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Responsabilidade dos bancos diante da súmula 479 do STJ

Ênio Santarelli Zuliani

A Segunda Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça publicou recente súmula (479)
com os seguintes dizeres: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos
gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de
operações bancárias".
O acontecimento repercutiu fora do universo judiciário, tanto que jornais divulgaram a
ocorrência, lembrando O Estado de São Paulo que "Banco também deve responder por
fraude", enquanto a Folha de São Paulo (B4 - Mercado, 30.6.2012) destacou: "STJ diz que
responsabilidade de instituições financeiras é gerir contas com segurança".
O interesse da mídia é típico de assunto que desperta atenção de milhares de pessoas e a
própria necessidade de sumular o entendimento incontroverso confirma que a matéria se
repete demasiadamente. O enunciado facilita o julgamento dos casos pendentes e evita a
discussão inócua sobre o dever que os bancos assumem, independentemente de prova da
culpa, de repor os danos que consumidores amargam pela insegurança das atividades
bancárias. Ao sentenciar ação similar, o juiz aplica a posição do STJ como razão de decidir e
apressa a reparação do prejuízo, homenageando, com esse dinamismo, o ideal de efetividade
e de rapidez dos veredictos, tal como determinam os artigos 5º, XXXV e LXXVIII, da
Constituição Federal.
Quando se diz responsabilidade objetiva, o recado é direto quanto a não ser possível discutir
culpa para satisfazer o lesado. As vítimas de danos injustos reivindicam os seus direitos e, por
vezes, não são indenizadas, apesar de seus excelentes fundamentos, e isso acontece porque
não se faz prova da culpa do réu, como exigido pelo artigo 333, I, do CPC, nas demandas
típicas da responsabilidade subjetiva prevista no art. 186 do CC. Algumas situações, contudo,
recebem tratamento diferente e isso se deve a uma revolucionária evolução dos sentidos
nessa área do direito, a partir do reconhecimento da desnecessidade de a vítima provar a
culpa para obter a reparação do dano em situações em que o exercitar um fato ou o realizar
um serviço provocam riscos para os sujeitos que se relacionam aos seus expedientes.
Os bancos foram inseridos no círculo da responsabilidade objetiva e diversas razões
conspiram para aceitabilidade do entendimento. Primeiro, o disposto no art. 14 da lei 8.078/90
(CDC) que dispensa a prova da culpa para proteger o consumidor vítima das operações
bancárias e, depois, pela própria gestão administrativa das agências, pois mirando atender
bem para conquistar ou manter a clientela, finaliza providências planejadas com esse
desiderato sem executá-las com o cuidado exigido para a segurança dos envolvidos, direta ou
indiretamente. A abertura de conta-corrente com documentos falsos é um exemplo didático do
que se escreve aqui e, embora os estelionatários tenham atingido uma performance quase
perfeita na apresentação dos documentos exigidos, a conta é aberta com entrega de diversos
talonários para aquele que, sem provisão de fundos, sai do banco inundando o comércio de
cheques frios emitidos em nome de um terceiro inocente (o titular dos documentos utilizados).
Com a devolução das cártulas sem a compensação, duas vertentes nocivas acontecem.
Aqueles que receberam os cheques pela rotina do comércio, como supermercados, donos de
lojas etc., assim agiram na expectativa de que fundos existiam para satisfação da obrigação
e, frustrados com o carimbo da devolução, poderão exigir dos bancos que liberaram
documentos de crédito para estelionatários, a reparação adequada. Afinal, está evidente o
nexo de causalidade do dano sofrido e a atividade do banco (art. 403 do CC). Por outro lado,
o sujeito que figura como emitente tem, com esse bate e volta dos cheques adulterados, o
nome inscrito nos órgãos que cadastram devedores com pendências (inadimplentes e outros)
e sofre o que se chama de abalo de crédito, fenômeno social de importância ímpar no mundo
dependente de credibilidade e de um cadastro limpo. Essa pessoa que não contribuiu em
nada para que se abrisse conta-corrente falsa e se facilitasse o acesso aos talões de
cheques, sofre perturbações concretas com essa situação, pois o crédito lhe é abruptamente
cortado, inclusive sua conta bancária, o que permanecerá enquanto não solucionar a
pendência no SERASA e outros órgãos do gênero. Aos que receberam títulos falsos cabe
reparação de dano patrimonial e ao que fica com o nome sujo por tal episódio, deve o banco
compensação pelo dano moral (art. 5º, V e X, da CF), sem prejuízo de reparar prejuízos
materiais, caso existam.
Quando se obriga o banco pagar essa conta, restaura-se o império da ordem jurídica,
impondo a quem causa prejuízo por sua atividade profissional, o dever de restituir e
compensar as agruras suportadas. Errado e extremamente injusto seria liberar o banco das
consequências nocivas da abertura de conta-corrente com documentos falsos, sendo
necessário advertir que esse resultado anormal poderia ocorrer caso obrigasse a vítima a
provar a culpa do preposto do banco que abriu a conta-corrente e entregou cheques para um
falsário. Daí a grande virtude da súmula 479.
Todavia, não é permitido generalizar e crer que a súmula resolverá todos os problemas que
surgem com os bancos e cumpre advertir que o enunciado sumulado foi redigido para
situações específicas, competindo ao intérprete conferir os pressupostos de sua incidência
para evitar erros. A chave para adequar o enunciado ao caso concreto está na expressão
"fortuito interno", uma modalidade do caso fortuito previsto no art. 393 do CC. O devedor não
responde quando o dano é provocado pela própria vítima ou quando não poderia prever e
evitar uma ocorrência avassaladora, como um terremoto, rotulado de fortuito externo (fora da
empresa). Responderá, contudo, quando o caso, que poderia ser caracterizado como fortuito,
decorre da própria empresa ou ao modo com que realiza a atividade que desenvolve para
obtenção de lucro. O delito ou a fraude cometida por um terceiro que usa documentos
falsificados ou que se apresenta com perfil falso não isenta o banco de pagar o prejuízo
porque isso é considerado fortuito interno, isto é, não está incluído o requisito da externidade
(estranha à atividade).
Quando o sujeito descobre que seu cartão bancário foi clonado, ou que alguém com técnica
criminosa conseguiu copiar os dados e obter a senha, criando um chip que engana o banco, o
correntista não poderá sofrer o desfalque da liberação dos créditos e que surgem no extrato
de sua fatura. O cliente não utilizou o cartão para compras ou pagamentos, tendo sido vítima
de um criminoso que, com sua habilidade, fraudou o sistema de segurança bancário e deu
golpes. O banco responderá, na forma da súmula 479, por ser esse típico caso de fortuito
interno, ou seja, decorrente da própria atividade e que cabia ao banco evitar. Da mesma
forma, aqueles pobres trabalhadores aposentados que são vítimas do golpe do consignado,
ou seja, de empréstimos liberados com facilidades devido ao fornecimento do número da
conta bancária pela qual recebem os proventos e que são desviados por estelionatários que
se beneficiam com os créditos liberados em suas próprias contas, um descuido inexplicável.
Os aposentados sofrem os descontos mensais quando nada contrataram e, evidentemente,
cuida-se de um fortuito interno.

