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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE 2022/2023

Propriedade
1. Conteúdo
1. O Código Civil estabelece no art. 1305.º, sob a epígrafe “conteúdo do
direito de propriedade” que o proprietário gozo de modo pleno e exclusivo dos
direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem1. Esta disposição
inspira-se na fórmula romana que qualifica a propriedade como ius utendi, fruendi et
abutendi, abrangendo assim o uso, a fruição e a disposição2, que constituem as
faculdades da propriedade.

2. No uso compreendem-se todas as modalidades de aplicação directa da


coisa. Através do uso o proprietário pode assim determinar o aproveitamento da coisa
para os fins que pretender, sem prejudicar essa mesma coisa. No caso particular das
coisas consumíveis, o seu uso regular importa, no entanto, a sua destruição ou
alienação (art. 208.º), pelo que o uso destas coisas é indissociável da disposição3.

3. Já a fruição compreende a percepção de todos os frutos e produtos de uma


coisa, sem prejuízo da sua substância (art. 212.º, n.º 1). A fruição poderá ser natural
quando os frutos provêm directamente da coisa, ou civil, quando a coisa permite a
obtenção de rendas ou interesses em virtude de uma relação jurídica (art. 212.º, n.º 2).
Em ambos os casos, a fruição caracteriza-se por permitir ao proprietário obter
determinado rendimento da coisa, melhorando assim a sua condição económica4.

4. Já a disposição compreende, quer a transformação da coisa, quer a sua


alienação ou oneração, quer mesmo a extinção do seu direito sobre ela. Em relação à
transformação da coisa, a mesma ocorre da alteração da sua forma ou substância,
sendo que, no caso dos imóveis, uma importante forma de transformação reside na
realização de construções ou edificações (art. 1360.º e ss.)5. A alienação consiste na
transmissão da coisa para terceiro, enquanto a oneração implica a constituição de
direitos reais limitados sobre a coisa6. E, finalmente, a extinção do direito de

1
MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 279.
2
Ibidem.
3
Ibidem, p. 280.
4
MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 280.
5
Ibidem.
6
Ibidem.

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propriedade pode ocorrer através do abandono, no caso das coisas móveis, ou da


destruição da coisa, que pode ser decidida pelo proprietário7.

2. Os limites materiais da propriedade imobiliária


5. Para auxiliar na compreensão das próximas páginas, é pertinente
chamar à colação o disposto no art. 1344.º, onde se definem os limites materiais
da propriedade imobiliária.
Aqui nos diz o legislador que, quando em causa estejam bens imóveis, o
direito de propriedade abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem
como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do
domínio por lei ou negócio jurídico. De outro modo, escolheu a lei nacional dar
prevalência ao princípio superfícies solo cedit, de acordo com o qual todo o elemento
imobilizado que se encontre dentro dos limites verticais de um prédio pertence a um
só proprietário e, por isso, tudo o que se implante ou incorpore no solo passa, em
regra, a integrar o direito de propriedade que o tenha por objecto. Assim, por
exemplo, quando o proprietário de um prédio rústico nele decida incorporar um
pomar, todas as árvores, bem como os frutos que elas produzam são como que
absorvidos pelo direito de propriedade de que já era titular previamente; o mesmo
sucedendo, obviamente, em relação a qualquer construção (note-se que, dependendo
do tipo de construção elevada, pode tal decisão levar a que se modifique a
qualificação do prédio, passando de prédio rústico a prédio urbano — v. art. 204.º, n.º
2). Isto é particularmente importante para o regime da propriedade horizontal e do
direito de superfície (vide infra).

6. Sendo certo que os limites materiais da propriedade imobiliária são


definidos de modo muito generoso no n.º 1 do art. 1344.º: “a propriedade dos imóveis
abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o
que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio
jurídico.” Assim se traduz a ideia medieval segundo a qual a propriedade abrange o
solo em toda a sua profundidade e altura, que os Glosadores resumiram na célebre
frase: “até aos astros e às profundezas”. Em coerência com os limites materiais
definidos pelo art. 1344.º e com a natureza absoluta e exclusiva do direito de

7
Ibidem.

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propriedade o proprietário é titular de um direito de demarcação, podendo, pois,


“obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das
estremas entre o seu prédio e os deles” (art. 1353.º)8, e de um direito de tapagem (art.
1356.º: “a todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu
prédio, ou tapá-lo de qualquer modo”)9; ou, como se estabelece no art. 1366.º, ao
proprietário pertence o poder de plantar árvores e arbustos até à linha divisória dos
prédios.
De qualquer modo, nos tempos modernos, esta definição dos limites materiais
da propriedade surge temperada pela necessária consideração do interesse prático de
tal extensão, pois que, no n.º 2 se acrescenta que “O proprietário não pode, todavia,
proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja
interesse em impedir.”

8
Vide infra.
9
Quando o proprietário decida a usar do direito de tapagem com muros pode dizer-se que o exercício
deste direito não conhece restrições, pois que o legislador as não prevê. De facto, é esta a letra do art.
1356.º: “a todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de
qualquer modo.” Ou seja, não existindo nenhuma delimitação da lei, então o proprietário é livre de
actuar como bem entender, por causa do seu direito exclusivo e absoluto.
A origem desta norma encontra-se no Código Civil francês, tratando-se de afirmar a exclusividade do
domínio contra certas prerrogativas dos senhores feudais, como o direito de caça e o direito de
apascentar rebanhos.
Ou seja, o objectivo fundamental é o de permitir ao proprietário impedir o livre trânsito de pessoas
estranhas ou animais e constitui uma das faculdades inerentes ao direito de propriedade, enquanto
direito absoluto.
Há quem considere que, sendo o direito de propriedade um direito absoluto e exclusivo, uma norma
como esta seria desnecessária, mas tem, ainda assim, o efeito útil de permitir que o acto de vedação do
prédio seja inatacável do ponto de vista do abuso de direito, nomeadamente invocando-se contra ele
uma ilicitude decorrente de pretender o proprietário causar dano a terceiro. Isto porque vedar um
imóvel para assegurar a sua fruição exclusiva é actuar no âmbito do fim económico-social do direito de
propriedade e, por isto, não pode consistir em abuso de direito.
Porém, nem a jurisprudência nem os autores assim têm entendido, admitindo que, por recurso ao
instituto do abuso de direito, possam ser impostas restrições ao direito de propriedade que não estão
expressas na lei. Vejamos dois casos distintos.
Num caso, o tribunal julgou não haver abuso de direito, porque existia uma explicação plausível para a
construção do muro — sustentação e vedação —, além de que não foi dado como provado que a
construção do muro tivesse aqueles resultados narrados por A. A conclusão do tribunal foi a de que “o
muro que levantaram em consequência do aterro (…), no exercício legítimo da vertente subjectiva-
individual que integra o conteúdo do direito de propriedade, não ofende de modo clamoroso a justiça.”
Mas, numa outra situação a decisão não foi idêntica: o tribunal decidiu que havia abuso do direito de
tapagem, porque, atendendo à distância entre o prédio de A e o prédio de B nunca se constituiria uma
servidão de vistas; o proprietário não tem, por isso, nenhum interesse sério na vedação do prédio, pelo
que B exerceu o seu direito de propriedade em termos clamorosamente ofensivos do sentimento
jurídico socialmente dominante, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim
económico social do direito. Destas considerações resultou uma decisão de condenação do réu a retirar
a chapa.

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3. Modalidades de propriedade privada segundo um critério temporal


7. Segundo um critério temporal, é possível distinguirmos a propriedade
perpétua, a propriedade resolúvel e a propriedade temporária10.
A propriedade perpétua caracteriza-se por não cessar pelo decurso de um
prazo - semel dominus sempre dominus11. Refere-se também que não se extingue pelo
não uso, considerando-se que “não usar a propriedade é ainda uma forma de a
usar”; e que “o proprietário em tais poderes, que pode querer estar inactivo, e esta
possibilidade cabe dentro do conteúdo do seu direito”12. E entende-se que as
transmissões não obstam à perpetuidade: “la propriété se perpetue en se
transmettant”13.

