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Boletim da SBNp - Atualidades em Neuropsicologia

05.21
www.sbnpbrasil.com.br

Doenças crônicas
e os impactos na
cognição
Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp)

Presidente Márcia Lorena Fagundes Chaves Membros da SBNp Jovem


Rochele Paz Fonseca Nicole Zimmermann Ana Carolina R.B.G. Rodrigues
Rodrigo Grassi-Oliveira Ana Paula Cervi Colling
Vice-presidente Andressa Hermes-Pereira
Annelise Júlio-Costa Conselho Fiscal Andreza Lopes
Laiss Bertola Elissandra Serena de Abreu
Tesoureira Geral Maicon Albuquerque Érika Pelegrino
Andressa Moreira Antunes Natália Martins Dias Luana Teixeira
Luciano da Silva Amorim
Tesoureira Executiva SBNp Jovem Lycia Machado
Beatriz Bittencourt Ganjo Monique Pontes
Presidente Ronielo Ribeiro
Secretária Geral Maila Rossato Holz
Caroline de Oliveira Cardoso
Vice-presidente
Secretário Executivo Giulia Moreira Paiva
Victor Polignano
Secretária Geral
Conselho delibetarivo Patrícia Ferreira
Deborah Amaral de Azambuja

02 Boletim SBNp, São Paulo, SP, v. 4, n. 5, p. 1-17, maio/2021


Expediente

Editora
Andressa Hermes-Pereira

Editora Assistente
Ana Paula Cervi Colling

Projeto gráfico e editoração


Luciano da Silva Amorim

Editada em: maio de 2021


Última edição: abril de 2021
Publicada em: maio de 2021

Sociedade Brasileira de Neuropsicologia

Sede em: Avenida São Galter, 1.064 - Alto dos Pinheiros


CEP: 05455-000 - São Paulo - SP
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Boletim SBNp, São Paulo, SP, v. 4, n. 5, p. 1-17, maio/2021

03
Sumário

05 REVISÃO HISTÓRICA
Doenças crônicas

14 REVISÃO ATUAL
Cefaleia, suas manifestações clínicas e alterações cognitivas:
Uma revisão atual da literatura

24 ENTREVISTA
Cefaleia e cognição

32 HANDS ON
A Necessidade de Avaliação neuropsicológica para acompa-
nhamento do paciente com Parkinson

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REVISÃO HISTÓRICA

Doenças crônicas
Luana Teireira Batista

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) as doenças crôni-


cas são um conjunto de condições relacionadas a múltiplas causas.
São caracterizadas por início gradual, prognóstico incerto, com longa
ou indefinida duração. Entre as condições crônicas estão as doenças
cerebrovasculares, cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias
obstrutivas, transtornos mentais, doenças neurológicas, desordens ge-
néticas, entre outras (OMS, 2005). Atualmente é um tema de grande
destaque, mas nem sempre foi assim. Abaixo segue uma breve revisão
de como o conceito foi sendo tratado ao longo da história.

Doenças crônicas até o século XX


Em Chronic disease in the twentieth century, Weisz (2014) discute que
os primeiros tratados médicos, do período greco-romano, eram abran-
gentes e dividiam as doenças entre agudas e crônicas. Aretaeus, o
Capadócio (segundo século DC) descreveu as doenças crônicas res-
saltando o longo período da doença, a dor crescente e a recuperação
incerta. Outros médicos, minimizaram as diferenças entre os conceitos
de doença aguda e crônica devido ao fato de uma doença aguda poder
se tornar crônica (Weisz, 2014).

Antes do século XIX, as doenças eram pensadas como perturbações e


desequilíbrios individuais. William Cadogan propôs que a gota e todas
as doenças crônicas eram resultados da “indolência, intemperança e
vexame.” Mais tarde, outras doenças foram atribuídas ao temperamen-
to e práticas inadequadas de higiene. Muitos médicos destinavam as
doenças crônicas apenas um tipo de tratamento, como se as doenças
tivessem a mesma origem (Weisz, 2014).

Apesar disso, alguns médicos do século XIX, começaram a distinguir

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entre a variedade de condições que existiam: condições causadas por


lesões orgânicas, por uma predisposição constitucional ou por uma cau-
sa externa, formas simples e formas complexas causadas pela coexis-
tência de fatores, condições curáveis e que responderam ao tratamento
etc. No século XVIII e XIX, centenas de livros foram publicados sobre
doenças crônicas. Isso sugere que a taxa de mortalidade por doenças
crônicas era mais alta do que as estatísticas oficiais (Weisz, 2014).

