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Um Argumento Cosmológico A Partir Do Big Bang Para A Inexistência de

Deus

Parte 4 – A Questão da Intervenção Divina

Autor: Quentin Smith


Fonte:
http://www.infidels.org/library/modern/quentin_smith/bigbang.html
[Publicado originalmente em FAITH AND PHILOSOPHY em abril de 1992
(Volume 9, No. 2, págs. 217-237)]
Tradução: Gilmar Pereira dos Santos (blog Rebeldia Metafísica)

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Uma objeção ao argumento da seção 3 é que ele não leva em conta a


possibilidade de uma intervenção divina.

Se a singularidade do Big Bang é anômica, então é possível para Deus


intervir no instante da singularidade e forçá-la sobrenaturalmente a
explodir de um modo específico, nomeadamente, explodir emitindo uma
configuração de partículas maximamente produtora de vida.

Deste modo, Deus pode garantir que o estado mais antigo do universo
evoluirá até um estado animado.

Mas não é nem um pouco óbvio que esta objeção seja consistente com a
concepção teísta clássica da natureza divina. Deus é onisciente, onipotente
e perfeitamente racional e não é um indício de um ser com estes atributos
criar como primeiro estado do universo alguma entidade inerentemente
imprevisível que demande uma intervenção ‘corretiva’ imediata a fim de
que o rumo do universo seja retificado.

Se Deus almeja criar um universo que em algum momento não especificado


de sua história abrigará seres vivos, não há razão para Ele começar o
universo com uma singularidade completamente imprevisível. Com efeito,
escolher tal começo é tanto irracional como ineficiente.

É um sinal de incompetência planejar ou projetar grosseiramente como o


primeiro estado natural do universo algo que requeira, ‘de cara’, uma
intervenção sobrenatural que assegure que o resultado desejado seja
alcançado.

A coisa racional e eficiente a se fazer é criar algum estado que por sua
própria natureza nômica evolua até um universo contendo vida.

O problema a que aludo não é que Deus institua leis que ele deve
imediatamente violar se suas intenções devem ser realizadas. O problema
refere-se à intervenção de Deus em sua criação, não à violação das leis que
a regem.

‘Deus viola a lei natural L’ implica ‘Deus intervém em sua criação’, mas não
há nenhuma implicação no sentido contrário, já que Deus pode intervir em
eventos ou processos naturais que não são governados por leis.

Como a singularidade do Big Bang não é regida por nenhuma lei, a restrição
imposta por Deus para que sua singularidade emita uma configuração
produtora de vida seria uma instância de intervenção que não é uma
violação nomológica.
Consequentemente, a objeção de que ‘Deus pode intervir na explosão da
singularidade de modo a fazê-la emitir uma configuração de partículas
produtoras de vida sem violar as leis que ele próprio determinou’ é uma
ignoratio elenchi (Falácia da Conclusão Irrelevante), já que, em vez disso,
meu argumento é que esta intervenção implica um primeiro estado
planejado com incompetência ou desleixo.

Eu também observaria que meu argumento não pressupõe que exista uma
‘maneira mais racional, competente ou eficiente de criar um universo
animado’ e por conseguinte não sucumbe a um análogo da teodiceia do
‘nenhum melhor mundo possível’, tal como a desenvolvida por George
Schlesinger. [17]

Meu argumento pressupõe apenas que existem maneiras eficientes e


ineficientes, onde uma maneira eficiente é uma através da qual estados
animados evoluem previsivelmente de acordo com leis naturais e uma
maneira ineficiente é uma pela qual estados animados não evoluem de
acordo com leis naturais, mas exigem intervenções divinas.

Notas.

17. George Schlesinger, Religion and Scientific Method (Boston: D. Reidel,


1977). Para uma crítica sólida da teodicéia de Schlesinger, veja Keith
Chrzan, ‘The Irrelevance of the No Best Possible World Defence,’
Philosophia 17 (1987): 161-167.

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