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lOMoARcPSD|6201926

Direito da União Europeia


Sebenta

Regente Maria Luísa Duarte

Mariana Valério Sobreiro &

Raquel de Castro Guerreiro

Descarregado por Maria Francisca (mariafranciscadaniel@hotmail.com)


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Índice
Comunidades e União Europeia. Direito Comunitário, Direito da União Europeia e Direito
Eurocomunitário ....................................................................................................................................... 5
Os fundamentos históricos do desígnio europeu .................................................................................... 9
A Europa do pós-1945. A criação das três Comunidades Europeias ..................................................... 12
As estapas do processo de integração europeia .................................................................................... 20
O Tratado de Lisboa e a afirmação da UE como espaço de integração política .................................... 33
Método comunitário e princípio contratualista: um certo regresso às origens ................................... 37
Sobre a natureza jurídica da União Europeia ......................................................................................... 44
A UE e a vertigem das crises sucessivas (2008-2020)............................................................................. 46
O futuro da União europeia.................................................................................................................... 50
Sistema institucional da UE- noções básicas .......................................................................................... 55
Estrutura institucional e fontes de legitimidade.................................................................................... 58
Quadro comum de funcionamento das instituições, órgãos e organismos .......................................... 59
Princípios fundamentais de vinculação institucional............................................................................. 66
Parlamento Europeu ............................................................................................................................... 73
O Conselho Europeu ............................................................................................................................... 87
O Conselho da União Europeia ............................................................................................................... 92
Os guardiões dos Tratados ................................................................................................................... 105
Comissão Europeia ................................................................................................................................ 106
Tribunal de Justiça da União europeia ................................................................................................. 118
Banco Central Europeu ......................................................................................................................... 122
Tribunal de Contas ................................................................................................................................ 127
Órgãos criados pelos Tratados ............................................................................................................. 129
Órgãos criados pelo decisor da União Europeia – comités e organismos personalizados ................. 137
Procedimentos de decisão; separação de poderes e sistema de governo da União Europeia:
atipicidade VS tipicidade ...................................................................................................................... 141
Os procedimentos de aprovação de atos legislativos.......................................................................... 144
Procedimento de aprovação de atos não legislativos ......................................................................... 147
O procedimento de vinculação internacional da União Europeia ....................................................... 149
Procedimento de aplicação de sanções políticas pela União Europeia aos estados-membros ......... 150
As fontes do Direito da União Europeia ............................................................................................... 152
Direito Primário .................................................................................................................................... 153
Direito secundário: ............................................................................................................................... 159
Ordem jurídica eurocomunitária e Direito Internacional: aspetos gerais........................................... 166
Direito Internacional de fonte convencional ....................................................................................... 167
Outras fontes ........................................................................................................................................ 169

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A articulação entre a ordem jurídica eurocomunitária e as ordens jurídicas nacionais- princípios e


critérios estruturantes. Autonomia. Primado. Eficácia direta ............................................................. 173
Outros princípios de função complementar para a garantia da eficácia plena do Direito da União . 182
A CRP e o grau de abertura à exigência de coabitação necessária entre o princípio do primado e o
respeito pelos “princípios fundamentais do Estado de direito democrático (Art. 8º/4) .................... 188
Sobre os fundamentos jurídicos de uma União de direito .................................................................. 193
O “bloco de fundamentalidade” da União Europeia – antecedentes e fontes ................................... 196
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia- âmbito de proteção e relevância jurídica .. 200
A UE e a adesão à CEDH (um projeto adiado) ...................................................................................... 202
Garantia do nível mais elevado de proteção e funcionamento do triângulo judicial europeu .......... 203
Estatuto de cidadania da União: natureza jurídica do vínculo e elenco de direitos ........................... 204
Âmbito e natureza das competências da UE- princípios basilares ...................................................... 207
A vocação expansiva e adaptativa dos poderes da UE- instrumentos jurídicos de interpretação e
ampliação de competências ................................................................................................................. 212
Delimitação da esfera jurídica de ação- em especial a fronteira entre competência exclusivas e
competências partilhadas..................................................................................................................... 214
Competências atípicas .......................................................................................................................... 217
Competências da UE e políticas de velocidade variável ...................................................................... 219

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Direito da união europeia- não é um segmento da ordem jurídica, é a expressão de uma


ordem jurídica própria; autonomia fundacional. Associação de estados e é uma realidade
autónoma. Ao contrário da generalidade das organizações internacionais, a união europeia
produz direito e um direito que prevalece sobre o próprio direito interno.

A Europa e a União europeia distinguem-se em termos geográficos pois a UE não


congrega todos os estados europeus, e também no próprio sentido cultural, histórica, a UE não
é a Europa e havia até uma arrogância não justificada de os estados e os povos dentro da UE
representam por si só a Europa, e não é verdade.

É importante fazer distinção entre a grande europa e a pequena europa.

A grande europa corresponde ao conselho de europa- organização internacional de


natureza intergovernamental q tem como membros estados europeus, atualmente 47,
praticamente todos os estados europeus. De fora Bielorrússia, Cazaquistão e quem considerar
Kosovo um estado. Criado em 1949, é a mais abrangente das organizações europeias. No seio do
conselho na europa, baseada na ideia da cooperação e estão 47 estados a aí convivem todos os
estados da União Europeia mas por outro lado temos estados como Rússia, Turquia, arménia.

Pequena europa- corresponde às comunidades europeias, depois UE, que tinha um nº


reduzido de estados, que atualmente tem 27 estados (diferença). A UE é uma associação de
estados soberanos, já não uma organização internacional, mas uma associação que tem objetivos
não apenas de cooperação, são de coordenação de poderes, de integração das soberanias.

Por outro lado, também há um outro critério de distinção entre a UE e a Europa

Ideia de europa- antiga. Alguns autores dizem que nasceu na Grécia antiga em 700 a.c,
ideia que começa na literatura da Grécia antiga e que depois passa para o próprio pensamento
político e a europa talvez seja mais do que uma entidade geográfica, uma entidade cultural e
política. Ideia anterior a qualquer esforço de confederação.

Temos 2 planos que se diferenciam, embora não sejam antagónicos.

- Plano jurídico institucional: reporta-se à união europeia, que é uma entidade, dotada de
um estatuto jurídico próprio

- Num plano diferente, mas complementar temos uma ideia de europa, uma ideia de
identidade europeia, como realidade do pensamento, cultural, como ambição politica.

Uma interação e diálogo permanente entre estes 2 planos: o plano jurídico institucional
e o plano político ideológico. Quando procuramos traçar a união histórica da UE, temos 2
caminhos possíveis: caminho mais longo, que nos leva a recuar até à grécia antiga, e percorrer a
sua evolução, ao longo da idade media, da idade moderna, do período contemporâneo…
percurso mais longo

Depois temos o mais curto: começa no começo- com a criação das comunidades
europeias.

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Que idade tem a união europeia? depende se nos reportarmos à criação da primeira
comunidade europeia criada pelo tratado de paris assinado solenemente em 18 de abril de 1951-
a união europeia vai fazer 70 anos. Se nos reportarmos aos tratados de Roma que vão criar as
outras 2 comunidades - a comunidade europeia da energia atómica e a comunidade económica
europeia, então estamos a referimo-nos a 1957- 64 anos, um pouco menos. Mas se nos
referirmos precisamente à criação da entidade união europeia e não das suas antecessoras, as
comunidades europeias, então aí temos de nos referir a 1992- o ano em que foi assinado o
primeiro tratado da união, tratado de Maastricht, a união europeia será uma jovem adulta com
19 anos.

A união europeia é um processo. Existem atos desencadeadores, atos que estão na


génese de um determinado processo, e tem uma evolução mais ou menos rápida e não tem
propriamente um epílogo.

Possibilidade de extinção da UE- muito improvável, mas possível do ponto de vista


jurídico.

Tudo teria começado em 1950 com a declaração Schuman e tudo teria acabado com esse
tratado de extinção, por vontade dos seus membros.

UE- processo, evolução contínua, em que uma fase antecipa outra e há ali um método de
engrenagem, de evolução continuada e de certa forma que torna aquilo que vai sendo obtido
relativamente irreversível, criando o que a declaração Schuman chama de solidariedade de facto.

O projeto de integração europeia é um processo que se desenvolve por etapas, por vezes
existem recuos estratégicos para avanços mais auspiciosos, mas é um processo em aberto (work
in progress).

Lição nº1

1. União Europeia e Direito da União Europeia

Comunidades e União Europeia. Direito Comunitário, Direito da União Europeia e Direito


Eurocomunitário

Desde a criação das três Comunidades Europeias, na década de cinquenta do séc. XX, a
expressão Direito Comunitário tornou-se a fórmula mais comum de designação do conjunto de
regras e princípios aplicáveis à existência e ao funcionamento da respetiva estrutura decisória de
poder.

A criação da União Europeia, em 1993, com o Tratado de Maastricht, abriu caminho a


outras designações que, com sentido de atualidade, estariam em sintonia com a nova etapa do
processo de construção europeia:

- Direito da Integração Europeia;


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- Direito da União Europeia;

- Direito das Comunidades Europeias;

- Direito Constitucional da União Europeia.

Com a assinatura da chamada Constituição Europeia, em Outubro de 2004, conquistou


algum espaço a designação Direito Constitucional da União Europeia, mas a opção, com o
abandono formal do Tratado Constitucional e o retorno ao modelo clássico do tratado
internacional através do Tratado de Lisboa, revelar-se-ia, afinal, prematura.

A opção por uma ou outra designação reflete, basicamente, um determinado critério


metodológico e uma certa abordagem do modelo jurídico da integração europeia. A terminologia
não é, no Direito, apenas uma questão de gosto ou de preferência pessoal.

No novo quadro definido pelo Tratado de Lisboa (2009), que extinguiu a Comunidade
Europeia e eliminou do texto dos Tratados toda e qualquer referência ao termo comunitário e
derivados, poderemos continuar a falar de Direito Comunitário sem correr o risco de parecermos
anacrónicos ou indiferentes à mudança? Não temos dúvidas acerca da suficiência e adequação
da expressão Direito da União Europeia para descrever o conjunto de regras e princípios
conformadores do estatuto jurídico da União Europeia. Esta designação não prejudica, contudo,
o acerto dos que continuam a falar em Direito Comunitário e suas declinações (processo
comunitário, ato comunitário, instituições e órgãos comunitários). Neste caso, a expressão
Direito Comunitário designa o direito criado e aplicado segundo o método comunitário que não
só sobreviveu ao Tratado de Lisboa como nele se viu reforçado. Sem pôr em causa a natureza
adquirida da expressão comunitário no processo de construção da União Europeia, mas com o
objeivo de sublinhar a sua adaptação a esta nova etapa encetada com o Tratado de Lisboa, temos
proposto a fórmula compósita eurocomunitário que, com inteira propriedade, descreve a
singulariedade do modelo jurídico da União, de génese comunitária e de base europeia.

Em todo o caso, e independentemente da opção terminológica, cumpre sublinhar que o


Direito da União Europeia não é um ramo do Direito; ele é, com todas as caraterísticas inerentes,
um ordenamento jurídico autónomo e pluridimensional.

O Direito da União Eurpeia, atendendo, por um lado, ao seu alargado espetro de


regulação material e, por outro lado, à eficácia direta e à prioridade aplicativa das respetivas
normas nas ordens jurídicas dos Estados-membros, não pode ficar reduzido à dimensão de uma
disciplina na enciclopédia jurídica. Uma caraterística identitária do Direito da União Europeia é a
sua expansividade material, de tal modo que, no estádio atual de evolução, deparamos com
normas eurocomunitárias sobre os mais variados aspetos da regulação jurídica da vida socia. A
vocação de crescimento do normativo comunitário é tentacular. A normatividade de fonte

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eurocomunitária insinuou-se em quase todos os espaços típicos de regulamentação interna. Será


difícil, senão mesmo impossível, encontrar domínios materiais que tenham sido resguardados
deste fenómeno de projeção comunitária, por forma direta ou indireta.

A abordagem pedagógica e científica da ordem jurídica da União Europeia não será um


território reservado aos cultores da doutrina do Direito Comunitário. Na verdade, a crescente e
inexorável europeização do direito interno teve o efeito virtuoso de transportar o Direito da
União Europeia para dentro das obras do Direito Constitucional, do Direito Administrativo, do
Direito Privado...

Trata-se de uma evolução natural que põe fim a longas décadas de um silêncio quase desdenhoso
sobre a revelância interna do Direito Comunitário, ignorado como se fosse uma manifestação
espúria de intenção normativa.

Importa, contudo, não confundir doutrina do Direito da União Europeia, que guarda e
desenvolve o legado de décadas de estudo dedicado às especificidades da ordem jurídica
comunitária, com um lugar próprio e autónomo no campo da teoria e do ensino do Direito, e
doutrina que estuda o Direito da União Europeia no contexto de uma normatividade exposta ao
“contágio comunitário”.

O Direito da União Europeia designa o conjunto de regras e princípios que regem a


existência e o funcionamento da União Europeia.

O Direito da União Europeia, enquanto expressão de uma ordem jurídica própria e


autónoma, corresponde a um bloco de legalidade, plural nas suas fontes, abrangente em relação
aos destinatários das respetivas normas e muito amplo no seu escopo de regulação material. No
conjunto deste universo normativo, podemos distinguir, pelo menos, duas aceções de DUE:

- em sentido lado, o DUE abrange todas as disciplinas aplicáveis à estrutura institucional


da União Europeia, incluindo as regras e princípios definidos pelo decisor eurocomunitário com
vista à regulação de aspetos relevantes da vida social, direta ou indiretamente relacionados com
os objetivos de integração (Direito Institucional e Material);

- em sentido restrito, o DUE, despido de qualquer outra adjetivação, sói identificar o


chamado Direito Institucional, porque relativo ao funcionamento da estrutura decisional da
União Europeia.

No seu conjunto, são as regras e princípios que dão forma e legitimam o estatuto jurídico
da União Europeia.

A “comunitarização” dos ordenamentos jurídicos nacionais, condicionada, mas não travada pelo
princípio da subsidiariedade, torna inevitável que o Direito Material da União Europeia, de
incidência horizontal, passe a integrar os conteúdos específicos das vásrias disciplinas jurídicas,
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de acordo com um princípio fundamental de complementaridade funcional entre o ordenamento


eurocomunitário e os ordenamentos nacionais. O chamado Direito Institucional (Constitucional
na versão prospetiva de alguns) compreende o estatuto jurídico do poder na União Europeia,
incluindo as matérias relativas aos meios de tutela judicial (Contencioso da União Europeia) e à
proteção dos direitos fundamentais.

A União Europeia e “uma certa ideia da Europa”

A Europa está ligada a um Continente com fronteiras de traçado indeciso. Na verdade,


muito mais do que o perfil geográfico de um Continente, a Europa é um conceito, é uma ideia.
Esta ideia é variável no tempo e depende da perspetiva que cada autor imprime à sua construção
sobre o destino da Europa.

A ideia de Europa, que, pelo menos na origem do processo de construção europeia, se


identifica com o Ocidente Europeu, assenta sobre uma estrutura milenar, uma criação do espírito
solidamente sustentada por três pilares:

- do pilar da cultura helénica, a Europa herdou o ideal da beleza e da proporção, a procura


do conhecimento e da verdade do ser humano, objeto de indagação na filosofia ou protagonista
na literatura;

- do pilar do direito romano, a Europa retira o sentido do rigor, o instrumento jurídico


como chave da organização social e critério de ponderação entre o interesse individual e o
interesse coletivo;

- do pilar do cristianismo, a Europa reivindica a chave teleológica do humanismo como


conjunto de valores de expressão universal e, eventualmente, transcendente.

Se a ideia de Europa baseada nos valores personalistas da doutrina cristã alimenta uma
referência que une, já no que respeita aos aspetos especificamente culturais, como a língua, as
tradições, os sistemas jurídicos, a gastronomia, a nota dominante é a da espantosa diversidade.
A pluralidade de Estados e de nações representa uma traço de identidade europeia que não deve
ser apagado. Ao longo da Históroa, esta radical heterogeneidade deu, frequentemente, lugar à
rivalidade e ao ódio que fizeram deflagrar guerras sucessiveis e intermináveis com a sua ominosa
pegada de destruição de bens materiais, aniquilamento de vidas humanas e degradação pela
fome e miséria dos que sobreviviam. Na segunda metade do século XX, no epílogo de duas
grandes guerras que marcaram a primeira metade, separadas por um período curto de relativa
trégua, a criação das Comunidades Europeias esteve ligada a “uma certa ideia de Europa”,
sinónimo de garantia de paz e de promessa de prosperidade.

Uma Europa organizada de acordo com princípios interiamente novos de congregação e


de acomodação das vontades soberanas dos Estados que a compõem. O método comunitário

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dos pequenos passos, que começa pela integração dos mercados e acabará no cenário da
integração política, claramente proposto na Declaração Schuman, constitui um outro vetor
fundamental do teorema explicativo da Europa do futuro. Desde 1950 até aos nossos dias,
qualquer tentativa de captar e definir no momento o alcançe da ideia de Europa não foge aos
efeito magnético da discussão em torno da alternativa entre Federação e não-Federação. Sem
prejuízo da originalidade e proficiência do método comunitário de construção da união política
entre os Estados Europeus, parece-nos difícil, no plano do devir da Europa, negar à fórmula
federal o papel que, desde o início, lhe está destinado. Dúvidas legítimas permanecem no que
respeita ao momento azado de instituir a federação europeia e, sobretudo, no que toca à forma
do pacto federal e ao modo de manifestação da vontade pactícia por parte dos Estados e dos
povos europeus.

Existem fatores objetivos que podem acelerar o processo em curso de criação gradual da
federação:

- Plano externo, necessidade de adotar a União Europeia de uma voz própria e afinada
que lhe garante um lugar de autêntica relevância política na comunidade internacional,
devidamente apoiada pelos meios de ação militar;

- Plano interno, a crise financeira de 2008 e, em particular, a crise de estabilidade do euro


de 2010 tornaram patente a necessidade de proteger a moeda única através da medidas
integradas de governo económico, suportadas por uma política orçamental de definição central.

A questão que se coloca é a de saber se a assinalada especificidade comunitária


conseguirá, mais uma vez, fintar a federação. O protelamento da solução federal através do
recurso aos mecanismos de decisão tipicamente comunitária, incluindo a sua dimensão
intergovernamental, será ainda o cenário mais provável.

Na eventualidade de uma evolução para o modelo federal, seria a economia, e não a política na
sua aceção estrita, a fazer prevalecer uma certa ideia federal da Europa. O apelo imperativo da
paz não foi suficientemente forte para engrenar a federação sob a forma de uma política comum
de defesa e, menos ainda, de um exército europeu.

O modelo comunitário de exercício conjunto da soberania conheceu, ao longo destas sete


décadas de aplicação prática, desafios vários de crises menores e de crises maiores.

Lição nº2

Os fundamentos históricos do desígnio europeu

1.1. Até à I Guerra Mundial

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A palavra Europa nasceu com a mitologia. O grego Hesíodo, no poema Teogonia (O

Nascimento dos Deuses), por volta de 700 A.C., terá sido o primeiro autor a referir
expressamente o nome Europa. A Antiguidade Clássica associou o nome de Europa ao mundo da
mitologia.

Um certo paradoxo resulta deste continente de geografia incerta, guiado por um código
civilizacional tendencialmente comu, seja no que se refere à ascendência cultural (tradição
clássica, de origem greco-romana) seja no que se refere à mundividência religiosa ancorada no
Cristianismo.

A história multi-secular da Europa cruza-se com uma constante: a procura da unidade, a


recondução das partes ao todo. Este desígnio tem sido perseguido por efeito de duas forças, de
modo alternativo ou conjugado:

a) A força das armas, que engendra os Impérios (P.e., Império Romano, Império de
Carlos Magno);

b) A força das ideias, alimentada pela visão política e filosófica de um escola de


pensadores que, ao longo dos tempos e quase sempre em contradição com o pensamento
dominante da época, acreditaram na energia propulsora da razão dos homens que, a seu tempo,
desperta a razão das nações. Na génese da construção europeia prevaleceu a força motivadora
das ideias.

A caracterização da Europa como “entidade histórico-cultural e política” terá sido um dos


legados do Humanisno renascentista, por oposição ao período medieval que valorizava o sentido
geográfico de Europa.

1.2. No período entre as duas Guerras Mundiais


A Grande Guerra (1914-1918) elevou a uma escala até então desconhecida todos

os horrores resultantes de longos e sangrentos conflitos militares: a morte, a fome, as doenças,


a devastação e a desesperança na humanidade do Homem. A tragédia da I Guerra Mundial afetou
radicalmente as mentalidades e levou, intelectuais e estadistas, a redefenir prioridades.

A Grande Guerra teve ainda o efeito de apressar o declínio da Europa face aos Estados
Unidos da Américas.

No período entre guerras, o passo de maior transcendência política foi dado pela
proposta francesa de criação de uma federação chamada “União Europeia”, divulgada perante a
Sociedade das Nações em 5 de Setembro de 1929 pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros. A
ideia foi aprofundada e desenvolvida num Memorando do Governo francês enviado aos governos
europeus e, depois, a 8 de Setembro de 1930, formalmente apresentado à Sociedade nas
Nações.

O plano francês repousava sobre a ideia algo vaga de criar uma “espécie de vínculo
federal”. A sua concretização suporia a aprovação de um pacto constituinte da “União Europeia”,
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com uma Conferência Europeia, representativa de todos os Estados, um Comité Político


Permanente, como órgão executivo, e um Secretariado. A união deveria basear-se no respeito
da independência e soberania nacional de cada um dos seus Estados. Qualquer fórmula de união
federal pressupõe e implica uma limitação efetiva de parcelas fundamentais da soberania, o que
conduz a uma transformação do Estado soberano em Estado semi-soberano ou não-soberano. A
validade desta asserção não depende de qualquer posição de princípio adotada a respeito das
(des)vantagens da fórmula federal para a Europa, como também não depende do modelo federal
mais ou menos centralizado que se tenha em vista. Em suma, não existe, nem poderá existir,
união federal de Estados soberanos.

A proposta francesa de 1929 reveste, contudo, maior realismo quando se refere à


vertente económica da União. Esta deveria promover “a aproximação das economias dos Estados
europeus, realizada sob a responsabilidade política dos governos solidários”.

Antes de 1930, já o objetivo económico do projeto de unidade europeia mobilizara


esforços e vontades: em 1925 surge a “União Aduaneira Europeia”, gizada por conhecidos peritos
com o intento de tornar possível a criação de um grande mercado livre, aberto à circulação de
pessoas, mercadorias e capitais.

As propostas no sentido de lançar uma união aduaneira e fundar as relações comerciais


entre as nações europeias sobre uma base de livre comércio eram potenciadas pelo duplo
objetivo de, por um lado, proteger a economia europeia e, por outro lado, garantir a sua maior
competitividade na relação com o crescente poderio económico dos Estados Unidos da América.

A crise económica dos anos 30 e o triunfo dos regimes autoritários de inspiração


nacionalista baldaram qualquer possibilidade de concretização da proposta francesa, se é que
uma tal possibilidade chegou a existir noplano estritamente político-diplomático.

Em todo o caso, a perceção que temos, hoje, dos projetos federativos da década de Vinte
põe em evidência dois aspetos só aparentemente contraditórios:

- Por um lado, traduzem um certo idealismo político que não teve verdadeiro eco
fora dos círculos intelectuais e diplomáticos;

- Por outro lado, lançam determinadas ideias, como é a da cidadania europeia, e


desenvolvem uma perpetiva a partir da dinâmica económica que, mais tarde, estarão na base da
criação e aprofundamento das Comunidades Europeias.

Entre 1930 e a II Grande Guerra, a ideia da união política na Europa inverteu perante
acontecimentos tão adversos como a crise económica e social que se seguiu à Grande Depressão
e, em particular, a ascensão ao poder do partido nacional-socialista na Alemanha e a política de
agressão militar e conquista prosseguida pela Itália e Alemanha.

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Lição nº3

A Europa do pós-1945. A criação das três Comunidades Europeias

1.3. A Europa do pós – 1945


Entre 1939 e 1945, resistem e fazem-se ouvir algumas vozes favoráveis à federação
europeia, como é o caso de Ernesto Rossi. Um projeto concreto de unificação triunfa em plena
guerra: os governos no exílio da Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo assinam em Londres, a 5 de
Setembro de 1944, o Tratado da União Aduaneira, fundamento jurídico de uma união económica
que começaria a funcionar em 1948 e se mantém até aos nossos dias, adotando como designação
oficial o acrónimo BENELUX.

Os anos de 1947 e 1948 registam um conjunto de acontecimentos que, de modo


consequente e direto, vão estar na origem do processo que há-de culminar em 1951 na criação
pelo Tratado de Paris da primeira Comunidade Europeia. Em 5 de Junho de 1947, o Secretário de
Estado norte-americano avançou com um plano de ajuda económica à reconstrução europeia.
Este programa de ajuda económica foi condicionado à existência de um acordo entre os Estados
europeus sobre as necessidades de desenvolvimento, com a definição de um plano adequado de
aplicação e repartição dos fundos financeiros disponibilizados.

No mês seguinte, a proposta foi aceite por 16 Estados, reunidos em Paris. A administração
do plano foi confiada à Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE), fundada em 16
de Abril de 1948.

O Plano Marshall não só proporcionou a recuperação das economias europeias e a


reorganização das suas estruturas produtivas e comerciais, como, atendendo à gestão europeia
do Plano, criou novos laços institucionais de cooperação e solidariedade política entre os Estados
europeus. Entre 7 e 11 de Abril de 1948, a cidade de Haia acolheu o chamado Congresso da
Europa que reuniu mais de 700 delegados, representantes das múltiplas correntes do movimento
pró-europeu. Os debates foram dominados pela oposição entre “unionistas”, corrente formada,
na sua maioria, por delegados britânicos, e “federalistas”, com forte apoio entre os delegados
franceses, italianos, belgas, holandeses e, no que respeita a categorias sociais, entre os
sindicalistas.

De um modo sumário, que não reflete as várias sensibilidades dentro de uma e outra
corrente e, bem assim, a especificidade de certas posições individuais, os “unionistas”
acreditavam ainda na suficiência da cooperação intergovernamental, enquanto os “federalistas”
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sonhavam com uma integração de natureza federal. Mantendo-se fiel a uma conceção
fortemente arreigada, os “federalistas” insistem no paralelismo – político, jurídico e instituiconal
– entre a unificação europeia e as mais conhecidas e bem-sucedidas experiências federais.

O consenso possível no Congresso da Europa permitiu a aprovação de uma moção final.


No plano político, reclamava-se a convocação de uma Assembleia Europeia, eleita pelos
parlamentos nacionais, que deveria analisar e aprovar as medidas adequadas à criação de uma
União (confederação) ou de uma Federação. Também se proconizava a instituição de um Tribunal
que iria assegurar o respeito de uma carta europeia de Direitos do Homem. No plano económico-
social, ficou expressa a necessidade de realizar a união aduaneira, acompanhada da livre
circulação de capitais e da unificação monetária.

A despeito da natureza não governamental do Congresso da Europa, esta iniciativa gerou


uma dinâmica que mobilizou as vontades dos homens de Estado e os esforços das chancelarias
europeias, constituindo, por esta razão, o ponto de partida para a criação de organizações
europeias nos anos seguintes, embora de matriz distinta: em 1949, o Conselho da Europa
concretizava as aspirações da ala “unionista”; em 1951, a Comunidade Europeia do Carvão e do
Aço (CECA) vai ao encontro da corrente “federalista”, que, abandonando o anterior radicalismo
político, se convertera ao método funcionalista.

A estrutura institucional e a natureza dos poderes confiados ao Conselho da Europa


exprimem uma opção clara pela cooperação de tipo intergovernamental: apenas o Conselho de
Ministros, composto pelos representantes dos Estados, dispõe de poderes restritos de decisão.

Com sede em Estrasburgo, o Conselho da Europa é uma organização de cooperação


política que centrou a sua atuação na promoção e defesa dos valores relacionados com o sistema
da democracia representativa e com os princípios fundamentais da liberdade individual, da
liberdade política e do primado do Direito. Se é certo que o Conselho da Europa ficou aquém das
expectativas geradas em torno da sua criação, e para cuja relativa frustração contribuiu de modo
decisivo o êxito de método comunitário de integração a partir de 1952, não é menos verdade
que o seu papel convoca duas notas de particular reconhecimento:

1) A proclamação e garantia dos Direitos do Homem, por via da assinatura em 1950


da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais,
com a instituição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem;

2) A sua função, recortada pela prática política, de antecâmara de adesão às


Comunidades Europeias, submetendo os Estados neófitos em experiência democrática a um
controlo (pré e pós-admissão ao Conselho da Europa) que constitui uma espécie de certificado
de autenticidade da verdadeira democracia e do respeito pelos Direitos do Homem.

Alargado a 47 Estados, o Conselho da Europa incarna o ideal político da Grande Europa


que se afirma em torno de uma representação comum de valores e de herança cultura. Nesta
organização europeia de natureza intergovernamental dominam os objetivos de cooperação

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política e, nesta perspetiva, o Conselho da Europa, numa primeira fase, garantiu o necessário
enquadramento político às Comunidades Europeias de âmbito económico e, numa segunda fase,
posterior à criação da União Europeia em 1993, facilitou a articulação entre os dois espaços
europeus, parcialmente sobrepostos, de conformação da vertente política das soberanias dos
Estados europeus: a Grande Europa, formada por 47 Estados, e a Pequena Europa dos 27 Estados
que integram a União Europeia.

A criação do Conselho da Europa pelo Tratado de Londres de 5 de Maio de 1949


consagrou a rutura definitiva entre a corrente “unionista” e a corrente “federalista”. Os paladinos
de um Europa federal, como Jean Monnet, tomam consciência do distanciamento assumido pelo
Reino Unido e pelos Estados nórdicos em relação ao projeto federal e, por outro lado,
reconhecendo a impossibilidade de enveredar de imediato pela integração política, passam a
defender uma estratégia que confere prioridade à componente económica sobre a componente
política no processo de integração europeia. Abre-se, assim, caminho para a criação das
Comunidades Europeias.

A história do processo de construção europeia é apenas uma etapa da longa história da


Europa como entidade política e cultural. Com o objetivo de sistematizar a evolução do projto de
unidade europeia, propomos a divisão em três períodos:

1) Dos primórdios até à I Grande Guerra (a pré-história da União Europeia);


2) Do Tratado de Versalhes até ao final da década de quarenta do século XX (a
proto-história da União Europeia);

3) De 9 de Maio de 1950, data de divulgação da Declração Schuman, até aos nossos


dias (a história da União Europeia).

Símbolos da Europa:

- a Bandeira, uma coroa de doze estrelas douradas, de cinco pontas, sobre fundo azul –
representa os povos da Europa em círculo como sinal da sua União. Adotada pelo Conselho da
Europa em 1955, passou a partir de 1986 a identificar também a Europa comunitária;

- o Hino, é o conhecido prelúdio do “Hino da Alegria”, retirado da Nona Sinfonia de


Beethoven, igualmente partilhado pelo Conselho da Europa e pela União Europeia;

- o Dia da Europa, o chamado dia da europa – 9 de Maio – celebra o dia em que Roberto
Schuman leu a declaração que levou à criação da primeira Comunidade Europeia.

A. Ano Zero: a Declaração Schuman


O passo decisivo que pôs em marcha o processo de integração europeia, conducente à

criação da CECA, a primeira das três Comunidades, foi a histórica Declração Schuman.
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A 9 de Maio de 1950, Robert Schuman, ministro francês dos Negócios Estrangeiros,


anunciou um plano que teria sido concebido por Jean Monnet e elaborado com a ajuda de
Etienne Hirsh, Pierre Uni e, em particular, Paul Reuter.

Em Setembro de 1949, fora proclamada a República Federal da Alemanha. A recuperação


da economia alemã, conjugada com a definição da sua estrutura jurídico-institucional, fizeram
renascer a Alemanha Ocidental na cena internacional, com o apoio dos Estados Unidos da
América. Ao mesmo tempo, aumentavam os sinais de alarme em França sobre as implicações
futuras desta recuperação rápida e tão bem apadrinhada.

O plano Schuman repousava sobre um objetivo imediato de reconciliação franco-alemã:


“A união das nações europeias exige que seja eliminada a secular opisição entre a França e a
Alemanha”. Para este efeito, propunha a gestão em comum do carvão e do aço. Com a regulação
destas matérias-primas subordinada aos poderes da Alta Autoridade, resolver-se-ia o problema
premente dos níveis de produção da vasta região mineira do Ruhr e, aspecto de importância
maior, submetia-se a um controlo comum as condições de produção e de circulação de dois
produtos que, tradicionalmente, alimentavam o esforço de guerra.

Um outro objetivo – este de realização mediata, mas muito mais ambicioso – ficou para
sempre associado à Declaração Schuman: a criação da federação europeia. As condicionamentes
deste objetivo foram expostas e para lhe dar uma resposta eficaz, que falhara até então, foi
aventado um novo método de integração:

“A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio
de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto”.

Aberta à adesão de outros Estados da Europa, a proposta de “comunitarização de


produções de base e da instituição de uma nova Alta Autoridade cujas decisões vincularão a
Alemanha e a França...” realizaria deste modo “as primeiras bases concretas de uma federação
europeia indispensável à preservação da paz”.

O genuíno toque de inspiração do Plano Schuman reside no método proposto – é o


chamado método de integração funcionalista.

Contrariando as expectativas anteriores de cooperação, preconiza-se a integração, com


atribuição de poderes de soberania a um órgão de autoridade comum e independente (Alta
Autoridade). Concedendo sobre a impossibilidade de avançar pelo caminho da união política,
aposta-se na prioridade da integração dos mercados e, neste contexto, é preferida a abordagem
setorial e progressiva em detrimento da abordagem global e imediata da união económica e
monetária. É o método dos pequenos passos: graduais nos avanços e irreversíveis nos efeitos de
ntegração alcançados.

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A Declaração Schuman é ainda a carta de apresentação de um novo e fluido conceito: o


de supranacionalidade. Não o refere de modo expresso, mas estebelece as condições de
existência e de funcionamento da Alta Autoridade como as de um órgão supranacional:

- As suas decisões serão vinculativas para a França, para a Alemanha e para os países
aderentes e terão como objetivo uma gestão integrada do interesse comum;

- A sua composição será assegurada por personalidades independentes e designadas


numa base paritária pelos governos;

- O presidente será escolhido de comum acordo entre os governos;

- Disposições adequadas deverão prever as vias de recurso das decisões de Alta


Autoridade.

A Declaração Schuman anuncia os ingredientes fundamentais e distintivos do modelo de


integração comunitária que ainda podemos identificar, adicionados a outros, na atual União
Europeia e, concretamente, no estatuto da Comissão:

- Vinculação dos Estados-membros pelas decisões do órgão de autoridade comum;

- Independência deste órgão, mas participação dos Governos dos Estados-membros na


sua nomeação;

- Instituição de mecanismos de tutela jurisdicional da legalidade dos atos adotados pela


autoridade comum.

A reação à Declaração Schuman de 9 de Maio de 1950 foi rápida e positiva. Os países do


BENELUX (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) e Itália decidiram aceitar o convite francês e
participar na iniciativa. É importante notar que, desde o que podemos considerar como o ano
zero da integração europeia, este processo foi pensado em função de um espaço aberto a outros
Estados europeus.

B. O Tratado de Paris e a criação da CECA


O tratado institutivo da primeira comunidade – a Comunidade Europeia do Carvão e do
Aço (CECA) – foi solenemente assinado em paris no dia 18 de Abril de 1951 pelos representantes
dos Seis Estados. O Tratado de Paris entrou em vigor em 10 de Agosto de 1952, depois de última
ratificação, notificada pela Itália ao Governo Francês.

Destinado a vigorar pelo período de 50 anos, caducaria na data acordada de 23 de Julho de 2002.
Um período transitório marcou o arranque das novas instituições, começando a funcionar
primeiro para o mercado do carvão e do ferro, e depois para o mercado siderúrgico. Jean Monnet
foi o primeiro Presidente da Alta Autoridade.

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A expressão supranacional, referida no Tratado CECA, acabaria por sofrer os efeitos da


rejeição do modelo da supranacionalidade alargado ao domínio da defesa no ano de 1954. Os
Tratadps de Roma, institutivos da Comunidade Económica Europeia (CEE) e da Comunidade
Europeia da Energia Atómica (CEEA), omitiram qualquer menção à supranacionalidade. A
declaração Schuman, seguida da criação quase imediata da CECA, mobilizou fortemente várias
correntes pró-europeias e gerou mesmo uma certa euforia integracionista que levou a acreditar
que seria não apenas possível, como indispensável, antecipar etapas e estugar o passo em
direção à união política da Europa Ocidental.

Ao deflagrar a Guerra da Coreia, em Junho de 1950, a Europa Ocidental pressionada pelos


Estados Unidos, foi obrigada a equacionar o problema da sua defesa face ao perigo resultante do
expansionismo ideológico e militar dos regimes comunistas, em particular da ex-URSS.

A França temia, contudo, o renascimento de um exército na Alemanha Ocidental sem


controlo europeu. Para René Plevem, Presidente do Conselho de Ministros francês, e Jean
Monnet a solução deveria passar pela integração da Alemanha numa comunidade de tipo
supranacional. Em Outubro de 1950, René Pleven apresentou à Assembleia Nacional Francesa o
esboço da Comunidade Europeia de Defesa.

A proposta francesa foi bem acolhida e as negociações culminaram na assinatura do


Tratado que institui a Comunidade Europeia de Defesa (CED) pelos seis Estados-membros da
CECA, a 28 de Maio de 1952. Apesar de o tratado conferir à França as garantias que reclamara
durante a negociação, acabou por ser a Assembleia Nacional Francesa que abortou todo o
processo ao recusar a ratificação. Em Agosto de 1954, o sentimento nacionalista francês falou
mais alto e travou esta primeira tentativa – e única até aos nossos dias – de formação de um
exército europeu.

O episódio tornou claro que a integração política europeia nunca seria obra de um
punhado de visionários, intelectuais e homens de Estado.

O excessivo voluntarismo do desígnio europeu que presidiu à proposta de criação da CED


cedeu o passo, após o desaire de 1954, a uma postura de maior contenção e, em bom rigor,
impôs o regresso ao “realismo” do método funcionalista anunciado pela Declaração Schuman.

C. Os Tratados de Roma e a criação da CEE e da Eurátomo

O sentimento de ceticismo e de desânimo que se seguiu ao enjeitamento da CED foi


contrariado por uma iniciativa bem-sucedida dos Estados do BENELUX. A Itália associou-se a este
objetvo e convocou para Messina uma conferência dos Seis. O ministro holandês e o ministro
belga apresentaram uma proposta de “relançamento europeu” sobre as seguintes bases:

- desenvolvimento da estrutura orgânica de decisão comum;

- fusão progressiva das economias;

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- criação de um mercado comum;

- harmonização das políticas sociais.

Desfeito o sonho da construção europeia pela via imediata da integração política, retoma-
se o caminho das “solidariedades de facto” que se desenvolve a aprofunda no contexto favorável
da recuperação económica da década de 50.

Em execução do acordo obtido em Messina, foi nomeado um comité intergovernamental de


peritos. O relatório preliminar elaborado continha já o esquema das duas comunidades e viria a
constituir a base das negociações que culminariam na assinatura em Roma, no dia 25 de Março
de 1957, dos tratados institutivos da Comunidade Económica Europeia (CEE) – pretendeu-se o
estabelecimento de um mercado comum geral, com regras aplicáveis a todos os domínios da
atividade económica -, e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA, também conhecida
pelo acrónimo EURÁTOMO) – prosseguiu-se o objetivo, inaugurado em 1951 com a CECA, de
uma solidaridedade setorial no setor específico da energia atómica. No mesmo dia, foi assinada
a Convenção relativa a certas instituições comuns às três Comunidades Europeias (Assembleia e
Tribunal de Justiça).

Durante séculos, o objetivo de uma Europa unificada mobilizou a força das armas, por
conta da demanda do império, ou inspirou a força das ideias em torno do desígnio da “paz
perpétua”. Com a criação das Comundades Europeias e, em especial, com o seu alargamento e
aprofundamento, assistimos ao triunfo de um projeto de unidade europeia que, sem deixar de
ser político e visionário, se alimenta e renova a partir da força motriz que resulta da unidade
sinérgica dos mercados.

Os dois Tratados de Roma entraram em vigor a 1 de Janeiro de 1958. As três Comunidades


Europeias encetaram, então, um trajeto comum que importa descobrir através dos
acontecimentos mais decisivos de uma evolução por etapas.

Notas adicionais:

Muito antes da data definida de caducidade do Tratado de Paris (23 de Julho de 2002), a
CECA iniciou um processo de definhamento institucional – logo em 1958 com a entrada em
funcionamento das outras duas Comunidades europeias, em que a CEE se afirmou como a
verdadeira locomotiva do processo de integração; por outro lado, razões de ordem económica
retiraram ao carvão e ao aço a importância estratégica de antanho e nem a existência da CECA
impediu uma grave crise da indústria siderúrgica e carbonífera europeia. Um protocolo anexo ao
Tratado de Nice acautelou as consequências financeiras resultantes do termo de vigência do
Tratado CECA. A totalidade do passivo e do ativo da CECA existente em 23 de Julho de 2002 foi
transferida para a Comunidade Europeia em 24 de Julho de 2002, mas destinada à criação do
Fundo de Investigação do Carvão e do Aço.

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Processo de negociação dos Tratados de Roma: ao longo de quase dois anos, entre a
Conferência de Messina (Junho de 1955) e a assinatura em Roma (Março de 1957), os Seia
enfrentaram sérias dificuldades, dominados pelo sentimento, ao mesmo tempo de tremos e de
determinação, de que um novo fracasso poria fim ao projeto da construção europeia. Um dos
obstáculos que ameaçou entravar a criação do mercado comum foi a questão do estatuto dos
territórios ultramarinos franceses. Este problema foi ultrapassado através da garantia de
aplicação do Tratado aos departamentos franceses ultramarinos.

No processo de construção europeia, verifica-se uma relação de notória


complementaridade entre, por um lado, as organizações europeias de cooperação
intergovernamental e, por outro lado, as organizações europeias de integração ou
supranacionais, sob a forma das três Comunidades Europeias. No pano económico, político ou
militar, a diferente natureza destas organizações não impede, bem pelo contrário, uma estreita
coordenação de esforços e de estratégias.

a) Campo económico, cumpre referir a Organização Europeia de Cooperação Económica


(OECE), criada em 1948 por iniciativa de 16 Estados europeus, grupo do qual fazia parte
Portugal, com o propósito principal de coordenar a gestão do Plano Marshall. Redefinida
nos seus objetivos em Dezembro de 1960, deu lugar à Organização de Cooperação para
o Desenvolvimento (OCDE) que integra Estados não europeus (p.e., EUA, Japão, Canadá).

b) Campo político, o diálogo entre a União Europeia e a restante Europa é assegurado pelo
Conselho da Europa, criado pelo Estatuto de Londres em Maio de 1949. Composto por
47 Estados europeus, o Conselho da Europa projeta os valores e os princípios do ideário
europeu que, igualmente, vinculam e enquadram a atuação política e jurídica da União
Europeia.

c) Campo militar, na sequência da tentativa frustrada de criar em 1954 a Comunidade


Europeia de Defesa, a resposta às exigências da defesa e da paz na Europa Ocidental foi
procurada na fórmula tradicional das organizações de cooperação. Em Abril de 1949, foi
criada a NATO, tratando-se de uma aliança entre Estados situados no hemisfério norte da
margem do Atlântico que, através de garantias mútuas e da legítima defesa coletiva, no
respeito da Carta das Nações Unidas, garante a segurança dos seus membros. Instituída
por 12 Estados (Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, França, Países Baixos, Islândia, Itália,
Luxemburgo, Noruega, Portugal e Reino Unido), a NATO foi, desde o início, e apesar de
não integrar apenas Estados europeias, um elemento fundamental na estratégia
geopolítica e militar de defesa da Europa Ocidental.

Lição nº4

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As estapas do processo de integração europeia

A. A etapa da transição (1958-1968)

O tratado CEE estabelecia como primeiro objetivo a realização da união aduaneira


(eliminação dos direitos aduaneiros nas relações entre os Seis e aplicação de uma pauta
aduaneira comum nas relações com países terceiros) num período de transição que deveria ser
de 12 anos. O Mercado Comum abrangia regras que visavam assegurar a liberdade de circulação
de mercadorias, pessoas, serviços e capitais. O funcionamento do Mercado Comum pressupunha
ainda um certo número de políticas comuns- Política Agrícola Comum, Política Comum de pescas
e Política Comercial Comum- e um mecanismo de harmonização das legislações nacionais.
As economias dos seis Estados-membros desfrutaram de um período de grande
prosperidade e desenvolvimento, o que permitiu a antecipação do fim do período transitório no
domínio da união aduaneira para o dia 1 de Julho de 1968.
Em contraste com o cenário económico mais favorável, as Comunidades Europeias
conheceram nesta fase 2 momentos críticos de discordância política, ambos protagonizados pela
França:
o Em 1963, com a primeira recusa francesa do pedido de adesão do Reino Unido (Isto
porque no art 49º TUE diz que a possibilidade de um estado aderir à união europeia
depende do acordo unânime de todos os estados que são membros da união europeia,
sendo a união europeia como um clube reservado cuja entrada depende do acordo de
todos os que já lá estão, exigindo-se a unanimidade);
o Em 1965, com a chamada “política da cadeira vazia”.

A França, presisida pelo General De Gaulle, olhava com profunda desconfiança o desígnio
da união política e o crescente poder das estruturas supranacionais, como era o caso da Comissão
Europeia. De Gaulle deixa clara a sua conceção sobre o papel dos Estados “(…) únicas entidades
que têm o poder de ordenar e o poder de ser obedecidas. Pensar que se pode construir qualquer
coisa eficaz que deva ser aprovada pelos povos, fora ou sobre os Estados, é uma quimeira”
Os chamados Planos Fouchet foram uma tentativa por parte da França, rejeitada pelos
seus parceiros, de encaminhar as comunidades Europeias no sentido da cooperação
intergovernamental, a única tida como adequada a uma visão da Europa das Pátrias. A tensão
política aumentava, bem visível nas palavras de Gaulle de 26 de Maio de 1962 quando acusa de
apátridas os paladinos das instituições supranacionais, sentenciando que “não pode haver outra
Europa possível que não seja a dos Estados”.
Em princípios de 1965, Walter Hallstein, Presidente da Comissão, propõe um sistema de
recursos financeiros próprios da Comunidade. A França, que presidia ao Conselho de Ministros
no segundo semestre de 1965, exige a retirada da proposta. Dada a recusa da Comissão, a França
responde com a estratégia da cadeira vazia que se traduziu na não comparência às reuniões do
Conselho de Ministros e teve como consequência a paralisia no funcionamento das Comunidades
Europeias.

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A crise durou seis longos meses, durante os quais se chegou a duvidar da possibilidade de
superar o embate frontal entre duas conceções metodológicas da construção europeia
radicalmente distintas: a supranacional comunitária VS a intergovernamnetal. A solução chegou,
finalmente, em Janeiro de 1966, através do chamado “Acordo de Luxemburgo”, que garantiu aos
Estados, a qualquer Estado, o poder de vetar decisões quando interfiram com interesses muito
importantes para um ou alguns dos membros.
Em 1967, o Reino Unido, acompanhado pela República da Irlanda, Dinamarca e Noruega,
renovou o período de adesão. A apreciação da candidatura britânica foi remetida para um
momento mais oportuno que, de facto, só chegaria com a saída de cena do General De Gaulle
em Abril de 1969.

B. A etapa da idade adulta (1969-1992)

O seu sucessor, Georges Pompidou, tomou a iniciativa de convocar uma Cimeira de Chefes
de Estado e de Governo, sob o signo do conhecido tríptico: acabamento, aprofundamento e
alargamento.
A Cimeira de Haia de Dezembro de 1969 aborda, assim, as grandes questões do futuro da
construção europeia que vão condicionar a agenda política nos anos subsequentes:

1) Acabamento:

Concluir a realização do Mercado Comum, garantindo, nomeadamente, o financiamento das


políticas comuns através de recursos próprios (reforma das finanças comunitárias, consagrando
em 1975 um sistema de recursos próprios e o reconhecimento de poderes de decisão orçamental
ao Parlamento Europeu).
Para percebermos a ambição deste objetivo, cabe antecipar a matéria relativa às fases da
integração económica. As comunidades europeias quando foram criadas na década de 50, foram
criadas como instrumentos de integração económica, sendo o objetivo criar um mercado
integrado no plano setorial para o carvão, aço e energia atómica, e criar um mercado integrado
para as restantes atividades económicas, no âmbito da CEE. A integração económica passa por
várias fases. A teoria da integração económica, que tem uma base da economia política, costuma
identificar 4 fases:

• Zona de comércio livre: eliminação dos entraves tradicionais às relações comerciais entre
os Estados (restrições quantitativas ou contingentes e direitos aduaneiros de importação
e exportação); garantia de livre circulação de mercadorias entre os Estados participantes.
Nas relações comerciais com os países terceiros, são aplicáveis as diferentes pautas
aduaneiras nacionais, o que gera consideráveis dificuldades de funcionamento da zona.
A teoria postula e a experiência confirma que as zonas de livre câmbio são formas transitórias
de integração que evoluem para um estádio superior ou, não resistindo às tensões provocadas
pelos interesses nacionais divergentes. Se extinguem. A Convenção de Estocolmo de 1960, que
instituiu a EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre) entre os sete membros originários

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(Reino Unido, Suécia, Noruega, Dinamarca, Áustria, Suiça e Portugal), estabelecia uma zona de
livre comércio limitada aos produtos industriais.

• União Aduaneira: patamar seguinte. Temos tudo o que temos na zona de comércio livre
+ uma pauta aduaneira comum.
A livre circulação de mercadorias é alargada a todos os produtos, incluindo os agrícolas;
aplicação de uma pauta aduaneira comum na relação com o mundo exterior (uniformização da
imposição aduaneira reclamada no ato de importação ou de exportação de mercadorias).

• Mercado Comum: temos todas as medidas que vêm de trás- todas as medidas de
liberalização das relações económicas, mas agora temos outras regras e sobretudo
políticas que visam promover uma maior integração das relações económicas. O objetivo
é que as economias desses vários estados que fazem parte das comunidades europeias
funcionem e interajam como se fossem um único mercado.
Modalidade mais avançada de integração que acrescenta ao regime da união aduaneira
a livre circulação dos factores produtivos (capital e mão-de-obra). No caso concreto das
Comunidades Europeias, o Mercado Comum assentou sobre as quatro liberdades (livre
circulação de mercadorias, pessoas- livre circulação dos trabalhadores e direito de
estabelecimento-, serviços e capitais), com algumas políticas comuns (Política Agrícola Comum,
Política Comum de Pescas, Política Comum de Transportes, Política Comercial Comum) e um
procedimeto de harmonização das legislações nacionais (através do instrumento jurídico da
diretiva- art. 288º TFUE).
O Ato único Europeu (de 1986, que entra em vigor em 1987) definiu o objeto de realização
do mercado interno ou mercado único, o que pode ser entendido como uma fase última de
acabamento dos fins subjacentes à forma do mercado comum.

• União Económica e Monetária: constitui a modalidade mais avançada de integração:


coordenação das políticas económicas, sociais, financeiras e monetárias;
aprofundamento do processo de harmonização, ou mesmo de uniformização, das
legislações nacionais direta ou indiretamente relacionadas com o funcionamento do
sistema económico (ex: direito das sociedades, direito fiscal, direito da concorrência);
dependendo do nível alcançado de integração dos sistemas económicos nacionais, o
estádio superior desta fase comporta a união monetária (moeda única ou, mantendo as
moedas nacionais, câmbios fixos e convertibilidade obrigatória das diferentes moedas
participantes).
No caso europeu, criação de uma moeda única, o euro, formalmente criado na sequência do
tratado de Maastricht, formalmente criado por decisão a 1 de janeiro de 1999, e passou a circular
entre 1 de janeiro e 1 de julho de 2002.
No estádio atual de evolução da integração económica europeia, a União Europeia
combina ainda elementos típicos da união aduaneira, mercado comum, união económica e união
monetária. Se no domínio da política monetária, o euro, concretiza o objetivo último e mais
ambicioso de integração, já noutros domínios, como o da livre circulação de pessoas e o da
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harmonização da legislação fiscal, estão ainda por realizar pressupostos básicos de


funcionamento do mercado comum.

2) Aprofundamento

Desenvolvimento das políticas comuns, incluindo as políticas de acompanhamento (ex:


Política Regional, Política Social), e lançamento das primeiras bases da união económica e
monetária (1972. Instituição da “serpente monetária”; 1978- criação do sistema monetário
europeu).
Este objetivo remete-nos para a afirmação consequente da ligação entre a integração
económica e a integração política, ou seja, recuperar a mensagem da declaração Schuman,
criando solidariedades de facto, através da integração económica, criar condições para evoluir
para a chamada Federação europeia.

Na cimeira de Haia começa a desenhar-se um modelo de integração política, e isso vai


sendo refletido e ponderado nos anos seguintes, até que a primeira concretização, para além de
uma dinamização política e prática institucional, mas formalização em termos jurídicos verifica-
se com o ato único europeu, assinado em 1986- este tem um significado muito importante pois
30 anos passados é a primeira revisão substancial dos tratados institutivos da década de 50 e o
ato único europeu anuncia o pacote das medidas em torno da integração política.

A referência aos direitos fundamentais, a uma cidadania europeia, à integração política,


à cooperação política europeia, e tudo isto se vai concretizar, de uma forma assumida e
desenvolvida, no Tratado de Maastricht, assinado em 1992, que entra em vigor no ano seguinte.
Vamos encontrar aí disposições expressas, embora genéricas, sobre proteção de direitos
fundamentais, de instituição de cidadania da união e a construção de 3 pilares: o pilar
comunitário (acerto comunitário em termo da integração económica), o pilar relativo à política
interna e de segurança comum (domínio da integração política entre os estados) e o terceiro
pilar de justiça e assuntos internos (diz respeito à cooperação entre os estados em matérias
nomeadamente de cooperação judiciária e penal). Este objetivo do aprofundamento vai marcar
a agenda dos anos seguintes, relativamente à mutação das comunidades europeias, de um
objeto puramente económico para um objeto político.

REGENTE: as bases políticas da união europeia continuam, nos dias de hoje, a ser muito
débeis, pese embora tudo aquilo que foi sendo feito em termo de reformas dos tratados
institutivos.

3) Alargamento

Abertura das negociações com vista à admissão do Reino Unido e dos demais candidatos.

É importante mencionar que só podem entrar países democráticos na união europeia, e


sendo necessária unanimidade. Isto encontra-se hoje previsto no art. 49º do tratado da união
europeia, e que positivou os chamados critérios de Copenhaga. Ter também em atenção o art.
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2º. Os países que se apresentem como candidatos à adesão têm de cumprir os critérios relativos
ao estado de direito, à proteção dos direitos fundamentais, à defesa dos valores relativos à
igualdade, à proteção das minorias, tem de haver aí uma certificação democrática.

Papel do Conselho da Europa neste processo:

É uma organização europeia de natureza intergovernamental, criada em 1949, tem 47


estados e todos os estados que se tornam membros da união europeia, começam (e mantêm-
se) por ser estados do conselho da europa. Portanto, é o conselho da europa, como organização
de cooperação política, que faz essa verificação das condições democráticas do estado candidato
à união europeia. Há aqui uma articulação muito estreita entre o conselho da europa e a união
europeia, duas organizações diferentes, mas em diálogo, no que diz respeito à verificação dos
pressupostos democráticos, e no que diz respeito à proteção dos direitos fundamentais, também
há um diálogo necessário entre o sistema de proteção dos direitos fundamentais do conselho da
europa e o sistema euro comunitário de proteção dos mesmos. 2 tribunais, mas 2 tribunais que
devem manter uma interação entre si.

OB: Não confundir conselho da europa com conselho europeu ou conselho da união europeia.

- Conselho da europa: organização europeia de natureza intergovernamental cujos fins/missões


são a promoção do estado de direito e a proteção dos direitos do homem.

- Conselho europeu: é uma instituição da união europeia, que reúne os chefes de estado ou de
governo e o presidente da comissão e, segundo a regente, é uma superinstituição da união
europeia, pois é a instituição mais importante em termos de decisão política.

- Conselho (de ministros) da união europeia: reúne ministros dos vários estados-membros e tem
competências políticas, mas acima de tudo competências legislativas que divide com o
Parlamento europeu. Tem uma composição intergovernamental como o conselho europeu,
simplesmente o conselho europeu é ao mais alto nível (no caso português temos o primeiro-
ministro, no caso da frança é o PR, enquanto missão de representação externa).

Portanto, de início tínhamos os 6 membros. Verificaram-se sucessivos alargamentos:

• em 1973 entram 3 novos membros- Reino Unido, república da irlanda e a Dinamarca;


• em 1981- entra a Grécia;
• em 1986- entram Portugal e Espanha, países recém-democratizados, na sequência da
Revolução dos Cravos em Portugal e da transição democrática em Espanha;
• em 1995: Finlândia, Suécia e Áustria;
• em 2004: grande mutação em termos de número e de consequências no plano do sistema
jurídico-institucional da união europeia. Macro alargamento porque ao mesmo tempo
vão entrar 10 novos estados: da europa de leste e da europa central. Na sequência da
queda do muro de Berlim, da implosão da união soviética e da Jugoslávia, esses países
vão aderir.

Polónia, Estónia, Lituânia, Letónia, República Checa, Hungria, Chipre, Malta, Eslovénia e
Eslováquia.
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Estes estados vão ter um efeito muito relevante de deslocalização do eixo do poder para
Leste, favorecendo a influência crescente da Alemanha. Isto porque a maior parte desses países
da europa central e da Europa de leste são aliados naturais da Alemanha para conter a Rússia.
De modo que, a Alemanha quando precisa de aliados, vira-se para esses países como esses países
se viram para a Alemanha. E isso, a partir de 2004, alterou profundamente os equilíbrios internos
dentro da união europeia, sendo que esses equilíbrios deixaram de ser favoráveis aos países do
sul da Europa. Portugal tornou-se ainda mais periférico do que já era e isto ajuda-nos a explicar
muitas das dificuldades que sentimos a partir da crise financeira de 2008 e depois a ameaça de
banca rota a partir de 2011-2012, a dificuldade que os países do sul têm na negociação com os
restantes países da união europeia, já que a maioria passou a ser formada por países da europa
do norte, da europa central e da europa de leste, e com consequências que vêm até aos nossos
dias, nomeadamente no que diz respeito à tendência das chamadas democracia iliberais, dos
estados que adotam medidas (no plano político e jurídico) que desafiam os pressupostos do
estado de direito. EX: Polónia e Hungria.

• em 2007: Roménia e Bulgária


• em 2013: Croácia

Num curto espaço de tempo, em menos de 30 anos, a União Europeia passou de 12


estados para 28, o que imprime uma verdadeira mutação ao projeto europeu, desafiado pela
necessidade de definir um modelo jurídico-institucional adequado ao funcionamento.

Em 2020, perdeu um estado, o Reino Unido na sequência do Brexit, ficando com 27


estados, mas outros estão à porta de entrada e também são países de leste, como é o caso dos
Balcãs: Sérvia, Monte negro, pretensão do Kosovo. Países cujo pedido de adesão já foi feito e
está a ser apreciado. Isto para além do eterno candidato à adesão, a Turquia, que espera desde
os anos 70 a possibilidade de aderir. É improvável que a Turquia alguma vez se torne membro da
União Europeia por razões geopolíticas, económicas, democráticas, e que se prendem com o
próprio desinteresse da Turquia em relação a essa adesão à União Europeia.

Esta fase de evolução das Comunidades Europeias fica associada a um processo de


consolidação e de maturidade que se traduziu, entre 1969 e 1986, na duplicação dos seus
membros, mas que conduziu também ao aperfeiçoamento dos modos de decisão e à atualização
da matriz comunitária de integração:

o Eleição do Parlamento Europeu por sufrágio direto e universal (1979);


o Institucionalização das Cimeiras de Chefes de Estado e de Governo que passam a reunir,
desde 1974, como Conselho Europeu;
o Várias iniciativas político-institucionais de relançamento do projeto europeu, como o
Projeto Spinelli que levou à adoção pelo Parlamento Europeu de um projeto de tratado
da união europeu (1984);
o Aprovação da primeira revisão de fundo dos três tratados institutivos das comunidades
europeias, com o Ato Único Europeu (AUE).

O Ato Único Europeu

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A primeira reforma dos Tratados entrou em vigor no dia 1 julho de 1987 e concentrou
num único instrumento convencional um leque vasto e heterógeno de disposições que
aprofundaram o projeto de integração comunitária existente e lançaram, ainda, as bases da
futura união europeia.

No plano institucional, o AUE:

i. consagrou no texto dos tratados a existência do Conselho Europeu;


ii. Alargou os poderes do Parlamento Europeu, embora numa medida que ficou aquém das
expetativas criadas;
iii. Clarificou a função executiva da Comissão;
iv. Previu a criação do Tribunal de Primeira Instância (TPI), associado ao Tribunal de Justiça.

No que respeita ao âmbito de competências das Comunidades Europeias, o AUE reforçou


algumas políticas comunitárias e atribuiu novos poderes ao decisor comunitário com o intuito de
facilitar a realização de um verdadeiro mercado interno, definido como “um espaço sem
fronteiras internas, no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos
capitais (…)” está assegurada (ex-artigo 14ºTCE). Este grande objetivo deveria ser concretizado
até 31 de dezembro de 1992- data que serviu basicamente para mobilizar a vontade política dos
Estados-membros e dos órgãos comunitários, porquanto não seria possível reportar efeitos
jurídicos automáticos ao mero decurso do prazo estabelecido. Na verdade, depois de 1992, a
realização plena do mercado interno ou do mercado único continuou a reclamar a adoção de
medidas adequadas e a sua adaptação ao novo enquadramento internacional, decorrente tanto
da globalização das relações económicas e comerciais como da revolução tecnológica digital,
com a sua notável incidência no plano do funcionamento dos mercados.

Por fim, o AUE consagrou uma forma de cooperação intergovernamental em matéria de


política externa- a Cooperação Europeia que se propunha, através da concertação, alcançar a
“convergência de posições e a realização de ações comuns” (art. 30º do AUE). Tratou-se, na
verdade, de garantir uma base convencional para a chamada Cooperação Política Europeia (CPE),
já prosseguida pelos estados-membros. Em todo o caso, o AUE abriu as portas das Comunidades
Europeias a uma dinâmica definitivamente marcada pela dimensão política da construção
europeia.

Tal como o seu preâmbulo anunciava, o AUE exprimia a vontade dos Estados-membros
em criar e pôr em funcionamento a união europeia.

A partir dos finais dos anos 80, o Mundo e, em especial, a Europa, foram abalados por
transformações rápidas e profundas (a queda do Muro de Berlim, a unificação alemã, a implosão
do bloco soviético e o fim da guerra fria, a crescente afirmação dos EUA como “hiperpotência”,
a liberalização e globalização das relações comerciais a nível mundial)- transformações que no
plano político e no plano económico se conjugaram no sentido de eliminar as tradicionais
resistências opostas por alguns Estados-membros e de acelerar a passagem à fase seguinte da
união europeia que, simbolicamente, fazemos coincidir com a entrada em vigor do Tratado de
Maastricht (1 de Novembro de 1993).

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C. A etapa da idade futura: a União Europeia (1993-2009)

Os acontecimentos políticos de 1989-1990 e a perspetiva de uma adesão futura dos Estados


recém-saídos da esfera soviética estiveram na base de uma energética iniciativa franco-alemã
que, articulada com a estratégia voluntarista de Jacques Dolors à frente da Comissão Europeia,
funcionaria como uma espécie de acelerador da História no cenário intracomunitário.