No século XX, o conceito ainda permanecia impreciso, mas gradu-


almente adquiriu um novo significado para saúde pública. De 1935 a
1936 o Serviço de Saúde pública dos Estados Unidos realizou um sen-
so para determinar a incidência de doença crônica e deficiência. Em
1955 surgiu um periódico sobre doenças crônicas, o “Jornal of Chronic
Disease”. De 1970 em diante o termo foi sendo menos associado a po-
breza e incurabilidade. Para os historiadores e sociológos, o interesse
pelo conceito ao longo do século reflete a mudança nos padrões de do-
ença no mundo: o aumento da capacidade de prevenção de doenças
infecciosas. No século XX, muitos que sofriam de doenças infecciosas
podiam sobreviver mais e com melhor tratamento (Weisz, 2014).

Doenças crônicas no século XXI


Já no século XXI muitas mudanças na preocupação com as doenças
crônicas ocorreram. Atualmente, existem grandes setores de políticas
de saúde, onde os profissionais estão em contato, lendo a mesma lite-
ratura e compartilhando ideias. Se antes, o cuidado era direcionado ao
individuo existe agora um olhar para a comunidade (Machado, 2006).
O desenvolvimento científico e tecnológico aumentou a expectativa de
vida, levando a população ter um maior risco de desenvolver doenças
crônicas. No Brasil, A população também passou por transformações
nas formas de trabalho, produção e consumo o que modificou as condi-
ções de saúde da população (Malta et. al., 2006).

Prevê-se que as doenças crônicas sejam a causa de 35 milhões de


mortes no mundo. Esse é um número crescente e chega a ser o dobro
da estimativa combinada de todas as doenças infecciosas*. Estima-se
que 60% das mortes no mundo sejam causadas por doenças crônicas.
Dessas mortes, 16 milhões são em pessoas com menos de 70 anos
de idade e 80% acontecem em países de baixa e média renda (OMS,
2005).

A crescente demanda das doenças crônicas é preocupação mundial e

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representa um grande desafio para a saúde pública (Machado 2006).


Atualmente as doenças crônicas continuam sendo o que foi mostrado
ao longo da história: um conjunto de condições heterogêneas, com uma
ampla variedade de fatores que tem grande impacto social e coletivo.

* dados coletados antes da pandemia da COVID-19.

Referências

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cas não transmissíveis no contexto do Sistema Único de Saúde. Epidemio-
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Weisz, G. (2014). Chronic disease in the twentieth century: a history. JHU


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REVISÃO ATUAL

Cefaleia, suas manifestações


clínicas e alterações cognitivas:
Uma revisão atual da literatura
Monique Castro-Pontes & Patricia da Silva

EDor crônica é um dos principais motivos de busca por atendimento


médico e são causas comuns de diminuição da produtividade e inca-
pacitação do paciente (Dahlhamer et al., 2018). Com base nisso, as do-
res crônicas impactam negativamente a qualidade de vida (Smith et al.,
2001) e desse modo, associadas a sintomas de ansiedade e depressão
(Castro et al., 2011). As dores crônicas mais frequentes são as dores de
cabeça, pois ainda estão relacionadas a outras patologias.

Com isso, dificilmente a dor de cabeça passa despercebida. Classifi-


cada como uma das doenças crônicas mais comuns e atinge cerca de
9 a 35% da população mundial, causando prejuízos significativos nas
atividades de vida diária (Saylor & Steiner, 2018). Apesar dessa ser de
muito conhecimento da população em geral, a dor de cabeça é uma das
doenças neurológicas mais complexas devido à dificuldade do diag-
nóstico bem estabelecido, diferentes manifestações e variações clíni-
cas além das comorbidades a outros diagnósticos.

Historicamente, o diagnóstico das cefaleias era descrito a partir de va-


riações clínicas vagas, com critérios apenas para frequência e duração
da dor de cabeça. A partir de 2004, a Classificação Internacional dos
Distúrbios da Cefaleia (ICHD-2, 2004) foi revisada e atualizada poste-
riormente em 2013, sendo estabelecidos critérios mais definidos e de-
limitado à caracterização clínica, visando a efetividade do diagnóstico e
tratamento nesta população (Olesen et al., 2013).

