Você está na página 1de 9

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS, TEÓRICOS

E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL I

MARY RICHMOND E O CONCEITO DE


DIAGNÓSTICO SOCIAL

-1-
Olá!
Ao final desta aula, o aluno será capaz de:

1. Reconhecer o significado que Mary Richmond teve como precursora do Serviço Social;

2. descrever o conceito de diagnóstico social como base do Serviço Social de Casos proposto por Mary Richmond;

3. identificar as principais críticas feitas à produção teórico e metodológica de Mary Richmond.

1 Serviço Social
Quais as fontes teóricas e metodológicas do Serviço Social?

Onde se inicia o processo histórico social de produção dos conhecimentos profissionais?

Estas questões foram colocadas aqui, no início desta aula, para você refletir sobre os precursores do Serviço

Social e a gênese da cientificidade profissional.

A ideia de tratar as múltiplas expressões das questões sociais de forma individualizada iniciou-se com o trabalho

de assistência a pessoas necessitadas.

Dentre estes trabalhos, se destacam o trabalho de São Vicente de Paulo, nos séculos XVI e XVII e o de Ozanam,

no século XIX, através da arte de visitar os pobres que possibilitaram a individualização dentro da própria

família.

Gordon Hamilton (1987:39) assinala que os sistemas usados na Alemanha, nos séculos XVIII e XIX, orientaram-

se mais no sentido da repressão à mendicância do que no estudo do problema individual; não obstante,

forneceram dados sobre as condições sociais e sobre o comportamento humano.

Acrescenta a autora, que foi Mary Richmond quem apresentou a primeira tentativa de trabalhar cientificamente

o que na época se definiu Serviço Social de Casos, isto é, casework, análise da situação social.

2 Mas quem foi Mary Richmond?


Mary Richmond é considerada uma precursora e pioneira do Serviço Social. Nasceu em Belleville, Estado de

Illionois, Estados Unidos da América, em 1861. Seus pais mudaram-se para Baltimore onde, pouco tempo depois,

ambos morreram de tuberculose. Mary foi educada pela avó e pela tia. Estudou até os dezesseis anos e, ao

completar o curso secundário, mudou-se com a tia para New York.

-2-
O ambiente onde viveu com sua tia era composto de pessoas que professavam ideias liberais e agiam em favor de

vários movimentos reivindicadores da época: votos das mulheres, liberdades sindicais, igualdade de religião e

raça, entre outros.

Nem sempre Mary concordava com este extremismo e, por isso, era considerada conservadora. Como sua tia

adoeceu, Mary teve que retornar para Baltimore. Foi nesta época que conseguiu um emprego na Sociedade das

Caridades Organizadas, C.O.S, daquela cidade. Sua eficiência nos trabalhos desenvolvidos nesta instituição fez

com fosse promovida ao cargo de Secretária Geral da Organização.

Nos seus trabalhos, Mary Richmond sentiu a necessidade de preparar pessoal para os trabalhos sociais e, na

Conferência Americana em Toronto, em 1897, sugeriu a criação de um curso que tivesse este objetivo.

No ano seguinte, sua proposta se concretizou através de um curso de verão, que deu origem à primeira escola de

Serviço Social em Nova York. Em 1918 a Escola de Filantropia passou a ser denominada como “Escola de Serviço

Social” e Mary Richmond ocupou a cátedra de Serviço Social de Casos.

SMAS - Secretaria Municipal de Assistência Social

CRAS - Centro de Referência da Assistência Social Mary Richmond

2.1 Produção Teórico-metodológica de Mary Richmond

1899

The Friendly Visiting Among the Poors (Visitação amigável aos pobres), no qual se sugeriam orientações aos

voluntários que faziam as visitas domiciliares para as obras socais.

1909

The good Neighbour in the Modern City (O bom vizinho numa cidade moderna) – o objetivo desta obra era

informar de forma simples o que era o Serviço Social.

1928

Até a sua morte, neste mesmo ano, Mary Richmond trabalhou no Departamento de Organização da Caridade da

Fundação Russerl Sage e, durante este período, escreveu suas obras mais importantes:

• Social Diagnostic (1917)

• What is Social Caseworker? (O que é o Serviço Social de casos?) - 1922

• Child Marriage (Casamento de Menores) – 1925

Mary Richmond viveu num ambiente dominado pelas ideias de Auguste Comte, ou seja, pelo Positivismo, o que

deu ao seu discurso uma impressão de veracidade, não observado em outras obras da época que se destinavam à

busca de um trabalho científico para a caridade. (VIEIRA,1984).

-3-
2.2 O Conceito de Diagnóstico Social

Baseando-se nas ideias de Auguste Comte, os livros de Richmond têm a pesquisa como base para o diagnóstico

social e, no seu método, o processo de tratamento compreende:

Compreensão da individualidade e das características pessoais.

Compreensão dos recursos e das influências do meio social.

Ação direta da mentalidade do assistente social sobre a de seu cliente.

Ação indireta exercida pelo meio social revelando-se a habilidade profissional.

A combinação desses quatro momentos.