A perspetiva de criação de uma verdadeira união europeia, tornara-se, desde a Cimeira


de Paris de 1972, num objetivo reiteradamente assumido pelos Estados-membros e que esteve
na génese de vários projetos elaborados com vista à sua concretização.

O Conselho Europeu de Estugarda chegou a um acordo sob a forma de uma “Declaração


Solene sobre a União Europeia” (unho de 1983) que firmou o compromisso de democratizar e
aprofundar o acervo comunitário com o fito de estabelecer as bases de uma união europeia.

Nos anos que se seguiram, e especialmente depois da entrada em vigor do AUE, a


convergência económica passou a constituir uma prioridade da agenda política europeia, como
pressuposto da união política. O espírito da Declaração Schuman ainda inspirava os rumos da
integração europeia, mesmo quando a invocação do paradigma federal pareceria excluir o
pragmatismo do velho método funcionalista.

O Plano Delors preconizava a realização da união monetária (fixação definitiva da


paridade entre as moedas; convertibilidade obrigatória e irrevogável; liberdade total dos
movimentos de capitais e integração completa dos mercados bancários e financeiros; criação da
moeda única) e da união económica (garantias de funcionamento de um grande mercado único
como elemento fundamental da dinâmica económica comunitária; políticas comuns de natureza
estrutural; coordenação das políticas macro económicas).

Em dezembro de 1989, o Conselho Europeu de Estrasburgo determinou a convocação


formal de uma Conferência Intergovernamental (CIG) sobre a União Económica e Monetária
(UEM).

Temos também questões políticas: reforma institucional, definição do princípio da


subsidiariedade, dotar as Comunidades Europeias de capacidade de atuação nas relações
internacionais, a proteção dos direitos fundamentais, o estatuto de cidadania europeia. A par da
CIG sobre a UEM, foi decidida em junho de 1990, no Conselho Europeu de Dublim, a realização
da CIG sobre a União Política.

O resultado dos trabalhos desenvolvidos no seio das duas CUG culminou na aprovação de
um projeto de tratado de revisão pelos mais altos representantes dos Estados-membros reunidos
no Conselho Europeu de Maastricht. O texto aprovado, fruto de difíceis negociações passou
depois pelo crivo da comissão de redação e só ficaria pronto para a assinatura na data de 7 de
fevereiro de 1992.

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Prevista para 1 de janeiro de 1993, a entrada em vigor do chamado Tratado da União


Europeia, ou Tratado de Maastricht, seria retardada para 1 de novembro de 1993. Este atraso
deveu-se à necessidade de, em vários Estados-membros, cumprir exigências constitucionais de
consulta referendária (Dinamarca, Irlanda e França) ou proceder mesmo a revisões da
Constituição (como Portugal).

O tratado de Maastricht envolveu uma alargada reforma dos Tratados institucionais. O


Tratado modificou 160 dos 248 artigos do Tratado de Roma. Com efeito, e mesmo com as
revisões posteriores acordadas em Amesterdão, em Nice e em Lisboa, o primeiro Tratada da
União Europeia sobreviveu em vários aspetos, nomeadamente na dualidade entre dois Tratados
institutivos e na relevância dada à delimitação de competências entre a União e os Estados-
membros.

Em concreto, o Tratado de Maastricht incorporou nos tratados institutivos as seguintes


principais alterações:

o A criação da união europeia e a consagração oficial do nome União Europeia; a mais


conhecida das três comunidades, a CEE passou a Comunidade Europeia;
o Previsão de políticas de cooperação intergovernamental nos domínios da Política Externa
e de Segurança Comum (PESC) e Justiça e Assuntos Internos (JAI);
o Referência expressa ao objetivo de proteção dos Direitos Fundamentais;
o Reconhecimento de um estatuto de cidadania da União;
o Afirmação de princípios fundamentais de delimitação de competências entre as
Comunidades Europeias e os estados-membros (competência de atribuição;
subsidiariedade e proporcionalidade);
o O objetivo relativo á realização da UEM é acompanhado da previsão de um processo em
3 fases que deveria conduzir, em data posterior a 1 de janeiro de 1999, à instituição da
moeda única;
o Em matéria institucional, o Parlamento Europeu teve um reforço muito significativo dos
seus poderes, conseguindo, pela primeira vez, participar no processo comunitário de
decisão em pé de igualdade com o Conselho (processo de co-decisão); no que se refere
à UEM, fora instituídos órgãos de competência específica e de natureza decisória- o
Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) e o Banco Central Europeu (BCE), na terceira
fase da UEM;
o Aceitação de cláusulas de “opt-out” que garantiram ao Reino Unido o direito de não ficar
vinculado pelo Acordo Social e também ao Reino Unido e à Dinamarca o direito de, se e
enquanto quisessem, não aderir à moeda única.

Em 2 de Maio de 1992, na cidade do Porto, foi assinado o tratado que regulou a


associação entre as Comunidades Europeias e a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) e
do qual nasceu o Espaço Económico Europeu. Com a adesão às Comunidades Europeias, em
1995, da Áustria, Suécia e Finlândia, o acordo EEE ficou limitado, em termos de aplicação
extracomunitária, à Noruega, Liechtenstein e Islândia, já que a Suiça se recusou a ratificar o
Tratado do porto. Apesar da retração da componente extracomunitária do EEE, permanece o

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interesse lógico ligado à coabitação de dois estádios distintos de integração económica e, por
outro lado, a fórmula poderá atrair a adesão de outros Estados europeus que não queiram ou
não estejam em condições de cumprir os critérios exigidos de adesão à UE.

O art. N, nº2, do Tratado de Maastricht agendou para 1996 a abertura de uma nova
conferência intergovernamental. Havia o reconhecimento de que seria necessário ir mais longe
no processo iniciado de realização de uma “união cada vez mais estreita entre os povos da
Europa”.

Em concreto, a revisão de 1966 deveria permitir a “comunitarização” das matérias de


cooperação intergovernamental, o alargamento do procedimento de co-decisão, a extensão das
competências da União, o reconhecimento de um princípio de hierarquia das normas e atos
comunitários e, atendendo à perspetiva de novas adesões, a adaptação da estrutura orgânico-
decisória da UE e das Comunidades Europeias.

Tratado de Amesterdão

A cláusula de “rendez-vous”1 foi respeitada e em 26 de março de 1996, em Turim, a CIG


iniciou os trabalhos de preparação de um novo tratado. O que trouxe de novo este segundo
Tratado da UE, assinado em Amesterdão na data de 2 de outubro de 1997?

A revisão de Amesterdão ficou aquém dos objetivos enunciados pela cláusula de “rendez-
vous” do tratado anterior, aquém das finalidades expostas pelo funcionamento da União
Europeia, aquém das exigências de adaptação institucional pressupostas pelo alargamento da
UE. O resultado final foi uma reforma “minimalista” que remeteu para momento ulterior a
revisão necessária.

No que respeita às alterações sobre o fundo, o Tratado de Amesterdão aprovou


modificações nas seguintes áreas:

1) Política Externa e de Segurança Comum (PESC)- reforço do caráter operacional e da


visibilidade externa da UE, através da criação do alto representante da PESC, na figura do
Secretário Geral do Conselho, e da previsão da capacidade operacional a disponibilizar
pela União da Europa Ocidental (UEO);
2) União Europeia e cidadania- de acordo com o objetivo de aproximar a União ao cidadão,
foi inscrito no Tratado da Comunidade Europeia um novo título sobre o emprego; a
integração do Acordo Social de Maastricht no texto do próprio Tratado; o
aprofundamento de políticas comunitárias relacionadas com a coesão económica e social
e com o objetivo de “desenvolvimento equilibrado e sustentável”; o direito de acesso dos
cidadãos aos documentos do Conselho, do PE e da Comissão; extensão do princípio da

1
Trata-se de uma cláusula genérica introduzida num texto político ou legislativo, que fixa um prazo até ao qual a decisão será
repensada. Esta cláusula, em textos legislativos, obriga os legisladores a reverem e atualizarem a norma em vigor, em vez de
deixar à discricionariedade da Comissão Europeia a apresentação de uma iniciativa de revisão.

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proibição de discriminação em função de fatores como a raça, religião, deficiência, idade


ou orientação sexual;
3) Liberdade, segurança e justiça- Instituiu mecanismos de decisão comunitária sobre
matérias que eram da cooperação intergovernamental (vistos, asilos, imigração e outras
políticas relativas à livre circulação de pessoas); a realização plena da livre circulação de
pessoas no contexto de um espaço de liberdade, segurança e justiça (ELSJ) avançou com
a incorporação do Tratado no acervo dos acordos intergovernamentais celebrados no
quadro do chamado Acordo de Schengen (1985);
4) Direitos Fundamentais- instituição de um procedimento de tutela política que, no caso
de se verificar uma violação grave e persistente dos princípios da liberdade, da
democracia e dos Direitos fundamentais, poderia conduzir à aplicação de sanções ao
Estado-membro infrator, incluindo, se necessário, a suspensão do direito de voto no
Conselho (art. 7º TUE);
5) Cooperação reforçada e flexibilidade- reconhecimento de modalidades de integração
diferenciada, há muito teorizada pela doutrina e preconizada por alguns Estados-
membros, que passa a enquadrar a opção de um grupo restrito de Estados-membros por
um modelo mais aprofundado ou acelerado de realização dos objetivos da União e das
Comunidades Europeias.

O Tratado de Amesterdão não levantou a onda de interesse e de polémica que


acompanhou, do princípio ao fim, o processo de ratificação do primeiro Tratado da União
Europeia. Do ponto de vista político, este segundo Tratado limitou-se a aprofundar pressupostos
de um funcionamento mais eficaz da UE. Por resolver ficaram os aspetos mais controvertidos de
reforma institucional exigida pelo processo de alargamento.

Do ponto de vista jurídico, o Tratado de Amesterdão alargou o âmbito de limitação da


soberania dos Estados às matérias de asilo, imigração, vistos e outras relacionadas com a livre
circulação de pessoas. Foi este efeito de limitação que determinou, a título de condição prévia
de ratificação, a revisão constitucional em França, na Irlanda e na Áustria, bem como o recurso
ao referendo na Dinamarca e na Irlanda.

Decorrido pouco mais de um mês sobre a entrada em vigor do Tratado (1 de maio de


1999), já o Conselho Europeu da Colónia se apressava a anunciar uma outra revisão, com início
marcado para o primeiro semestre de 2020.

Para além da reforma institucional, a perspetiva do alargamento da UE trouxe para o


primeiro plano da discussão o problema crucial do financiamento.

Em julho de 1997, a comissão apresentou um estudo- instituído Agenda 2000- Por uma
união mais forte e mais alargada- que traçava os grandes desafios ligados ao desenvolvimento
da UE e das suas políticas no séc. XXI. No que em particular se referia ao quadro financeiro, a
Comissão pôs em prática um programa de ação constituído por propostas nos domínios da
agricultura, fundos estruturais, fundos de coesão, instrumentos de pré-adesão e as perspetivas
financeiras para o período de 2000-2006.

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No Conselho Europeu de Berlim, em março de 1999, a Agenda 2000 mereceria um acordo


global, depois de viva discussão entre os Estados-membros sobre os respetivos níveis de
contribuição líquida ou negativa para o orçamento comunitário.

EURO

O caminho das transformações estruturais da UE na sua vertente económica ficou ainda


assinalado pelo marco fundamental que foi o estabelecimento da moeda única- EURO- em 1 de
janeiro de 1999.

Com base no cumprimento dos critérios de convergência nominal, identificados pelo


Tratado de Maastricht, foi aprovado pelo Conselho, reunido a nível dos Chefes de Estado ou de
Governo, em 2 de maio de 1998, o elenco dos estados-membros “fundadores” do euro:
Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo e
Portugal.

Tratado de Nice

No primeiro semestre de 2000, coincidindo com a segunda presidência portuguesa, uma


nova CIG retomou as questões fundamentais de adaptação dos Tratados deixados em aberto
pelo Tratado de Amesterdão. Entre 14 de fevereiro e 11 de dezembro de 2000, a CIG preparou
um projeto de tratado que veio a ser aprovado, na sua versão provisória, pelos mais altos
representantes dos Estados-membros em Nice, por altura do Conselho Europeu. A versão
definitiva foi assinada, também na cidade de Nice, em 26 de fevereiro de 2001, pelos Ministros
dos Negócios Estrangeiros dos Quinze Estados-membros.

À margem do Conselho Europeu de Nice, e perante a recusa por parte de alguns estados-
membros de assumir o texto preparado para aprovação da Carta dos Direitos Fundamentais da
UE, foi encontrada a solução de recurso de submeter o texto a uma decisão conjunta de
proclamação pelos presidentes do PE, do Conselho e da Comissão, na data de 7 de dezembro de
2020. Adotada sob a forma de um acordo internacional, a Carta nasceu sob a incerteza do seu
valor jurídico e da sua relação com os Tratados institutivos.

O processo de ratificação do Tratado de Nice ficou marcado pela demora da Irlanda em


concluir o seu processo interno de aprovação. Na sequência de um primeiro referendo de sentido
contrário ao Tratado de Nice (junho de 2021), a Irlanda procedeu a uma segunda consulta
referendária (outubro de 2002), de desfecho favorável à ratificação. O Tratado de Nice entraria
em vigor em 1 de fevereiro de 2003.

O Tratado de Nice concretizou um objetivo de acabamento da reforma institucional


assinalada no Tratado de Amesterdão como necessária ao funcionamento de uma “nova” União
Europeia: pelo número de Estados que a ela passariam a estar associados como membros e pela

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abrangência e natureza das matérias integradas na sua esfera de atribuições, em especial a


política monetária, a política externa e o espaço de liberdade, segurança e justiça.

Conteúdo de revisão do Tratado de Nice:

1. Estrutura institucional

o Parlamento Europeu- para uma União com 27 estados-membros, o número máximo de


deputados europeus foi fixado em 732; reforço dos poderes desta instituição mercê da
extensão do âmbito da co-decisão e do reconhecimento de efetivos poderes de iniciativa
no processo de controlo da legalidade dos atos comunitários pelo TJ;
o Comissão- limitação do número de membros; a partir de 2005, cada estado-membro só
teria direito a propor um comissário, independentemente da sua dimensão; quando a UE
atingisse 27 estados-membros, o número de comissários passaria a ser inferior ao
número de Estados, escolhidos na base de um princípio de rotação paritária; alteração do
procedimento de nomeação dos comissários e reforço dos poderes do Presidente;
o Tribunal de Justiça e Tribunal de Primeira Instância- garantias de composição igualitária
entre os Estados-membros; criação no Tribunal de Justiça de uma “secção especial”
formada por 11 juízes; alargamento da competência do Tribunal de Primeira Instância
que se tornaria a verdadeira instância jurisdicional comum para o conjunto de recursos e
ações diretos; criação de “câmaras jurisdicionais” encarregadas de apreciar em primeira
instância certas categorias de ações sobre matérias específicas (ex: no domínio da
propriedade intelectual ou dos litígios entre a Comunidade e os seus agentes e
funcionários).

2. O processo de decisão

o Extensão dos procedimentos por maioria qualificada- no TUE e no Tratado da


Comunidade Europeia, 27 disposições foram alteradas no sentido de substituir, total ou
parcialmente, a exigência de unanimidade pela da maioria qualificada;
o Extensão do âmbito do procedimento de co-decisão à maior parte das matérias que
passaram a ser votadas por maioria qualificada;
o Cooperações reforçadas- reformulação completa das disposições aplicáveis às
cooperações reforçadas no sentido de alargar o seu âmbito e de facilitar o
estabelecimento de uma cooperação reforçada.

3. Outras alterações

o Direitos Fundamentais- adaptação da cláusula sancionatória do art. 7º TUE em função da


experiência resultante da chamada “questão austríaca”;

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o Segurança e Defesa- previsão de procedimentos e de mecanismos adequados ao


desenvolvimento das capacidades operacionais e militares da UE;
o Cooperação judiciária em matéria penal- criação do EUROJUST, unidade composta por
magistrados dos Estados-membros com a missão de contribuir para uma coordenação
eficaz das autoridades nacionais responsáveis pelos procedimentos criminais;
o Comité da Proteção Social- previsão no Tratado CE deste órgão criado por decisão do
Conselho, em aplicação das Conclusões do Conselho Europeu de Lisboa;
o Consequências financeiras do termo de vigência do Tratado CECA em 23 de julho de
2002- um protocolo anexo define as condições de transferência dos fundos da CECA para
a Comunidade Europeia.

A CIG 2000 adotou uma declaração relativa ao futuro da União Europeia, pela qual
exortou os Estados-membros, concretamente as Presidências sueca e belga, em cooperação com
a Comissão e com a participação do PE, a fomentar um amplo debate logo a partir de 2001.
Previa-se ainda que o Conselho Europeu de Laeken, em dezembro de 2001, pudesse aprovar uma
declaração conducente a um processo de revisão sobre quatro pontos:

Þ Estabelecimento e controlo de uma delimitação mais precisa das competências entre a


UE e os Estados-membros, que reflita o princípio da subsidiariedade;
Þ Estatuto da Carta de Direitos Fundamentais da UE;
Þ Simplificação dos Tratados, de modo a torná-los mais claros e acessíveis, sem alterar o
seu significado;
Þ Papel dos parlamentos nacionais na arquitetura institucional europeia

--

Lição nº5

O Tratado de Lisboa e a afirmação da UE como espaço de integração política

O Tratado de Lisboa teve importância na consolidação do estatuto jurídico da União


Europeia.

Este foi solenemente assinado em 13 de dezembro de 2007, no mosteiro dos jerónimos,


pois no segundo semestre de 2007 Portugal estava no exercício da presidência do Conselho da
União Europeia. Desde que Portugal aderiu às comunidades europeias, a partir de 1993 União
Europeia, Portugal assumiu 4 vezes a presidência rotativa e semestral a do Conselho de ministros
da União europeia. Isto aconteceu em 1992, 2000, 2007 (no segundo semestre, que coincidiu
com a assinatura do tratado de lisboa) e agora no primeiro semestre de 2021.

Para percebermos melhor a relevância do tratado de lisboa, cabe dizer que ele representa
um compromisso, mas também uma escolha, entre 2 alternativas: por um lado, a solução
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constitucionalista / federalista e, por outro lado, a solução comunitária, integracionista, mas não
federalista. O tratado de Lisboa fez uma opção clara pela segunda alternativa.

Essa opção foi feita na sequência de um processo de revisão em tratados sucessivos, que
começa com o tratado de Maastricht (1993), Amesterdão (1999), o tratado de Nice (2004), e o
tratado de Lisboa (assinado em Lisboa, mas entra em vigor em dezembro de 2009, 2 anos depois).
Entre o tratado de Nice e o tratado de Lisboa temos um acontecimento muito importante, e que
faz parte desta tensão permanente entre essas 2 formas de construir a União Europeia: a
corrente federalista por um lado, a corrente comunitária e não federalista por outro. Esse
acontecimento chamou-se Constituição Europeia.

Ainda de harmonia com a Declaração nº23, uma nova Conferência Intergovernamental


seria convocada para 2004. Com três revisões dos tratados institutivos aprovadas em pouco mais
de dez anos (Maastricht, Amesterdão e Nice), a UE preparou-se, assim para funcionar em
ambiente de PREC (processo de revisão em curso). Em 2000, ao enunciar os tópicos de reforma
do da UE, com a proposta de uma nova revisão, os Estados-membros estariam longe de prever
que o resultado da sua estratégia levaria a UE a marcar passo durante quase uma década,
implicada num processo turbulento e mal sucedido de gestação constitucional que só seria dado
como encerrado pela entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de 2009.

Convocada, como previsto, pelo Conselho Europeu de Laeken (dezembro de 2001), a


convenção sobre o futuro da europa juntou, replicando o modelo de convenção que elaborou a
Carta dos Direitos Fundamentais da UE, representantes dos governos dos Estados-membros, dos
parlamentos nacionais, do Parlamento Europeu e da Comissão. O Conselho Europeu escolheu
para presidir à Convenção Valéry Giscard d Estaing, antigo presidente da República Francesa,
secundado pelos vice-presidentes Giulio Amato e Jean-Luc Dehaene.

Em 2004, em Roma, foi assinado um tratado chamado Tratado, que estabelece uma
constituição para a europa. Foi designado como constituição europeia, quer na designação, quer
no processo de elaboração (foi feito através de uma convenção- art. 48º TUE). Aquilo que alguns
queriam neste momento era dotar a União Europeia de uma constituição, e afirmá-la como uma
entidade política própria e autónoma desamarrada dos Estados, uma criatura que se autonomiza
relativamente aos criadores.

Esta constituição assinada em Roma, em 2004, era do ponto de vista formal um tratado
internacional (um tratado que estabelece uma constituição para a europa), do ponto de vista
político, simbólico e de muitas das suas disposições era uma constituição. No entanto, a
constituição nunca chegaria a entrar em vigor, houve uma frustração dessas aspirações
constitucionalistas. Isto porque vários estados-membros não ratificaram e criam várias
dificuldades. França e Países Baixos realizaram referendos, que foram contrários à constituição.
Em 2005, o Conselho Europeu decide fazer uma pausa para reflexão e ao longo de 2006 começa
a criar-se a convicção entre os estados-membros de que o caminho tem de ser outro e de que
aquela constituição está morta e enterrada e que é necessário fazer renascer o método dos
tratados internacionais.

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O Tratado de Lisboa é, por isso, o regresso ao caminho seguro e conhecido do método


comunitário, a expressão da doutrina renovada do contratualismo como base de sustentação da
UE, emergente da vontade soberana dos Estados-membros.

É neste contexto que surge o tratado reformador, que vai ser negociado no primeiro
semestre de 2007 sobre a égide da presidência alemã, e que vai ser finalizado na presidência
portuguesa no segundo semestre de 2007. Este tratado de Lisboa era radicalmente diferente da
constituição europeia? A resposta a esta questão não é assim tão cristalina.

A ocasião escolhida para apontar um outro caminho de saída da crise foi a Cimeira de
Berlim de celebração do 50º aniversário da assinatura dos Tratados de Roma (25 de março de
2007). Os Estados-membros invocam, então, o objetivo de fazer assentar a UE “sobre bases
comuns renovadas até às eleições do Parlamento Europeu de 2009”.

Segue-se um período de relativa indefinição, com um grupo alargado de Estados-


membros, os chamados “Amigos do Tratado Constitucional”, a insistir na viabilidade da opção
constitucional, contra a oposição declarada de Estados como a França, Países Baixos, Polónia,
República Checa e Reino Unido.

O Conselho Europeu de Junho de 2007 concretiza a decisão de abandono da Constituição


Europeia e incumbe uma nova Conferência Intergovernamental de preparar um “Tratado
reformador” dos tratados em vigor. Coincidindo com a presidência portuguesa da União no
segundo semestre de 2007, os tratados correm céleres. Foram suficientes apenas 3 reuniões da
CIG para chegar à versão definitiva do Tratado Reformador que, assinado pelos mais altos
representantes dos 27 Estados-membros em cerimónia solene realizada no Mosteiro dos
Jerónimos, na data de 13 de dezembro de 2007, passou a ostentar a designação mais inspiradora
de Tratado de Lisboa.

O Tratado de Lisboa mantém, em larga medida, as soluções vertidas na Constituição


Europeia, mas o processo de “desconstitucionalização” que consuma tem um significado que
ultrapassa largamente os aspetos relacionados com a nova designação e a supressão de
disposições de analogia estadual ou federal. O Tratado de Lisboa recupera o significado pactício
do estatuto jurídico da União, atualizando-o ao estádio atual de evolução do processo de
integração europeia.

Nos restantes Estados-membros, com exceção da Irlanda, a aprovação também seguiu o


formato simplificado de voto parlamentar. Ainda assim, o processo de ratificação enfrentou
dificuldades na Alemanha, com a instauração de um recurso para o TC, na República Checa, por
idênticas razões, e na Polónia, onde o Presidente reivindicou o direito de só assinar depois de
superada a situação criada pelo referendo irlandês. A Irlanda, por imposição constitucional,
submeteu o Tratado de Lisboa a referendo- 53% dos votos rejeitou o Tratado de Lisboa.

No Conselho Europeu de 12 de dezembro de 2008 foram dadas determinadas garantias


à República da Irlanda, nomeadamente a manutenção da sua soberania em matéria fiscal, o
respeito pela sua tradicional neutralidade, a intangibilidade da sua Constituição no domínio do
direito à vida, à educação e do direito da família; em particular, a Irlanda obteve o acordo relativo
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à composição da Comissão que, mesmo após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa,


“continuará a ser constituída por um nacional de cada Estado-membro”. Em contrapartida, a
Irlanda comprometeu-se a promover nova consulta referendária antes de novembro de 2009.

O segundo referendo realizou-se no dia 2 de outubro de 2009- vitória de sim (67%).

Removido este obstáculo, o Tratado de Lisboa ainda teria de lidar com um derradeiro
braço de ferro por parte do Presidente da República Checa que condicionou a sua assinatura à
garantia sobre a inaplicabilidade da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

O Tratado de Lisboa, cuja previsão inicial de vigência apontava para 1 de janeiro de 2009,
entrou em vigor em 1 de dezembro de 2009.

Alterações

Relativamente à Constituição Europeia, o Tratado de Lisboa difere muito pouco das


soluções naquela inscritas. No entanto, se confrontarmos o estatuto jurídico da UE antes e depois
de 1 de dezembro de 2009, concluímos em, em vários domínios, o Tratado de Lisboa inovou.

Da leitura que fazemos do Tratado de Lisboa, resulta que as disposições mais inovadoras
terão sido introduzidas a respeito dos seguintes aspetos:

o Personalização jurídica da UE;


o Proteção dos direitos fundamentais;
o Sistema eurocomunitário de competências:
o Estrutura institucional e equilíbrio de poderes;
o Procedimentos de decisão;
o Atos jurídicos e separação de funções

Ter em conta 2 pilares do paradigma do Estado de Direito: separação de poderes e


direitos fundamentais. A UE, através do estatuto jurídico definido pelos Tratados, passa a decidir,
incluindo os limites a que está sujeita, como se fosse um Estado.

O Tratado de Lisboa institui e conforma o novo estatuto jurídico da EU. Este não chega
para dotar a UE de um estatuto radicalmente diferente, mas as alterações previstas
correspondem, em número e alcance, a uma renovação de largo dignificado para a evolução
futura do processo de integração europeia no sentido proposta da integração política.

Do ponto de vista simbólico, há uma diferença fundamental entre a constituição europeia


e o tratado de Lisboa: a constituição europeia alimentava a ideia de que a União Europeia poderia
ser uma entidade política própria e autónoma, já independente relativamente aos estados-
membros, ao passo que no tratado de Lisboa temos o regresso ao princípio contratualista, a ideia
segundo a qual os tratados são a expressão da vontade soberana dos estados, são uma união de
vontades, e a União Europeia assenta em termos de estatuto jurídico no princípio contratualista,
e não no princípio constitucionalista.

Portanto, temos uma oposição entre princípio constitucionalista e princípio


contratualista, sendo este último, no entender da regente, o princípio que legitima a existência
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da União Europeia e isso é muito evidente com o Tratadp de Lisboa. EX: no art. 1 da constituição
europeia, fazia-se uma dupla referência à questão da legitimidade: a legitimidade dos estados da
europa e a legitimidade dos cidadãos da Europa. Já no art. 1º do tratado de Lisboa, diz-se que as
altas partes contratantes instituem entre si uma união europeia, à qual os estados-membros
atribuem competência para atingir os seus objetivos comuns. Aqui no tratado de Lisboa se deixa
claro que a legitimidade é uma legitimidade quem vem dos estados e não dos povos ou dos
cidadãos.

Por outro lado, o tratado de Lisboa pretendeu ultrapassar o problema que constituiu
desde logo a designação. Um dos grandes problemas da constituição europeia que de algum
modo pode explicara rejeição foi a imprudência semântica de lhe chamar constituição. As
palavras não são indiferentes, produzindo conceitos e realidades dogmáticas. Ao chamar a um
tratado de revisão constituição, isto revelou-se imprudente pois suscitou correntes eurofobas
contrárias ao próprio projeto de integração europeia, agora confortadas com o argumento de
“atenção vem aqui a federação, os estados soberanos vão acabar e as soberanias vão ser
eliminadas”. Assim, a regente diz que neste caso da constituição europeia, o nome matou a coisa,
acabou por comprometer a viabilidade deste texto.

No entanto, é importante verificar que se fizermos uma comparação entre o conteúdo


do tratado de Lisboa e o conteúdo da constituição europeia, esse conteúdo não é muito
diferente. As soluções não são muito diferentes, mas depois existem alterações cirúrgicas e com
elevado significado simbólico. Diferenças:

• A constituição europeia tinha uma referência aos símbolos: bandeira, hino, lema. Os
símbolos desaparecem no tratado de Lisboa pois considera-se que a referência aos
símbolos é uma referência de analogia com um estado e a união europeia não é um
Estado;
• Desaparece também a referência ao ministro dos negócios estrangeiros, e passou a ser o
Alto Representante da União Europeia para os negócios estrangeiros e a política de
segurança;
• O art. 6º da constituição europeia fazia referência expressa ao princípio do primado, à
exigência da prevalência do direito da união europeia sobre os direitos dos estados-
membros. Essa disposição, no tratado de Lisboa, desaparece. Apenas encontramos numa
declaração anexa (nº17), que se refere ao princípio do primado, remete para um parecer
do serviço jurídico do Conselho que, por sua vez, remete para a jurisprudência relevante
sobre a matéria, nomeadamente o caso Costa/ Enel;
• A constituição europeia fazia referência às leis europeias e leis-quadro europeias, e o
tratado de Lisboa consagra outra expressão- atos legislativos, art. 289º, que se
caracterizam não pelo seu conteúdo, mas pelo procedimento através do qual são
aprovados.

Método comunitário e princípio contratualista: um certo regresso às origens

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A criação pelo Tratado de Paris da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA)


constituiu a primeira concretização do chamado método de integração funcionalista, depois
convertido em método comunitário, proposto pela Declaração Schuman, de 9 maio de 1950: “A
Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de
realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto”.

O processo de construção europeia começou, assim, pela instituição de uma nova


organização, dotada de poderes supranacionais ao serviço de objetivos bem definidos, de
natureza económica, relativos à gestão em comum da produção e comercialização do carvão e
do aço. O pragmatismo deste programa de ação foi substituído por uma abordagem bem
diferente quando em 1952 foi assinado o Tratado que visava instituir a Comunidade Europeia de
Defesa. No curto intervalo de um ano, passou-se da integração económica setorial para a
integração política de grau máximo, porque relativa à definição de uma política comum de defesa
entre Estados separados por séculos de desconfiança e de beligerância. A proposta de uma
Comunidade Europeia de Defesa foi rejeitada em 1954 pela Assembleia Nacional Francesa, como
seria rejeitada, por referendo, em 2005, a ratificação da Constituição Europeia.

O excessivo voluntarismo da proposta de criação da Comunidade Europeia de Defesa, o


seu evidente divórcio com a vontade política soberana dos Estados, tornou inevitável o regresso
ao pragmatismo do método funcionalista. Os Tratados de Roma, que instituíram a Comunidade
Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA), assinados em
25 de março de 1957, são o triunfo do método funcionalista sobre o método federal. Em 2007,
o Tratado de Lisboa, ao substituir a Constituição Europeia, renovou a confiança dos Estados-
membros no conhecido método comunitário. Em 2007, como aconteceu em 1957, prevaleceu
uma visão de assumido pragmatismo, inspirada pela experiência frutuosa dos pequenos
passados.

Na Europa, o aprofundamento da integração entre os Estados-membros fez-se seguindo


em frente, pelo mesmo caminho, aproveitando as rotas conhecidas.

O método funcionalista é uma teoria clássica sobre integração regional que interpreta o
interesse comum relativo à definição integrada de políticas económicas e sociais como o
fundamento de criação de órgãos de autoridade supranacional, investidos de poderes
regulatórios dos mercados.

A teoria funcionalista orientou a opção europeia pela integração económica com a criação
das três Comunidades Europeias e esteve na base do designado método dos pequenos passos-
avanços graduais, mas irreversíveis; avanços suscetíveis mesmo de provocar recuos táticos. O
estabelecimento gradual de solidariedades de facto entre os Estados-membros do Mercado
Comum deveria incidir sobre a generalidade das atividades económicas, criando um efeito de
engrenagem ou incrementalismo.

O processo de construção comunitária apropriou-se do método e conferiu-lhe traços


próprios, resultantes da praxis:

o Como um verdadeiro processo, a sua evolução depende da sucessão de etapas;


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o No método comunitário, estes avanços são a expressão de limitações à soberania dos


Estados-membros, devidamente negociadas e contratualizadas;
o Nem sempre esta contratualização obedece ao cânone da formalização pactícia, pelo que
os avanços se podem alcançar pela via informal da decisão política qualificada, ao mais
alto nível de representação dos Estados-membros no seio do Conselho Europeu.

Uma outra modalidade de limitação informal da soberania dos Estados-membros foi


assumida pelo Tribunal de Justiça no exercício da sua função de interpretação e aplicação das
normas comunitárias (ativismo judicial).

Como postulava a Declaração Schuman, a resposta dos Estados aos desafios da integração
depende dos objetivos propostos. Manter a construção comunitária em constante processo de
realização pressupõe novos objetivos, de acordo com uma lógica endógena de progressividade
e de expansão contínua do espaço de decisão própria dos órgãos comuns, em substituição do
decisor nacional.

O Tratado de Lisboa mantém-se à lógica do método comunitário, agora alargado à


dimensão política da integração. O aspeto mais marcante do reforço do método comunitário
resulta do abandono da estrutura sobre pilares, cuja existência obedecia a critérios construtivos
bem diferenciados. Na versão anterior do Tratado de Lisboa, União Europeia e Comunidades
Europeias davam corpo a uma estrutura assimétrica, baseada na dualidade metodológica entre
opção comunitária e opção intergovernamental. O primeiro pilar correspondia às matérias
submetidas ao método comunitário de decisão (ex: direito exclusivo de iniciativa normativa por
parte da Comissão; maioria qualificada como regra de deliberação do Conselho; poder de decisão
partilhado entre o Conselho e o PE sobre um número crescente de matérias- co-decisão;
jurisdição obrigatória e plena do Tribunal de Justiça). Ao segundo pilar (Política Externa e de
Segurança Comum) e terceiro pilar (Cooperação Policial e Judiciária em Matéria Penal) eram
aplicáveis segregadas pela lógica de cooperação intergovernamental, condizente com um
paradigma de exercício direto dos poderes de soberania pelos Estados-membros (ex: poder da
Comissão mais limitado; unanimidade como regra geral de deliberação no seio do Conselho; PE
remetido a uma mera função consultiva; exclusão da competência de controlo do TJ ou, no
máximo, depende da vontade dos Estados-membros e limitada a certas vias de direito).

O tratado da UE determina no seu art. 1º, parágrafo terceiro, que “A União substitui-se à
Comunidade Europeia”. A UE incorporou a Comunidade Europeia e adotou, em relação à
generalidade das matérias, a abordagem comunitária. Desapareceram as Comunidades para sair
fortalecido o método comunitário.

Se no plano estrutural prevaleceu o objetivo de “despilarizar” a UE, de renunciar ao


princípio da dualidade metodológica, no plano concreto das soluções jurídicas adotadas vigorou
uma conceção mais eclética que procura conciliar método comunitário e reserva de soberania.
Sobre matérias como as relativas à Política Externa e de Segurança Comum, Política Comum de
Segurança e Defesa (antigo II Pilar) e as relativas à Cooperação Judiciária e Policial em Matéria
Penal (antigo III pilar), a regra de deliberação no Conselho é a unanimidade (art. 31º/1 TUE; art.
42º/4 TUE; art. 87º/3 TFUE; art. 89º TFUE) ou, no caso de se prever a maioria qualificada, são
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acionáveis pelos Estados-membros mecanismos de bloqueio decisional (art. 82º/3, TFUE; art.
83º/3, TFUE).

Em rigor, podemos afirmar que a União, em domínios mais diretamente ligados ao


exercício de atributos típicos de estadualidade, como sejam a política externa, a política de
defesa, os serviços de polícia, preservou, em parte e por enquanto, a lógica intergovernamental
dos pilares.

Um reflexo bem visível desta moderna arquitetura de pilares invisíveis, mas


funcionalmente prestáveis, é o regime de competência do TJUE. Nos termos do art. 275º TFUE,
o TJ não dispõe de competência no domínio da política externa e de segurança comum, como já
acontecia na versão anterior dos Tratados. O Juiz da União pode, contudo, controlar a
observância do art. 40º TUE relativo aos limites entre esta competência “mitigada” da União e as
competências “plenas” reguladas pelo TFUE, tal como se pode pronunciar sobre os recursos de
legalidade de decisões restritivas de direitos (art. 275º TFUE). No que respeita às matérias do
espaço de liberdade, segurança e justiça, especificamente os capítulos sobre cooperação
judiciária e policial em matéria penal, o art. 276º TFUE impõe limites ao poder de controlo do
TJUE. Trata-se, contudo, de uma limitação que não diminui o mérito da solução vazada no
Tratado de Lisboa de revogar o anterior regime restritivo do art. 35º do TUE. Devorante, sobre
as matérias do antigo III Pilar, é obrigatória e não facultativa, a competência do TJ no âmbito das
questões prejudicais e pode, por exemplo, pronunciar-se sobre ações por incumprimento contra
os Estados-membros ou sobre ações de indemnização contra a União. Sem prejuízo dos limites
previstos no art. 276º TFUE, o TJ passa a exercer sobre as matérias do antigo III Pilar uma
jurisdição de natureza comunitária, ou seja, obrigatória.

Temos defendido o princípio contratualista como fundamento do poder político da UE.


Uma posição diríamos de tipo evolucionista por oposição à tese “constitucionalista” que
identifica a EU como fonte autónoma e originária da sua própria competência. Esta opinião da
regente foi primeiramente desenvolvida no contexto normativo do Tratado de Maastricht e, mais
tarde, reiterada à vista do texto da Constituição Europeia. O Tratado de Lisboa, por comparação
direta com a chamada Constituição Europeia, alarga a base de vinculação da União à vontade
soberana dos Estados-membros.

O aspeto que melhor evidencia o fundamento contratualista da UE respeita ao processo


de revisão dos tratados. O art. 48º UE mantém um procedimento de revisão que faz dos Estados-
membros “os senhores dos Tratados”, segundo uma expressão enraizada na narrativa
comunitária. Numa perspetiva mais técnico-jurídica importa reconhecer que a competência das
competências, o poder de definir o âmbito de atribuições e poderes da União, pertence aos
Estados-membros, por via do exercício do poder de revisão. Nos termos do art. 48º/4 UE, no
processo de revisão ordinário, as alterações dos Tratados só “entram em vigor após a sua
ratificação por todos os Estados-membros, em conformidade com as respetivas normas
constitucionais”. Os procedimentos de revisão simplificados (art. 48º, nº 6 e 7, TUE) não
dispensam a concordância unânime dos Estados-membros relativamente às modificações
propostas.

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Por outro lado, o art. 48º/2 UE estabelece, pela primeira vez, que futuras revisões dos
Tratados “podem, nomeadamente, ir no sentido de aumentar ou reduzir as competências
atribuídas à União pelos Tratados”. A afirmação deste poder, que deixa em relativo desamparo
as construções doutrinárias em torno da suposta existência de limites materiais de revisão,
articula-se, por outro lado, com o desaparecimento do texto dos Tratados de uma referência
autónoma ao princípio do acervo comunitário, garante de uma ideia de irreversibilidade dos
avanços da integração, como acontecia com o ex-artigo 2º do TUE.

O art. 48º limitou-se a acrescentar, no seu nº2, a expressão “reduzir”. Isto permite a
apresentação de projetos de revisão e estes projetos podem, nomeadamente, ir no sentido de
aumentar ou reduzir as competências atribuídas à união pelos tratados. Esta expressão não
constava da versão anterior, e aqui temos a confirmação de que as revisões dos tratados não
estão sujeitas a limites materiais de revisão, ao contrário do que a doutrina constitucionalista diz
(quem defende a configuração da União Europeia como uma entidade autónoma- ideia da
irreversibilidade das competências da União Europeia). As competências da União Europeia
podem ser ajustadas, quer no sentido do seu reforço, quer no sentido do seu regresso, do
regresso dessas competências ao seu titular originário. E quem é o titular originário das
competências da União Europeia? Os estados. Nº4- os tratados só entram em vigor com a
ratificação dos estados-membros: desde o estado mais importante ao menos importante, desde
o estado mais populoso ao menos populoso. Os estados estão em pé de igualdade, todos podem
dizer não, exercendo um veto insuperável, impedindo a deliberação.

Em linha de uma certa lógica do “tudo em aberto”, dependente da vontade soberana dos
Estados-membros, é a consagração do direito de saída, nos termos do art. 50º TUE, que foi
acionado com a saída do Reino Unido, em 2020. Pela primeira vez, os Tratados explicitam o
direito inerente de saída, exercido segundo as condições fixadas pelo art. 50º TUE, mormente a
negociação e celebração entre a UE e o Estado-membro candidato à saída de um tratado
Internacional, cuja aprovação é assegurada pelo Conselho. A deliberação é adotada por maioria
qualificada, e não por unanimidade como se exige no processo de adesão (art. 49º UE), pelo que
é, do ponto de vista jurídico-procedimental, mais fácil abandonar do que aderir à UE. Uma tal
solução também deriva da lógica baseada na vontade soberana dos Estados: no processo de
adesão, prevalece o querer de todos os Estados que já são membros da União, por via da
celebração de um tratado internacional entre os Estados-membros e o Estado requerente, ao
passo que na retirada a questão é decidida entre o Estado-membros candidato à saída e a UE,
deliberando de acordo com o procedimento regra da maioria qualificada.

- Opção, no tratado de Lisboa, pelo princípio contratualista e que acaba por se refletir em
termos institucionais, em termos da relação de forças dentro da União Europeia na maior
importância das instituições de composição intergovernamental.

Da Constituição Europeia para o Tratado de Lisboa, eliminou-se a referência ao primado


do direito da União. Não é, contudo, juridicamente irrelevante a ausência do primado no texto
dos Tratados, porque uma consagração normativa daria ao Juiz comunitário uma dose reforçada
de autoridade na afirmação do primado incondicional e absoluto, incluindo sobre as próprias

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Constituições nacionais. Ora, a evolução recente da jurisprudência constitucional dos Estados-


membros e da própria jurisprudência do TJ demonstra que esse é um critério insuficiente e
vetusto de avaliação das exigências de prevalência da norma comunitária.

O respeito devido pela UE às Constituições dos Estados-membros não foi, aliás, esquecido
pelo Tratado de Lisboa. Por um lado, o art. 6º/3 TFUE remete para as “tradições constitucionais
comuns aos Estados-membros” como parte integrante do bloco de fundamentalidade que
vincula a UE. Em sentido idêntico, mas ainda mais assertivo, o art. 53º da Carta dos Direitos
Fundamentais da UE garante o nível mais elevado de proteção dos direitos fundamentais, o qual
pode resultar das normas garantidoras das Constituições dos Estados-membros.

Art. 4º/2 TUE:

“A União respeita a igualdade entre os Estados-membros perante os Tratados, bem como


a respetiva identidade nacional, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais
de cada um deles”.

Manifestação tangível e demarcadora do espaço próprio de identidade de cada Estado-


membro é, naturalmente, a sua Constituição e as regras fundamentais que estabelece sobre
matérias como a estrutura territorial do Estado, o sistema de governo, a tutela dos direitos, a
fronteira entre o setor público e o setor privado, a proteção da língua pátria e outras tradições
culturais, incluindo de cunho religioso. O respeito pela identidade nacional dos Estados-membros
depende, pois, do espaço reconhecido aos valores e princípios vertidos nas Constituições
nacionais, resultado de um longo processo de alquimia jurídica, nem sempre isento de
contradições e recuos, mas que é hoje a expressão do “adquirido constitucional” do Estado de
Direito.

“É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-membro.


A cidadania da União acresce à cidadania nacional, não a substituindo” (art. 9º TUE + art. 20º/1,
TFUE).

As novas disposições em matéria de competências da União, exprimindo uma


preocupação redobrada com a imposição de limites à sua expansibilidade, revela, igualmente, a
face dos Estados-membros enquanto titulares originários destes poderes atribuídos (art. 4º/1
TUE e 5º TUE; art. 2º a 5º TFUE).

Uma certa banalização do recurso às exceções em favor de certos Estados-membros


(cláusulas de opt-out), que se verifica desde o Tratado de Maastricht e que se alargou no Tratado
de Lisboa, também poderá ser lida como expressão do princípio contratualista. REGENTE: a base
contratualista pressupõe a essencial igualdade entre os Estados-membros e, ao invés, as
cláusulas de opt-out têm sido, em quase todos os casos, manifestações de autoridade
inigualitária por parte de certos Estados-membros que, em virtude do seu peso político ou
circunstâncias do momento, podem desequilibrar a balança de poderes.

Em suma, as alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa no texto dos tratados


institutivos reforçam a vontade dispositiva dos Estados-membros sobre a configuração jurídica e

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política da UE, agora e no futuro. Os Estados-membros deram vida à criatura e esta depende,
pelo menos em relação às grandes decisões sobre a sua existência, do querer dos criadores.

Nota: futuro do Tratado de Lisboa

A regente augura para o tratado de Lisboa um futuro bastante longo. Os tratados de Roma,
que entraram em vigor em 1958, permaneceram inalterados até 1987, com o Ato único europeu.
Foram quase 30 anos de vigência, sem revisão de fundo material das disposições que regulavam
as comunidades europeias. Depois seguiu-se um período de um certo frenesim revisionista, com
o ato único europeu, Amesterdão, Nice e finalmente o tratado de Lisboa. A regente acha que o
Tratado de Lisboa vai ser duradouro, já está em vigor há mais de 11 anos, e dificilmente ele será
revisto nos próximos anos. Isto porquê? Motivos:

• Falta de condições para o rever: a União Europeia, neste momento, tem problemas muito
graves de gestão, quer no plano sanitário, quer no que diz respeito à recuperação da
economia, quer na própria gestão das diferenças, da ameaça de decisão dentro da
própria União Europeia, que não foi apenas a saída do Reino Unido, outros estados
demonstram diferenças muito acentuadas e há um risco de uma desagregação. Desde
2008 com a crise financeira, a União Europeia confronta-se com uma sucessão de crises,
e crises que são sistémicas: a crise financeira, a crise do euro, a crise dos refugiados, e
agora a crise pandémica e a necessidade de encontrar soluções de recuperação da
economia europeia. A união europeia tem aí vários problemas graves para resolver, esses
problemas é que são prioritários e não se envolver num novo frenesim de revisão dos
tratados, devido à exigência da unanimidade, do acordo de todos os estados. E será cada
vez mais difícil, mesmo a 27 sem o reino unido, negociar um tratado que seja aceitável
para todos e que todos estejam em condições de ratificar, nomeadamente recorrendo
aos referendos, uma vez que as constituições de alguns estados, como é o caso da Irlanda,
exigem a realização de um referendo quando o tratado pode de alguma forma colidir com
disposições constitucionais vigentes. Há aí uma solução de pragmatismo de não nos
envolvermos nisso. Há um conjunto de incertezas, de armadilhas de um processo de
revisão, que se não for estritamente necessário, é um suicídio.
• O facto de o próprio tratado de Lisboa, em alguns aspetos de forma inovadora, noutros
retomando soluções que já vinham do tratado de Maastricht, conter critérios de
flexibilização e de adequação, de adaptação. Os tratados têm mecanismos que permitem,
sem a sua revisão formal através do art. 48º, fazer uma adaptação, nomeadamente no
que diz respeito ao elenco dos poderes da união europeia, no que diz respeito à forma
como os estados cooperam entre si no sentido do aprofundamento da integração
europeia. Esses mecanismos são, por exemplo, as cooperações reforçadas, as cláusulas
“passerelle” (que permitem, por exemplo, passar de um processo de unanimidade para
um processo de maioria qualificada), as cláusulas de opting out (permitem a
determinados estados, por decisão própria, ficar de fora de determinadas políticas
comunitárias, como é o caso da política monetário: só 19 dos 27 atuais são membros do
euro).

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• Por outro lado, o tratado de Lisboa deu resposta às questões jurídicas mais importantes:
tem a carta dos direitos fundamentais da união europeia, que tem, nos termos do art. 6º,
valor jurídico equivalente à das disposições dos tratados, e assim pôs fim a um longo
período de incerteza relativamente ao bloco de fundamentalidade que vinculava a união
europeia. O próprio art. remete para outros princípios relevantes. Temos no tratado de
Lisboa disposições que identificam com clareza aquilo que podemos hoje chamar um
sistema euro comunitário de competências- art. 4º e 5º TUE e art. 2º e ss. TFUE. Temos
aí uma positivação daquilo que resultava da jurisprudência do tribunal e da prática
institucional. Outro aspeto positivo do tratado de Lisboa foi o reforço do controlo
jurisdicional: o tribunal de justiça alargou o âmbito da sua fiscalização, nomeadamente às
matérias do chamado terceiro pilar (justiça e assuntos internos) e também às matérias
do segundo pilar (política externa e de segurança comum.

O tratado de Lisboa, com a suas diversas soluções, garantiu um estatuto jurídico consolidado,
suficiente e adaptável às exigências futuras da União Europeia.

Sobre a natureza jurídica da União Europeia

A União Europeia é a expressão do compromisso possível entre todos os Estados-


membros.

O que é a União Europeia em termos de modelo de associação de estados? Questão


clássica e não temos uma resposta unívoca para ela. As respostas tradicionais são: considerar a
união europeia uma organização internacional, outra possibilidade é a de considerar a união
europeia como uma federação, outros consideram uma confederação, e outros dizem que a
união europeia é uma realidade atípica, na medida em que é diferente de tudo o que já houve,
com a sua própria identidade.

Regente: concorda que a união europeia é uma realidade atípica. No entanto, ao


contrário da generalidade da doutrina, que a propósito dessa atipicidade se limita a dizer o que
a união europeia não é. Mas é importante dizer não só o que não é, mas também dizer o que é,
fazer essa qualificação em termos jurídicos. Um autor francês dizia que a União Europeia era uma
espécie de objeto político não identificado- um opni. Mas em termos jurídicos, como podemos
qualificar a união europeia?

O traço que distingue a Europa comunitária é a originalidade de ser, segundo a definição


que propomos desde 1997, uma união de Estados soberanos que, por via pactícia e com
fundamento nas suas Constituições, decidiram exercer em comum os respetivos poderes de
soberania.

Temos aqui 3 elementos:

- É uma associação de estados soberanos;

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- Por via pactícia: porque a união foi criada através de tratados e tem sido revista através de
tratados.

- Esses tratados são negociados, celebrados e ratificados com fundamento nas constituições dos
estados e o objeto desses estrados é o de delegar, confiar na união poderes que os estados
poderão, eventualmente, recuperar. Esse é o objetivo da união europeia: prosseguir objetos
comuns, com base nessa delegação que traduz um acordo por parte dos estados de exercer em
comum poderes de soberania, mas os titulares originários continuam a ser os estados.

Essa definição encontramos perfeita concordância com o art. 7º/6 da CRP. É muito
evidente que este artigo faz referência a este acordo por via convencional, do exercício em
comum de poderes de soberania, e que se trata de um exercício de autolimitação de poderes, e
não um exercício de hétero limitação.

Em virtude da sua singularidade jurídico-institucional, a UE não se enquadra nos modelos


conhecidos de congregação de Estados, como são a federação, a confederação e a organização
internacional. Esta originalidade, ditada pelas características muito diferenciadoras dos Estados
Europeus, não enfraquece o projeto europeu; ao contrário, potencia o processo histórico de
acomodação das soberanias nacionais pelo caminho testado dos avanços graduais e de
oportunidade. A reconhecida atipicidade da UE como ente político e como estrutura jurídica é o
verdadeiro contributo do processo de integração europeia para um cenário futuro, na Europa e
noutras regiões do Mundo, de superação do modelo de Estado soberano.

A regente acha que a União Europeia já não é uma organização internacional, não faz
sentido pois tem poderes e exerce-os de uma forma que não se reconduz à ideia da organização
internacional, nomeadamente a limitação dos poderes de soberania, que embora de
autolimitação, falamos de limitações efetivas. EX: existência de tribunal com competência
obrigatória, princípio do primado, regra da maioria qualificada- tudo isto são elementos que
permitem distanciar a união europeia da organização internacional.

Também não é uma confederação. Nas confederações, pelo menos nas clássicas como a
norte-americana, que vigorou desde a independência até à constituição de 1787 que veio a criar
a federação, a confederação é por natureza transitória, e uma das suas características é que os
estados colocam em comum o exercício da política externa, da política de segurança e da política
de defesa.

A união europeia não é um estado federal. Desde logo, não é um estado. Uma federação
é um estado de estados. A união europeia não é um estado, a soberania continua a residir nos
estados, e não no centro, como acontece na federação. A federação é um conjunto de estados
não soberanos, os estados que a integram deixam de ser soberanos e isso não aconteceu na
união europeia pois os estados continuam a ser soberanos. A união europeia tem de respeitar a
identidade nacional dos estados (art. 4º/2). O princípio do primado tem limites. O tribunal de
justiça não pode, ao contrário do que acontece com o supremo tribunal numa federação como
a norte-americana, anular direito interno: pode declarar a sua desconformidade, pode declarar
o incumprimento, mas não pode anular como consequência da violação da constituição federal,

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neste caso dos tratados institutivos, como consequência da violação. A união europeia não tem
poder de anulação, e isso é uma marca fundamental no sentido de considerar que a união
europeia não é uma federação.

A União Europeia pode caminhar para a federação. Resta saber se existem condições para
essa evolução, o que nos coloca o problema de saber qual será o futuro da união europeia, tendo
em conta esta qualificação atual que a regente deixou na definição proposta.

O método comunitário, ao começar pelos aspetos económicos das relações entre


Estados, seguiu uma opção natural que nos orienta, quando queremos resultados, pelo acesso
que se apresenta, à partida, como menos fechado, menos incerto.

O Tratado de Lisboa consagra soluções que visam robustecer a UE através da via do


assinalado dualismo metodológico: mais poderes para a UE, cedidos pelos Estados-membros
mediante a garantia de controlar o exercício de tais poderes ou, mesmo, de os recuperar (freios
intergovernamentais).

Há que ter em consideração a distinção entre sociedade e comunidade. Nas relações de


tipo societário, são mais fortes as pulsões centrífugas e os Estados permanecem separados
apesar de tudo quanto fazem para se unir; nas relações de tipo comunitário, prevalecem os
interesses comuns, são mais fortes as pulsões centrípetas e, por consequência, os Estados estão
unidos apesar de tudo o que os separe. O modelo societário funciona na base de critérios de
coordenação de autoridade; nas comunidades- relações de infra e de supro ordenação que se
estabelecem a partir da aceitação pelos Estados da limitação de parcelas da sua soberania em
favor de centros comuns de autoridade e de decisão (autolimitação).

As Comunidades Europeias correspondem ao modelo de tipo comunitário que remonta


ao pensamento de Tonnies, pelo que a sua designação oficial nos anos 50 do séc. passado não
foi fortuita. Com a criação da UE e a consagração formal de métodos e de procedimentos de
cooperação intergovernamental entre os Estados-membros, o processo de construção europeia
passou a combinar relações de tipo comunitário com relações de tipo societário.

A UE e a vertigem das crises sucessivas (2008-2020)

Encerrado um ciclo de revisões dos Tratados, marcado pelo abandono do projeto


constitucional e o retorno à via consensual de evolução na continuidade, simbolicamente
assumido com a assinatura do Tratado de Lisboa em dezembro de 2007, a UE não teve tempo de
aproveitar as amenidades próprias de um certo regresso ao “business as usual”. De 2008 até aos
nossos dias, a Europa sofreu vários abalos, uns gerados pela dinâmica da globalização das
relações económicas e comerciais, outros que foram originados por causas especificamente
europeias. Cumpre assinalar:

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o A crise económica de 2008: que começou nos EUA com um crash financeiro e bolsista,
alastrou, afetando com particular impacto negativo as economias da Zone Euro. Para
evitar a falência dos bancos, os Estados-membros foram compelidos a adotar medidas de
resgate que pela sua dimensão precipitaram alguns Estados-membros (ex: Portugal,
Grécia, Espanha, Irlanda e Chipre) para um cenário de pré-bancarrota.

A chamada crise das dívidas soberanas, com vários Estados-membros em risco de rutura de
pagamentos, afastados dos mercados financeiros com o aumento especulativo dos juros da
dívida, conduziu a uma situação extraordinariamente delicada que ameaçou a própria existência
do EURO domo moeda única. O colapso do EURO significaria o fracasso do projeto europeu tal
como delineado a partir do Tratado de Maastricht.

Uma solução foi encontrada, mas à custa dos Estados-membros mais vulneráveis que deixou
marcas profundas no compromisso originário baseado na solidariedade e na coesão. O chamado
resgate financeiro da Troika, formada pela Comissão Europeia, pelo BCE e pelo Fundo Monetário
Europeu, impôs aos Estados-membros destinatários de um programa de assistência financeira
um conjunto de medidas draconianas de contenção orçamental e reformas ditas estruturais. Em
países como a Grécia, Portugal e Irlanda foram tempos de forte contestação social e instabilidade
política, sinais tangíveis de reação a políticas de inédita dureza nos cortes de salários, pensões de
reforma, apoios sociais e, por outro lado, de restrições de dinheiros laborais. Ao fim de 4 anos, a
UE acabou por aprovar um pacote eclético de medidas que combinam traços de federalismo e
características de intergovernamentalidade:

1- Criação do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o que obrigou à revisão dos Tratados


com a introdução do novo nº3 no art. 136º TFUE;
2- Aceitação da regra do equilíbrio orçamental através de disposições internas vinculativas
e de caráter permanente, de preferência a nível constitucional, em tratado internacional
ratificado por todos os Estados-membros, com exceção do Reino Unido e da República
da Checa;
3- A Comissão ganhou novos poderes em matéria de controlo dos orçamentos dos Estados-
membros, uma competência que vai além do modelo mais centralizado dos Estados
federais, com decisiva participação do Eurogrupo que, previsto no Protocolo nº14, anexo
ao Tratado de Lisboa, reúne como instância informal e à qual não estaria destinado o
veredicto de vida ou morte sobre a situação económico-financeira dos Estados-membros;
4- O BCE viu reforçado o seu estatuto de regulador do setor bancário europeu, peça central
da chamada “União bancária” e tornou-se um elemento fundamental de gestão comum
das dívidas soberanas, com poderes de lançamento de programas de compra dos títulos
de dívida dos Estados-membros.

o Crise dos refugiados (2015): provocada pela escalada dos conflitos na Líbia (2011), na Síria
(2012), na África subsariana e, em geral, pelo agudizar das condições de pobreza extrema
em que viviam as populações da generalidade dos países do lado sul e leste da bacia
mediterrânica.

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Milhares de pessoas atravessaram o Mediterrâneo em embarcações precárias e


procuraram chegar ao território europeu, com uma pressão difícil de gerir pelos Estados-
membros de acesso, devido à sua condição geográfica: Grécia, Itália, Malta, Chipre, Espanha. A
existência de regras europeias sobre o asilo não deu resposta a dois problemas fundamentais

- Por um lado, o princípio da responsabilidade do Estado-membro de acesso do refugiado


não era viável para uma situação de afluxo desmesurado e caótico; em alternativa, teria de ser
acordado ingerido um sistema integrado de partilha de refugiados entre todos os estados-
membros;

- Por outro lado, entre os deslocados encontravam-se pessoas que teriam,


eventualmente, direito ao estatuto e proteção internacional destinada aos refugiados e outros
que seriam migrantes em busca de melhores condições de vida, sujeitos a regras internacionais
e europeias diferentes.

A União Europeia tentou criar mecanismos de gestão centralizada dos fluxos migratórios
que deveriam garantir uma repartição equitativa dos refugiados e migrantes pelos vários
estados-membros, com fundamento no princípio da solidariedade (arts. 67º/2 e 80º TFUE). O
mecanismo temporário de recolocação obrigatória de 2015 não foi propriamente bem-sucedido.

Tratou-se de uma crise sem precedentes, de um choque brutal entre o direito e a


realidade, que deixam marcas profundas e não saradas na reputação Internacional da união
europeia em matéria de respeito pelos direitos humanos. A crise migratória expôs divisões entre
os estados membros em matéria de acolhimento, varrendo qualquer ilusão sobre o espírito de
cooperação solidária e da prática mínima da decência.

REGENTE: Não defende a solução utópica de abrir as fronteiras da Europa aos desvalidos
do mundo. Entende, contudo, que o projeto europeu não deve ficar à mercê de planos votados
ao fracasso enquanto nas águas do Mediterrâneo ou nos campos de retenção na Turquia se
apaga a Esperança sem remissão dos que acreditaram que poderiam fugir ao inferno das suas
vidas.

o Crise do Brexit: na sequência do referendo de 23 de junho de 2016- com uma participação


de 72%, uma maioria de 52% votou a favor da saída do Reino Unido.

O processo de saída, desenvolvido de acordo com o previsto no art. 50º TUE, foi muito
atribulado, marcado por avanços e recuos, diferentes estratégias de negociação da parte do
Governo de Londres, sempre formado pelo Partido Conservador, primeiro liderado por Theresa
May, depois por Boris Jonhson. Da perspetiva da UE, os danos foram devidamente acautelados
e contidos. REGENTE: o Brexit reforçou a UE. Os 27 estados-membros mantiveram-se unidos na
estratégia definida para a negociação e não cederam às várias tentativas britânicas de
aproximação bilateral, durante o extenso período que vai de 20 de março de 2017 (data da
notificação pelo Reino Unidos da intenção de saída, nos termos do art. 50º/2 TUE) até à
assinatura do acordo de saída que entrou em vigor no dia 1 de fevereiro de 2020. Seguiram-se

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ao longo do ano de 2020 negociações intensas sobre o futuro das relações comerciais entre a
União e o Reino Unido, encerradas com o chamado Acordo de Comércio e Cooperação UE- Reino
Unido a tempo de entrar em vigor no dia 1 de janeiro de 2021 e evitar o caos nas relações
comerciais e alfandegárias anglo-europeias.

A saída do Reino Unido em fevereiro de 2020 não confirmou as análises mais pessimistas
sobre o impacto político e económico desta retirada. Não produziu o efeito de contágio com
outros Estados-membros a solicitar a saída ou a usar a retirada como arma de pressão negocial
sobre Bruxelas. Não abalou o normal funcionamento das instituições, porque o cenário de uma
tal saída estava em cima da mesa há 4 anos e o quadro jurídico existia, e quando se colocaram
dúvidas foi, em tempo, clarificado pelo TJ. Admitimos, contudo, que esta minimização dos custos
causados pelo Brexit resulte, em larga medida, do envolvimento, de um lado e do outro do Canal
da Mancha, na crise inesperada e devastadora provocada pela emergência sanitária da Covid-19.
Uma fórmula básica de relativização e hierarquização dos problemas.

Claro que neste momento, à entrada da terceira década do séc. XXI, um ano volvido sobre
a saída do Reino Unido, ainda é muito cedo para fazer uma análise rigorosa a respeito do impacto
do Brexit como fator de crise sistémica no desenvolvimento do projeto de integração europeia.

o Crise pandémica: frente de destabilização política, destruição do futuro económico,


agravamento das desigualdades sociais e a perda de milhares de vidas e o risco que, em
vagas sucessivas, atinge a população de todos os Estados-membros e testa, como nunca
aconteceu, a preparação dos respetivos sistemas nacionais de saúde.