8. A propriedade temporária14, que o nosso Código só admite nos casos


especialmente previstos na lei (art. 1307.º, n.º 2), é a propriedade constituída por certo
tempo.
Temos como exemplo a propriedade do fiduciário na fideicomisso que é um
verdadeiro proprietário a termo. O seu direito termina com a sua morte (arts. 2286.º,
2290.º e 2293.º)15. O direito de superfície quando, no seu respectivo título
constitutivo, se tenha convencionado que, ao fim de certo tempo, a propriedade da
obra ou das árvores reverte para o dono do solo (art. 1538.º, n.º 1), etc..16

10
Ocupam-se das modalidades de propriedade, distinguindo a propriedade perpétua, a propriedade
resolúvel e a propriedade temporária, entre outros, ORLANDO GOMES. Direitos das Coisas, pp. 114-
115; HENRIQUES MESQUITA, Direitos Reais, ob. cit., p. 123.
11
Cfr. ORLANDO GOMES, Direitos reais, ob. cit., p. 114; PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA,
Código Civil Anotado, p. 105, MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 629; PENHA
GONÇALVES, p, 329 apud SANTOS JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 230.
12
Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., pp. 235 e 236 apud SANTOS JUSTO, Direitos Reais,
ob. cit., p. 230.
13
Cfr. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 230.
Estamos perante a propriedade-regra, como se observa na imprescritibilidade da acção de reivindicação
(art. 1313.º) e na excepcionalidade da extinção do direito de propriedade pelo não uso (art. 298.º, n.º 3).
E, constituindo a regra, admite excepções que caracterizam a propriedade temporária. Cfr. SANTOS
JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 230.
14
Referem-se à propriedade temporária, nomeadamente, OLIVEIRA ASCENSÃO. Direito Civil.
Reais, ob. cit., pp. 458-461; MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., pp. 628-629; PINTO
DUARTE, Direitos Reais, ob. cit. p. 47.
15
Cfr. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, ob. cit., p. 105 apud SANTOS
JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 230.
16
Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 236; SANTOS JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p.
230.
Sendo a propriedade temporária apenas admitida nos casos que a lei prevê, a sua constituição, fora
destes casos, é nula (art. 294.º), sem prejuízo, no entanto, da possibilidade da sua conversão noutro
direito real (v.g, num usufruto), se se verificarem os requisitos legais necessários (art. 293.º) — cfr.
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, ob. cit., p. 105.

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9. A propriedade resolúvel é a propriedade constituída sob condição


resolutiva17.
O nosso Código admite-a sem o carácter de excepcionalidade que atribui à
constituição da propriedade temporária (art. 1307.º, n.º 1)18. Nos termos do n.º 1 do
artigo 1307.º“o direito de propriedade pode constituir-se sob condição”19. E, ex vi do
n.º 3 do mesmo artigo, à propriedade sob condição resolutiva é aplicável o disposto
nos arts. 272.º a 277.º. A doutrina refere-se a vários exemplos, dentre os quais, a
venda em que se reconhece ao vendedor a possibilidade de resolver o contrato e,
portanto, readquirir a propriedade da coisa vendida (é a figura da venda a retro, arts.
927.º e ss.) e, ainda, a propriedade dos bens deferidos aos sucessores do ausente, com
base na sua morte presumida, que lhe será devolvida se regressar ou houver dele
noticiais (art. 119.º)20.

4. Características da propriedade privada


10. Enquanto direito real, a propriedade compartilha de todas as características
próprias dos direitos reais. Mas, especificamente, é caracterizada pela sua plenitude,
exclusividade, elasticidade, cariz indeterminado, tendencial perpetuidade e
indivisibilidade.
As duas primeiras características resultam directamente do art. 1305.º, que as
indica ao pretender pronunciar-se sobre o seu conteúdo e a terceira é uma
consequência daquelas. Nem todas essas características têm um valor absoluto, mas
apenas tendencial21, sendo, portanto, objecto de discussão na doutrina.

17
Cfr. ORLANDO GOMES, Direito das Coisas, ob. cit., p. 114; SANTOS JUSTOS, Direitos Reais,
ob. cit., p. 230.
18
Cfr. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 230.
19
A noção geral de condição encontra-se estabelecida no art. 270.º, nos termos do qual “as partes
podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a
sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”. Saber se a
condição é resolutiva ou suspensiva é problema de pura interpretação da vontade das partes (PIRES DE
LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, ob. cit., p. 250).
20
Cfr. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, p. 104; SANTOS JUSTO,
Direitos Reais, ob. cit. p. 232. Em certo sentido, a propriedade resolúvel também é temporária: o
proprietário que adquiriu sob condição resolutiva perde a propriedade com a verificação da condição
acordada. Por isso, há quem observe que “também há propriedade temporária na propriedade
resolúvel” Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, p. 236 e SANTOS JUSTO, Direitos Reais, ob. cit, p.
232. No entanto, a excepcionalidade da propriedade temporária e não restrição à constituição da
propriedade resolúvel justificam que as não confundamos: aquela está sujeita a um termo; esta, a uma
condição resolutiva. Cfr. SANTOS JUSTOS, Direitos Reais, ob. cit., p. 232.
21
Cfr. DIAS MARQUES, Prescrição Aquisitiva, ob. cit., p. 174.

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11. A plenitude é a característica pela qual a permissão normativa de


aproveitamento da coisa, na ausência de limitações ou restrições, se estende até aos
confins das possibilidades jurídicas permitidas pela coisa. Portanto, quando o Código
diz que o proprietário goza de modo pleno, pretende dizer que beneficia totalmente
das qualidades da coisa22. Sem prejuízo das limitações, a propriedade de imóveis
confere certos direitos específicos gerados pela natureza desses bens, v.g., o direito de
demarcação, de tapagem, de construção, de plantação de arbustos, etc.23

12. A exclusividade do direito de propriedade, por sua vez, significa que o


direito de propriedade não necessita de concorrer com qualquer outro direito incidente
sobre a coisa, sendo assim um direito de gozo exclusivo sobre a mesma24. Apenas a
propriedade confere aproveitamento exclusivo da coisa. Os demais direitos reais,
supõem, pelo menos, a sua concorrência, ou seja, qualquer direito real menor coexiste
tendencialmente com a propriedade, são verdadeiros ius in re aliena, mas a
propriedade pode existir sem a concorrência de qualquer outro direito real25.

13. A elasticidade, que resulta da plenitude e da exclusividade26 significa que


o proprietário pode privar-se ou ser privado de alguma das faculdades integrantes no
seu direito, como sucede no usufruto ou na requisição administrativa, em que o seu
domínio fica reduzido a quase nada, mas o direito de propriedade mantém-se
potencialmente intacto, recuperando a sua integral extensão logo que se extingam os
vínculos ou limitações que o tinham contraído27. A elasticidade permite, assim, que o
direito de propriedade possa ver o seu conteúdo sucessivamente comprimido ou

22
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 626. A Nota de plenitude não significa que
o direito de propriedade seja ilimitado, apenas que, no âmbito do domínio privado das coisas, não
existe outro direito real com um conteúdo idêntico e com a mesma eficácia absoluta ou externa (jus
excluendi omnes allios).
23
Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., pp. 242 e 243.
24
Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 281
25
Cfr. CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, p. 317; PUGLIATTI, La Proprietà Nel
Nuovo Diritto, cit, p. 132 e ss.. Efectivamente, enquanto os outros direitos reais, como por exemplo o
usufruto e a superfície, se vêm forçados a concorrer com a propriedade, reduzida a uma nua
propriedade ou à propriedade do solo, o direito de propriedade é independente de qualquer outro direito
real. Por isso, dizer-se que é um direito exclusivo ou exclusivista em relação à coisa. Cfr. MENEZES
CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 628; MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 281.
Neste sentido, afirmara já HANS KELSEN que a propriedade é “o direito real subjetivo por
excelência”. Teoria Pura do Direito, trad. João Baptista Machado, 3ª ed., Arménio Amado, Coimbra,
1974, pp. 190-191.
26
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 628.
27
Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., pp. 234 e 235; MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob.
cit., p. 281.

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dilatado, à medida que vão sendo constituídos ou extintos ónus e limitações que sobre
ele incidem28.

14. O cariz indeterminado da propriedade resulta do facto deste direito


conceder ao seu titular o poder de dispor da coisa como quiser, sem outras restrições
que não as que resultem da lei ou do respeito de outros direitos subjectivos29.
Destarte, se pode dizer que o proprietário tem poderes indeterminados sobre a coisa,
ao contrário dos direitos reais menores ou limitados, que têm um conteúdo preciso30.

15. Tem sido igualmente apontada como característica do direito de


propriedade a sua perpetuidade. O que imediatamente implica não poder extinguir-se
pelo não uso31. Mas há quem considere que esta característica não é defensável,
porquanto se admite a propriedade temporária nos casos especialmente previstos na
lei (art. 1307.º, n.º 2)32. Daqui que o mais avisado seja indicar-se como característica
da propriedade a sua tendencial perpetuidade.

