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Caso Prático I – Teoria Geral do Direito Civil

Ocupemo-nos, em primeiro lugar, de situar os negócios jurídicos praticados como que numa
linha cronológica, para nos facilitar a resolução do caso prático.

Vemos, neste caso prático, que houve uma série de negócios jurídicos praticados num
momento em que o sujeito ainda não tinha completado 18 anos. Ora, a primeira “camada” a
considerar é partir da regra de que o sujeito é menor, pelo que se aplica o regime da
incapacidade de exercício. Temos que perceber se, num primeiro momento, estamos perante
uns casos de negócio para os quais, excecionalmente, o sujeito tem capacidade (artigo 127º
CC). Se assim não for, já sendo a seguinte camada a que passaremos, veremos que não há
nenhuma especialidade naquele regime uma vez chegada a esta conclusão. Ora, por agora
ocupemo-nos do seguinte: se o menor não tem capacidade para a prática daqueles atos,
temos que ver se essa falta de capacidade foi devidamente suprida. Em primeiro lugar,
sabemos que estamos perante a prática de negócios jurídicos para os quais o sujeito, de 17
anos, não pode, por um ato próprio e exclusivo, fazê-lo, pelo que nos cabe verificar se se
enquadra no elenco das exceções do artigo 127º CC relativo à incapacidade dos menores.
Vemos, desde logo, que sim – alínea a) do artigo 127º CC, que nos dá dois pressupostos para a
sua aplicação: o sujeito tem que ter mais do que 16 anos (vemos que, no caso, tem
efetivamente 17 anos) e tem que estar perante uma disposição de bens que lhe advieram do
seu trabalho. A ideia, no fundo, é a de proteger património/capital/bens que o sujeito tenha
adquirido por força do seu trabalho, uma vez que cumpra os requisitos legais para o efeito.
Portanto, por força desta alínea, vemos que o negócio praticado no número 1 do caso prático
preenche estes requisitos, independentemente do valor do anel comprado por Carlos
Eduardo, porque foi um valor dispensado do seu próprio ordenado – o que importa é a idade
e a fonte de rendimento, pelo que esta alínea em nada, neste caso, se pode reportar à alínea
b) do artigo 127º CC; ou seja, a compra do anel é uma compra para a qual o sujeito tem
capacidade e depois a oferta desse anel a Maria Eduarda é também um negócio para o qual o
sujeito tem capacidade, porque estamos a tratar de uma disposição de um bem que proveio
do salário do menor. Já no número 2, poderíamos aplicar a alínea a)? Não – a não ser que no
caso prático nos digam que um tal rendimento procedeu de certa fonte, temos que admitir
que esse bem que se está a dispor, não provém de exercício de trabalho ou de outra atividade
do menor, ou seja, que lhe proveio, por exemplo de uma semanada/de uma herança. Por
conseguinte, estando o bem sob este estatuto, já não podemos aplicar a alínea a) do artigo
127º CC; temos que olhar para a alínea b). Não podemos então supor (porque o caso prático
não nos diz), que o lp de rock progressivo tivesse entrado no património de Carlos Eduardo
através da sua compra com salário. Só nos pode valer a alínea b) que, na sua aplicação, nos diz
que à partida estamos perante uma despesa de bens que serão de pequena importância.
Questionam-se várias formas de como interpretar este requisito da disposição de bens de
pequena importância; há quem considere que o requisito se interpreta de um modo abstrato
(para a generalidade da população, o que significam bens de pequena importância?) e há
quem considere que a norma tem que ser interpretada de um modo mais circunstanciado, ou
seja, tem de se pensar em quais são as condições económicas do menor. No caso, aplicando
este critério pensando nas condições económicas do círculo do menor, o raciocínio é dizer que
não vamos limitar mais a liberdade do que o necessário, ou seja, se se cumpriram os dois
anteriores requisitos, então não seria proporcional retirar capacidade neste sentido (princípio
da proporcionalidade). Aqui chegados, à partida, este bem seria considerado de pequena
importância (alínea b) do artigo 127º CC). Já verificados três requisitos, resta-nos ver outros
dois: estamos perante um negócio próprio da vida corrente do menor? Aqui entra muito a
idade do menor e, à partida, sim - oferecer presentes a amigos é algo que é próprio da vida
corrente do menor. Estamos perante um negócio ao alcance da sua capacidade natural? Sim.
Importa neste caso ter em conta a idade do menor (17 anos) e ver se a compreensão dos
efeitos daquele negócio é especialmente complexa – torna-se mais complexa,
tendencialmente, quanto mais geradores forem os negócios e mais incertas forem as suas
consequências, por exemplo, um negócio que implique pagamentos é um impacto mais difícil
de compreender do que um negócio instantâneo, ou seja, quando se tratem de negócios com
efeitos duradouros (que não se produzam imediatamente), o sujeito pode não ter maturidade
para entender o seu impacto concreto. Neste caso então, estamos perante um negócio ao
alcance da capacidade natural, porque não só é ele um menor com maturidade, como também
estamos perante um negócio com efeitos instantâneos – o sujeito fica então obrigado a
entregar o bem ao amigo, a quem o doou, pelo que a propriedade desse bem transfere-se.
Para os negócios 1 e 2, tem Carlos Eduardo capacidade para os praticar? Sim. Até agora, não
estamos a aplicar nenhuma especialidade propriamente do regime da menoridade, ou seja,
até agora o que temos é uma norma (artigo 127º CC) que tem uma espécie de barreira/reduto
de capacidade e estamos a resolver o caso ficando-nos nesse patamar da capacidade “residual
do menor”, como se diz por vezes.