Não foi uniforme a resposta da UE à crise sanitária da Covid-19 que alastrou em território
europeu a partir de fevereiro de 2020. Nem poderia ser, dado que o decisor da União dispõe de
níveis diferenciados de competência nas áreas mais relevantes de impacto das medidas de
combate à doença: livre circulação de pessoas, saúde pública, instrumentos macroeconómicos.

Destacam-se pela sua importância as decisões tomadas pela UE:

• Aquisição centralizada de vacinas;


• Programas de apoio à produção e distribuição de material de proteção individual;
• Aprofundamento da cooperação entre as agências europeias na área da saúde pública
(ex: Agência Europeia do Medicamento) com as congéneres nacionais;
• Regras temporárias em matéria de controlo das ajudas do Estado, de modo a facilitar o
apoio às empresas em dificuldades;
• O pacote de 1850 milhões de euros lançado pelo BCE para compra de títulos da dívida
pública num horizonte temporal até março de 2022 a injetar nas economias dos Estados-
membros, sob a forma de subvenções e empréstimos a juros baixos, que constituem uma
primeira concretização da ideia de mutualização da dívida ou dívida eurocomunitária, a
subscrever pela Comissão Europeia.

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O futuro da União europeia

Têm surgido crises sucessivas, desde 2008 até aos nossos dias. Recentemente, houve um
acontecimento que levou a que esta abordagem fosse mais necessária. Saber qual o futuro da
União Europeia. Esta tem de ter futuro, mas que futuro deverá ser expetável? O acontecimento
foi o da declaração conjunta que foi subscrita com alguma solenidade no parlamento europeu
no dia 10 de março, subscrita pelo presidente em exercício do conselho da união europeia
(atualmente o primeiro-ministro português- António Costa), pelo presidente do parlamento
europeu e pela presidente da Comissão. Através dessa declaração conjunta das 3 instituições
que, dentro da união europeia, representam o trio institucional da decisão política, deu-se início
a um projeto que visa reunir a chamada “conferência sobre o futuro da Europa”. Esta conferência
abrirá, com a devida solenidade, no próximo dia 9 de maio (dia da Europa).

Qual a expectativa em torno desta conferência?

Esta conferência nasceu de uma ideia que foi apresentada pelo presidente francês-
Emmanuel Macron- em 2018, e quando ele avançou com esta ideia tinha em mente uma
eventual revisão dos tratados. Essa hipótese hoje está claramente arredada, não é uma
prioridade para a União Europeia rever os tratados, nem tão pouco uma possibilidade. Não é
uma prioridade porque a União Europeia tem uma série de questões em aberto às quais tem de
dar resposta e que não passam por problemas jurídicos, e sobretudo há um problema de
possibilidade- não é possível pois atualmente a União Europeia tem 27 estados, conhece fraturas
e divisões, que tornam impossível uma negociação conducente a um consenso e à aceitação por
parte de todos os estados de um tratado de revisão. É um caminho perigoso, com tantas
armadilhas, e de certo modo inútil na opinião da regente, da leitura que faz do estatuto jurídico
da União Europeia que está em vigor, e que resulta do Tratado de Lisboa, é um estatuto jurídico
suficiente, adequado, adaptado.

O que resta para esta conferência sobre o futuro da Europa? Dizer que esta iniciativa
esteve bloqueada durante bastante tempo (foi apresentada em 2018, entretanto passaram-se 3
anos), devido a várias razões. A razão fundamental dos últimos tempos foi a pandemia, mas já
antes este projeto esteve bloqueado e as razões do bloqueio são bem a expressão daquilo que
se passa na “arena europeia”. Esteve bloqueado devido a uma espécie de conflito não
ultrapassável entre as várias correntes dentro da União Europeia, protagonismos, conflitos de
edules, vários candidatos à posição invejada de presidir a essa futura conferência sobre o futuro
da Europa. EX: quando, em 2004, se reuniu a convenção que negociou e debateu a constituição
sobre a europa, na altura o presidente foi Giscard d'Estaing, que tinha sido presidente francês.
Este ganhou um enorme protagonismo (era federalista) e esse protagonismo acabou por gerar
também ele muitos anticorpos relativamente à aceitação da constituição europeia de tal forma
que, nem no seu país, onde havia sido presidente, foi possível levar por diante o projeto da
constituição europeia porque o referendo em frança foi contrário à ratificação. Conhecido pelas
suas posições maximalistas na defesa de uma solução federal para a europa. Todos os que não
eram federalistas opuseram-se à solução.

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Estávamos neste impasse com vários nomes a serem veiculados, até que a presidência
portuguesa, e bem, conseguiu negociar uma solução que de certa forma passa ao lado das
querelas sobre quem, mas centrou-se na questão de o quê. Isto foi possível através da aceitação
de um modelo de presidência conjunta (dessa conferência sobre o futuro da europa), partilhada
entre o conselho da união europeia, o parlamento europeu e a comissão. Ou seja, essa questão
foi ultrapassada (a da presidência): já não será uma individualidade, serão as presidências destas
3 instituições a assegurar a condução dos trabalhos na conferência sobre o futuro da europa.

O que se espera desta conferência? Alguns esperam muito, outros quase nada. Talvez a
verdade esteja a meio caminho.

Não se pode esperar uma revisão dos tratados. Mas o que se pretende com a conferência
sobre o futuro da europa é congregar projetos/propostas, vindas sobretudo da chamada
sociedade civil, dos cidadãos da união europeia, quer a título individual, quer como
representantes de organizações cívicas (e eventualmente partidárias), mas o objetivo é o de
suscitar/ promover o debate na sociedade política europeia, no sentido de explicitar as suas
posições e pontos de vistas sobre o futuro da união europeia, e de o concretizar através de
propostas. Propostas que que irão ser submetidas a essa conferência e depois serão preparadas.
Propostas que se mostrem depois adequadas a dar lugar a atividade legislativa, propostas
concretas que poderão depois ser transformadas em atos jurídicos da união europeia- diretivas,
regulamentos, estratégias diferentes de interação entre o decisor da UE e os cidadãos da mesma.

REGENTE: esta conferência tem a duração prevista de 1 ano: em princípio arranca a 9 de maio
de 2021, e deverá em 2022 apresentar as suas conclusões. Vê nesta conferência 2 aspetos
particularmente importantes:

® Aspeto político, de marketing político de projeção da ideia da União europeia, de


aproximação desta aos cidadãos- estratégia correta de aproximação da UE aos
destinatários das suas decisões;
® Objetivo mais palpável e concretizável- o de definir uma agenda legislativa que vá ao
encontro das expetativas e das necessidades de regulação jurídica definidas pelos
cidadãos da união e das organizações que, de algum modo, os representem, em áreas
tão estratégicas como: as questões ambientais, a digitalização da economia, a defesa dos
direitos sociais, problemas como os do teletrabalho etc. Ou seja, questões concretas da
vida dos cidadãos integrados nas suas sociedades nacionais e nas suas atividades
políticas, sociais e económicas.

Esta conferência sobre o futuro da europa irá, inevitavelmente, discutir e debater aquelas
que são as grandes questões que se colocam no imediato como problemas ao aprofundamento
do projeto de integração europeia.

As questões que interpelam o futuro da União Europeia são:

® No imediato: as questões relativas à pandemia e, em concreto, as relativas à vacinação,


à imunização da população europeia.

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Esta questão é muito importante, quer do ponto de vista da sua superação, da resolução
do problema. Porque há aqui um problema: a comissão, que chamou a si, e bem, o objetivo de
negociar de modo conjunto, em nome dos estados, a aquisição das vacinas às farmacêuticas, fê-
lo de um modo que não foi prudente, que conduziu a UE a um “beco sem saída”, sendo que a UE
está atualmente numa posição bastante fragilizada, sobretudo na comparação com os seus
competidores- EUA, China, Rússia- de tal modo que as vacinas que são produzidas em território
da UE acabam por ser exportadas para esses países, para cumprir contratos que foram
celebrados com outras cautelas que não os celebrados pela comissão.

Há aqui um problema muito complicado, um problema de saúde pública- não


conseguimos ultrapassar a questão da pandemia e as consequências que o vírus está a ter na
economia dos diversos estados, obrigando a confinamentos e sem que a vacinação avance, e no
sentido da imunização da população. Essas vacinas foram contratadas, mas esses contratos terão
falhas e há, em determinados estados-membros, uma crescente impaciência relativamente à
comissão. 5 estados-membros, liderados pela Áustria, estão de tal modo insatisfeitos, que
exigem uma explicação da parte da comissão, ou então ameaçam que esquecem esses contratos
e essa competência que deram à comissão para negociar em nome de todos, e avançam
unilateralmente para a negociação, nomeadamente numa negociação direta com a Rússia ou
com a China, o que será uma solução concreta para o problema, mas terá custos terríveis para a
própria ideia da União Europeia como um conjunto solidário de estados.

Portanto, no futuro imediato temos o problema de superação dos problemas de saúde


pública, colocados pela pandemia, que passam pela vacinação e pelos planos de vacinação em
todos os estados-membros, que garantam a imunização da população.

® Recuperação económica:

As economias dos estados estão numa situação particularmente fragilizada, devido a


estes contínuos confinamentos, e a união europeia precisa de um plano robusto de
financiamento, como aconteceu nos EUA, como existirá na China que é uma economia
planificada, e a União Europeia aprovou um plano relativamente robusto de investimentos, de
financiamentos das economias, mas esse plano ainda não foi aprovado por todos os estados,
ainda não está operacionalizado, tem problemas vários porque, desde logo, estabelece limites à
utilização dos dinheiros em função de critérios que foram definidos de forma centralizada pela
UE, ou seja, os estados não se podem financiar através deste plano para não realizar objetivos
que não estejam expressamente previstos. EX: em Portugal, a dinamização da economia passa
muito pelas infraestruturas, pela realização de autoestradas, de outro tipo de infraestruturas,
que garante uma circulação rápida do dinheiro para a economia. À luz do plano de recuperação
económica aprovado na UE, não é possível investir esse dinheiro em infraestruturas viárias.

- Crescente pressão exercida pelo Tribunal Constitucional alemão relativamente à política


monetária conduzida pelo Banco Central Europeu.

A 11 de março, deu entrada no tribunal constitucional alemão, mais uma queixa por
inconstitucionalidade, apresentada por um conjunto de professores de direito e de economia,

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queixa esta dirigida ao plano do Banco Central Europeu de aquisição de títulos da dívida pública
dos estados-membros, com vista a impedir uma subida das taxas de juro e evitar as dificuldades
previsíveis desses estados no financiamento das suas economias. Tensão permanente entre a
constituição de um estado e a definição política por parte do BCE, que é uma instituição
autónoma e que não pode obedecer a diretrizes vindas dos governos e mesmo dos tribunais dos
estados.

® Questão relativa à garantia do estado de direito:

Art. 2º do TUE enumera um conjunto de valores aos quais a união europeia deve
permanecer fiel como a ideia do estado de direito, defesa das minorias, liberdade de expressão,
tudo reconduzido à ideia do estado de direito, o primado do direito, no qual avulta, por exemplo,
a tutela jurisdicional efetiva, a independência dos tribunais. Art. 7º TUE- prevê um mecanismo
de aplicação de sanções políticas aos estados que de uma forma grave e continuada violam os
pressupostos do estado de direito. Este mecanismo nunca foi ativado, pois pressupõe
unanimidade, e a aliança conjugada entre os estados envolvidos nesta violação dos pressupostos
do estado de direito (Polónia e Hungria) acabam por vetar qualquer tentativa de ativar o
mecanismo de sancionamento político e a questão acaba por ser abordada pela comissão,
através da instauração de ações por incumprimento contra cada um esses estados, e essas ações
por incumprimento já foram decididas pelo tribunal de justiça no sentido de considerar
verificadas essas violações, como a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.

A 11 de Março, Polónia e Hungria instauraram junto do tribunal de justiça um recurso de


anulação, de impugnação do chamado mecanismo da condicionalidade, que está previsto num
regulamento, que foi aprovado para definir as condições e os critérios de acesso dos estados aos
fundos comunitários, e um desses critérios é o respeito do estado de direito. Esses países
impugnaram, pois, entendem que um tribunal de justiça se deve pronunciar, já que alguns dos
requisitos violam princípios de reciprocidade, igualdade entre os estados. Há aqui a oportunidade
do tribunal de justiça se pronunciar sobre esse mecanismo de condicionalidade na sua
compatibilidade ou não com os tratados. Isto para dizer que a questão do estado de direito
começa a ser um problema sério e inconveniente de uma certa promiscuidade entre o plano
político e o plano jurídico.

A regente acha que esta questão deveria ser uma questão puramente jurídica, resolvida
pelos tribunais, e por isso a regente acha bem que a polónia e a Hungria tenham recorrido ao
tribunal de justiça, no quadro do art. 263º, impugnando o regulamento comunitário em causa,
para solicitar ao tribunal der justiça uma tomada de posição. O que à regente parece
inconveniente tem sido a tentativa frustrada por parte da união europeia de ativar o mecanismo
do art. 7º, pois esse mecanismo pressupõe uma unanimidade, que é inalcançável.

Mas há aqui um problema sério: a da violação por parte de alguns estados, as chamadas
democracias iliberais, daquilo que são pressupostos ou fundamentos do estado de direito, e que
constituem um desafio à marca identitária da união europeia como uma associação de estados
que respeitam o estado de direito e os direitos fundamentais dos cidadãos. Este é um problema
que a União Europeia também vai enfrentar no futuro, e para o qual vai ter de ter uma resposta,
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a resposta difícil que as democracias têm de encontrar, relativamente a estas pulsões


nacionalistas e populistas que têm uma incidência mais radicalizada numas sociedades do que
noutras.

Há uma divergência no quadro da união europeia relativamente à melhor forma de


ultrapassar estes problemas, sendo que, a regente entende que a resposta é possível no quadro
da união europeia. A união europeia tem mecanismos para dar resposta a estes desafios que são
colocados para alguns estados relativamente aos pressupostos do estado de direito, e esses
mecanismos são mecanismos jurídicos: é o recurso ao tribunal de justiça, quer através da ação
por incumprimento (quando é a união europeia a tomar iniciativa), quer da parte dos estados, o
recurso dos estados que não estão satisfeitos ou convencidos com as posições assumidas pela
união europeia, o recurso ao tribunal de justiça através do recurso de anulação.

® Problema quanto à projeção externa da União Europeia:

É triste constatar, mas é verdade, que a união europeia, enquanto potência, na


geopolítica mundial, tem, de uma forma continuada e talvez mais acelerada desde o início da
pandemia, perdido o seu lugar no concerto dos grandes. Vivemos uma era de crise aguda do
multilateralismo cooperativo, que é representado pela existência da ONU, e vivemos cada vez
mais um unilateralismo competitivo, em que as grandes potências definem uma estratégia muito
própria e pouco altruísta de definição e concretização dos seus interesses, em detrimento do
conjunto. EX: unilateralismo americano, russo e chinês. No meio de tudo isto, a união europeia
está numa posição muito delicada, quer no contexto económico, quer no contexto político-
militar, quer no contexto de soft power, isto é, da expansão e afirmação das suas próprias ideias,
da sua cultura, da sua visão sobre o mundo e sobre a própria relação do fenómeno político com
os cidadãos, nomeadamente a questão central dos direitos fundamentais.

Existe aqui quase uma estratégia de cerco, e a UE não tem tido a reação que se esperaria
e que seria necessária para combater esta estratégia de cerco: de um lado tem os EUA, de outro
a Rússia e a China, e não há dúvida que a pandemia e a resposta que a União europeia não
conseguiu dar em termos de combate à mesma, e voltando à questão da vacinação, tem
fragilizado muito a união europeia na sua relação com estes competidores diretos. A união
europeia, neste conjunto global, ao menos no hemisfério norte, é a entidade/potência que mais
perde no conjunto deste unilateralismo competitivo. Deste modo, a União Europeia tem de
encontrar um caminho de resposta, que passará eventualmente por uma redefinição das suas
relações estratégias com estes competidores diretos (EUA, Rússia). Deve haver uma
normalização das relações entre a União Europeia a Rússia, e a definição de uma outra estratégia
na relação com os EUA e China. Mas sobretudo também a ideia de uma relação privilegiada da
União Europeia com os países do hemisfério sul- países africanos e da américa sul.

A União Europeia tem de reencontrar ou recentrar o seu papel no mundo, sob pena de
esse papel se tornar absolutamente secundário, com consequências perigosas para a sua
afirmação enquanto potência regional, e no que diz respeito à sua afirmação como potência
económica.

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Estas são questões muito difíceis, para as quais não existe uma resposta única. Há a
necessidade de procurar as respostas que, em cada momento, se mostrem como as mais
adequadas e ir adaptando essa procura de soluções em função da própria evolução da realidade,
neste caso da realidade sanitária, económica e geopolítica.

Lição nº6

Sistema institucional da UE- noções básicas

Desde a criação das Comunidades Europeias até ao Tratado de Lisboa, a evolução do


quadro institucional foi encaminhada nos sucessivos tratados de revisão 2 vetores
programáticos:

• Por um lado, a unificação dos órgãos que conduziria à definição de um quadro


institucional único;
• Por outro lado, a necessidade de adequar o suporte institucional ao incremento de
poderes e funções confiados ao decisor eurocomunitário levou à criação de novos órgãos,
com composição e competências muito diferenciadas, o que tornou o sistema
institucional muito complexo e, apesar das tentativas para contrariar a tendência, menos
transparente e, mesmo em certos domínios, redundante.

A criação da União Europeia pelo Tratado de Maastricht, mantendo em simultâneo as três


Comunidades, colocou a questão do respetivo enquadramento institucional.

O art. 3º do Tratado da União Europeia (ex-artigo C) estabelecia: “A União dispõe de um


quadro institucional único, que assegura a coerência e a continuidade das ações empreendidas
para atingir os seus objetivos, respeitando e desenvolvendo simultaneamente o acervo
comunitário”.

O art. 5º TUE (ex-artigo E) completava esta perspetiva da estrutura institucional da União


ao determinar que o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o
Tribunal de Contas exerciam as respetivas competências nas condições definidas pelo Tratado
da União Europeia e pelos Tratados institutivos das três Comunidades. Com a existência de um
“quadro constitucional único” pretendeu-se garantir a unidade de funcionamento entre a
componente comunitária e a componente intergovernamental da União: os mesmos órgãos,
com competências diferentes.

Art. 13º/1 TUE: “A União dispõe de um quadro institucional que visa promover os seus
valores, prosseguir os seus objetivos, servir os seus interesses, os dos seus cidadãos e os dos
Estados-membros, bem como assegurar a coerência, a eficácia e a continuidade das suas políticas
e das suas ações”.

Com a versão introduzida pelo Tratado de Lisboa, desapareceu o termo “único” para
adjetivar o quadro institucional da União. À medida que avançarmos na análise das instituições,

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órgãos e organismos, a União Europeia, que, sublinhe-se, atua sob diferentes velocidades
consoante as matérias em causa, dispões de um quadro institucional plural e flexível. A garantia
da unidade e coerência da ação da UE, mesmo em domínios de elevada especificidade técnica e
política como é o caso da União Económica e Monetária, depende, afinal, da intervenção das
principais instituições políticas- Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Conselho e Comissão-
e da função fiscalizadora exercida pelo Tribunal de Justiça.

Na versão anterior do Tratado de Lisboa, a distinção fazia-se entre instituições e órgãos.


Nos termos do ex-artigo 7º/1 TCE, eram qualificadas como instituições, por esta ordem: o
Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas. Para
além destas 5 instituições, os Tratados previam outras estruturas orgânicas ou simplesmente
admitiam a sua criação, sob a designação indiferenciada de órgãos.

O critério distintivo entre instituições e órgãos não era claro e nele sobressaía uma
avaliação política e simbólica sobre o papel atribuído às ditas instituições no concerto decisional
da UE. Na base desta classificação residia um critério mais político do que jurídico. A relativa
imprecisão jurídica ficou ainda mais evidenciada com a consagração do Tribunal de Contas como
instituição. Se o critério operativo era o da importância ou competência decisória, então
justificar-se-ia a “institucionalização” do Banco Central Europeu (BCE), o que só veio a acontecer
com o Tratado de Lisboa; se o critério era o da autonomia, então também o Comité das Regiões
e o Comité Económico e Social poderiam figurar como instituições, já que o Tratado lhes
reconhece o poder de aprovar o respetivo regulamento interno, sem controlo do Conselho (art.
303º TFUE e art. 306º TFUE, respetivamente).

A nova redação do art. 13º/1 TUE, correspondente ao ex-artigo 7º TCE, ao acrescentar o


Conselho Europeu e o BCE ao rol das instituições, torna mais clara a motivação política que inspira
a opção de destacar no conjunto dos órgãos da UE aqueles que ocupam um lugar de maior
saliência, no quadro da decisão política ou do controlo político, jurisdicional e financeiro.

Na recomposição da lista de instituições da UE, sobressai, por um lado, a inclusão do


Conselho Europeu e do BCE e, por outro lado, a nova identificação do órgão jurisdicional pela
expressão Tribunal de Justiça da União Europeia. A promoção do Conselho Europeu ao estatuto
de instituição é coerente com um quadro institucional redesenhado que beneficia, de modo
claro, a instância máxima de representação dos Estados-membros. No que toca ao BCE, pela sua
reconhecida importância no funcionamento da união monetária e na garantia da estabilidade do
euro. Importa saudar o acerto da opção pelo enunciado Tribunal de Justiça da União Europeia,
substituindo a anterior Tribunal de Justiça. Nos termos do art. 19ºTUE, o Tribunal de Justiça da
União Europeia inclui o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e os tribunais especializados.
Regressamos assim, e bem, ao modelo que vigorou até ao Tratado de Nice de unidade
institucional da estrutura jurisdicional da UE: uma instituição, vários tribunais.

Assim, podemos dizer que o art. 13ºTUE, pelas alterações que introduziu na versão
anterior relativa ao elenco das instituições da União, tornou mais clara e, por isso, mais coerente,
a chancela tradicional da instituição ao reservá-la aos órgãos mais relevantes, seja na ótica da
sua competência juridicamente vinculativa seja na ótica da sua função (ex: Tribunal de Contas).
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Para sintetizar temos como instituições:

o Parlamento europeu;
o Conselho europeu;
o Conselho (de ministros);
o Comissão;
o Tribunal de Justiça da União Europeia;
o Banco Central Europeu;
o Tribunal de Contas.

Todos têm competência decisória, salvo o tribunal de contas, que é a chamada


consciência financeira da União Europeia, e tem uma função no quadro de uma competência
administrativa, de fiscalização da regularidade das despesas efetuadas pelo decisor da união
europeia.

Depois temos os órgãos, que são as outras realidades institucionais que estão previstas
nos tratados, mas não têm o estatuto de instituições:

• Comité económico e social;


• Comité das regiões;
• Provedor de justiça europeu;
• Etc.

Enquanto disposição introdutória em matéria institucional, seria de esperar da letra do


art. 13º TUE uma referência ao sentido da distinção entre instituições, órgãos e organismos.
Cumpre, então, perguntar: o que são os organismos e o que têm de diferente que possa justificar
a sua expressa autonomização?

O texto dos tratados não fornece uma definição, nem uma resposta direta. Há largos anos
que a prática institucional promove a criação de entidades muito variadas, tanto do ponto de
vista jurídico como funcional, indistintamente designadas por organismos.

Têm em comum 2 traços principais:

o Não estão expressamente previstos no texto dos Tratados;


o São criados por decisão das instituições e órgãos competentes da União e beneficiam,
regra geral, de personalidade jurídica própria.

Estes organismos personalizados, que não se devem confundir com a categoria de órgãos
complementares, criados também por iniciativa do decisor da União (ex: comités técnicos), são
cada vez em maior número e surgem sob as mais variadas designações e formato jurídico- a título
de exemplo, agência, instituto, observatório, centro. A sua proliferação e diversificação traduzem
a necessidade de encontrar a solução mais adequada para dar resposta ao cumprimento das
novas missões confiadas pelos Estados-membros à UE, nos domínios sempre em expansão do
controlo técnico e da atividade regulatória. Correspondem, grosso modo, ao que designamos na

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estrutura administrativa do Estado por administração indireta e, dependendo da sua específica


configuração jurídico-funcional, por administração autónoma.

Atualmente, temos um conjunto muito vasto de organismos, em especial, as chamadas


agências europeias. Há uma sobre a qual todos os dias ouvimos falar que é a EMA, a agência
europeia do medicamento.

Qualquer realidade institucional há de reconduzir-se a uma destas 3 categorias: ou é uma


instituição (art. 13º TUE), ou é um órgão ou é um organismo.

Esta qualificação não tem uma função meramente formal, podendo condicionar a
aplicação de regimes jurídicos. EX: questão do regime linguístico ou das sedes. Os tratados
definem um regime muito mais restritivo quando estão em causa as instituições do que quando
estão em causa órgãos ou organismos.

Estrutura institucional e fontes de legitimidade

O modo de designação dos membros de cada instituição e, em particular, a repartição de


poderes entre elas combina fontes diferentes de legitimidade. Assim se explica que qualquer
alteração dos Tratados sobre composição, regras de deliberação ou competências tenha
implicações imediatas no equilíbrio delicado e frágil que sustenta o funcionamento da estrutura
de decisão da União Europeia.

Temos, assim, três fontes diferentes de legitimidade:

• Legitimidade democrática: representada pelo parlamento europeu, pois os deputados


europeus são eleitos por sufrágio direto e universal dos cidadãos dos Estados-membros
desde 1979;
• Legitimidade intergovernamental: resulta do facto dessas instituições serem compostas
por representantes dos governos dos estados-membros- conselho europeu e o conselho
de ministros da união europeia;
• Legitimidade euro comunitária, integrativa ou supranacional: é uma legitimidade própria.
Aí temos a comissão, cujos membros são escolhidos em função da sua competência e
estão vinculados a um dever de independência, sendo que esta representa o “interesse
geral da União” (art. 17º/1, UE). Poderemos aqui incluir também as outras instituições-
Banco Central Europeu, Tribunal de Contas- e os restantes órgãos comunitários (como o
Comité das Regiões e o Comité económico e social), cuja criação obedeceu a objetivos
específicos de ordem técnica ou de representação orgânica de interesses.

A situação do Tribunal de Justiça da União Europeia foge, naturalmente, a este


enquadramento próprio dos órgãos que exercem a função política. O princípio de autoridade que
sustenta a atuação dos tribunais da União e que, ao mesmo tempo, delimita a sua competência,
é o controlo jurisdicional, caracterizado pela independência e reclamado por um modelo de
produção e de aplicação das normas jurídicas segundo o paradigma do Estado de direito. Mas, a
incluir em algum lado, seria na legitimidade eurocomunitária.
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A solução vertida no texto dos tratados espelha uma relação de coexistência entre estas três
fontes principais de legitimação do poder político na União Europeia. No estádio atual de
evolução do processo de integração política, a união europeia (ainda) não é um estado. No
quadro de um modelo atípico de associação de estados como é a união europeia, não faz sentido
apregoar a superioridade natural da legitimidade democrática sobre a legitimidade
intergovernamental. Assim, qualquer passo de reforma institucional deve ser equacionado e
justificado na perspetiva do modelo existe de União ou do modelo futuro que os Estados-
membros estarão dispostos a aceitar, de modo transparente e democrático.

O modo de qualificar o sistema de governo da União Europeia, vai resultar da interação e do


equilíbrio entre estas 3 fontes de legitimidade: qual a fonte mais importante e a que tem maior
projeção no produto jurídico-institucional da União Europeia? Será a componente democrática,
a componente intergovernamental, a componente integrativa, ou há um equilíbrio bem
conseguido dessas 3 fontes de legitimidade?

As importantes alterações introduzidas pelo tratado de Lisboa na estrutura institucional da


união europeia tiveram o efeito de redefinir o equilíbrio de poderes e a linha de coabitação entre
as três fontes de legitimidade. O tratado de lisboa mudou o sistema de governo da união
europeia. O ambiente político de profunda crise financeira e orçamental, subsequente à entrada
em vigor do Tratado de Lisboa, potenciou e acentuou a orientação de mudança do centro
nevrálgico do poder no sentido da intergovernamentalidade em detrimento da decisão
comunitária.

Quadro comum de funcionamento das instituições, órgãos e organismos

Importa, para perceber a coerência jurídica do funcionamento institucional da União


Europeia, perceber que para além das regras específicas, aplicáveis a cada uma das instituições,
órgãos e organismos, existe um quadro comum de funcionamento, e existem princípios gerais
que são aplicáveis, que são relevantes e vinculativos, relativamente a qualquer instituição, órgão
ou organismo da União Europeia.

Aspetos comuns:

• A autonomia;
• A função pública da União Europeia;
• O regime dos privilégios e imunidades;
• Regime linguístico;
• Matéria relativa às sedes das instituições, órgãos e organismos.

A regente foca-se mais no regime linguístico e sedes, já que têm suscitado maior
controvérsia e o seu regime é fundamental como garantia de igualdade entre os estados. É uma

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garantia de igualdade, dado que os tratados preveem a exigência da unanimidade ou do acordo


para regular/ aprovar disposições em matéria de regime linguístico e sedes.

1. Autonomia

A autonomia que caracteriza o estatuto das instituições e de alguns órgãos da UE deve


ser compreendida numa dupla aceção:

o Autonomia externa: resulta, em primeiro lugar, do grau de independência da própria UE


na sua relação com os Estados-membros e outras entidades jurídicas, devido à
personalidade jurídica que, a partir do Tratado de Lisboa, lhe foi expressamente
reconhecida (art. 47º TUE); resulta, em segundo lugar, do regime tradicionalmente
associado às organizações internacionais relativo aos privilégios e imunidades;
o Autonomia interna: envolve o poder de auto-organização. De acordo com os Tratados, o
AUTONOMIA ORGANIZATIVA

PE (art. 232º TFUE), a Comissão (art. 249º/1, TFUE), o Conselho (art. 240º/3, TFUE), o
Comité Económico e Social (art. 303º TFUE) e o Comité das Regiões (art. 306º TFUE)
aprovam o respetivo regulamento interno. A autonomia organizativa pode assumir um
recorte ainda mais acentuado, dependendo da natureza da instituição em causa: o BCE
tem personalidade jurídica própria e estatuto reforçado de independência (art. 282º/3,
TFUE); ou da sua função representativa- ao PE, composto por deputados eleitos por
sufrágio direto e universal, compete estabelecer o “estatuto e as condições gerais das
funções dos seus membros” (art. 223º/2, TFUE). Outra importante manifestação da
autonomia interna é a prerrogativa de organização dos serviços, incluindo a criação de
órgãos subsidiários. ACÓRDÃO MULLER E MERONI TRATAM DE QUESTÕES DE AUTONOMIA INTERNA

2. Função pública da UE

O estatuto dos funcionários e agentes das Três Comunidades Europeias foi definido, na
sequência do Tratado de fusão de 8 de abril de 1965, por um corpo único de regras. O
Regulamento CEE, EURATOM, CECA nº 259/68, do Conselho, de 20 de fevereiro de 1968, aprovou
o Estatuto dos Funcionários das Comunidades e o Regime aplicável aos outros agentes das
Comunidades.

A função pública eurocomunitária está, tanto pelo número de efetivos como pelo regime
contratual aplicável, mais próxima do modelo nacional de funcionalismo público do que do
paradigma da função pública das organizações internacionais.

A função pública da União é a mais numerosa das funções públicas internacionais.


Aqueles que beneficiam do estatuto de funcionários ou agentes fazem parte de uma
administração pública única, cujos direitos e deveres resultam de um Estado único,
independentemente da instituição ou órgão que os recrutou.

Diferente é a situação do pessoal contratado pelos numerosos organismos da União (ex:


agências, institutos, observatórios). Dotados na generalidade dos casos de personalidade jurídica
e de autonomia financeira e administrativa, contratam livremente o seu pessoal, de acordo com
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as modalidades previstas no ato institutivo ou determinadas por ato interno de gestão dos
recursos humanos.

Nos termos do art. 270º TFUE:

“O Tribunal e Justiça da UE é competente para decidir sobre todo e qualquer litígio entre
a UE e os seus agentes, dentro dos limites e condições estabelecidas pelo Estatuto dos
Funcionários da União e no Regime aplicável aos outros agentes da União”.

Assim, por força do Tratado, ao funcionários e agentes da União têm direito a um foro
único e exclusivo. Em relação aos chamados trabalhadores locais ou contratados, o foro judicial
competente é o dos tribunais nacionais do lugar de prestação da atividade.

Com a criação do Tribunal de Primeira Instância em 1989, o chamado contencioso da


função pública comunitário passou a integrar o âmbito da sua jurisdição, embora com a garantia
de recurso para o TJ das decisões proferidas em primeira instância. O aumento muito expressivo
da litigiosidade resultante das ações e recursos dos funcionários levou, por sua vez, à criação em
2004 do Tribunal da Função Pública da União Europeia, o primeiro tribunal especializado
instituído ao abrigo do art. 257º TFUE, entretanto extinto por decisão de 2016, com o retorno
dos respetivos poderes ao Tribunal Geral.

3. Privilégios e imunidades

Nos termos do art. 343º TFUE, a UE goza, no território dos Estados-membros, dos
privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão. O Protocolo nº7, anexo aos
Tratados, retoma o regime previsto no protocolo de 8 de abril de 1965, integrado no Tratado de
fusão aplicável ao Conselho e à Comissão. O Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da
UE regula, por um lado, o regime aplicável à União, aos seus funcionários e agentes, aos
deputados europeus e outros responsáveis pelas instituições no território dos Estados-membros
e, por outro lado, define a situação jurídica dos representantes dos Estados-membros que
participam nos trabalhos das instituições, bem como das missões de Estados terceiros
acreditadas junto da UE. O regime vazado no Protocolo assenta sobre as principais regras:

o Os locais, edifícios e arquivos da União são invioláveis;


o Os bens, imóveis e móveis, estão isentos do pagamento de quaisquer impostos diretos;
o Todas as pessoas ao serviço da União gozam de imunidade de jurisdição no território de
qualquer um dos Estados-membros, embora limitada aos litígios diretamente
relacionados com o cumprimento das suas missões;
o Os representantes dos Estados-membros, incluindo os que integram as chamas
representações permanentes e ainda os outros representantes (ministros, secretários de
Estado, altos funcionários, peritos, etc) que, periodicamente, se deslocam ao território
do Estado-membro onde se situam os lugares de trabalho das instituições, gozam das
facilidades e privilégios habituais reconhecidos pelo DIP;

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o O Estado-membro cuja capital acolhe a sede principal da UE (Bruxelas) deve conceder às


missões dos Estados terceiros acreditadas todas as imunidades e privilégios diplomáticos
usuais.

Por seu lado, a UE não beneficia de imunidade de jurisdição (art. 274º TFUE). A União e,
outrossim, a sobrevivente CEEA, podem ser demandadas junto do TJUE, no quadro da
competência atribuída pelos Tratados, ou junto dos tribunais nacionais que, como órgãos
comuns da justiça euro comunitária, têm competência para dirimir os restantes litígios em que
sejam parte.

4. Regime linguístico

O tratado CECA foi redigido em francês e apenas a versão francesa era considerada
autêntica. Já os dois Tratados de Roma, que instituíram a CEE e a CEEA, bem como todos os
tratados de revisão posteriores foram adotados em todas as línguas oficiais das Comunidades
Europeias, constituindo qualquer uma delas versão autêntica, que faz fé.

O art. 342º TFUE investe o Conselho do poder de aprovar, por unanimidade, o regime
linguístico das instituições da União, excecionando o caso particular das disposições previstas no
Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. O art. 281º TFUE permite a revisão do Estatuto
através do processo legislativo ordinário, explicitando, contudo, a exceção relativa ao regime
linguístico cuja alteração exige unanimidade no seio do Conselho.

Assim, sem prejuízo das disposições previstas no estatuto do tribunal de justiça da união
europeia (que tem regras específicas), o regime linguístico das instituições da união é fixado pelo
Conselho deliberando por unanimidade, por meio de regulamentos.

Foi aprovado o regulamento nº1 que tem sido objeto de sucessivas revisões, sobre o
regime linguístico, de fine as condições em que as instituições da união têm de respeitar o
princípio da igualdade no tratamento entre as 24 línguas oficiais da União Europeia. O art. 342º
é uma garantia para todos os estados, por requerer a unanimidade, ou seja, qualquer alteração
ao regime linguístico tem de recolher o acordo de todos. Esta é uma garantia importante pois
um dos problemas que é identificado no funcionamento da União europeia é que esta será uma
espécie de torre de papel, onde se falam todas as línguas, mas ninguém se entende, atualmente
24 línguas oficiais- art. 55º, sendo que a última que se juntou foi o croata (quando a Croácia
entrou na UE), entretanto o reino unido saiu, mas como o inglês também é língua oficial por via
da república da irlanda mantém-se como língua oficial. Claro que é difícil funcionar em pé de
igualdade com 24 línguas, mas estas devem continuar a ter o estatuto de línguas oficiais.

Depois há uma outra realidade paralela e que tem vinco a ganhar espaço, que são as
línguas de trabalho.

Existe uma certa tensão entre 2 objetivos relativamente contraditórios:

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Por um lado, o objetivo do tratamento igual dos estados e, consequentemente das suas
línguas, sendo que os próprios tratados, ao definirem no art. 4º/2 TUE o princípio fundamental
do respeito pela identidade nacional dos estados também tem uma repercussão sobre o regime
linguístico, pois uma das componentes da identidade nacional dos estados é a sua língua e a
união compromete-se no artigo referido a respeitar a identidade nacional dos estados, o que
inclui a sua língua.

Por outro lado, a questão da língua nacional é também um elemento fundamental no


exercício dos direitos por parte dos cidadãos da união. A esse propósito, veja-se o art. 22º da
carta dos direitos fundamentais da união europeia, quando reconhece a diversidade linguística.
Vejamos o art. 20º/d) TFUE e o art. 41º/4 da carta dos direitos fundamentais da união europeia,
quando reconhece aos cidadãos da união o direito de se dirigirem às instituições, órgãos e
organismos numa das línguas oficiais da união, e de receberem uma resposta na língua que
escolherem e através da qual comunicaram por escrito com a instituição, órgão ou organismo.

Temos aqui 2 objetivos que são conflituantes:

Por um lado, o objetivo da igualdade linguística, que é um pressuposto de cidadania e de


segurança jurídica; o sabermos de antemão quais as línguas oficias, as línguas que fazem fé
relativamente aos textos dos atos jurídicos, não só dos tratados.

O outro objetivo é o da eficiência. É à luz desta ideia da eficiência, que se tem travado
uma batalha em torno do conceito de línguas de trabalho. Existem as línguas oficiais, definidas
no art. 55º, estão abrangidas pela regra da unanimidade nos termos do art. 342º mas,
paralelamente, existem as línguas de trabalho, que são mais restritas, não podem ser 24. Alguns
casos são 3: o inglês, o francês, o alemão; nalguns casos é o francês, no quadro de tribunal de
justiça (acordo a que se chegou na década de 50, quando foi criado o primeiro tribunal de justiça,
no quadro da CECA)- língua de comunicação entre os juízes, de modo a que nas sessões
deliberativas, os juízes dispensem a presença de tradutores intérpretes e garantam o segredo
das suas deliberações. Isto resulta de um acordo de cavalheiros, que ainda não foi alterado,
embora o francês tenha perdido a sua função de língua veicular, em favor do inglês. Muitas vezes,
as línguas de trabalho são 3, outras vezes são apenas 1: o inglês- os textos circulam apenas em
inglês, as reuniões realizem-se em inglês, de modo que o inglês como língua veicular tem
efetivamente adquirido um peso crescente no funcionamento das instituições, órgãos e
organismos da união europeia. E mesmo com a saída do Reino Unido (o inglês continua como
língua oficial devido à república da irlanda), o inglês continua a ter um estatuto como língua de
trabalho, isso à luz de um critério de eficiência, de rapidez, de economia de meios. A necessidade
de fazer a tradução para todas as línguas dos documentos escritos, ou de garantir a tradução
simultânea de todas as reuniões para todas as línguas oficiais, isso envolveria um conjunto de
meios, quer em termos de recursos humanos como financeiros, que seria muito dispendioso e
isso tudo teria custos no que se refere à agilidade do processo deliberativo.

REGENTE: Apesar de a regente defender a igualdade entre todas as línguas oficias,


concorda que, em termos de línguas de trabalho, possa existir aí uma conduta mais flexível e que
se possam adotar línguas de trabalho. Nesse caso, a regente acha preferível conceber que o
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inglês é a língua veicular e comunicar então informalmente em inglês. Claro que quando estamos
a falar nos textos jurídicos que criam direitos e obrigações para os particulares, tem de se garantir
a sua tradução para as 24 línguas oficias. O jornal oficial da União Europeia funciona nas 24
línguas oficiais.

O critério economicista, relativo à poupança de meios com os serviços de tradução, e o


critério da maior eficiência, pela maior rapidez de comunicação através de um único idioma ou
de um número restrito de idiomas, não serão, no entender da regente, determinantes para
abdicar do atual modelo que assenta na equivalência das línguas oficiais dos 27 Estados-
membros enquanto elementos primordiais da identidade histórico-cultural dos povos e Estados
Europeus.

NOTA: A exigência da unanimidade para aprovar o regime linguístico só se aplica ao


regime linguístico das instituições. Relativamente aos órgãos e organismos, não é requerida a
unanimidade porque se entende que não cabe no art. 342º.

5. Sedes

Os Tratados não estabelecem a sede das instituições, remetendo para os governos dos
Estados-membros a sua escolha, de “comum acordo” (art. 341º TFUE e 189º CEEA).

Dada a impossibilidade de alcançar um acordo sobre a sede única e definitiva, em 1965,


por Decisão anexa ao segundo Tratado de fusão, foram definidos como locais de trabalho
provisórios as seguintes cidades:

o Bruxelas- serviços da Comissão, do Conselho, do Comité Económico e Social, reuniões do


Conselho de Ministros (com 3 reuniões anuais no Luxemburgo); reuniões das comissões
e grupos políticos do Parlamento Europeu;
o Luxemburgo- Tribunal de Justiça (e depois Tribunal de Primeira Instância, atual Tribunal
Geral); Tribunal de Contas; Serviço de publicações; certos serviços da Comissão;
secretariado geral do PE; Banco Europeu de Investimento;
o Estrasburgo- sessões plenárias do PE (uma semana por mês; desde 1979, três sessões
anuais no Luxemburgo). Nesta cidade, as sessões decorrem no hemiciclo da Assembleia
Consultiva do Conselho da Europa

Este “modus Vivendi” penaliza, em particular, o regular funcionamento do PE, verdadeira


instituição nómada que se reparte pelos 3 locais de trabalho.

A partir dos anos 80, o PE adotou algumas medidas de organização interna que visavam
concentrar a sua atividade em Bruxelas. A França e o Luxemburgo opuseram-se e tomaram a
iniciativa de impugnar a legalidade das deliberações do PE. O contencioso sobre a questão da
sede envolveu vários recursos, uns decididos a favor dos Estados recorrentes, outros favoráveis
ao PE.

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No Conselho Europeu de Edimburgo, em dezembro de 1992, os Estados-membros


insistiram no acordo de conteúdo salomónico, que confirmou basicamente os 3 locais de sede
acordos em 1965 e as regras de auto-organização entretanto seguidas pelo PE.

Com o Tratado de Amesterdão, o acordo sobre a sede tomou a forma de um protocolo


anexo aos tratados institutivos, pelo que a sua modificação passou a exigir o procedimento de
revisão previsto no art. 48º EU. O Protocolo, cujo regime se mantém na versão anexa ao Tratado
de Lisboa (Protocolo nº6, relativo à localização das sedes das instituições e de certos órgãos,
organismos e serviços da UE), rejeita a solução da sede única, da “capital europeia” e distribui as
sedes das instituições e de alguns dos organismos existentes do seguinte modo:

o Parlamento Europeu- sede em Estrasburgo, onde realiza as 12 sessões plenárias mensais,


incluindo a sessão orçamental; em Bruxelas, realizem-se as sessões suplementares e
funcionam as comissões parlamentares; no Luxemburgo, continuam a funcionar o
Secretariado-Geral e os respetivos serviços;
o Conselho- reuniões no Luxemburgo durante os meses de abril, junho e outubro; nos
restantes meses, as sessões têm lugar em Bruxelas, cidade que mantém a sede;
o Comissão- sede em Bruxelas, mas conservando no Luxemburgo determinados serviços
(ex: estatística, publicações, informática, parte dos serviços de tradução, serviços da
CEEA);
o Tribunal de Justiça da UE, incluindo o Tribunal Geral- sede no Luxemburgo;
o Comité Económico e Social- sede em Bruxelas;
o Comité das Regiões- sede em Bruxelas;
o Banco Europeu de Investimento- sede no Luxemburgo;
o Banco Central Europeu- sede em FrankFurt.

Em declaração anexa ao Tratado de Nice, os Estados-membros acordaram que, a partir


de 2002, Bruxelas acolheria metade das reuniões anuais do Conselho Europeu e, no mínimo, uma
por ano. Depois da União contar com 18 Estados-membros, o que aconteceu com o macro
alargamento de 2004, todas as reuniões do Conselho se deveriam realizar em Bruxelas.

A prática subsequente à Declaração foi no sentido de realizar as reuniões ordinárias em


Bruxelas e organizar as reuniões extraordinárias e cimeiras informais nas cidades escolhidas pelo
Estado que exerce a presidência. O Tratado de Lisboa não dispõe expressamente sobre esta
matéria, mas o novo modelo de funcionamento do Conselho Europeu, principalmente a
existência de uma presidência permanente e eletiva (art. 15º/5 UE), facilitará, certamente, a
consolidação da regra de reunir em Bruxelas. Continuamos a pensar, contudo, que nada nos
Tratados impede em relação às reuniões extraordinárias e cimeiras informais a sua organização
no território do Estado-membro que no semestre em causa assegura a presidência do Conselho
da União ou, hipótese igualmente atendível, em cidades escolhidas pelo seu simbolismo histórico
ou especial ligação com a matéria em debate. O mesmo raciocínio é valido para as reuniões do
Conselho da União.

Desde as Cimeiras de Chefes de Estado e de Governo iniciadas na década de 60, os


Estados-membros aproveitaram as reuniões magnas dos mais altos representantes políticos para
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divulgar e promover as suas cidades e a sua cultura. Por outro lado, as reuniões do Conselho
Europeu, atraindo sempre grande interesse mediático, eram um bom instrumento de
“marketing” da União, seja no plano da sua projeção internacional seja no plano da imperiosa
aproximação entre as instituições europeias e os cidadãos europeus. Este resultado afigura-se
bem mais improvável com o aprazamento uniformizado dos conclaves para Bruxelas, capital dos
eurocratas.

A sede dos organismos comunitários que não estão expressamente previstos no


Protocolo pode ser fixada através de decisão tomada de comum acordo entre os governos dos
Estados-membros. Em relação a estes organismos, a escolha da sua sede deve obedecer a um
objetivo político de repartição equitativa e equilibrada pelos diversos Estados-membros,
repudiando, assim, a lógica tao contestada do triângulo Luxemburgo- Bruxelas- Estrasburgo.
Refira-se, a título de exemplo, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência e a
Agência Europeia da Segurança Marítima- organismos da União com sede em Lisboa.

Art. 341º TFUE- este artigo refere as instituições, sendo que a localização dos órgãos e
organismos, como as agências europeias, é uma deliberação que não requer o consenso já que
o art. 341º remete para a exigência do consenso. É uma questão sensível pois todos os estados
querem que o seu território seja beneficiado com a localização das instituições.

Princípios fundamentais de vinculação institucional

Os tratados definem as regras aplicáveis aos procedimentos de decisão das instituições,


órgãos e organismos, ou seja, existem regras específicas. No entanto, sem prejuízo dessas regras
específicas, existem princípios gerais: alguns com previsão expressa nos tratados, outros que não
têm previsão expressa nos tratados mas que são vinculativos por 2 vias (alternativas ou
cumulativas)- são vinculativos porque são a expressão de princípios gerais de direitos e/ou são
vinculativos porque a jurisprudência do tribunal de justiça, na resolução de casos concretos,
definiu a sua vinculatividade e a sua aplicação como integrantes do bloco de normatividade que
vincula o decisor da União Europeia.

É muito importante ter presente que o bloco de legalidade da União Europeia é


constituído não apenas pelos tratados, mas de uma forma primordial é formado por princípios
gerais, tem uma base principialistas. Estes princípios gerais são a manifestação de princípios
gerais de direito, reconhecidos ou não de forma expressa pelo tribunal de justiça. Estes princípios
gerais têm uma função integrativa de lacunas, mas também são diretrizes de interpretação
sistemática, teleológica, atualista das próprias bases jurídicas expressas existentes nos tratados.

o bloco de legalidade euro comunitária constitui, no seu todo, fundamento e limite para
a ação desenvolvida pelas estruturas orgânicas de decisão. Neste sentido, todos os princípios de
incidência institucional produzem o assinalado efeito de conformação do decisor da UE- a
começar pelo princípio da competência de atribuição, incluindo os princípios da subsidiariedade
e da proporcionalidade (art. 5º TUE).
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Relativamente a este bloco de vinculação do decisor da União Europeia, vamos avaliar a


relevância e o impacto de 4 princípios:

o Princípio do equilíbrio institucional;


o Princípio do acervo comunitário;
o Princípio da cooperação leal;
o Princípio da transparência.

1. O princípio do equilíbrio institucional

Os tratados não preveem expressamente este princípio. A ideia do equilíbrio institucional


está muito ligada a uma conceção de separação de poderes, e acontece que os tratados não
preveem expressamente um modelo de separação de poderes, como acontece nas constituições
dos estados, muitas vezes inspiradas pelo modelo da tripartição de poderes: a separação entre
o poder legislativo, executivo e judicial. Os tratados não preveem expressamente uma separação
de poderes, muito menos preveem um modelo de separação tripartida de poderes inspirado pela
lição de Montesquieu.

Os tratados, o mais próximo que estão de uma ideia de equilíbrio institucional, é no art.
13º/2 TUE, artigo dedicado às instituições. Depois da enumeração das instituições, no seu nº2
pode ler-se: “cada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos
tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem”.

Esta é a disposição que mais se aproxima de uma ideia de equilíbrio institucional, aqui
sinónimo de princípio de legalidade da competência, a ideia segundo a qual as instituições (e
também os órgãos e organismos- há que fazer uma interpretação teleológica/ sistemática),
devem atuar no quadro das suas competências e devem, nesse sentido, respeitar as
competências das outras instituições, órgãos e organismos. O art. 13º/2 pressupõe a conjugação
de 2 princípios vinculativos:

- O da legalidade da competência (respeito pelos limites das competências de cada instituição);

- O da cooperação entre os estados: entre as diversas instituições, órgãos e organismos.

Desta fusão, nasce a ideia do equilíbrio institucional.

No quadro da União Europeia, encontramos aspetos do seu funcionamento jurídico


constitucional, que a afastam do modelo estadual, porque a união europeia não é um estado,
mas sim uma realidade atípica. Também aqui verificamos essa atipicidade, porque enquanto no
estado o modelo típico do estado de direito e que respeita a separação de poderes é o modelo
da tripartição de poderes- poder legislativo, executivo e judicial-, no caso da união europeia se
nós quisermos encontrar um critério de separação de poderes, esse critério não será o da
tripartição, mas o da bipartição de poderes. Isto é, nós temos, por um lado, instituições, órgãos
e organismos de decisão políticas; por outro lado, temos instituições e órgãos de decisão judicial.
É um modelo dicotómico muito parecido com a forma como a doutrina constitucional britânica

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entende interpretar o funcionamento do sistema britânico, considerando que há aí uma


dicotomia entre, por um lado, os tribunais e os órgãos políticos (ou de decisão política).

E esta dicotomia é muito mais adequada à estrutura e à natureza jurídico-institucional da


União Europeia. Por exemplo, nós não temos um único órgão competente em matéria legislativa.
A competência legislativa é, no procedimento legislativo comum, partilhada entre o Conselho e
o Parlamento Europeu. Mas, em determinadas matérias muito restritas, a comissão tem poderes
legislativos. Por outro lado, em matéria executiva, embora a comissão seja por excelência o
executivo, mas a comissão não é a única instituição com competências executivas: o conselho,
embora de forma muito restrita, também pode exercer competências executivas e, por outro
lado, em matéria de política monetária, o BCE tem competências executivas.

Temos aqui uma geometria muito variável em matéria de repartição de competências em


função da sua natureza, que não permite identificar na União Europeia esse modelo tripartido,
mas temos sim um modelo claramente bipartido, isto é, instituições, órgãos e organismos que
decidem as questões políticas, quer num plano político, legislativo e da execução; e depois temos
os tribunais- que são, por um lado, os tribunais de todos os estados, e em especial o tribunal de
justiça da união europeia, com 2 tribunais, o tribunal geral e o tribunal de justiça, que com toda
a independência e imparcialidade decidem as questões relativas à interpretação e aplicação
jurisdicional dos tratados.

TJ: o equilíbrio institucional implica, antes de mais, “que cada órgão exerça as suas
competências no respeito das competências dos outros (…) no quadro de um sistema de
repartição de competências entre os diferentes órgãos da Comunidade e, no caso de se verificar
uma violação, esta deve ser devidamente sancionada”.

No entanto, importa distinguir: enquanto o princípio da competência de atribuição traduz


basicamente a ideia de uma atuação limitada aos meios jurídicos de ação previstos pelos
Tratados (estática dos poderes), já no princípio do equilíbrio institucional sobreleva a ideia do
respeito das relações interinstitucionais (dinâmica dos poderes). À luz do princípio do equilíbrio
institucional, o controlo da legalidade da atuação da União é mais exigente- não basta à
instituição comunitária reivindicar a titularidade de um poder com fundamento no Tratado, deve
exercê-lo de um modo que não afeta as prerrogativas das restantes instituições comunitárias.

De acordo com a jurisprudência comunitária, cedo definida pelo TJ, o princípio do


equilíbrio institucional funciona como uma garantia (ou mesmo reforço) das prerrogativas de
participação de cada instituição no processo de decisão, mas serve também como garantia dos
direitos reconhecidos aos particulares. Neste segundo sentido, prevalece o objetivo de opor
limites jurídicos ao exercício do poder pelas instituições de decisão da União.

As dúvidas, as questões relacionadas com o equilíbrio institucional, com esta ideia de que
as instituições, órgãos e organismos se devem relacionar entre si num espírito de cooperação,
pode levar à celebração de acordos interinstitucionais- art. 295º, o que começou por ser uma
prática iniciada pelo trio institucional- o conselho, a comissão e o parlamento europeu. E, para

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melhorar as relações entre estas 3 instituições no exercício da função normativa, estas


celebraram acordos institucionais.

Mais tarde, os tratados passaram a prever expressamente a base jurídica em matéria de


acordos interinstitucionais- art. 295º- que é, em larga medida, a positivação dessa prática
institucional e da jurisprudência do tribunal de justiça, que, entretanto, se pronunciou sobre a
natureza desses acordos interinstitucionais. O que o art. 295º nos vem dizer é que esses acordos
podem ser vinculativos, o que significa que também podem não o ser, e ser apenas indicativos.
O que eles têm de ser necessariamente é compatível com os tratados. EX: acordo entre comissão
e parlamento europeu no sentido de retirar poderes ao conselho para acentuar a legitimidade
democrática e a legitimidade comunitária, limitar a legitimidade intergovernamental e, portanto,
restringir a competência do Conselho Europeu no exercício das suas funções de autoridade
legislativa. Um eventual acordo interinstitucional com este conteúdo seria contrário aos tratados,
logo suscetível de impugnação junto do tribunal de justiça. O art. 295º é muito claro no sentido
de considerar que os acordos interinstitucionais não podem legitimar uma revisão informal dos
tratados, não podem legitimar a aprovação de regras ou procedimentos que sejam derrogatórios
relativamente aos tratados. Quando existem dúvidas sobre saber se contrariam ou não os
tratados, só há uma instituição que pode resolver esse litígio ou arbitrar esta controvérsia, que é
o tribunal de justiça, nomeadamente através do recurso de anulação- art. 263º.

2. O Princípio do respeito pelo acervo eurocomunitário

O princípio do adquirido comunitário (ou acervo), nasceu no contexto da abertura das


negociações que precederam o primeiro alargamento, em junho de 1970. No parecer de 19 de
janeiro de 1972, relativo ao pedido de adesão do reino Unido, Noruega, Dinamarca e Irlanda, a
Comissão delimitou o conteúdo e finalidade do novel princípio da integração jurídica “(…) ao
tornarem-se membros das Comunidades, os Estados aderentes aceitam, sem reserva, os tratados
e as suas finalidades políticas, as decisões de qualquer natureza tomadas depois da entrada em
vigor dos tratados e as opções no domínio do desenvolvimento e do reforço das Comunidades;
(…)”.

Os sucessivos tratados de adesão acolheram uma cláusula de receção expressa do acervo


comunitário. Em concreto, o art. 2º do Tratado de Adesão de Portugal e de Espanha às
Comunidades Europeias dizia: “A partir da adesão, as disposições dos tratados originários e os
atos adotados pelas instituições das Comunidades antes da adesão vinculam os novos Estados
membros e são aplicáveis nestes Estados nos termos desses tratados e do presente Ato”.

Analisado na perspetiva da sua génese, este princípio obrigava os novos Estados-


membros a aceitar o património jurídico e político das Comunidades Europeias. Forjado sobre a
ideia fundamental do gradualismo da integração, que evolui por etapas que, lógica e
irreversivelmente, se sucedem, no princípio do acervo comunitário sobressai a natureza de
diretriz política.

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Como expressão de um património comunitário que cumpre respeitar, o princípio do


acervo constitui igualmente um critério de orientação institucional.

A preservação da integralidade do acervo euro comunitário não é, contudo, incompatível


com uma opção institucional de desregulamentação, ditada por exigências relativas à devida
consideração do princípio da subsidiariedade. Existirá, sem dúvida, um acervo fundamental e que
será irreversível, intangível, pelo menos no quadro de um processo de continuidade e
desenvolvimento da dimensão finalística da União. Ao invés, existem áreas de regulamentação
jurídica que podem, sem ofensa do princípio do acervo, dar lugar a medidas de abandono do
espaço normativo ocupado pelo decisor da União ou de redução da intensidade reguladora. Pode
ser o próprio princípio do acervo que, numa aceção dinâmica da integração e de acordo com
critérios de eficiência política e económica, fundamente a conveniência da revisão de políticas e
de ações comunitárias no sentido da sua limitação a um conjunto fundamental de objetivos e
princípios de identidade da UE.

O Tratado de Lisboa apagou do texto dos tratados institutivos a referência autónoma ao


princípio do acervo, introduzida pelo Tratado de Masstricht.

A relevância conformadora de um princípio como o do respeito pelo acervo comunitário


não depende, em rigor, da sua consagração textual. Como princípio inerente ao método
comunitário, do respeito pelo decidido no plano normativo, vincula as instituições, órgãos e
organismos da União. O desaparecimento da base textual do princípio do acervo não foi,
contudo, fortuito ou inconsequente. Uma tal opção está relacionada com o reforço do princípio
contratualista resultante do Tratado de Lisboa e expressamente assumida pelo art. 48º/2 TUE,
ao admitir que os projetos de revisão “podem, nomeadamente, ir no sentido de aumentar ou
reduzir as competências atribuídas à União pelos Tratados”. Esta disposição fundamenta a
seguinte conclusão: apenas a vontade soberana e unanimemente expressa por todos os Estados-
membros através do processo de revisão não está subordinada ao respeito estrito do princípio
do acervo; já que se refere aos procedimentos comuns de decisão político-normativa, vigora o
princípio do adquirido, de incidência subordinante tanto para o decisor da União como para o
decisor nacional.

3. O princípio de cooperação leal

Tem previsão expressa nos tratados- art. 4º/3 TUE. É um dos princípios mais importantes
e férteis dos tratados. Este princípio da cooperação leal ou da fidelidade comunitária é um
corolário do princípio geral da boa-fé, relativamente ao qual há uma ideia de coerência na
atuação (que impõe a não contradição), quer da união, quer dos estados.

O princípio da cooperação leal, tal como o princípio da boa fé, é um princípio, uma diretriz
de boa governação mas é, principalmente, um princípio jurídico e vinculativo, cuja violação pode
ser objeto de apreciação e pode envolver consequências como a declaração de nulidade do ato
que viole a cooperação leal.

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O princípio da cooperação leal tem 2 dimensões, e agora só nos interessa uma delas.

Este vincula os estados- art. 4º/3 (deveres de execução dos estados- entidades nacionais
respeitarem e fazerem respeitar o direito da união europeia). A perspetiva que nos interessa é-
a união europeia, as instituições, órgãos e organismos, também por força do art. 4º/3, estão
vinculadas pela exigência da cooperação leal, e isto numa dupla exigência: as instituições, órgãos
e organismos nas relações entre si têm de respeitar a cooperação leal; e, por outro lado, a união
europeia, na relação com os estados, deve relacionar-se com estes observando as exigências da
cooperação leal.

A cooperação leal tem vários pressupostos.

Em termos de vinculação institucional da união europeia, por um lado respeitar as normas


de competência: as instituições, órgãos e organismos, nas relações entre si, têm de respeitar as
bases jurídicas, as normas de competência dos tratados; na relação com os estados, têm de
respeitar o princípio da competência de atribuição, isto é, as instituições, órgãos e organismos
não devem decidir sobre matérias que são da competência dos estados. Há aqui, por um lado,
uma exigência de legalidade da competência e, pro outro lado, há uma ideia de relacionamento
que se deve estabelecer de acordo com critérios de transparência, de boa fé e de solicitude na
relação entre as instituições, órgãos e organismos, por um lado, e sobretudo na relação entre a
união europeia e os estados membros, o que exclui condutas que possam ser de alguma forma
confundidas com má fé, reserva mental, obstrução etc.

O tribunal de justiça tem tido oportunidade de analisar estes aspetos na sua


jurisprudência, e de considerar não apenas como diretrizes de boa orientação institucional, mas
sobretudo como critérios vinculativos que impõe deveres quer ao decisor da união, quer aos
decisores dos estados. ACÓRDÃO COSTA/ENEL

O art. 295º sobre os acordos interinstitucionais, pode e deve agilizar e especificar as


exigências e os requisitos em matéria de cooperação leal, isto é, codificar as exigências em
matéria de cooperação leal. Tendo em conta que o objetivo desta disposição é o de aperfeiçoar, tornando mais eficiente o quadro de
regulação aplicável à cooperação entre as três insituições titulares de poderes de decisão normativa, a Prof.
MLD considera que não deve nenhuma destas insituições ser arredada do processo previsto neste artigo,
sob pena de um eventual acordo bilateral poder ser considerado um agravo ao princípio do equilibrio
insitucional.

4. Princípio da transparência

É um princípio geral de direito e que, de forma crescente, caracteriza a atuação dos


estados dos dias de hoje. É a expressão de um paralelismo assumido entre os procedimentos
inerentes ao Estado de direito nos ordenamentos estaduais e os procedimentos de uma União
de direito.

É um princípio de abertura. Veja-se o art. 15º/1 TFUE, quando estabelece com alcance
geral: “a fim de promover a boa governação e assegurar a participação na sociedade civil, a
atuação das instituições, órgãos e organismos da união pauta-se pelo maior respeito possível do
princípio da abertura”.

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Em ligação direta com este artigo, veja-se o art. 298º TFUE e art. 11º TUE; art. 16º/8 TUE
pois estabelece que as reuniões do conselho da união europeia são públicas quando o conselho
delibera sobre atos legislativos, o que é uma concretização clara do princípio da abertura ou da
transparência. Isto é garantido através do visionamento.

Disposições relevantes da carta dos direitos fundamentais da União Europeia:

- Art. 42º: relativo ao acesso do público aos documentos;

- Art. 41º/b): relativo ao direito dos administrados de consultar os processos que lhe dizem
respeito, que é um pressuposto da boa administração.