Neste contexto, a premissa para o diagnóstico e classificação desse


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quadro é distinção entre causa primária e secundária. A investigação


e classificação devem, necessariamente, descartar outras condições
secundárias que podem estar causando este quadro. As cefaleias pri-
márias são identificadas pela frequência baixa a moderada (com frequ-
ência menor do que 15 dias com dor de cabeça), ou dor de cabeça “epi-
sódica” e de alta frequência ou dores de cabeças crônicas diárias (mais
de 4 horas por dia). Dentre os transtornos relacionadas a ela estão (a)
enxaqueca (migranea), (b) cefaleia tipo tensional (c) cefaleia trigeminais
autonômicas (Joubert, 2005; Olesen et al., 2013; Ravishankar, 2016).

Nas cefaleias secundárias, outros diagnósticos apresentam este sinto-


ma ou manifestação devido a diversos fatores. As alterações que podem
gerar a cefaleia podem ser desde prejuízos visuais (como estrabismo,
glaucoma), nariz e seios nasais (sinusite crônica, rinite), arcada dentária
(absesso dentário, oclusão), até as alterações na coluna cervical e nos
nervos cranianos. Além disso, pode estar associada a quadros de le-
sões adquiridas, como as doenças vasculares intracranianas (trombo-
se, aneurisma cerebral, acidente vascular cerebral), distúrbios de pres-
são intracraniana (aumento da pressão intracraniana); e a quadros de
infecções, como as infecções intracranianas (encefalite, meningite) ou
outros tipos de infecção (gripes, malária), e por fim, a avaliação do uso/
abuso de medicações pode causar esse quadro de cefaleia secundária
crônica (Olesen et al., 2013; Ravishankar, 2016; Saylor & Steiner, 2018).

As dores oriundas da cefaleia, sendo primárias ou secundárias, trazem


consigo diversos prejuízos na qualidade de vida e funcionalidade. Em
um estudo, Monteiro (2006) classifica estes prejuízos como diretos e
indiretos. O primeiro refere-se ao prejuízo funcional, ao bem estar sub-
jetivo, e dificuldades na carreira laborativa. Os prejuízos indiretos estão
ligados às questões sociais, como a baixa na produtividade, impacto no
ambiente familiar e social (como isolamento, dificuldade de socializa-
ção devido às dores) e aumento dos gastos para custear tratamento e
medicação. Em pacientes diagnosticados com um tipo específico de
cefaleia, a enxaqueca apresenta comorbidade com alterações psiqui-
átricas, como depressão e ansiedade. Os sintomas moderados de de-
pressão apresenta-se em cerca de 18% em pacientes com enxaqueca
em comparação com 7,4% da população geral (Galego, Cipullo, Cordei-
ro, & Tognola, 2004).

Embora os déficits cognitivos não estejam entre a sintomatologia da


cefaleia primária, muitos pacientes queixam-se de dificuldades cog-

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nitivas associadas à cefaleia e/ou enxaqueca. Dentre as queixas mais


frequentes, alguns estudos referem maiores queixas de atenção (con-
centração), funções executivas (alternar e controlar impulsos e resolu-
ção de problemas) e memória (aprendizagem de conteúdo) (Martins,
Gil-Gouveia, Silva, Maruta, & Oliveira, 2012; Silva & Teixeira, 2008).
Um estudo longitudinal de coorte na Nova Zelândia investigou a asso-
ciação de cefaleia (cefaleia tensional e enxaqueca) à alterações cogni-
tivas. Neste estudo (n=980), os autores investigaram o desempenho
em tarefas cognitivas (habilidades motoras, visuoespaciais e de lingua-
gem verbal) nos participantes dos 3 aos 13 anos de idade. Ao longo do
tempo, dividiram esta amostra de acordo com a manifestação da dor de
cabeça (cefaleia tensional, migrânea e sem nenhum desse sintoma). Os
resultados apontaram que o grupo com cefaleia tensional apresentou
um desempenho menor em tarefas verbais, mas sem diferenças signifi-
cativas, quando comparado ao grupo controle (Smith et al., 2001).

Outro estudo transversal aponta que pacientes com enxaqueca pare-


cem apresentar desempenho abaixo do esperado em habilidades exe-
cutivas, incluindo memória de trabalho, flexibilidade cognitiva e altera-
ção no processamento de recursos visuais. Enquanto pacientes com o
quadro de migranea episódica e crônica apresentaram prejuízos da me-
mória de trabalho, atenção, linguagem e escolha de estratégia. Por sua
vez, pacientes com migranea parecem apresentar pior desempenho em
tarefas de memória verbal, de memória visual e de funções executivas,
em períodos livre de dor (Martins et al., 2012).