16. Tem-se ainda dito que o direito de propriedade seria indivisível, no sentido
de não se poder reconduzir a ele, por fraccionamento, os outros direitos reais. De
facto, como se sabe, a técnica jurídica actual do direito das coisas repudia, na
sequência de WINDSCHEID e a da pandectística, a ideia de que todos os direitos
reais sejam parcelas do domínio. Simplesmente não há aqui nenhuma característica

28
Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 281.
29
Ibidem, p. 280.
30
Neste sentido, MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., pp. 234 e 235; SANTOS JUSTOS, Direitos
Reais, ob. cit., p. 220. Em sentido contrário, OLIVEIRA ASCENSÃO contesta que exista
indeterminação dos poderes do proprietário, entende que em relação ao usufruto acresce apenas um
núcleo qualitativo, a raiz da propriedade, difícil de definir, mas que não se pode considerar
indeterminado. Direito Civil. Reais, ob. cit., p. 446.
31
Cfr. MOTA PINTO, Direitos Reais, ob. cit., p. 235.
32
Cfr. neste sentido, MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 629. Acresce o autor que a
tentativa de salvar a perpetuidade, como tem-se tentado, na Faculdade de Direito de Coimbra, dizendo-
se que ela, ao contrário do que sucederia com outros direitos reais, nunca se extinguiria pelo não uso, é
vã, pois o n.º 3 do artigo 298.º do CC diz expressamente que o direito de propriedade pode extinguir-se
pelo não uso. Em qualquer altura uma previsão legal pode, concretamente, cominar essa eventualidade,
uma vez que nada, na essência da propriedade, leva a repelir essa extinção. Idem. Efectivamente, como
exemplo de uma propriedade a termo, temos a situação do fiduciário, referida no artigo 2290º, em que
a propriedade se extingue com a sua morte (artigo 2293.º, do CC). A lei admite ainda que a propriedade
se possa constituir sob condição (artigo 1307.º, nº 1 do CC). Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais,
ob. cit., p. 281. Contra esta posição, advoga MOTA PINTO que tratam-se de excepções à perpetuidade.
Direitos Reais, ob. cit., p. 236.

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específica e autónoma da propriedade: apenas a resultante lógica daquilo a que


chamamos a plenitude33.

16ª. Tradicionalmente, distinguem-se duas teses ou teorias quanto à


formulação do conceito de propriedade: a teoria do domínio ou do senhorio e a teoria
da pertença ou da sujeição.
No âmbito teoria do domínio ou do senhorio, toma-se em consideração as
faculdades que sobre a coisa são atribuídas ao seu titular34. A teoria do senhorio
corresponde, assim, à uma concepção quantitativa da propriedade, identificando como
o direito mais amplo que se pode ter sobre as coisas35. E, no âmbito da teoria pertença
ou da sujeição, se toma antes em consideração a relação que se estabelece entre a
pessoa e coisa36.
Ao contrário da teoria do domínio ou do senhorio, a teoria da pertença
corresponde à uma concepção qualitativa, expressando a relação de subordinação da
coisa ao titular37.

33
Cfr. BARASSI, La Proprietà nel Nuevo Codice, ob. cit., pp 21 e ss apud MENEZES CORDEIRO,
Direitos Reais, ob. cit., p. 630. É com Bártolo que a desmaterialização da realidade se estende à
concepção dos direitos sobre as coisas, podendo,existir inúmeros direitos sobre a mesma coisa física,
cada um correspondendo a uma sua utilidade. Cfr. ANTÓNIO MANUEL HESPANHA e
FRANCISCO BORGES, “A Propriedade e a História”, in THEMES, RFDUNL, Ano VIII-N.º 15-2008,
p. 105
34
Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 287.
35
A teoria do senhorio foi adoptada no célebre artigo 544.º, do Code Civil, tendo sido igualmente
defendida no pandectista por WINDSHEID/KIPP. ob. cit., § 167, p.857; HEINRICH DERNBURG.
Pandekten, I-2, § 192, p. 54; e OTTO VON GIERKE. Deutches Privatrecht, Leipzig, 1905, § 120,
pp.347-348 apud MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 287. Tem sido também esta a
concepção dominante em Portugal, tendo aderido a ela GUILHERME MOREIRA. Instituições, III, ob
cit., p. 48; HENRIQUE MESQUITA. Direitos Reais, ob. cit., pp. 134 e 135; CARLOS MOTA PINTO.
Direitos Reais, ob. cit., pp. 234 e 235; OLIVEIRA ASCENSÃO. Direito Civil. Reais, ob. cit., pp. 448 e
449; CARVALHO FERNANDES. Direitos Reais, ob. cit., p. 334; MENEZES LEITÃO. Direitos
Reais, ob. cit., p. 288). Com base nesta teoria, OLIVEIRA ASCENSÃO define a propriedade como
sendo “o direito real que outorga a universalidade dos poderes que à coisa se podem referir”;
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Reais, ob. cit., p. 449; CARVALHO FERNANDES define-o
como “o direito real máximo, mediante o qual é assegurada a certa pessoa, com exclusividade, a
generalidade dos poderes de aproveitamento global das utilidades de certa coisa” Cfr. LUÍS DE
CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 6ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2009, p. 334; e
para MENEZES LEITÃO, a propriedade é “o direito real, que permite ao seu titular, dentro dos
limites da lei, o aproveitamento pleno e exclusivo de todas e quaisquer utilidades proporcionadas por
uma coisa corpórea” Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., 3ª ed., Almedina, 2012, p. 288.
36
Cfr. MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., 287.
37
A teoria da pertença, sendo a mais antiga, não tem hoje praticamente defensores, tendo sido
defendida na pandectistica por NEUNER. NEUNER. Cfr. Wesen, p. 55 apud MENEZES LEITÃO,
Direitos Reais, ob. cit., p. 287. Em Portugal, esta teoria foi defendida por DIAS MARQUES,
Prescrição Aquisitiva, ob. cit., p. 174. Segundo esta teoria, o que há de característico na propriedade é
a relação de pertença ideal da coisa com o seu titular, relação que é diferente das faculdades que a
integram e que podem desaparecer e maior ou menor grau sem que o núcleo ou essência daquela
relação puramente ideal seja por isso destruído. Por isso, a propriedade se deve definir, não em razão

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Estas duas teorias, como se pode notar, têm por base dois termos pelos quais
mais frequentemente se traduzia já a propriedade nos textos romanos — o dominium e
a proprietas38.
Porém, modernamente, surge uma terceira teoria, a teoria mista ou eclética,
também chamada de teses de compromisso39. Para a mista ou eclética, dentre as várias
definições ensaiadas para a propriedade em sentido subjectivo ou técnico-jurídico, a
definição mais verdadeira do direito de propriedade é a que resulta da combinação de
três elementos: o poder de dispor da coisa, a pertença da coisa ao titular do poder,
com exclusão de todos os indivíduos, e o fim jurídico ou lícito do exercício do
poder40.

4. O direito de propriedade privada como direito fundamental,


constitucionalmente garantido e socialmente vinculado
17. O direito de propriedade privada faz parte do catálogo dos direitos
fundamentais de natureza económica, como facilmente se depreende do art. 62.º CRP.
De acordo com o estatuído pelo art. 17.º do nosso diploma fundamental, o
regime fortemente protector por ela consagrado aos direitos liberdades e garantias,
aplica-se ao “direito de propriedade privada”, por força da genérica extensão de tal
regime aos “direitos fundamentais de natureza análoga”.
Esta analogia de “natureza” não se refere ao conteúdo do próprio direito,
designadamente, ao seu “núcleo essencial”, mas, antes, à sua determinabilidade,
entendida esta na acepção de suficiente densificação.
Como acontece com outros direitos, não catalogados constitucionalmente no
âmbito dos direitos, liberdades e garantias, também o direito de propriedade privada,

do seu conteúdo, mas em razão dos seus caracteres intrínsecos, como o direito que se traduz em um
poder perpétuo, exclusivo, elástico, geral, abstracto e independente que recai imediatamente sobre a
coisa.
38
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 621; MENEZES LEITÃO, Direitos Reais,
ob. cit., p. 287.
39
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, ob. cit., p. 621.
40
A concepção mista foi adoptada por PIRES DE LIMA para quem, “várias definições têm sido dadas
do direito de propriedade, mas parece-nos que a mais verdadeira é a que resulta da combinação de
três elementos: o poder de dispor da coisa, a pertença da coisa ao titular do poder, com exclusão de
todos os indivíduos, e o fim jurídico ou lícito do exercício do poder”. Cfr. Direitos Reais, p. 66 apud
MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, ob. cit., p. 287. Todavia, não falta quem inclui PIRES DE LIMA
entre os autores que defendem a teoria do senhorio. É o caso de MENEZES CORDEIRO. Direitos
Reais, ob. cit., p. 630; CARVALHO FERNANDES. Direitos Reais, ob. cit., p. 333; MENEZES
LEITÃO não concorda com inclusão este autor entre os defensores da teoria do senhorio. Direiros
Reais, 3ª ed., ob. cit., pp. 287 e 288.