Analisemos agora o negócio praticado no número 3: nada nos diz que a mota tenha sido
adquirida com um salário, ou seja, não podemos presumir que é um bem de que o menor
tenha a livre disposição porque tenha advindo em troca do seu trabalho; das duas uma: ou
podíamos aplicar a alínea b) ou a alínea c), dizendo que era um negócio, ainda inserido na
atividade profissional do menor, mas nada nos indica que estamos perante a alínea c), pelo
que nos resta verificar a alínea b). Perante esta alínea, temos que ter um negócio inserido na
vida corrente do menor, ao alcance da sua capacidade natural e num alcance que apenas
implique despesas ou disposições de bens de pequena importância (artigo 127º/b) CC). Ora,
não estamos perante um negócio inserido na vida corrente do menor, uma vez que temos,
em sua vez, um negócio de alienação/disposição de um bem valioso (os negócios próprios da
vida corrente não têm que ser sistemáticos/diários, mas a alienação de um bem de algum
valor não é um negócio próprio da vida corrente), mas estaria ao alcance da capacidade
natural de Carlos Eduardo, porque o sujeito compreende que fica com o dinheiro, mas sem a
mota, ou seja, este bem saía do seu património, e o direito sobre ele também, e em troca
adquire uma soma de dinheiro. Seria uma despesa ou disposição de bem de pequena
importância? Não, é um bem com uma importância considerável, porque se admitirmos o tal
critério de pensarmos no estrato socioeconómico do menor, eventualmente há estratos
socioeconómicos muito abastados, pelo que poderá haver, para algum, que o valor de uma
scooter seja uma disposição de bens de pequena importância, mas como é um conjunto muito
pequeno e pouco representativo, deixamos essa conceção um pouco de parte. Claro que, se
colocasse na prática e aplicando este critério devidamente, poderia aplicar-se esse critério
nesse caso, mas não é uma hipótese tão plausível. Então, há capacidade ou não? Não. Temos
três requisitos cumulativos na alínea b), logo dois caiem, pelo que não há capacidade.