Existe um regulamento: regulamento 1049/2001, que regula o acesso do público aos


documentos. É uma regra, um princípio geral, está definido no art. 42º, mas depois é preciso
estabelecer duas ordens de exceções:

o A primeira relativa à necessidade de proteger o interesse público (segurança pública,


relações internacionais, defesa e questões militares, política financeira, monetária ou
económica da Comunidade ou de um Estado-membro) e outros interesses merecedores
de tutela (intimidade e privacidade das pessoas, segredo comercial e industrial, o
interesse financeiro da União, a confidencialidade requerida por aqueles que prestam
informações à União ou pela legislação dos Estados-membros que transmitiram a
documentação em causa);
o A segunda atende ao interesse próprio da instância solicitada por um pedido de acesso
de manter o segredo das suas deliberações, o que se poderá justificar no caso em que a
divulgação possa prejudicar gravemente o processo decisório da instituição.

Se, por exemplo, uma organização pedir acesso aos documentos e houver recusa, tem de
haver uma fundamentação, à luz da disposição especifica do regulamento de 2001 que
estabelece essa exceção. Às vezes a questão acaba no tribunal geral, com uma impugnação da
decisão de recusa por parte da instituição. O princípio da transparência é um princípio geral e
vinculativo, mas por vezes existe uma visão muito restritiva do direito do acesso aos documentos.
Muitas vezes a comissão tem uma política de uma certa irresistência a este princípio.

O art. 15º/1 TFUE (já referido) é importante. Em conformidade, o art. 16º/8 TUE estipula
que são públicas as reuniões do Conselho “em que se delibere e vote um projeto de ato
legislativo”.

Por seu lado, o art. 298º/1 TFUE, a propósito dos procedimentos de decisão em geral,
determina:

“No desempenho das suas atribuições, as instituições, órgãos e organismos da União


apoiam-se numa administração europeia aberta, eficaz e independente”

Com esta evolução do regime da confidencialidade para um modelo de transparência e


abertura, permanece a dúvida sobre as regras aplicáveis ao domínio da Política Externa e de
Segurança Comum (PESC). O art. 15º TFUE não abrange os procedimentos de decisão relativos à

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PESC. A questão de saber se neste domínio de atuação está ou não excluído o princípio de
transparência impõe que se considere a existência de duas disposições pertinentes do estatuto
jurídico da União:

o O art. 11º/3 TUE que postula um objetivo geral “de coerência e transparência das ações
da União”;
o O art. 42º da Carta dos Direitos Fundamentais que consagra em geral o direito de acesso
aos documentos da União, embora o seu exercício dependa das condições definidas pelos
Tratados (art. 52º/2 Carta).

Lição nº7

Parlamento Europeu

A. Composição

É composto pelos representantes dos cidadãos da União, eleitos por sufrágio universal,
direto, livre e secreto, por um mandato de 5 anos (art. 14º, nº 2 e 3, TUE). Embora o princípio
democrático da eleição direta e universal estivesse já previsto no Tratado de Paris, só em 1979
se passou do sistema de escolha dos deputados europeus pelos parlamentos nacionais para o
atual modelo de eleição direta pelos cidadãos de todos os Estados-membros que são, por força
do art. 20º/1 TFUE, cidadãos da UE.

Na história, PE beneficiou de um verdadeiro efeito da mutação institucional, passando de


um mero órgão de consulta para o órgão de decisão política que é hoje, confirmado e alentado
pelo Tratado de Lisboa. O percurso do PE é o exemplo de um órgão sempre inconformado com
o papel que os Tratados lhe reservam- a começar pela designação oficial. Com a Resolução de 30
de março de 1962, decidiu auto denominar-se “Parlamento Europeu”, em vez de Assembleia.
Mas só em 1987, com a entrada em vigor do Ato Único Europeu, a designação aprovada em 1962
seria formalmente incorporada nos Tratados.

O Ato relativo à Eleição dos Representantes à Assembleia por sufrágio direto selou o
acordo sobre o número de representantes por cada Estado-membro. Em contrapartida, não foi
possível em 1976- como não o foi até aos nossos dias- aprovar um processo eleitoral uniforme
(art. 223º/1, TFEE). Por esta razão, as eleições para o PE continuam a realizar-se de acordo com
os princípios e regras de direito eleitoral vigentes em cada Estado-membro. O art. 22º/2 TFUE
prevê o direito de qualquer cidadão da União de eleger e de ser eleito nas eleições para o PE. As
exigências e modalidades de exercício deste direito de cidadania europeia foram objeto de uma
diretiva de harmonização dos direitos eleitorais dos Estados-membros. Esta harmonização
legislativa não prejudica, contudo, o direito soberano de cada Estado-membro para, no âmbito
da respetiva lei da cidadania e legislação eleitoral, e com respeito do princípio da igualdade de
tratamento, determinar os titulares do direito de participação nas eleições para o PE.

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O PE é composto, no máximo, por 751 deputados (art. 14º/2 TUE). A composição do PE


sempre foi objeto de difíceis negociações entre os Estados-membros, figurando a par do
processo deliberativo no seio do Conselho e da composição da Comissão, como um vetor
diretamente condicionante da partilha do poder no seio da UE. A discussão tem girado em torno
de dois critérios relevantes: por um lado, o que podemos designar como equidade demográfica
ou concretização do princípio representativo e, por outro lado, um certo equilíbrio entre
pequenos e grandes Estados-membros, com a previsão de uma quota mínima e de uma quota
máxima de representação, enquadrados pelo princípio da proporcionalidade degressiva (art.
14º/2 TUE).

O Tratado de Amesterdão estabeleceu um teto máximo de 700 lugares. Com os


sucessivos alargamentos, era importante definir um limite de membros que, sem pôr em causa
a representação equilibrada dos cidadãos dos vários Estados-membros, pudesse afastar a
imagem de uma instituição inoperante. A limitação do número máximo de deputados europeus
implicou uma redução dos lugares atribuídos a cada Estado-membro. O Tratado de Nice
consagrou a nova grelha de repartição e elevou o teto máximo para 732 lugares. Todos os
Estados-membros sofreram uma redução do número dos seus representantes. Com algumas
exceções, justificadas por referência a critérios diferentes: a Alemanha manteve 99 lugares (a
partir do Tratado de Lisboa, 96 lugares) por exigência do critério demográfico; o Luxemburgo
salvou os seus 6 lugares, em nome de um contingente mínimo por Estado-membro.

Embora o Tratado de Lisboa omita, ao contrário da solução anteriormente prevista nos


Tratados, a grelha de repartição de assentos parlamentares pelos vários Estados-membros, o art.
14º/2 TUE estabelece vários critérios que vinculam o Conselho Europeu em decisão sobre a
matéria:

1) A representação dos cidadãos é degressivamente proporcional;


2) Nenhum estado-membro pode, com independência do número de cidadãos, ter mais de
96 lugares e menos de 6 lugares.

O acordo assegura um certo equilíbrio entre Estados-membros mais e menos populosos,


num crédito por estes últimos. A representação dos cidadãos no PE deve ser “degressivamente
proporcional” (art. 14º/2 TUE), o que impõe que a relação população/ deputados seja tanto
menos proporcional quanto mais populosos forem os Estados. O princípio da proporcionalidade
degressiva é uma fórmula que combina o critério da proporcionalidade na representação dos
cidadãos com o critério do equilíbrio entre os Estados-membros. Trata-se de uma solução
tradicional para os problemas de representação institucional dos Estados-membros no seio da
União, com a garantia de uma tendencial equipendência em função da dimensão geográfica,
económica ou territorial dos países. Portugal, com um contingente de 21 deputados, segurou
uma representação equilibrada, mesmo após a alteração resultante do acordo de saída do Reino
Unido. O PE foi reduzido a 705 deputados, desde a última eleição de 2019. O contingente
britânico (73 deputados) foi repartido entre 14 EM (27 lugares) e uma reserva destinada a futuros
alargamentos (46 lugares).

Os deputados europeus são eleitos por um mandato de 5 anos (art. 14º/3 TUE).
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No que respeita ao estatuto de deputado europeu, verifica-se que este combina


elementos, por um lado, definidos pelos Tratados e instrumentos avulso e, por outro lado,
disposições nacionais aplicáveis ao estatuto do parlamentar nacional. O art. 223º/2 TFUE habilita
o PE do poder de estabelecer “o estatuto e as condições gerais de exercício das funções dos seus
membros, após parecer da Comissão e mediante aprovação do Conselho. Quaisquer regras ou
condições respeitantes ao regime fiscal dos membros ou ex-membros exigem a unanimidade do
Conselho”. Após sucessivas tentativas goradas de acordo entre o PE e o Conselho, motivadas em
particular pela questão relativa à remuneração do deputado e sua sujeição ao regime fiscal
nacional ou a imposto comunitário, foi possível atingir uma base de compromisso, formalizada
na Decisão de 28 de setembro de 2005 e aplicável à legislatura iniciada em 2009.

Conforme determinação do Ato de 1976, o mandato europeu é de caráter representativo:


os deputados votam individualmente e não podem receber ordens nem estar vinculados a
quaisquer instruções (art. 4º)

Os representantes europeus gozam dos privilégios e imunidades constantes do Protocolo


Relativo aos Privilégios e Imunidades da UE- nomeadamente, a imunidade de jurisdição penal
que só pode ser levantada pelo próprio PE. O regime da imunidade não é, todavia, uniforme: fora
do território do Estado-membro pelo qual o deputado foi eleito, é aplicável o Protocolo; mas em
relação a qualquer ato cometido no território do Estado-membro pelo qual foi eleito, o regime
aplicável é o que resulta do respetivo direito nacional, criando, deste modo, um risco sério de
tratamento desigual entre os membros do PE.

O deputado europeu goza de um regime incondicional de livre circulação nas deslocações


aos locais de trabalho do PE.

Fora do quadro destas deslocações nacionais, o deputado europeu fica sujeito às


restrições previstas nos Tratados para a generalidade dos cidadãos da União. Poder-lhe-á, por
exemplo, ser negada a entrada ou a permanência por razões de ordem pública (art. 21º/1 TFUE,
art. 3º, 52º e 62º TFUE). Uma tal prerrogativa foi, contudo, qualificada como contrária ao art. 16º
CEDH pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por entender que as restrições aos direitos
políticos dos estrangeiros não podem abranger o indivíduo na sua dupla qualidade de cidadão da
União, originário de outro Estado-membro, e deputado europeu.

O Ato de 1976 proíbe expressamente a acumulação da função parlamentar com o


exercício de funções governativas, seja no Executivo comunitário, seja no Executivo nacional. Em
contrapartida, não impede o deputado europeu de exercer função profissional e qualquer outra
atividade remunerada. Com a revisão do Ato em 2002, foi consagrada a proibição de acumular o
mandato europeu com o mandato nacional.

B. Organização e funcionamento

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Como expressão do princípio da autonomia institucional que caracteriza l funcionamento


das instituições da UE, o PE estabelece o seu regulamento interno (art. 232º TFUE), designado
Regimento Interno.

Os deputados são agrupados por ideologias e afinidades políticas e não em função da sua
nacionalidade.

O regimento fixa as condições de constituição dos grupos políticos que devem integrar
pelo menos 23 deputados, eleitos, no mínimo, pelo corpo eleitoral de um quarto dos estados-
membros. Trata-se, importa reconhecer, de uma exigência agravada do carácter plurinacional e
minimamente representativo dos grupos políticos que substitui a possibilidade de, outrora,
formar grupos políticos compostos por deputados oriundos de um único estado-membro. Cada
deputado só pode pertencer a um grupo político. Aos deputados e, contudo, reconhecido o
direito de não aderir a nenhum grupo político, desenvolvendo a sua atividade como deputados
não inscritos.

A correr a 9º legislatura, está declarada a existência de 7 grupos políticos e um grupo


residual de não inscritos, constituído por 29 deputados. As mais importantes famílias políticas
europeias têm a sua expressão no grupo do Partido Popular Europeu e do grupo Aliança
Progressista dos socialistas e democratas do parlamento europeu. O art. 10º/4 TUE prevê a
existência de partidos políticos a nível europeu que deverão contribuir para a criação de uma
consciência política europeia e para a expansão da vontade dos cidadãos da união. PE e Conselho
definem, em conjunto, o estatuto dos partidos políticos a nível europeu, incluindo as regras
aplicáveis ao seu financiamento (art. 224º TFUE). Os grupos políticos podem ser considerados
um embrião dos partidos políticos europeus, mas, no estádio atual, constituem apenas formas
de coligação de partidos de base nacional.

Os grupos políticos desempenham um papel fundamental no funcionamento do órgão


parlamentar:

1) O presidente é eleito na base de um compromisso entre o grupo socialista e o grupo


popular europeu;
2) A conferência dos presidentes, órgão responsável pela organização dos trabalhos, é
formada pelo presidente e pelos presidentes dos grupos políticos;
3) a composição e a presidência das comissões permanentes e temporárias deve refletir,
por indicação dos grupos políticos, uma representação equitativa dos estados-membros
e das tendências políticas;
4) a ordem de trabalhos, a apresentação de questões e o tempo de palavra dependem
igualmente da expressão numérica das diversas famílias políticas. Cumpre, no entanto,
ressaltar que a atuação externa dos grupos políticos ou dos deputados que os compõem
não vincula o parlamento europeu nas relações com terceiros.

A Mesa do Parlamento Europeu é formada pelo presidente, 14 vice-presidentes e 5


questores, estes sem direito a voto, a quem compete regular todas as questões financeiras e
administrativas diretamente relacionadas com a aplicação do estatuto dos deputados. Cabe à

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mesa nomear o secretário-geral e estabelecer o organigrama do secretariado geral. O secretário-


geral dirige os serviços administrativos do parlamento europeu, assegurados, na sua maioria por
funcionários admitidos em concurso e oriundos de todos os estados-membros.

Quanto ao presidente, dirige as atividades parlamentares, desempenha importantes


funções protocolares e de representação e pode, dependendo da sua personalidade, assumir
uma relevante magistratura de influência e projetar a imagem do parlamento europeu. O art.
314º/9 TFUE confia ao presidente o poder de declarar o orçamento da união definitivamente
adotado. Os atos legislativos, aprovados conjuntamente pelo parlamento europeu e pelo
conselho, através do processo legislativo ordinário, são assinados pelo presidente e pelo
presidente do conselho (art. 297º/1, TFUE).

O parlamento europeu tem o poder de criar comissões permanentes, cuja competência


se reparte pelas principais áreas de intervenção do parlamento europeu; pode ainda instituir
comissões temporárias com funções de inquérito ou para reportar sobre um determinado
assunto que exijam uma posição do PE (art. 226º TFUE).

O art. 229º TFUE estabelece que o parlamento europeu realiza uma sessão anual,
reunindo por direito próprio nem segunda terça-feira de março. Nos termos do regimento, a
sessão corresponde ao período de 1 ano. No decorrer da sessão anual, o parlamento europeu
realiza 12 reuniões ordinárias do plenário (uma semana por mês). Como acontece com os
parlamentos nacionais muito alargados, boa parte dos trabalhos decorrem nas comissões
parlamentares, que reúnem 2 semanas por mês. Também, por reflexo de uma regra fundamental
de funcionamento das assembleias nacionais, as sessões plenárias são públicas. De acordo com
o protocolo relativo à localização das sedes, em Estrasburgo realizam-se 12 sessões plenárias,
incluindo a seção orçamental. Estas sessões suplementares têm lugar em Bruxelas, bem como as
reuniões das comissões parlamentares.

O quórum, fixado pelo regimento interno, é de 1/3 dos membros que compõem o
parlamento (art. 178º).

A regra geral de deliberação é a da maioria dos votos expressos (art. 231º TFUE). Os
tratados e o regimento interno prevêem outras maiorias:

o Menos exigentes, no caso da eleição do presidente, que a partir da terceira votação se


pode fazer, no quarto escrutínio, por maioria simples;
o Mais exigente e, para situações de maior responsabilidade política. EX: a maioria dos
deputados que compõem o parlamento europeu no caso de rejeição da proposta do
conselho no processo legislativo ordinário (art. 294º/7/b TFUE); 2/3 dos votos expressos
que representem a maioria dos membros que compõem o parlamento europeu para a
aprovação da moção de censura que dita a destituição coletiva da comissão (art. 234º
TFUE).

C. Competências

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O art. 14º/1 TUE refere as principais áreas de atuação do Parlamento Europeu.

“O Parlamento Europeu exerce, juntamente com o Conselho, a função legislativa e a


função orçamental. O Parlamento Europeu exerce funções de controlo político e funções
consultivas em conformidade com as condições estabelecidas nos Tratados. Compete-lhe eleger
o Presidente da Comissão”.

Como já foi referido, o parlamento europeu percorreu um caminho de consegui da


afirmação do seu estatuto de órgão representativo. Acontece que o parlamento europeu não
pode aspirar a um estatuto político e funcional equivalente ao dos parlamentos nacionais pela
razão singela, mas determinante, de que a união não é um estado. A legitimidade democrática é
apenas um fator, entre outros, que deve influir na delimitação de competências entre os órgãos
que garantem o exercício em comum de poderes de soberania cujos titulares são os estados-
membros. Por detrás de questão do défice democrático e da panaceia clássica de “mais poderes”
para o Parlamento Europeu está o efeito de subtração de poderes ao Conselho no qual têm
assento os representantes dos Governos nacionais, eleitos democraticamente e submetidos ao
controlo político das respetivas assembleias. Na perspetiva da repartição vertical de poderes, o
objetivo de colmatar um eventual défice democrático reclama mais o funcionamento efetivo de
um sistema decisório que garanta a participação dos parlamentos nacionais do que a atribuição
de mais e alargados poderes ao PE com o perverso efeito de esvaziamento da sede natural desses
poderes que são as assembleias parlamentares dos estados-membros.

Em suma: o problema do estatuto do PE não pode ser equacionado de um modo


unilateral, desligado da questão fundamental sobre a forma jurídica da união europeia e das suas
relações com os estados-membros.

O PE dispõe de um conjunto muito amplo de poderes cuja efetividade política o privilegia,


por Ventura até de modo excessivo, no tradicional triângulo institucional que forma com o
conselho e a comissão no tocante ao exercício da função normativo- legislativa. Já no que
respeita à função política em sentido estrito, a sua relação com o conselho europeu é, de forma
clara, favorável a esta instituição intergovernamental.

Com a revisão resultante do tratado de Lisboa, o PE, confirmando o sentido da evolução


iniciada com o ato único europeu, logrou avantajar a expressão dos seus poderes. Destaca-se,
em especial, a generalização do procedimento de co-decisão no que respeita à função legislativa.
Como estabelece o art. 14º/1 TUE, o PE exerci, juntamente com o conselho, a função legislativa
e a função orçamental. NOS mais diversos domínios de regulação material verde aplica-se o
procedimento legislativo ordinário através da decisão conjunta do PE e do Conselho (art. 289º
TFUE + 294º TFUE).

Para além do reforço dos seus poderes no procedimento orçamental, o PE passou ainda
a exercer competência deliberativa sobre matérias tão importantes como a aprovação de
alterações aos tratados pelo processo simplificado (art. 48º/7, parágrafo quarto, TUE), a
aprovação do acordo de retirada de um estado-membro (art. 50º/2, TUE), a aprovação do
exercício de poderes novos pela união (art. 352º/1 TFUE), a aprovação de um número muito

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alargado de acordos internacionais (art. 218º/6 TFUE). Por outro lado, a alteração no processo
de nomeação do presidente da comissão foi no sentido de acentuar a importância da intervenção
do parlamento europeu, competente agora para eleger o candidato proposto pelo conselho
europeu (art. 17º/7 UE).

Principais áreas de decisão ou de influência parlamentar:

I. PODERES DE CONTROLO POLÍTICO: este controlo estende-se também ao Conselho e é


exercido por intermédio de vários meios de fiscalização:

1) Participação na nomeação dos membros de outras instituições e órgãos:

a) Nomeação da Comissão- nos termos do art. 17º/7 TUE, o candidato proposto pelo
Conselho Europeu é “eleito pelo PE por maioria dos membros que o compõe”. Em
momento ulterior do procedimento de investidura da comissão, o presidente da
comissão, o alto representante da união para os negócios estrangeiros e a política de
segurança e os demais membros da comissão “são colegialmente sujeitos a um voto de
aprovação do parlamento europeu”.

Simbolicamente, o poder de aprovação do nome designado para presidir a comissão deu


lugar ao poder de eleger o presidente da comissão. A natureza da sua intervenção saiu reforçada
neste procedimento. O conselho europeu, ao indicar um candidato, deve ter em conta o
resultado das eleições para o parlamento europeu e desenvolver as necessárias diligências de
acerto de posições entre as 2 instituições (art. 17º/7 TUE; e Declaração nº11). Contrariando o
caráter colegial da comissão, e à margem de qualquer previsão nos tratados, o PE impôs ainda a
prática de audição prévia das personalidades nomeadas como futuros membros da comissão,
ouvidas perante as comissões parlamentares competentes em função do domínio de atividade
provável de tutela. Um tal poder, ainda que informal, e politicamente relevante e já provocou,
no passado recente, a exclusão de nomes propostos pelos estados-membros.

b) Nomeação do Provedor de Justiça- após cada eleição, o PE no meio e, na sequência de


escrutínio, por maioria simples, o provedor de justiça pelo

período da legislatura e pode solicitar ao tribunal de justiça a sua destituição (art. 228º/2 TFUE);

c) Outras nomeações: o PE é consultado NOS procedimentos de nomeação dos membros


do tribunal de contas (art. 286º/2 TFUE) e do presidente, vice-presidente e vogais da
comissão executiva do BCE (art. 283º/2 TFUE). Em relação à nomeação dos membros do
tribunal de justiça e do tribunal geral, poder atribuído aos governos dos estados-
membros, decidindo de comum acordo (art. 19º/2 TUE), a única cedência às pretensões
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de intervenção do PE resulta do art. 255º TFUE. O PE propõe uma das 7 personalidades


que integram o Comité de audição dos candidatos ao exercício das funções de juiz ou de
advogado geral.

1. Moções de censura

O art. 234º TFUE contempla a possibilidade de apresentação pelo PE de uma moção de


censura sobre as atividades da comissão que, se adotada por 2/3 dos votos expressos que
representem a maioria dos deputados que compõem o hemiciclo, conduzirá à destituição
coletiva da comissão e à demissão do alto representante em relação às funções que exerce na
comissão.

O mecanismo do artigo 234º TFUE foi raramente acionado- apenas 6 moções de censura
foram propostas desde a eleição do PE por sufrágio direto e universal- e nunca se chegou à fase
da votação e do consequente derrube da comissão. Em março de 1999,1 moção de censura
apresentada contra a comissão presidida por Jacques Santer foi rejeitada por uma escassa
maioria (293 votos contra 232). acusada de faltas graves em relatório elaborado por um Comité
de peritos independentes, a comissão deixou de ter condições políticas para continuar e
apresentou o pedido de demissão coletiva no dia seguinte ao da votação falhada da moção de
censura. A pressão política exercida pelo PE, e mesmo na ausência do requisito procedimental
da votação requerida pelo Tratado, não deixou à Comissão outra solução que não fosse o
abandono de funções. A moção de censura concretiza a responsabilidade política da Comissão
perante o PE (art. 17º/8 TUE). Trata-se, pois, de um eficaz instrumento de pressão sobre a
Comissão, colocada sob a ameaça de destituição coletiva por iniciativa de um órgão cuja
dissolução não está sequer prevista nos Tratados.

2. Questões e debates

A responsabilidade política da Comissão perante a PE efetiva-se no dia a dia da sua


atuação, de um modo que não sendo tão drástico como a moção de censura ou a recusa da
investidura, proporciona, no entanto, um controlo efetivo.

O art. 230º TFUE estabelece a obrigação por parte da Comissão de responder “oralmente
ou por escrito, às questões que lhe forem colocadas pelo PE ou pelos seus membros”. Embora o
Tratado não defina uma obrigação equivalente em relação ao Conselho, este aceita desde 1959
responder às perguntas parlamentares, dando origem a uma prática que alguns identificam como
exemplo raro de costume no Direito Comunitário. A Declaração de Estugarda sobre a UE (19 de
junho de 1983) codificou este compromisso por parte do Conselho. No quadro da Política Externa
e de Segurança Comum, o Tratado explicita o poder de interpelação do Conselho e do Alto
Representante pelo PE (art. 36º TUE).

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A missão de controlo do PE também se desenvolve através da realização de debates sobre


os relatórios institucionais- em especial, o relatório geral anual e o programa anual de trabalho
que lhe são submetidos pela Comissão (art. 233º TFUE); a apresentação semestral do programa
da Presidência do Conselho; o relatório do Presidente do Conselho Europeu sobre as condições
de cada reunião (art. 15º/6/d)

Particular importância tem o Relatório sobre a aplicação do Direito da União nos Estados-
membros. O relatório é publicado no Jornal Oficial e o PE pronuncia-se sobre ele através de
resolução que é transmitida à Comissão, ao Conselho, aos Governos e aos Parlamentos dos
Estados-membros.

3. Direito de petição e inquérito

O Tratado de Masstricht importou para a letra dos Tratados o resultado de uma antiga
prática do PE relativa à realização de inquéritos e à receção de petições (art. 226º e 227º TFUE).

Qualquer cidadão da União (art. 24º 2º parágrafo, TFUE) bem como qualquer outra
pessoa física ou coletiva com residência ou sede estatutária no território de um Estado-membro,
pode dirigir petições ao PE “sobre qualquer questão que se integre nos domínios de atividade da
Comunidade e lhe diga diretamente respeito (art. 227º TFUE). Se admitida, a petição será objeto
de competente instrução e pode dar lugar a propostas de reforma normativa adequada (art. 227º
do Regimento).

Por iniciativa própria, o PE pode constituir comissões de inquérito temporárias para


averiguar, com respeito das competências cometidas a outras instituições ou órgãos, alegações
de infrações ou de má administração na aplicação do direito da união. A comissão extingue-se
com a apresentação do relatório ao parlamento europeu. O artigo 226º, parágrafo terceiro,
TFUE, determina que compete ao parlamento europeu definir, por via de regulamento, as regras
de exercício do direito de inquérito, após aprovação do conselho e da comissão. A mais conhecida
das comissões de inquérito parlamentar foi constituída para investigar a gestão da comissão
durante a crise da chamada “doença das vacas loucas” e esteve na base da apresentação de uma
moção de censura, rejeitada pelo PE em fevereiro de 1998.

II. PODERES ORÇAMENTAIS

O procedimento orçamental, profundamente reformado pelo tratado de Lisboa,


enquadra a participação do PE como verdadeiro titular de um poder de co-decisão que partilha
com um Conselho (art. 314º/1º parágrafo, TFUE)

No exercício dos seus poderes de decisão orçamental, o PE pode:

1- Alterar o projeto de orçamento adotado pelo conselho; tais alterações respeitam a


quaisquer despesas ou receitas, desde que aprovadas pela maioria dos membros do
hemiciclo parlamentar (art. 314º/4/c TFUE);
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2- Declarar verificada a aprovação do orçamento (art. 314º/4/a TFUE) ou;


3- rejeitar a aprovação do projeto comum (art. 314º/7/b TFUE).

O procedimento orçamental, na versão introduzida pelo tratado de Lisboa, exige, na


ausência de acordo imediato entre conselho e PE, um conjunto de diligências de negociação,
conduzidas no seio do Comité de conciliação, que obriga as 2 instituições a um envolvimento
direto e paritário na construção do texto orçamental da união. Ainda sobre matéria orçamental,
o PE, na fase de controlo da execução do orçamento, acompanha o exercício orçamental em
curso através de relatórios trimestrais que lhe são enviados pela comissão e organiza no mês de
novembro um debate geral sobre o estado de execução do orçamento. Ao PE compete
igualmente a aprovação da conta de gestão orçamental. A chamada quitação à comissão quanto
à execução orçamental encerra definitivamente as contas e o ciclo orçamental a elas respeitante
(art. 391º TFUE).

III. Poderes de decisão na função normativa

Com o ato único europeu, teve início uma nova etapa no estatuto do PE como órgão da
tríade institucional responsável pelo processo comunitário de decisão normativa. A previsão do
processo de cooperação foi o primeiro passo dado no sentido do reconhecimento ao PE de
poderes que não fossem de mera consulta. Foi, contudo, a partir do tratado de Masstricht, com
a previsão do processo co-decisão e do processo de parecer favorável, que o PE adquiriu o poder
de deliberação sobre determinadas matérias, sucessivamente alargadas nas revisões de
Amesterdão e Nice, seja sob a forma de aprovação de atos euro comunitários de aplicação
interna, em regime de co-autoria com o conselho, seja sob a forma de convênios internacionais.

Perguntamos, aqui, de modo sumário, os poderes de decisão do PE no processo


normativo, o que os leva a conhecer a sua intervenção através da aprovação (competência
decisória), mas também aquela que exerce através de pareceres (competência consultiva). por
outro lado, ao falar genericamente em função normativa, visamos a competência do PE nos 3
níveis de produção normativa imputável ao decisor da união europeia: atos legislativos, atos de
execução em sentido lato e acordos internacionais.

a) A participação do PE no procedimento legislativo- o Tratado de Lisboa generaliza o


processo de co-decisão (art. 289º/1 TFUE):

“o processo legislativo ordinário consiste na adoção de um regulamento, de uma diretiva


ou de uma decisão conjuntamente pelo parlamento europeu e pelo conselho, sob proposta da
comissão”.

Nos casos específicos indicados pelos tratados, relativos à adoção de um regulamento, de


uma diretiva ou de uma decisão segundo o processo legislativo especial, a participação do
parlamento pode revestir a forma de deliberação (art. 233º/2 TFUE) ou a mera consulta (art.
21º/3 TFUE). Com a generalização do processo de Co-decisão, a participação consultiva do PE
ficou reduzida a 5 casos previstos no tratado da união europeia e a 50 bases jurídicas do tratado

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sobre o funcionamento da união europeia. Em definitivo, o tratado de Lisboa confiou ao PE o


estatuto de órgão decisor, em parceria virtuosa com o Conselho.

O PE que, por via do processo legislativo ordinário, é co-decisor decisor em 95% das bases
jurídicas inscritas nos tratados, apenas em 3 situações está autorizado a deliberar como autor do
ato:

1- Definição do estatuto e condições gerais do exercício das funções pelos seus membros,
condicionado pela aprovação prévia do Conselho (art. 223º/2 TFUE);
2- Determinação das regras de exercício do direito de inquérito, precedida de aprovação do
Conselho e da Comissão (art. 226º, 3º parágrafo, TFUE);
3- Definição do estatuto e condições gerais de exercício das funções do Provedor de Justiça
(art. 228º/4, TFUE).
b) A participação do PE no processo de execução das normas- como órgão titular de poderes
de decisão legislativa, o PE sempre defendeu o direito de controlar e de influenciar, a
jusante, o processo de execução. O artigo 291º TFUE não confere poderes de execução
ao PE, mas prevê a sua participação no processo de regulação prévia das condições de
exercício pela comissão das competências executivas. Ao PE e ao Conselho compete
aprovar, sob a forma de regulamentos adotados de acordo com o processo legislativo
ordinário, as regras e princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo que os
estados-membros podem aplicar ao exercício das competências de execução pela
Comissão (art. 291º/3 TFUE).

Em relação aos atos delegados, uma outra modalidade função normativa secundária, o
PE goza de poderes decisórios equivalentes aos do conselho. Com efeito, o artigo 290º TFUE
confere ao PE o poder de revogar a delegação e de formular objeções que impedem a entrada
em vigor do ato delegado.

c) A participação do PE no processo de vinculação Internacional da União Europeia - em


conformidade com o disposto no artigo 218º/6/a) TFUE, a celebração de um convênio
internacional pela união europeia, dotada de personalidade jurídica (art. 47º TUE) e de
competência de vinculação Internacional (art. 216º TFUE) depende da aprovação do PE
NOS seguintes casos:

- Acordos de associação (art. 217º TFUE);

- Acordos de adesão da união à CEDH (art. 6º/2 TUE);

- Acordos que criem um quadro institucional específico mediante a organização de processos de


cooperação;

- Acordos como consequências orçamentais significativas para a união;

- Acordos sobre matérias em relação às quais, no processo interno de decisão, seja exigida a
aprovação do PE.

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Para os restantes acordos, com exceção dos que incidam exclusivamente sobre a política
externa e de segurança comum (art. 218º/6, 2º parágrafo TUE), o parlamento é consultado (art.
218º/6/b TFUE).

Como acontece no direito interno, e de harmonia com o modelo de vinculação que resulta
da convenção de Viena sobre o direito dos tratados, a aprovação do PE corresponde a um ato de
autorização para celebrar o acordo. O PE deve pronunciar-se sobre um texto definitivo de acordo,
depois de adotado e assinado em nome da união europeia.

d) O poder de aprovação prévia- o PE dispõe de um poder de veto sobre um leque


significativo de matérias de elevada densidade política, exercida sob a forma de
aprovação prévia.

As áreas de maior relevo nas quais está prevista a aprovação prévia do PE são as
seguintes:

o Processo de revisão simplificado quando este implique uma alteração da regra de


deliberação no seio do Conselho da unanimidade para a maioria qualificada (art. 49º/7/4º
parágrafo, TUE);
o Adesão de novos Estados-membros (art. 48º/ parágrafo 1, TUE);
o Acordo sobre as condições de retirada de um Estado-membro da UE (art. 50º/2 TUE);
o Extensão da competência da União a matérias não previstas nos Tratados (art. 352º/1,
TFUE);
o Extensão dos direitos de cidadania da União (art. 25º TFUE);
o Autorização de uma cooperação reforçada (art. 329º/1 TFUE);
o Decisão de fixar a composição do próprio PE (art. 14º/2 TUE);
o Verificação de uma violação grave e persistente dos valores e princípios da União por um
estado-membro, condição prévia à aplicação de sanções políticas (art. 7º/2 UE).

Ao PE assiste o direito de aprovar ou de rejeitar, mas não pode propor alterações. No caso
de matérias reguladas através de atos normativos da União, esta limitação, sob a forma unilateral
do veto, em contraste com o previsto no processo legislativo ordinário, não enquadra a
negociação e a conciliação entre o PE e o Conselho, podendo mais facilmente funcionar como
um travão político à ação considerada necessária naquele domínio.

D. Sobre as eleições europeias

A elevada abstenção nas eleições para o PE afeta de um modo que não deve ser
desvalorizado o grau de legitimidade representativa do órgão parlamentar da UE. Desde 1979, o
ano do primeiro ato eleitoral, até 2014 a evolução revela uma diminuição gradual da participação
dos eleitores: 65% em 1979 e 42,9% em 2014. Nas eleições de 2019, inverteu-se a tendência com
uma acentuada subida de afluência Às urnas, com mais de metade (50,66%) dos 425 milhões de
eleitores a rejeitar a abstenção. Infelizmente, Portugal destoou, com uma abstenção de 68,6%, a
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quarta maior do conjunto dos 28 estados-membros, em contraste claro com a abstenção de


27,8% nas primeiras eleições para o PE 1987.

A elevada taxa de abstenção é uma característica transversal às democracias


representativas na Europa. No caso concreto das eleições para o PE, o manifesto desinteresse
dos eleitores reflete, decerto, uma avaliação negativa sobre o papel da União e, sobretudo, a
ideia há muito enraizada sobre uma certa irrelevância do órgão parlamentar no tabuleiro onde
se jogam as partidas mais decisivas para o futuro da UE e para o bem-estar dos seus cidadãos. Se
podemos considerar que uma tal perceção peque por excessiva, temos de conceder que em dois
domínios nucleares a capacidade de intervenção do PE foi e continua a ser muito insuficiente:
sobre a governação económica na Zona Euro e sobre a Política da UE e em matéria de refugiados.
Foi, justamente, para contrariar este afastamento entre o PE e o centro de decisão que se
procurou um aprofundamento do processo de europeização do ato eleitoral através do modelo
de candidatos principais ou cabeças de lista, uma aproximação à solução da eleição direta do
Presidente da Comissão que não vingou no Tratado de Lisboa. Desde o ato eleitoral de 2014, os
eleitores, continuando a votar em partidos nacionais, conhecem os cabeças de lista apresentados
pelos grupos políticos europeus em que estão integrados os principais partidos nacionais. O
objetivo seria o de fazer do cabeça de lista mais votado o futuro presidente da Comissão,
oferecendo assim aos eleitores a possibilidade de condicionar o processo de escolha da
personalidade que chefiaria o Executivo da União. Em 2014, Jean-Claude Juncker, o candidato do
PPE, o grupo mais votado, foi o escolhido, mas em 2019 o modelo dos cabeças de lista foi
ultrapassado por uma dinâmica intergovernamental que levaria à escolha de Ursula von der
Leyden, alemã como alemão era o cabeça de lista do PPE, de novo o grupo político mais votado.
Acontece que Ursula passou diretamente do governo alemão, na qual era ministra da Defesa,
para o Governo da UE, sem sequer integrar as listas europeias de candidatos submetidos ao
escrutínio popular. Na constante oposição entre a lógica integracionista e a lógica
intergovernamental incorporada no art. 17º/7 TUE, resta saber se o processo de escolha do
presidente da Comissão em 2019 foi um interregno ou o óbito definitivo do modelo dos cabeças
de lista.

E. Parlamento Europeu e iniciativa contenciosa

O exercício de poderes efetivos de participação no processo orçamental, no processo


legislativo e no processo de vinculação internacional, aliado à sua condição de órgão
representativo dos cidadãos da União, justificam o atual estatuto do PE no funcionamento das
vias judiciais de controlo da legalidade pelo TJUE:

o Recorrer de qualquer ato jurídico da União destinado a produzir efeitos jurídicos, com
fundamento em ilegalidade, nos mesmos termos em que o podem fazer a Comissão, o
Conselho ou qualquer estado-membro (art. 263º, 2º parágrafo, TFUE);
o Direito de instaurar recursos por omissão quando entenda que o Conselho Europeu, o
Conselho, a Comissão ou o BCE se abstiverem de agir, em violação do Tratado (art. 265º/
1º parágrafo, TFUE);
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o Solicitar ao TJ parecer sobre a compatibilidade de um acordo internacional com os


Tratados (art. 218º/11, TFUE);
o Direito de participação no processo de questões prejudiciais (art. 267º TFUE) com a
apresentação de observações escritas ou a prestação de informações solicitadas pelo
Tribunal;
o Direito de intervenção nos processos instaurados junto do Tribunal de Justiça e do
Tribunal Geral;

O PE decide e controla; por imperativo do princípio estruturante de União de direito, deve


ser controlado: os seus atos e omissões são, por isso, passíveis de recurso para o TJUE (art. 263º,
1º parágrafo, TFUE e art. 265º, 1º parágrafo, TFUE) ou ação indemnizatória (art. 268º TFUE e art.
340º TFUE).

F. Parlamento Europeu e Parlamentos nacionais

A revisão de Amesterdão, através do Protocolo nº 13, inscreveu nos Tratados


modalidades de cooperação entre o PE e os Parlamentos nacionais. O Protocolo previa a
existência da Conferência dos órgãos especializados em assuntos da União dos Parlamentos da
UE, conhecida pelo acrónimo COSAC, formalmente instituída em novembro de 1989. O Protocolo
nº1, anexo ao Tratado de Lisboa, relativamente ao papel dos Parlamentos nacionais na UE,
renova e enquadra a função do COSAC que constitui a expressão institucional do modelo de
cooperação interparlamentar. Compete ao PE e aos parlamentos nacionais definir “em conjunto
a organização e a promoção de uma cooperação interparlamentar eficaz e regular ao nível da
União” (art. 9º). A COSAC pode dirigir ao PE, ao Conselho e à Comissão “qualquer contributo que
considere adequado” (art. 10º). Estes contributos não vinculam, contudo, os parlamentos
nacionais, tão-pouco condicionam as respetivas posições.

A versão resultante do tratado de Lisboa sublinha o papel futuro da cooperação


interparlamentar no domínio específico da política externa e de segurança comum, incluindo a
política comum de segurança e defesa.

Uma outra modalidade de cooperação interparlamentar é a Conferência dos presidentes


dos parlamentos nacionais da EU. a sua origem é antiga, tendo sido promovida em 1963, por
iniciativa do presidente do PE, a primeira conferência de presidentes. Composta pelos
presidentes dos 27 parlamentos nacionais e pelo presidente do PE, que nela participam em
condições de igualdade, as deliberações são adotadas por consenso. As reuniões têm uma
periodicidade anual e, para além da cooperação política, está prevista a criação de grupos de
trabalho sobre matérias relativas à organização da cooperação interparlamentar e o papel a
desempenhar pelos parlamentos nacionais.

A COSAC pode dirigir ao PE, ao Conselho e à Comissão “todos os contributos que considere
adequados sobre as atividades legislativas da união, nomeadamente no que se refere à aplicação
do princípio da subsidiariedade, no espaço de liberdade, de segurança e justiça, bem como as

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questões relacionadas com os direitos fundamentais”. Os seus contributos não vincularam,


contudo, os parlamentos nacionais.

Lição nº8

O Conselho Europeu

a) Das cimeiras ao estatuto de super-instituição


O modelo de uma Europa intergovernamental destinava às cimeiras de chefes de

Estado ou de Governo dos Estados-membros um lugar central, relegando para segundo plano as
instituições comunitárias originariamente previstas no Tratado de Paris e, depois, nos Tratados
de Roma.

A corrente integracionista opôs-se, contudo, à ideia de transformar as cimeiras ou


conferências numa estrutura própria, submetida a uma periodicidade mínima de reuniões e com
um papel definido de intervenção no destino das Comunidades.

Mais tarde, no rescaldo da Cimeira de Paris, Jean Monnet, mentor da corrente mais
integracionista, reconheceu a necessidade de renovar e de reforçar a autoridade comunitária.
De acordo com o seu diagnóstico, “o mecanismo da decisão estava bloqueado ao nível dos
ministros que, reunidos no Conselho, se comportavam como defensores das suas administrações
nacionais”. Faltava, pois, uma instância de impulsão política, dotada de verdadeiros poderes de
decisão. Faltava, ainda, uma sede própria de coordenação das posições assumidas pelos vários
Estados-membros em relação às grandes questões internacionais. Jean Monnet, sempre
visionário, propôs a designação de Governo europeu provisório. Não vingou o nome, mas teve
eco a ideia.

Na Cimeira de Paris, a França propõs a institucionalização dos encontros regulares dos


Chefes de Estado ou de Governo. O comunicado final da Cimeira exprime o acordo dos restantes
Estado-membros e é justamente considerado o ato institutivo do Conselho Europeu, embora a
designação por que é conhecido só viesse mais tarde:

“Os Chefes de Governo dos nove Estados-membros da Comunidade (...) reconhecendo a


necessidade de uma abordagem global dos problemas internos colocados pela construção
europeia e dos problemas que a Europa deve enfrentar face ao exterior, consideram que se deve
assegurar o desenvolvimento e a coesão do conjunto das atividades da Comunidade e dos
trabalhos relativos à cooperação política.

Ao Chefes de Governo decidiram portanto reunir-se acompanhados dos Ministros dos


Negócios Estrangeiros, três vezes por ano e ainda sempre que tal se mostre necessário, como
Conselho da Comunidade e a título da cooperação política”.

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Nascido de um ato informal (Resolução dos Chefes de Estado e de Governo), testeminho


da vontade política dos Estados-membros, o Conselho Europeu alcançou a consagração formal
através do Ato Único Europeu, completado pelo Tratado de Maastricht. O art. 4º do Tratado da
União Europeia, na versão introduzida pelo Tratado de Mastricht, codificou, com pequneos
ajustamentos, a prática anterior relativa à composição do Conselho Europeu e à periodicidade
das suas reúniões. Composto pelos Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-membros – por
uns ou por outros consoante o previsto na Constituição de cada Estado-membro sobre a
condução da política externa ao mais alto nível – e pelo Presidente da Comissão. Os
representantes dos Estados-membros são assistidos pelos respetivos Ministros dos Negócios
Estrangeiros e o Presidente da Comissão é assistido por um membro da Comissão. A presidência
do Conselho Europeu era semestral e rotativa, assegurada pelo Chefe de Estado ou de Governo
do Estado-membro que exercia a presidência do Conselho. O Conselho Europeu reunia, pelo
menos, duas vezes por ano.

O Tratado de Lisboa altera radicalmente o enquadramento normativo e institucional do


Conselho Europeu e, de certo modo, encerra a polémica clássica em torno da sua qualificação
jurídica. O art. 13º TUE junta o Conselho Europeu ao rol das instituições, logo a seguir ao
Parlamento Europeu. Atendendo aos poderes confiados ao Conselho Europeu, em especial os
que se referem ao controlo das outras instituições e à decisão no processo de revisão do estatuto
jurídico da União Europeia, somos levados a concluir que o Conselho Europeu foi guindado, pelo
Tratado de Lisboa, à condição de super-instituição. No quarteto institucional que integra o
Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão, o Conselho Europeu está, em função dos poderes
atribuídos e da natureza aberta do papel que pode desempenhar, num patamar superior ao das
demais instituições.

O novo estatuto do Conselho Europeu não é inesperado, nem definitivo ou fechado. Não
é inesperado, porque, desde a criação da União Europeia, cresceu, de modo continuado, a
influência direta que o Conselho Europeu exerce sobre as opções fundamentais da estratégia de
integração, no plano político e também no plano jurídico. Há já algum tempo que o Conselho
Europeu não se coibia de desmentir a visão de uma instância política de “impulsão e orientação
gerais” para decidir, sempre que os Estados-membros o considerem necessário, sobre questões
concretas. São tangíveis as manifestações desta evolução – por exemplo, o aumento do número
de reuniões, a natureza precisa da ordem de trabalhos, a publicidade assegurada às Conclusões.

Não é, tão-pouco, um estatuto definitivo ou fechado, porque, apesar do grau de precisão


do atual enquadramento dos poderes atribuídos pelos Tratados ao Conselho Europeu, o papel
que possa efetivamente desempenhar depende de variáveis como o perfim mais ou menos
interventivo do Presidente, uma eventual subalternização da Comissão, a verificação de crises
agudas, de incidência política, económica ou financeira, que favorecem uma decisão assumida
diretamente pelo Estados-membros. Se uma afirmação crescente do Conselho Europeu pode
constituir uma ameaça de perversão intergovernamental do modelo comunitário de decisão, a
alternativa de um diretório restrito demonstra como é cada vez menos adquirido e mais incerto

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o lugar dos Estados-membros de pequena e média dimensão, como Portugal, no processo de


decisão da União Europeia.

b) Composição
O Conselho Europeu mantém a formação nuclear, herdada do ato instituidor: os Chefes

de Estado ou de Governo dos Estados-membros e o Presidente da Comissão (art. 15º/2 TUE). A


esta formação acresce, com o Tratado de Lisboa, o Presidente do Conselho Europeu. O Alto
Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança participa nos
trabalhos, mas não é membro do Conselho. Em rigor, o Presidente do órgão também carece do
estatuto de membro, pois, nos termos do art. 235º/1, parágrafo segundo, TFUE, e como se prevê
para o Presidente da Comissão, não tem direito de voto. A presença dos ministros (e não
necessariamente do Ministro dos Negócios Estrangeiros) e de um membro da Comissão depende
de decisão dos membros do Conselho “quando a ordem de trabalhos o exija”, entenda-se quando
a discussão recai sobre matérias de conteúdo técnico.

No quadro definido pela Constituição Portuguesa, que atribui ao Governo da República o


exclusivo da negociação internacional, art. 197º/1, al. b), a representação no Conselho Europeu
é assegurada pelo Primeiro-Ministro.

Antes, presidido pelo Chefe de Estado ou de Governo do Estado-membro ao qual


competia a presidência semestral do Conselho. Com o Tratado de Lisboa, o Conselho Europeu
adquiriu uma presidência permanente e autónoma, o que deveria reforçar a sua autoridade e
melhorar a sua eficácia de resposta em situações de crise.

O Presidente é eleito pelo Conselho Europeu por maioria qualificada, por um mantado de
dois anos e meio, renovável uma vez, art. 15º/5 TUE.

O Presidente do Conselho Europeu estará destinado a desempenhar um papel de


acentuado relevo polítivo, seja no plano interno da dinamização das políticas da União, em
articulação com o Presidentr da Comissão e com o Conselho dos Assuntos Gerais (art. 15º/6 TUE),
seja no plano da representação externa da União, sem prejuízo – ressalda o art. 15º/6 TUE – das
atribuições do Alto Representante. O art. 15º/5 TUE estabelece a incompatibilidade do cargo
com o exercício de “qualquer mandato nacional”, o que deixa em aberto a hipótese de uma
acumulação da presidência do Conselho Europeu com mandatos de âmbito regional e local ou,
mesmo, com a Presidência da Comissão. Esta hipótese não terá verosimilhança em termos
políticos, mas teria sido mais avisado estenter a incompatibilidade ao exercício de qualquer outro
mandato político, nacional ou europeu.

c) Organização e funcionamento
O art. 15º/3 TUE, codifica a prática anterior de reunior o Conselho Europeu duas vezes

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por semestre, ou seja, uma reunião ao início e outra no fim da presidência rotativa do Conselho
da União. Reuniões extraordinárias terão lugar por convocatória do Presidente.

A tradiconal flexibilidade no funcionamento do Conselho Europeu deu lugar a um regime


de maior exigência formal, adequada ao exercício de poderes decisórios sob a forma de atos
jurídicos vinculativos. Ao Presidente compete a elaboração de um projeto da ordem de trabalhos,
com a antecedência mínima de quatro semanas, contando para tal com a colaboração do
Presidente da Comissão e do Conselho de Assuntos Gerais, art. 15º/6, al. b) TUE. Um
Regulamento Interno foi adotado, com regras específicas de funcionamento, em
desenvolvimento do disposto no art. 15º TUE e nos artigos 235º TFUE e 236º TFUE.

A regra de deliberação no seio do Conselho Europeu é o consenso (art. 15º/4 TUE). Trata-
se de uma forma de deliberação que congrega o acordo de todos os membros do Conselho
Europeu, sem recurso à votação. Com esta não se cofnunde a unanimidade, que obriga à votação,
prevista em várias situações – art. 7º/2 TUE, art. 24º/1, parágrafo segundo, TUE. A abstenção dos
membros presentes ou representados não obstá à constatação da unanimidade (art. 235º/1,
parágrafo terceiro, TFUE) e o mesmo se deve aplicar à ausência de um membro. O art. 235º/3
TFUE exige a votação por maioria simples sobre as questões processuais e a aprovação do
Regulamento Interno, ao passo que o artigo 236º TFUE especifica o requisito procedimental da
maioria qualificada para os seguintes casos: DIFERENÇA ENTRE
CONSENSO E
1) Decisão sobre a lista de formação do Conselho; UNANIMIDADE
2) Decisão relativa à presidência das formações do Conselho,
Outras disposições dos Tratados prevêem a maioria qualificada, com o art. 17º/7 TUE
(designação do Presidente da Comissão e dos membros da Comissão) e o art. 18º/1 TUE
(nomeação do Alto Representante).

d) Competências
O art. 15º/1 TUE retoma a fórmula tradicional, quando determina que o Conselho

Europeu “dá à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e define as orientações e


prioridades políticas gerais da União”.

Enquanto instância que atuava sobre matérias da competência comunitária, existia a dúvida
sobre se o Conselho Europeu poderia aprovar atos normativos. O art. 15º/1 TUE clarifica este
aspecto: “O Conselho Europeu não exerce função legislativa”.

Ao Conselho Europeu reservam os Tratados uma missão de natureza política, o que exclui
a adoção de atos normativos, incluindo de conteúdo legislativo. Como única instituição de missão
exclusivamente política, o Conselho Europeu exerce um conjunto muito vasto de poderes
importantes, definidos e tipificados pelos Tratados, em torno de duas funções principais: 1)
estatutária; 2) impulsão política.

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1) O Tratado de Lisboa ampliou e robusteceu os poderes do Conselho Europeu. Este


reforço apresenta relevância particular no tocante à prerrogativa do Conselho Europeu para
modificar disposições e procedimentos de decisão inscritos nos Tratados (art. 48º/6 e 7, TUE).
Um outro aspeto fundamental que condiciona o estatuto jurídico da União, o relativo aos Estados
que a compõem e às condições de adesão e de retirada, também depende de decisão do
Conselho Europeu (art. 49º, parágrafo primeiro, TUE, sobre a adesão e art. 50º/2 TUE, sobre a
retirada).

O Conselho Europeu é chamado a decidir sobre a nomeação dos responsáveis mais


importantes da estrutura institucional da União -, escolha do seu próprio Presidente (art. 15º/5
TUE) e do Alto Representante (art. 18º/1 TUE); propostas para Presidente da Comissão (art. 17º/7
TUE); nomeação do Presidente, Vice-Presidente e vogais da Comissão Executiva do Banco Central
Europeu (art. 283º/2 TFUE). Ainda no plano institucional, o Conselho europeu delibera sobre as
formações do Conselho (art. 236º TFUE) e sobre a eventual adoção do sistema de rotação na
composição da Comissão (art. 17º/5 TUE).

O papel que os Estados-membros confiaram ao Conselho Europeu no respeitante à


aplicação do estatuto jurídico da União Europeia também se verifica no exercício de poderes
sobre, p.e., a recomendação para adotaer uma política comum de defesa (art. 42º/2 TUE), a
ampliação da linha de competência da União sobre a segurança social (art. 48º TFUE),
cooperação judiciária em matéria penal (art. 83º TFUE) e cooperação policial (art. 87º TFUE).

2) A função de impulsão política é desenvolvida através de uma ação de orientação


geral que se manifesta, em especial, no domínio da governação económica (art. 121º/2,
parágrafo segundo, TFUE; também o art. 148º/1 TFUE, sobre a situação do emprego na União e
no domínio das relações externas (art. 22º/1, TUE, sobre a identificação de “interesses e objetivos
estratégicos da União”, com a Política Externa e de Segurança Comum a ser definida e executada
pelo Conselho Europeu e pelo Conselho, segundo o art. 24º/1, parágrafo segundo, TUE).

Os Tratados não fixam uma tipologia de atos do Conselho Europeu. A prática trouxe para
a luz do dia uma terminologia flexível e mesmo imprecisa: conclusões, declarações, orientações,
comunicados – designações que não têm correspondência na tipologia dos atos jurídicos da
União (art. 288º TFUE), nem se ajustam à nomenclatura do Direito Internacional Público.

Desde as suas primeiras reuniões, as atas do Conselho Europeu ficaram consignadas em


textos intitulados Conclusões da Presidência, eventualmente acompanhadas de anexos que
completam o sentido do consenso alcançado.

Por sua vez, as Conclusões podem comportar:

1) Declarações quando se adotam posições de especial importância (p.e. Declaração


do Conselho Europeu de Nice relativa às caraterísticas específicas do desporto e à sua função
social na Europa, a tomar em consideração ao executar políticas comuns);
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2) Orientações quando o Conselho define, nos termos da função genérica prevista


pelo art. 15º/1 TUE, “orientações e prioridades políticas gerais da União”;

3) Resoluções através das quais toma posição sobre questões específicas que serão
depois desenvolvidas ou concretizadas por deliberação do Conselho da União Europeia (p.e.
Resolução do Conselho Europeu de Nice relativa ao princípio de precaução);

4) Decisões, de ocorrência mais rara, registam o acordo do Conselho Europeu sobre


assuntos que, após exaustivo debate nos níveis inferiores de decisão, reclamam uma deliberação
dos Chefes de Estado ou de Governo (p.e., Decisão do Conselho Europeu de Bruxelas sobre a
reforma da Política Agrícola Comum).

Com o Tratado de Lisboa, os resultados dos trabalhos do Conselho Europeu são


divulgados sob a designação de Conclusões, de consulta pública, acessível através do sítio
EUROPA. As decisões adotadas pelo Conselho Europeu, nomeadamente ao abrigo ao art. 48º/6
TUE e 48º/7 TUE, bem como outros atos destinados a produzir efeitos jurídicos, são publicadas
no Jornal Oficial da União Europeia.

O Conselho da União Europeia

a) Composição
Os Tratados da União Europeia identificam este órgão central do sistema institucional

da União Europeia como o Conselho (art. 16º TUE e arts. 237º a 243º TFUE). Após 1974, passou
a ser conhecido pela referência à sua composição: Conselho de Ministros. Depois da entrada em
vigor do Tratado da União Europeia, mereceu o batismo de Conselho da União Europeia. Nomes
distintos para realidades distintas. Solução que deveria evitar a confusão entre Conselho da
Europa, Conselho Europeu e Conselho da União Europeia.

O Tratado de Maastricht impôs que a representação de cada Estado se faça a nível


ministerial (art. 16º/2 TUE). Cabe a cada Estado-membro a escolha do seu representante, a qual
pode recais sobre qualquer membro do Governo (ministro, secretário de Estado, subsecretário
de Estado), desde que esteja em condiçõesde “vincular o Governo do respetivo Estado-membro
e exercer o direito de voto” (art. 16º/2 TUE). No caso dos Estados-membros de estrutura federal
ou regional, o representante pode mesmo, dependendo do previsto na respetiva Constituição,
ser um membro do governo estadual ou regional.

Na eventualidade de um Estado-membro não estar representado por um membro do


Governo, pode, nos termos do art. 239º TFUE, delegar noutro Estado-membro o exercício do
direito de voto, desde que esteja representado a nível ministerial.

Acompanhando o constante alaegamento do âmbito de competências da União, o


Conselho passou a funcionar com formações ministeriais diferentes, consoante as matérias em
discussão. Assistiu-se a uma tendência para um número crescente de formações setoriais.

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Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, apenas duas formações têm existência
garantida: o Conselho dos Assuntos Gerais e o Conselho dos Negócios Estrangeiros (art. 16º/6
TUE). Ao Conselho Europeu compete estabelecer a lista das outras formações do Conselho, art.
236º, al. a) TFUE, mas, nos termos no art. 4º do Protocolo nº36 relativo às disposições
transitórias, a referida lista pode ser aprovada pelo Conselho dos Assuntos Gerais enquanto o
Conselho Europeu não exercer a prerrogativa oferecida pelo art. 16º/6, parágrafo primeiro, TUE.

Trata-se de uma solução transitória, suscetível de se revelar duradoura, porque se adequa


melhor à autonomia institucional e funcional do Conselho, na qual não deveria, aliás, interferir o
Conselho Europeu.

As formações mais relevantes pelo tipo de decisões que adotam e pelas matérias que
versam são as seguintes:

1) Conselho dos Assuntos Gerais, assegura a coordenação e a coerência dos trabalhos das
diferentes formações; prepara as reuniões do Conselho Europeu e, em articulação com o
Presidente do Conselho Europeu e com a Comissão, garante a continuidade dos trabalhos
(art. 16º/6 TUE); composto pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros ou dos Assuntos
Europeus;
2) Conselho dos Negócios Estrangeiros, presidido pelo Alto Representante (art. 18º/3 TUE),
composto pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros, elabora a ação externa da União,
de acordo com as linhas estratégicas fixadas pelo Conselho Europeu, assegura a coerência
da ação externa da União, art. 16º/6 TUE);
3) ECOFIN (Assuntos Económicos e Financeiros), composto pelos Ministros que tutelam as
finanças e as questões económicas, tornou-se, no contexto da crise orçamental e
económica pós-2008, uma instância de debate, preparação e decisão sobre a resposta
que se espera da União Europeia em matéria de governação económica e de auxílio
financeiro dos Estados-membros em risco de colapso.

b) Organização e funcionamento
I. Presidência
O art. 16º/9 TUE, determina que, à exceção do Conselho dos Negócios Estrangeiros,

presidido pelo Alto Representante (art. 18º/3 TUE), a presidência das formações do Conselho é
assegurada pelos representantes do Estado-membro que preside ao Conselho, com base no
sistema de rotação igualitária. Ao abrigo do art. 236º, al. b) TFUE, o Conselho Europeu, definiu as
regras aplicáveis ao exercício da Presidência do Conselho:

- O Conselho é presidido por grupos pré-determinados de 3 Estados-membros durante


um período de 18 meses;

- Cada grupo é formado com base num sistema de rotação igualitária entre os Estados-
membros, tendo em conta a sua diversidade e os equilíbrios geográficos da União;

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- Cada membro do Grupo preside sucessivamente, durante seis meses, a todas as


formações do Conselho, exceto a dos Negócios Estrangeiros, ao Comité de Representantes
Permanentes (COREPER), bem como a todos os grupos e comités de natureza
intergovernamental que dependam do Conselho.

O formato triangular da Presidência do Conselho permite uma articulação mais eficiente


e previsível das atividades do Conselho, especialmente no domínio legislativo e no da definição
de prioridades da política externa da União. Programas semestrais, muito marcados pela agenda
específica de cada Estado-membro e pela quase impossibilidade de lhe dar continuidade no curto
espaço de seis meses, são substituídos por uma programação plurianual, e acordada entre os
três Estados-membros em função de diretrizes estratégicas de médio prazo.

Resta, contudo, lamentar que o novo formato de presidências do Conselho Europeu e do


Conselho tranh definito Bruxelas como lugar obrigatório de encontro, pondo fim a uma tradição
colorida de cimeiras e reuniões nas capitais e cidades dos Estados membros em exercício de
presidência.

Dependendo do estilo e vigor que caraterizam a diplomacia de cada Estado-membro e,


em larga medida, da sua maior ou menor capacidade de mobilização dos “atores da cena
europeia”, a Presidência deve respeitar uma obrigação elementar de neutralidade no tratamento
das várias delegações nacioonais, incluindo a do seu próprio Estado. A Presidência deve
privilegiar a formação de consensos e formular propostas que possam superar ou mesmo
prevenir bloqueios.

A Presidência não está, contudo, reduzida a um dever de neutralidade política. Bem pelo
contrário. No quadro de objetivos da União que são múltiplos e, por vezes, até contraditórios, há
que definir uma estratégia, divulgá-la e atuar de modo a alcançar um adequado grau de
realização do programa estratégico que foi definido.

II. COREPER
Prevista pelo artigo 16º/7 TUE, o COREPER (acrónimo de Comité de Representantes

Permanentes) é composto pelos representantes permanentes dos Governos dos Estados-


membros em Bruxelas e desempenha a função de preparar os trabalhos do Conselho e de exercer
os mandatos que este lhe confia. Foi concebido como um mero órgão auxiliar, desprovido de
poderes de decisão.

A prática institucional garantiu-lhe um papel muitíssimo relevante no funcionamento do


Conselho e, especialmente, no diálogo institucional de conteúdo técnico com a Comissão. É o
COREPER que assegura uma ligação constante entre os Governos dos Estados-membros e a
Comissão, a propósito dos projetos e iniciativas desta instituição. O Tratado de Amsterdão

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reconheceu esta função específica do COREPER no desenvolvimento do procedimento


comunitário de decisão e confioul-lhe um poder de decisão, limitado às questões de natureza
processual expressamente previstas no Regulamento Interno do Conselho, art. 240º/1 TFUE).

Ao COREPER cabe a execução dos mandatos que o Conselho lhe atribui, art. 240º/1 TFUE.
Não se trata de uma delegação de poderes em favor do COREPER. Como órgão auxiliar do
Conselho, este pode solicitar-lhe a realização de determinados estudos, o aprofundamento de
certa negociação, um relatório sobre uma questão específica.

Apesar da evolução institucional que foi favorável ao reforço dos seus poderes, o
COREPER mantém a sua natureza de órgão auxiliar, de vocação burocrática e técnica. A função
preparatória dos trabalhos do Conselho justifica o nível técnico aprofundado dos debades no seio
do COREPER, mas, importa sublinhar, os representantes dos Estados-membros, desde os
embaixadores aos funcionários e peritos, devem estar devidamente mandatados pelos seus
Governos, orientados por diretrizes políticas a seguir sobre a questão em análise.