9
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tal como ficou balizado nos n.ºs 1 e 2 do citado art. 62º CRP, tem o suficiente de
determinabilidade ou densificação para ombrear com os direitos, liberdades e
garantias e assim gozar de uma norma protectora tão importante como é, p. ex., a da
aplicabilidade directa, sem necessidade de norma infra-constitucional mediadora (art.
18.º CRP).

18. Porém, nem tudo o que constitui o conteúdo do direito de propriedade


definido no Código Civil se encontra a coberto da garantia constitucional.
Com efeito, na garantia do art. 62.º (direito de propriedade privada), cabem,
quer o direito de cada um à não privação arbitrária da propriedade (especificamente
tutelado pelo n.º 2 do art. 62.º), quer o direito de cada um de aceder aos bens
susceptíveis de apropriação, e de deles fruir e dispor — inter vivos e mortis causa,
sob reserva, aqui, de compatibilização com as normas pertinentes da chamada
constituição económica.

19. Quanto ao mais, não pode deixar de se ter em conta a especialidade da


natureza do direito de propriedade privada, e, mais precisamente, a «especialidade»
da sua relação com a lei ordinária — por contraposição com os demais direitos e
liberdades clássicos.
Nesta perspectiva, a Constituição da República Portuguesa não garante, salvo
desvirtuação do núcleo essencial do próprio direito, a plena potestas, a totalidade dos
poderes tradicionalmente integrantes do direito de propriedade privada, tal como
definido no art. 1305.º do Código Civil: jus utendi, fruendi et abutendi, e seus
desenvolvimentos específicos.

5. Restrições ao direito de propriedade imobiliária

a) Introdução
20. Como vimos, o Código Civil português não formula um conceito de
propriedade. Limita-se, no art. 1305.º, a estabelecer que “o proprietário goza de modo
pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas”. Aquilo que os
juristas medievais designavam como ius utendi, fruendi et abutendi. Isto por causa de
um erróneo entendimento do que no Direito Romano se acreditava serem os poderes

10
MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE 2022/2023

dos proprietários, isto é, de que o pater familias era titular de um direito absoluto
sobre os bens que lhe pertenciam. Porém, a verdade é que os juristas romanos
entendiam o direito de propriedade como direito absoluto, sim; mas no sentido de que
o direito de propriedade se impunha a todos, não no de que os poderes dos
proprietários não conheciam limitações. Na verdade, conhecem-se muitas limitações
ao direito de propriedade romano. Por exemplo: os proprietários de terrenos
confinantes com rios navegáveis eram obrigados a permitir a utilização das suas
margens aos navegantes para aí desenvolverem actividades relacionadas com a
navegação e a pesca (atracar barcos, secar redes de pesca, etc.), entre as casas deveria
ser deixado um espaço de 2,5 pés, os proprietários não podiam arrancar as esculturas,
estátuas ou qualquer elemento ornamental dos seus edifícios ou incinerar cadáveres a
menos de 60 pés do edifício mais próximo, os augures podiam ordenar a demolição de
casas que os impedissem de perscrutar o voo das aves, um proprietário não podia
realizar no seu prédio obras que constituíssem obstáculos à acção do vento nas eiras
vizinhas.41

21. Esta ideia de poder absoluto e exclusivo sobre coisa própria vai ser
recuperada na Revolução Francesa, embora tal possa parecer contraditório. Durante a
Idade Média, período caracterizado por uma organização sócio-económica feudal, a
propriedade dividia-se entre domínio directo (pertence ao senhor) e domínio útil
(pertence ao vassalo).
Este domínio útil com o passar dos tempos tornou-se extraordinariamente
complexo, num intrincado de obrigações de que era credor o senhor feudal e que
impedia um adequado aproveitamento do potencial produtivo das terras.
Nomeadamente, prejudicava-se o aproveitamento industrial a que se almejava já no
séc. XVIII quando se sedimentou o poder político, económico e financeiro da classe
burguesa francesa.
Por isto, da Revolução Francesa resultou, menos de um mês depois da
Tomada da Bastilha, uma declaração oficial de extinção do regime feudal e, com ele,
do domínio útil. Sobrava, então, apenas o domínio directo que se identificou com a
propriedade e qualificou como direito pleno, absoluto e sagrado que deveria ser
reconhecido e tutelado a todo o citoyen.

41
Seguimos SANTOS JUSTO, Direito Romano III (Direitos Reais), p.

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Por isto é que, no Código Civil francês, de 1804, a propriedade é definida


como “o direito de gozar e de dispor das coisas do modo mais absoluto”.
E no nosso Código Civil de 1867, de matriz marcadamente liberal, se estatuía,
mais filosoficamente42, ser o direito de propriedade “a faculdade, que o homem tem,
de aplicar à conservação da sua existência, e ao melhoramento da sua condição, tudo
quanto para esse fim legitimamente adquiriu, e de que, portanto, pode dispor
livremente”.

22. Mas, nenhum destes diplomas, tal como depois veio a suceder com o
nosso Código Civil de 1967, deixa de condicionar a actuação do proprietário às
restrições que sejam impostas pela lei. De facto, o texto completo do nosso art. 1305.º
é este: “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e
disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância
das restrições por ela impostas.”
Ou seja, o proprietário poderá actuar com plena liberdade sobre o objecto do
seu direito, quer através de actos materiais (usando, fruindo, transformando e até
destruindo) quer de actos jurídicos (dispondo e onerando); o que também inclui a
possibilidade de se auto-restringir, como sucede na constituição de direitos reais
menores (como a servidão, o usufruto, um direito de superfície). Mas sempre tendo o
proprietário de actuar atendendo ao que a lei proíbe ou ao que a lei obriga a fazer.

23. Ora, quando olhamos para o nosso Código Civil verificamos que são
várias as restrições ao direito de propriedade que nele se incluem.43
Uma parte delas visa resguardar os interesses da comunidade e são também
designadas como restrições de interesse público. É o caso da expropriação (art.
1308.º, nos termos do qual “ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu
direito de propriedade senão nos casos fixados na lei”) ou da requisição (prevista no
art. 1309.º, segundo o qual “só nos casos previstos na lei pode ter lugar a requisição
temporária de coisas do domínio privado”)44.

42
Como observam ORLANDO DE CARVALHO e CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO
43 Todavia, a esmagadora maioria das restrições da propriedade privada que se fundamentam na
consideração dos interesses da comunidade constam de lei avulsa de natureza administrativa. Destas
não cuidaremos.
44
A lei civil faz eco, no que a estas duas restrições diz respeito, do que já se consagra no n.º 2 do art.
62.º CRP.

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Depois, temos restrições de interesse privado e utilidade social — é o que


acontece com o regime do fraccionamento e com a compressão do direito por efeito
de um encargo imposto no prédio em proveito de populações ou de proprietários
vizinhos, para satisfação de necessidades básicas.
Finalmente, temos as restrições do uso e fruição por causa das relações de
vizinhança. Desta última categoria nos ocuparemos com maior detalhe. Mas não sem
antes deixarmos algumas notas sobre as duas primeiras.

b) Limitações de interesse público (Expropriações e requisições)


24. A expropriação em sentido clássico45-46, caracterizada como “relação
jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados
imóveis em um fim específico de utilidade pública47, extingue os direitos subjectivos
constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da
pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a este pagar ao titular dos
direitos extintos uma indemnização compensatória”48. Ou, noutra acepção, enquanto
relação jurídica que não é de molde a extinguir o direito e antes se traduz em
transmissão coactiva ou forçada do mesmo49.