Os bancos enviam cartões e talonários de cheques e não raro há interceptação criminosa


nesse iter, o que permite a ocorrência de golpes que prejudicam os titulares das contas.
Trata-se de fortuito interno e cabe ao banco reparar os danos decorrentes da atividade
insegura. Não haverá responsabilidade do banco por sequestro relâmpago, porque aí ocorre a
externidade que qualifica essa conduta criminosa como imprevisível e inevitável (fortuito
externo). O cliente dominado e amedrontado fornece o cartão e dá a senha para o saque,
coisa que o banco não poderia evitar. Diferente seria, no entanto, se o sequestro acontecesse
dentro da própria agência, porque aí ocorreu falha do dever de vigilância que é inerente ao
serviço. Os bancos respondem pela atividade prestada com defeito ou que se realize com
pontos vulneráveis para o patrimônio do consumidor, sendo exigido do sujeito que se serve de
tais serviços deveres de cuidado com a própria segurança e com a posse dos cartões,
talonários e senhas para operações eletrônicas.

Não há consenso sobre como situar, nesse contexto, o crime de roubo praticado, na rua, por
criminosos que, sabedores do saque efetuado, perseguem o cliente e o abordam para subtrair
o dinheiro que acabara de sacar na agência bancária, um golpe batizado de "saidinha". Há
quem sustente, com boas razões, ter o banco obrigação de proteger o cliente e evitar que
criminosos tenham acesso aos movimentos internos, enquanto alguns advogam que o que
ocorre na rua escapa da esfera de atuação bancária, sendo caso de polícia ou de
responsabilidade do Poder Público. A perfeita solução depende de prova difícil de ser obtida
em processos judiciais, isto é, provar que o banco facilitou a empreitada criminosa,
negligenciando cuidados básicos como o de impedir que terceiros possam testemunhar as
operações dos clientes. Equipar as agências com biombos que isolem o atendimento e proibir
a utilização de celulares no interior das agências, como definido por leis municipais que não
são inconstitucionais, são providências simples que dificultam a comunicação entre
criminosos que estão espreitando as vítimas desavisadas. O instalar câmeras que monitorem
a circulação e os gestos de pessoas na saída e no entorno foi eleito como de boa prudência
e, evidentemente, em se confirmando que em determinados locais despidos de tais aparatos
os roubos se sucedem com larga frequência, o episódio deixa de ser imprevisível e perde a
condição de fortuito externo e abre campo para a incidência da súmula 479.
Assaltos que são perpetrados no interior das agências, nos estacionamentos dos bancos ou
no hall de entrada em que estão situados os caixas eletrônicos são fortuitos internos e
decorrem das atividades exercidas, de modo que é perfeitamente ajustada a incidência da
súmula 479 do STJ, para garantir indenização aos prejudicados por tais violências que não
foram contidas apesar da segurança institucionalizadas pela lei 7.102/83. O mesmo acontece
com o esvaziamento ilícito dos cofres de aluguel, sendo que hipótese emblemática diz
respeito a saques que são debitados na conta do consumidor que nega tê-lo realizado e
auferido os valores, o que causa uma perplexidade devido a não ser descartada eventual má-
fé do cliente. Contudo e porque há verossimilhança na ocorrência de fraudes praticadas por
terceiros ou até prepostos inescrupulosos do banco, é de se entender tal hipótese como
fortuito interno, competindo ao banco provar que o cliente foi favorecido pelas operações
debitadas, sem prejuízo da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, da lei 8.078/90).

A súmula 479 do STJ veio em boa hora e para acabar com a tentação do pensamento
segundo o qual ainda é mais seguro guardar dinheiro debaixo do colchão.

Epa! Vimos que você copiou o texto. Sem problemas, desde que cite o link:
https://www.migalhas.com.br/depeso/161926/responsabilidade-dos-bancos-diante-da-sumula-
479-do-stj

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