. RP 10/12/2013, proc.º n.º 40/12.7TBBGC.P1)
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ii) Abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes (arts. 1360.º e ss.)
34. Nos termos do n.º 1 do art. 1360.º, “o proprietário que no seu prédio
levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem
directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o
intervalo de metro e meio.” Adianta-se, depois, no n.º 2 do mesmo preceito que “igual
restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando
sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão
ou parte dela.”
52
Ac. STJ 7/04/2005 (proc.º n.º 04B4781): os proprietários alegaram que esta interpretação do art.
1346.º é inconstitucional, porque viola o seu direito a exercer pastorícia no seu próprio prédio; porém,
o tribunal entendeu estar em causa a superior qualidade da vida habitacional.
53
Através de uma acção negatória (v. infra sobre as acções de defesa da propriedade).
54
Através de uma acção negatória (v. infra sobre as acções de defesa da propriedade).
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HENRIQUE MESQUITA, CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, PIRES DE LIMA/ANTUNES
VARELA, BONIFÁCIO RAMOS,
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35. O que o legislador pretendeu foi evitar a devassa por estranhos do prédio
vizinho (direito à intimidade e à vida privada) e o arremesso de objectos. Como se
comprova, aliás, pelo facto de, existindo um caminho público entre os dois prédios
(“estrada, caminho, travessa ou outra passagem por terreno do domínio público”),
aquela restrição quanto à distância não se aplicar (cfr. art. 1361.º). Na verdade, o
potencial de devassa está na existência do caminho público e, por isso, não se justifica
a restrição ao direito de propriedade.
Por outra parte, os prédios também estão isentos da restrição do art. 1360.º
quanto às janelas gradadas, isto é, “aberturas, quaisquer que sejam as suas dimensões,
que estejam situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado,
com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro
quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros” — art. 1364.º.
Finalmente, existindo um muro que separe os dois prédios, também não se
justificará a aplicação da restrição do art. 1360.º.
36. Lê-se no art. 1362.º que “a existência de janelas, portas, varandas, terraços,
eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos
termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.” Com os prazos a
contar desde a conclusão da obra, por ser este o momento a partir do qual existe a
posse.
37. Nos termos do n.º 2 do art. 1362.º, “constituída a servidão de vistas, por
usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou
outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e
as obras mencionadas no n.º 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à
extensão destas obras.” Ou seja, com a constituição da servidão, o proprietário do
prédio serviente fica impedido de levantar construção que não guarde a distância de
18
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mertro e meio entre a abertura protegida pela servidão e a construção que pretende
erigir.56
38. Constituída a servidão por usucapião (ou por qualquer outro título, na
verdade), o proprietário do prédio dominante só pode exercer o seu direito em
harmonia com o título. O que quer dizer que a servidão é inerente a certa e
determinada servidão. De outro modo, qualquer alteração à abertura que deu origem à
posse — que, por sua vez, permitiu a aquisição da servidão de vistas por usucapião —
implica a extinção da servidão e o início de uma nova posse.
40. Porém, a existência deste tipo de aberturas não impede que o vizinho
levante a todo o tempo a sua casa ou muro, ainda que as vede.
56
Se o não fizer, considerar-se-á que esbulhou o proprietário do prédio dominante da sua servidão,
podendo este, consequentemente, recorrer a uma acção de reivindicação (art. 1315.º — vide infra).
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aberturas” (segunda parte do n.º 1 do art. 1363.º), então, por maioria de razão, o
poderá fazer se as frestas forem irregulares.
d) Abuso de direito
42. Os direitos privados são instrumentos da realização pessoal dos
indivíduos, e, nessa medida, cumprem uma função social.
O exercício de um direito em termos divergentes das finalidades de realização
pessoal do titular, por causa de manifesto desvio dos princípios da boa fé, dos bons
costumes ou do fim económico e social que o legislador lhe atribuiu (e acentuo aqui a
referência expressa do legislador ao “fim social”) constitui abuso de direito,
sancionado pelo art. 334.º.
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a) Ocupação
47. A ocupação é um modo de aquisição originária do direito de propriedade
que, genericamente, “consiste na apropriação ou tomada de posse de uma coisa [ou de
um animal] que não tem ou deixou de ter dono.”60
Ensina SANTOS JUSTO que poderá ter sido o principal e mais antigo modo de
aquisição da propriedade, embora se tenha assistido, ao longo dos séculos, a uma
57
Vide supra sobre o princípio da taxatividade.
58
Sobre os dois institutos, vide infra.
59
Vide supra sobre os efeitos da posse.
60
SANTOS JUSTO, Direitos Reais, 2.ª ed., p. 254.