Com base neste método as características pessoais, os recursos e a influência do meio são alcançados por meio

da investigação e de seu produto: o DIAGNÓSTICO SOCIAL.

Trabalha-se com materiais que são o encadeamento e a trama da vida cotidiana e, sendo o assistente social o

artífice das relações sociais, deve ser capaz de descobrir os significados e as novas possibilidades dessas

situações familiares, das quais todos participamos; deve encontrar os meios de estímulo nas mentalidades

reprimidas pelos costumes ou pelas circunstâncias; é necessário ver na pessoa no momento presente e captar o

que influi nela, para que seja como é. (Kisnerman, 1980:13).

-4-
Richmond indica que seu ponto de partida em suas produções teóricas é o estudo de centenas de “casos”

realizados diretamente por ela ou por outros profissionais. No prefácio do “Social Diagnostic”, a autora observa:

“Pareceu-me logo que não podia haver objetivo ou método que pudesse ser característico e exclusivo deste

campo de trabalho, pois que, em última análise, os objetivos e métodos de solucionar casos sociais eram ou

deveriam ser os mesmos, qualquer que fosse o tipo de necessidade a ser atendida, seja um paralítico sem

moradia, uma criança abandonada ou uma viúva com filhos pequenos e sem recursos” (RICHMOND,1917).

3 Casework - Trabalho de Casos (Trabalho Social com


Indivíduos)
Cada tipo de caso pedia procedimentos específicos, mas o que precisava descobrir era o que estes tinham em

comum e concreto;

Para estabelecer esta base genérica, Mary Richmond partia da realidade e não de ideias morais ou sentimentos

emocionais. Apoiou-se sobre as situações do momento.

O êxito do método - a solução do problema – dependia em grande parte da primeira etapa – a compreensão da

situação.

Os procedimentos empregados por Richmond para investigação deviam observar os fatos – pensamentos ou

eventos – que podem ser afirmados com certeza, que podem ser comprovados e, para isso, procurar a

“evidência”.

-5-
Evidência social – todos os fatos relativos à história pessoal e familiar do cliente que, tomados em conjunto,

indicam a natureza da dificuldade e os meios de solucioná-la. A autora afirma que “uma evidência pode não

parecer importante, mas junto com outras tem um efeito cumulativo”.

Ao examinar as evidências, surge, então, as “inferências”: processo de raciocínio, no qual se dá a passagem de

fatos conhecidos para os desconhecidos.

A inferência pode ser considerada como uma hipótese que surge imediatamente da própria experiência.

O diagnóstico não é apenas um resumo ou um somatório de problemas; deve incluir uma descrição geral da

dificuldade, das circunstâncias e da personalidade que diferencia aquele caso de outros.

4 Casework: Conceito de Caso Social


O método do case estudie ou “estudo de casos” é definido como “uma abordagem, ao mesmo tempo global e

detalhada de uma situação, de um indivíduo, ou seja, procura-se saber tudo o que é específico para depois

generalizar e até prever.

O primeiro cientista deste método foi Frederic Le Play (1806 – 1882) ao estudar a vida dos trabalhadores

europeus.

O estudo de caso emprega grande número de técnicas, desde a observação participante, à entrevista, à análise de

documentos privados.

Mary Richmond empregou o termo “case” para o estudo individual do cliente.

Como reação aos médicos e juristas que se referiam àqueles com quem mantinham uma relação profissional

como “casos”, Richmond define o CASO SOCIAL como:

Cliente

Termo designado para as pessoas com as quais se realizava o estudo de casos.

Caseworker

Designação proposta para os profissionais – trabalhadores de casos.

Personalidade

Neste método, a abordagem do assistente social vai ao indivíduo através do seu ambiente, e um ajustamento

deve ser realizado de indivíduo a indivíduo, entre este e seu ambiente social. Richmond denominou estes

processos de:

-6-
É nossa personalidade que aproxima os seres humanos, não apenas nosso ‘socius’, nosso irmão - mas também de

todas as comunidades e instituições que ele criou. Embora a personalidade não mude, ela incluiu qualidades

tantas e adquiridas que se encontram em constante mudança.

O campo do “trabalho social de casos” é o “desenvolvimento da personalidade” pelo ajustamento consciente e

compreensivo das relações sociais. Neste campo, o assistente social tanto se ocupa com as anormalidades do

individual, como das de seu ambiente: não pode negligenciar nem um, nem outro. (Richmond, apud VIEIRA,

1984, p. 79).

Insight
• Compreensão da individualidade.
• Compreensão do ambiente.
Atos
• Influência direta ou indireta sobre o cliente.
Richmond sintetizou este processo em quatro etapas:

1. “Insight” sobre o indivíduo e suas características pessoais;

2. “Insight” sobre os recursos, perigos e influências do ambiente social;

3. Ação direta sobre o pensamento do cliente;

4. Ação indireta através do ambiente social.

Segundo Vieira (1984:83), Mary Richmond achava que a sociedade não é apenas o espaço onde a personalidade

se desenvolve, mas também a sua origem; que a constituição mental do homem é a sede de suas qualidades e de

suas experiências: tem vida, cresce e muda; é capaz de receber influência de fora tanto do Bem como do Mal.