25. A requisição é um acto administrativo de autoridade pelo qual um órgão


competente impõe a um particular, verificando-se as circunstâncias previstas na lei e
45
Como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição…, cit., p. 810, o direito
de não ser privado da propriedade não goza de protecção constitucional em termos absolutos, mas não
deixa de estar garantido como um direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser
indemnizado no caso de desapropriação.
Assim, a Lei Fundamental autoriza a expropriação como instrumento de desapropriação forçada por
acto de autoridade pública, mas não dispensa um sistema de garantias enformado pelos princípios da
legalidade ou da prévia autorização legal, da utilidade pública, da necessidade, da proporcionalidade ou
da proibição de excessos, da justa indemnização ou da retribuição do valor económico do bem e da
igualdade.
46
A expropriação, como processo de aquisição de bens, encontra-se hoje regulada na Lei n.º 168/99, de
18 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com a
Rectificação n.º 18/2002, de 12 de Abril, pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, pela Lei n.º 67-
A/2007, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 56/2008, de 4 de Setembro.
Sobre o procedimento expropriativo à luz da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, cfr. JOSÉ VIEIRA
FONSECA, Principais Linhas Inovadoras do Código das Expropriações de 1999, in Revista Jurídica
do Urbanismo e do Ambiente, ns. 11/12, 1999, e n.º 13, 2000, e DULCE LOPES, O Procedimento
Expropriativo: Complicação Ou Complexidade?, Seminário Avaliação do Código das Expropriações,
Associação Nacional de Municípios/Instituto de Estradas de Portugal, 2003, pp. 19 e ss.
47
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil…, cit., p. 224, sublinha o facto de, em Portugal, a utilidade
pública ser entendida em sentido amplo de modo a aglutinar quer a expropriação de bens destinados a
uma finalidade pública quer a expropriação por interesse social.
48
MARCELO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Tomo II, 10.ª edição, revista e
actualizada pelo Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, Almedina, Coimbra, 1999, p. 1020.
49
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código…, cit., p. 106.

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mediante indemnização, a obrigação temporária de prestar serviços, de ceder coisas


móveis ou de consentir na utilização de quaisquer bens que sejam necessários à
realização de interesse público (art. 62.º, n.º 2 da Constituição da República
Portuguesa e art. 1309.º do Código Civil). Há um exemplo no Código Civil, no
art.1388º (requisição de águas particulares, em casos urgentes).
Trata-se de um instrumento de desapropriação forçada que figura ao lado da
expropriação e que reclama o mesmo sistema de garantias reconhecido ao
expropriado, mas que se distingue em virtude do carácter extraordinário e
temporalmente limitado dos poderes conferidos à Administração sobre os bens. De
facto, só em caso de urgente necessidade, e quando o interesse público e nacional o
justifique, podem ser requisitados bens e direitos a eles inerentes (art. 204.º, n.º 1, al.
d)), objecto de propriedade de entidades privadas, para a realização de actividades de
manifesto interesse público, adequadas à natureza daqueles (art. 80.º, n.º 1 do Código
das Expropriações), sendo que, salvo o disposto em lei especial, a requisição,
interpolada ou sucessiva, de um mesmo imóvel não pode exceder o período de um
ano (art. 80.º, n.º 2 do Código das Expropriações).

26. Pondo em crise a garantia constitucional do direito de propriedade privada,


tanto a expropriação como a requisição estão sujeitas aos seguintes princípios
fundamentais: a) princípio da necessidade, aplicado no art. 3.º da Lei n.º 168/99; b)
utilidade pública, como dita o n.º 2 do art. 62.º da Constituição da República
Portuguesa; c) justa indemnização (mesmo preceito).

27. Vamos agora debruçar-nos sobre as restrições que a lei civil impõe ao
direito de propriedade em razão das relações de vizinhança — estas, sim, são a
preocupação fundamental do nosso Código Civil, diploma maior da disciplina das
relações entre privados. O legislador está, pois, consciente de que em determinadas
situações, o exercício do direito de propriedade sobre imóveis só é possível mediante
a utilização de prédios vizinhos e de que, em outros casos, embora não implique a
intromissão em prédio alheio, repercute-se ou propaga-se para além dos limites do
respectivo imóvel, indo afectar a propriedade de outrem.

28. O nosso legislador, mesmo que tenha partido de um conceito de


propriedade tipicamente liberal, individualista e egoísta, não deixou de reconhecer

14
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que situações há em que mesmo este direito fundamental, muitas vezes definido como
o mais absoluto dos direitos fundamentais patrimoniais e manifestação da dignidade
humana, tem de ser restringido atendendo — já não indo para as questões mais
complexas da limitação dos direitos privados em razão do interesse público — ao
interesse daquele outro sujeito privado que está do lado de lá da vedação. Mas o
legislador português não foi ingénuo: foi, obviamente, sensível à ideia da propriedade
como prolongamento do “eu”, mas não se deixou iludir com a ideia de que a
demarcação do limite físico da propriedade resolveria todas as situações de
conflitualidade que estão sempre latentes nas relações de vizinhança. Assim, foi capaz
de ir para além da ideia simplista de que a propriedade de um começa onde termina a
propriedade do outro e abriu faixas de entendimento (embora muitas vezes forçado)
em que se observa uma constante afectação dos direitos de um em razão dos
interesses do outro, deste modo protegendo e promovendo aquele que é, no final, o
objectivo do Direito: a paz social.

c) Limitações de interesse privado e utilidade social


29. Este tipo de limitações pode subdividir-se assim: a) limitação dos poderes
de disposição, destinadas a evitar o minifúndio ou a contribuir para a eliminação de
situações de fraccionamento do próprio direito de propriedade; b) compressão do
direito por efeito de um encargo imposto no prédio em proveito de populações ou de
proprietários vizinhos, para satisfação de necessidades básicas. Veja-se, por exemplo
os atravessadouros — art.1383.º e 1384.º.
Nas próximas páginas, atentaremos, tão-somente, ao regime do
fraccionamento predial.

i. O fraccionamento predial

30. ver adenda

d) As restrições em atenção às relações de vizinhança

31. São muito variadas as restrições aos poderes de uso e de fruição inerentes
ao direito de propriedade e que se impõem em atenção às relações de vizinhança,
podendo elas consistir em limitações que impõem um dever de abstenção (por

15
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exemplo arts. 1346.º ou 1347.º), ou em limitações que impõem deveres especiais de


diligência (por exemplo, arts. 1348.º, 1356.º a 1359.º, 1370.º e ss. e 1350.º). Isto além
das limitações que impõe mesmo um dever de colaboração (como acontece nos arts.
1353.º e 1354.º ou 1375.º).

32. Para ilustrarmos as restrições ao direito de propriedade que se justificam


pela necessidade de prevenir os conflitos de vizinhança, veremos o que se prevê nos
arts. 1346.º (sobre a emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes), bem
como nos arts. 1360.º e ss. (sobre a abertura de janelas, portas, varandas e obras
semelhantes) e no art. 1363.º (sobre frestas, seteiras ou óculos para luz e ar).

i. Emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes (art. 1346.º)


33. Lê-se, no art. 1346.º, que “o proprietário de um imóvel pode opor-se à
emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de
trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho,
sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não
resultem da utilização normal do prédio de que emanam.”
É evidente que o proprietário de qualquer imóvel pode opor-se às emissões
provenientes de prédio vizinho quando elas sejam ilícitas. E sê-lo-ão quando
importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel que as recebe. O que quer
dizer que não basta qualquer prejuízo — tem de ser um prejuízo substancial —; e que
se avalia o prejuízo para o uso do imóvel, isto é, que se olha para a função do prédio
recipiente e não para o seu proprietário50. Serão, em alternativa51, ilícitas as emissões
que não resultem da utilização normal do prédio de que emanam. Mais uma vez,
pede-se ao aplicador da lei que olhe para o destino do prédio que produz as emissões
e que verifique se do seu uso normal resultam aquelas emissões ou se se trata de uma

50
A este propósito podemos lembrar um caso polémico no âmbito da vigência do Código de Seabra: o
proprietário de uma clínica pretendia que se declarasse que um vizinho era obrigado a não ter uma
capoeira onde existiam aves cujos ruídos prejudicavam a clínica — o STJ entendeu que se não podia
proibir o proprietário, porque era proprietário, de instalar no seu prédio as aves que quisesse;
actualmente, o Código Civil não permitiria que a capoeira se mantivesse, porque isso importaria um
prejuízo substancial para o uso do imóvel como clínica (desde que a existência desta fosse anterior à do
aviário).
51
No sentido alternativo se pronuncia a maioria da doutrina (HENRIQUE MESQUITA, PIRES DE
LIMA/ANTUNES VARELA, e da jurisprudência (v., por exemplo, Ac. RC 11/09/2012, proc.º n.º
24/08.OTBMGL ou o Ac. RP 10/12/2013, proc.º n.º 40/12.7TBBGC.P1)

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situação disfuncional (por exemplo, utilizar um prédio situado numa zona


habitacional como estábulo de gado caprino52).