O COREPER funciona em dois níveis: o COREPER II, o mais importante, constituído pelos
chefes das representações permanentes (embaixadores) que prepara os trabalhos sobre
matérias de maior relevo político (p.e., dossiers a examinar pelo Conselho Assuntos Gerais,
ECOFIN, Negócios Estrangeiros, Justiça e Assuntos Internos); o COREPER I, composto pelos
representantes permanentes adjuntos, que prepara os trabalhos das restantes formações do
Conselho em que é dominante a componente técnica das propostas em discussão.

O COREPER examina todos os pontos constantes da ordem de trabalhos do Conselho,


elaborada pela Presidência. Se na sequência da análise e discussão da proposta, for possível
chegar a um acordo a nível do COREPER, a questão será inscrita no ponto A da ordem do dia,
exigindo apenas uma aprovação formal pelos Ministros, sem debate, o que se verifica em mais
de 70% dos procedimentos pendentes de aprovação pelo Conselho; se, pelo contrátio, o acordo
não for alcançado, a questão deverá surgir no ponto B que requer discussão, seguida de eventual
votação.

Em torno do COREPER gravita um número muito alargado de grupos de trabalho e


comités ad hoc (mais de centena e meia), cuja criação é determinada, nos termos do
Regulamento Interno do Conselho, pelo COREPER com o objetivo de aprofundar o debate técnico
em torno das propostas da Comissão. Os Estados-membros estão representados nos grupos de
trabalho através de funcionários da sua Representação Permanente (REPER) ou de funcionários
da administração nacional, enviados pelas respetivas capitais.

Em domínios específicos, outros comités partilham com o COREPER a missão de assistir o


Conselho; entre estes, são mais importantes: o Comité Especial Agricultura; o Comité
Transportes, etc. A sua previsão nos Tratados ressalva, contudo, a competência do COREPER
como órgão auxiliar do Conselho, art. 71º TFUE. Só existe uma exceção a este monopólio do
COREPER e respeita ao Comité Político e de Segurança (COPS, criado em 2000 no âmbito da
cooperação em matéria de segurança e defesa) que pode, por autorização expressa do Conselho,

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tomar decisões no quadro de uma operação de gestão de crises, art. 38´, parágrafo terceiro,
TUE).

III. Secretariado-Geral
O Conselho é assitido por um órgão de natureza burocrática chamado

Secretariado-Geral, colocado sob a dependência de um Secretário-Geral que é nomeado pelo


Conselho por maioria qualificada (art. 240º/2 TFUE). Ao Secretariado-Geral compete,
nomeadamente:

1) A elaboração do projeto de ata das reuniões do Conselho;


2) Providenciar a publicação dos atos no Jornal Oficial;
3) Notificação dos atos aos seus destinatários, art. 18º do Regulamento Interno;
4) Elaboração de um projeto de mapa previsional das despesas do Conselho a incluir no
projeto orçamental;
5) A função de depositário de acordos e convenções internacionais.

O Secretariado-Geral é uma peça fundamental no funcionamento de uma estrutura tão

complexa e heterogénea como é o Conselho. Para além das funções típicas de secretariado de
todos os níveis formativos do Conselho, incluindo o Conselho Europeu, o COREPER, os comités e
grupos de trabalho que orbitam em torno do Conselho, o Secretariado-Geral assegura um apoio
imparcial à Presidência e cosntitui, em rigor, o elemento de continuidade e o suporte técnico dos
trabalhos (p.e., preparação, tradução e distribuição da documentação que acompanha cada
ponto da ordem do dia).

O Secretariado-Geral dispõe de uma estrutura administrativa que inclui o Serviço Jurídico


e várias direções gerais cujas competências se repartem pelas diferentes áreas de intervenção
da União. O Secretariado-Geral compreende mais de 3.000 funcionários e agentes, sendo uma
grande parte tradutores e juristas.

O Serviço Jurídico do Secretariado-Geral integra uma unidade específica de Juristas


Linguistas. Ao Secretariado-Geral incumbe zelar pela qualidade de redação dos atos normativos
adotados pelo Conselho e, de acordo com o multilinguismo como princípio organizativo da União
Europeia, garantir a versão rigorosa e equivalente em todas as línguas oficiais da União.

IV. As regras de deliberação


São três os critérios de votação no seio do Conselho: a) Maioria Simples; b) Maioria

Qualificada; c) Unanimidade. A regra de deliberação é a maioria qualificada (art. 16º/3 TUE), ao


passo que a votação por maioria simples ou unaimidade depende de menção expressa na
disposição habilitadora dos Tratados.

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a) Maioria Simples, o Conselho delibera por maioria dos membros que o compõem,
art. 238º/1 TFUE. Cada Estado-membro possui um voto e o ato considera-se aprovado quando
reúne o voto favorável da maioria dos Estados-membros que integram o Conselho, ou seja, o
voto favorável de 14 (em 27) Estados-membros. Se o Conselho estiver em reunião com o quorum
mínimo, que são 14 Estados-membros em virtude do disposto no art. 239º TFUE, todos os
Estados-membros presentes terão de votar a favor ou fazê-lp em noemd o Estado representado.
A maioria simples é, por comparação com a maioria qualificada e a unanimidade, o critério
deliberativo menos aplicado. Está prevista numa dezena de casos, quase todos relacionados com
questões de procedimento e organizativas – p.e., art. 337º TFUE, art. 240º/2 e 3 TFUE.

b) Maioria qualificada, diferente da regra da maioria simples ou da exigência da


unanimidade em que cada Estado-membro dispõe de um voto, a maioria qualificada é alcançada
através de um modelo de ponderação do peso relativo dos Estados-membros que participam no
processo deliberativo com um número variável de votos. A partir do Tratado de Nice, o
apuramento da maior qualificada passou a depender também do número de Estados-membros
favorável à deliberação e da respetiva expressão demográfica.

Duas questões fundamentais dominaram o processo de revisão dos Tratados, do Ato


Único Europeu ao Tratado de Lisboa: primeiramente, determinar as matérias sobre as quais se
delibera por maioria qualificada e, depois, adotar o sistema de ponderação de votos em função
do número de Estados que integram a União e do seu peso relativo. A discussão em torno de
uma e outra questão reflete, de modo exemplar, a necessidade de opções de fundo sobre o
exercício do poder pela União Europeia. O que está em causa, na sua essência, é um problema
de partilha e equilíbrio no exercício do poder: entre, por um lado, a União e os Estados-membros
quando se decide qual a regra de deliberação aplicável a uma determinada matéria, tendo em
pano de fundo a tensão permanente entre a via intergovernamental e a via integracionista; entre,
por outro lado, os Estados-membros de grande, pequena e média dimensão quando se debate,
até ao limite da exaustão negocial, a fórmula mágica do voto ponderado.

Um dado constante foi o da progressiva substituição da exigência da unanimidade pela


deliberação por maioria qualificada. O Tratado de Lisboa alterou algumas dezenas de bases
jurídicas no sentido de permitir a deliberação por maioria qualificada, sobretudo sobre matérias
relacionadas com a realização do mercado interno. Mantém-se fiel à conceção herdada das
revisões anteriores quando rejeita a maioria qualificada sobre matérias típicas da integração
política, como a PESC ou a cooperação judicial e policial em matéria penal.

A partir de 1 de Novembro de 2014, conforme determinação do art. 16º/4 TUE, a maioria


qualificada corresponde a:

- Pelo menos, 55% dos membros do Conselho;

- Num mínimo de 15 Estados-membros;

- Que reúnam, no mínimo, 65% da população da União.

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Pela primeira vez, desde a criação das Comunidades Europeias, é abandonado o método
do voto ponderado, substituído por um sistema de supla maioria: percentagem de Estados (55%)
e percentagem da população da União. A minoria de bloqueio deve ser composta, no mínimo,
por quatro Estados-membros (art. 16º/4, parágrafo segundo, TUE), que representarão um pouco
mais de 35% da população ou, em alternativa, é composta por 13 Estados-membros que
impedem a decisão que deveria ser apoiada, no mínimo, por 15 Estados-membros. No caso de o
Conselho não deliberar sob proposta da Comissão ou do Alto Representante, então, os critérios
formativos da maioria qualificada são ainda mais exigentes: 72% dos membros do Conselho que
representem, no mínimo, 65% da população da União, art. 238º/1, TFUE.

Cumpre, ainda, ter presente o regime derrogatório previsto na Decisão relativa à


aplicação do nº4 do art. 16º TUE e do nº2 do art. 238º TFUE, integrada na Ata Final através da
Declaração nº7. Invocando a conveniência de uma transição suave e a prática do Conselho de
“envidar os maiores esforços para reforçar a legitmidade democrática dos atos adotados por
maioria qualificada”, o acordo alcançado retoma o espírito da chamada Declaração de Ioanina
ao permitir que um determinado conjunto de Estados-membros que, entre 1 de Novembro de
2014 e 31 de Março de 2017, representem ¾ da população ou ¾ do número de membros do
Conselho necessários para constituir uma minoria de bloqueio (10 Estados membros e não 13) e
que, a partir de 1 de Abril de 2017, representem 55% da população ou 55% do número de
Estados-membros necessários para constituir a minoria de bloqueio (7 Estados-membros e não
13) possa obrigar o Conselho a chegar “a uma solução satisfatória” e vincula o seu Presidente a
tomar todas as iniciativas “para facilitar a obtenção de uma base mais ampla de acordo no
Conselho”.

Como acontecia com a Declaração de Ioanina, o Tratado de Lisboa, agora por pressão da Polónia,
permite que a “minoria perdedora” numa votação solicite uma reconsideração do Conselho. A
partir de 1 de Abril de 2017, tornou-se mais fácil o exercício deste direito de bloqueio transitório
para “compensar” o abadono definitivo do sistema de Nice.

O que se perde em transparência e linearidade do procedimento de deliberação por


maioria qualificada, ganha-se no reforço do método comunitário da procura empenhada de
soluções negociadas, apoiadas pelo maior número possível de Estados-membros. O mecanismo
simplificado de minoria de bloqueio favorece alianças entre Estados-membros que, devido à sua
localização geográfica, padrão cultural e nível de desenvolvimento, partilham interesses
específicos a reclamar adequada ponderação pela maioria – os Estados-membros do sul da
Europa formam um grupo com estas caraterísticas e espera-se que, com habilidade política,
possam beneficiar desde mecanismo.

c) Unanimidade, em movimento contínuo de recuo, a unanimidade ainda é imposta


para decisões sobre matérias de particular sensibilidade política ou de decisões com incidência
estrutural e “constituinte”. A unanimidade reflete, de modo direto, o exercício da soberania e

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concretiza um princípio de igualdade dos Estados-membros no processo de formação da vontade


da União. O direito de veto pode, pois, ser exercido por qualquer Estado-membro, de acordo
com um princípio fundacional de soberania equivalente, sobre deliberações relativas, entre
outras, à fiscalidade, segurança social, PESC, política de defesa, cooperação policial, cultura,
direito da família com implicações transfronteiriças, extensão das competências da União,
regime linguístico. Com exceção das decisões que tenham implicações no domónio militar ou da
defesa, o Conselho Europeu pode tomar uma decisão que autorize o Conselho a deliberar por
miaoria qualificada (procedimento de cláusula-passarela). O parlamento de qualquer Estado-
membro pode, contudo, travar esta substituição da unanimidade pela maioria qualificada, art.
48º/7, TUE).

As abstenções dos membros presentes ou representados não impedem a deliberação por


unanimidade (art. 238º/4, TFUE). O mesmo entendimento se deve seguir em relação às
consequências da ausência do Estado-membro na reunião em que ocorreu a deliberação. Da
unanimidade se distingue a decisão por “comum acordo dos Governos dos Estados-membros”,
art. 341º TFUE sobre a sede das instituições, compatível com a prática do consenso desde que
este seja registado em relação a todos os Estados-membros, presentes ou representados.

d) Desvios intergovernamentais à regra da maioria qualificada


I. Acordo do Luxemburgo
O Acordo do Luxemburgo, também conhecido pela expressão Compromisso de

Luxemburgo, encerrou uma das mais graves crises institucionais da história das Comunidades
Europeias, mas, em contrapartida, abriu a porta a uma prática que transmudou profundamente
o princípio de deliberação no seio do Conselho, tal como estava previsto nos Tratados.

Nos finais de 1964, Walter Hallstein, então Presidente da Comissão, apresentou ao


Conselho um plano de financiamento da Política Agrícola Comum que se destnaria a substituir o
sistema de contribuições diretas dos Estados-membros. A França opôs-se a este projeto e
aproveitou o início da sua presidência no segundo semestre de 1965 para bloquear os trabalhos
no Conselho através da recusa do seu representante em presidir às reuniões – foi a política da
“cadeira vazia” que ameaçou a própria continuidade do projeto de integração europeia. As
razões da posição francesa não se deviam unicamente ao problema do financiamento da política
agrícola. A causa determinante da política da “cadeira vazia” resultou da conhecida aversão do
General De Gaulle ao princípio supranacional que a Comissão incarnava e que, por via das suas
propostas, procurava impor e alargar a novos domínios, consequentemente subtraídos à
soberania nacional.

Em Janeiro de 1966, os Ministros dos seis Estados-membros reunira-se no Luxemburgo


com o propósito firme de encontrar uma solução para a crise. Em 30 de Janeiro, foi divulgado o
texto do acordo alcançado.

Apesar das divergências de interpretação sobre o verdadeiro alcance do Acordo do Luxemburgo,


este compromisso garantiu aos Estados-membros a substituição da regra da maioria pela
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exigência do consenso sempre que estivessem em causa “interesses muito importantes de um ou


vários Estados-membros”. Em nome dos interesses nacionais, os Estados-membros readquiriam
pela via de uma revisão informal dos Tratados o direito de veto, a quinta-essência do
intergovernamentalismo sob forma institucionalizada.

O Acordo do Luxemburgo reforçou duplamente o fator intergovernamental na estrutura


de decisão comunitária:

1) Pelo direito de veto como instrumento de tutela de interesses vitais dos Estados-
membros;
2) Pela subalternização do papel da Comissão relativamente ao Conselho no quadro do
procedimento de decisão fixado no Tratado de Roma.
As deliberações por unanimidade, ou com maior rigor jurídico, por consenso, obrigam

a Comissão a manter prolongadas negociações, tendo o COREPER como interlocutor direto. A


sua proposta inicial fica dependente, mais do que antes, das vicissitudes da negociação de
interesses nacionais divergentes.

Do ponto de vista estritamente formal, o Acordo do Luxemburgo constitui uma


deliberação aprovada pelo Conselho institulada Declaração comum, e divulgada através de um
comunicado à imprensa. Parece questionável à Prof. Maria Luísa Pereira que se tratou de um
compromisso político contrário aos Tratados. Não se afigura, contudo, adequada a sua
qualificalão como ato destituído de relevância jurídica. Com efeito, o Compromisso do
Luxemburgo é um ato fundador de uma prática que, prosseguida de forma reiterada e consentida
pelos Estados-membros, adquiriu a força de costume, com eficácia derrogatória em relação ao
sistema de deliberação previsto nos Tratados.

Questão diferente é a de saber quando estão reunidos os pressupostos de aplicação do


Acordo do Luxemburgo e se, ainda hoje, este poderá ser invocado.

Em 1982 e 1985, a questão dos preços agrícolas quebrou a solidariedade entre os


Estados-membros quanto à aceitação do recurso ao Acordo do Luxemburgo por um dos Estados-
menbros – rutura que parece à Professora relacionada com o alargamento das Comunidades
Europeias que tornou mais difícil a obtenção de entendimentos por consenso. Importa registar
que, em 1986, altura da assinatura do Ato Único Europeu, foi repudiada uma proposta de
revogação formal dos Acordos. A Professora não partilha o ponto de vista daqueles que tribuem
à extensão da regra da maioria qualificada, resultante do Ato Único Europeu e dos sucessivos
Tratados da União Europeia, o efeito de afastar definitivamente a possibilidade de invocar o
Acordo do Luxemburgo. Para estes Autores, a revisão dos Tratados teria consagrado um
desiderato integracionista de todo incompetível com a lógica intergovernamental do
Compromisso de 1966. Na verdade, o raciocínio correto é precisamente o contrário: quanto mais
amplo for o campo de aplicação da regra de deliberação por maioria qualificada no serio do
Conselho, maior será a necessidade de um Estado-membro solicitar um processo negocial
conduzido sob o signo do consenso, com o fim de acautelar interesses vitais. O Acordo do

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Luxemburgo surgiu, justamente, como uma reação à regra da maioria e ao seu efeito corrosivo
sobre a soberania dos Estados-membros.

Em 1992, e a propósito do acordo em matéria agrícola no quadro das negociações do


Uruguai Round, a Frnaça ameaçou com a invocação dos seus interesses para impedir a aprovação
pelo Conselho, segundo a regra da maioria qualificada. Podemons interrogar-nos se seria
idêntico o grau de pressão política desta ameaça na eventualidade de ser usada por um Estado-
membro de menor peso político. Não interpretamos a prática recente de não invocação do
Acordo do Luxemburgo como sinal da sua definitiva saída de cena, mas antes como o resultado
de uma modificação do equilíbrio entre Estados-membros no seio do órgão comunitário que os
representa: as sucessivas adesões criaram uma estratégia de blocos no Conselho que, podendo
variar em função das políticas concretas, assegura em princípio a defesa dos respetivos
interesses. Um Estado-membro de pequena dimensão estará convencido da (quase)
impossibilidade política de invocar com sucesso o direito de veto. Um Estado-membro de
dimensão média ou grande no sistema de ponderação de votos tentará jogar a seu favor este
sistema inigualitário, congregando pela via negocial os apoios conjunturais necessários. E só se
esta estratégia falhar, avança com a ameaça do veto, como a França não hesitou em fazê-lo em
1992 para acalmar uma opinião pública interna galvanizada pelo interesse nacional. Nos finais
dos anos 90, durante a chamada crise da doença das “vacas loucas”, o Reino Unido, seguindo a
forma enviesada do bloqueio decisional (voto contra em todas as deliberações que, por força do
tratado, exigissem a unanimidade), procurou obter dos parceiros comunitários a “compreensão
política” para o problema económico resultante do embargo à exportação da carne britânica ´. A
invocabilidade do Acordo do Luxemburgo deixou de ser, em definitivo, uma questão jurídica para
depender unicamente de critérios políticos de avaliação do peso relativo de cada Estado-
membro. A conclusão que se impõe é a seguinte: o Acordo do Luxemburgo mantém o seu caráter
originário de expressão do fator intergovernamental, adulterado, contudo, pelo traço mais
perverso da intergovernamentalidade – a rutura do princípio da igualdade na conformação dos
direitos e prerrogativas que constituem o estatuto de cada Estado-membro.

O Tratado de Lisboa reforça o princípio da votação por maioria, mas, como acontecia com
os anteriores tratados de revisão, não se refere expressamente ao Acordo do Luxemburgo. A sua
invocação não é provável no plano político, mas é possível no plano jurídico. A ameaça do veto
só se deverá considerar justificada em situações de grande excecionalidade, esgotadas todas as
vias, formais e informais, de negociação. Na prática institucional do Conselho, a via do acordo
consensual é, aliás, a mais generalizada. Cerca de 80% das decisões do Conselho são adotadas
por consenso.

Mesmo admitindo que a generalização do princípio maioritário de decisão no seio do


Conselho apagou o registo do Acordo do Luxemburgo, o Tratado de Lisboa consagra e preserva
uma solução equivalente de desvio intergovernamental: “por razões vitais e expressas de política
nacional” um Estado-membro pode forçar a apreciação da questão pelo Conselho Europeu que,
em substituição do Conselho, delibera por unanimidade (art. 31º/2, parágrafo segundo, TUE;
cláusulas similares estão previstas no art. 48º, parágrafo segundo, TFUE, no art. 86º/1, parágrafo
segundo, TFUE e no art. 87º/3, parágrafo segundo, TFUE).
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II. Declaração de Ioanina


Com a assinatura do Tratado de adesão da Áustria, da Finlândia, da Noruega e da

Suécia, colocou-se o problema relativo à formação da maioria qualificada. Na composição do


Conselho de Ministros a Doze, a aprovação de um ato por maioria qualificada exigia 54 votos em
76 possíveis. Para bloquear uma decisão era necessário reunir, pelo menos, 23 votos. O
alargamento a Dezasseis alterava esta aritmética: no total de 90 votos, a maioria qualificada seria
de 64 votos, e a minoria de bloqueio passaria para 27. Resultado: tornava-se mais difícil impedir
uma decisão a adotar por maioria qualificada, e os grandes Estados-membros perdiam peso
relativo. O Reino Unido, secundado pela Espanha, manifestou a sua total indisponibilidade para
aceitar a (natural e aritmética) alteração do status quo. Perante a ameaça velada de veto à
adesão de novos Estados, chegou-se a um compromisso na reunião do Conselho de 29 de Março
de 1994, na cidade helénica de Ioanina, aplicável até à entrada em vigor da revisão dos Tratados
que deveriam sair da Conferência Intergovernamental de 1996, sob a forma de Decisão do
Conselho.

O compromisso obtido não derroga, tão-pouco impede, a tomada de decisões com base
na regra da maioria qualificada. No entanto, ao facilitar a minoria de bloqueio – em vez dos 26
votos exigidos pelo ex-artigo 205º CE, bastaria recolher 23 a 25 votos – e, concomitantemente,
ao dificultar o acesso ao patamar da aprovação – 65 votos em vez de 62 -, a Declaração de Ioanina
alterou as regras de formação da maioria qualificada.

Por várias razões, este compromisso evoca o Acordo do Luxemburgo:

1) A pressão negocial derivada da ameaça de bloqueio;


2) Ambos respeitam à questão fulcral da regra de votação no seio do Conselho;
3) Ambos concretizam a cedência possível dos restantes Estados-membros à imposição feita
por um deles – em 1966, a França; em 1994, o Reino Unido, apoiado pela Espanha;
4) Num como noutro caso, a redação é ambígua e incerta a sua relevância jurídica.

A Declaração de Ioanina – como antes o Acordo do Luxemburgo – constitui um desvio

ao procedimento de votação previsto nos Tratados. E numa certa perspetiva, a Declaração de


Ioanina poderá ter um alcance ainda mais “desviante” do que o Acordo do Luxemburgo: desde
logo pela fórmula adotada de decisão do Conselho e, principalmente, porque não estabelece
condições ou limites ao conjunto de Estados-membros, que representanto um limiar inferior ao
da minoria de bloqueio, anunciam a sua vontade de oposição à maioria qualificada apurada nos
termos dos Tratados – nem sequer a referência ao conceito do “interesse muito importante”.

O Compromisso de 1994 foi negociado numa perspetiva de transitoriedade, mas acabou


por sobreviver ao Tratado de Amesterdão.

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III. Declaração de Ioanina II


A Declaração nº7, anexa ao Tratado de Lisboa, relativa à aplicação do art. 16º/4 UE, a

partir de 1 de Novembro de 2014, reproduz a lógica de funcionamento do mecanismo acordado


em Ioanina. Em rigor, e para ultrapassar o problema colocado pela intransigência da Polónia que
se recusava a assinar o Tratado de Lisboa, a Declaração nº7 veio ainda mais longe no desvio ao
princípio da maioria qualificada:

1) A invocação da Declaração pela “Minoria perdedora” obriga o Conselho a procurar uma


“base mais ampla de acordo”, o que pode conduzir a uma bloqueio de decisão;
2) Enquanto a Declaração de Ioanina foi adotada sob o signo da transitoriedade, a
Declaração nº7 tem a sua vigência garantida pela regra do consenso, com a qual o
Protocolo nº9, anexo ao Tratado de Lisboa, “trancou” a revogação ou simples
modificação indireta do âmbito de aplicação da Declaração de Ioanina II;
3) A partir de 1 de Abril de 2017, a percentagem em relação à minoria de bloqueio do nº4
do art. 16º TUE e do nº2 do art. 238º TFUE é fixada num conjunto de Estados-membros
que represente 55% da população ou 55% do número de Estados-membros, art. 4º.

IV. Competências
O Conselho exerce competências de espetro muito alargado que, por razões de clareza

expositiva, podemos classificar como:

1) Poderes de decisão legislativa;


2) Poderes de vinculação internacional;
3) Poderes de execução;
4) Poderes de coordenação.

1) Poderes de decisão legislativa, o art. 16º, TUE, descreve de modo genérico os


poderes de decisão do Conselho no âmbito da função legislativa e da função orçamental que
partilha com o Parlamento Europeu.

Se no tocante à função orçamental não existem reservas sobre a caraterização da


competência do Conselho como de natureza partilhada, já em relação à função legislativa o
exercício pelo Conselho pode ser de natureza exclusiva e tomar a forma de um ato unilateral de
aprovação, no âmbito do processo legislativo especial (art. 289º/2 TFUE). Em vários domínios, o
Conselho exerce sozinho a competência legislativa (art. 81º/3 TFUE).

As reuniões do Conselho são públicas na parte em que este delibera e vota sobre
propostas de atos legislativos (art. 16º/8 UE). Para garantir a aplicação deste princípio de
transparência, a ordem de trabalhos deve prever duas partes, uma dedicada às deliberações
sobre atos legislativos e a outra, à porta fechada, sobre as atividades não legislativas (art. 16º/8,
TUE). O Regulamento Interno concretiza as condições de abertura ao público das reuniões do
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Conselho, realizada basicamente através da transmissão pública por meios audiovisuais e da


disponibilização de gravações e documentos via Internet.

No âmbito da PESC, o Conselho também pode atorar decisões, desde que respeitados os
objetivos e orientações gerais definidas pelo Conselho Europeu (art. 24º/1, parágrafo segundo,
TUE; art. 26º/1, TUE; art. 27º/1, TUE).

2) Poderes de vinculação internacional, os Tratados reservam ao Conselho um


verdadeiro poder subordinante em matéria de vinculação internacional da União Europeia: 1. Na
fase da negociação, o Conselho autoriza a abertura das negociações e controla o seu desenrolar
sob a forma de diretrizes ao negociador, a Comissão ou o Alto Representante (art. 218º/2, 3 e 4,
TFUE); 2. Na fase da assinatura, o Conselho adota a decisão que autoriza a assinatura do acordo
(art. 218º/5, TFUE); 3. Na fase da conclusão, ao Conselho cabe a decisão de celebração, precedida
nos casos rpevistos de aprovação pelo Parlamento europeu (art. 218º/6, TFUE).

3) Poderes de execução, na versão anterior dos Tratados, o Conselho era, na


generalidade dos casos, o titular da competência de execução dos atos da função normativa
primária, embora fosse a Comissão a exercer tal competência através de delegação. A questão
era, contudo, muito debatida na doutrina e objeto de aberta discordância entre o Conselho e o
Parlamento Europeu. O Tratado de Lisboa introduziu sobre esta matéria uma alteração de fundo:
a competência executiva dos atos juridicamente vinculativos da União pertence aos Estados-
membros (art. 291º/2, TFUE); se, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se justificar a
doção de atos de execução pela União Europeia, a competência é reconhecida à Comissão, sob
a forma de atos delegados (art. 290º/1, TFUE) ou de atos de execução (art. 291º/2, TFUE) e, em
casos específicos devidamente justificados, ao Conselho (art. 291º/2, TFUE). O Conselho exerce
ainda competência executiva com fundamento em bases jurídicas avulsas: art. 24º TUE e art. 26º
TUE (PESC); art. 43º TFUE (fixação dos preços agrícolas e quotas de pesca).

4) Poderes de coordenação, em termos gerais, o Conselho “exerce funções de


definição das políticas e de coordenação em conformidade com as condições estabelecidas nos
Tratados”, art. 16º/1, TUE.

A função primordial de coordenação desdobra-se em dois planos: 1. No plano das


políticas da União, sob a batuta do Conselho dos Assuntos Gerais (art. 16º/6, parágrafo segundo,
TUE); 2. No plano das políticas definidas pelos Estados-membros. Neste caso, cumpre destacar a
responsabilidade do Conselho, nos termos dos art. 119º a 126º do TFUE, para definir as bases da
coordenação das políticas económicas dos Estados-membros. O esforço de coordenação tem
sido desenvolvido, em especial, na área da regulação financeira e das políticas orçamentais como
suportes diretos e necessários do funcionamento sustentado da união monetária. O art. 119º,
TFUE, prevê que os Estados-membros e a União promovam a “adoção de uma políticca

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económica baseada na estreita coordenação das políticas económicas dos Estados-membros”. O


art. 121º TFUE elege o Conselgo como instância de coordenação, cabendo-lhe a elaboração de
um projeto de orientações gerais das políticas económicas dos Estados-membros e da União que,
depois de dicutido no seio do Conselho Europeu, é adotado através de uma recomendação (art.
121º/2, parágrafo terceiro, TFUE). Na sequência da crise financeira de 2008, a implementação
de um modelo de governo económico da Zona Euro reforçou os poderes do Conselho que são
exercidos através do ECOFIN (formação do Conselho que reúne os ministros das Finanças e
Economia, responsável pelas políticas da União e dos Estados-membros nos domínios da política
económica, fiscalidade e regulação dos serviços financeiros), em articulação estreita com o
Eurogrupo (Protocolo nº14).

Em função dos poderes que exerce, o Conselho é a instituição que mais se identifica com
o estatuto competencial típico dos Governos nas democracias representativas: legisla, em regime
de partilha com o Parlamento; promove a execução de atos e políticas; orienta a negociação e
aprova os convénios internacionais; coordena as políticas económicas dos Estados, como faz o
Governo central de um Estado Regional ou Federal em relação às entidades que o compõe.
Outras instituições, como o Conselho Europeu e a Comissão, participam no poder governativo da
União, mas estão longe de igualar o Conselho no ajustamento a uma certa ideia de governo auto-
suficiente da União.

Lição nº9

A estrutura decisória da União Europeia. Instituições, órgãos e organismos. A Comissão e


o Tribunal de Justiça da União Europeia

Os guardiões dos Tratados


Da Comissão, diz-se, é a guardiã dos Tratados. Os Tratados legitimam a função ao

dispor que a “Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas
instituições por força destes” (art. 17º/1, TUE). Cabe à Comissão, enquanto instituição política, a
garantia da boa aplicação do Direito da União, incluindo o dever de atuar contra os sujeitos de
direito que pelo seu comprotamento violem as regras e princípios vigente. Um dever que se
impõe em relação aos Estados-membros, às instituições e órgãos da União e também em relação
aos particulares.

No sistema instituído pelos Tratados, não existe apenas um guardião dos Tratados. Para
além de vários níveis e modalidades de controlo da ação politico-administrativa desenvolvida
pelo decisor da União (p.e., Provedor de Justiça, Procuradoria Europeia), a outra dimensão
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fundamental de garantia do direito é assegurada pelos tribunais – na primeira linha pelos


tribunais nacionais e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, um guardião que guarda os
guardiões como expressão de uma ordem jurídica autónoma e plena que, ao tutelar o respeito
pelo direito, inibe qualquer tentativa de concentração e abuso de poder.

O problema da garantia da transparência está há muito no centro das preocupações


relacionadas com o funcionamento do sistema de governo da União.

Comissão Europeia

a) Composição
A Comissão é composta por 27 membros: um nacional por cada Estado-membro,

incluindo o seu Presidente e o Alto Representante, que é um dos vice-presidentes (art. 17º/4,
TUE). O art. 17º/5, TUE, prevê que, a partir de 1 de Novembro de 2014, a Comissão seria
composta por um número de membros, incluindo o seu Presidente e o Alto Representante,
correspondente a dois terços do número de Estados-membros, “a menos que o Conselho
Europeu, deliberando por unanimidade, decida alterar esse número”.

Uma Comissão mais pequena, seria, teoricamente, uma Comissão adequada à função,
mais ágil e mais coesa, tendo em conta que se trata do órgãos executivo da União. A questão
relativa à composição da Comissão foi central no processo negocial do Tratado de Nice, da
Constituição Europeia e do Tratado de Lisboa. Duas teses fundamentais se opunham: por um
lado, os defensores de uma Comissão de base igualitária, em que estivessem representados
todos os Estados-membros; por outro lado, aqueles que, em nome da eficácia e da importância
de um Executivo comunitário forte, sustentavam a solução de uma Comissão de composição
restrita, cujos membros seriam nacionais dos Estados-membros com base no sistema de rotação
rigorosamente igualitária entre os Estados-membros. Curiosamente, esta foi a tese que vingou
no texto assinado em Lisboa (art. 17º/5, TUE e art. 244º TFUE), mas, por circunstâncias
supervenientes, foi abandonada.

A Irlanda, na sequ^rncia do primeira referendo negativo a 12 de Junho de 2008 sobre o


Tratado de Lisboa, reclamou várias garantias e uma delas foi a de a Comissão continuar a ser
constituída por um nacional de cada Estado-membro. O Conselho Europeu assumiu, então, o
compromisso de manter uma composição igualitária, promessa que foi renovada em 2013 e
2018. Esta igualdade garante uma articulação efetiva entre a Comissão e todos os Estados-
membros e concretiza, por isso, a necessidade de ter em conta as realidades políticas, sociais e
económicas de todos os Estados-membros. A Declaração nº10, anexa à ata Final, explicita estas
preocupações no contexto de uma Comissão que, suponha-se, deixaria de incluir nacionais de
todos os Estados-membros. Importa clarificar este ponto: os membros da Comissão não
representam os Estados-membros, mas transportam para o Executivo da União o conhecimento

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objetivo das realidades específicas de cada Estado-membro. Cumpre, pois, saudar a garantia de
representação de todos os Estados-membros no seio da Comissão, como acontece no
Parlamento Europeu, no Conselho Europeu e no Conselho, as instituições que partilham com a
Comissão a responsabilidade pela decisão política na União Europeia.

O art. 17º/3, TUE, traça aquele que deve ser o perfil do candidato a comissário:

nacional de um Estado-membro, escolhido em função da sua competência geral, do seu


empenhamento europeu, de entre personalidades que ofereçam todas as garantias de
independência.

O art. 17º/3, parágrafo terceiro, TUE, e o art. 245º TFUE, especificam os deveresm de
função de um membro da Comissão:

1) Atuar com total independência;


2) Não solicitar, nem aceitar instruções de nenhum Governo, instituição, órgão ou
organismo;
3) Exclisividade, o que veda o exercício de qualquer outra atividade profissional,
remunerada ou não, e inibe, mesmo após a cessação de funções, a aceitação de cargos
ou benefícios que possam contrariar os deveres de honestidade e discrição. A violação
destes deveres pode levar o Tribunal de Justiça, a pedido do Conselho ou da própria
Comissão, a ordenar a demissão compulsiva do comissário em causa ou a perda do seu
direito a pensão ou de quaisquer outros benefícios que a substituam (art. 247º TFUE).

Na prática, a independência dos comissários em relação aos respetivos Estados de

nacionalidade está longe de constituir um valor absoluto de conduta pessoal e institucional. Nos
termos do art. 245º, parágrafo primeiro, TFUE, os Estados-membros comprometem-se a não
influenciar os membros da Comissão no exercício das suas funções. Acontece, porém, que os
Governos dos Estados-membros não deixam de “sensibilizar” o(s) seu(s) comissário(s) em relação
aos problemas que mais diretamente afetam os interesses nacionais; por vezes, é o próprio
comissário, através do seu gabinete, que procura obter das autoridades do “seu” Estado-
membro de nacionalidade os “esclarecimentos” que poderão ditar o respetivo de voto no
momento crucial da deliberação no colégio dos 27 comissários. Dependendo naturalmente da
personalidade do comissário, da sua conceção sobre o cargo e, especialmente, do grau de
independência que esteja em condições de impor, a transmissão destes “esclarecimentos” pode
confundir-se, tal é o seu caráter preciso e categórico, com verdadeiras instrução. Trata-se,
contudo, de um “modus vivendi” que, salvaguardadas determinadas aparências, respeitados
certos limites, faz parte do jogo e aproveita, de um modo um tanto desigual é certo, a todos os
Estados-membros.

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O mandato de comissário tem a duração de cinco anos, equivalente ao tempo de


legislatura do Parlamento Europeu (art. 17º/3, TUE). Várias disposições visam garantir a
coincidência do mantado com a legislatura – art. 234º, parágrafo segundo, TFUE (em caso de
destituição coletiva por moção de censura, o mandato dos membros da Comissão designados
para os substituir expira na data em que expiraria o mandato dos membros da Comissão
destituídos); artigo 246º TFUE (o membro demissionário, demitido ou falecido é substituído pelo
período remanescente do seu mandato).

Deixou de estar prevista a possibilidade de renovação do mandato, mas o silêncio dos


Tratados não deve ser interpretado no sentido de excluir decisões de recondução nas funções.

O processo de nomeação da Comissão registou, com as sucessivas revisões dos Tratados,


modificações substanciais. Estas alterações, orientadas pelo objetivo de assimilar este processo
ao modelo nacional de investidura do Executivo pelo Parlamento, deram lugar a um processo
que, repartido em várias fases, regula uma participação efetiva e determinante do Parlamento
Europei, especialmente na escolha do Presidente da Comissão.

De acordo com o disposto no art. 17º/7, TUE, podemos recortar as seguintes fases no
procedimento de nomeação da Comissão:

1) Escolha do Presidente: após as eleições para o Parlamento Europeu, tendo em


conta os seus resultados, o Conselho Europeu delibera por maioria qualificada e propõe ao
Parlamento Europeu um candidato ao cargo de Presidente da Comissão (indigitação). O
candidato é eleito pelo PE, por maioria dos votos que o compõem. Se o candidato não reunir a
maioria dos votos exigida, o processo reinicia-se: esolha de um novo candidato pelo Conselho
Europeu no prazo de um mês, deliberando por maioria qualificada que terá de ser eleito pelo PE
pela maioria dos votos que o compõem.

Conselho Europeu e PE estão condenados a entender-se sobre o perfil do candidato a Presidente


da Comissão sob pena de se cair no impasse. A Declaração nº11, anexa à Ata Final, partindo da
consideração que PE e Conselho Europeu “são conjuntamente responsáveis pelo bom desenrolar
do processo conducente à eleição do Presidente da Comissão Europeia”, apela à realização de
consultas entre os representantes das duas instituições, em momento anterior à decisão de
indigitação pelo Conselho Europeu.

Existe neste procedimento um denominador comum, de vincado significado político: a


escolha do candidato deve refletir os resultados obtidos nas eleições europeias. A aceitação do
candidato proposto reveste a forma de eleição e não de mera aprovação, como na versão
anterior, resultante do Tratado de Nice. Uma reforçada legitimação democrática do processo de
designação dos membros da Comissão, em particular do seu Presidente, carrega consigo a
consequência inexorável de uma politização eventualmente excessiva da Comissão, dividida
entre o Conselho Europeu e o PE, as duas instituições politicamente mais fortes da União
Europeia.

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2) Escolha dos restantes membros da Comissão: na sequência de consultas entre o


Presidente eleito e os Governos dos Estados-membros, é adotada pelo Conselho, de comum
acordo com o Presidente eleito, uma lista das personalidades propostas pelos Estados-membros.

3) Voto de aprovação parlamentar: o Presidente, o Alto Representante, que assumirá


a vice-presidência da Comissão (art. 18º/4, TUE) e os demais membros da Comissão são
colegialmente sujeitos a um voto de aprovação pelo Parlamento Europeu. O Tratado é claro ao
detemrinar que a apreciação pelo PE, e o consectário voto de aprovação ou de rejeição, deve
recair sobre o colégio formado pelo Presidente, pelo Alto Representante e pelos comissários
propostos. Desde Janeiro de 1995, o PE arroga-se contudo, o direito de proceder a audições
individuais, verdadeiros interrogatórios a que são submetidos os candidatos perante as
comissões parlamentares. Trata-se de um mecanismo prévio de controlo que se inspira no
sistema de audiências do Senado dos Estados Unidos. Impedido pelo art. 17º/7, parágrafo
terceiro, TUE, limitação que resulta da colegialidade como princípio organizativo da Comissão,
de recusar formalmente um comissário indicado por um Estado-membro, o PE poderá, contudo,
e em resultado da audição realizada, fazer depender o seu voto de aprovação da disponibilidade
dos Governos dos Estados-membros para substituir a personalidade non grata por outra que
esteja em condições de pasar no teste parlamentar.

4) Nomeação: compete ao Conselho Europeu, depois da aprovação pelo PE,


deliberando por maioria qualificada, a nomeação definitiva da Comissão.

Ao Presidente da Comissão incumbe, por um lado, definir a orientação política e


estratégica da instituição e, por outro lado, definir a sua organização interna, incluindo a
nomeação dos vice-presidentes, com exceção do Alto Representante que exerce a função por
inerência (art. 17º/6, TUE). Um outro aspecto que reforça o estatuto do Presidente é o chamado
“procedimento Prodi” que obriga um membro da Comissão a apresentar a sua demissão “se o
Presidente lho pedir”. No caso de se tratar do Alto Representante, o pedido para produzir efeito
deve ter o acordo do Conselho Europeu (art. 18º/1, TUE). Através desta prerrogativa, o
Presidente pode, por razões de confiança política ou outras, provocar a demissão de um membro
da Comissão. Em suma, o Presidente tem, no plano político e no plano organizativo, os
instrumentos de direção efetiva da Comissão. Em contrapartida, na sua relação com as outras
instituições, a autoridade política do Presidente é ameaçada pela Presidência eleita do Conselho
Europeu e pela figura do Alto Representante.

O art. 246º TFUE enumera as causas de cessação individual das funções de comissário:

1) Substituição normal, isto é, no fim do mandato de cinco anos;


2) Morte;
3) Demissão voluntária;

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4) Demissão compulsiva;

De acordo com o previsto no art. 247º TFUE, qualquer membro da Comissão que deixe

de preencher os requisitos necessários ao exercício das suas funções ou tenha cometido falta
grave por ser demitido pelo Tribunal de Justiça, a pedido do Conselho ou da Comissão. Faria todo
o sentido que também o PE pudesse solicitar esta apreciação pelo Tribunal de Justiça, tendo em
conta as suas competências reforçadas em matéria de nomeação e de destituição coletiva.

Os Tratados prevêem ainda a possibilidade de destituição coletiva da Comissão na


sequência da votação de uma moção de censura pelo Parlamento Europeu, no quadro da
responsabilidade política que subordina a atuação da Comissão ao veredito do órgão
parlamentar (art. 234º TFUE).

b) Organização e funcionamento – em especial, o princípio da colegialidade


A organização interna e o modo de funcionamento da Comissão estão regulados

nas disposições pertinentes dos Tratados, completadas e desenvolvidas pelo Regulamento


Interno. É a Comissão que estabelece o Regulamento Interno, de forma a garantir o seu próprio
funcionamento e o dos seus serviços (art. 249º TFUE).

A Comissão dispõe, para preparar e executar as suas ações, de um conjunto complexo de


serviços, organizados em direções-gerais e serviços equiparados (p.e., Serviço Jurídico). Para das
resposta a necessidades especiais, a Comissão pode ainda criar estruturas específicas incumbidas
de missões precisas.

Do ponto de vista da sua organização interna, a Comissão funciona numa dupla dimensão:
política e admnistrativa. O Presidente, os Vice-Presidentes, os demais comissários e os respetivos
gabinetes formam a estrutura política da Comissão que, por sua vez, orienta, dirige e atua através
dos serviços, constituindo estes a dimensão administrativa da Comissão.

O Secretário-Geral assiste o Presidente na preparação dos trabalhos e das reuniões do


colégio dos comissários, vela pela execução dos atos adotados pela Comissão, assegura as
relações oficiais com as outras instituições da União Europeia e acompanha o trabalho
desenvolvido por estas. Trata-se, com efeito, do mais alto funcionário da Comissão que, por
tradição, se mantém em funções por largos períodos de tempo, conferindo, assim, continuidade
e estabilidade ao funcionamento interno da Comissão.

A estrutura de base existe em função de uma dimensão decisional da Comissão, incarnada


pelos comissários e inteiramente dependente da natureza política do mandato por eles exercido.

Os membros da Comissão formam um colégio no seio do qual o Presidente dispõe de um


voto como os restantes membros (exclusão do voto de qualidade). As deliberações são tomadas
quando tiverem obtido os votos da maioria do número de membros previsto no Tratado (art.

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250º TFUE). A Comissão decide sob proposta de um ou vários dos seus membros. As reuniões
não são públicas. Os debates são confidenciais, embora fiquem registados em ata.

O Tratado de Amesterdão fortaleceu os poderes do Presidente ao garantir-lhe a


participação no processo de escolha dos futuros comissários (art. 17º/7, parágrafo segundo, TUE)
e, em particular, ao submeter a Comissão à orientação política do seu Presidente, art. 17º/6,
alínea a), TUE. Para além das funções típicas de presidência de um órgão colegial (convocatória
das reuniões, de periodicidade semanal; definição da ordem de trabalhos; representação da
Comissão), o Presidente personifica uma função de relevante envergadura política: participa nas
reuniões do Conselho Europeu, comparece perante o PE e distribui pelos comissários domínios
específicos de atividade – os chamados “pelouros”. Cada comissário fica responsável pela
preparação dos trabalhos da Comissão e pela execução das suas decisões no âmbito dos
respetivos “pelouros”.

Nos termos do art. 248º TFUE, é o Presidente que define as áreas estruturadas de
competências e as distribui pelos membros da Comissão. Esta distribuição pode ser alterada no
decurso do mandato e os comissários exercem as funções atribuídas pelo Presidente “sob a
responsabilidade deste”. A repartição dos “pelouros” não é, contudo, alheia às pressões
exercidas pelos Estados-membros que jogam todo o seu poder com o objetivo de garantir para
“o seu comissário” as pastas tradicionalmente mais importantes (p.e., agricultura) ou que o são
em determinado contexto histórico (p.e., alargamento). A responsabilidade direta por áreas
específicas de ação não deve ser confundida com a tradição governamental das pastas
ministeriais. Ao contrário do ministro, o comissário carece de competência política e
regulamentar própria. Com efeito, o princípio da colegialidade subordina toda a lógica de
funcionamento da Comissão.

Em termos simples, o princípio da colegialidade significa que todas as decisões adotadas


são imputadas à Comissão no seu conjunto e são assumidas coletivamente por todos os seus
membros.

Por razões que se prendem com a necessidade de eficácia e rapidez no funcionamento –


tanto no plano político como no plano administrativo – da Comissão, verificam-se alguns
“desvios” ao princípio da colegialidade:

- A atribuição aos comissários de responsabilidades específicas (“pelouros”) confere-lhes


o direito de dirigir e de dar instruções aos serviços adminsitrativos funcionalmente associados ao
domínio de competência em causa;

- Reuniões preparatórias dos chefes de gabinete dos Comissários: à medida que têm
aumentado as áreas de intervenção da Comissão e a complexidade técnica das suas deliberações,
verifica-se uma importância crescente desta “estrutura auxiliar”, funcionalmente equivalente ao
COREPER. Nas reuniões preparatórias, presididas pelo Secretário-Geral, são estudados os

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aspetos técnicos da ordem de trabalhos das reuniões da Comissão com vista à simplificação e
aceleração do procedimento de deliberação;

- Procedimento escrito de decisão: recorre-se com frequência ao método do


preocedimento escrito como forma de aliviar a ordem de trabalhos das reuniões semanais
relativamente a atos que não suscitem controvérsia. Neste caso, os comissários são notificados
do texto da propsota, depois de aprovada pelos serviços adminsitrativos competentes. Se no
prazo fixado, nenhum membro da Comissão formular reservas emrelação ao texto apresentado,
este consider-se-á adotado pela Comissão. O princípio da colegialidade, na sua vertente de
debate no colégio, está salvaguardado pela possibilidade que assiste a qualquer comissário para,
no decurso do processo escrito, solicitar que a proposta seja discutida em reunião;

- O mais sério “desvio” ao princípio da colegialidade é o instituto da delegação de poderes.


O art. 13º do Regulamento Interno dispõe: “A Comissão pode, na condição de o princípio da sua
responsabilidade colegial ser plenamente respeitado, habilitar um ou maus dos seus membros a
tomar em seu nome medidas de gestão ou de administração, nos limites e condições que fixar”.
Os poderes assim conferidos podem, por sua vez, ser objeto de subdelegação nos diretores-
gerais e chefes de serviço, salvo se a decisão de habilitação o proibir de modo expresso. Também
com ressalva do princípio da responsabilidade colegial, a Comissão pode delegar nos diretores.-
gerais e chefes de serviço a aprovação de medidas de gestão e de adminsitração (art. 14º do
Regulamento Interno), suscetíveis de subdelegação em favor de níveis inferiores de chefia
adminsitrativa (art. 15º do Regulamento Interno).

O regime normativo aplicável à decisão de habilitação e de delegação reflete a


jurisprudência definida pelo Tribunal de Justiça a respeito da questão da legalidade da delegação
de competências desde as primeiras sentenças em que pronunciou sobre esta matéria. Para o
Tribunal de Justiça, a competência de auto-organização da Comissão abrange:

1) O poder de delegação desde que limitado a “simples medidas de gestão”;


2) O poder de criar órgãos subsidiários aos quais confia poderes de execução das suas
decisões, contanto que estes poderes estejam “claramente delimitados” e que os ógãos
assim criados não disponham de um poder de ampla apreciação.

A doutrina do Juiz comunitário foi pensada com o propósito de, em nome do princípio

da colegialidade, excluir a legalidade de decisões de princípio ou inovatórias adotadas sob


delegação. No célebre caso BASF, o Tribunal de Primeira Instância declarou juridicamente
inexistente uma decisão tomada por um comissário por considerar que um ato que aplica uma
sanção pecuniária a um particular “não pode ser adotado por um únido Comissário sem
desrespeitar diretamente o princípio da colegialidade expressamente recordado no
Regulamento Interno da Comissão”. Para este Tribunal, o princípio da colegialidade constitui,
enquanto fator de segurança jurídica, uma garantia fundamental para os destinatários dos atos
adotados que pode, se violada, servir de fundamento de impugnação ou mesmo conduzir à
declaração de inexistência jurídica da medida adotada.

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Em sede de recurso da sentença proferida pela Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal


de Justiça corroborou o entendimento sobre a ilegalidade de uma medida cominatória adotada
por delegação por delegação e rejeitou a tese da Comissão (recorrente no processo) sobre a
distinção entre a parte decisória do ato, aprovada pelo colégio, e a respetiva fundamentação que
seria da autoria do comissário:

“O respeito por este princípio (da colegialidade), e particularmente a necessidade de as


decisões serem deliberadas em comum pelos membros da Comissão, interessa necessariamente
aos sujeitos de direito afetados pelos efeitos jurídicos por aquelas produzidos, na medida em que
devem poder estar seguros de que as decisões foram efetivamente aprovadas pelo colégio e
correspondem exatamente à vontade deste.” “(...) não pode ser aceite a argumentação da
Comissão, segundo a qual, no processo de decisão, o colégio se pode limitar a manifestar a sua
vontade de agir de determinado modo, sem ter que intervir na redação do ato que é o seu termo
nem na sua apresentação na forma definitiva”.

A natureza de ato insuscetível de delegação não compreende apenas os atos dirigidos aos
particulares. No âmbito da competência de controlo exercida pela Comissão em relação aos
Estado-membros, o Tribunal de Justiça excluiu a delegação de poderes para adotar o chamado
parecer fundamentado e para tomar a decisão de instaurar a competente ação por
incumprimento contra o Estado-membro em causa.

No que respeita à chamada “delegação de assinatura”, e apesar de a versão atual do


Regulamento Interno a não prever expressamente, entende-se que constitui um “meio normal e
legítimo através do qual a Comissão pode exercer as suas competências”.

Em todo o caso, o ato adotado mediante delegação por um comissário, por um alto
funcionário ou por um funcionário administrativo é sempre imputável à Comissão nos efeitos
que produz.

O problema da ilegalidade da delegação releva como fundamento de invalidade ou mesmo, se


for particularmente grave, de inexistência jurídica do ato adotado em violação do princípio da
colegialidade, cujas consequências jurídicas serão assumidas pela Comissão. No plano político, a
colegialidade da Comissão implica uma responsabilidade coletiva, especialmente perante o PE
(art. 17º/8, TUE). A moção de censura tem por objeto “as atividades da Comissão” e, se votada
pela maioria parlamentar exigida, provoca a destituição coletiva da Comissão (art. 234º TFUE). O
PE não pode, formalmente, exigir “a cabeça de um comissário”, mas não deixará de pressionar o
Presidente da Comissão para acionar o “procedimento Prodi” e solicitar a demissão do ou dos
comissários cuja permanência na Comissão arrisca a votação de uma moção de censura (art.
17º/6, parágrafo segundo, TUE).

c) Competências
O art. 17º/1, UE, confia à Comissão, com o objetivo de promover “o interesse geral

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da União”, os seguintes poderes:

- Vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições,
por força destes;

- Controla a aplicação do direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da


União Europeia;

- Executa o roçamento e gere os programas;

- Exerce funções de coordenação, de execução e de gestão em conformidade com as


condições estabelecidas nos Tratados;

- Assegura a representação externa da União, com exceção da PESC e dos restantes casos
previstos nos Tratados;

- Toma a iniciativa da programação anual e plurianual da União com vista à obtenção de


acordos interinstitucionais.

Com base na formulação um tanto genérica das suas competências, favorecida pelo
estatudo de “guardiã dos Tratados” no contexto de um aprofundamento contínuo do processo
de integração europeia, a Comissão soube jogar a sua influência institucional para alargar e, em
certa medida, “reinventar” o seu papel na relação, por um lado, com as outras instituições e, por
outro lado, com os Estados-membros. As sucessivas revisões dos Tratados não exprimiram uma
vontade pactícia favorável ao reforço do lugar da Comissão na estrutura institucional da União
Europeia. Verificou-se mesmo com o Tratado de Lisboa uma opção de sentido oposto ao da
ambição da Comissão, uma reafetação de poderes que foi desfavorável à Comissão.

Com efeito, o seu lugar no quarteto institucional da decisão política ficou diminuído ou
condicionado, em virtude de duas alterações fundamentais diretamente resultantes do Tratado
de Lisboa:

1) A valorização funcional do Conselho Europeu e do PE;


2) A criação do Alto Representante.

A pluralidade e diversidade das competências da Comissão pode, numa perspetiva de

simplificação que atende à natureza jurídica das prerrogativas em causa, ser enquadrada nas
seguintes grandes áreas de competência:

1) Competência de iniciativa – o art. 17º/2, TUE, estabelece o exclusivo da iniciativa


legislativa da Comissão: “Os atos legislativos da União só podem ser adotados sob proposta da
Comissão, salvo disposição em contrário dos Tratados”. Exceção a este monipólio de iniciativa é,
por exemplo, o art. 223º/2, TFUE (adoção de um procedimento eleitoral uniforme). O art. 289º/4,
TFUE, admite que, em casos específicos e previstos pelos Tratados, a iniciativa legislativa possa
partir de um grupo de Estados-membros, do Parlamento Europeu, por recomendação do Banco
Central Europeu ou a pedido do Tribunal de Justiça ou do Banco Europeu de Investimento (art.
107º, parágrafo quinto, TFUE; ART. 111º TFUE).
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O poder de iniciativa da Comissão em sede de processo legislativo reveste um particular


significado político. O Tratado institui mecanismos de garantia deste monopólio de iniciatica: em
caso algum, o Conselho ou o Parlamento Europeu se podem substituir à Comissão na elaboração
de uma proposta de ato; o Conselho só pode alterar uma proposta da Comissão por
unanimidade (art. 293º/1, TFUE); a Comissão pode alterar livremente a sua proposta, enquanto
o Conselho não tiver deliberado (art. 293º/2, TFUE). Como “dona” da sua proposta, a Comissão
goza de um amplo poder de negociação no processo de decisão, podendo funcionar, em alinaça
com o Parlamento Europeu, como um verdadeiro contrapeso ao poder decisório do Conselho.

A Comissão dispõe ainda de um poder de iniciativa noutros domínios fundamentais, como


sejam o processo orçamental (art. 314º/2, TFUE), o processo de vinculação internacional (art.
218º/3, TFUE) e o processo de revisão dos tratados (art. 48º/2 e 6, TUE). Na verdade, assiste à
Comissão um poder genérico de iniciativa. A Comissão “promove o interesse geral da União e
toma as iniciativas adequadas para esse efeito” (art. 17º/1, TUE). Este poder jurídico de impulsão
faz da Comissão o motor da integração, responsável pelos saltos qualitativos no processo de
realização do desígnio comunitário.

Desde a presidência de Jacques Delors na década de noventa do século passado, a


Comissão perdeu espaço de manobra e protagonismo político. Serão várias as razões para este
percurso descendente. E será difícil contestar os efeitos negativos que este declínio produziu
sobre o nível performativo da integração europeia. No que respeita ao processo legislativo, a
Comissão mantém o monopólia da iniciativa, mas, em virtude do estatuto de co-decisor
reconhecido ao PE, associado ao controlo mais apertado que este exerce sobre a Comissão, esta
instituição deixou de ter condições políticas para, como antes, funcionar na qualidade de árbitro
entre o Conselho e o órgão parlamentar. A verdadeira negociação desenvolveu-se diretamente
entre as duas instituições que exercem a competência legislativa.

Existe, contudo, uma outra razão mais explicativa do papel modesto a que a Comissão foi
remetida. Em domínios fundamentais e estratégicos de avanço do processo de integração, como
acontece com a gestão monetária e a PESC, a Comissão tem poderes marginais, que não incluem
o seu tradicional poder de iniciativa. Noutros domínios igualmente importantes, como a
cooperação em matéria de políticas económicas e sociais, a Comissão carece de competência
para impor uma abordagem comunitária que contrarie o papel atribuído ao Conselho Europei
pelos Tratados e, segundo a evolução mais recente, exercido por um grupo muito restrito de
Estados-membros. As circunstâncias tragicamente excecionais do ano pandémico foram, assim,
adequadamente aproveitadas pela Comissão Europeia para assumir o nível de coordenação e de
decisão que a sobrevivência do projeto europeu exigia.

Uma eventual inércia da Comissão na apresentação de propostas pode provocar


iniciativas de natureza política, como o mecanismo de iniciativa popular ao art. 11º, parágrafo
quarto, TUE, ou pedidos formais de realização de estudos e de formalização de propostas

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submetidas pelo PE (art. 225º TFUE) ou pelo Conselho (art. 241º TFUE). No caso de não
apresentar a proposta solicitada pelo Parlamento Europeu ou pelo Conselho, a Comissão, para
além do dever de informar sobre as razões por que não avança com uma proposta, pode ser
demandada perante o Tribunal de Justiça e condenada por omissão (art. 265º TFUE).

2) Competências de controlo – a Comissão é a “guardiã dos Tratados”, porque conforme


o art. 17º/1, TUE, “vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas
Instituições, por força destes”.

A Comissão não tem, contudo, um exclusivo, nem mesmo um direito preferencial de controlo
dos comportamentos no seio da União Europeia. O TJUE, em articulação com os tribunais dos
Estados-membros, exerce o controlo judicial. O controlo político é basicamente assegurado pelo
PE. O Tribunal de Contas é responsável pelo controlo financeiro. No âmbito da União Económica
e Monetária, são reconhecidos ao Conselho e ao Banco Central Europeu amplos poderes de
supervisão e controlo (art. 127º TFUE e 132º TFUE). Também aos Estados-membros, através das
respetivas administrações, devem garantir a aplicação do Direito da União (art. 4º/3, parágrafo
segundo, TFUE). Como guardiã dos Tratados, a Comissão exerce uma competência genérica e
subsidiária de controlo e vigilância.

Para desempenhar esta função, a Comissão goza de amplas e importantes prerrogativas:


o poder de recolher todas as informações e proceder a todas as verificações necessárias, junto
dos Estados-membros ou dos particulares (art. 337º TFUE); a atuação administrativa em caso de
violação das normas eurocomunitárias pelos particulares compete, como regra geral, às
administrações nacionais, mas em domínios específicos, como é o caso da proteção das regras
da concorrência, é a Comissão que põe em marcha os mecanismos administrativos idóneos de
investigação, declaração das infrações e de aplicação de sanções que podem tomar a forma de
multas e adstrições (art. 103º/2, al. a), TFUE); finalmente, no que tange as eventuais violações
do Direito da União pelos Estados-membros, e em relação a qualquer área de integração, a
Comissão tem ao seu alcance o procedimento administrativo do incumprimento que pode levar
à instauração de uma ação junto do Tribunal de Justiça contra o Estado-membro acusado de
violação das obrigações decorrentes dos Tratados e à eventual aplicação de uma sanção
pecuniária por decisão judicial (art. 260º TFUE); em áreas específicas, a Comissão pode ainda
adotar decisões dirigidas aos Estados-membros (art. 96º/2 TFUE sobre ajudas em matéria de
transportes; art. 108º/2 TFUE, sobre auxílios de Estado) ou diretivas (art. 106º/3, TFUE sobre
empresas públicas).

3) Competências de execução – identificada como o Executivo da União, a Comissão


procurou obter nas sucessivas revisões dos Tratados o reconhecimento efetivo do estatuto de
órgão titular da competência genérica de aprovação das normas de execução. Os estados-
membros travaram as expectativas da Comissão em relação a um poder próprio e autónomo de
execução. Através dos chamados procedimentos de comitologia, a Comissão exercia a função

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executiva por delegação e sob controlo dos Estados-membros, salvo os casos de competência
executiva reservada expressamente previstos nos Tratados.

O Tratado de Lisboa alterou de modo significativo o quadro regulador da função


executiva, mas, em certo sentido, operou uma mudança de fundo que fragiliza a Comissão
enquanto órgão executivo.

A competência-regra de adoção de atos de execução pertence aos Estados-membros (art.


291º/1, TFUE e art. 4º/3, TUE). Numa aplicação do princípio da subsidiariedade, o nº2 do art.
291º TFUE limita a competência de execução da Comissão à adoção de atos “quando sejam
necessárias condições uniformes de execução dos atos juridicamente vinculativos da União”. A
Comissão perde o estatuto de instância vocacionada para aprovar os atos de execução, porque
o exercício comum da função administrativa eurocomunitária passa para o nível nacional. Em
casos específicos devidamente justificados, e ainda no âmbito da política externa e de segurança
comum, o próprio Conselho pode aprovar atos de execução (art. 291º TFUE, art. 24º TUE, art.
26º TUE). No domínio da política monetária, a execução compete ao Banco Central Europeu (art.
127º/2, TFUE, art. 132º, TFUE). Finalmente, e este será o limite mais corrosivo à autonomia da
Comissão como entidade administrativa, o nº3 do art. 291º TFUE, estabelece que, por meio de
regulamentos adotados pelo PE e pelo Conselho, devem ser definidas previamente as “regras e
princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo que os Estados-membros podem aplicar
ao exercício das competências de execução pela Comissão”.

Na prática, a Comissão assegura a função executiva de âmbito genérico, dependente,


contudo, de atribuição expressa no ato legislativo, com fundamento em critérios objetivos de
execução uniforme, e sujeito ao controlo remoto exercido pelos Estado-membros através dos
comités técnicos, compostos por representantes nacionais.

Para além da competência de execução sob a forma de atos da função regulamentar, a


Comissão detém poderes importantes de gestão e execução direta nos seguintes principais
domínios:

- Gestão de fundos comunitários (Fundo Social Europeu, FSE; Fundo Europeu de

Orientação de Garantia Agrícola, FEOGA; Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, FEDER)


nos termos definidos em 1988 pelo Conselho, quando aprovou a reforma dos fundos estruturais;

- Poder de execução do orçamento anual da União (art. 317º TFUE);

- Gestão das cláusulas de salvaguarda: as cláusulas de salvaguarda permitem aos Estados-


membros, mediante autorização da Comissão, e sob controlo desta, a adoção de medidas de
derrogação das regras previstas no Tratado (art. 114º(10, TFUE; art. 191º/2 TFUE).