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48. Seguindo o disposto no art. 1318.º, podem ser ocupadas as res nullius
(coisas móveis que nunca tiveram dono62), as res derelictae (coisas móveis
abandonadas63), as coisas móveis perdidas ou escondidas pelos seus proprietários. E,
ainda, os animais.64
Para que haja ocupação é necessária a tomada de posse da coisa, assim como o
ocupante deve ter capacidade de gozo bastante, embora não seja necessária
capacidade de exercício.
b) Acessão
49. Segundo o art. 1325.º, “dá-se a acessão, quando com a coisa que é
propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.” Isto é,
quando uma coisa, que é propriedade de um sujeito, se modifica pela união com coisa
alheia ou res nullius65.
61
Santos Justo, Direitos Reais, 2.ª ed., p. 255.
62
Quanto aos imóveis vale o art. 1345.º, nos termos do qual “as coisas imóveis sem dono conhecido
consideram-se do património do Estado”.
63
Só se considera abandonada a coisa que o proprietário, por acto material, abandonou com intenção
— animus dereliquendi. Caso contrário, dir-se-á que a coisa foi perdida. Cfr. SANTOS JUSTO,
Direitos Reais, op. cit., p. 255, nt. 1266.
64
Sobre o novo estatuto jurídico dos animais, v. supra.
65
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, ob. cit., p. 138.
66
Questão que pode colocar-se é a de saber se poderá a implantação de partes integrantes no solo
de um prédio rústico ou urbano originar um direito de acessão. Nos termos do n.º 3 do art. 204.º
do Código Civil, as partes integrantes são as coisas móveis unidas materialmente com carácter de
permanência a um imóvel para lhe aumentar as utilidades, na medida em que servem para o
tornar mais produtivo, cómodo, seguro, etc. (por exemplo, um engenho de tirar água, um
aparelho de ar condicionado, um alarme, uma antena de televisão). As partes integrantes estão,
portanto, postas ao serviço do prédio, desempenham relativamente a ele uma função auxiliar ou
instrumental. Na definição legal está compreendida a ideia de ligação permanente que é habitual
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acrescer por efeito da Natureza. Veja-se, então, e a título de exemplo, o que se prevê
nos arts. 1328.º (aluvião).e 1329.º (avulsão)
Fala-se em acessão industrial quando, por facto do homem, se confundem
objectos pertencentes a diversos donos, ou quando alguém aplica o trabalho próprio a
matéria pertencente a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com
propriedade alheia. Como resulta do n.º 2 do art. 1326.º, conforme a natureza das
coisas a acessão industrial é mobiliária (arts. 1333.º e ss.) ou imobiliária (art. 1339.º e
ss.).
f) Outros modos
52. Para além dos “modos” de aquisição identificados no art. 1316.º, o
legislador menciona “os demais modos previstos na lei.” Entre outros, é o que se
prevê:
i. nos arts. 213.º e 1270.º sobre a aquisição de frutos naturais pelo possuidor de
boa fé (remissão para o regime dos frutos na posse);
ii. no art. 1551.º, n.º 1 (possibilidade de afastamento da servidão): “1. Os
proprietários de quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios
urbanos podem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio
encravado pelo seu justo valor”; “2. Na falta de acordo, o preço é fixado
judicialmente; sendo dois ou mais os proprietários interessados, abrir-se-á licitação
entre eles, revertendo o excesso para o alienante”; ou
iii. no n.º 4 do art. 1560.º (servidão legal de presa para o aproveitamento de
águas públicas): “se o proprietário do prédio fronteiro sujeito à servidão de
travamento quiser utilizar a obra realizada, pode torná-la comum, provando que tem
direito a aproveitar-se da água e pagando uma parte da despesa proporcional ao
benefício que receber.”
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b) Accção confessória
55. “Esta ação permite ao proprietário obter o reconhecimento do direito de
propriedade que se tornou duvidoso por alguma circunstância.” “O nosso direito não
lhe faz qualquer referência, mas entende-se que se trata de uma acção declarativa de
simples apreciação.”69
c) Acção negatória
56. Acção para reagir contra actos de interferência ou de intromissão na coisa
que não conferem uma situação de posse ou de detenção.
Não mencionada no Código Civil português, ao contrário do que ocorre no
Código Civil italiano — art. 949 — e do Código Civil alemão — § 1004 —, mas cuja
admissibilidade nunca suscitou dúvidas a nível nacional, uma vez que se traduz num
procedimento imprescindível para tornar efectivo o poder de exclusão inerente a
qualquer direito real).
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57. A acção negatória será intentada para que 1) seja declarada a inexistência
de qualquer direito na esfera jurídica do autor do acto que legitime a sua actuação
(função declarativa); 2) o autor da violação seja condenado a eliminar a situação
material, por si criada, que não se harmonize com o estatuto do direito real (função
reparadora). E, caso sejam de recear novos actos de violação, 3) que o demandado
seja condenado a abster-se de os consumar e, assim, a cumprir o dever a que está
vinculado (função preventiva).