33. Quanto a esta restrição devemos deixar mais três notas.


Em primeiro lugar, o art. 1346.º pressupõe um certo tipo de emissões —
emissões de natureza corpórea, mas de tamanho ínfimo (fumo, fuligem, fagulhas,
vapor) ou de natureza incorpórea (ruído, cheiros, luz). O que quer dizer que às
emissões de outra natureza se aplicam outros regimes jurídicos: por exemplo, se da
exploração de uma pedreira são emitidas pedras para um prédio vizinho, então trata-se
da violação do direito de propriedade alheio (ou o não cumprimento do dever geral de
abstenção) e, aí, actua-se directamente contra o sujeito que não está a respeitar este
direito.53
Depois, as emissões têm de atingir o prédio vizinho naturalmente. O que
significa que, se se lhes imprimir uma especial direcção (por exemplo, construir as
chaminés de modo a que a exaustão se faça directamente para o prédio vizinho), então
trata-se de um desrespeito pelo direito de propriedade alheio e não tem de ser
considerado o preenchimento de qualquer um daqueles critérios.54
Finalmente, quanto a lei se refere a prédio vizinho não quer dizer prédio
contíguo, mas alheio.55

ii) Abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes (arts. 1360.º e ss.)
34. Nos termos do n.º 1 do art. 1360.º, “o proprietário que no seu prédio
levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem
directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o
intervalo de metro e meio.” Adianta-se, depois, no n.º 2 do mesmo preceito que “igual
restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando
sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão
ou parte dela.”

52
Ac. STJ 7/04/2005 (proc.º n.º 04B4781): os proprietários alegaram que esta interpretação do art.
1346.º é inconstitucional, porque viola o seu direito a exercer pastorícia no seu próprio prédio; porém,
o tribunal entendeu estar em causa a superior qualidade da vida habitacional.
53
Através de uma acção negatória (v. infra sobre as acções de defesa da propriedade).
54
Através de uma acção negatória (v. infra sobre as acções de defesa da propriedade).
55
HENRIQUE MESQUITA, CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, PIRES DE LIMA/ANTUNES
VARELA, BONIFÁCIO RAMOS,

17
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De outro modo, um proprietário pode, com fundamento nos arts. 1305.º e


1344.º, construir até à estrema do terreno (isto é, o direito de propriedade compreende
a faculdade de construir até à estrema), desde que não queira abrir janelas, portas,
varandas, etc. que deitem directamente para o prédio vizinho. Caso contrário, ou seja,
se pretender realizar uma destas aberturas, terá de deixar o espaço de 1,5 m entre a
sua construção e a estrema do prédio vizinho.

35. O que o legislador pretendeu foi evitar a devassa por estranhos do prédio
vizinho (direito à intimidade e à vida privada) e o arremesso de objectos. Como se
comprova, aliás, pelo facto de, existindo um caminho público entre os dois prédios
(“estrada, caminho, travessa ou outra passagem por terreno do domínio público”),
aquela restrição quanto à distância não se aplicar (cfr. art. 1361.º). Na verdade, o
potencial de devassa está na existência do caminho público e, por isso, não se justifica
a restrição ao direito de propriedade.
Por outra parte, os prédios também estão isentos da restrição do art. 1360.º
quanto às janelas gradadas, isto é, “aberturas, quaisquer que sejam as suas dimensões,
que estejam situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado,
com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro
quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros” — art. 1364.º.
Finalmente, existindo um muro que separe os dois prédios, também não se
justificará a aplicação da restrição do art. 1360.º.

36. Lê-se no art. 1362.º que “a existência de janelas, portas, varandas, terraços,
eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos
termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.” Com os prazos a
contar desde a conclusão da obra, por ser este o momento a partir do qual existe a
posse.

37. Nos termos do n.º 2 do art. 1362.º, “constituída a servidão de vistas, por
usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou
outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e
as obras mencionadas no n.º 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à
extensão destas obras.” Ou seja, com a constituição da servidão, o proprietário do
prédio serviente fica impedido de levantar construção que não guarde a distância de

18
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mertro e meio entre a abertura protegida pela servidão e a construção que pretende
erigir.56

38. Constituída a servidão por usucapião (ou por qualquer outro título, na
verdade), o proprietário do prédio dominante só pode exercer o seu direito em
harmonia com o título. O que quer dizer que a servidão é inerente a certa e
determinada servidão. De outro modo, qualquer alteração à abertura que deu origem à
posse — que, por sua vez, permitiu a aquisição da servidão de vistas por usucapião —
implica a extinção da servidão e o início de uma nova posse.

iii. Frestas, seteiras ou óculos para luz e ar (art. 1363.º)


39. O legislador admite que numa construção sejam abertas frestas que sirvam
para permitir a entrada de ar e de luz independentemente da distância entre a obra e a
estrema do terreno. São chamadas aberturas de tolerância. Elas devem, porém,
localizar-se a uma altura de 1,80 m e não ter mais de 15 cm. Quanto às janelas
gradadas, elas devem também situar-se à mesma altura, embora sem limite de
dimensões, desde que a malha seja inferior a 5 cm e a secção da grade seja superior a
1 cm2.

40. Porém, a existência deste tipo de aberturas não impede que o vizinho
levante a todo o tempo a sua casa ou muro, ainda que as vede.

41. Quando as aberturas pressupostas pela hipótese do art. 1363.º sejam


abertas a uma altura inferior à descrita na norma ou apresentem dimensões superiores,
a jurisprudência vem considerando que elas, mesmo não sendo janelas, deixam de
poder ser consideradas aberturas de tolerância e passam a estar sujeitas ao disposto no
art. 1360.º.
Isto significa que as frestas ilícitas poder-se-ão manter-se tal como foram
abertas com fundamento na constituição, por usucapião, do direito de manter essas
aberturas. Sem que, contudo, fique o proprietário do prédio vizinho impedido de
construir tapando-as. A ponderação é esta: se, sendo as frestas regulares, “pode o
vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais

56
Se o não fizer, considerar-se-á que esbulhou o proprietário do prédio dominante da sua servidão,
podendo este, consequentemente, recorrer a uma acção de reivindicação (art. 1315.º — vide infra).

19
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aberturas” (segunda parte do n.º 1 do art. 1363.º), então, por maioria de razão, o
poderá fazer se as frestas forem irregulares.

d) Abuso de direito
42. Os direitos privados são instrumentos da realização pessoal dos
indivíduos, e, nessa medida, cumprem uma função social.
O exercício de um direito em termos divergentes das finalidades de realização
pessoal do titular, por causa de manifesto desvio dos princípios da boa fé, dos bons
costumes ou do fim económico e social que o legislador lhe atribuiu (e acentuo aqui a
referência expressa do legislador ao “fim social”) constitui abuso de direito,
sancionado pelo art. 334.º.

42. A sanção pode ir desde a indemnização ao próprio impedimento de


exercício do direito, conforme os casos.

43. No citado art. 334.º, o legislador português acolheu a concepção objectiva


do abuso de direito, significando isto que não é necessária, nem a intenção, nem,
mesmo, a consciência, de violar a boa fé, os bons costumes ou o fim social ou
económico do direito.
O n.º 2 do art. 1344.º, ao estabelecer que “o proprietário não pode…proibir os
actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse
em impedir” é uma aplicação do mesmo princípio-regra.
O abuso de direito, na sua dimensão de desvio do fim social, pode, assim, ser
erigido como restrição ao exercício do direito de propriedade privada.
E assim, com efeito, tem sido acolhido na jurisprudência.

6. “Modos” de aquisição da propriedade


44. Nos termos do art. 1316.º, “o direito de propriedade adquire-se por
contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos
na lei.”
Temos, então, aqui uma enumeração meramente exemplificativa, sem prejuízo
de os modos de aquisição dos direitos reais serem taxativos, já que o tipo real

20
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compreende, também, o modo de aquisição)57.Com isto não se recusa, obviamente, a


atipicidade contratual promovida pela autonomia privada na modalidade de liberdade
contratual (art. 405.º CCv).

45. A doutrina distingue os modos de aquisição do direito de propriedade


consoante importem uma aquisição originária ou derivada.
Diz-se que com a aquisição originária do direito de propriedade este nasce ex
novo, com base no contacto directo com a coisa e na total independência de alguma
relação jurídica que eventualmente ligue o adquirente a outro sujeito. É o caso da
ocupação (arts. 1318.º e ss.), da usucapião (arts. 1287.º e ss.) ou da acessão (arts.
1325.º e ss.).
Na aquisição derivada, o direito de propriedade do adquirente deriva do
direito do anterior proprietário, através de uma relação jurídica idónea: contrato,
sucessão mortis causa, outros modos previstos na lei.