Sob a forma de atos delegados, nova modalidade de atos não legislativos definida pelo
Tratado de Lisboa, a Comissão exerce o poder de completar e desenvolver o regime jurídico do
ato legislativo se, PE e Conselho, lhe confiarem esta missão (art. 290º/1, TFUE). A Comissão tem

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poderes muito limitados na aprovação dos atos delegados, seja porque atua sob delegação, seja
porque o âmbito regulador do ato delegado não pode interferir com os chamados “elementos
essenciais” do ato legislativo.

4) Competências em matéria de relações externas – no âmbito do art. 218º TFUE que


regula o processo de vinculação internacional, a Comissão pode recomendar a abertura de
negociações que conduzirá depois com base nas diretrizes formuladas pelo Conselho e em
consulta com os comités especiais.

A Comissão desempenha ainda um papel relevante na fase aplicativa dos acordos


internacionais celebrados pela União, podendo, em pé de igualdade com o Alto Representante,
propor ao Conselho a suspensão do acordo, art. 218º/9, TFUE).

Em contrapartida, a Comissão perdeu para o Alto Representante, os seus poderes de


representação da União junto de Estados terceiros e organizações internacioanis (art. 221º
TFUE).

5) Competência de representação – a Comissão conserva, ao abrigo do art. 335º TFUE, o


seu poder tradicional de representação da União Europeia nas ordens jurídicas dos Estados-
membros (p.e., representação em tribunal), mas com a limitação, explicitada pelo Tratado de
Lisboa, que decorre dos poderes específicos de representação assumidos por cada uma das
instituições no tocante às questões ligadas ao respetivo funcionamento (art. 335º, segundo
parágrafo, TFUE).

Tribunal de Justiça da União europeia

a) Composição
A instituição Tribunal de Justiça da União Europeia (art. 13º/1, TUE) é composta por

dois tribunais: o Tribunal de Justiça (TJ) e o Tribunal Geral (TG). Embora o art. 19º/1, TUE, preveja
a existência de tribunais especializados, atualmente não estão em funcionamento, depois da
decisão tomada em 2015 de extinguir o Tribunal da Função Pública que foi criado em 2004.

Uma mesma instituição, dois tribunais. Assim se garante o duplo grau de jurisdição, com
o TJ a funcionar como instância de recurso ou como tribunal de competência exclusiva sobre as
matérias ou litígios mais importantes, art. 258º, 259º, TFUE; art. 267º TFUE).

O TJ é composto por um juiz por cada Estado-membro (27) e assitido por 11 advogados-
gerais (o art. 252º, TFUE prevê 8 advogados-gerais, mas este número pode ser aumentado, o que
já aconteceu por deliberação unânime do Conselho).

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Por seu lado, o TG é composto de, pelo menos, um juiz por cada Estado-membro (art.
19º/2, TUE) e, na sua atual composição, conta com 2 juízes por cada EM, art. 48º, al. c), Estatuto
TJUE. Não dispõe de advogados-gerais, mas essa função pode ser, em casos que o justifiquem,
confiada a um dos juízes (art. 49º, Estatuto TJUE).

Os juízes e advogados-gerais, escolhidos de entre personalidades que ofereçam todas as


garantias de independência e de idoneidade técnico-jurídica, são nomeados de comum acordo
pelos Governos dos Estados-membros, após consulta de um comité incumbido de dar parecer
sobre a adequação dos candidatos (art. 253º TFUE e art. 255º TFUE). O mandato dos juízes e
advogados-gerais é de seis anos, renovável sem limite. Expressão de um princípio fundamental
de autonomia organizativa, os juízes do TJ e do TG nomeiam o seu respetivo presidente para um
mandato de três anos, renovável, e o respetivo secretário-geral por um período de seis anos (art.
253º TFUE e 254º TFUE).

Ao Advogado-Geral, que não se confunde com a figura do procurador ou advogado do


Estado, cabe apresentar publicamente, com imparcialidade e independência, as suas conclusões
fundamentadas sobre os processos que requeiram a sua intervenção (art. 252º, TFUE). Embora
membro do TJ, o advogado-geral exerce funções equivalentes às de um consultor jurídico. As
suas conclusões não são vinculativas para o TJ, mas podem, pela qualidade técnico-jurídica do
levantamento do estado da arte ou pela inovação das propostas de solução na ótica de um
aprofundamento da integração jurídica, podem exercer uma significativa influência na evolução
da doutrina jurisprudencial do TJ e constituem, por outro lado, utilíssimo instrumento de
trabalho para os que estudam o Direito da União Europeia.

Uma instituição, dois tribunais. Os Tratados (art. 256º TFUE) e o Estatuto do TJUE
(Protocolo nº3, art. 51º) estabelecem os critérios de repartição de competências entre o Tribunal
Geral e o Tribunal de Justiça, com a possibilidade de, por via de revisão do Estatuto, ser alargada
a competência do tribunal de primeira instância, incluindo as questões prejudiciais sobre
matérias determinadas – prerrogativa que não foi até ao momento utilizada.

b) Natureza da jurisdição
O TJUE tem por missão garantir o “respeito do direito na interpretação e aplicação dos

Tratados” (art. 19º/1, TUE). A sua jurisdição é exercida como:

1) De atribuição;
2) Obrigatória;
3) Exclusiva;
4) No caso do TJ, de última instânicia.

1) Todas as instituições da União, incluindo o TJUE, estão limitados pelo princípio da

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competência por atribuição (art. 13º/2, TUE). Assim, o mandato generoso do art. 19º/1, TUE, que
confia ao TJUE a missão de garantir o respeito do direito quando interpreta e aplica os Tratados
tem de ser entendido no sentido em que só o pode fazer no quadro das vias de direito (ou vias
processuais) expressamente tipificadas ou previstas nos Tratados, o que inclui o Estatuto que,
tendo a forma de protocolo, goza de forla jurídica equivalente à dos Tratados conforme
determina o art. 51º TUE. Fora deste âmbito, a competência de garantia jurisdicional do direito
cabe aos tribunais nacionais que são os órgãos judiciais comuns do Direito da União Europeia. O
sistema judicial da UE é, por consequência, um sistema descentralizado e plural, com
fundamento no art. 274º TFUE, cabendo, por outro lado, aos Estados-membros garantir a tutela
jurisdicional efetiva através da criação das vias judiciais necessárias (art. 19º/1, TFUE). A
articulação entre a jurisdição do TJUE e a jurisdição dos tribunais nacionais é realizada através do
mecanismo das questões prejudiciais (art. 267º TFUE) que fundamenta, enquadra e promove um
verdadeiro diálogo de “juiz a juiz”.

2) Uma jurisdição obrigatória, e não facultativa como sói acontecer no cânone clássico
dos tribunais internacioanis. A partir do momento em que se tornam membros da UE, os Estados-
membros estão obrigados a respeitar as decisões do TJUE que goza de competência para dirimir
conflitos entre Estados-membros (art. 259º TFUE), entre a Comissão e um Estado-membro (art.
258º TFUE), entre Estados-membros e instituições da UE (arts. 263º, 265º e 268º TFUE) e entre
particulares e instituições da União (arts. 263º, 265º e 268º TFUE). De fora, ficam os litígios que
opõem os particulares aos Estados-membros que devem ser subemtidos aos tribunais nacionais
competentes, embora possam chegar ao TJ pela via do mecanismo das questões prejudiciais (art.
267º TFUE).

3) Jurisdição exclusiva, uma garantia que resulta do art. 344º TFUE e, excluindo o
recurso aos tribunais internacionais ou tribunais arbitrais como alternativa ao TJUE, traduz o
compromisso firme dos Estados-membros em relação à especificidade da União como modelo
associativo de integração entre Estados e em relação à autonomia do Direito da União Europeia
– especificifade e autonomia que descartam solições que possam pôr em causa a interpretação
e aplicação uniformes do Direito da União, objetivo fundamental do qual é garante o TJUE.

4) Jurisdição de última instância, já que as decisões proferidas pelo TJ (acórdãos e


despachos) não são passíveis de recurso, salvo as situações previstas de recurso extraordinário a
decidir por formação do próprio TJ sob a forma de reapreciação. Seja nos casos em que o TJ julga
em primeira e única instância (p.e., na ação por incumprimento e no processo de questões
prejudicias) seja nos casos em que aprecia os recursos instaurados das decisões do TG, os
acórdãos e dedpachos do TJ revestem caráter definitivo.

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c) Competências
Os Tratados reconhecem ao TJUE poderes muito amplos de controlo jurisdicional que

o Juiz da União interpretou como um mandato para instituir um sistema completo e coerente de
vias de recurso.

O art. 19º/3, TUE, especifica as três principais áreas de competência do TJUE:

- Recursos e ações interpostos por um Estado-membro, por uma instituição ou por um


particular;

- O processo das questões prejudicais;

- Outras vias de direito.

Para além da competência de natureza declarativa (pareceres, art. 218º/11, TFUE, art.
267º TFUE), o TJUE julga recursos e ações no âmbito do contencioso do incumprimento (arts.
258º - 260º, TFUE), do contencioso da ilegalidade (arts. 263º, 265º e 277º TFUE), do contencioso
de plena jurisdição (arts. 268º, 270º e 261º TFUE) e do contencioso das medidas cautelares (arts.
278º e 279º TFUE).

Uma aliança virtuosa entre as bases jurídicas dos Tratados, por um lado, e a interpretação
criativa do TJUE no que respeita ao alcance finalístico da suas competências, por outro lado,
fazem deste Tribunal o mais forte pilar institucional da União de Direito. Com algumas limitações
ou entraves que nos limitamos a respigar:

- O TJUE não dispõe de competência de controlo no âmbito da Política Externa e de


Segurança Comum (PESC), salvo para fiscalizar a delimitação entre a PESC e as competências
reguladas pelo TFUE e para se pronunciar sobre recursos de anulação interpostos por
particulares com fundamento na alegada violação de direitos (art. 275º TFUE);

- Um outro domínio que, em parte, escapa ao escrutínio do TJUE é o chamado Espaço de


liberdade, segurança e justiça, de tal modo que o Juiz da União não pode fiscalizar a validade nem
a proporcionalidade de operações policiais realizadas pelos Estados-membros nem decidir sobre
o exercício de responsabilidades que incumbem aos Estados-membros em matéria de ordem
pública e de garantia de segurança interna (em rigor, é um corolário da limitação imposta à União
Europeia pelo art. 4º/2, TUE, em matéria de responsabilidade pelas chamadas funções essenciais
do Estado, designadamente a manutenção da ordem pública e a defesa da saúde pública);

- Os eventuais excessos cometidos por alguns Estados-membros ao abrigo deste quadro


excecional de pandemia, propício à invocação oportunista de poderes arbitrários e autocráticos,
perigosos para os alicerces da democracia representativa e para os direitos fundamentais dos
cidadãos, poderia ser contrariado pela ameaça ou aplicação efetica de sanções políticas, com
base no art. 7º TUE. Infelizmente, o procedimento do Estado de direito do art. 7º TUE está
organizado de modo a excluir o TJUE do controlo do fundamento das medidas aplicadas do
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Estado infrator (art. 269º TFUE), solução que constitui por si só uma grave e inexplicável entorse
ao modelo do Estado de direito que, para além de outras razões, fragiliza este procedimento
como instrumento de garantia e defesa da União de direito contra os excessos autoritários
cometidos pelos Governos de Estados-membros, como a Polónia e a Hungria.

Lição nº10

Banco Central Europeu

A. Origem

Em 1993, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, o estabelecimento da União


Económica e Monetária tornou-se um objetivo irreversível do renovado projeto de integração
europeia, enquadrado pelo desígnio ainda mais ambicioso da união política.

Na versão originária dos Tratados, as disposições dedicadas à cooperação em matéria de


política económica e monetária definiam critérios muito genéricos de coordenação que não
punham em causa a competência reservada dos Estados-membros sobre estes domínios.

Embora a moeda tenha sido “a grande esquecida do Tratado de Roma”, a partir dos finais
da década de 60, sucedem-se iniciativas que visam resgatar a política monetária ao relativo
esquecimento a que fora votada no período de transição.

Em 1971, ao Estados-membros concordaram em sujeitar a flutuação cambial das


respetivas moedas a um limite mais estreito do que o aplicado no mercado internacional –
sistema denominado por “serpente monetária”. Em 1978-1979, foi instituído um novo e mais
reforçado mecanismo de cooperação monetária – o Sistema Monetário Europeu – que
repousava sobre três pilares:

1) A criação do ECU (European Currency Unit), unidade monetária composta pelas


moedas dos vários Estados-membros aderentes;

2) Sistema de câmbios estáveis, mas ajustáveis por referência a certas margens de


flutuação;

3) Mecanismos de crédito, maxime o financiamento a curto prazo dos bancos centrais.

De harmonia com o calendário aprovado no Conselho Europeu de Madrid, em

Junho de 1990, e depois vertido nas disposições do Tratado, eram três as fases de realização da
UEM:

I. Primeira, iniciada em 1 de Julho de 1990, tinha por objetivo assegurar a liberalização


plena dos movimentos de capitais entre os Estados-membros;

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II. Segunda, encetada em 1 de Janeiro de 1994, implicou o respeito de critérios


rigorosos de convergência que funcionaram como pressupostos da estabilidade económica
exigida aos Estados-membros que viessem a partilhar a moeda única;

III. Terceira, que arrancou na data histórica de 1 de Janeiro de 1999, determinou o


estabelecimento de câmbios fixos entre as meodas dos onze Estados-membros inicialmente
participantes e a criação de uma moeda comum - o Euro. A partir de 1 de Janeiro de 2002, o Euro
passaria a circular como moeda corrente, sob a forma de notas e moedas, e, decorrido o período
transitório de seis meses, substituiria definitivamente as meodas nacionais.

O funcionamento da UEM reclamou uma estrutura orgânica que pudesse responder com
saber técnico e eficácia política às exigências inerentes à programação e execução de uma
política monetária comum. Durante a segunda fase da UEM, a cooperação monetária entre os
Estados-membros foi confiada ao Instituto Monetário Europeu (IME). Dotado de personalidade
jurídica, e adminsitrado por um Conselho composto por um Presidente e pelos governadores dos
bancos centrais nacionais, o IME foi concebido como um órgão de transição que devia “preparar
os instrumentos e procedimentos necessários para a execução de uma política monetária única
na terceira fase”, incluindo preparar a entrada em funcionamento da estrutura orgânica da
terceira fase, constituída pelo Banco Central Europeu (BCE), pelo Sistema Europeu dos Bancos
Centrais (SEBC) e pelo Comité Económico e Financeiro (CEF).

O BCE foi criado em 1 de Junho de 1998, de modo a preparar a sua plena entrada em
funções na data prevista de arranque das terceira fase. Este ficou sedeado na cidade alemã de
Francoforte. A disciplina jurídica referente a esta instituição encontra-se, por um lado, nas
disposições dos Tratados (art. 13º/1 e 3, TUE: arts. 282º e 284º TFUE) e, por outro lado, no
Protocolo nº4, relativo aos Estatutos do Ssistem Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central
Europeu (doravante designado por Estatutos), que faz parte integrante do Tratado e com este
partilha a força jurídica do Direito da União primário ou originário. Por esta razão, a revisão dos
Estatutos deve obedecer ao procedimento formal de revisão previsto no art. 48º TUE. O Tratado
acautela, todavia, a possibilidade de um procedimento simplificado de revisão do Protocolo para
os casos referidos no art. 129º/3, TFUE e no art. 40º dos Estatutos. Estes procedimentos não
prejudicam a aplicabilidade do art. 48º TUE, nomeadamente a opção pelo procedimento
simplificado ao art. 48º/6, parágrafo segundo, TUE, para alteração de outras disposições de
regulação institucional no domínio monetário, dependentes de consulta prévia do BCE.

B. Estrutura
O BCE goza de personalidade jurídica (art. 282º/3, TFUE). O Tratado de Lisboa

elevou o BCE à categoria de instituição da União, o que coloca o BCE na situação única de
instituição dotada de personalidade jurídica (art. 13º/1, TUE). Suporte da sua independência na

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relação com as demais instituições e com os Estados-membros, a personalidade jurídica do BCE


tem, por outro lado, o efeito de exonerar a União Europeia da responsabilidade pelos prejuízos
resultantes do exercício das suas funções (art. 340º, parágrafo terceiro, TFUE).

A estrutura decisória do BCE é formada pelo Conselho e pela Comissão Executiva. O


Conselho do BCE é composto pelos membros da Comissão Executiva e pelos governadores dos
bancos centrais nacionais dos Estados-membros “cuja moeda seja o euro” (art. 283º/1, TFUE).
Este órgão reúne-se, pelo menos, dez vezes por ano. Trata-se do órgão mais importante,
poquanto a ele compete adotar o regulamento interno que determina a organização interna do
BCE e dos seus órgãos de decisão (art. 12º/3, Estatutos); tomar posições sobre as matérias de
maior significado, o que inclui, entre outras, “as decisões respeitantes a objetivos monetários
intermédios, taxas de juro básicas e aprovisionamento de reservas no SEBC” (art. 12º/1,
Estatutos), bem como as principais decisões de natureza financeira (arts. 26º - 35º Estatutos).

A Comissão Executiva é composta por um Presidente, um Vice-Presidente e quatro vogais


(art. 283º/2, TFUE). Os membros da Comissão Executiva são nomeados, “de entre personalidades
de reconhecida competência, e com experiência profissional nos domínios monetário ou
bancário”, pelo Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada, por recomendação do
Conselho e após consulta ao Parlamento Europeu e ao Conselho do BCE (art. 283º/2, parágrafo
segundo, TFUE). O mandato tem a duração de oito anos, não renovável. Os membros da
Comissão Executiva estão sujeitos aos deveres de exclusividade funcional e beneficiam das
garantias de independência em termos equivalentes aos previstos para os membros da
Comissão, do Tribunal de Contas, do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral (art. 11º, Estatutos).
De um modo abreviado, a Comissão Executiva é responsável pela gestão das atividades correntes
do BCE, dando, assim, cumprimento às orientações e decisões estabelecidas pelo Conselho. Para
tanto, a Comissão Executiva é competente para dirigir aos bancos centrais nacionais as instruções
necessárias. Pode ainda exercer, por delegação, poderes atribuídos ao Conselho (arts. 11º/6 e
12º/1, Estatutos).

Enquanto existirem Estados-membros que beneficiam de uma derrogação que os


mantém afastados do Eurosistema (art. 282º/1, TFUE), um terceiro órgão integra a estrutura de
decisão do BCE – é o Concelho Geral.

Este órgão é composto pelo Presidente e Vice-Presidente do BCE e pelos governadores dos
bancos centrais nacionais de todos os Estados-membros da União (art. 44º, Estatutos). Pretende-
se com este órgão, que é a extensão do IME para além do início da terceira fase, instituir um foro
de coordenação em matéria de política monetária entre os Estados-membros que adotaram a
moeda única e aqueloutros que ainda o não fizeram.

C. Poderes
O poder mais importante e tipificador da natureza funcional do BCE é o direito

exclusivo de autorizar a emissão de moeda (art. 282º/3, TFUE). O BCE tem competências
decisõrias próprias, de caráter normativo (regulamentos) e administrativo (decisões), não lhe
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sendo permitida a aprovação de diretivas, mas podendo aprovar atos atípicos (orientações,
instruções, decisões). Com independência da sua forma de designação, estes atos, se produzem
efeitos jurídicos, são passíveis de controlo jurisdicional de legalidade, junto do TJUE (art. 263º
TFUE) ou junto dos tribunais nacionais por via incidencial, com a possibilidade de através da
colocação de questões prejudiciais chegar ao TJ (art. 267º TFUE). O BCE tem ainda competências
de natureza sancionatória que se traduzem na aplicação de “multas ou sanções pecuniárias
temporárias” às empresas em caso de incumprimento das regras constnates dos seus
regulamentos e decisões (art. 132º/3, TFUE).

No exercício da sua função de autoridade monetária, o BCE dispõe de poderes de


intervenção nos mercados financeiros que vão além dos instrumentos típicos de fixação das taxas
de juro. Uma das questões mais controvertidas é precisamente a de saber quais os limites ao
exercício do poder fundamental de garantir a estabilidade do euro, qual o nível de rigidez dos
poderes previstos nos Tratados no seu confronto com uma dinâmica de abalos sistémicos e
recorrentes que resultam, em larga medida, de um modelo mal desenhado para dar resistência
à moeda única. Foi este problema que esteve na origem da única revisão dos Tratados pós-
Tratado de Lisboa através da instrodução de um nº3 ao art. 126º TFUE, mas cuja referência a
uma “rigorosa condicionalidade” será mais fonte de restrições do que de soluções quando se
trata de, com rapidez e eficácia, dar resposta a situações de emergência monetária. Não será por
acaso que o Presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) declarou a propósito de
uma eventual criação de títulos a dívida conjunta que uma tal medida demoraria cerca de 3 anos
a ser viabilizada, dadas as condicionantes jurídicas.

D. Estatuto de independência
O estatuto de independência do BCE (art. 130º TFUE; art. 282º/3 TFUE) é, na sua

aplicação concreta, pluridimensional, com manifestações em cinco áreas principais:

1) Independência institucional que envolve a personalidade jurídica, a capacidade de


decisão própria e o dever de não seguir instruções externas, das instituições da União,
dos Governos dos Estados-membros ou de qualquer outra entidade;
2) Independência operacional, relativa ao exercício autónomo dos seus poderes, excluída
qualquer forma de tutela de aprovação ou de revogação;
3) Independência pessoal, garantida pela duração do mandato dos membros da Comissão
Executiva, pelo seu caráter não renovável, pela natureza excecional das causas de
destituição;
4) Independência financeira, que se materializa na obtenção e gestão de recursos próprios,
pelo que o seu financiamento não depende do Orçamento da União;
5) Independência de gestão interna, com especial incidência na gestão do pessoal.

Dotado de personalidade jurídica, o BCE atua no quadro de um estatuto que lhe

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garante a independência necessária como autoridade monetária quer em relação a possíveis


pressões por parte das outras instituições da UE quer em relação aos Governos dos Estados-
membros (art. 130º TFUE). Um modelo de estrita independência que terá sido inspirado pelo
estatuto da Reserva Federal dos EUA e pelo estatuto do Banco Central alemão, mas que, não
sendo a UE um Estado e apresentando a economia dos Estados-membros acentuadas diferenças
e até assimetrias, suscita desde a criação do BCE, interrogações pertinentes sobre o controlo
político e a avaliação do ipacto das decisões/omissões do BCE.

O estatuto de reforçada independência do BCE também se pode avaliar pela óptica da


sua participação no sistema eurocomunitário de controlo jurisdicional. Nos termos definidos pelo
art. 35º do Protocolo, as diversas vias do contencioso da União são aplicáveis, mutatis mutandis,
ao BCE:

1) Os atos ou omissões do BCE podem ser fiscalizados pelo Tribunal Geral ou pelo
Tribunal de Justiça, através da instauração dos competentes recursos de anulação (art. 263º
TFUE) ou por omissão (art. 265º TFUE); por sua banda, o BCE tem legitimidade para acionar um
e outro destes mecanismos de controlo da legalidade em relação a atos e omissões, com a latide
processual reconhecida aos recorrentes privilegiados, em pé de igualdade com o Conselho ou a
Comissão, e com os Estados-membros, conforme resulta da alteração introduzida pelo Tratado
de Lisboa e coerente com a promoção do BCE a instituição da União;

2) Sobre os atos do BCE podem ser suscitadas questões prejudiciais de interpretação


ou de validade pelos tribunais nacionais, art. 267º, al. b), TFUE;

3) A exceção de ilegalidade do art. 277º TFUE pode ser invocada em relação a um


regulamento ou a um qualquer ato de alcance normativo adotado pelo BCE;

4) Aos danos causados pelos atos ou omissões imputáveis ao BCE é aplicável o regime
de responsabilidade extracontratual previsto no art. 268º TFUE e no art. 340º, parágrafo terceiro,
TFUE; já os bancos centrais nacionais estão sujeitos aos regimes de responsabilidade previstos
nas legislações nacioanais;

5) O Tribunal de Justiça (e bem assim o Tribunal Geral) goza de uma competência de


plena jurisdição, na aceção do art. 261º TFUE, em matéria de recurso de anulação de decisões
definitivas do BCE que aplicam sanções pecuniárias;

6) O art. 35º/6, dos Estatudos, permite ao BCE o exercício de poderes equivalentes


aos reconhecidos à Comissão no domínio do contencioso do incumprimento. Se o BCE considerar
que um banco central nacional violou as obrigações decorrentes dos Estatutos, pode recorrer ao
Tribunal de Justiça, art. 271º, al. d), TFUE – declaração de incumprimento. Em qualquer caso, a
independência do BCE não pode ser execida à margem da lei e dos mecanismos institucionais de
controlo da legalidade. Em litígio que o opôs à Comissão sobre a competência do OLAF
(Organismo Europeu de Luta Anti-Fraude) para realizar investigações internas, o BCE alegou que
tais investigações aos seus serviços poriam em causa a independência financeira reconhecida

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pelos Tratados e pelo Estatutos. A argumentação foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça: da
interpretação dos Tratados resulta que “o BCE está inserido no quadro comunitário”, que a sua
“independência não tem como consequência substraí-lo à aplicação das normas de direito
comunitário”; concluindo que está sujeito aos poderes de fiscalização da auotridade comunitária
anti-fraude.

E. Eurosistema
Formado pelo BCE e pelos 19 bancos centrais dos Estados-membros que,

atualmente, integram a Zona Euro (Portugal é membro originário desde a criação do Euro). A
relação entre o BCE e os bancos centrais nacionais baseia-se, por exigência de coerência e
disciplina da autoridade monetária, no princípio da hierarquia, no que respeita à definição da
política monetária, assim assegurada pelos bancos centrais nacionais que funcionam como uma
extensão do BCE no território dos respetivos Estados-membros. O estatuto dos bancos centrais
nacionais, no qual se inclui o Banco de Portugal, reflete, por um lado, o dever de executar as
decisões do BCE e, por outro lado, um regime de rigorosa independência em relação ao Governo
(e outros órgãos políticos) do respetivo Estado-membro, com garantias reforçadas e, porventura,
excessivas. De facto, custa entender a razão que levou a reservar ao TJ o controlo de legalidade
de uma decisão nacional de demissão do governador do banco central de um Estado-membro
quando, como mando o espírito do sistema, esse controlo, porque se trata de um ato nacional,
deveria ser feito pelo tribunais nacionais competentes.

F. Eurogrupo (Protocolo nº14)


Constituído pelos minsitros das Finanças cuja moeda seja o euro que reúnem, de

modo informal, sempre que seja necessário debater questões relacionadas com as
responsbailidades específicas que são partilhadas em matéria de moeda única. Também
participam nestes conclaves a Comissão e o BCE. Existe um flagrante constraste entre, por um
lado, o peso efetivo desta instância informal na orientação de uma política monetária de
implacável recorte austeritário e, por outro lado, a insindicabilidade democrática e contenciosa
dos seus atos, considerados meras declarações.

O Eurogrupo existe como uma realidade paralela, destituído de materialidade jurídico-


institucional. Na prática, funciona como um nível informal através do qual a Comissão e o BCE
adotam decisões de extraordinário impacto do bem-estar dos cidadãos da União e na própria
estabilidade das democracias nacionais.

Tribunal de Contas

A. Natureza
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O Tribunal de Contas, com sede no Luxemburgo, foi criado pelo Tratado de Bruxelas a 22
de Julho de 1975. A sua criação visou dar uma resposta institucional adequada à necessidade de
garantir um controlo financeiro eficaz do novo sistema de recursos próprios das Comunidades,
aprovado pela Decisão do Conselho de 1970, que substituída o sistema das contribuições diretas
dos Estados-membros. O novo sistema proporcionou um extraordinário aumento das receiras e
despesas do orçamento comunitário, cujo controlo reclamava meios jurídicos e garantias de
independência de que carecia a anterior Comissão de Controlo.

Criado como um órgão, dotado de autonomia financeira e adminsitrativa, o Tribunal de


Contas acabaria por ascender à categoria de instituição com o Tratado de Maastricht, opção
confirmada pelo Tratado de Lisboa (art. 13º/1, UE). Esta “nobilitação” do Tribunal de Contas é
mais simbólica do que efetiva, pois o Tribunal de Contas não tem poderes equivalentes aos de
um verdadeiro tribunal nem exerce poderes de decisão. Trata-se de uma instituição de natureza
administrativa – não é nem judicial nem política, como as demais instituições – que fiscaliza as
contas da União e é consultada nos casos previstos nos Tratados.

B. Composição e funcionamento
Um nacional de cada Estado-membro (art. 285º/1, TFUE), escolhidos de entre

personalidades que “pertençam ou que tenham pertencido, nos respetivos Estados, a instituições
de fiscalização externa ou que possuem uma qualificação especial para essa função” e ofereçam
as garantias de independência (art. 286º/1 TFUE). Nomeados pelo Conselho por maioria
qualificada, após consulta ao PE. Como a Comissão, exerce as suas competências de acordo com
o princípio da colegialidade.

Os membros do Tribunal de Contas exercem a sua função com caráter de exclusividade e


total independência (art. 286º/3 e 4, TFUE).

O art. 285º, parágrafo segundo, TFUE, com redação que resulta do Tratado de Lisboa, completa
e enquadra a caraterização da sua atuação por referência ao “interesse geral da União”.
Beneficiam para este efeito de garantias equivalentes às previstas para os membros do Tribunal
de Justiça da União Europeia (art. 286º/5 e 6, TFUE e comparar com os arts. 4º e 6º do Estatuto
do TJUE). O Tribunal de Contas é uma instância colegial, pelo que as suas deliberações são, em
regra, adotadas por maioria dos vinte e sete membros. A cada membro é confiada uma área
específica de verificação e de controlo sobre a qual deve manter o colégio dos membros
informado (relatórios setoriais). Sob proposta do Presidente, podem ser criados grupos de
fiscalização que assistem os membros do Tribunal de Contas no exercício das respetivas funções.

C. Competência
a) Controlo financeiro que envolve a fiscalização da totalidade das despesas da União,

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incluindo as contas de qualquer órgão ou organismo criado pela União, salvo se o ato constitutivo
excluir este controlo (art. 287º/1, TFUE).

O controlo financeiro do Tribunal de Contas é externo, pois o controlo interno cabe à


estrutura competente fiscalizadora de cada instituição, órgão ou organismo, e efetuado a
posteriori depois da despesa realizada. Após o encerramento de cada exercício orçamental, é
elaborado o relatório anual obrigatório (art. 287º/4, TFUE), podendo ainda proceder à realização
de relatórios especiais sobre determinadas questões. O Tribunal de Contas carece de poderes
cominatórios ou sancionatórios, pelo que a sua iniciativa processual na instauração de recurso
de anulação (art. 263º TFUE), recurso por omissão (art. 265º TFUE) contra as instituições, órgão
ou organismos que, alegadamente, violaram as leis financeiras, constitui um poder
compensatório de relevante significado, porque lhe permite, de modo autónomo, acionar o
controlo jurisdicional de legalidade. Ao Tribunal de Contas cabe garantir a “boa gestão financeira”
(art. 287º/2, TFUE) e manter-se alerta com a “consciência financeira da União”, de acordo com a
glosada expressão que identifica a sua missão específica no quadro institucional
eurocomunitário. Entretanto, outros organismos foram criados com o objetivo de proteger os
interesses financeiros da União e de investigar e deduzir acusação penal contra os alegados
autores de infrações cometidas contra os interesses financeiros da União (Procuradoria
Europeia).

b) Função consultiva: no quadro do princípio da cooperação interinstitucional, o


Tribunal de Contas pode emitir pareceres a pedido das outras instituições (art. 281º/4 TFUE) que
são de emissão obrigatória se integrados nos procedimentos de decisão em matéria de
regulamentação financeira e orçamental (art. 322º/2, TFUE), sobre medidas de prevenção e
combate das fraudes lesivas dos interesses financeiros da União (art. 325º/4, TFUE).

Órgãos criados pelos Tratados

O Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança

A. Natureza

Uma espécie de Ministro dos Negócios Estrangeiros (era esta a designação prevista na
chamada Constituição europeia que não passou do projeto), com as inevitáveis fragilidades de
um minsitro sem governo, de um governo sem Estado e, mais importante, de uma União
Europeia sem uma verdadeira política externa e de segurança comum (arts. 23º e ss. TUE).

O Tratado de Lisboa conservou intacto o estatuto funcional, mas teve de encontrar uma
outra designação. A escolha recaiu sobre a expressão já sonsagrada no Tratado de Amesterdão,

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de Alto Representante para a política externa e de segurança comum. Aliviado da chancela


ministerial, o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Polícia de Segurança
será, porventura, a maior incerteza do regime instituído pelo Tratado de Lisboa no que se refere
à viabilidade do novo cargo no quadro institucional fromado pelo Conselho Europeu, Conselho
da União e Comissão.

O Alto Representante é nomeado pelo Conselho Europeu, mas com o acordo do


Presidente da Comissão (art. 18º/1, TUE). O Alto Representante preside ao Conselho dos
Negócios Estrangeiros (art. 18º/3, TUE) e é também vice-presidente da Comissão (art. 18º/4,
TUE). Ao Alto Representante compete conduzir a política externa e de segurança comum da
União, na qualidade de mandatário do Conselho (art. 27º UE). Trata-se, pois, de um cargo
inteiramente novo e de configuração muito original. O Alto Representante tem um pé asssente
no Conselho e um pé assente na Comissão, cabendo-lhe não apenas coordenar a ação externa
da União, mas, sobretudo, articular as políticas destas duas instituições que, com o Conselho
Europeu, partilham a responsabilidade principal pela atuação externa da União, incluindo a sua
política de segurança. Tendo em conta o estatuto da Comissão, fortemente insporado pro
critérios de independência política e de autonomia de funcionamento, o Alto Representante,
noemado pelo Conselho Europeu e presidente de uma das mais proeminentes formações do
Conselho, suscita alguns problemas de coexistência com a Comissão.

O Alto Representante é um elemento estranho no seio da Comissão – foi escolhido pelo


Conselho Europeu para levar o seu mandato até ao fim, coincidente com o da Comissão e, no
essencial, obedece às orientações definidas pelo Conselho Europeu em matéria de política
externa. Mais do que qualquer outro órgão, o Alto Representante reflete o conflito entre, por
um lado, a legitimidade intergovernamental e, por outro lado, a legitimidade democrática e a
legitimidade comunitária, com aparente prevalência da primeira sobre a segunra e terceira.

Algumas das questões suscitadas por este caráter bifronte do Alto Representante ao
mesmo tempo “comissário” do Conselho Europeu e Vice-Presidente da Comissão, encontram
resposta em soluções de recorte jurídico-procedimental (p.e., art. 18º/4, UE). Os aspetos mais
delicados de um possível confronto de fidelidades exigem, contudo, uma resposta política e esta,
dentro do espírito do modelo institucional que resultou do Tratado de Lisboa, penderá para o
lado do Conselho Europeu.

P.e., na sequência da votação do Parlamento Europeu de uma moção de censura, a


Comissão deve demitir-se coletivamente e o Alto Representante também deve apresentar a sua
demissão, limitada, contudo, às funções que exerce na Comissão (art. 234º, parágrafo segundo,
TFUE). O Alto Representante manter-se-á em funções como, p.e., presidente do Conselho dos
Negócios Estrangeiros e nada impede o Conselho Europeu de aposta na sua manutenção no
quadro de formação de uma nova Comissão.

B. Competências
Apresenta propostas com vista á definição da política externa e de segurança comum

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e dele se espera que dê execução às decisões do Conselho Europeu e do Conselho (art. 27º/1,
TUE). Tem poderes de representação da União e conduz o diálogo político e diplomático com
Estados terceiros e OI’s. Destinado a apoiar e assistir o Alto Representante, o Tratado de Lisboa
previu o chamado “serviço europeu de ação externa” que funciona como o corpo diplomático da
União que trabalha em relação direta de colaboração com os serviços diplomáticos dos Estados-
membros (art. 27º/3, TUE). Criado pela Decisão de 26 de Julho de 2010, o SEAE é compsoto por
uma estrutura administrativa central, com sede em Bruxelas e pelos representantes (chefes de
delegação, correspondentes à função de embaixadores, e restante pessoal diplomático) nas mais
de 130 delegações da União junto de países terceiros e organizações internacionais.

Dividido entre a fidelidade ao Conselho Europeu, que o nomeia, e à Comissão da qual é


um dos vice-presidentes, o AR está sempre em equilíbrio instável, com notória dificuldade em
arbitrar de modo eficaz os conflitos que, amiúde, ocorrem entre Conselho Europeu e o Conselho,
por um lado, e a Comissão, por outro lado, sobre matérias como o reconhecimento de um novo
Estado, a posição da UE no seio da NATO, a questão dos refugiaos, a guerra na Síria. Os Tratados
confiam-lhe uma missão, a de assegurar a “coesão da ação externa da União”, art. 18º/4, TUE),
que afinal se revela duplamente impossível no que respeita aos instrumentos jurídicos de ação,
seja pela falta de colaboração interinstitucional (o diálogo cada vez mais distante entre a
dimensão intergovernamental incarnada pelo Conselho Europeu e pelo Conselho e a dimensão
integracionista ou supranacional representada pela Comissão) seja pela notória incapacidade da
União para, com base na confiança política e estratégica entre os Estados-membros que tem
sofrido uma contínua erosão nos anos mais recentes, gerar os mecanismos adequados de decisão
e de efetivação de uma política externa e de segurança comum.

Provedor de Justiça Europeu

A criação do Provedor de Justiça pelo Tratado de Maastricht foi inspirada pelo exemplo
de instituições congéneres existentes no direito dos Estados-membros, como é o caso de
Portugal (art. 23º da CRP). A decisão de dotar a estrutura institucional da União de um órgão
como é o Provedor de Justiça evidencia um duplo objetivo:

1) O de proporcionar aos cidadãos da União uma instância específica de receção das


suas queixas (art. 24º, parágrafo terceiro, TFUE);

2) O de subemter o funcionamento da administração eurocomunitária a um controlo


por parte dos administrados (e não já apenas dos cidadãos da União) como instrumento idóneo
de garantia dos princípios fundamentais da legalidade e da transparência e, em última análise,
de aproximação dos particulares á ação administrativa do decisor da União (art. 228º TFUE).

O Provedor de Justiça Europeu é nomeado pelo PE, após cada eleição, por um período da
legislatura (5 anos), podendo ser reconduzido nas funções (art. 228º/2, TFUE). O seu estatuto de

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independência, exclusividade e relativa inamovibilidade é análogo ao previsto para os membros


da Comissão, do Tribunal de Contas e dos tribunais da União (art. 228º/2 e 3, TFUE).

O estatuto do Provedor, bem como as condições gerais de exercício das suas funções, são
estabelecidos pelo PE, através de regulamentos adotados por iniciativa própria, após parecer da
Comissão e com a aprovação do Conselho (art. 228º/4, TFUE). A sede da Provedoria de Justiça é
a sede do PE (art. 13º do Estatuto), em Estrasburgo.

Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou coletiva com
residência ou sede estatuária num Estado-membro, pode apresentar queixas ao Provedor de
Justiça Europeu “respeitantes a casos de má administração na atuação das Instituições, órgãos
ou organismos comunitários, com exceção do Tribunal de Justiça da União Europeia no exercício
das suas funções jurisdicionais” (art. 228º/1, TFUE).

“Há má administração sempre que um organismo público comunitário não atua em


conformidade com as regras ou princípios vinculativos”. Resulta desta definição que o Provedor
limita o seu poder de controlo aos casos de suposta ilegalidade, dele excluindo, e bem, a
apreciação de juízos de oportunidade que tenham orientado a atuação do decisor administrativo
da União.

O Provedor de Justiça Europeu só pode admitir queixas relativas à aceção adminsitrativa


das instituições, órgãos e organismos da União, incluindo os tribunais da União quando exercem
poderes de natureza administrativa. Por consequência, uma qurixa que se reporte a factos
imputáveis às autoirdades administrativas dos Estados-membros deve ser considerada
inadmissível. Nestes casos, a instância competente será a Comissão ou, existindo, o Provedor de
Justiça do Estado-membro em causa.

Do âmbito do direito de queiza, em virtude do disposto no art. 40º TUE, estão excluídas
as situações especificamente relacionadas com o exercício das competências da União no
domínio da Política Externa e de Segurança Comum.

Por iniciativa prórpia ou na sequência de queixa, o Provedor de Justila Europeu procede


a todos os inquéritos que considere justificados para esclarecer as suspeitas de má
administração. No caso de o inquérito fundamentar uma convicção prelimitar sobre a existência
de má administração, a instituição, órgão ou organismo da União em causa são notificados para
apresentar as suas observações. Uma vez encerrado o inquérito, e se o Provedor considerar
verificada a situação de má administração, deverá promover uma solução amigável entre o
queixoso e a administração. Se não for bem-sucedido, pode ainda dirigir uma recomendação ao
órgão em causa, exortando-o a modificar o funcionamento dos respetivos serviços.

Se a recomendação não for seguida, ao Provedor de Justiça Europeu só resta a elaboração de um


relatório final que será transmitido ao PE e do qual será dada infromação ao autor da queixa (art.
228º/1, parágrafo segundo, TFUE).

No final de cada sessão anual, o Provedor de Justiça apresenta ao PE um relatório sobre


os resultados dos seus inquéritos.

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A atuação do Provedor de Justiça Europeu é, numa perspetiva de balanço, muito positiva.


Apesar das limitações a que está sujeito, a sua ação ganhou especial visibilidade no que respeita
à garantia de acesso do público aos documentos, na pressão exercida sobre a Comissão no que
toca ao tratamento dado às queixas dos administrados, destacando-se ainda a recomendação
sobre o caráter discriminatório dos limites de idade no acesso à função pública eurocomunitária.

Ao contrário de alguns homólogos dos Estados-membros, ao Provedor de Justiça Europeu


foi negado o direito de iniviativa contenciosa. Na opinião da Prof. MARIA LUÍSA DUARTE,
justificar-se-ia plenamente o reconhecimento ao Provedor de Justiça do direito de recurso, seja
no quadro da impugnação de atos (art. 263º TFUE), seja no quadro da verificação de uma omissão
ilegal (art. 265º TFUE). Seria, com certeza, um meio adequado de dignificação de um estatuto
estreitamente ligado à ideia de uma “Europa mais social e humana”. A proclamação de boas
intenções exige a previsão de meios eficazes de tutela em caso de violação, sob pena de se
resvalar para o campo da pura alegoria política.

Um exemplo ilustra a razão de ser desta nota crítica: como pode o Provedor de Justiça Europeu
exercer de forma últil e consequente o seu poder de inquérito se, nem os Tratados, nem o
Estatuto, prevêem medidas sancionatórias para as instituições, órgãos e organismos da União
que se recusem a cooperar e a corrigir os casos identificados de má administração? Nestas
situações, o direito de recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia restringiria
certamente a tentação por parte do decisor adminsitrativo da União de aproveitar o terreno da
impunidade jurídica para estabelecer as suas relações com a Provedoria de Justiça.

De acordo com a conhecida orientação jurisprudencial, pressupõe-se uma relação de


paralelismo entre legitimidade passiva (ser judicialmente demandado) e legitimidade ativa (ter o
direito de demandar) por razões imperiosas de quilíbrio institucional. Também por força da
exigência de equilíbrio institucional, o Provedor de Justiça Europeu, pesada a sua função, deveria
ter, pelo menos, o mesmo estatuto reconhecido ao Comité das Regiões (art. 263º, parágrafo
terceiro, TFUE).

O Comité Económico e Social

O Comité Económico e Social é a expressão, no quadro institucional da União Europeia,


de um princípio político de representação dos interesses. Nos termos do art. 300º/2, TFUE, o
Comité Económico e Social é composto “por representantes das organizações de empregadores,
de trabalhadores e de outros setores representativos da sociedade civil, em especial nos domínios
socioeconómico, cívico, profissional e cultural”.

A composição do Comité é definida por decisão do Conselho, deliberando por


unanimidade, sob proposta da Comissão (art. 301º TFUE). O número de membros não deverá
exceder trezentos e cinquenta (trezentos e vinte e nove no mandato de 2016-2020). A sua
repartição pelos vários Estados-membros deixou, com o Tratado de Lisboa, de ser fixada pelos
Tratados. A composição definida pelo Conselho deve, nos termos do art. 300º/5, TFUE, para

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garantir a representatividade do órgão, ser objeto de revisão periódica para atender à “evolução
económica, social e demográfica da União”.

O art. 13º/4, TUE, atribui ao Comité Económico e Social, a par do Comité das Regiões, a
função específica de assistir o PE, o Conselho e a Comissão. Embora a sua competência seja
apenas consultiva, a importância destes dois órgãos é reconhecida pelos Tratados que os referem
no art. 13º TUE, logo a seguir à enumeração das instituições da União.

O art. 300º/4, TFUE, define como independente o estatuto dos membros do Comité,
devendo agir “no interesse geral da Comunidade”. Existirá, contudo, alguma dificuldade em
conciliar este dever de independência funcional com a sua natureza de “representantes” das
forças vivas, económicas e sociais, dos Estados-membros. Só no domínio da utopia se poderá
aspirar a uma representação comum do “interesse geral da União” no quadro de profundas
clivagens de desenvolvimento económico e social que se verificam no mosaico complexo
formado pelos 27 Estados- membros.

O Presidente e a Mesa são escolhidos pelo Comité que goza, no seu funcionamento, de
outras garantias de autonomia: aprovação do regulamento interno; pode reunir-se por iniciativa
própria; autonomia financeira e de gestão do pessoa; administração assegurada por um
secretariado geral; pode criar sub-comités com a missão de acompanhar áreas específicas.

O Comité Económico e Social deve, nos termos do art. 304º, parágrafo primeiro, TFUE,
ser consultado nos casos previstos pelos Tratados, pelo PE, pelo Conselho ou pela Comissão
(parecer necessário). Estas instituições podem também, sempre que o considerem oportuno,
pedir o parecer do Comité (parecer facultativo). O Tratado de Maastrich reconheceu ao Comité
o importante poder de emitir pareceres por sua iniciativa (art. 304º, parágrafo primeiro, TFUE).
No caso de parecer necessário, se o Comité não foi solicitado pela instituição competente, a
ausência de consulta constitui uma violação de formalidade essencial e fundamenta a declaração
de ilegalidade do ato adotado.

Comité das Regiões

A criação do Comité das Regiões representou uma das mais salientes inovações
traduzidas pelo Tratado de Maastricht em matéria institucional. A questão da representação das
entidades territoriais infraestaduais alimentava um debate permanente. Não colhera aceitação
a solução apadrinhada pela Comissão de criação de uma Assembleia de regiões que reuniria três
ou quatro vezes por ano. Em alternativa, e no quadro das suas competências, a Comissão criou
em 1988 um conselho consultivo de coletividades regionais e locais que era chamado a
pronunciar-se sobre problema relativos à política regional comunitária e à sua articulação com o
desenvolvimento regional promovido pelos Estados-membros.

O Tratado de Maastricht instituiu o Comité das Regiões como um órgão de natureza


consultiva, composto por representantes das autarquias regionais e locais, com um regime de

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funcionamento decalcado do previsto para o Comité Económico e Social. O Tratado de Lisboa


conserva este princípio fundamental de paridade entre os dois órgãos:

1) O mesmo padrão de composição, com o limite máximo de 350, repartição pelos


Estados-membros a decidir pelo Conselho que delibera por unanimidade, sob proposta da
Comissão (art. 305º TFUE); segundo a mesma grelha de repartição entre os 27 Estados-membros;

2) Os seus membros estão, igualmente, vinculados por um dever de independência e


de atuação “no interesse geral da União”, art. 300º/4, TFUE;

3) O Comité das Regiões também designa o seu Presidente e os membros da Mesa e


aprova o respetivo regulamento interno, art. 306º TFUE).

Os dois órgãos partilham uma estrutura administrativa comum de apoio aos respetivos
secretariados-gerais. A estreita relação entre o Comité das Regiões e o Comité Económico e
Social fica, igualmente, patente no direito reflexo de consulta: de harmonia com o art. 307º,
parágrafo terceiro, TFUE, sempre que o Comité Económico e Social seja consultado, o Comité
das Regiões deve ser informado e, se considerar que estão em causa interesses regionais
específicos, pode emitir parecer a esse respeito. Procede assim, a ideia de que estes dois órgãos
são o verso e o reverso da mesma moeda. Dito de outro modo, a abordagem eurocomunitária
das matérias a regular deve conjugar e alinhar a perspetiva sócio-económica com a perspetiva
territorial, inseparáveis e co-dependentes.

Registamos, contudo, três diferenças importantes entre o Comité das Regiões e o Comité
Económico e Social que resultam, em última análise, de uma dimensão política qualificada que
distingur o primeiro destes órgãos:

1) Os seus membros são representantes das autarquias regionais ou locais que sejam
titulares de um mandato eleitoral a nível regional ou local, logo politicamente responsáveis
perante uma assembleia eleita (art. 300º/3, TFUE);

2) O Comité das Regiões tem legitimidade processual para, nos termos do art. 263º,
parágrafo terceiro, TFUE, em pé de igualdade com o Tribunal de Contas e com o Banco Cnetral
Europeu, impugnar atos jurídicos da União, “com o objetivo de salvaguardar as respetivas
prerrogativas”;

3) O Comité das Regiões goza de idêntica legitimidade processual para impugnar atos
legislativos sobre os quais deve ser consultado, com fundamento em violação do princípio da
subsidiariedade (art. 8º do Protocolo nº2, anexo ao Tratado de Lisboa, relativo à aplicação dos
princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade).

Outros órgãos

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De acordo com o art. 242º TFUE, o Conselho estabelecerá, após parecer da Comissão, os
estatutos dos comités previstos no Tratado, nomeadamente:

- O Comité dos Transportes, de caráter consultivo (art. 99º TFUE);

- O Comité Económico e Financeiro que sucedeu ao comité monetário com o início da


terceira fase da União Económica e Monetária (art. 134º TFUE);

- Comité do Fundo Social Europeu, de caráter consultivo (art. 163º TFUE);

- Comité Permanente (art. 71º TFUE – cooperação operacional em matéria de segurança


interna).

Estes comités visados pelo art. 242º TFUE não devem ser confundidos com os comités
que integram a chamada comitologia, cuja base jurídica é o art. 291º/3 TFUE: os primeiro estão
previstos no próprio Tratado enquanto os segundos são instrituídos por habilitação indireta do
Tratado; os primeiros atuam naórbita do Conselho; os segundos também podem, quanto à sua
composição, ser considerados “extensões” do Conselho, mas atuam no domínio da função
executiva atribuída à Comissão.

Neste ponto dedicado a outros órgãos previstos pelos Tratados, importa ianda referir:

1) Agência de Aprovisionamento da Eurátomo (arts. 52º e ss. Do Tratado CEEA) –


criada em 1960, é um organismo de intervenção responsável pelo regular abastecimento da
Comunidade Euorpeia de Energia Atómica em produtos nucleares; dotada de personalidade
jurídica, atua, todavia, sob o controlo da Comissão.

2) Banco Europeu de Investimento (BEI) – constitui um verdadeiro organismo


público internacional, autónomo nas suas relações com as instituições da União (arts. 308º e
309º TFUE; Protocolo nº5, relativo aos Estatutos do BEI). O Banco, dotado de personalidade
jusrídica, cujo capital social é subscrito pelos 27 Estados-membros, prossegue objetivos de
financiamento, sem intuito lucrativo, se projetos que contribuam para o desenvolvimento
equilibrado e harmonioso do mercado interno no interesse da União (art. 309º TFUE). A sua ação
destaca-se como instrumento privilegiado, em articulação com os fundos estruturais, de
promoção do objetivo da coesão económica e social no espaço da União Europeia. O BEI adota,
nos termos dos seus estatutos, atos de conteúdo obrigatório para os Estados-membros,
suscetíveis de controlo judicial de legalidade, art. 271º, al. b) e c), TFUE, e de imposição aos
Estados-membros através dos meios próprios da ação por incumprimento, art. 271º, al. a), TFUE.
A sua autonomia de ação não o isenta do controlo exercido por autoridades independentes como
o Organismo Europei de Luta Anti-Fraude (OLAF), porque também o BEI faz parte integrante do
sistema da União.

Importa não confundir o Banco Europeu de Investimento (BEI), criado ainda na década de
50, e que tem a sua sede no Luxemburgo, com o Banco Europeu para a Reconstrução e
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Desenvolvimento (BERD), fundado em Maio de 1991, e que fixou a sede em Londres. O seu
capital é subscrito por 61 Estados, incluindo países não europeus como a Austrália, o Japão e os
EUA, pela União Europeia e pelo BEI. Os objetivos de financiamento do BERD visam, em estreita
ligação com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, a transição das economias de
Estados da Europa Central à Ásia Central para a lógica da economia de mercado.

Órgãos criados pelo decisor da União Europeia – comités e organismos personalizados

Os comités técnicos – o papel da comitologia

A criação de comités por iniciativa do Conselho ou da Comissão teve a sua origem na


necessidade de enquadrar do ponto de vista técnico a definição e, sobretudo, a gestão das
políticas comuntiárias nas mais diversas áreas.

Em 1962, os fundadores da política agrícola comum instituíram os primeiros comités de


gestão, assim identificados porque cuidavam do acompanhamento das medidas de gestão
definidas no âmbito de cada organização comum de mercado. Fora dos domínios específicos dos
mercados agrícolas e dos produtos de pesca, foram criados, a partir de 1968, os primeiros
comités de regulamentação, com uma competência de acompanhamento das medidas de
execução nas áreas da legislação aduaneira, política comercial, regulamentação veterinária e
alimentar, adaptação das normas técnicas.

A expressão comitologia serve para designar uma rede complexa e muito vasta de
comités, mas, em rigor, encerra três sentidos possíveis:

- Em sentido estrito, refere os comités cuja existência se regia pela Decisão do Conselho
nº87/373/CEE, de 13 de Julho. Sob a vigência do Tratado de Lisboa, a sua criação está prevista
no art. 291º/4, TFUE, sob as modalidades definidas pelo Regulamento (UE) nº182/2011, que
estabelece as regras e os princípios relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados-
membros do exercício de competências de execução pela Comissão. Sempre constituídos por
delegados dos Estados-membros e presididos por um representante da Comissão, estes comités
podiam ser de três tipo, dependendo da modalidade de procedimento que subordinada a sua
intervenção no processo de execução: comités consultivos, comités de gestão e comités de
regulamentação;

- Em sentido amplo, abrange a pletora de comités que integra o sistema institucional da


União. Para laém dos “comités da Comitologia”, muitos outros foram criados e funcionam como

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elemento orgânico ancilar da função de execução das normas comunitárias. Nesta categoria
residual de comités, agregados em torno do critério da não sujeiição aos procedimentos ditos de
comitologia, encontramos variantes muito distintas: na sua função, composição e origem legal.
A título de exemplo, refira-se os numerosos comités científicos (p.e., Comité Científico da
Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos). A situação mais comum é a da sua criação
pelo Conselho ou pela Comissão, podendo a sua origem ter fundamento expresso nos Tratados
(art. 99º TFUE sobre a existência de um “comité consultivo, compsoto por peritos designados
pelos Governos dos Estados-membros”, competente para aconselhar a Comissão no domínio da
Política Comum de Transportes) ou, resultar, de modo implícito, do princípio da auto-
organização, conjugado com o critério da adequação técnica;

- Em sentido impróprio, a comitologia é utilizada como equivalente de “grupologia”,


noção distinta com a qual não deve ser confundida. Uma certa vocação tentacular da
administração eurocomunitária, aliáda à complexidade técnica das matérias ou à dificuldade em
formar consensos, induzem à criação dos chamados “grupos de trabalho” ou “grupos de peritos”.
Criados pelo Conselho, pela Comissão ou por qualquer outra instituição, órgão ou organismo,
incluindo por decisão dos próprios comités, estes grupos de trabalho, ad hoc e temporários, são
estruturas de apoio técnico, incumbidos de estudar ou acompanhar uma questão específica.

A comitologia suscita vários problemas que se prendem, em particupar, com a


proliferação de comités (a) e com o défice de controlo e de transparência do seu funcionamento
(b).

a) O orçamento comunitário de 1998 juntava em anexo uma lista de 430 comités,


regulados pela Decisão Comitologia e dependentes diretamente de financiamento por conta do
orçamento. Este número atingia o milhar, juntando aos comités da comitologia os outros comités
e grupos de trabalho.

Sem pôr em causa o trabalho desenvolvido pela maior parte destas estruturas de apoio,
urge, contudo, repensar, para efeitos de racionalização, o modelo. A inflação burocrática tem
elevados custos negativos – seja no plano financeiro seja no plano político-institucional, ao
transmitir a imagem de uma adminsitração eurocomunitária pesada que promove a adesão dos
técnicos das administrações nacionais, protagonistas da chamada “diplomacia viajante” com
destino a Bruxelas.

No espaço de uma década, foram alcançados progressos muito assinaláveis, desde uma
fase de relativa incerteza sobre o número existente de comités, por fim fixado em 1998 numa
lista de 430, até à sua redução quase para metade, em 2009, travando assim o movimento que
parecia imparável de, à medida do aumento das competências materiais da União, criar novos
comités. Com o Tratado de Lisboa, o número de comités voltou a aumentar, contando-se cerca
de 500 no registo de 2020. A existência dos comités técnicos é particularmente relevante no
processo de execução normativa das áreas da agricultura, indústria, assuntos sociais, saúde e
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consumidores, ambiente, fiscalidade, comércio, energia e transportes, justiça, liberdade e


segurança, mercado interno.

Tendo por base as disposições inovadoras do Tratado de Lisboa em matéria de execução


normativa, foi aprovada nova disciplina reguladora da comitologia que dá continuidade ao
objetivo de simplificar o formato dos comités técnicos e de lhe garantir maior transparência na
forma como participam no processo de execução das normas.

b) O funcionamento dos comités colocou, desde a sua génese, certas interrogações a


respeito da sua ligação com as Instituições da União, em especial a Comissão, e com as
administrações dos Estados-membros. A questão adquiriu uma dimensão mais séria a partir da
década de 80, resultante de dois fenómenos que se desenvolveram paralelamente: de um lado,
a proliferação dos comités técnicos e, do outro, a crescente preocupação com os aspetos da
transparência e do controlo político sobre o procedimento comunitário de decisão. A Decisão
Comitologia de 1987 foi já uma primeira resposta a este problema, ao definir as modalidades de
intervenção dos comités no procedimento de execução das normas confiado à Comissão. No
entanto, a própria natureza destes comités se mostra relativamente avessa a um propósito de
controlo externo: criados pelo Conselho para controlar a Comissão no exercício, por delegação,
da competência de execução, os comités eram uma espécie de extensões do Conselho, enquanto
constituídos por representantes dos Estados-membros, mas, em contrapartida, a presidência
atribuída à Comissão garantia a este órgão um controlo efetivo sobre os trabalhos e a orientação
dos comités.

Organismos personalizados

A criação de organismos dotados de personalidade jurídica e de autonomia financeira


tornou-se uma opção frequente para viabilizar uma aplicação descentralizada (funcionalmente
descentralizada) dos objetivos e políticas da União. A sua designação não é uniforme (agência,
instituto, observatório, fundação, etc), como não o é o respetivo grau de autonomia. Os primeiros
destes organismos foram instituídos na década de setenta.

Nos anos noventa, seguindo uma tendência do direito adminsitrativo dos Estados-
membros, o Conselho apostou fortemente nesta solução de organização administrativa
autónoma. Num curto espaço de tempo, entre 1990 e 1994, foram criadas dez “agências
europeias”. A explosão deste modelo organizativo gerou justificada inquietação no PE,
preocupado com as consequências associadas à proliferação de tais organismos, com especial
destaque para o problema do controlo e da desorcamentação decorrente da sua autonomia
financeira.

As agências europeias, designação mais comum, têm a forma de organismos de direito


público europeu, dotados de personalidade jurídica, criados por ato de direito derivado
(regulamento, decisão) que, para realizar uma tarefa específica de caráter técnico, científico, de

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regulação ou de gestão, atuam com autonomia financeira e administrativa. As agências são


criadas com o objetivo de garantir uma descentralização funcional, capazes de uma resposta mais
rápida às exigências de complexidade crescente que, na sociedade pós-moderna da informação
e da globalização convocam o decisor administrativo da União Europeia.

As agências da União dividem-se em duas categorias: a) agências independentes; b)


agências executivas.

a) As agências independentes são entidades jurídicas que atuam com autonomia


administrativa e financeira. O seu estatuto foi inspirado pelo modlo norte-americano das
autoridades administrativas independentes. Na base das suas competências, está um ato de
delegação que não pode, contudo, envolver a autorização para o exercício de poderes
discricionários. De acordo com a definição proposta pela Comissão, as agências independentes
ou de regulação “são incumbidas de participar de forma ativa no exercício da função executiva,
adotando atos que contribuem para a regulação de um setor determinado”. Sob o traço comum
da independência, estas agências podem ter uma natureza técnica e de assistência à tomada de
decisão pela Comissão ou pelo legislador da União, podem exercer uma competência de decisão
reguladora, sob a forma de atos jurídicos que vinculam o decisor da União, os Estados-membros
e os particulares e podem, finalmente, cumprir uma missão de coordenação ou de
acompanhamento.

b) As agências executivas são criadas pela Comissão e, sob o seu controlo, prosseguem
tarefas relativas à gestão de programas financeiros da União (p.e., Agência de Execução para os
Consumidores, a Saúde). A agência executiva tem personalidade jurídica por razões operacionais,
mas a sua existência , incluindo a nomeação do diretor e o controlo dos atos adotados, depende
da Comissão.

A primeira agência foi criada em 1975 e, atualmente, contam-se mais de três dezenas de
organismos, divididos por várias categorias:

- Agências descentralizadas (ou também ditas agências eurocomunitárias);

- Agências executivas;

- Agencias para cooperação de polícia e justiça em matéria penal.

- Etc.

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No domínio da cooperação judiciária em matéria penal, de referir a criação, com base no


art. 86º TFUE, da Pocuradoria Europeia, com sede no Luxemburgo, destinada a investigar e
instaurar ação penal para defesa dos interesses financeiros da União.

A proliferação das agências europeias constitui um instrumento adequado de realização


de certos fins da função administrativa, sobretudo no campo do conhecimento especializado e
da função de regulação dos mercados e dos operadores. Não deixa, contudo, de representar um
risco de fragmentação do poder executivo, duplicação de estruturas burocráticas e relativa
opacidade que dificulda o necessário controlo democrático por parte do PE, o controlo financeiro
pelo Tribunal de Contas e, igualmente relevante, o controlo administrativo por parte da
Comissão. De saudar, por isso, alteração que resultou do Tratado de Lisboa, pondo fim a uma
solução casuística sobre a sindicabilidade contenciosa dos atos por estas entidades autónomas,
que passou a prever o controlo de legalidade dos atos dos organismos da União “destinados a
produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros” (art. 263º TFUE). Assiste, por outro lado, a estes
organismos dotados de personalidade jurídica o direito de recorrer ao TJUE na qualidade de
“qualquer pessoa coletiva” com as limitações previstas no capítulo 4º do art. 263º TFUE. Já em
relação aos organismos destituídos de personalidade jurídica, o controlo dos seus atos ou
omissões depende da imputação dos efeitos à instituição da União da qual dependam (p.e.,
Comissão, Conselho) através de recurso instaurado para o TJUE ou através de recurso para os
tribunais nacionais.

Lição nº11

Procedimentos de decisão; separação de poderes e sistema de governo da União Europeia:


atipicidade VS tipicidade

Não existe no quadro da UE o sistema clássico de tripartição de poderes que associamos


ao Estado de Direito.