Passemos à análise do negócio 4. Não estamos perante um ato que seja de administração ou
disposição de bens, pelo que não é aplicável a alínea a) do artigo 127º CC; nada nos indica que
seja um negócio inserido na profissão do menor e a alínea que nos resta é a alínea b). Só para
chamar à atenção o seguinte: neste caso, estamos perante uma situação em que um sujeito
celebra um contrato mútuo (pede um empréstimo, na linguagem mais comum), o que gera
para Carlos obrigações futuras de restituir uma certa soma e, sendo um empréstimo
remunerado, de pagar juros ao longo do tempo. No momento em que celebra o empréstimo,
Carlos Eduardo não dispõe de bens; o que este negócio vai gerar para ele são obrigações
futuras – vai ter que restituir aquela soma e vai ter que pagar juros (se o mútuo for oneroso).
Quando olhamos para a alínea a), aquilo que ela está a tratar é de atos de administração ou
disposição de bens que o sujeito adquiriu por salário. Ora, quando estamos perante um
contrato mútuo, não estamos a dispor de bens nem a administrar bens, estamos, sim, a
assumir obrigações. Este ato apenas pode ser olhado do ponto de vista das alíneas b) ou c),
justamente porque não é um negócio de administração de bens; o que ele vai gerar na esfera
jurídica do menor é o surgimento de obrigações. Nada nos indica que possamos aplicar a
alínea c), pelo que devemos olhar para a alínea b) – não é um negócio próprio da vida do
menor, nem está ao alcance da sua capacidade natural. É certo que estamos a falar de um
menor de 17 anos, com bastante maturidade, mas estamos perante aqueles negócios que
exigem mais capacidade, que vão originar obrigações para o futuro e cujos efeitos do
momento não são tão facilmente apreensíveis – aquilo que no momento acontece no
património do sujeito é a entrada de dinheiro, e isso é o que ele vê; a parte que vai gravar
sobre o seu património só será compreendida no futuro, quando tiver de começar a pagar
juros e a reembolsar o montante. Temos aqui uma série de notas que dificultam com que se
consiga compreender qual o impacto total dos efeitos do negócio, porque os seus efeitos não
só são titulados no tempo, como até, aliás, temos este desfasamento entre efeitos positivos
(aquilo que entra no património do sujeito, produz-se imediatamente) e os efeitos passivos
(as suas obrigações) apenas vão surgindo ao longo do tempo. Quanto ao terceiro requisito,
as dívidas que ele vai ter que pagar ao longo do tempo não são de pequena importância
(10.000 euros), pelo que também este não se verifica. Portanto, Carlos Eduardo não tem
capacidade para os negócios 3/4. Estes negócios foram celebrados sem capacidade: quando
não há capacidade, das duas uma: ou essa falta de capacidade foi devidamente suprida, ou
então, caso isso não se verifique, então o negócio é anulável por aplicação do artigo 125º CC.
Como se supriria esta falta de capacidade? Olhemos para o artigo 124º CC. Suprimos a falta
de capacidade do menor mediante representação, pelo poder paternal e, subsidiariamente, se
o poder paternal não estiver em condições de poder ser exercido, nas hipóteses previstas no
artigo 1921º CC, pela tutela (instituto que supre a falta de capacidade de exercício das
responsabilidades parentais). Ao lado dos pais, ou ao lado do tutor, pode também haver lugar
a um administrador de bens, por exemplo quando os pais estiverem inibidos da administração
de certos bens, hipóteses previstas no artigo 1888º CC; no caso do tutor, pode ser nomeado, a
par dele, também um administrador de bens. Ora, incumbe-nos olhar para os artigos 1878º CC
e 1881º CC. Temos aqui que nas esferas em que o menor não administra a sua própria esfera
pessoal ou patrimonial, intervêm os seus pais, que o fazem através de representação. Isto
implica que vemos a atuar no negócio jurídico, em vez do menor, os pais. Houve lugar a
representação, nestes negócios? Não, não há nenhuma indicação nesse sentido. Sendo assim,
foram praticados com falta de capacidade de exercício, que não estava devidamente suprida. A
consequência jurídica aplicável encontra-se consagrada no artigo 125º CC. Para nos
situarmos, estamos perante uma situação de invalidade, vício intrínseco dos negócios jurídicos,
que impede que estes produzam os seus efeitos. Temos dois tipos de invalidades: nulidades e
anulabilidades; e o seu regime é diferente. As nulidades são um regime mais grave, porque
entende-se que quando está presente uma nulidade, o negócio é desde o início improdutivo,
no sentido em que não produz efeitos desde o início, situação que deve ser reconhecida
(artigo 286º CC). Os negócios nulos não podem ser confirmados, ou seja, quem pratica um
negócio nulo não pode sanar, ele próprio por ato seu, essa invalidade. Já o regime da
anulabilidade (artigo 287º CC) é diferente da nulidade, na medida em que estamos perante
uma invalidade menos grave e cujos efeitos do negócio jurídico são precários, ou seja,
desaparecem se alguém com legitimidade e dentro de um determinado prazo, invocar essa
anulabilidade, pelo que se podem consolidar se ninguém o fizer; aqui, o tribunal não pode
oficiosamente anular negócios, tem que ser invocado pelas pessoas com legitimidade e dentro
de um prazo; e (artigo 288º CC), só no caso da anulabilidade é que temos a possibilidade de ser
confirmado o negócio. As anulabilidades servem para proteger certos sujeitos que depois têm
legitimidade para as invocar, ou então para prescindir dessa invocação. No caso das nulidades,
elas protegem interesses de ordem pública, pelo que têm esses efeitos tão gravosos sobre os
negócios e uma legitimidade alargada. Quando estamos perante uma norma que trata do
regime da anulabilidade, como é o caso do artigo 125º CC, essa norma é uma adaptação do
regime geral (artigo 287º CC), que apenas molda os pressupostos de legitimidade e de prazo,
como acontece neste artigo que estamos a analisar.