5 Técnicas
Como os clientes são diferentes um dos outros, o assistente social emprega técnicas diferentes. Quando o

desajustamento é individual, um tipo de técnica é utilizado, se for, no entanto, ambiental e social, outro será

necessário, e ambas usadas ao mesmo tempo, quando se tratar de uma personalidade perturbada numa situação

desfavorável.

“Quanto mais complicados forem os mecanismos da sociedade¸ quanto mais organizado for o indivíduo, quanto

mais delicado será, em qualquer circunstância, a tarefa do reajustamento. Para isso, é necessário o assistente

social descobrir os interesses mais importantes do cliente e utilizá-los para reconstruir a conexão com a

sociedade. Partindo do seu próprio interesse, o cliente não terá dificuldade em cooperar para encontrar a

solução (RICHMOND, apud. VIEIRA, 1984 p. 83)”.

-7-
5.1 Entrevista

Técnica básica usada por Richmond. Para a realização da entrevista, Mary Richmond aponta as seguintes

recomendações:
• A entrevista deve ser uma conversa clara e paciente;
• A construção de entendimento mútuo entre o assistente social e o cliente;
• Fomentar o desenvolvimento da autoajuda e da confiança em si mesmo.
Embora assinale que “não é aconselhável tomar notas durante a entrevista, indica que isto depende da situação

no qual ela transcorra”.

Sobre os questionários ou entrevista, Richmond assinala o perigo de se classificar as pessoas, incorrendo desta

forma em padronizações.

5.2 Interpretação dos Dados

Quando se analisa ou interpreta os dados, chega-se ao diagnóstico, o qual “não só deve definir, claramente, as

dificuldades, como também revelar aqueles elementos da situação que poderão chegar a ser obstáculos ou

aqueles que poderão ajudar o tratamento”. (RICHMOND apud VIEIRA, p. 15).

A maneira de se fazer o sumário do diagnóstico pode ter diversas formas, segundo a especificidade do trabalho,

mas geralmente deve-se incluir:


• A definição das dificuldades;
• a lista dos fatores causais que se relacionem com as dificuldades;
• a enumeração dos elementos disponíveis e os riscos que devem ser reconhecidos com o tratamento.

6 Críticas ao Método De Mary Richmond


O método Serviço Social de Casos apresenta uma visão focalista, não considera a totalidade da realidade social e

a função que a profissão exerce frente à síntese das lutas sociais que confluem num projeto político-econômico

da classe hegemônica de manutenção do sistema. (MONTÃNO, 2007, p. 33).

A profissão deve ser compreendida como um produto histórico, e não como um desenvolvimento interno das

formas de ajuda, descontextualizadas ou apenas, no melhor dos casos, inserida numa realidade social; ela é

produto e reprodutora das relações sociais. Seu significado social depende da dinâmica das relações entre as

classes e destas com o Estado (IAMAMOTO, 1999, p. 2-3).

O Serviço Social não é apenas uma possibilidade, não se cria a partir de si mesmo, não surge somente com a

evolução das ações que os filantropos tentaram imprimir às suas práticas. Ele é dinamizado e estimulado pelo

projeto conservador que contempla as reformas dentro do sistema (NETTO, 1992, p. 25).

-8-
Contribuiu para que a correlação entre o Serviço Social e a ideologia dominante se materialize através da

intervenção profissional.

O conceito de “cliente” reforça o assistencialismo, uma vez que se refere a pessoa que recebe a ajuda do

assistente social. Coloca o usuário na condição de tutelado pelo Serviço Social.

O Serviço Social de Casos, tal como foi proposto por Richmond, se vinculou aos interesses da classe e ideologia

dominante, pois exerce uma forma de controle sobre o social, sem alterar a correlação de forças existente.

7 Organizando o Estudo
Serviço Social de Caso, segundo Mary Richmond:
• Relação íntima entre a adaptação do indivíduo e o melhoramento das condições sociais.
• “A arte de ajudar as pessoas a ajudarem-se a si mesmas, cooperando com elas a fim de beneficiá-las e, ao
mesmo tempo, à sociedade em geral”. (RICHMOND, The long View, p. 374)
• “Processo pelo qual se desenvolve a personalidade, através de ajustamentos realizados conscientemente
entre os indivíduos e o seu meio”. (RICHMOND, “What is Social Case Work?”, p. 98).

O que vem na próxima aula


Na próxima aula, você estudará sobre os assuntos seguintes:
• Serviço Social de Casos: A Perspectiva Europeia;
• Gordon Hamilton;
• postulados básicos do Método do Serviço Social de Casos;
• o uso do relacionamento;
• métodos de tratamento;
• o processo de entrevista.

CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Conheceu Mary Richmond, pioneira do Serviço Social;
• aprendeu os conceitos de diagnóstico social e caso social;
• estudou as críticas ao modelo psicossocial.

-9-

Você também pode gostar