Temos instituições que, embora sujeitas ao princípio da competência e do respeito pelo


equilíbrio institucional (art. 13º/2 TUE), acumulam poderes típicos da função legislativa e da
função executiva, como é o caso do Conselho e, em certa medida, da Comissão. Existe separação
de poderes numa aceção funcional e política, mas de acordo com um modelo de bipartição de
poderes, mais próximo do sistema constitucional britânico que assenta na clara distinção entre,
por um lado, as instituições que cuidam as “matters of policy” (órgãos de decisão política) e, por
outro lado, os tribunais que decidem sobre as “matters of law”. Esta dualidade primordial
também a encontraremos no quadro da UE que, apesar da atipicidade do modelo decisório,
respeita, e faz respeitar por parte dos Estados-membros a linha que separa:

o a função política, assumida, entre outros, pelo Conselho Europeu, pelo Conselho, pela
Comissão, pelo PE, pelo BCE;

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o função jurisdicional, confiada ao TJUE e aos tribunais dos EM (art. 18º/1 TUE).

Qualquer tentativa de caracterização do sistema de governo da UE enfrenta a dificuldade de


um modelo que é, ao mesmo tempo, atípico e muito permeável às adaptações impostas pela
constante adaptação relação de forças entre, por um lado, a componente integrativa ou
supranacional e, por outro lado, a componente intergovernamental (mutações). Existem 3
fatores que, no período pós-Tratado de Lisboa, influenciaram, de modo particular, a análise do
sistema de governo da UE:

o A coexistência de várias fontes de legitimação do poder: a democrática, a


intergovernamental e a euro comunitária, supranacional ou integrativa;
o O tratado de Lisboa alterou a balança de poderes, desenhando um novo equilíbrio que se
apoia na centralidade da legitimidade intergovernamental (bem ilustrada no estatuto do
conselho europeu como super instituição), ladeada, num plano politicamente
secundarizado, pela legitimidade democrática (PE) e pela legitimidade integrativa
(Comissão);
o A prática política, empurrada pelos cenários da crise financeira de 2008, da crise dos
refugiados a partir de 2015 e, em 2020, da crise provocada pela doença COVID-19,
aproveitando alguma indefinição NOS tratados sobre o papel do conselho europeu ,
libertou os domínios de um governo diretorial: hora apoiado na vontade do eixo franco-
alemão, ora apoiado na suposta vontade de todos os estados membros pela via da
exigência do consenso, seja no que se refere diretamente ao conselho europeu (art.
15º/4 TUE) seja noutras instâncias que replicam este modelo de decisão, o que constitui
uma perigosa derrogação a deliberação por maioria, inscrita no roteiro da integração
euro comunitária, e que deveria funcionar como um princípio basilar de construção de
decisões e expressão de uma vontade democrática dos estados e dos povos.

Importa não confundir o elemento intergovernamental do sistema euro comunitário de


decisão com a sua deturpação por via da chamada política do diretório, isto é, o poder exercido
por um grupo muito restrito de estados, com um auto-proclamado estatuto de “grandes” ou
mesmo hegemónicos. As decisões mais ou menos informais do diretório minam o elemento
fundamental que, ao longo de décadas de integração europeia, se revelou como verdadeiro
agente congregador da vontade dos estados-membros, elemento fundamental que se concretiza
sob a forma do princípio da igualdade e do espírito de confiança recíproca. A passagem do
modelo do intergovernamentalismo igualitário para um modelo de intergovernamentalismo
inigualitário e diretorial pode explicar-se, no que se refere à sua dimensão normativa, com uma
consequência de, por um lado, uma certa indefinição das regras previstas no estatuto jurídico da
união europeia após o tratado de Lisboa (flexibilidade) e, por outro lado, o resultado de uma
certa vulnerabilidade do sistema instituído pelos tratados quando confrontado com fenómenos
quase inexoráveis de prevalência da dinâmica política sobre a regulação normativa (mutação
constitucional ou estatutária). no que respeita ao atual sistema de governo da UE , mais do que
em relação a qualquer outro aspeto abrangido pelos tratados, o manifesto desequilíbrio de
poderes entre estados, impulsionado pela solução do diretório, carece de bases nos tratados,
enfraquece a lógica pactícia do processo de revisão dos tratados do art. 48ºTUE.
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Outro aspeto que importa considerar quando procuramos entender o funcionamento do


governo da UE, que é igualmente uma consequência da atipicidade do modelo governativo, é o
relativo à existência de várias presidências que, pelo menos em parte, atuam num contexto de
sobreposição/concorrência de poderes:

- Presidente do conselho europeu;

- Presidente do parlamento europeu;

- Presidência do conselho pelo estado-membro que a exerce no período do semestre;

- Presidente da comissão;

- Alto representante da união, que preside ao conselho dos negócios estrangeiros;

- Presidente do Eurogrupo.

6 presidências, das quais 4 são permanentes. Quem é, de facto, o presidente da união


europeia? Os maiores riscos de descoordenação entre as diferentes presidências, com impacto
muito negativo no plano político e no plano económico, têm-se verificado, por um lado, na
política externa da união e, por outro lado, no quadro da política económica e financeira. Por
estes tempos de pandemia, a Presidente da Comissão, Ursula von der Leyden tem conseguido
uma posição de incontestado protagonismo no palco europeu, recuperando para a Comissão
uma visibilidade e autoridade que, claramente, foi perdida no mandato de Jean-Claude Juncker.

Se na perspetiva do modelo político de governação da União Europeia a nota mais


saliente é a da atipicidade, conjugada com a flexibilidade, já no que se refere aos procedimentos
de decisão impera o princípio da tipicidade como manifestação ou concretização do princípio da
legalidade. Os Tratados, através das chamadas bases jurídicas, definem os diversos
procedimentos de decisão, mediante a caracterização, por vezes muito pormenorizada, como
acontece com o procedimento legislativo ordinário (art. 294º TFUE) ou com o procedimento de
vinculação internacional (art. 218º TFUE), das fases e sub-fases, dos intervenientes institucionais,
formalidades exigidas, máxime regras de deliberação, natureza dos atos praticados, etc.

O Tratado de Lisboa teve a vantagens de arrumar uma pluralidade caótica que se formou
com as sucessivas revisões dos Tratados, desde o AUE até ao Tratado de Nice. Para além da
existência de um número excessivo de procedimentos, a incerteza sobre a escolha do processo
de decisão adequado em função da matéria e do ato jurídico a adotar nascia também da
indefinição do traçado da linha que delimitava as competências da União relativamente às
competências de decisão mantidas na esfera estadual.

Uma das questões que alimenta a discórdia entre instituições, levada com frequência ao
escrutínio do Tribunal de Justiça, é o problema da escolha da base jurídica. O chamado
contencioso da base jurídica ainda justifica nas situações mais complexas o recurso ao TJ. Um tal
contencioso é inevitável, apesar de o Tratado de Lisboa ter introduzido elementos fundamentais
de clarificação em 2 planos interdependentes:

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o A definição de princípios e diretrizes de funcionamento de um verdadeiro sistema


eurocomunitário de competências;
o A tipificação dos procedimentos de decisão, em particular no domínio da regulação
normativa.

Abordaremos os seguintes procedimentos:

o Procedimento de aprovação de atos legislativos;


o Procedimento de aprovação de atos não legislativos;
o Procedimento de vinculação internacional da União Europeia,

Os procedimentos de aprovação de atos legislativos

Art. 294ºTFUE: regula o procedimento-regra designado como processo legislativo


ordinário (PLO), para o qual remete a maioria das bases jurídicas que autorizam a aprovação de
atos legislativos pelo decisor da União. Nos termos do art. 289º/1, TFUE:

“O processo legislativo ordinário consiste na adoção de um regulamento, de uma diretiva


ou de uma decisão conjuntamente pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, sob proposta da
Comissão”.

Os procedimentos legislativos especiais (PLE) são aplicáveis nos casos específicos


expressamente previstos pelos Tratados e, nos termos do art. 289º/2 TFUE, são regulamentos,
diretivas ou decisões aprovadas pelo PE, com a participação do Conselho, ou aprovados pelo
Conselho, com a participação do PE (art. 81º/3, TFUE). O aspeto distintivo do procedimento
legislativo especial é a aprovação por uma única instituição do duo legislativo formado pelo PE e
pelo Conselho, constituindo, por isso, um desvio à regra da co-decisão que inspirou o PLO. O art.
289º/2 TFUE estabelece um padrão de PLE que não abrange todas as variantes previstas nos
Tratados.

O art. 48º/7 TUE permite a revisão simplificada dos Tratados, mediante decisão do
Conselho Europeu, no sentido de substituir a exigência do PLE pela regra do PLO. Uma tal
alteração, que não requer a ratificação pelos Estados-membros, pressupõe o acordo tácito de
todos os parlamentos nacionais, bastando a oposição de um parlamento nacional para
inviabilizar a adoção de decisão de revisão pelo Conselho Europeu (art. 48º/7 TUE).

Nos termos do art. 295º TFUE, o trio institucional, formado pela Comissão (autor da da
proposta do ato legislativo) e pelo PE e Conselho que aprovam o ato legislativo, pode celebrar
acordos institucionais que, respeitando os Tratados, o que exclui soluções de tipo derrogatório,
podem desenvolver, especificar e adaptar as regras previstas no art. 289º/1, TFUE sobre o PLO,
bem como, assim interpretamos o alcance do art. 295º TFUE, as regras constantes do art. 289º/2
TFUE e de bases jurídicas avulsas sobre os PLE. Tais acordados interinstitucionais, manifestação
privilegiada do princípio da leal cooperação, podem revestir caráter vinculativo.

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O PLO é o sucessor de um procedimento de decisão que, na versão originária dos


Tratados, apresentava uma estrutura básica em 3 andamentos:

- Proposta da Comissão

- Parecer do PE, com eventual consulta de outros órgãos;

- Deliberação do Conselho

A necessidade de adequar os poderes do PE ao sei estatuto de instituição parlamentar


dotada de legitimidade democrática exigiu uma solução de recorte muito difícil: por um lado,
valorizar o papel do PE que deixaria de ser um órgão de mera consulta e passaria a partilhar com
o Conselho a responsabilidade pela decisão normativa; por outro lado, dada a oposição dos
estados-membros a uma solução de “emancipação legislativa” do PE, a simplicidade originária
teve de ser sacrificada em nome de um equilíbrio institucional entre PE e Conselho, envolvendo
também a Comissão, que deu lugar a um procedimento labiríntico, com fases e sub-fases,
previsivelmente demorado, muito dependente da negociação permanente e abertura para o
acordo entre os vários intervenientes que representam a legitimidade democrática, a
legitimidade intergovernamental e a legitimidade integrativa. A chamada trilogia institucional do
PLO (Comissão, Conselho e PE).

Fases do PLO (arts. 293º e 294º TFUE):

1. Proposta da Comissão

- Um direito exclusivo de iniciativa legislativa (art. 17º/2 TUE), robustecido por garantias:
a Comissão não pode ser substituída no exercício deste direito por outras instituições, embora
possa ser instada pelo PE (art. 225º TFUE) ou pelo Conselho (art. 241º TFUE) a submeter as
propostas adequadas, fórmula que deve ser interpretada no sentido de abranger as propostas
de atos legislativos; se a Comissão ignorar a solicitação que lhe foi dirigida pelo PE e/ou pelo
Conselho, poderá ser demandada por estas instituições perante o TJUE no quadro do recurso por
omissão (art. 265º TFUE).

- A Comissão é a “senhora da proposta” com um triplo alcance: o Conselho só pode alterar


a proposta de ato legislativo por unanimidade (art. 293º/2 TFUE); a Comissão pode livremente
alterar o conteúdo da proposta, em qualquer fase do procedimento, enquanto o Conselho não
tiver deliberado (art. 293º/2 TFUE); a Comissão pode decidir retirar a proposta (poder implícito
e enquadrado pelo princípio da cooperação leal e pelo princípio do equilíbrio institucional).

2. Vaivém institucional (em busca do ato legislativo possível)

A Comissão envia a proposta, ao mesmo tempo, para apreciação do PE e do Conselho


(art. 294º/2, TFUE). Depois da primeira leitura, o PE transmite ao Conselho a sua posição (art.
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294º/3, TFUE), que pode ser de concordância (Conselho aprova o ato, art. 294º/4), de emendas
(Conselho pode aprovar, mas por deliberação unânime (art. 293º/1) ou de rejeição e transmite
ao PE a sua posição (art. 294º/5). Na prática, uma percentagem muito elevada de propostas são
adotadas na fase da Primeira Leitura. Nos casos em que tal não acontece, o procedimento é
prosseguido com várias tentativas de, pela via da negociação e da conciliação, chegar na medida
do possível a uma posição conjunta do PE e do Conselho que viabilize a aprovação do ato, com
participação direta e continuada da Comissão sob a forma de pareceres e através dos quais se
pronuncia sobre a adaptação da sua proposta e os limites das revisões preconizadas pelo PE e/ou
Conselho relativamente ao projeto legislativo inicial. Está prevista a intervenção de um Comité
de Conciliação (art. 294º/10, TFUE), de composição mista, no qual também participa a Comissão
(art. 294º/1, TFUE) e do qual se espera, já numa fase algo extremada de posições
desencontradas, a definição de um compromisso. Nesta fase de conciliação, a proposta da
Comissão perde a blindagem do art. 293º/1, TFUE. Pode, então, ser aprovado por maioria
qualificada do Conselho um ato legislativo diferente da proposta da Comissão (art. 294º/13,
TFUE). Apesar dos esforços de aproximação de posições durante a fase de conciliação, incluindo
o expediente facilitador que permite ao Conselho e ao PE, por maioria, ultrapassar a eventual
recusa por parte da Comissão de alterar a sua proposta, um desfecho possível é a rejeição e o
procedimento termina com a constatação da falta de acordo que inviabiliza ou, pelo menos, adia
para momento mais propício a adoção de medidas legislativas da União sobre a matéria. Não é
raro a Comissão optar por retirar a proposta, o que faz ou para evitar um prolongamento que
antecipa como desnecessário o procedimento ou para impedir uma aliança PE/Conselho que
venha a desvirtuar a sua proposta. Do lado do PE, cumpre notar que o seu poder de veto ou de
rejeição é exercido com muita prudência, certamente para minimizar as situações de não adoção
da legislação eurocomunitária, cujos custos políticos seriam mais negativos para o PE do que para
o Conselho ou para a Comissão.

3. Participação dos parlamentos nacionais

O Tratado de Lisboa deu expressão à participação institucional dos parlamentos dos


Estados-membros no processo legislativo da UE (Protocolo nº1, relativo ao papel dos
parlamentos nacionais na União Europeia e Protocolo nº2, relativo à aplicação dos princípios da
subsidiariedade e da proporcionalidade). Compreende-se este envolvimento dos parlamentos
nacionais, embora muito limitado quanto aos seus efeitos, na discussão de propostas de atos
legislativos que têm como destinatários os cidadãos nacionais sobre a regulação de matérias que,
em muitos casos, são atributos clássicos da prerrogativa parlamentar e estão previstas na
Constituição como domínio de reserva legislativa do Parlamento. EX: art. 165ºCRP: várias das
matérias aí arroladas são, por força do art. 7º/6 CRP reguladas total ou parcialmente pelo decisor
legislativo da União e não pelo legislador português- ex. al. i), j), o), p) do art. 165ºCRP. A CRP
prevê o poder de pronúncia da AR (art. 161º/n) que deveria ser, mas não é, vinculativo para o
Governo Português quanto à posição a adotar no seio do Conselho. Reduz-se a pronúncia à forma
de parecer, com relevância meramente indicativa para o Governo (Lei nº43/2006).

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4. Iniciativa legislativa e cidadania da União

O mecanismo de iniciativa de cidadania europeia (ICE), prevista no art. 11º/4 TUE, uma
manifestação da participação política dos cidadãos da União, permite, verificadas exigentes
condições de ordem procedimental e formal, a apresentação à Comissão de uma proposta de
regulação jurídica sobre matérias em relação às quais os cidadãos proponentes consideram
necessária a existência de um ato jurídico da União. Em rigor, constitui um convite dirigido à
Comissão que, embora obrigada a fundamentar, pode recusar dar seguimento ao pedido de
legislação ou regulamentação (art. 15º/2, Reg. nº 2019/788). Esta recusa não é passível, na
opinião da regente, de impugnação judicial pelo grupo de proponentes da ICE, mormente nos
termos do recurso por omissão do art. 265º TFUE, salvo se a resposta da Comissão que recusa a
adoção de medidas violar o dever se explicitação dos motivos que justificam a sua posição sobre
a inoportunidade ou desnecessidade de um ato jurídico da União sobre a matéria em causa.

Lição nº12

Procedimento de aprovação de atos não legislativos

A. Atos delegados

- Compete à Comissão a aprovação dos atos delegados, na observância dos limites


definidos no ato legislativo pelo PE e pelo Conselho (art. 290º TFUE). Na qualidade de instituições
delegantes, o PE e o Conselho podem prever a possibilidade de revogação da delegação,
assumindo assim a competência para o desenvolvimento e adaptação do ato legislativo.

- Outra manifestação da autoridade das instituições delegantes é o direito de objeção


que, se exercido no prazo fixado, impede a entrada em vigor do ato delegado aprovado pela
Comissão (art. 290º/2/b). Para efeitos do art. 290º TFUE, o PE delibera por maioria dos membros
que o compõe e o Conselho decide por maioria qualificada.

B. Atos normativos de execução (procedimentos de comitologia)

A competência-regra de execução dos atos juridicamente vinculativos adotados pelo


decisor da União é da responsabilidade dos Estados-membros (art. 291º/3 TFUE). Da conjugação
do princípio da cooperação legal (art. 4º/3 TUE) com o princípio do primado, os Estados-membros
estão obrigados a adotar todas as medidas necessárias (atos normativos e atos não normativos)
para garantir a aplicação plena e eficaz do Direito da União Europeia na ordem jurídica interna,
incluindo, pois, as normas constantes dos Tratados e do direito derivado. Trata-se de uma

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obrigação de resultado que não retira a liberdade do decisor nacional na escolha dos meios e
procedimentos mais adequados (autonomia institucional e procedimental).

A opção por este modelo de execução descentralizada, a mais consentânea com o


princípio da subsidiariedade (art. 5º/3 TUE), não é passível de aplicação a todos os vastos
domínios de regulação material do Direito da União Europeia. Existem matérias em que a eficácia
do regime jurídico adotado no plano eurocomunitário através de ato legislativo depende da
aprovação de um regime que garanta “condições uniformes de execução”, isto é, iguais no
território de todos os Estados-membros (art. 291º/2, TFUE).

O Tratado de Lisboa positivou no art. 291º/3, TFUE, o modelo que a prática institucional
desenvolveu sob a designação de comitologia. Sem especificar o procedimento a que fica sujeita
a aprovação das normas de execução, o art. 291º/3 TFUE clarifica, contudo, 3 aspetos
fundamentais:

o À Comissão incumbe a aprovação destas regras eurocomunitárias de execução;


o Como titulares da competência legislativa, PE e Conselho estipulam previamente as
regras e princípios que enquadram o exercício da competência de controlo;
o O objetivo subjacente a este procedimento de adoção de atos de execução é o de permitir
aos Estados-membros a participação em mecanismos de controlo sobre a forma como a
Comissão desempenha as suas competências de execução.

Com base no art. 291º/3 TFUE, foi aprovado o Regulamento (UE) nº 182/2011, do PE e
do Conselho, que estabelece as regras e os princípios relativos aos mecanismos de controlo pelos
Estados-membros do exercício de competências de execução pela Comissão. O chamado
Regulamento-comitologia define dois tipos de procedimento:

o Procedimento consultivo (art. 4º);


o Procedimento de exame (art. 5º)

Algumas notas de análise das soluções acolhidas pelo Regulamento nº 182º/2011:

1. A opção por um ou outro procedimento é feita no ato legislativo (o chamado ato de base)
e configura, por isso, uma escolha do decisor legislativo (art. 2º/1);
2. Os comités técnicos, que assistem a Comissão, são constituídos por representantes dos
Estados-membros, pelo que, na lógica do art. 291º/3 TFUE, são os Estados-membros que
controlam a Comissão e não as instituições que adotam o ato de base;
3. O procedimento consultivo é aquele que garante maior liberdade de escolha à Comissão,
enquanto o procedimento de exame coloca a Comissão numa posição de maior
dependência em relação ao parecer emitido pelo comité técnico; se o parecer for
negativo, impede a adoção do ato de execução ou, pelo menos, obriga a Comissão a uma
revisão do projeto na sequência de consultas aos Estados-membros e da intervenção do
comité de recurso;
4. Assiste, contudo, ao PE e ao Conselho um direito de controlo nos casos em que o ato de
base foi adotado no quadro do procedimento legislativo ordinário e que consiste na
fiscalização dos limites ao poder de execução por parte da Comissão, obrigada a rever o
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ato se se verificar uma violação desses limites, o que será o caso de um regime de
execução que altera ou vai para além do previsto no ato de base (art. 11º).

O procedimento de vinculação internacional da União Europeia

A União Europeia é um sujeito de Direito internacional, dotada de personalidade jurídica


(art. 47º TUE). O poder de celebrar acordos internacionais com países terceiros e organizações
internacionais é um corolário do atributo da personalidade jurídica, com previsão expressa no
art. 216º/1, TFUE.

A matéria relativa à celebração de acordos internacionais pela União Europeia suscita


duas ordens de questões:

a) Saber se a UE tem ou não competência para se vincular internacionalmente sobre


determinada matéria? Qual a natureza de tal competência, exclusiva ou partilhada? (para
depois)
b) Quais as instituições que, em nome da União, serão responsáveis pela negociação,
conclusão e aplicação do acordo?

O art. 218º TFUE, uma base jurídica procedimental, descreve o processo de vinculação
internacional da União de acordo com o esquema clássico da Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados, com a identificação de 3 fases:

1) Negociação: conduzida pela Comissão, após autorização do Conselho e na base de


diretrizes definidas pelo Conselho no mandato de negociação; se for matéria que caia
exclusiva ou principalmente no perímetro da Política Externa

e de Segurança Comum, cabe ao Alto Representante a proposta de abertura de negociações, a


apresentação de recomendações e a responsabilidade pela condução do trabalho de negociação
(art. 218º/ 2 e 2, TFUE). O controlo por parte do Conselho pode exigir a designação de um comité
especial que funcionará como órgão de consulta e acompanhamento da Comissão (art. 218º/4,
TFUE). E, salvo o caso específico dos acordos sobre política comercial (art. 207º/3, TFUE), o
Conselho pode nomear um negociador ou chefe de equipa que não seja membro ou funcionário
da Comissão- foi o que aconteceu com o acordo do Brexit, negociado do lado da União por Michel
Barnier;

2) Assinatura: fechada a negociação, a assinatura é autorizada pelo Conselho, sob proposta


do negociador, incluindo, se for necessário, a sua aplicação provisória (art. 218º/5, TFUE);

3) Conclusão: cabe ao Conselho a manifestação do consentimento, sob a forma de


aprovação da decisão de celebração do acordo (art. 218º/6, TFUE). Esta decisão deve ser
precedida de aprovação pelo PE nos casos especificados pelo art. 218º/6 TFUE; todos eles
correspondem a matérias de notável relevância política e orçamental, com ligação
especial ao núcleo duro das competências próprias do PE.

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Ao longo de todo o procedimento, o Conselho delibera por maioria qualificada, exigindo-


se, contudo, a unanimidade em relação aos acordos:

o Sobre matérias que requeiram a unanimidade para a aprovação de atos jurídicos da União
(princípio do paralelismo);
o Acordos de associação;
o Acordos de cooperação técnica e financeira com países candidatos à adesão;
o Acordos de adesão da União à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do
Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), único caso de acordo internacional da
UE que impõe a sua aprovação pelos estados-membros, em conformidade com as
respetivas normas constitucionais (diferente do acordo de adesão do art. 49º TUE que é
celebrado entre os Estados-membros e o Estado candidato à adesão).

Intervenção do Tribunal de Justiça: no caso de dúvidas sobre a compatibilidade de um


projeto de acordo com os Tratados (questão de competência da União ou de compatibilidade
das cláusulas do acordo com as disposições fundamentais dos Tratados), o TJ pode ser chamado
a dar parecer, a pedido de qualquer Estado-membro, Comissão, Conselho ou PE. O parecer não
é obrigatório.

No entanto, se o parecer for solicitado e se o TJ se pronunciar no sentido de considerar o


projeto de acordo como contrário aos Tratados, a aprovação futura do projeto de acordo ficará
dependente da remoção do obstáculo jurídico, por via de revisão dos Tratados ou por alteração
do texto do projeto de acordo (art. 218º/ 11, TFUE). Um dos casos mais interessantes é o relativo
ao projeto de acordo de adesão da União à CEDH e que nos permite avaliar o elevado grau de
influência do TJ sobre o curso de uma decisão que teria um enorme impacto político e jurídico
na criação de um verdadeiro espaço europeu de proteção dos direitos fundamentais.

Aplicação interna: o acordo internacional celebrado pela UE é vinculativo para as


instituições da UE e para os Estados-membros (art. 216º/2, TFUE). A obrigação de execução dos
atos jurídicos vinculativos da União que impende sobre os estados-membros (art. 291º/1, TFUE)
também se refere às disposições do Tratado, sendo-lhes exigível um grau de diligência
equivalente ao da execução dos atos jurídicos unilaterais da União, à luz do princípio da
cooperação leal (art. 4º/3, TUE). Nos termos do art. 8º/3 da CRP, estes acordos vigoram
diretamente na ordem jurídica portuguesa e, nos termos do nº4 do mesmo preceito, prevalecem
sobre o direito interno nos limites e condições da exigência do primado do Direito da União.

Procedimento de aplicação de sanções políticas pela União Europeia aos estados-membros

Inovação introduzida pelo Tratado de Amesterdão, o art. 7º TUE enquadra a existência de


um procedimento de constatação de uma “violação grave e persistente, por parte de um Estado-
membro, dos valores referidos no art. 2º”, para consequente aplicação de sanções políticas ao
Estado-membro infrator:
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a) Primeira fase: mediante proposta fundamentada de 1/3 dos Estados-membros, do PE ou


da Comissão Europeia, o Conselho, após aprovação pelo PE, pode verificar a existência de
um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no art. 2º por parte de um
Estado-membro. Antes de ser aprovada esta constatação, o Conselho deve ouvir os
argumentos do Estado-membro visado e pode dirigir-lhe recomendações. Esta primeira
fase, que não requer a unanimidade, tem subjacente um objetivo preventivo e não
conduz à aplicação da suspensão de direitos do Estado-membro “sob vigilância”;

b) Segunda fase: corresponde a um nível superior de gravidade e alarme no que respeita à


violação dos princípios e valores do Estado de direito, tal como enumerados pelo art. 2º
TUE. Neste estádio, já não se trata apenas de um

risco, ainda que iminente e sério, mas de verificação da existência de uma violação grave e
persistente dos valores e princípios subordinantes. Nesta fase, entra em cena o Conselho
Europeu, instituição superior de representação dos Estados-membros e, sobretudo, é exigida a
unanimidade. Nos termos do art. 354º TFUE, o membro do conselho Europeu que represente o
Estado-membro visado não participa na votação. A abstenção (e presume-se a não comparência)
não impede a adoção da decisão prevista no art. 7º/2 do TUE. Em contrapartida, basta um voto
contra de qualquer Estado-membro que não seja o Estado-membro em causa para inviabilizar a
constatação e, assim, a aplicação de sanções políticas, prevista no art. 7º/2 TUE. A suspensão de
alguns direitos do Estado-membro objeto do procedimento que, no limite, se poderá traduzir na
inibição do direito de exercer a sua representação no conselho europeu e/ou no Conselho da
União, fica dependente da deliberação por unanimidade.

Cumpre, por isso, ter presente que a regra da maioria qualificada prevista no art. 7º/3
TUE só é aplicável para dar execução a uma deliberação prévia e fundamental sobre a verificação
dos pressupostos da competência sancionatória por parte da UE contra um dos seus Estados-
membros. Em rigor, a concretização do procedimento com a aplicação de medidas punitivas ao
Estado-membro que desafia, de modo grave, persistente, continuado e sistemático, os alicerces
jurídico-políticos do Estado de direito, é absolutamente refém do acordo de todos os Estados-
membros. Assim se explica que, apesar de várias situações que teriam justificado a aplicação de
sanções, tal ainda não se tenha verificado. A REGENTE não concorda com a generalidade dos
autores que diabolizam a exigência de unanimidade no art. 7º TUE e reclamam a sua substituição
pela regra da maioria qualificada.

A posição que é acolhida pela regente, defendida desde o Tratado de Amesterdão,


assenta na ponderada consideração dos seguintes pontos:

o A regra da não exceção de cumprimento do tratado, de aplicação comum no DIP não é


compatível com a natureza integracionista dos Tratados, como o TJ deixou claro nos
primórdios da sua jurisprudência. Por conseguinte, os Estados-membros não podem
alterar ou alijar os seus com a União com o fundamento que outro ou outros Estados o
estão a fazer. Os Tratados só admitem duas situações de extinção ou suspensão dos

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direitos e obrigações no quadro da UE: a retirada voluntária (art. 50º TUE) e a suspensão
temporal de direitos no quadro do art. 7º TUE;
o Uma vez que o procedimento do art. 7º TUE foi expressamente excluído do controlo
jurisdicional pelo art. 269º TFUE, a garantia dos direitos do Estado-membro visado fica
unicamente dependente de uma apreciação política e

esta, compreende-se que seja assim, deve ser partilhada por todos os outros Estados-membros.
A unanimidade é o preço a pagar por um procedimento que limita a intervenção do juiz da UE ao
singelo escrutínio sobre a observância das disposições processuais (art. 269, 1º parágrafo, TFUE);

o O art. 7º TUE, que ainda não foi acionado com sucesso, drástico na possibilidade de
aplicação de sanções ao Estado-membro que, de modo sistemático e reiterado, corrompe
os fundamentos do Estado de Direito é, contudo, anacrónico quando perfilha a solução
clássica do Direito Internacional de, baseado o dogma da soberania, não admitir o
controlo jurisdicional da posição adotada;
o O art. 7º TUE é ainda exemplo do paradoxo entre a afirmação da vontade de robustecer
o paradigma do Estado de Direito, por um lado, e a exclusão desta matéria do âmbito de
jurisdição do TJ, por outro lado. A negação ao Estado-membro em causa do direito de
submeter a sua defesa à apreciação independente do juiz da UE constitui uma violação
do princípio da tutela jurisdicional efetiva e uma derrogação a um dos pressupostos do
Estado de direito;
o Inédito e inútil assim se revela o art. 7º TUE. Ao abrigo deste, foram iniciados
procedimentos em 2017 contra a Polónia e em 2018 contra a Hungria, mas, pelas razões
expostas, o seu andamento ficou bloqueado pela ausência da necessária unanimidade. O
art. 7º TUE como instrumento sancionatório é uma espécie de arma pesada, mas sem
munição.

De referir, por fim, que um eventual impasse entre a UE e os Estados-membros que não
cumprem o compromisso de adesão, máxime o respeito pelos valores do art. 2º TUE, não permite
a solução radical da expulsão. Apenas a retirada voluntária e unilateral, tal como procedimentada
pelo art. 50º TUE. Os Tratados não preveem a expulsão. No caso Whitman, o Juiz da União não
poderia ser mais claro quando, invocando o argumento histórico, repudiou qualquer hipótese de
interpretação extensiva do art. 50º TUE no sentido de legitimar decisões de expulsão de um
Estado-membro.

Lição 13

As fontes do Direito da União Europeia

Considerações gerais

Os tratados instituíram uma ordem jurídica nova e autónoma na sua relação com a ordem
jurídica internacional e as ordens jurídicas dos Estados-membros. Uma característica essencial

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de um ordenamento jurídico autónomo é o da definição das suas fontes e a identificação da


relação de ordenação existente entre elas. A expressão fonte de direito alude à nascente de onde
brota o direito.

Em sentido técnico jurídico, a fonte designa os modos de formação e de revelação de normas


jurídicas. A doutrina clássica estabelece uma distinção entre a criação e aplicação do direito
devido ao princípio da separação de poderes entre o Legislativo que aprova a lei escrita e o
executivo / judicial que, no âmbito das respetivas funções, aplica a lei. Esta realidade é
contestada como válida ou suficiente para explicar os sistemas jurídicos nacionais como se
manifesta inadequada para compreender a dinâmica normativa no sistema jurídico da União
Europeia.

Ao contrário do que acontece no Direito Internacional Público, no Direito da União existe, um


Legislador, um conjunto de instituições que são competentes para o exercício da função
legislativa. No entanto, a função reguladora não se esgota no texto escrito. Na fase de aplicação,
o Tribunal de Justiça, com fundamento nas normas habilitadoras dos Tratados art. 267º TFUE,
definiu os limites do exercício da missão de interpretar e aplicar os Tratados art 19 nº1 TUE no
sentido de legitimar o poder de encontrar a solução mais consentânea com o espírito do sistema.

Acresce à relevância da jurisprudência no sistema de fontes do Direito da União, outras duas


características marcantes: pluralidade e flexibilidade. Para além das formas de revelação jurígena
que estão expressamente previstas nos Tratados, a prática institucional associada às exigências
de uma resposta adaptada ao momento político esteve na origem de regimes jurídicos de
geração informal, atípica ou intergovernamental.

O “bloco de normatividade” da União Europeia, com uma composição plural e aberta, é a base
primordial de uma dupla exigência: congruência axiomática (conjunto de princípios e valores que
vinculam a ação da União, previstos nos preâmbulos dos Tratados e, em especial, no art 2º TUE)
e congruência estrutural (conjunto de meios institucionais, de procedimentos de decisão e de
instrumentos de tutela jurisdicional que, numa lógica de interdependência, sustentam a
existência e o aprofundamento coerente da União de Direito).

Direito Primário

Noção

Conjunto de regras e princípios que, vertidos nos Tratados institutivos e outros


instrumentos jurídicos de valor jurídico-formal equivalente (Carta dos Direitos Fundamentais da
U.E, nos termos do art 6 nº1 TUE; protocolos e anexos, art 51º TUE), formam no seu conjunto o
estatuto jurídico fundamental da União Europeia.

Do ponto de vista do critério da hierarquia, a ordem jurídica eurocomunitária é uma


estrutura escalonada, no topo da qual, com força subordinante e autoridade legitimadora, se
encontra o Direito Primário.
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Tratados ou Constituição?

Questão controvertida na doutrina, não sendo uma questão puramente jurídico.


Oposição entre a visão federalista e a visão intergovernamental ou antifederalista. Os federalistas
tendem a dizer que os tratados são constituição; os outros defendem a via contratualista, sendo
a explicação para a sua vinculatividade a expressão da vontade soberana dos contratantes, que
são os estados.

Esta discussão tem antecedentes: Os tratados decidiram depois do tratado de Nice que
deveriam aprovar uma constituição europeia- tratados que estabelece uma federação para a
europa. Essa designação de constituição que se queria como antecipação do futuro,
comprometeu a viabilidade desse projeto- o nome matou a coisa.

É questão clássica e recorrente na discussão académica em torno da natureza jurídica dos


Tratados institutivos, inevitavelmente contaminada pela questão conexa que se levanta a
propósito da natureza jurídica da União Europeia.

A chamada Constituição Europeia tinha por designação oficial Tratado que estabelece
uma Constituição para a Europa, o que nos deve deixar precavidos sobre o suposto rigor de uma
tal apropriação do sinete constitucional.

Existe uma pré compreensão favorável à ideia de constituição por parte de autores que,
em termos de análise atual, associam a União Europeia a um modelo federal. Trata-se de uma
classificação mais dependente de uma convicção ideológica.

De acordo com o entendimento que há muito sustentamos nos nossos escritos, e que não foi
posto em causa com o Tratado de Lisboa nem com uma prática política subsequente, o estatuto
jurídico fundamental da União Europeia é, ao mesmo tempo, e sem risco de contradição, um
tratado e uma constituição:

• No plano jurídico- formal é um tratado internacional que tem os Estados-membros como


partes contratantes art 54º TUE e cuja revisão depende da vontade das partes
contratantes art 48º TUE.
• No plano substantivo ou material, os tratados têm uma função análoga à da Constituição
na sua aceção material e que ficou marcada no art 16º da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão 1789. “Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a
garantia dos direitos, nem estabelecida a separação de poderes não tem Constituição”.
Um texto, como o dos Tratados e da CDFUE, que garanta a separação de poderes e
proteja direitos fundamentais, é uma constituição em sentido material.
• Em sentido funcional é uma constituição pois está colocada no topo da pirâmide
normativa, constitui parâmetro e referência de validade/conformidade do direito
adotado em sua aplicação (validade quando se trate do direito secundário, por via do
recurso de anulação art 263º TFUE; conformidade quando está em causa o direito interno
dos Estados-membros art 258-260º TFUE).

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Admitida a natureza constitucional dos Tratados na aceção material e funcional, já


merece mais reservas o facto de, tratando-se de uma constituição, os Estados-membros estarem
sujeitos a limites ao seu poder de revisão e, sobretudo, a ideia que estaremos perante uma
constituição fundadora de uma estrutura federal, mesmo que todas as evidências – normativas
e políticas- apontem no sentido contrário.

Âmbito de aplicação dos Tratados:

a) Âmbito territorial

Art 52º TUE/ art 355º TFUE/ art 349º TFUE, com particular relevância para as regiões
autónomas, regiões ultraperiféricas que beneficiam de um estatuto de aplicação adaptada do
Direito da União em função das suas especificidades de ordem geográfica e económica.

b) Âmbito temporal: vigência ilimitada art 53º TUE e art 356º TFUE.

c) Âmbito material

Refere-se ao âmbito de aplicação dos Tratados como critério de delimitação da sua


relevância conformadora art 18 nº1 TFUE, sobre o princípio da não discriminação em razão da
nacionalidade.

O âmbito de matérias abrangidas pelos Tratados resulta do que neles está definido
(princípio da competência por atribuição, art 5º nº1 e 2 TUE), incluindo a possibilidade de alargar
a competência material da União por via do art 352º TFUE. Ao longo dos anos, o processo de
construção europeia sacrificou o pressuposto originário da integração coesa e uniforme, igual
para todos os Estados- membros, para dar lugar, em nome do aprofundamento e da continuação
do projeto europeu, a uma integração diferenciada, de geometria variável, em domínios
materiais como a política monetária (euro), a livre circulação de pessoas (Schengen), as
cooperações reforçadas (art 20º TUE e art 326º a 334º TFUE) e até à tutela dos direitos
fundamentais.

d) Âmbito subjetivo

Os Tratados reconhecem aos cidadãos nacionais dos Estados – membros o estatuto


diferenciado de “cidadãos da União” art 18 a 25 TFUE; art 39 a 46 CDFUE).

Nos termos do art 20º nº2 TFUE “Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos
aos deveres previstos nos Tratados”. Importa, contudo, clarificar: existe direitos que só podem
ser invocados pelos cidadãos da União ex. direito de livre circulação, direito de voto e de ser
eleito para o PE), mas a generalidade das disposições garantidoras da CDFUE remete o âmbito
de proteção para “todas as pessoas” art 35º, e o acesso aos tribunais da União não depende da
qualidade de nacional da União. Um cidadão de um país terceiro pode suscitar perante o TJUE a
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questão da ilegalidade de um ato jurídico da união Art 263º TFUE- recurso de anulação ou art
268º TFUE e art 340º TFUE.

Eficácia dos Tratados:

A distinção clássica que opõe tratado- lei, que regula de modo preciso direitos de deveres
das partes contratantes, a tratado- quadro, que define um enquadramento geral a desenvolver
por atos de aplicação, não parece que se adeque ao conteúdo dos atuais Tratados,
respetivamente o TFUE e o TUE.

O TUE enuncia objetivos e princípios gerais, também alberga disposições precisas, ex. a
PESC. O TFUE, na generalidade dos artigos, define com grau de clareza o regime jurídico aplicável,
o que torna suscetível de aplicação direta e de invocação pelos particulares (eficácia direta),
coexistindo com domínios dependentes de aprovação de atos do direito derivado art 103º TFUE
e de enunciados de princípios gerais art 2 TFUE e art 7 TFUE.

Procedimentos de revisão dos Tratados (art 48º TUE)

A. Procedimento ordinário ou solene de revisão

Concedido para garantir aos Estados-membros a última palavra sobre a revisão dos
Tratados. Quando se diz: “os Estados-membros são os senhores dos Tratados”, o argumento que
sustenta esta afirmação é o art 48º TUE.

Por outro lado, ao colocar os Estados-membros em pé de igualdade, exigindo a aprovação


e ratificação por parte de todos os Estados-membros nº4 art 48º TUE, o processo ordinário de
revisão é a mais vívida manifestação da tese contratualista ou pactícia por oposição à tese
constitucionalista. Os Tratados são um pacto entre iguais que mantém, na qualidade de
criadores, o controlo da criatura.

O poder fundamental de criação e revisão do estatuto jurídico não se autonomizou, não


passou da esfera estadual para a esfera da UE. Pode-se debater a questão dos limites materiais
de revisão, mas será difícil manter de pé a tese de um adquirido constitucional que escapa ao
poder constituinte dos Estados-membros quando, o art 48º nº2 TUE, admite a apresentação de
projetos que podem ir no sentido de aumentar ou reduzir as competências atribuídas à União
pelos Tratados.

Ou seja, os Estados-membros como titulares da competência cujo exercício foi delegado


na U.E podem, para além da renacionalização das competências nos domínios da competência
partilhada, alterar as bases jurídicas dos tratados no quadro de uma vontade de revogação total
ou parcial do âmbito da delegação de poderes anteriormente previsto.

Deve para além disto, tratar da questão de saber se os Estados-membros poderiam


alterar radicalmente a natureza da União, em especial o seu compromisso com os valores

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fundamentais do art 2º TUE e, designadamente, o dever de garantir os alicerces jurídico-políticos


do Estado de direito.

Entendemos que os Estados-membros não o podem fazer. Uma tal limitação não resulta,
todavia, de uma suposta autonomia constituinte da união como entidade política. No exercício
do poder de revisão dos tratados, os estados-membros estão impedidos de postergar princípios
e de substituir arquétipos de organização política que, por força das respetivas constituições, os
vinculam como parte integrante de um pacto constitucional global baseado no respeito do
Estado de direito e na garantia dos direitos humanos.

A condição dos estados-membros enquanto partes contratantes fundamenta uma


eventual decisão de extinção da UE – a CVDT prevê a modalidade de cessação de vigência de um
tratado art 54º b) e os tratados institutivos não regulam nem proíbem, pelo que se aplicaria o
princípio do ato contrário (celebração deste tratado de extinção com base no processo ordinário
de revisão art 48º TUE).

® Iniciativa:

Governo de qualquer Estado-membro, PE, Comissão; projetos de revisão submetidos ao


Conselho que os envia ao Conselho Europeu e são notificados aos parlamentos nacionais art 48
nº2 TUE.

® Apreciação:

Cabe ao Conselho Europeu decidir pela convocação de uma Convenção (instância que
reúne representantes dos parlamentos nacionais, dos Chefes de Estado ou de Governo dos
Estados-membros, do PE, da Comissão e, se a matéria o exigir, o BCE é consultado).

A convocação da Convenção só acontece para debater alterações que o justifiquem, no


sentido de que terão um âmbito alargado e eventualmente transformador do âmbito dos
Tratados. A primeira Convenção, criada em 1999 com a designação anódina de grupo de
trabalho, debateu o texto da futura CDFUE. A experiência da Convenção voltou com a apreciação
dos projetos de Constituição Europeia pela chamada Convenção sobre o Futuro da Europa, que
decorreu entre março de 2002 e julho de 2003. Mesmo que o Conselho Europeu opte pela
convocação da Convenção, que conclui os trabalhos pela adoção de uma recomendação por
consenso, a fase seguinte e necessária é o regresso ao intergovernamentalismo de uma
Conferência dos Representantes dos Estados-membros (CIG). O mandato da CIG é definido pelo
Conselho Europeu e a CIG vai decidir, de comum acordo, as alterações a introduzir nos Tratados,
sob a forma de um Tratado internacional adotado e assinado na CIG art 48º nº4 TUE.

® Ratificação:

A vigência do tratado, e a consequente entrada em vigor das alterações, exige a


ratificação por todos os Estados-membros em conformidade com as respetivas normas

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constitucionais CRP art 8º nº2 e art 161º i), com eventual realização de referendo conforme
previsto no art 295º.

Decorridos 2 anos a contar da data da assinatura do tratado de revisão, se 4/5 dos


Estados-membros já o tiverem ratificado, e um ou mais Estados-membros não estiverem em
condições de o fazer, porque, designadamente o seu parlamento recusa a aprovação, o art 48º
nº5 TUE, abre a porta a uma démarche de sentido turvo: o Conselho Europeu analisa a questão.

Com que propósito? Pressionar o Estado-membro ou os Estados-membros que não


ratificaram? Que tipo de pressões serão admissíveis, sendo certo que não existem mecanismos
jurídicos para obrigar a ratificação ou para a dispensar? A solução mais verosímil é a do regresso
à mesa das negociações para viabilizar concessões ao Estado-membro “deparado com
dificuldades” como aconteceu com o Tratado de Maastricht.

B. Procedimentos especiais ou simplificados de revisão

Duas modalidades estão previstas:

a) Para a revisão da parte 3 do TFUE (políticas e ações internas da União, art. 26º-197º
TFUE), por iniciativa de qualquer Estado-membro, PE ou Comissão, o Conselho Europeu
pode adotar uma decisão que “altere todas ou parte das disposições da parte 3”.

No plano jurídico- formal é um ato unilateral, adotado por unanimidade pelo conselho
europeu, que não pode envolver um aumento das competências atribuídas pelos Estados-
membros à união, e que tem de ser aprovado pelos Estados-membros em conformidade com as
respetivas normas constitucionais. A crp não prevê expressamente a situação, mas entendemos
que, apesar de não ter a forma de tratado, mas a de um ato unilateral do Conselho europeu, esta
aprovação interna exige uma resolução da AR: não é uma decisão de aplicação nos termos do art
8º nº3 crp, porque o art 48º nº6 e 2 TFUE exclui a aplicabilidade direta.

Por se tratar de um ato relativo à “participação de Portugal em organizações


internacionais), com implicações diretas no controlo da competência reservada do parlamento,
deve ser a AR, e não o governo, a assumir a responsabilidade de aprovação caso contrário levaria
a que só o governo, que participou e votou no conselho europeu, teria a decisão sobre esta
matéria tão importante, limitando-se a AR a tomar uma posição que não seria vinculada para o
governo, Lei nº 43/2006.

b) Procedimento dito de “cláusula-passarela” permite ao Conselho por deliberação


unânime, após aprovação do PE, autorizar o Conselho em domínios determinados a
deliberar por maioria qualificada, em substituição da exigência da unanimidade, com
exceção do domínio militar e defesa e das exclusões constantes do art 353º TFUE. O
mesmo procedimento de cláusula passarela aplica-se à passagem de procedimentos
legislativos especiais para o procedimento legislativo ordinário art 48º nº7 TUE.

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Nesta modalidade de procedimento simplificado de revisão, diferentemente do previsto


no procedimento do nº6, não se exige a aprovação pelos Estados-membros. A participação dos
órgãos nacionais nesta alteração dos tratados, para além do governo representado no conselho
europeu, é assegurada pelos parlamentos nacionais que têm um direito de veto (“em caso de
oposição de um parlamento nacional não é adotada a decisão”). Outras cláusulas- passarela
estão previstas, mas com a diferença justamente de não permitirem o direito de veto dos
parlamentos nacionais art 312º nº2 TFUE, Art 31º nº3 TUE, art 153º nº2 TFUE, art 192º nº2 TFUE
e art 333º nº1 TFUE. O art. 81º nº3 TFUE condiciona a ativação da cláusula-passarela à ausência
de oposição de um parlamento nacional, de modo análogo ao previsto no art 48º nº7 TUE.

Importa estabelecer a distinção entre revisão dos tratados, que ocorre pela via formal dos
procedimentos do art 48º TUE, e alteração que pode resultar seja pela via formal dos tratados
de adesão art 49º TUE e pela ativação da cláusula de poderes implícitos do art 352º TFUE (um e
outro a exigir o acordo de todos os Estados-membros) seja pela via informal da prática
institucional de incidência derrogatória (mutação constitucional), figura na qual incluímos o
comportamento reiterado das instituições políticas e também a jurisprudência criativa do TJUE.

Lição nº 14

Direito secundário:

1. Noção

Conjunto de atos jurídicos, normativos e não normativos, adotados pelas instituições, órgãos
e organismos da UE.

2. Tipologia

Nos tratados coexistem duas nomenclaturas de atos:

a) Os atos tipificados pelo art 288º TFUE, disposição que se mantém inalterada desde a
entrada em vigor do 1 tratado de Roma, salvo uma adaptação do conceito de decisão,
que especifica regulamento, diretiva, decisão, recomendação e parecer.
b) O tratado de lisboa, sem eliminar ou atualizar esta tipologia clássica, acrescentou uma
outra que distingue entre: atos legislativos (art 289º TFUE), atos delegados (art 290º
TFUE) e atos de execução (art 291º TFUE).

Apesar do esforço levado a cabo em sucessivas revisões dos tratados e com particular
empenho no tratado de lisboa, o resultado não permite estabelecer uma categorização completa
e coerente de tipos de atos jurídicos da u.e.

Aos atos típicos acrescem os atos atípicos. Temos atos atípicos previstos nos tratados com
a mesma designação, mas natureza diferente do ato tipificado no art 288º TFUE, ex. o parecer
do TJUE do art 218º nº11, TFUE que é vinculativo ou o regulamento interno, como o art 240º nº3
TFUE que, em princípio, não tem efeitos extrainstitucionais. Atos atípicos que, embora referidos
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nos tratados, apresentam uma terminologia variável art 22º TFUE; moção art 234º TFUE e, por
fim, atos que, esquecidos de previsão nos tratados, resultam da prática institucional
(orientações, comunicações, programas de ação etc).

Alguns dos atos típicos, como o são as recomendações e os pareceres na aceção do art
288º TFUE, e a generalidade dos atos atípicos, constituem uma manifestação de soft law.

A expressão soft law presta-se a um alargado espetro de aproximações, servindo amiúde


para classificar ou enquadrar o fenómeno normativo sobre o qual temos mais dúvidas que
certezas quando urge concluir sobre o seu verdadeiro alcance na esfera jurídica de terceiros. No
quadro da u.e, soft law designará regras de conduta que não sendo juridicamente vinculativas
não são juridicamente irrelevantes.

Com graus variáveis de vinculatividade, vão desde a manifestação de vontade de uma


instituição sobre um futuro quadro regulador, a auto-vinculação em torno de certos critérios da
sua futura atuação e mesmo a assunção de obrigações recíprocas de cooperação institucional,
com efeito mais ou menos vinculativo, dependendo da vontade das partes institucionais, como
aconteceu com o Acordo interinstitucional de 2016.

A coexistência e a imbricação entre hard law e soft law são características dos sistemas
jurídicos hodiernos, marcados pela pluralidade das fontes e pela espessura variável dos atos de
relevância jurídica, como já vimos que acontece, com a expressão Direito Internacional Público.

Nem sempre resulta claro o limite entre o direito formal e o direito informal, a
necessidade de transformar ou não um programa de ação publicado pela comissão num conjunto
de atos vinculativos, o que gera incerteza sobre o grau de efetividade do nível de regulação
jurídica em certo domínio, afeta, de modo mais direto, a posição dos particulares e é passível de
inibir o exercício pelo PE e pelo conselho da sua competência de atuação legislativa.

A juridicidade e a vinculatividade de um ato da união não depende da sua forma ou


designação. O critério determinante é o da suscetibilidade de produzir efeitos jurídicos em
relação a terceiros. Conforme resulta do parágrafo quarto do art 263º TFUE (recurso de
anulação), um ato chamado regulamento pode revelar-se um falso regulamento e constituir uma
decisão que afeta direta e individualmente um particular. Pode ser uma recomendação que, nos
termos do art 288º TFUE não é um ato vinculativo, e, no entanto, no caso concreto, o TJUE
concluir que é impugnável por afetar direitos de terceiros. Podem ser orientações aprovadas pela
comissão no âmbito da sua competência fiscalizadora de auxílios do Estado, um ato considerado
juridicamente vinculativo pelos efeitos que produz na esfera jurídica dos particulares resultante
do exercício de auto-limitação de poderes de apreciação por parte da comissão enquanto órgão
de decisão administrativa. Pode nem ter uma base formal e textual clara, por constituir um mero
ato material, e cair no âmbito dos atos vinculativos e impugnáveis.

Em especial, sobre os atos típicos do art 288º TFUE

a. Regulamento
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Ato normativo de alcance geral e abstrato, obrigatório em todos os seus elementos,


diretamente aplicável em todos os Estados- membros desde o momento da sua entrada em
vigor. Instrumento de criação de direito uniforme que vigora direta e simultaneamente nas
ordens jurídicas nacionais sem necessidade de, rectius excluindo, qualquer ato interno de
transformação ou de receção.

O regulamento costuma ser catalogado como equivalente às leis do direito interno. O


mais rigoroso é considerá-lo um instrumento da função normativa, já que mesmo antes do
tratado de lisboa, o regulamento veiculava tanto o exercício da função normativa primária
(função legislativa) como o exercício da função normativa secundária (função normativa de
execução). Depois do tratado de lisboa, o regulamento, dependendo do procedimento, pode ser
um ato legislativo, um ato delegado ou ato de execução.

b. Diretiva

Instrumento de harmonização das legislações nacionais, a diretiva tem os estados-


membros como destinatários diretos e formais, porque os vincula em relação ao resultado a
alcançar (obrigação de resultado), reconhecendo-lhe autonomia quanto à forma e aos meios
para realizar os objetivos inscritos no programa harmonizador da diretiva.

A diretiva, ao contrário do regulamento, não tem aplicabilidade direta. Os estados-


membros estão sempre obrigados a proceder à sua transposição para o direito interno, nos
termos definidos pela sua Constituição, em conformidade com o sistema interno de fontes. A
autonomia na escolha dos procedimentos e meios de transposição (lei ou ato da função
administrativa; pelo governo ou pelo parlamento; por transcrição ou por adaptação do texto da
diretiva) não pode pôr em causa a obrigação de uma transposição completa, eficaz e dentro do
prazo previsto na diretiva.

A CRP exige para a transposição de atos jurídicos da UE, nos termos do art 112º nº8, a
forma de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional. No entanto, o requisito de ato legislativo
é discutível no caso de diretivas de execução art.291º TFUE. Por uma questão de equivalência
formal e de adequação funcional, bastaria a forma de ato normativo da função administrativa
para a transposição de diretivas de execução para a ordem jurídica portuguesa. A obrigação de
transposição, resultante da articulação entre o art 288º, parágrafo terceiro, TFUE, e o princípio
da cooperação leal do nº3 do art 4º TUE, não seria afetada nestas situações pela escolha de ato
não legislativo. No caso português, em virtude do nº 8 art 112º crp, a transposição só é
considerada eficaz se realizada através de ato legislativo. Uma opção constitucional que envolve
excesso de forma e uma banalização desnecessária do ato legislativo.

Originariamente pensada como uma espécie de lei-quadro que vinculava o legislador dos
vários estados-membros art 297º nº 2 e 3 TFUE, definindo critérios gerais de conformação e de
adaptação da legislação interna, a diretiva acabou por evoluir para um formato diferente, com
diretivas de conteúdo e efeito muito próximo do conteúdo e efeito dos regulamentos. Teve
influência de 2 fatores: aprovação pelo decisor da união de diretivas de conteúdo cada vez mais
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detalhado; por outro lado, a jurisprudência do TJ sobre o efeito direto das diretivas que,
verificados certos requisitos, reconhece aos particulares o direito de as invocar como fonte direta
de direitos no quadro de um litígio em que são partes perante os tribunais nacionais e perante
administrações nacionais.

O caso Van Duyn de 1974, culminou com uma verdadeira transformação da natureza da
diretiva, de um ato formalmente dirigido aos estados-membros e fonte de obrigações para o
decisor nacional para um ato que tem, afinal, os particulares como destinatários materiais que a
podem invocar em seu favor enquanto fonte de direitos. Assim, a diretiva é um ato de alcance
abstrato (que sempre foi à luz do art 288º/3 TFUE) e geral.

c. Decisão

É obrigatória em todos os seus elementos e pode ou não designar destinatários. No caso


de identificar o(s) destinatário(s) só é vinculativa para este(s) e funciona como um ato
equivalente ao ato administrativo no direito interno. Aplicável em domínios como o dos auxílios
de Estado, com decisões da comissão dirigidas aos estados-membros art 108º nº2 TFUE e do
direito da concorrência, com decisões da comissão que podem impor multas e adstrições às
empresas por violação das regras da leal concorrência art.103º nº2 al. A) TFUE.

O tratado de lisboa introduziu uma alteração textual, abrindo a porta a decisões que não
designando destinatários, são decisões de alcance geral e abstrato. No âmbito da PESC, a decisão
é o instrumento típico de deliberação e fica assim coberta pela aceção de ato genérico que é
obrigatório para todos os destinatários art 31º nº1 TUE.

d. Recomendações e pareceres

Atos não vinculativos. As recomendações são adotadas por iniciativa da instituição, órgão
ou organismo que as formula; os pareceres são emitidos a pedido, por via de regra integrados
num procedimento decisório como formalidade essencial art 242º TFUE; art 218º nº6 b) TFUE;
art 168º nº5 TFUE. Não sendo vinculativo, o parecer, quando previsto como exigência
procedimental, é necessário e a sua omissão é geradora de ilegalidade do ato adotado, passível
de impugnação por violação de formalidade essencial art 263º 2 TFUE; art 267º b) TFUE; art 277º
TFUE

As recomendações e os pareceres não são atos jurídicos vinculativos, em princípio não


constituem fonte autónoma de direitos e deveres, mas não são juridicamente irrelevantes. A sua
potência jurídica pode atingir expressão considerável, nomeadamente como diretrizes de
interpretação de normas vigentes e como compromisso de auto-vinculação por parte do órgão
responsável pela adoção da recomendação ou parecer, o que torna estes atos passíveis de
invocação pelos particulares ou mesmo pelos estados-membros porque geradores de
expectativas dignas de tutela.

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Em especial, sobre os atos típicos de natureza funcional

1) Atos legislativos

São, nos termos do art 289º nº3 TFUE, os atos jurídicos adotados através do
procedimento legislativo, ordinário ou especial. Sempre que a base jurídica remeta para o
procedimento legislativo ordinário art. 114º nº1 TFUE ou para o procedimento legislativo
especial art 86º nº1 TFUE as medidas aprovadas tomam a forma de ato legislativo (regulamento,
diretiva ou decisão).

Se o ato for aprovado por via de um procedimento não legislativo, o ato resultante será
necessariamente não legislativo, mesmo que, no plano substantivo, possa ter características de
um ato da função normativa primária, porque, por exemplo, aplica e desenvolve disposições dos
tratados art 103º nº1 TFUE e 109º TFUE. A diferenciação entre atos legislativos e não legislativos
é importante no plano de alguns aspetos do regime jurídico aplicável: só a adoção de atos
legislativos está sujeita ao respeito de certas obrigações, designadamente a participação dos
parlamentos nacionais, bem como a exigência de natureza pública das sessões do conselho em
que delibera e vota sobre atos legislativos art 16º nº8 TUE; art 15 nº2 TFUE. Se a base jurídica
omite a referência ao procedimento e ao ato, o decisor da união goza da liberdade de escolha,
nos limites do art 296º 1º TFUE, aplicados por concretização do princípio da proporcionalidade e
adequação.

A distinção entre ato legislativo e não legislativo será puramente formal ou


procedimental, critério formalista. Dir-se-á que os tratados, por razões históricas e não de opção
dogmática, ignoram o critério clássico de identificação da lei em sentido material. No entanto, o
regime dos atos delegados no art 290º nº1 TFUE, recupera alguns dos aspetos relevantes da
identidade material do ato legislativo como ato da função normativa primária.

2) Atos delegados

Atos não legislativos da função normativa, têm alcance geral e visam completar ou alterar
elementos não essenciais do ato legislativo. Por cotejo com a nomenclatura dos atos jurídicos
dos estados são atos legislativos de desenvolvimento, subordinados ao ato legislativo base. O
tratado de lisboa introduziu esta dicotomia um tanto artificiosa entre atos delegados e atos de
execução, ambos integrados na função normativa de aplicação dos atos legislativos de base. A
razão disto é a necessidade de preservar um procedimento inteiramente eurocomunitário de
execução, confiado à comissão sob forma de delegação.

O ato delegado, ao contrário do ato de execução do art 291º nº3 e 4 TFUE, não se limita
a dar aplicação à norma legislativa, porque serva para aprovar um regime que completa e pode
mesmo alterar aspetos previstos no ato legislativo de base, desde que a alteração não bula com
os elementos essenciais do ato legislativo, fórmula de recorte jurídico indeterminado que
cumpre densificar em função de situações concretas de litigiosidade em torno da eventual
violação pela comissão do âmbito da delegação. O juiz da união avançou como critério de

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distinção, o ato delegado completa ou altera o âmbito de regulação previsto no ato legislativo de
base, ao passo que o ato de execução, visa especificar o conteúdo de um ato legislativo, a fim de
assegurar a execução em condições uniformes em todos os estados-membros. O TJ entende que
o seu poder de determinação e de controlo se deve limitar aos erros manifestos de apreciação.,
já que o legislador da união dispõe de um poder de apreciação ou livre escolha entre a regulação
por ato delegado ou por ato de execução. Sobre a noção operativa de elementos essenciais do
ato legislativo, travão ao poder da comissão em sede do art 290º TFUE , o Tj interpreta o seu
alcance como sinónimo de elementos cuja adoção envolve escolhas politicas que façam parte
das responsabilidades próprias do legislador da união por implicar uma ponderação de interesses
divergentes com base em aplicações múltiplas ou se permitir ingerência nos direitos
fundamentais das pessoas envolvidas de tal modo importante que a intervenção do legislador é
necessária.

3) Atos de execução

Os atos adotados no quadro do art 291º nº 3 e 4 TFUE, destinados a dar execução aos
atos juridicamente vinculativos da união, suscetíveis de alcance geral (atos regulamentares) ou
de incidência individual (decisões). No art 263 nº4 TFUE, a respeito da definição do interesse em
agir dos particulares no recurso de anulação, o tratado refere os atos regulamentares, expressão
que não se enquadra na trilogia ato legislativo/ ato delegado/ ato de execução e, portanto, de
problemática convivência com o quadro tradicional do art 288º TFUE.

Na versão anterior ao tratado de lisboa, o TJ definia o ato regulamentar como o de alcance


geral por oposição ao ato de alcance individual (decisões). Depois da inovação carregada pelo
tratado de lisboa, o Tj conclui que os atos regulamentares na aceção do art 263º 4º TFUE exclui
do seu âmbito os atos legislativos. Mesmo que se chame decisão, considera-se um ato
regulamentar desde que se aplique a situações determinadas objetivamente e produz(a) efeitos
jurídicos para uma categoria de pessoas prevista de modo geral e abstrato.

O ato de execução independentemente de se chamar regulamento ou decisão, é passível


de constituir um ato da função regulamentar ou um ato da função administrativa não normativa,
dependendo de ter ou não alcance geral art 263 nº4 TFUE e art 277º TFUE.

Aspetos fundamentais do regime jurídico comum dos atos eurocomunitários

a) Presunção de legalidade:

Salvo a situação controvertida da inexistência jurídica, o ato jurídico eurocomunitário


produz os seus efeitos jurídicos, ficando a inibição ou exclusão de tais efeitos jurídicos

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dependente da declaração de nulidade art.264º TFUE ou de invalidade art 267º b) e art 277º
TFUE.

b) Dever de fundamentação:

Art 296º TFUE: que se requer mais ou menos desenvolvida dependendo da natureza do
ato e do âmbito de margem de livre apreciação que assiste ao órgão decisor.

