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Qual é a definição de bexiga hiperativa?

Como chegar ao diagnóstico e como


proceder o tratamento?
14.1 INTRODUÇÃO
A Bexiga Hiperativa (BH) é caracterizada como uma síndrome que cursa com
urgência miccional associada ou não a urgeincontinência, geralmente acompanhada
de aumento da frequência urinária e nictúria — aumento da frequência urinária à
noite —, sem causa local, como infecção urinária, neoplasia ou litíase vesical etc., ou
metabólica.

Fisiopatologicamente, a BH decorre de contrações involuntárias do músculo


detrusor durante a fase de enchimento vesical, também conhecida como
hiperatividade detrusora.

A BH pode afetar ambos os sexos em qualquer faixa etária, e a incidência cresce


com o aumento da idade. Estima-se que a prevalência global seja de 16%. Cerca de
56% das mulheres entre 40 e 50 anos são acometidas. A presença de incontinência
urinária de urgência é observada em cerca de um terço dos casos, com predomínio
entre mulheres.

Figura 14.1 - Bexiga hiperativa


Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

14.2 DIAGNÓSTICO
14.2.1 Anamnese

O diagnóstico é essencialmente clínico.

A queixa de urgência miccional — desejo repentino de urinar difícil de ser adiado — é


determinante para o diagnóstico de BH. A urgência miccional frequentemente
provoca aumento no número de micções, com diminuição do volume urinário, a
polaciúria.

O número de micções é variável durante o dia, porém, sofre interferência do clima e


da ingestão hídrica.

Na avaliação inicial, é essencial coletar dados que afastem outros diagnósticos


potencialmente responsáveis pelos sintomas, como infecção urinária, obstrução
infravesical, neoplasia e litíase vesical. A definição de BH deixa explícita a condição
de não haver causa local identificável que possa ser responsável pelos sintomas.

Portanto, questionamentos como a presença de disúria, hematúria, dor hipogástrica,


jato urinário fraco, hesitação e gotejamento terminal são essenciais. Sintomas
relacionados a possíveis doenças neurológicas, como tremores, alterações de
marcha, redução de força e sensibilidade nos membros, perda do equilíbrio e déficit
cognitivo, devem ser pesquisados. Especificamente em mulheres, é necessário
também pesquisar incontinência urinária de esforço, que pode estar associada à
urgeincontinência. Doenças bastante prevalentes, como diabetes, acidente vascular
encefálico e insuficiência cardíaca, podem alterar o padrão miccional e devem ser
interrogadas. Por fim, é importante relembrar que medicamentos frequentemente
utilizados pela população podem afetar direta ou indiretamente o trato urinário,
como diuréticos, sedativos, hipnóticos e alfabloqueadores.

14.2.2 Exame físico

Em geral, o exame físico é completamente normal, entretanto, sua realização é


essencial para afastar doenças relacionadas aos sintomas. Em homens, o exame
digital da próstata e a presença de globo vesical sugerem obstrução infravesical
como causa dos sintomas miccionais. Em mulheres, o exame ginecológico permite
avaliar o assoalho pélvico e mostrar distopias dos órgãos pélvicos, atrofia genital e
vulvovaginites. Pode-se demonstrar, ainda, perda urinária ao teste de esforço.

14.2.3 Diário miccional

O diário miccional é um formulário preenchido pelo próprio paciente, no qual são


anotadas informações sobre seu comportamento e sintomas miccionais. Não existe
um formulário-padrão estabelecido, mas de modo geral deve ser dividido em
períodos diurno e noturno, conter anotações sobre a frequência de micções,
episódios de incontinência e eventos associados à perda urinária, como esforço ou
sensação de urgência. O volume de cada micção e a ingestão hídrica devem ser
anotados, bem como o número de proteções — absorventes/fraldas/forros.

O diário miccional deve ser preenchido durante um período de três a sete dias,
consecutivos ou não. É interessante observar que informações colhidas durante a
anamnese variam substancialmente das obtidas com o diário miccional. A explicação
para tal fato é que, diante de uma pergunta direta, o paciente tem poucos segundos
para responder com precisão. A ansiedade gerada na consulta, aliada ao desconforto
causado pelo distúrbio miccional, pode estimular respostas excessivas. Ao fazer
anotação no papel, a atenção sobre os sintomas aumenta, e as queixas subjetivas
são transformadas em dados mensuráveis.

A análise exclusiva de dois dados do diário miccional, volume urinado e frequência


das micções, pode sugerir relação com determinadas condições clínicas,
relacionadas a seguir:

• Frequência aumentada e volumes normais: caracterizam poliúria, habitualmente


provocada por aumento na ingestão de líquidos ou eventualmente causada por
doenças metabólicas;

• Volumes normais ao despertar e reduzidos durante o dia: não há necessidade de


despertar durante a madrugada se a bexiga acumula volume normal. Sugerem-se,
portanto, causas psicossomáticas de polaciúria;

• Volumes e frequência normais durante o dia e maiores à noite: caracterizam a


poliúria noturna, maior volume de urina eliminada nas horas destinadas ao sono. Pode
estar associada a insuficiência cardíaca, anormalidades na liberação de hormônios
antidiurético e natriurético ou ser idiopática;

• Frequência aumentada e volumes reduzidos: caracterizam polaciúria compatível


com BH.