Alínea a)

Para aplicar ao caso prático: estamos aqui a tratar de Pedro, que é o pai e progenitor que
exerce o poder paternal – a este caso, refere-se a alínea a) do artigo 125º CC, que reconhece
quem tem legitimidade para invocar a anulabilidade - os representantes legais -, e também
um prazo para o fazerem – é um prazo cumulativo, porque tem um duplo limite, ou seja, a
ação deve ser proposta no prazo de um ano a contar do conhecimento que o requerente haja
tido do negócio impugnado (que, no nosso caso, começa a contar a partir de hoje), mas nunca
depois de o menor atingir a maioridade ou ser emancipado, salvo o disposto no artigo 131º CC,
sendo que Carlos Eduardo atinge a maioridade dentro de três semanas, sendo esse o prazo
que Pedro, representante legal de Carlos Eduardo, pode interpor esta ação. Como podemos
explicar este duplo limite? Estamos a não exigir que se ande constantemente a investigar a
prática de negócios do menor, mas, este prazo, que teria o seu termo no final desse ano, tem
que conviver com outro que lhe vai estabelecer um limite, que é o de nunca ser possível, pelo
representante legal, pedir a anulação de negócios, depois de atingida a maioridade ou
emancipação do menor. Ora, isto tem que ver com o facto de, a partir da maioridade ou
emancipação, ocorrer uma passagem de testemunho quanto a quem toma decisões relativas
à esfera do menor. Claro está que estamos a tratar de negócios que o sujeito, que agora se vai
tornar maior, praticou antes de o ser, quando ainda era menor mas, de todo o modo, ele não
pode materialmente desfazer negócios factualmente, mas o que ele pode já fazer, depois de
completar os 18 anos, é pedir a respetiva anulação. Estamos aqui a restringir direitos dos
sujeitos, ou seja, a liberdade de atuação dos menores, mas para os proteger exclusivamente e
não a terceiros. Esta limitação da liberdade pessoal não é algo que seja comum à
normalidade, uma vez que é um estado de limitação de direitos que apenas é justificável
dentro das barreiras da proporcionalidade. Temos, então, dois legitimados (diferentes), os
representantes legais e o menor, com prazos diferentes, que não vão ter legitimidade ao
mesmo tempo. A lógica da lei é dizer que, em estado de menoridade, quem tem legitimidade
para avaliar este negócio e dentro do prazo de um ano, é o representante legal; quando findar
este ano, a partir da tomada de conhecimento do negócio, o negócio consolida-se (por uma
questão de proteção). Há que notar também, neste sentido, o artigo 131º CC, que trata do
regime de incapacidades do menor e o que se entende é que este depende da constatação de
um facto, ou seja, o regime de acompanhamento, como afeta uma pessoa que já é maior,
depende de uma sentença judicial – estamos, novamente, perante restrições de direitos - o
que pode acontecer é que, ainda na menoridade, os pais podem intentar uma ação que venha
a aplicar medidas de acompanhamento e que venha também a declará-lo incapaz, mesmo
depois de ser maior de idade, e o que a lei diz é que, na verdade, mesmo antes da sentença
nessa ação, o sujeito mantém o estatuto de menor até haver essa sentença. Portanto, Pedro
(pai de Carlos e seu representante legal), não pode anular os negócios 1 e 2, porque há
capacidade para ambos. Quanto aos negócios 3 e 4, estes são anuláveis, pelo que temos de
perguntar se há legitimidade e prazo para o fazer: sim, Pedro tem legitimidade (é o progenitor)
e está, hoje, dentro do prazo para o fazer (até dezembro), porque, ainda estando a coberto do
estatuto de menoridade do menor, tomou conhecimento da prática destes negócios.