Por fim, a presente matéria teve como objetivo esclarecer a importância


de compreender melhor a cefaleia e a relação com aspectos cognitivos,
que devem ser considerados na prática neuropsicológica. Compreen-
der sintomas de dor na anamnese pode ajudar a entender períodos mais
críticos de dificuldades cognitivas e aspectos emocionais que podem
se associar. Ainda há poucos estudos que investigam a relação entre os
aspectos cognitivos e a cefaleia e suas diferentes manifestações. Por
isso, faz-se necessário a identificação mais clara dos sintomas e classi-
ficações da cefaleia e estudos que associem possíveis alterações cog-
nitivas e relações anatomoclínicas. A partir disso, podemos pensar em
práticas de reabilitação neuropsicológica e terapias que considerem es-
ses aspectos que por vezes podem passar ser a devida atenção. Outro
aspecto para finalizar, é a prática neuropsicológica atrelada a multidisci-
plinaridade, para tratamentos efetivos combinados com neurologistas.

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Referências

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Olesen, J., Bes, A., Kunkel, R., Lance, J. W., Nappi, G., Pfaffenrath, V., … Wöber-
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ENTREVISTA

Cefaleia e cognição
Monique Castro-Pontes & Patrícia da Silva

Entrevistada: Dra. Daiana Paola Perin


Médica formada pela Universidade do Vale do Itajaí (2014/1). Neu-
rologista (RQE 34959) pelo Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre
- RS. Pós Graduação em Neurologia Vascular pelo Hospital Moinhos
de Vento, Porto Alegre - RS. Realizando especialização em Cefaleia e
Neuropsiquiatria/Neurologia cognitiva no Hospital de Clínicas de Por-
to Alegre - RS. @neuro.daianaperin

As dores de cabeça são comumente conhecidas e dificilmente alguém


não a sentiu em algum momento da vida. Essas dores são diversas e
podem estar associadas diretamente a problemas neurológicos como
as enxaquecas ou ainda, podem estar associadas a outros quadro de
doença, como infecções. Essas dores podem ter um alto impacto na
qualidade de vida, saúde mental e na cognição das pessoas.

Pessoas que sentem dores de cabeça do tipo migrânea, apresentam


queixas frequentes de memória. Estudo que envolvem pacientes com
e sem migrânea, apresentam resultados de piores resultados nos testes
de funções executivas, memória verbal e visual (Martins, Gil-Gouveia,
Silva, Maruta, & Oliveira, 2012; Silva & Teixeira, 2008). As cefaleias do
tipo tensional ainda não apresentam resultados consistentes, isto por-
que, podem ser mais subnotificadas.

Um estudo de revisão associou cefaleia com demência e encontraram


resultados significativos que faziam relação positiva. Ou seja, não raro
associar histórico de migrânea com demência em idosos. Essa relação
ainda não está bem estabelecida na literatura, pois pode haver relação
com o impacto na cognição além do uso de medicação para alívio das
dores (Sharif et al., 2021). Esses achados podem estar relacionados
a polifarmácia, que tem aumentado muito para tratamento de idosos.
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Comprometimento cognitivo é um efeito adverso da polifarmácia que


deve ser observado (Niikawa et al., 2017). Portanto, o tratamento para
dores crônicas em idosos ainda requer maior atenção.

Com base nesses achados, a SBNp Jovem convidou a Dra. Daiana Pa-
ola Perin - Neurologista cefaliatra para esclarecer alguns pontos impor-
tantes sobre cefaleia.

As dores de cabeça são múltiplas e com frequência há equívocos


sobre diferenças. Gostaria que nos explicasse as diferenças entre
essas dores.
Primeiro, é importante esclarecer que cefaleia é sinônimo de dor de ca-
beça e que a enxaqueca é um dos 200 tipos de cefaleia que existem,
estando entre as maiores causas de incapacidade no mundo! Para ter
uma ideia, a enxaqueca representa 18,5 milhões de anos perdidos por
causa das limitações físicas e mentais que provoca. Já a cefaleia tipo
tensão é a mais comum das dores de cabeça. As duas tem caracterís-
ticas específicas que permitem ao médico diferenciá-las e tratar ade-
quadamente.