14.2.4 Exames laboratoriais

Frequentemente, não se pode assegurar a ausência de fatores causais apenas pelos


dados de anamnese, exame físico e diário miccional, surgindo a necessidade de
afastar outras doenças antes de estabelecer o diagnóstico.

A urinálise é um exame de baixo custo, capaz de fornecer informações relevantes, e


pode detectar hematúria, leucocitúria, proteinúria, glicosúria, cetonúria e nitrito. A
urocultura com antibiograma deve ser realizada para afastar infecção urinária como
causa dos sintomas miccionais. Em indivíduos jovens, saudáveis e sem antecedentes
familiares importantes, análises sanguíneas podem ser dispensáveis. Para todos os
outros, hemograma completo, dosagem de ureia, creatinina e glicemia são úteis para
descartar distúrbios metabólicos e da função renal.
14.2.5 Exames de imagem

Exames de imagem são indicados em casos selecionados, quando há suspeita de


doenças que possam causar sintomas miccionais, entre elas hiperplasia prostática
benigna, neoplasia ou cálculo vesical, prolapso genital e outras.

A ultrassonografia é um método eficaz para avaliar a bexiga, sua parede interior, sua
capacidade e seu formato, bem como estimar o resíduo urinário pós-miccional.
Permite, também, avaliar o tamanho da próstata, bem como sua conformação.

14.2.6 Exame urodinâmico

O exame urodinâmico é o mais completo para a investigação funcional do trato


urinário inferior.

Grande parte das pacientes com diagnóstico clínico de BH não necessita da


investigação urodinâmica, que deve ser indicada na presença de doença neurológica,
resíduo pós-miccional elevado, cirurgia prévia do trato urinário inferior e no caso de
falha do tratamento empírico da BH. Na maioria dos pacientes, está indicado
tratamento empírico da BH como teste terapêutico, pois 20% dos pacientes podem
apresentar exame normal, não excluindo BH em exames sem alterações
(International Continence Society).

Os achados urodinâmicos compatíveis com BH são urgência sensitiva, caracterizada


pela vontade de urinar sem que haja aumento na pressão intravesical, bem como
hiperatividade detrusora, caracterizada por contrações involuntárias do detrusor na
fase de enchimento vesical.

São indicações de exame urodinâmico na bexiga ativa:

• Doença neurológica associada;

• Resíduo pós-miccional elevado;

• Cirurgia prévia do trato urinário inferior;

• Refratariedade ao tratamento empírico instituído.

14.2.7 Cistoscopia

A cistoscopia deve ser realizada nos casos de hematúria ou quando há a suspeita de


neoplasia vesical. Vale lembrar que o carcinoma in situ de bexiga se manifesta
clinicamente com sintomas vesicais irritativos, muito semelhantes à síndrome da BH.
14.3 TRATAMENTO
A primeira linha de tratamento da BH envolve medidas conservadoras, como
medidas comportamentais e reabilitação do assoalho pélvico. A associação desses
dois tratamentos parece ser mais efetiva do que cada um isoladamente, em especial
entre mulheres.

Em caso de refratariedade a essas medidas iniciais, terapias de segunda linha, como


drogas antimuscarínicas, e terceira linha, como injeção de toxina botulínica no
detrusor, neuromodulação sacral e ampliação vesical, podem ser opções adotadas.

14.3.1 Terapia conservadora

14.3.1.1 Medidas comportamentais

Conjunto de ações que incluem mudanças de hábitos, de dieta e de comportamento


diante dos sintomas da BH.

Há evidências que sugerem evitar bebidas alcoólicas, gaseificadas ou com cafeína.


Reduzir a ingestão de líquidos no período noturno ajuda a controlar a nictúria.

Combate ao sedentarismo, à obesidade e ao tabagismo também é uma medida


importante. A constipação intestinal deve ser tratada, pois se sabe da influência que
a impactação fecal pode ter no funcionamento do trato urinário inferior.

Treinamento vesical é uma técnica de micção programada com objetivo de tentar


urinar antes de atingir o volume vesical que desencadeie urgência.

14.3.1.2 Reabilitação do assoalho pélvico

A contração dos músculos do assoalho pélvico inibe de modo reflexo a contração


detrusora, além de aumentar a pressão uretral. O objetivo inicial dos exercícios do
assoalho pélvico é conscientizar o paciente sobre o funcionamento correto da
musculatura, demonstrando as funções de contração e relaxamento. As técnicas
mais utilizadas são os exercícios pélvicos e a eletroestimulação.