Alínea b)

Neste caso, Pedro não teria legitimidade para pedir a anulação do negócio, podendo fazê-lo,
sim, Carlos, uma vez que, ao abrigo da alínea b) do artigo 125º CC, o próprio menor, no prazo
de um ano a contar da sua maioridade ou emancipação. Há que fundamentar esta questão,
sendo para isso necessário dizermos que, até ser alcançada a maioridade de Carlos (dezembro
de 2021), estaria a decorrer o tal prazo previsto na alínea b) do artigo 125º CC, pelo que ainda
estaria dentro do prazo para anular os negócios 3 e 4.

Alínea c)
Esta alínea prende-se com a alínea c) do artigo 125º CC. Até agora, analisámos como se
articulam a legitimidade do representante legal com a legitimidade do próprio menor e, agora,
temos como que um desfecho desse sistema, que trata o sistema dos herdeiros – terceiro
círculo de legitimados. Ora, os três círculos legitimados presentes no artigo 125º CC (alíneas a,
b e c), nunca têm legitimidade ao mesmo tempo. A partir do momento em que o
representante legal (progenitor, tutor ou administrador de bens), toma conhecimento do
negócio, dispõe do prazo de um ano para anular o negócio. Em todo o caso, se antes desse
momento, for atingida a maioridade por parte do menor então passa a ser ele a ter o prazo de
um ano para anular o negócio. Se o menor entretanto nada fizesse, o negócio consolidava-se.
Contudo, pode acontecer que, em qualquer momento antes de o menor fazer 18 anos, pode
perder a vida. Nessa situação, a lei dá legitimidade a um terceiro grupo de sujeitos, os
herdeiros, para anular estes negócios – dispõem do prazo de um ano, a partir da morte do
menor. Os pressupostos para a sua aplicação são os de ter havido a morte de um menor que
morreu antes de atingir a maioridade ou emancipação. Se isso acontecer, já não tínhamos
ninguém a exercer representação legal (não há representação legal para pessoas mortas) –
essa figura extingue-se – já não tínhamos o próprio, que já tinha cessado a sua personalidade
jurídica, então já não tínhamos ninguém para escrutinar os negócios celebrados no passado.
Com esta falta de escrutínio, vão ser prejudicados os herdeiros (podíamos ter um património
prejudicado com negócios praticados com imaturidade), por isso a lei dá-lhes essa
legitimidade a partir da morte do menor (e não do seu conhecimento da morte por partes dos
herdeiros - senão podíamos ter negócios em aberto durante muito tempo, o que gerava
incertezas). O menor morreu antes de passado um ano, depois da sua maioridade ou
emancipação? Sim. Vamos ter então aqui a alínea c) do artigo 125º CC a entrar em ação – os
herdeiros têm o prazo de um ano para invocar a anulabilidade. A segunda pergunta que temos
de fazer é: e desde esse momento da sua morte, já passou um ano? Ainda não. Neste
momento, estávamos em outubro de 2021, tendo Carlos morrido em agosto de 2021. Temos
aqui a verificar dois momentos temporais que limitam esta possibilidade de anulação:
primeiro, é necessário que o sujeito tenha morrido dentro desse ato temporal contado da
sua maioridade ou emancipação, prazo de um ano que se consolidaria em dezembro de 2021
– estamos em outubro desse ano, pelo que está contraído nesse ato temporal; e segundo,
temos de verificar o prazo durante o qual os herdeiros têm legitimidade para invocar a
anulação do negócio – de um ano após a morte – pelo que começou a contar em agosto de
2021 (momento da sua morte) e iria até agosto de 2022.