46. Definem-se, no art. 1317, e dependendo do concreto modo de aquisição, os


diferentes momentos em que se considera a propriedade adquirida.
Assim, no caso de contrato, o designado nos arts. 408.º (princípio da
consensualidade) e 409.º (reserva de propriedade)58; no caso de sucessão por morte, o
da abertura da sucessão; no caso de usucapião, o do início da posse59 (a mesma
solução se consagra no art. 1288.º); e, nos casos de ocupação e acessão, o da
verificação dos factos respectivos.

a) Ocupação
47. A ocupação é um modo de aquisição originária do direito de propriedade
que, genericamente, “consiste na apropriação ou tomada de posse de uma coisa [ou de
um animal] que não tem ou deixou de ter dono.”60
Ensina SANTOS JUSTO que poderá ter sido o principal e mais antigo modo de
aquisição da propriedade, embora se tenha assistido, ao longo dos séculos, a uma

57
Vide supra sobre o princípio da taxatividade.
58
Sobre os dois institutos, vide infra.
59
Vide supra sobre os efeitos da posse.
60
SANTOS JUSTO, Direitos Reais, 2.ª ed., p. 254.

21
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“verdadeira involução”, na medida em que se reduziu o seu âmbito objectivo de


aplicação.61

48. Seguindo o disposto no art. 1318.º, podem ser ocupadas as res nullius
(coisas móveis que nunca tiveram dono62), as res derelictae (coisas móveis
abandonadas63), as coisas móveis perdidas ou escondidas pelos seus proprietários. E,
ainda, os animais.64
Para que haja ocupação é necessária a tomada de posse da coisa, assim como o
ocupante deve ter capacidade de gozo bastante, embora não seja necessária
capacidade de exercício.

b) Acessão
49. Segundo o art. 1325.º, “dá-se a acessão, quando com a coisa que é
propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.” Isto é,
quando uma coisa, que é propriedade de um sujeito, se modifica pela união com coisa
alheia ou res nullius65.

50. A acessão é, por regra, um efeito do princípio segundo o qual a


propriedade tem a virtualidade de absorver o que vier a incorporar-se no seu objecto
(vi et potestate rei nostrae). Ou pela força da natureza ou por acção do homem.
Assim, há dois pressupostos que dominam esta matéria, a saber: a) a união
inseparável de duas ou mais coisas pertencentes a donos diversos (ou uma
pertencente a dono conhecido e a outra pertencendo a ninguém); b) a coisa que acede
à outra torna-se parte componente desta66.

61
Santos Justo, Direitos Reais, 2.ª ed., p. 255.
62
Quanto aos imóveis vale o art. 1345.º, nos termos do qual “as coisas imóveis sem dono conhecido
consideram-se do património do Estado”.
63
Só se considera abandonada a coisa que o proprietário, por acto material, abandonou com intenção
— animus dereliquendi. Caso contrário, dir-se-á que a coisa foi perdida. Cfr. SANTOS JUSTO,
Direitos Reais, op. cit., p. 255, nt. 1266.
64
Sobre o novo estatuto jurídico dos animais, v. supra.
65
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, ob. cit., p. 138.
66
Questão que pode colocar-se é a de saber se poderá a implantação de partes integrantes no solo
de um prédio rústico ou urbano originar um direito de acessão. Nos termos do n.º 3 do art. 204.º
do Código Civil, as partes integrantes são as coisas móveis unidas materialmente com carácter de
permanência a um imóvel para lhe aumentar as utilidades, na medida em que servem para o
tornar mais produtivo, cómodo, seguro, etc. (por exemplo, um engenho de tirar água, um
aparelho de ar condicionado, um alarme, uma antena de televisão). As partes integrantes estão,
portanto, postas ao serviço do prédio, desempenham relativamente a ele uma função auxiliar ou
instrumental. Na definição legal está compreendida a ideia de ligação permanente que é habitual

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Ou seja, rigorosamente, a acessão pressupõe que uma coisa se una ou


incorpore de forma inseparável (definitiva, permanente) a outra. Não basta a mera
adjunção: é necessário que a coisa se una a outra ou se integre ou incorpore (faça
corpo) com a outra. Sendo que esta inseparabilidade deve ser entendida em sentido
económico e não meramente material. De outro modo: duas ou mais coisas
encontram-se unidas de modo inseparável quando a separação, embora física e
materialmente possível, destrua ou danifique gravemente a coisa principal. E a
consequência é evidente: do conceito de acessão resulta que a coisa acedida torna-se
objecto do direito de propriedade que incide sobre a coisa principal, adquirindo a
natureza e seguindo o destino desta67.

51. O legislador, no art. 1326.º, identifica várias modalidades da acessão: a


acessão pode ser natural ou industrial e mobiliária ou imobiliária.
Será natural a acessão que resulta exclusivamente das forças da natureza. Nas
palavras de ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, a acessão natural “é como que a
projecção jurídica do fenómeno físico da erosão”68. Assim sendo, o nosso legislador
determinou como princípio geral que pertencerá ao dono da coisa tudo o que a esta
acrescer por efeito da Natureza — art. 1327.º. Ou seja, o legislador formulou um
princípio geral de expansão do direito de propriedade quanto à sua possibilidade de

associar ao conceito de incorporação. No entanto, como coisas móveis ligadas materialmente ao


prédio, mas não incorporadas nele, as partes integrantes mantêm a sua individualidade, embora
seja enquanto partes que conseguem realizar, ou realizam melhor, a sua finalidade económica
específica. Acresce que podem ser levantadas sem prejuízo do prédio a que estão ligadas. Ou
seja, não são elementos da estrutura da coisa, uma vez que esta, sem elas, não deixa de existir
completa e prestável para o uso a que se destina. Ao invés, as partes componentes são
constituintes da estrutura da coisa (por exemplo, uma janela, a porta de entrada, o telhado), sem
as quais a coisa não está completa, ou é imprópria para o uso a que se destina. São elementos que
servem para formar o todo. Têm individualidade própria, porque podem ser negociadas, mas não
podem ser levantadas sem prejuízo da coisa a que se encontram ligadas.
Voltando à questão colocada, em face do exposto, consideramos que qualquer que seja a parte
integrante, não sendo ela coisa incorporada, não poderá constituir fundamento de acessão.
Salienta-se, por fim, que tal resulta das palavras do legislador que, naturalmente, devem ser
entendidas como a adequada expressão do seu pensamento, uma vez que, como referimos, na
definição de parte integrante, é utilizada a expressão “ligação material” e não “incorporação”.
67
O objecto de um direito real há-de ser uma entidade distinta e separada. Por isso, por um lado, as
partes componentes ou integrantes não podem ser objecto de direitos reais autónomos enquanto
não forem separadas da coisa principal — uma vez que, sobre aquilo que só existe como parte de
um todo mais vasto não podem constituir-se relações jurídicas com individualidade própria; e, por
outro lado, as coisas certas, determinadas e autónomas que, por um qualquer motivo, percam a
sua autonomia e passem a ser partes componentes ou integrantes de uma coisa principal deixam
de poder ser objecto de relações jurídico-reais autónomas, enquanto assim permanecerem (art.
408.º, n.º 2). Para maiores desenvolvimentos, v. supra.
68
Acessão, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 24.

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acrescer por efeito da Natureza. Veja-se, então, e a título de exemplo, o que se prevê
nos arts. 1328.º (aluvião).e 1329.º (avulsão)
Fala-se em acessão industrial quando, por facto do homem, se confundem
objectos pertencentes a diversos donos, ou quando alguém aplica o trabalho próprio a
matéria pertencente a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com
propriedade alheia. Como resulta do n.º 2 do art. 1326.º, conforme a natureza das
coisas a acessão industrial é mobiliária (arts. 1333.º e ss.) ou imobiliária (art. 1339.º e
ss.).

c) Usucapião (remissão para o estudo dos efeitos da posse)

d) Contrato (remissão para o estudo do princípio da consensualidade — art.