Apesar de não haver grandes evidências do sucesso dessa terapia, a ausência de


efeitos colaterais, o baixo custo e a possibilidade de associação a medicação oral
tornaram a reabilitação do assoalho pélvico a medida de primeira escolha no
tratamento da BH, junto com as medidas comportamentais.

14.3.1.3 Medicação oral

Em última análise, o estímulo a receptores muscarínicos pós-ganglionares do


detrusor pela acetilcolina é o que causa a contração vesical. Anticolinérgicos que
bloqueiam tais receptores muscarínicos inibem a contratilidade detrusora e são os
medicamentos mais utilizados na BH — a segunda linha de tratamento.
São reconhecidos cinco tipos de receptores muscarínicos, M1 a M5, e, na bexiga,
encontram-se os tipos M2 e M3, sendo o último o mais importante para a contração
da bexiga. Outros órgãos, como as glândulas salivares, lacrimais, sudoríparas, o
intestino e o sistema nervoso central, são ricos em receptores muscarínicos, o que
justifica possíveis efeitos adversos dessas medicações, como boca seca —
xerostomia —, constipação intestinal e déficit cognitivo.

A oxibutinina foi a primeira medicação antimuscarínica utilizada em grande escala.


Age em receptores M1, M3 e M4 e apresenta propriedades anestésicas e
antiespasmódicas. Seu principal efeito adverso é a xerostomia, e pode ocasionar
alterações cognitivas, em virtude da passagem da barreira hematoencefálica, o que
restringe sua utilização em idosos.

A tolterodina apresenta ação mais intensa no detrusor do que nas glândulas


salivares, porém, boca seca é, ainda assim, um comum efeito adverso. Apresenta
resultados comparáveis à oxibutinina.

A solifenacina apresenta ação predominante em receptores M2 e M3.

A darifenacina atua em receptores M3 e, por apresentar baixa penetração na


barreira hematoencefálica, apresenta menos chance de déficit cognitivo em idosos.

Recentemente, foi aprovada, pelo Food and Drug Administration e pela Anvisa, a
mirabegrona, um agonista beta-3-adrenérgico. Ela se liga a esse receptor do
detrusor, causando relaxamento vesical. Pode ser usada na forma isolada ou
associada a antimuscarínicos. O efeito colateral mais comum é a hipertensão arterial,
presente em 7,5% dos casos. Não há evidências de que quaisquer dessas drogas
sejam superiores umas às outras.

14.3.2 Outras terapias

14.3.2.1 Toxina botulínica

A toxina botulínica, recentemente aprovada para uso intravesical, é considerada a


terceira linha de conduta no tratamento da BH e deve ser indicada na falha do
tratamento conservador e medicamentoso.

São aplicadas 100 UI de toxina botulínica por meio de cistoscopia em diferentes


pontos da bexiga — 20 a 30 aplicações —, evitando-se o trígono. A resposta costuma
ser satisfatória, porém, os efeitos são reversíveis em torno de seis meses. A
reaplicação pode ser feita com segurança. As complicações mais comuns são
contratilidade detrusora e retenção urinária, exigindo cateterismo intermitente após
o procedimento.

14.3.2.2 Neuromodulação

Consiste no estímulo de raízes nervosas com eletrodos colocados por punção


percutânea no forame sacral, ao longo do trajeto de S3, ligados a um gerador
instalado no subcutâneo. A princípio, instala-se um gerador externo como fase de
teste, antes da colocação do eletrodo definitivo no subcutâneo. Porém, o custo
elevado limita seu uso. Sua vantagem é ter um efeito mais duradouro que a toxina
botulínica.
Figura 14.2 - Implante de eletrodo na raiz sacral e gerador no subcutâneo
14.3.2.3 Ampliação vesical

É a última escolha nos casos de BH refratária com severo impacto na qualidade de


vida. Os resultados são razoáveis, mas podem surgir complicações, como excesso
de muco na urina, formação de cálculos no reservatório e retenção urinária.

Hoje, raramente é usado na BH, reservado apenas para os casos de hiperatividade


relacionados à baixa complacência vesical ou à diminuição do tamanho vesical,
secundários à bexiga neurogênica.

Qual é a definição de bexiga hiperativa?


Como chegar ao diagnóstico e como
proceder o tratamento?
A bexiga hiperativa é caracterizada como uma síndrome que cursa com
urgência miccional associada ou não a urgeincontinência, geralmente
acompanhada de aumento da frequência urinária e nictúria, sendo seu
diagnóstico essencialmente clínico.

O tratamento de primeira linha se faz com alteração de estilo de vida,


mudanças comportamentais e reabilitação do assoalho pélvico. Como
segunda linha do tratamento, são usados os anticolinérgicos, que
bloqueiam os receptores muscarínicos e inibem a contratilidade
detrusora – são os medicamentos mais utilizados na bexiga hiperativa.

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