Como vimos no regime geral da anulabilidade, estamos perante um regime que protege
interesses de um certo sujeito, por isso é que dá aos seus representantes legais, que estão a
exercer poderes funcionais em relação a ele, legitimidade para atacar aqueles negócios – não
ferem a ordem pública, mas ferem certos interesses. Por isso mesmo a lei prevê, no artigo
288º CC, a hipótese de haver confirmação, ou seja, os sujeitos podem, perante um negócio
anulável, ter três hipóteses: ou requerem a destruição do negócio, ou não fazem nada (e
deixam o prazo caducar e que a situação se consolide) ou, se tiverem interesse em esclarecer
a situação mais cedo, podem confirmar o negócio (e podem querer, perante a contraparte do
negócio, que o negócio se mantenha, confirmando-o). O artigo 125º/2 CC o que faz é uma
adaptação do regime da confirmação ao regime da menoridade, ou seja, encontramos aqui
essa possibilidade, no fundo, de que quem tem o poder de anulação, tem a faculdade de
anular ou confirmar – isto tem a ver com o facto de não estarmos perante norma de ordem
pública, mas sim perante as normas que não permitem proteger interesses da coletividade,
mas sim proteger interesses de um certo sujeito. A lei dá, então, estas possibilidades de atacar
estes negócios, de não atacar ou então, mais cedo, de os confirmar. Em relação à razão de ser
da confirmação em geral, o que a lei faz é colocar esta lógica à sucessão de legitimidade
temporal para anular os negócios que vale na menoridade, ou seja, ela diz que quando surge a
legitimidade para o menor vir atacar os negócios que celebrou, quando era menor, também
tem legitimidade de igual modo para optar por confirmar estes negócios. Por conseguinte,
antes de ele fazer 18 anos ou de se emancipar, portanto no período em que são os seus
representantes legais a exercer competências, assim como eles podem anular negócios ou
então deixar caducar a anulabilidade, podem também confirmar negócios.

Alínea d)