408.º, n.º 1).

e) Sucessão por morte: art. 2024.º

f) Outros modos
52. Para além dos “modos” de aquisição identificados no art. 1316.º, o
legislador menciona “os demais modos previstos na lei.” Entre outros, é o que se
prevê:
i. nos arts. 213.º e 1270.º sobre a aquisição de frutos naturais pelo possuidor de
boa fé (remissão para o regime dos frutos na posse);
ii. no art. 1551.º, n.º 1 (possibilidade de afastamento da servidão): “1. Os
proprietários de quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios
urbanos podem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio
encravado pelo seu justo valor”; “2. Na falta de acordo, o preço é fixado
judicialmente; sendo dois ou mais os proprietários interessados, abrir-se-á licitação
entre eles, revertendo o excesso para o alienante”; ou
iii. no n.º 4 do art. 1560.º (servidão legal de presa para o aproveitamento de
águas públicas): “se o proprietário do prédio fronteiro sujeito à servidão de
travamento quiser utilizar a obra realizada, pode torná-la comum, provando que tem
direito a aproveitar-se da água e pagando uma parte da despesa proporcional ao
benefício que receber.”

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7. Acções de defesa da propriedade

53. Quanto aos meios de defesa da propriedade, há que distinguir os meios


extrajudicias, dos judiciais.
São meios extrajudiciais de defesa da propriedade a acção directa (art. 1314.º)
e a legítima defesa (art. 337.º). São acções de defesa da propriedade a acção de
prevenção contra dano, a acção confessória, a acção negatória e a acção de
reivindicação.

a) Acção de prevenção contra dano


54. Cfr. arts. 1347.º (instalações prejudiciais), 1348.º (escavações), 1350.º
(ruína de construção); 1352.º (obras defensivas das águas).
Estas acções devem ser intentadas contra quem que seria responsável pelos
prejuízos caso estes viessem a verificar-se (ou seja, proprietário ou possuidor).

b) Accção confessória
55. “Esta ação permite ao proprietário obter o reconhecimento do direito de
propriedade que se tornou duvidoso por alguma circunstância.” “O nosso direito não
lhe faz qualquer referência, mas entende-se que se trata de uma acção declarativa de
simples apreciação.”69

c) Acção negatória
56. Acção para reagir contra actos de interferência ou de intromissão na coisa
que não conferem uma situação de posse ou de detenção.
Não mencionada no Código Civil português, ao contrário do que ocorre no
Código Civil italiano — art. 949 — e do Código Civil alemão — § 1004 —, mas cuja
admissibilidade nunca suscitou dúvidas a nível nacional, uma vez que se traduz num
procedimento imprescindível para tornar efectivo o poder de exclusão inerente a
qualquer direito real).

69 SANTOS JUSTO, p. 314.

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57. A acção negatória será intentada para que 1) seja declarada a inexistência
de qualquer direito na esfera jurídica do autor do acto que legitime a sua actuação
(função declarativa); 2) o autor da violação seja condenado a eliminar a situação
material, por si criada, que não se harmonize com o estatuto do direito real (função
reparadora). E, caso sejam de recear novos actos de violação, 3) que o demandado
seja condenado a abster-se de os consumar e, assim, a cumprir o dever a que está
vinculado (função preventiva).
Deste modo, se A decide, mesmo que convencido da legitimidade da sua
actuação, plantar eucaliptos no prédio do B, será perante este responsável,
nomeadamente sendo obrigado a arrancar as árvores plantadas e a indemnizar B pelos
danos daí recorrentes (se os houver). Isto porque o direito real de B se lhe opõe com
eficácia absoluta. Para obrigar A a eliminar a situação material contrária ao estatuto
do seu ius in re, B deverá intentar uma acção negatória, nos termos da qual requererá
ao tribunal que declare a inexistência do direito do A, o condene a arrancar os
eucaliptos e, receando novos actos de violação, a abster-se de qualquer acto que se
não compagine com o dever geral de abstenção que o onera.

58. Causa de pedir: como acção real, a causa de pedir é o facto jurídico de que
deriva o direito de propriedade.
Prova: aquisição originária — provam-se os factos que levaram à aquisição
Derivada — prova do direito do adquirente — prova diabólica.
Presunções (arts. 7.º CRPred e 1268.º, n.º 1 Código Civil)

59. Registo

d) Acção de reivindicação
60. Acção por meio da qual se reage a uma violação do direito de propriedade
que dê origem a uma situação de posse ou de detenção ilegítima da coisa por parte de
terceiro — cfr. art. 1311.º.
É a acção proposta para que o tribunal reconheça o autor como titular do
direito real e condene o ilegítimo detentor/possuidor à restituição da coisa.

61. Não há, pois, acção de reivindicação se o autor, estando na posse da coisa,
se limitar a pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade. Assim como

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também não há reivindicação se o autor pede a restituição da coisa, não por ser
proprietário, mas por ser possuidor. Como se sabe, o possuidor pode recorrer à acção
de restituição prevista no art. 1278.º, e, rigorosamente, nesta acção não se pede a
restituição da coisa, mas sim a restituição da posse. Por isso, pode a ela recorrer um
possuidor em termos de direito de propriedade para reagir contra um vizinho que
tenha aberto uma janela junto à linha divisória, desde que este exerça posse contrária
em termos de servidão de vistas. Ora, na mesma hipótese, caso o possuidor também
seja proprietário, não pode intentar uma acção de reivindicação, uma vez que,
obviamente, não foi privado da coisa, mas “apenas” da posse em termos de
propriedade plena.70

62. Nos termos do n.º 4 do art. 581.º CPCv a causa de pedir, na acção de
reivindicação, é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade.
Para obter a procedência da acção, o autor há-de demonstrar a titularidade do
direito real violado com a posse ou a detenção ilegítima do réu. Ou seja, o
reivindicante tem o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra
na posse ou na detenção do réu. Assim, se o autor invoca como título do seu direito
uma forma de aquisição originária da propriedade (v. g., ocupação, usucapião,
acessão), apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito. Mas, se a
aquisição é derivada, não basta invocar o acto translativo da propriedade, uma vez que
tal acto só é título aquisitivo quando o transmitente ou dante causa seja,
efectivamente, o titular do direito. O reivindicante terá de provar que o direito já
existia no transmitente, pois, só assim, o pode ter adquirido (é o princípio nemo plus
iuris ad alium transferre potest quam ipse habet) — prova essa que os autores
denominam de probatio diabolica.
O demandado para evitar a restituição da coisa pode: impugnar a titularidade
do direito que o reivindicante se arroga, alegando que a coisa pertence a outrem ou
que não pertence a ninguém (res nullius); pode contestar o seu dever de entrega, sem
negar o direito de propriedade ao autor, invocando uma relação (obrigacional ou real)
que lhe confira a posse ou a detenção da coisa (a título de usufrutuário, locatário,
etc.); pode defender-se, sendo caso disso, com alguma das situações especiais

70
Sobre a acção de restituição vide, por exemplo, HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, ob. cit., p.
126 e s., e ainda, para uma comparação com a acção de reivindicação e a acção negatória, idem, p. 177
e ss..

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previstas na lei (art. 1311.º, n.º 2) que lhe facultem o direito de retenção da coisa (arts.
754.º e 1323.º, n.º 4).

63. Como é evidente, a procedência de uma acção de reivindicação depende,


sempre, da identidade entre a coisa em relação à qual se invoca o direito de
propriedade e a coisa cuja restituição se solicita, cabendo ao autor o ónus da prova
dessa identidade, por se tratar de facto constitutivo do direito que sobre tal coisa se
arroga.

64. Em resumo, na acção de reivindicação, o autor — apoiando-se no poder de


sequela inerente aos direitos reais — invoca a sua titularidade, indica o facto jurídico
concreto de onde emerge essa aquisição e pede ao tribunal que reconheça o seu direito
e condene o réu que tem a coisa em seu poder a entregar-lha. Para que a acção seja
julgada procedente, o autor deve provar o facto aquisitivo do seu direito, bem como o
facto de o réu ter a coisa em seu poder.

65. Prazo: art. 1313.º


Relação com a característica da tendencial perpetuidade

66. Sendo uma acção real — salvaguardada a hipótese de o direito fundamento


da acção já estar publicitado —, a acção de reivindicação está sujeita a registo, nos
termos da al. a) do art. 3.º Cód.Reg.Pred., sem o qual não produz efeitos em relação a
terceiros.

67. Refira-se, por fim, que a acção de reivindicação pode ser usada, com as
necessárias adaptações, para defesa de outros direitos reais (art. 1315.º). Pelo menos,
daqueles cujo exercício implique a disponibilidade ou a posse da coisa sobre que
incidem (usufruto, superfície, direito real de habitação periódica, etc.). E que o direito
de natureza obrigacional que se exerce através de uma acção de reivindicação (direito
à entrega da coisa) deve considerar-se inseparável da titularidade do direito real a cuja
protecção se destina.71

71
Vide, porém, supra sobre compromisso de natureza obrigacional a não exercer a reivindicação.

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