Ainda sobre os tipos, podemos classificar as cefaleias em primárias e


secundárias. As primárias são aquelas cujo sintoma é a própria doença
e as secundárias são provocadas por algum outro motivo. Isso é impor-
tante porque nos atenta aos casos nos quais são necessários exames
para prosseguir investigação.

Quais são os perigos a automedicação pode oferecer a quem tem


cefaleia?
Os perigos da automedicação estão relacionados, entre outros, aos
efeitos colaterais possíveis, reações adversas que poderiam ser evita-
das com a orientação médica, à interação medicamentosa, principal-
mente nos pacientes que usam mais de uma medicação, e à cefaleia
por uso excessivo de analgésicos. Esta é uma entidade muito comum
porque existem vários analgésicos de venda livre, ou seja, sem neces-
sidade de receita, facilmente disponíveis nas farmácias. A cefaleia por
uso excessivo de analgésicos é difícil de tratar, pois para se livrar des-
sa “dependência” a pessoa precisa cessar por completo o uso daquela
medicação, pelo menos por 3 meses.

A enxaqueca é mais frequente em mulheres. E ainda há uma rela-

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ção com ciclo menstrual. Por que isso ocorre?


É importante salientar, inicialmente, que a causa da enxaqueca é gené-
tica, se trata de uma doença crônica que não tem cura, mas tem trata-
mento. Sim, ela é mais comum em mulheres e o que se sabe é que há
uma relação com a variação hormonal durante o ciclo menstrual. A que-
da do hormônio estrogênio é que desencadeia o sangramento mens-
trual e essa variação parece ser responsável também pelas crises de
dor de cabeça. É por isso também que, durante a gestação, pode haver
melhora no número de crises de enxaqueca, já que a partir do segundo
trimestre os níveis de hormônios ficam estáveis. Quando o bebê nasce,
ocorre outra reviravolta hormonal que, somada à privação de sono e de-
mandas do puerpério, pode desencadear as crises novamente.

Situações e períodos de alto estresse, ansiedade e/ou depressão


intensificam o quadro de cefaleia? Nesses momentos de tanta
tensão e estresse, quais as dicas você nos dá para lidar com a ce-
faleia?
No mundo em que vivemos, com preocupação e estresse constan-
tes, não é à toa que a cefaleia tipo tensão é a mais comum no mundo.
Com certeza, fatores emocionais são gatilhos e podem se relacionar a
um aumento no número de dias de dor por mês, principalmente no que
se refere à cefaleia crônica. Para entendermos um pouco sobre o que
acontece: durante episódios de estresse, há aumento da produção de
glicocorticoides, pela ativação do sistema autonômico e neuroendó-
crino e isso pode desencadear crises de enxaqueca. Se não tratamos
os transtornos de humor, por exemplo, o resultado do plano terapêu-
tico pode ser prejudicado. Aí vão algumas dicas para lidar com a ce-
faleia tipo tensão: utilizar o analgésico adequado conforme prescrição
médica; praticar atividade física regular (durante a crise de cefaleia tipo
tensão, pode aliviar a dor e faz parte do tratamento profilático da enxa-
queca); praticar meditação regularmente.

A higiene do sono e hábitos saudáveis podem nos auxiliar na qua-


lidade de vida pensando em diminuir a frequência de enxaqueca?
Não só podem auxiliar como fazem parte do tratamento profilático das
dores de cabeça. Sabe-se que tanto dormir demais como dormir de
menos podem ser gatilhos para crise de enxaqueca. Também se sabe
que comer saudável, evitando longos períodos em jejum e evitando ali-
mentos ultra processados pode diminuir as chances de ter crises. Não
posso deixar de salientar a atividade física regular (150min/semana)
com um hábito saudável que faz diferença no tratamento da enxaqueca,

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além de prevenir muitas outras doenças como demências e AVC.

Os quadros depressivos e ansiosos aumentam a frequência de


crises e a intensidade da dor na cefaleia. Além do tratamento psi-
cológico para os sintomas, quais são as indicações de hábitos e
rotinas para pacientes com a cefaleia com esses sintomas de an-
siedade e depressão?
É importante que os pacientes organizem a sua semana de modo a ter
um tempo, além do trabalho, para o descanso e o lazer. Cuidar de si tam-
bém é se permitir ler um livro que goste, cultivar uma horta ou apreciar
uma boa música. Seja lá qual atividade lhe dá prazer, permita-se! É co-
mum que pacientes com ansiedade e depressão tenham alteração no
padrão de sono. Para melhorar, além de seguir os passos de higiene do
sono, bem conhecidos como um dos melhores tratamentos para insô-
nia, sugiro a procura por acompanhamento de um profissional que ava-
lie a necessidade de usar alguma medicação.