Estamos aqui perante a tal questão de saber o que acontece ao matrimónio contraído por
sujeitos que são menores. Em janeiro de 2020, Carlos Eduardo tinha 17 anos. Caso tivesse 15
anos e se tivesse casado com Maria Eduarda, ao invés disso, não tinha capacidade de gozo
para este casamento (artigo 1601º/a) CC). Como já tinha mais de 16 anos feitos, já tinha
capacidade de gozo para casar, mas nada aqui no caso prático nos diz que ele tenha sido
autorizado para o efeito (artigo 1604º CC). Se tivesse obtido autorização dos seus pais ou tutor
ou, eventualmente, o seu suprimento, para casar, antes de fazer os 18 anos, o efeito jurídico
deste casamento seria a emancipação para efeitos de capacidade. O que estamos a analisar é
o regime para que remete o artigo 133º CC, que é o do casamento contraído por maior de 16
anos não autorizado pelos seus pais ou tutor. É este um regime híbrido, que não é um regime
de incapacidade de exercício (o casamento, em si, é válido, mas não produz os seus efeitos
normais ao nível da capacidade), porque continua o menor a ser tratado como tal, em relação
a parte do seu património – aos bens que já leve para o casal ou então os que lhe advenham
por título gratuito até à maioridade (artigo 1649º/1 CC), correspondendo este número 1 ao
círculo dos atos em relação aos quais o sujeito continua a ser menor. Já no número 2 do
presente artigo, temos o círculo de património que vai corresponder aos atos praticados
durante esse período – temos aqui uma dupla proteção do sujeito. Está aqui em causa
sabermos se, face a estes negócios que o sujeito praticou (1,2,3 e 4), estão abrangidos pelo
círculo em relação ao qual o sujeito é menor, ou se o sujeito já os pode praticar. Em relação
aos negócios dos números 1 e 2, o menor sempre seria capaz, ainda que não tivesse adquirido
esta maior liberdade de disposição por força do casamento. E a venda da scooter a Eusébio?
Não seria capaz, uma vez que se trata um bem que já existia no seu património, pelo que
continua a ser tratado como um menor em relação a esse negócio (artigo 1649º CC), pelo que
este negócio não é válido – é o representante legal que o pode anular até Carlos fazer 18
anos; até lá, ele continua a ser tratado como um menor, para estes efeitos. Quanto ao negócio
relativo ao empréstimo, estamos perante uma aquisição de bens, neste caso a assunção de
dívidas (empréstimo). Para este caso, vale o número 2 do artigo 1649º. Ora, em relação à
assunção de dívidas, o regime é o de que o menor pode assumir dívidas, mas fica o credor
menos salvaguardado, que sabe que o negócio é legítimo, mas que se as coisas correrem mal e
não houver património, não vai poder atacar certos bens do menor – aqueles sobre os quais
ele não tem administração. O negócio é válido. Temos dois filtros: um, que diz respeito a
negócios que o menor não pode praticar – são esses atos de alienação/mudança de estatuto
de bens que integrem o seu património, quando estes bens já integrassem o seu património
no momento em que se casou – atenção: isto até aos 18 anos; depois dos 18 anos o seu
património está sobre a sua livre atuação; durante este ato, o sujeito não tem capacidade
para administrar certos bens (isto em relação aos bens); a lei não diz que o sujeito não tem
capacidade para assumir dívidas, o que a lei faz é protegê-lo face ao credor. Ora, se não houver
lugar a um pagamento espontâneo, se for necessário ir a tribunal executar aquele pagamento,
há um conjunto de bens pertencentes ao devedor (neste caso o tal sujeito que não tinha 18
anos ao executar aquele negócio), que não vão responder por esta dívida - os bens de que o
menor não tinha administração.

Alínea e)

Este negócio é, desde logo, válido. Estamos perante um sujeito menor, Dâmaso, logo será
incapaz para o exercício da generalidade dos direitos, a não ser que estejamos perante uma
exceção, que aferimos ao abrigo do artigo 127º. Não podemos verificar a alínea a) deste
artigo, uma vez que o sujeito não tem 16 anos, nem existe nenhum dado que nos indique que
esteja a celebrar um negócio ao abrigo de profissão, arte ou ofício (alínea c)), pelo que nos
resta aplicar a alínea b). A alínea b) estabelece que são excecionalmente válidos os negócios
da vida corrente e ao alcance da capacidade natural do menor – temos a compra de um
alimento, ao alcance da capacidade natural do menor e temos um negócio instantâneo, assim
como temos um bem de pequena importância.

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