Deste modo, se A decide, mesmo que convencido da legitimidade da sua
actuação, plantar eucaliptos no prédio do B, será perante este responsável,
nomeadamente sendo obrigado a arrancar as árvores plantadas e a indemnizar B pelos
danos daí recorrentes (se os houver). Isto porque o direito real de B se lhe opõe com
eficácia absoluta. Para obrigar A a eliminar a situação material contrária ao estatuto
do seu ius in re, B deverá intentar uma acção negatória, nos termos da qual requererá
ao tribunal que declare a inexistência do direito do A, o condene a arrancar os
eucaliptos e, receando novos actos de violação, a abster-se de qualquer acto que se
não compagine com o dever geral de abstenção que o onera.
58. Causa de pedir: como acção real, a causa de pedir é o facto jurídico de que
deriva o direito de propriedade.
Prova: aquisição originária — provam-se os factos que levaram à aquisição
Derivada — prova do direito do adquirente — prova diabólica.
Presunções (arts. 7.º CRPred e 1268.º, n.º 1 Código Civil)
59. Registo
d) Acção de reivindicação
60. Acção por meio da qual se reage a uma violação do direito de propriedade
que dê origem a uma situação de posse ou de detenção ilegítima da coisa por parte de
terceiro — cfr. art. 1311.º.
É a acção proposta para que o tribunal reconheça o autor como titular do
direito real e condene o ilegítimo detentor/possuidor à restituição da coisa.
61. Não há, pois, acção de reivindicação se o autor, estando na posse da coisa,
se limitar a pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade. Assim como
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também não há reivindicação se o autor pede a restituição da coisa, não por ser
proprietário, mas por ser possuidor. Como se sabe, o possuidor pode recorrer à acção
de restituição prevista no art. 1278.º, e, rigorosamente, nesta acção não se pede a
restituição da coisa, mas sim a restituição da posse. Por isso, pode a ela recorrer um
possuidor em termos de direito de propriedade para reagir contra um vizinho que
tenha aberto uma janela junto à linha divisória, desde que este exerça posse contrária
em termos de servidão de vistas. Ora, na mesma hipótese, caso o possuidor também
seja proprietário, não pode intentar uma acção de reivindicação, uma vez que,
obviamente, não foi privado da coisa, mas “apenas” da posse em termos de
propriedade plena.70
62. Nos termos do n.º 4 do art. 581.º CPCv a causa de pedir, na acção de
reivindicação, é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade.
Para obter a procedência da acção, o autor há-de demonstrar a titularidade do
direito real violado com a posse ou a detenção ilegítima do réu. Ou seja, o
reivindicante tem o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra
na posse ou na detenção do réu. Assim, se o autor invoca como título do seu direito
uma forma de aquisição originária da propriedade (v. g., ocupação, usucapião,
acessão), apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito. Mas, se a
aquisição é derivada, não basta invocar o acto translativo da propriedade, uma vez que
tal acto só é título aquisitivo quando o transmitente ou dante causa seja,
efectivamente, o titular do direito. O reivindicante terá de provar que o direito já
existia no transmitente, pois, só assim, o pode ter adquirido (é o princípio nemo plus
iuris ad alium transferre potest quam ipse habet) — prova essa que os autores
denominam de probatio diabolica.
O demandado para evitar a restituição da coisa pode: impugnar a titularidade
do direito que o reivindicante se arroga, alegando que a coisa pertence a outrem ou
que não pertence a ninguém (res nullius); pode contestar o seu dever de entrega, sem
negar o direito de propriedade ao autor, invocando uma relação (obrigacional ou real)
que lhe confira a posse ou a detenção da coisa (a título de usufrutuário, locatário,
etc.); pode defender-se, sendo caso disso, com alguma das situações especiais
70
Sobre a acção de restituição vide, por exemplo, HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, ob. cit., p.
126 e s., e ainda, para uma comparação com a acção de reivindicação e a acção negatória, idem, p. 177
e ss..
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previstas na lei (art. 1311.º, n.º 2) que lhe facultem o direito de retenção da coisa (arts.
754.º e 1323.º, n.º 4).
67. Refira-se, por fim, que a acção de reivindicação pode ser usada, com as
necessárias adaptações, para defesa de outros direitos reais (art. 1315.º). Pelo menos,
daqueles cujo exercício implique a disponibilidade ou a posse da coisa sobre que
incidem (usufruto, superfície, direito real de habitação periódica, etc.). E que o direito
de natureza obrigacional que se exerce através de uma acção de reivindicação (direito
à entrega da coisa) deve considerar-se inseparável da titularidade do direito real a cuja
protecção se destina.71
71
Vide, porém, supra sobre compromisso de natureza obrigacional a não exercer a reivindicação.
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