No tratamento da dor crônica, tem-se uma piora na qualidade de


vida e no funcionamento nas atividades diárias. Neste sentido, a
cognição também sofre algum tipo de impacto com a cefaleia/en-
xaqueca?
Assim como os sintomas de depressão e ansiedade, a dor crônica tam-
bém é documentada como fator agravante de alterações cognitivas.
Quem sofre com um incômodo constante tem dificuldade de concen-
tração e atenção, o que está intimamente relacionado ao processo de
armazenamento da memória.

Quais são as principais queixas cognitivas e emocionais relatadas


pelos pacientes?
É comum que os pacientes com cefaleia crônica tenham outra comor-
bidade associada. As principais queixas estão relacionadas com difi-
culdade de concentração e atenção. Durante as crises de enxaqueca,
muitos pacientes ficam incapacitados para realizar suas atividades e
precisam parar qualquer coisa que estiverem fazendo, tamanha a inten-
sidade da dor. Como os episódios são imprevisíveis, medo e inseguran-
ça também podem abalar emocionalmente os pacientes.

O que se sabe de pacientes com cefaleia (crônica ou não) em re-


lação ao desempenho cognitivo? Existe algum estudo que relata
piora no desempenho cognitivo e funcional nesta população com
cefaleia?

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Sabe-se que a enxaqueca se caracteriza como uma doença que tem


pródromos e pós dromos bem caracterizados. A fase que antecede a
dor já pode apresentar sintomas prejuízo cognitivo, dificuldade de fala
(encontrar palavras durante o discurso) e de leitura. Um estudo pros-
pectivo transversal avaliou pacientes através de um questionário aberto
e revelou que cerca de 89% dos pacientes com enxaqueca sem aura
afirmaram ter, durante a fase de dor, sintomas cognitivos e mudanças
de humor. Essa frequência é semelhante a náusea e fotofobia, que fa-
zem parte do diagnóstico de enxaqueca! Dos sintomas cognitivos, os
que são mais relatados se referem à disfunção atencional ou executiva,
prejuízo de concentração e dificuldade de raciocínio. Apesar de se sa-
ber que, em estudos envolvendo neuroimagem durante todas as fases
da crise de enxaqueca, foi demonstrada uma ativação consistente das
regiões corticais posteriores, que atendem às funções visuoespaciais,
os pacientes não costumam queixar disso.

Referências

Martins, I. P., Gil-Gouveia, R., Silva, C., Maruta, C., & Oliveira, A. G. (2012). Mi-
graine, headaches, and cognition. Headache, 52(10), 1471–1482. https://doi.
org/10.1111/j.1526-4610.2012.02218.x

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derly Japanese population residing in an urban community. Geriatrics and Ge-
rontology International, 17(9), 1286–1293. https://doi.org/10.1111/ggi.12862

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(2021). Headache - A Window to Dementia: An Unexpected Twist. Cureus,
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Silva, M., & Teixeira, A. (2008). Neuropsicologia das cefaléias. Migrâneas Ce-
faléias, 11(2), 114-117.

16 Boletim SBNp, São Paulo, SP, v. 4, n. 5, p. 1-17, maio/2021


05.21

HANDS ON

A Necessidade de Avaliação
neuropsicológica para
acompanhamento do paciente
com Parkinson
Érika Pelegrino

Já pensou na possibilidade de preparar cuidador e familiares para o se-


guimento de doenças crônicas? Sim, essa é uma atribuição que o neu-
ropsicólogo pode assumir e que faz toda diferença na qualidade de vida
da família do paciente. Com apoio da Avaliação Neuropsicológica, tanto
no pré, quanto no pós cirúrgico, desenvolver cuidados para os acometi-
dos por Doença de Parkinson é uma forma de evitar o adoecimento psí-
quico em paralelo ao curso da doença crônica. É sobre isso que conver-
saremos no Hands On deste mês, associe-se a SBNp e venha conferir.

Boletim SBNp, São Paulo, SP, v. 4, n. 5, p. 1-17, maio/2021 17

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