O requisito da fundamentação visa, em especial, dar a conhecer aos destinatários do ato


as razões que estiveram na base da sua adoção pelo decisor da união, o que se torna essencial
como pressuposto do exercício do direito de impugnação judicial da legalidade do ato em causa
(princípio da transparência/ princípio do controlo jurisdicional dos atos como garantia
fundamental do estatuto jurídico dos particulares).

c) Publicação/ notificação:

Os atos legislativos e não legislativos são publicados no Jornal Oficial da União Europeia
(JOUE) e entram em vigor na data por eles fixada ou, na ausência desta, decorrido o prazo de
vacatio legis, no 20º dia seguinte ao da sua publicação.

Já as diretivas e as decisões que indiquem um destinatário são notificadas aos respetivos


destinatários (Estados-membros, empresas ou particulares) e a produção de efeitos conta-se a
partir da data da notificação art 297º nº2 TFUE. Neste caso, a publicação pode verificar-se, a
título facultativo, com o intuito de dar a conhecer o ato em causa, mas não interfere com a sua
vigência, embora possa ser relevante para o efeito da contagem do prazo de impugnação
previsto no art 263º, 6º, TFUE.

Outros atos

® Atos no âmbito PESC

Com base no art 26º TUE, o sistema de atos adotados no quadro do exercício de
competências da união sobre a matéria da Política Externa e de Segurança Comum art 23º e segs
TUE é formado por:

1. Orientações gerais
2. Decisões

A orientação geral consiste na definição de linhas globais sobre a ação externa da união,
cabendo a sua aprovação ao conselho europeu. Dado o seu caráter geral e de orientação política,
carece de efeito direto

As decisões que se distinguem das decisões como atos tipificados pelo art 288º TFUE, a
adotar pelo conselho art 26º nº2, art 28º , 29º, 42º nº4 e 43º TUE, vinculam os Estados-membros
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art 28º nº2 TUE e constituem atos de aplicação e de execução das orientações gerais. A
enumeração feita pelo art 25º TUE não é exaustiva, pelo que as instituições e órgãos da união
envolvidos na definição e execução da política externa podem optar por atos atípicos, desde que
não tenham a forma ou o conteúdo de atos legislativos art 31º nº1 TUE.

® Atos de organismos

A relevância das formas de ação jurídica que são adotadas pelos organismos da EU coloca-
se, sobretudo, a organismos dotados de poderes de natureza decisória. A maior parte destes
organismos atua no quadro de uma função consultiva e de coordenação, pelo que os seus atos
não produzem efeitos jurídicos que afetem diretamente a esfera jurídica de terceiros.

Diferente é a situação de entidades como: o instituto comunitário das variedades vegetais


ou a agência europeia para a segurança da aviação ou o caso do conselho único de resolução
este visa garantir a resolução ordenada dos bancos insolventes, com impacto mínimo na
economia real e nas finanças publicas dos estados-membros. Estas entidades são competentes
para adotar decisões com efeitos jurídicos em relação a terceiros, e no que respeita às duas
primeiras entidades e os seus atos são passíveis de impugnação judicial. Em relação aos
organismos que formalmente não adotam atos suscetíveis de produzir efeitos jurídicos em
relação a terceiros nem por isso escapam ao controlo jurisdicional que se justifique para a defesa
dos direitos dos interessados por via da imputação dos efeitos produzidos à comissão, com o
recurso a ser instaurado contra esta instituição da união.

Lição nº15

Ordem jurídica eurocomunitária e Direito Internacional: aspetos gerais

1) União Europeia, sujeito de Direito Internacional e, como tal, titular de direitos e sujeita a
deveres (art. 47º TUE);
2) União Europeia e o compromisso com os valores e princípios que sustentam a ordem
jurídica internacional (art. 3º/5 TUE; art. 21º TFUE);
3) Em especial, “a proteção dos direitos do Homem (…), a rigorosa observância e o
desenvolvimento do direito internacional, incluindo o respeito pelos princípios da Carta
das Nações Unidas” (art. 3º/5 TUE);
4) Ordem jurídica eurocomunitária: autónoma e aberta às obrigações decorrentes do
ordenamento internacional, de fonte convencional e de fonte não convencional,
nomeadamente resultantes de princípios gerais de direito e costume (DIP Geral ou
Comum), de atos jurídicos unilaterais como decisões do Conselho de Segurança, ou de
tratados, como a Carta das Nações Unidas ou a CEDH, que, embora não tendo a UE como
parte contratante, não são menos vinculativos. Fazendo parte integrante da ordem
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jurídica eurocomunitária de modo direto e com uma autoridade eventualmente


subordinante associada ao ius cogens;
5) Como sujeito de Direito Internacional, a UE exerce os direitos que decorrem dos acordos
que celebra ou de outras fontes internacionais e está, concomitantemente, sujeita aos
deveres, em relação a todas as matérias que, por força por Tratados institutivos, relevam
do seu âmbito de competência. A ausência de competência de controlo jurisdicional por
parte do TJUE no domínio da PESC (art. 24º/1 TUE) não afeta- e muito menos exclui- esta
vinculação da União, seja por força da Carta das Nações Unidas seja por imposição dos
Tratados (art. 3º/5 e 21º TUE). No que respeita à Carta, importa considerar o art. 2º/6 e
o art. 103º. O art. 2º/6, que interpretamos no sentido de estender o mandato da ONU
não apenas aos Estados não membros, mas também aos outros sujeitos de Direito
Internacional, em especial as Organizações Internacionais com atribuições em matéria de
segurança e defesa como é o caso da UE. O art. 103º da Carta que fundamenta, em caso
de conflito, a prevalência das obrigações decorrentes da Carta sobre as obrigações de
outra fonte pactícia, nomeadamente os Tratados institutivos. Assim, o art. 103º da Carta
constitui, potencialmente, um limite ao princípio do primado do Direito da União que não
é nem absoluto nem incondicional.

Direito Internacional de fonte convencional

A. Acordos internacionais celebrados pela UE

Sobre matérias que relevem da sua estrutura exclusiva ou partilhada (art. 2º, nºs 1 e 2,
TUE), nas situações em que os Tratados o prevejam, bem como nos casos em que o acordo seja
considerado necessário para alcançar objetivos estabelecidos pelos tratados (princípio da
implicação de poderes) ou vise regular uma matéria que está prevista num ato juridicamente
vinculativo da União (princípio do paralelismo da competência) (art. 216º/1 TFUE).

Os acordos internacionais de natureza eurocomunitária (sobre matéria da competência


da União e celebrados autonomamente pela União como parte contratante, nos termos do art.
218º TFUE) integram o bloco de normatividade do sistema jurídico da UE, com um duplo efeito
de vinculação: são obrigatórios para as instituições da União e são obrigatórios para os estados-
membros (art. 216º/2, TFUE). Em concreto, o TJUE é competente para interpretar e aplicar um
acordo internacional, incluindo a verificação da sua compatibilidade com o texto dos Tratados e
eventual declaração de ilegalidade. Para garantir a proteção dos direitos e interesses das outras
partes contratantes, à luz da CVDT, em especial o art. 46º, o TJ ressalva a aplicação do acordo
pela via da limitação temporal dos efeitos da declaração de ilegalidade.

Como parte integrante do Direito da UE, os acordos geram obrigações para os estados-
membros que estes devem acatar, adotando todas as medidas necessárias à sua plena e eficaz
aplicação na ordem jurídica interna. Em concreto, um particular pode invocar perante os
tribunais nacionais, no âmbito de um litígio em que é parte, um direito que resulte do clausulado

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de um acordo eurocomunitário com o intuito de obter a desaplicação da norma interna contrária


e, consequentemente, o reconhecimento desse direito na sua esfera jurídica (efeito direto). Estes
acordos eurcomunitários produzem efeitos na ordem jurídica portuguesa sem necessidade de
qualquer ato de receção (art. 8º/3, CRP) e beneficiam da autoridade aplicativa em caso de
conflito internormativo, baseada no princípio do primado do Direito da União (art. 8º/4, CRP).
Clarificando: a aplicação interna dos acordos internacionais celebrados pela UE tem como
fundamentos do Direito da União Europeia, com as suas especificidades, e não o Direito
Internacional, com as suas conhecidas fragilidades sobre prevalência e controlo jurisdicional.

B. Acordos internacionais celebrados pelos Estados-membros

Enquanto membro da União, os Estados mantêm a sua condição de sujeitos de Direito


Internacional, com as prerrogativas inerentes, nomeadamente o direito de celebrar tratados. O
respetivo poder de vinculação internacional está limitado pelo âmbito das matérias cuja
regulação foi atribuída à UE e em relação às quais não podem, em princípio, convencionar. No
que respeita aos tratados ou acordos celebrados pelos estados-membros com estados terceiros
ou organizações internacionais antes da criação das Comunidades Europeias (para os estados-
membros originários) ou antes da adesão (para os outros, como Portugal), o art. 351º TFUE, em
nome do princípio pacta sunt servanda e do princípio da boa-fé, em articulação com o princípio
eurocomunitário da cooperação leal, estipula o seguinte regime: a adesão à UE não prejudica a
vigência de tais acordos, salvo se se verificar incompatibilidade com os Tratados, o que gera para
o Estado-membro em causa a obrigação de recorrer a todos os meios adequados para eliminar
a incompatibilidade verificada (renegociação do acordo e, no limite, a sua denúncia), devendo
contar para este efeito com o auxílio dos demais Estados-membros. Já no que tange os acordos
celebrados em momento posterior à adesão, aplica-se o princípio do primado e os seus
corolários: um Estado-membro não deve celebrar um acordo sobre matéria que integra o
perímetro de atuação da UE e que viole princípios e regras de direito substantivo da UE. Se o
fizer, fica sujeito à instauração de uma ação por incumprimento (art. 258º TFUE), com a eventual
aplicação de sanções pecuniárias se mantiver o acordo em vigor (art. 260º TFUE). Junto dos
tribunais nacionais, os particulares podem, no âmbito de litígio em que são partes, invocar o
Direito da UE como fundamento do dever de desaplicar regras constantes do acordo celebrado
pelo estado-membro em violação das suas obrigações eurocomunitárias.

No âmbito de aplicação dos Tratados, de assinalar o art. 49º TUE que prevê a celebração
de um acordo entre os estados-membros e o Estado candidato à adesão (tratados de adesão).
Mesmo na ausência de base jurídica expressa como é o art. 49º TUE, os estados-membros têm
optado pela solução intergovernamental de celebração entre todos ou entre alguns de tratados
sobre matéria que condiciona a aplicação ou eficácia dos Tratados- foi o caso do chamado
Tratado orçamental, celebrado entre 25 estados-membros em 2012 que visa “reforçar o pilar
económica da união económica e monetária, adotando um conjunto de regras destinadas a
promover a disciplina orçamental mediante um pacto orçamental”. Vigora como DIP
convencional, não goza da autoridade reforçada conferida pelo primado do DUE, mas na prática

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tem sido aplicado com uma eficácia equivalente, um colete de forças que elimina a capacidade
decisória e de escolha dos parlamentos e governos nacionais em matéria orçamental. Outro
exemplo é o Tratado que institui o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), na sequência da
revisão do art. 136º TFUE, celebrado pelos Estados-membros que integram a Zona Euro, também
em 2012. Sobre o MEE muito se tem falado no atual contexto de crise económica induzida pela
pandemia a propósito da capacidade desse instrumento financeiro, de origem
intergovernamental, para fazer face às exigências colossais de capitalização e de investimento
nas economias europeias. Os dois tratados, celebrados à margem dos procedimentos previstos
nos Tratados que se apresentam no contexto de uma erupção provocada pela crise do Euro,
atribuem, contudo, competências às instituições da União: Conselho, Comissão, BCE e TJUE.

C. Os chamados acordos mistos

Envolvem a celebração de um acordo internacional com um país terceiro ou organização


internacional por decisão paralela e autónoma da União e dos estados-membros. No acordo
misto, União e estados-membros (todos os que o celebram) são partes contratantes e
respondem na exata medida dos direitos e deveres assumidos perante as demais partes
contratantes. A opção pelo acordo misto em vez de um acordo celebrado unicamente pela UE
impõe-se nos casos em que a matéria a regular se alarga por domínios que são já competência
da UE, mas, em relação a certos aspetos, relevam ainda da esfera própria de competência de
vinculação internacional dos estados-membros. Os tratados não se referem à fórmula do acordo
misto e esta modalidade, moldada pela prática institucional, legitimidade pelo TJ quando
solicitado, é objeto de muitos reparos por ser uma fonte de intrincados problemas de
interpretação e de aplicação dos tratados assim celebrados. Para o TJ, os argumentos relativos à
unidade e rapidez da ação externa da UE não podem prevalecer sobre o respeito da repartição
de competências. Um exemplo bem conhecido foi o da Convenção de Montego Bay sobre o
Direito do Mar. Os acordos de celebração mista ou conjunta produzem, na parte relativa às
competências da UE, os mesmos efeitos do acordo eurocomunitário (art. 216º/2 TFUE e art. 8º/3
CRP); na parte relativa às matérias de competência estadual, são acordos internacionais
celebrados pelos estados-membros (art. 8º/2 CRP) que, dada a sua integração num mesmo texto
e sobre domínios de competência partilhada, pressupõem da parte da União e dos estados-
membros uma aplicação regulada pelo princípio da cooperação leal (art. 4º/3 TUE).

Outras fontes

A. Jurisprudência do TJ e o efeito do precedente atípico

A jurisprudência do TJ é, em larga medida, responsável pela autonomia e especificidade


da ordem jurídica da UE. Foi determinante no desenho de características fundamentais como o
princípio do primado, a projeção do efeito direto, a conceção de uma Comunidade de direito
associada a um sistema de limitação jurídica do poder exercido pelo decisor da União e pelos
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decisores dos Estados-membros, designadamente por via do reconhecimento de direitos


fundamentais. Entre as décadas de 60 e de 90 do século passado, o TJ produziu uma
jurisprudência particularmente criativa (ativismo judicial). No longo período de 3 décadas, do
Tratado de Roma ao QUE, os tratados não foram revistos. A atualização e a adaptação do texto
foram assumidas pelo TJ, guiado por uma “certa ideia de Europa” e munido das ferramentas de
interpretação atualista, teleológica e sistemática. Ao juiz cabe interpretar a norma, nos limites
que resultam da sua letra e no espaço permitido pela sua finalidade e contexto. Ao Juiz estará
vedada a operação de, a pretexto do exercício hermenêutico, alterar a norma existente ou criar
uma nova norma. Esta é a tentação de um Juiz que procura o lugar que compete e se confunde
com o do Legislador, caminho que a doutrina designa como ativismo judicial, ora numa
perspetiva crítica ora numa perspetiva aprovada e mesmo patrocinadora. Uma eventual violação
do princípio de separação de poderes, com o TJ substituir-se à vontade do Legislador da União,
e indiretamente à vontade soberana dos Estados-membros, tornou-se mais conspícua a partir do
momento em que os Tratados, a seguir ao AUE, foram objeto de revisões sucessivas. A
jurisprudência do TJ, sem deixar de ser criativa e consistente com a ideia de garantir a plena
eficácia da norma eurocomunitária, tornou-se, então, mais contida.

O reposicionamento tático do TJ não invalida que a sua jurisprudência conserve uma


importância central na abordagem e compreensão do que é o Direito da União.

O TJ afirma, ainda que implicitamente, a autoridade constitucional dos seus poderes de


“interpretação e aplicação dos tratados” (art. 19º/1 TUE) quando caracteriza os tratados
institutivos como “a carta constitucional de uma Comunidade de Direito” (AC.), quase 20 anos
antes da tentativa falhada de fazer aprovar uma Constituição Europeia. Não exclui sequer a “sua
competência para fazer apreciações de natureza política”. Cabe constatar que a jurisprudência
do TJ moldou os alicerces do sistema jurídico da União de direito e aprofundou, com elevado
grau de sofisticação jurídica, os elementos que dão identidade e coerência ao Direito da UE como
expressão de uma ordem jurídica própria e autónoma. Em última análise, a função “criadora” da
doutrina jurisprudencial do TJ é a consequência, a ver da regente quase inevitável, do papel que
o juiz da União se auto-confiou no quadro da competência que os Tratados lhe atribuíram no
processo das questões prejudiciais (art. 267º TFUE) e que foi, e continua a ser, objeto de uma
reconfiguração como instrumento de afirmação de um direito subordinante de inspiração
federal.

A jurisprudência do TJ é obrigatória e definitiva. Não existe uma relação hierárquica que


vincule os juízes nacionais ao TJ e, por esta razão, o TJ não é um tribunal superior no sentido
orgânico de uma tal qualificação. Nem seria justificado que o fosse não sendo a UE uma
federação. Não obstante, a jurisprudência proferida é vinculativa para todos os tribunais
nacionais e para os demais órgãos, da função legislativa e administrativa, da estrutura
eurocomunitária ou estadual.

A autoridade interpretativa ou doutrinária da jurisprudência proferida pelo TJ garante o


objetivo fundamental de salvaguarda da uniformidade na interpretação e aplicação do Direito da
UE no conjunto das ordens jurídicas dos Estados-membros. Qualquer decisão ditada pelo TJ, no

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quadro das diferentes vias processuais previstas nos Tratados, é obrigatória, mas é o processo
de questões prejudiciais (art. 267º TFUE) que constitui a fonte da verdadeira doutrina
jurisprudencial, fundamento de uma relação direta com os juízes nacionais. Um acórdão
proferido ao abrigo do chamado reenvio prejudicial, na sequência de questões suscitadas pelo
juiz nacional que no processo interno se confronta com dúvidas de interpretação ou de validade
sobre a norma eurocomunitária aplicável, produz um efeito de precedente atípico. O acórdão é
vinculativo para o juiz que colocou a questão e para todos os juízes, de todos os Estados-
membros que, no futuro, tenham de lidar com questões materialmente idênticas. Trata-se,
assim, de uma vinculatividade de raiz funcional que não resulta da relação hierárquica típico do
efeito do precedente na relação entre tribunal supremo e tribunais subordinados.

Podemos especular sobre a relação da jurisprudência com outras fontes. Pode prevalecer
sobre o texto dos próprios Tratados com base numa interpretação de finalidade prospetiva ou
finalística? Existem limites? Os Tratados não prevêem a hipótese de recurso das decisões do TJ.
Quem guarda o guardião? Em caso de risco aguda para as soberanias dos Estados-membros ou
para os direitos fundamentais, o aviso sobre a existência de limites à liberdade interpretativa do
TJ vem diretamente dos tribunais constitucionais dos Estados-membros, os guardiões das
respetivas constituições.

B. Os princípios gerais de direito

Encontramos nos Tratados menções expressas aos princípios gerais de direito:

o No art. 6º/3 TUE, ao determinar que fazem parte do Direito da União os direitos
fundamentais tal como os garante a CEDH e tal como resultam das tradições
constitucionais comuns aos EM “enquanto princípios gerais”;
o A CDFUE retoma a ideia de normas garantidoras de direitos fundamentais sob a forma de
princípios (art. 51º/1 e 52º/5);
o Art. 340º/2 TFUW, sobre responsabilidade extracontratual da União, que no que respeita
ao apuramento do dever de indemnizar remete o Juiz da União para a consideração dos
“princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-membros”;
o Art. 21º/2/b) TUE, na referência aos “princípios de direito internacional” que vinculam a
União no quadro das relações internacionais.

A relevância conformadora dos princípios gerais de Direito na ordem jurídica


eurocomunitária, que é de grau máximo, constitui um dos principais contributos da construção
jurisprudencial. No exercício da sua competência de controlo jurisdicional, o TJ incorporou no
bloco de normatividade, em posição equivalente à dos Tratados, princípio gerados moldados
pelo direito comparado ou pelo DIP: proporcionalidade, igualdade, confiança legítima, princípio
da legalidade, processo justo, tutela jurisdicional efetiva, princípio da transparência, entre
outros. Por exigência da autonomia da ordem jurídica da União, o TJ reformulou e adaptou alguns
desses princípios gerais em função das especificidades de um direito de integração, como se
verificou com o princípio do primado, o princípio da eficácia direta, o princípio da interpretação

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conforme, o princípio da responsabilidade, o princípio da cooperação leal. No exercício da


competência de controlo jurisdicional da legalidade dos atos, o TJUE goza de uma razoável
margem de apreciação sobre a identificação de um determinado parâmetro normativo como
princípio geral de direito ou como princípio geral de Direito da União. Os princípios de caráter
geral e inerentes aos fundamentos da União foram colocados pelo TJ num “patamar
constitucional”, de nível superior em relação aos outros princípios que dependem do
desenvolvimento e concretização do legislador. Também situados no patamar constitucional
estão os princípios expressamente previstos nos Tratados relacionados com o funcionamento do
sistema de competências da União e dos seus limites quando se cruzam com a esfera de
competências mantidas pelos EM: princípio da competência por atribuição, princípio da
subsidiariedade, princípio da proporcionalidade, princípio do respeito pela identidade nacional
dos EM.

Em paralelo com a evolução ocorrida nos Direitos dos Estados, a normatividade de fonte
principialista no Direito da União está destinada a partilhar- e, em caso de conflito, a sobrepor-
se- à normatividade das regras escritas, de direito primário e, sobretudo, de direito derivado. O
art. 19º/1 TUE respalda a autoridade do TJ para determinar o direito aplicável para além dos
limites da enunciação expressa dos Tratados e das regras de aplicação quando lhe confere o
mandato para garantir o “respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados”. O
direito como sinónimo de bloco de normatividade, aberto aos princípios gerais de direito que são
na mão do Juiz da União o utensílio que conserta as lacunas e resolve os problemas de normas
conflituantes. Na tarefa fundamental de ordenação do múltiplo, os princípios gerais de Direito
gozam no direito da UE de uma relevância superlativa. A UE é exemplo da opção virtuosa por
uma ordem jurídica de robusta inspiração principialista.

C. Costume

É raro encontrar referência ao costume como fonte de Direito da União, em contraste


com o que se verifica no quadro do DIP (art. 38º ETIJ).

Na opinião da regente, existem 2 explicações para isso:

o Por um lado, o Direito da União desenvolve-se por via da aprovação de atos jurídicos
(regulamentos, diretivas, decisões) e tem uma vocação inequívoca para a exaustividade,
no sentido de a norma escrita ocupar e preencher todos os espaços juridicamente
relevantes;
o Por outro lado, existe controlo jurisdicional de legalidade (e da convencionalidade,
compatibilidade com os Tratados), o que reduz as oportunidades de uma prática, ainda
que reiterada, mas contrária ao direito escrito vigente, de poder vingar como norma
costumeira. Não obstante, poderemos especular sobre a questão de saber se os Acordos
de Luxemburgo (1966) não serão uma manifestação de costume contra legem ou se a
prática do acordo misto não terá sido incorporada na ordem jurídica da União como
costume praeter legem.

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Lição nº16

A articulação entre a ordem jurídica eurocomunitária e as ordens jurídicas nacionais- princípios


e critérios estruturantes. Autonomia. Primado. Eficácia direta

Aspetos introdutórios

Ponto de partida: relação de equivalência e de coexistência entre, por um lado, a ordem


jurídica da UE e, por outro lado, as ordens jurídicas nacionais. Em diversos domínios, como em
especial o da proteção dos direitos fundamentais, o espaço jurídico da internormatividade abarca
ainda, sob diferentes modalidades de receção, as normas e princípios de Direito Internacional
Geral ou Convencional. A ideia nuclear da internormatividade consente relações entre as normas
de diferentes origens, sendo que estas relações podem ser de convergência, concorrência,
justaposição e conflito, mas da qual está arredado o critério da hierarquia. O arquétipo é o do
pluralismo jurídico que alarga o topo da pirâmide normativa para nela integrar regras e princípios
paramétricos de fonte diversa.

Por isso, a regente rejeita o termo multinível. O chamado constitucionalismo multinível


pressupõe, sem o assumir, o critério da hierarquia na relação entre normas de génese estadual
e normas de génese eurocomunitária, baseado na suposta existência de uma identidade
constitucional europeia, comum no seu lastro valorativo e subordinante na sua autoridade. Esta
construção coloca num plano superior normas que, em rigor, dependem da habilitação que
reside nas supostas normas inferiores ou subordinadas. A função conformadora dos Tratados e
o âmbito material de regulação do direito derivado dependem da vontade pactícia dos Estados-
membros que, por sua vez, têm as Constituições como limite e enquadramento.

Admitimos que o propósito do constitucionalismo multinível seja mesmo o de banalizar


uma narrativa que, passo a passo, promove a substituição das Constituições dos Estados-
membros por uma Constituição supranacional. Uma espécie de prólogo para o grande salto
constituinte em direção à federação europeia: sem vetos, sem referendos, sem as contrariedades
do controlo por parte dos parlamentos nacionais.

Autonomia da ordem jurídica eurocomunitária

A ordem jurídica da UE é autónoma. Com as suas fontes, estrutura institucional de decisão


normativa, missão e poderes definidos, tribunais próprios, a ordem jurídica comunitária foi criada
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para funcionar em registo de autossuficiência, no quadro das competências atribuídas pelos


Estados-membros às Comunidades Europeias. A questão controvertida é a de saber quais os
limites dessa autonomia quando a ordem jurídica eurocomunitária se cruza com as ordens
jurídicas dos Estados-membros ou com a ordem jurídica internacional.

No caso da ordem jurídica eurocomunitária, o TJ, invocando a sua especificidade em


relação ao Direito Internacional, desenvolveu um entendimento da exigência de autonomia que
é auto-referencial: “Diversamente dos tratados internacionais ordinários, o Tratado CEE institui
uma ordem uma ordem jurídica própria que é integrada nos sistemas jurídicos dos Estados-
membros a partir da entrada em vigor do Tratado e que se impõe aos seus órgãos jurisdicionais
nacionais” (AC. Costa c. Enel).

Cabe ao Direito da UE determinar se e com que alcance são aplicáveis as suas normas em
situações de conflito com disposições internas ou internacionais. Uma tal determinação é feita
por via da interpretação dos Tratados e das normas eurocomunitárias aplicáveis que compete ao
TJUE e aos tribunais nacionais. Os Estados-membros não podem subtrair os litígios à apreciação
do TJ (art. 344º TFUE) e os tribunais dos estados-membros estão obrigados a seguir a
jurisprudência existente do TJ ou, em caso de dúvidas, devem colocar-lhe a questão para lhe dar
o ensejo de decidir (art. 267º TFUE)

Em todo o caso, autonomia não é sinónimo de autossuficiência da ordem jurídica da


União, no sentido de justificar a exclusão de valores e princípios que são imperativos no
ordenamento internacional ou o são nas Constituições dos Estados-membros, enquanto
expressão de uma identidade nacional que a União se compromete a respeitar (art. 4º/2 TUE).

Se num caso jurisprudencial o TJ usou o argumento da autonomia da ordem jurídica


eurocomunitária para garantir um padrão adequado de tutela dos direitos fundamentais, noutras
situações a autonomia foi um pretexto para manter o TJ fora do eventual escrutínio por parte do
TEDH.

Em suma: sobre matéria desta importância, seria desejável uma diretriz interpretativa
menos serpenteante, menos casuística, sobre o traçado da linha relativa à autonomia da ordem
jurídica da União.

Princípio do primado

Segundo Pierre Pescatore, o primado é a “exigência existencial” do Direito Comunitário.


Carecida do reforço de autoridade que lhe permite prevalecer sobre a norma interna, a norma
eurocomunitária não existiria enquanto compromisso de direito uniforme, porque a sua
aplicação interna poderia ser afastada ou mitigada por vontade do decisor estadual.

O aresto proferido no caso Costa c. Enel foi o primeiro que ofereceu uma fundamentação
clara e coerente do princípio do primado. Vem dizer-se: “ao instituírem uma comunidade de
duração ilimitada, dotada de poderes reais resultantes de uma limitação de competências ou de
uma transferência de atribuição dos Estados para a Comunidade, estes limitaram, ainda que em
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domínios restritos, os seus direitos soberanos e criaram, assim, um corpo de normas aplicável aos
seus nacionais e a si próprios” “as obrigações assumidas no Tratado que institui a Comunidade
não seriam absolutas mas apenas eventuais, se pudessem ser postas em causa por posteriores
atos legislativos dos signatários”.

A norma eurocomunitária prevalece sobre a norma interna contrária não porque seja
hierarquicamente superior- e não é- mas porque é materialmente competente para regular o
litígio concreto. A relação entre o direito comunitário e os direitos dos estados-membros
constrói-se com base no princípio da competência de atribuição, nos limites definidos pela
exigência de colaboração ou complementaridade funcional entre ordenamentos jurídicos
autónomos. O primado não tem o efeito de destruir a autonomia dos ordenamentos nacionais
nem o de pôr em causa a função legitimadora e paramétrica das Constituições nacionais. Como
o TJ enfatiza no caso Costa c. Enel, foram os Estados que aceitaram a limitação de competências
em domínios definidos nos Tratados. Não se trata de uma hétero-limitação de competências,
mas antes uma auto-limitação de poderes de regulação jurídica, formalizada por via
convencional, nos termos previstos e consentidos pelas respetivas Constituições nacionais.

A consequência operativa do princípio do primado é o afastamento ou desaplicação da


norma interna contrária e, no quadro do litígio concreto, os direitos e interesses envolvidos serão
juridicamente determinados pela norma eurocomunitária aplicável. O princípio do primado
funciona como ultima rácio ou critério subsidiário: só depois de esgotadas outras vias de superar
o problema colocado pela existência de norma eurocomunitária e norma interna aparentemente
contrária, o Juiz, do TJUE ou nacional, poderá avançar para a decisão aplicativa com fundamento
no primado. Com efeito, o primado é um critério reservado para a existência de verdadeiros
conflitos que oponham norma eurocomunitária a norma interna. Não existirá um verdadeiro
conflito se a norma interna for suscetível de uma interpretação conforme ou no caso de,
tornando-se impossível a aplicação da norma eurocomunitária, apenas restar a alternativa de
reconhecer aos lesados a indemnização com fundamento na responsabilidade extracontratual
dos Estados-membros por violação do Direito da União.

No caso Simmenthal, o TJ, ao tratar das consequências do primado como critério de


superação de um conflito entre norma eurocomunitária e norma interna, epilogou que a norma
interna contrária é “inaplicável de pleno direito, desde o momento da sua entrada em vigor”.

A norma interna contrária deve ser desaplicada e, por força do princípio da cooperação
leal (art. 4º/3 TUE), os órgãos nacionais competentes estão obrigados a promover a sua
revogação ou alteração de modo a eliminar a incompatibilidade detetada com o Direito da UE. O
princípio do primado não se repercute diretamente na validade ou invalidade da norma interna
contrária. Esta norma não pode, todavia, ser aplicada, impondo-se a sua remoção do
ordenamento jurídico, sob pena de o Estado-membro em causa ser demandado perante o TJ por
acusação de incumprimento (art. 258ºTFUE), sujeitando-se, então, se reiterar na vigência de
norma contrária, à aplicação de sanções pecuniárias pesadas (art. 260º TFUE).

O primado como imposição comunitária, de fonte jurisprudencial, envolve para os


Estados-membros uma obrigação de resultado que consiste na garantia de aplicação da norma
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ou ato jurídico do Direito da União em qualquer situação de litígio concreto que oponha os
particulares aos Estados-membros (litígio vertical) ou que envolva um dissídio entre particulares
(litígio horizontal). O destino final da norma interna desaplicada (revogação/ declaração de
ilegalidade/ declaração de inconstitucionalidade) é um problema que cumpre decidir no quadro
das vias internas de fiscalização judicial da legalidade e/ou da inconstitucionalidade, corolário do
princípio da autonomia constitucional e processual da ordem jurídica dos Estados-membros. Sem
prejuízo de cada Constituição fixar as consequências do desvalor associado à contradição entre
norma eurocomunitária e norma interna, incluindo de escalão constitucional, o TJ entende, à luz
do princípio do efeito útil e do respeito pelo estatuto do juiz nacional como tribunal comum de
aplicação interna do Direito da UE, que a Constituição de um Estado não pode inibir o juiz do
litígio concreto de decidir sobre a desaplicação da norma interna contrária.

“o juiz nacional responsável, no âmbito das suas competências, pela aplicação de


disposições de direito comunitário, tem a obrigação de assegurar o pleno efeito de tais normas,
decidindo, por autoridade própria, se necessário for, da não aplicação de qualquer norma de
direito interno que as contraria, ainda que tal norma seja posterior, sem que tenha de solicitar ou
esperar a prévia eliminação da referida norma por via legislativa ou por qualquer outro processo
constitucional.” (caso Simmenthal).

O problema coloca-se em relação aos sistemas de fiscalização da inconstitucionalidade


que condicionam a desaplicação da norma interna à declaração prévia de inconstitucionalidade
que só o tribunal constitucional poderá apreciar.

O caso do sistema português é diferente: por um lado, temos um sistema descentralizado


de fiscalização da inconstitucionalidade (art. 204º CRP) e, por outro lado, a jurisprudência do TC
segue o entendimento que não lhe compete pronunciar-se sobre situações de alegada
desconformidade entre norma interna e norma convencional. Incluindo os Tratados institutivos
da UE (ilegalidade atípica), pelo que a questão deve ser resolvida pelo Juiz do caso concreto, com
a eventual colocação de questões prejudiciais ao TJ (art. 267º TFUE).

Cumpre, contudo, referir o caso Mecanarte, com origem no tribunal português que
formulou uma questão específica sobre se o desvalor da norma interna contrária ao Direito
Derivado se traduziria ou não numa inconstitucionalidade, o que, nos termos do art. 280º/1/a) e
nº3 CRP tornaria obrigatório o recurso para o TC. Na sua resposta, o TJ reafirmou os pressupostos
da fórmula Simmenthal: o juiz da causa tem o poder de decisão e o dever de garantir a plena
eficácia da norma eurocomunitária aplicável, sem prejuízo de a sua decisão, por imperativo do
direito interno, neste caso norma constitucional, ser depois objeto de recurso. Assim, mesmo
que se verifiquem os pressupostos de recurso obrigatório para o TC (art. 70º/1/i LOTC; e art.
72º/3 LOTC), tal não afeta a liberdade decisória do juiz em causa, incluindo a de não aplicar a
norma interna por violar o Direito da União.

Portanto, a questão do primado aplica-se no âmbito de uma contradição entre norma


eurocomunitária e norma interna. Sob esta designação de “norma interna”, temos desde uma
portaria, uma lei da AR e, no topo, a própria Constituição. Para o TJ, a prevalência do Direito da
União não depende nem da natureza da norma ou ato jurídico da União nem do lugar que a
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norma interna ocupa na estrutura escalonada da ordem jurídica interna. Já para os Tribunais
Constitucionais dos EM, ou órgãos judiciais dotados de competência análoga de garantia das
respetivas Constituições, o chamado primado supraconstitucional coloca problemas sérios e não
deve ser abordado como se o primado tivesse de ser absoluto e incondicional.

A constante que é possível identificar na jurisprudência do TJ permite concluir que a


natureza constitucional da norma interna invocada no litígio concreto não altera a posição do TJ
sobre a exigência do primado.

É jurisprudência assente que, por força do princípio do primado do direito da União, que
é uma característica essencial da ordem jurídica da União, a invocação por um Estado-membro
de disposições de direito nacional, ainda que de natureza constitucional, não pode afetar o efeito
do direito da União no território desse Estado (caso Melloni).

Os Tratados não têm uma referência expressa ao princípio do primado. Constava do art.
6º do projeto de Constituição Europeia, com o seguinte texto:

“A Constituição e o direito adotado pelas instituições da União, no exercício das


competências das competências que lhe são atribuídas, primam sobre o direito dos Estados-
membros.”

Na transição do texto da Constituição Europeia para o texto do Tratado de Lisboa, o art.


6º/1 foi eliminado por ser considerado excessivo para alguns Estados-membros. Ficou apenas a
Declaração nº17 que, no essencial, remete para o adquirido jurisprudencial edm matéria de
princípio fundamental do primado. Em contrapartida, surgiram nos Tratados, após a versão de
Lisboa, disposições que não devem ser ignoradas como elementos integrantes de uma
interpretação sistemática- em especial:

o O art. 4º/2 TUE (respeito da identidade nacional dos Estados-membros);


o O art. 6º/3 TUE (tradições constitucionais comuns aos Estados-membros como fonte de
princípios gerais em matéria de proteção de direitos fundamentais);
o O art. 53º CDFUE (as constituições dos estados-membros como parte integrante do bloco
de fundamentalidade da União).

Da análise conjunta e coerente destas disposições, resulta claro para a REGENTE que o
texto e o espírito das Constituições nacionais não é indiferente ao processo hermenêutico de
garantia do primado. Neste sentido, o princípio do primado não é absoluto nem incondicional:

o Por um lado, existem limites à prevalência da norma eurocomunitária, o que aconteceria,


por exemplo, se uma diretiva comunitária no domínio do espaço de liberdade, segurança
e justiça (art. 67º e ss. TFUE), viesse a impor aos EM a criação de tribunais especiais para
o julgamento de crimes de território de incidência transfronteiriça, com fundamento no
art. 83º/1 TFUE. Estaríamos aí perante uma iniciativa de harmonização das legislações
nacionais que violaria, de modo evidente, o princípio do juiz natural, arrimo estrutural do
Estado de Direito e, diretamente, a proibição do art. 209º/4 CRP. O princípio do juiz
natural e a proibição de tribunais especiais integram uma opção legítima e essencial da

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estrutura constitucional portuguesa (e de qualquer Estado de Direito) que a União se


compromete a respeitar, nos termos definidos pelo art. 4º/2 TUE;
o Por outro lado, existem limites ao primado que funcionam numa lógica de auto-limitação,
uma espécie de exigência metodológica de congruência interna do sistema jurídico da
União. Também neste caso os Tratados oferecem ao TJ uma base textual que este não
deveria desvalorizar- o art. 6º/3 TUE e o art. 53º CDFUE. Os direitos fundamentais,
enquanto princípios gerais, “tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos
Estados-membros”, fazem parte integrante do Direito da União e, portanto, devem ser
observados e respeitados. No art. 53º da Carta, as Constituições dos EM são referidas
como critério relevante de determinação do nível mais elevado de proteção dos direitos
fundamentais na ordem jurídica da União.

Nesta lógica de autolimitação, o TJ só pode exigir a aplicação prevalecente de uma


determinada norma eurocomunitária se, pelo menos em matéria de direitos fundamentais, esta
norma tiver sido interpretada (e integrada no caso de lacunas) em conformidade com as normas
constitucionais e tradições constitucionais comuns que, nessa qualidade, fazem parte integrante
do Direito da União, interpretado à luz dos padrões constitucionais que, nessa qualidade, fazem
parte integrante do Direito da União. Com este alcance, o TJ está ainda a aplicar o Direito da
União, interpretado à luz dos padrões constitucionais de proteção exigentes.

A dupla relativização do primado, que resulta, por um lado, do respeito pela identidade
constitucional dos Estados-membros, e deriva, por outro lado, do alargamento do “bloco de
fundamentalidade” da União aos princípios fundamentais de regime jurídico-constitucional em
matéria de tutela de direitos, tem, na verdade, uma justificação comum e que é inerente ao
sistema jurídico da União.

O princípio da competência de atribuição é um limite inerente ao primado. A norma


eurocomunitária prevalece na medida em que traduza o exercício de uma competência atribuída
pelos Tratados. Ainda assim, o limite poderá ser pouco efetivo se o TJ enveredar por uma
interpretação marcadamente criativa e extensiva dos Tratados como base de habilitação do
decisor da União. Para o TC alemão, a aplicação interna do Direito da União deve ser sujeita a um
teste de controlo ultra vires: a vocação de aplicação preferente da norma eurocomunitária sobre
a norma interna é paralisada no caso de se concluir que o decisor da União violou os limites de
competência definida pelos Tratados. A questão crucial é aqui a de saber qual o tribunal
competente para decidir sobre o teste ultra vires. No caso Honeyweel, foram definidos 2 critérios
complementares: o TC alemão invoca o direito de se pronunciar sobre a compatibilidade de uma
norma ou ato jurídico da União com o princípio da competência de atribuição e, eventualmente,
declarar a sua inaplicabilidade na ordem jurídica alemã, mas condiciona o veredicto do ato ultra
vires aos casos em que haja uma transgressão manifesta dos limites de competência e só depois
de ter sido dada a oportunidade ao TJ para se pronunciar, ao abrigo do processo das questões
prejudiciais (art. 267º TFUE). O TC alemão aceita o diálogo com o TJ que, no quadro do art.
267º/b) TFUE pode declarar a invalidade da norma inquinada do vício da incompetência.

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Independentemente da fluidez dos limites da competência atribuída, movidos pelo


impulso mais ou menos criativo da jurisprudência do TJ, existe um limite fundamental e implícito
que o TJ deve levar a sério sob pena de se desgastar na relação de diálogo com os tribunais
superiores dos EM que é, sublinhe-se, um diálogo entre iguais. A atribuição de competências que
o TJ menciona expressamente no caso seminal Costa c. Enel tem por base os Tratados que, por
sua vez, foram aprovados com fundamento nas Constituições dos Estados. Assim, o âmbito de
habilitação não pode extravasar os limites inerentes à garantia do Estado de Direito. Tal como o
delegante está impedido de permitir o que a ele próprio a lei proíbe, também os Estados
(soberanos) de direito não podem atribuir competências à União que, em si mesmas ou em
resultado do seu exercício abusivo, violem os princípios nucleares e regras fundamentais de
configuração do sistema democrático e de proteção dos direitos fundamentais.

A eficácia direta- noção e fundamento

Aplicabilidade direta: integração (produção de efeitos) imediata da norma comunitária na


ordem jurídica dos estados, sem necessidade de atos de intermediação ou de receção. O art.
288º TFUE estabelece que o regulamento é diretamente aplicável em todos os EM.

Depois, através de acórdãos, entra em cena o conceito de efeito direto. O TJ usa, de modo
um tanto indiferenciado, os termos efeito imediato, efeito direto, aplicabilidade direta, aplicação
imediata.

Do lado da doutrina, vingou a distinção entre a aplicabilidade direta e o efeito direto


(suscetibilidade de invocação direta da norma pelos particulares enquanto titulares de direitos
cuja fonte é a norma eurocomunitária em causa).

De acordo com a regente, admitindo que esta distinção faria sentido no período de
afirmação jurisprudencial de um tipo de eficácia jurídica que carecia de consagração expressa
nos Tratados, pensa que, no quadro atual de evolução do Direito da União, no qual se acentuou
a vertente de reconhecimento de direitos aos particulares e vinculação das autoridades
nacionais, incluindo os tribunais dos EM, podemos usar indistintamente a expressão eficácia
direta, com o benefício de constituir uma designação mais clara. A jurisprudência do TJ, muito
centrada no objetivo de “espremer” da norma o máximo do seu efeito jurídico, cuida cada vez
menos da natureza formal do ato (regulamento, decisão, diretiva, disposições dos Tratados) para
garantir aos particulares, com base na interpretação do conteúdo regulador da norma, a
invocação dos direitos individuais perante os tribunais e, eventualmente, perante as autoridades
administrativas.

Em suma, a eficácia direta refere-se ao atributo da norma eurocomunitária que,


reconhecendo direitos subjetivos, proporciona ao particular a sua invocação,
independentemente da existência de legislação interna contrária.

A eficácia direta está, por outro lado, indissociavelmente ligada ao princípio do primado.
A regente defende que existe uma relação lógica e necessária entre o primado e a eficácia direta

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que é particularmente evidente no domínio dos direitos fundamentais. O TJ estabelece uma


associação entre a norma atributiva de direitos individuais que produz efeitos imediatos (eficácia
direta) e o dever por parte dos órgãos jurisprudenciais nacionais de tutelar e garantir o exercício
de tais direitos (primado).

Pierre Pescatore: “o efeito direto é o estádio normal de saúde da norma comunitária”.


Podemos assumir que a pré compreensão so TJ é favorável ao reconhecimento da eficácia direta,
desde que verificados certos requisitos relativos à norma (e não ao ato jurídico que a aloja). A
norma em causa deve ser:

o Clara- clareza significa a norma não ser vaga ou genérica;


o Precisa- a norma impor uma obrigação específica;
o Incondicional- entre a norma e a sua aplicação não há poder discricionário do estado,
para que ela não seja incondicional.

Sobre a exigência de clareza e precisão no que toca à forma como a norma enuncia os
direitos individuais, para o TJ será suficiente verificar que a norma reconhece direitos aos
particulares que envolvem obrigações para os Estados, ainda que estes disponham de uma certa
margem de apreciação na escolha dos meios jurídicos de garantia de tais direitos.

Já o requisito da incondicionalidade, apresenta um duplo alcance: por um lado, exclui da


eficácia direta as normas cuja aplicação interna fica dependente do exercício de uma
competência discricionária, legislativa ou administrativa, por partes dos EM; por outro lado, no
caso específico das diretivas, a incondicionalidade só se verifica depois de esgotado o prazo de
transposição.

Em relação às diretivas, a sua eficácia direta estará dependente do litígio concreto. Nos
termos do art. 288º TFUE, a diretiva nem estaria destinada a criar direitos invocáveis pelos
particulares, já que o destinatário formal é o Estado. Para atalhar os problemas resultantes da
ausência de transposição dentro do prazo ou de uma transposição parcial e incorreta, o TJ
vislumbrou no reconhecimento direto do efeito direto a solução para o problema. Ao tornar a
norma da diretiva invocável pelos particulares, atribuindo-lhe eficácia direta, decorrido o prazo
de transposição (REQUISITO QUE TEM DE ESTAR SEMPRE PRESENTE) e se verificada a natureza
clara e precisa da norma tipificadora de direitos, seria subtraído ao infrator o benefício do
incumprimento. Mesmo que protelasse o ato de transposição da diretiva, o tempo deixava de
contar a favor dos EM, porque este poderia ser demandado perante os tribunais nacionais pelos
particulares na qualidade de titulares de direitos. A ideia da diretiva como ato dirigido aos EM
nunca foi completamente abandonada e daria mesmo lugar à distinção entre:

o Efeito direto vertical- a relação de litígio opõe um particular ao Estado- sentido


ascendente;
o Efeito direto horizontal- o litígio ocorre entre dois particulares.

Quando uma norma goza simultaneamente de efeito direto vertical e horizontal- efeito
direto pleno (tratados e regulamentos); se for só vertical é efeito direto limitado.

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A diretiva como ato dirigido aos EM é suscetível de criar direitos que os particulares
poderão reclamar, mas não poderá, por si, impor deveres que vincularão os particulares, ademais
suscetíveis de lhes serem exigíveis pelo próprio Estado-membro que não cumpriu a obrigação
fundamental de transposição (Ac.).

Assim, o efeito direto pleno que conjuga a desaplicação da norma interna contrária (efeito
de exclusão) com a aplicação da norma da diretiva como critério de decisão do litígio concreto
(efeito de substituição) estará limitado aos litígios verticais que opõe os particulares ao Estado,
entidades públicas e equivalentes. O TJ não exclui, todavia, a produção de efeitos colaterais ou
indiretos nas chamadas “relações de tipo triangular”. No âmbito de um litígio entre particulares,
a norma da diretiva é passível de invocação por uma das partes com fundamento na violação
pelo EM de uma obrigação específica.

No caso de diretivas cujo prazo de transposição ainda não se esgotou:

o A regra é a da insusceptibilidade da sua invocação contenciosa;


o Jurisprudência wallonie: os EM devem abster-se enquanto decorre o prazo de
transposição de adotar disposições suscetíveis de comprometer seriamente a realização
do resultado prescrito por essa diretiva; os particulares não se podem valer dos direitos
previstos na diretiva, mas podem, por invocação do princípio do primado e do princípio
da cooperação leal, opor-se à legislação interna que foi adotada em sentido contrário ao
regime previsto na diretiva;
o Jurisprudência Mangold e Seda (relação entre diretiva e um princípio geral de direito da
União), o particular pode invocar direitos resultantes da diretiva, ainda que não
transposta, se for possível demonstrar que tais direitos terão a sua origem em princípios
gerais de direito. Não é legítimo- e sobretudo não é rigoroso do ponto de vista jurídico-
concluir pela irrelevância do decurso do prazo de transposição.

O prazo é uma garantia para os EM, aos quais assiste o direito de usar o prazo até ao seu
término, desde que observado o princípio a boa fé. A possibilidade aberta pela doutrina Mangold
e Seda de invocar um determinado direito no contexto de uma diretiva cujo prazo de
transposição ainda não se esgotou está inteiramente dependente da demonstração que um tal
direito tem uma outra fonte reveladora, um princípio geral de direito ou, eventualmente, uma
disposição dos Tratados ou da CDFUE. Se ainda subsistirem dúvidas, foram dissipadas no caso
Barsh quando se afirmou a exigência do esgotamento do prazo de transposição fora do contexto
de relevância autónoma de um princípio geral de direito.

Eficácia direta e meios sucedâneos

Se não for possível a invocação da norma da diretiva pelos particulares, seja porque não
estão reunidos os requisitos do efeito direto seja porque se trata de um litígio horizontal, a
jurisprudência do TJ oferece meios alternativos que facilitam ao particular o acesso, ainda que
indireto e parcial, às vantagens associadas ao exercício do direito previsto na norma da diretiva:

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1) o dever de interpretação conforme que impende sobre o juiz nacional;


2) A ação de indemnização por responsabilidade extracontratual dos estados-membros com
fundamento na violação do direito da União.

Eficácia direta e vinculação

A face mais visível do princípio da eficácia direta é a vinculação do juiz nacional, adstrito,
no quadro das respetivas competências, a garantir aos particulares o exercício dos direitos de
que são titulares. No entanto, e dado que o Direito da União tem como destinatários todos os
sujeitos jurídicos (instituições, órgãos e organismos da União), a garantia de eficácia direta das
normas eucocomunitárias também se impõe à vontade do decisor da União e, o que suscita
maior controvérsia, às autoridades administrativas dos EM. Sem prejuízo do princípio da
legalidade da atividade administrativa (art. 266º/2 CRP), cumpre reconhecer que o “bloco de
legalidade” no direito interno abrange o direito da União, por força dos nºs 3 e 4 do art. 8º CRP.
Uma vez que a eficácia direta não é automática, porque depende da verificação pelo juiz-
nacional ou eurocomunitário- dos requisitos do efeito direto, a autoridade administrativa estará
limitada no seu poder/ dever de desaplicar a norma interna, sob pena de violação do princípio
da separação de poderes. A regente concede, contudo, que o possa fazer, com fundamento na
articulação entre o princípio do primado, o princípio da eficácia direta e o princípio da
cooperação leal, mas apenas nas situações em que seja evidente ou manifesta a contradição
entre norma interna e norma eurocomunitária. Se a norma eurocomunitária em causa, atributiva
de um direito que é invocado pelo administrado perante a administração, estiver prevista numa
diretiva, a autoridade administrativa estará impedida de desaplicar a norma interna existente
enquanto decorrer o prazo de transposição. Dada a especificidade da diretiva como ato jurídico
que carece de aplicabilidade direta, a regente entende que o dever de interpretação conforme
que se deduz do princípio da cooperação leal para a aplicação, judicial ou administrativa, dos
demais atos jurídicos da União, não é, por isso, invocável em relação às normas constantes de
diretivas cujo prazo de transposição ainda não se esgotou.

Lição nº17

Outros princípios de função complementar para a garantia da eficácia plena do Direito da União

A. Princípio da interpretação em conformidade com o Direito da União

É uma manifestação ou concretização do elemento sistemático da interpretação jurídica.


Para o Juiz da União, a interpretação conforme do direito nacional “é inerente ao sistema do
Tratado, na medida em que permite ao juiz nacional assegurar, no âmbito das suas competências,
a plena eficácia do Direito da União” (AC.).

Pela primeira vez, no caso Colson e Kamann, em resposta a questões prejudiciais sobre a
relevância da disposição de uma diretiva cuja transposição para o direito interno era insuficiente,
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e, por sua vez, insuscetível de invocação pelos particulares, o TJ aportou na solução clássica de
interpretação conforme. Por referência à obrigação da transposição completa e efetiva, prevista
no art. 288º/3 TFUE, considera que o juiz nacional está obrigado “a interpretar o seu direito
nacional à luz do texto e da finalidade da diretiva” (AC.). Cabe ao juiz nacional interpretar a lei de
transposição, na medida consentida pela margem de apreciação que o seu direito nacional lhe
reconhece, em conformidade com as exigências do direito comunitário.

Em arestos posteriores, o TJ alargou o âmbito da obrigação judicial de interpretação


conforme a situações em que não existia lei específica de transposição e exige do órgão
jurisdicional estadual que interprete o direito interno em causa “na medida do possível, à luz do
texto e da finalidade da diretiva, para atingir o resultado por ela prosseguido (AC Marleaing). Não
é claro o limite do que seja “na medida do possível”. O objetivo subjacente a qualquer exercício
de interpretação conforme é o da procura de um sentido que resgate a norma interna do destino
da desaplicação, nela incorporando a finalidade harmonizadora da diretiva. Todavia, a
interpretação conforme esbarra no limite da contradição literal ou da oposição entre regimes
jurídicos. Não se deve exigir do juiz nacional que faça interpretação derrogatória ou contra legem
porque, salvo se estiverem verificados os requisitos da eficácia direta, a substituição da norma
interna pela norma da diretiva, sob pretexto de um exercício de interpretação aplicativa em
conformidade, configura, no entender da regente, uma violação grosseira do princípio da
separação de poderes entre o Juiz e o legislador.

Em arestos procurou-se clarificar os contornos da expressão “na medida do possível” ao


contemplar que “este princípio de interpretação conforme do direito nacional conhece certos
limites. LIMITES:

• A obrigação de o juiz nacional se referir ao conteúdo de uma diretiva quando procede à


interpretação e aplicação das normas pertinentes do direito interno é limitado pelos
princípios gerais de direito e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra
legem do direito nacional”;
• Proibição de agravamento da responsabilidade penal do particular do particular que
violou as regras harmonizadas.

O princípio da interpretação conforme obriga o juiz nacional a levar em consideração, se


tal se revelar adequado em função do objetivo de garantir a plena eficácia do direito da União, o
direito nacional no seu todo. EX: na interpretação de uma norma de direito de contratação
pública pode ser convocada uma disposição do CC em matéria de direito das obrigações
contratuais ou, eventualmente, do regime das contraordenações fiscais.

O dever de interpretação conforme, apesar de ter sido primeiro e principalmente dirigido


aos tribunais nacionais, também implica as demais autoridades públicas, chamadas a interpretar
e a aplicar o direito nacional, incluindo as autoridades administrativas (AC.).

Como a interpretação conforme passa ao lado dos limites ao reconhecimento do efeito


direto, pode dar azo a uma solução que, embora favorável à plena eficácia do direito da União,
concretamente vertido no texto de uma diretiva, revele uma vinculação algo anómala dos

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direitos e interesses dos particulares. Assim, o TJ já admitiu que ainda que o litígio no processo
principal oponha uma autoridade pública a um particular, um Estado-membro pode, em princípio,
invocar a interpretação conforme do direito nacional contra os particulares” (AC.). Ou seja, no
âmbito de um litígio vertical, o Estado-membro ao reclamar a interpretação conforme acaba por
potenciar um desfecho equivalente no seu resultado ao da eficácia direta e, ao fazê-lo, neutraliza
a inibição que o impediria de tirar benefício da situação de incumprimento, imputável ao decisor
nacional que não garantiu a transposição da diretiva em causa. Nestes casos, a interpretação
conforme valida um exercício de ficção jurídica em que a norma da diretiva é indiretamente
aplicada através da norma interna sujeita a interpretação conforme.

B. Princípio da cooperação leal- em especial, a competência de execução dos EM

A dimensão mais fértil de consequências jurídicas deste princípio tem por base o art. 4º/3
TUE, e visa os EM como destinatários diretos.

O Tratado de Lisboa reformulou esta disposição, correspondente ao art. 10º do Tratado


da Comunidade Europeia. Para além da menção expressa ao princípio da cooperação leal,
sobressai a referência aos deveres mútuos de respeito e de assistência, a qual adquire
importante significado jurídico no contexto de uma crise económica e sanitária como a que
atingiu a União em 2020 e reclamou dos seus Estados manifestações efetivas de auxílio mútuo e
ações conjuntas.

O princípio da cooperação leal é um princípio geral de Direito. A sua matriz é o princípio


da boa fé, mas é, na sua especificidade, um princípio geral de direito d União, com base jurídica
expressa nos Tratados, adaptado às exigências próprias da ordem jurídica da União consoante os
critérios delineados pelo TJUE. Nesta matéria, a jurisprudência é especialmente ambiciosa no
que pode alcançar em termos de vinculação dos EM ao objetivo fundamental da garantia da
eficácia plena do Direito da União.

O art. 4º/3 TUE, de modo autónomo ou conjugado com outras disposições dos Tratados,
constitui uma diretriz de interpretação do “bloco de legalidade eurocomunitária” que facilita a
harmonização entre disposições normativas e a integração de eventuais lacunas. Funciona, por
outro lado, como princípio direta e autonomamente vinculativo para os EM que, se violado,
fundamenta uma sentença de condenação em sede de ação por incumprimento.

Por mais importante que seja o princípio da cooperação leal como fundamento autónomo
das obrigações que vinculam os EM, a sua aplicação envolve necessariamente um juízo de
conformação prática com outros princípios estruturantes, em especial o princípio da
competência de atribuição, o princípio da subsidiariedade, o princípio da proporcionalidade (art.
4º/1 TUE E art. 5º TUE) e do princípio do respeito pela identidade nacional dos EM (art. 4º/2
TUE).

TJ (1969) estipulou que a ideia da solidariedade, inerente ao princípio da leal cooperação,


inibe os EM de adotarem medidas unilaterais proibidas pelos Tratados, mesmo que o pretendam

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fazer em domínios da sua competência reservada. No mesmo sentido, por força do critério da
solidariedade, o decisor da União estará obrigado a respeitar os limites das competências
atribuídas pelos Tratados, de acordo com o parâmetro de uma atuação subsidiária e não
excessiva.

Noutro plano, o princípio da cooperação legal é, igualmente, fonte de deveres para as


instituições, órgãos e organismos da União na sua relação com as particulares. Em especial, os
arts. 41º e 42º CDFUE, como alicerces de um direito administrativo procedimental da União,
dependem do respeito estrito pelo decisor administrativo da UE, com destaque para a Comissão,
de um padrão de comportamento baseado na transparência e na cooperação leal.

No que toca ao princípio da cooperação leal como fonte de deveres específicos dos EM
em função da efetivação plena das normas eurocomunitárias:

o Um EM deve desaplicar ou revogar normas internas contrárias do Direito da União,


mesmo que tais normas não estejam a ser aplicadas;
o A conformidade entre Direito interno e Direito da União é de conhecimento oficioso por
parte dos tribunais nacionais, com independência da sua invocação pelas partes;
o A execução do Direito da União cabe, em primeira linha, ao decisor dos EM (art. 291º/1
TFUE). Na generalidade das situações, esta execução requer uma atuação colaborante e
ativa da parte das autoridades administrativas nacionais, incluindo a interpretação
extensiva de institutos jurídicos existentes no direito interno ou o desenvolvimento de
soluções autónomas quando o ordenamento jurídico nacional não permite uma tutela
efetiva dos direitos resultantes das normas eurocomunitárias;
o As autoridades nacionais estão impedidas, através da atuação do poder político, do poder
legislativo, do poder judicial e do poder administrativo, de autorizar, facilitar, auxiliar ou
encorajar atuações por parte das entidades privadas que constituam uma violação do
Direito da União.

C. Princípio da responsabilidade extracontratual dos EM por violação do Direito da UE


FRANCOVICH
O TJ, num acórdão proferido sobre o caso Francocich, deu o passo definitivo no sentido
da identificação de um novo princípio geral de direito comunitário- o da responsabilidade
patrimonial dos EM por prejuízos causados em virtude de uma atuaçao desconforme com o
Direito da União.

Questionado por um tribunal nacional sobre o problema de saber se um EM pode ser


obrigado a reparar os prejuízos causados aos particulares pela não transposição de uma diretiva,
começa por esclarecer que o ponto deve ser analisado “à luz do sistema geral do Tratado e dos
princípios fundamentais”. Lembra que os direitos dos particulares no quadro do Direito
Comunitário não dependem da atribuição explícita pelos Tratados e que, no caso vertente de
uma diretiva insuscetível de invocação junto dos tribunais nacionais por carecer de efeito direto,
os particulares ficariam impedidos de fazer valer os direitos violados perante os órgãos
jurisdicionais nacionais. Conclusão: “Daí resulta que o princípio da responsabilidade do Estado
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por prejuízos causados aos particulares por violação do direito comunitário que lhe sejam
imputáveis é inerente ao sistema do Tratado”.

Inerente ao sistema jurídico da tutela jurisdicional efetiva que suporta a União de direito,
a responsabilidade do EM por violação da norma eurocomunitária depende:

1) No que respeita às condições, da natureza da violação tal como caracterizada pelo


próprio TJ;
2) No que respeita à concretização do direito à indemnização, é no âmbito do direito
nacional de cada EM que incumbe ao Estado reparar as consequências do prejuízo
infligido.

Na ausência de regulamentação comunitária, inibida pelo princípio da autonomia


institucional e processual que protege a esfera de competência reservada dos EM, cabe à ordem
jurídica interna, por um lado, designar os órgãos jurisdicionais competentes e, por outro lado,
regulamentar as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a plena
proteção do direito à reparação. O princípio da autonomia institucional e processual dos EM
conhece, todavia, a limitação resultante tanto do critério da equivalência (as condições materiais
e formais fixadas pelas diversas legislações nacionais em matéria de reparação de danos não
podem ser menos favoráveis do que as que dizem respeito a reclamações semelhantes de
natureza interna) como do critério da efetividade (as condições materiais e formais não podem
estar organizadas de forma a tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil a
obtenção de reparação).

Em relação às condições da responsabilidade, o TJ autonomiza 3, recortadas em função


do caso concreto de prejuízos causados pela não transposição de uma diretiva:

1) O resultado prescrito pela diretiva deve implicar a atribuição de direitos a favor dos
particulares;
2) O conteúdo de tais direitos deve ser identificado com base nas disposições relevantes da
diretiva;
3) A existência de um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que impende sobre
o EM e o prejuízo invocado pelo particular lesado.

O caso Francovich, por mais clarificadora que se possa considerar a afirmação do princípio
da responsabilidade extracontratual do EM, deixou no ar várias dúvidas que acenderam o debate
na doutrina em torno de 3 pontos fundamentais:

1) O problema de saber se o direito à reparação se cingia apenas à situação tipificada e


especialmente grave da não transposição de diretivas;
2) Apurar se as condições materiais de efetivação do direito ao ressarcimento pelo EM
deveriam ou não estar alinhadas com o grau de exigência definido pelo TJ em relação à
responsabilidade extracontratual da União, no quadro do art. 340º TFUE, máxime a
condição relativa à ilegalidade qualificada, sob a forma de uma violação grave e manifesta
da norma eurocomunitária;

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3) Determinar se o direito à reparação estaria dependente da impossibilidade de invocar


judicialmente a norma eurocomunitária violada por carecer de efeito direto.

Jurisprudência definida no caso Brasserie du Pêcheur/ Factortamevem confirmar a leitura


sobre o âmbito geral do princípio da responsabilidade, válido para qualquer violação do Direito
da União por um EM, independentemente da entidade nacional cuja ação ou omissão está na
origem do incumprimento, incluindo uma lei do Parlamento ou a omissão de legislar no processo
de transposição de uma diretiva quando a Constituição exige a forma de ato legislativo, como
acontece com o art. 112º/8 CRP. Por outro lado, garantindo ainda maior extensão à tutela
indemnizatória, o TJ entende que os particulares podem acionar os EM pelos prejuízos sofridos
mesmo no caso de violação de normas dotadas de efeito direto.

O alcance geral do princípio da responsabilidade, que exclui a imunidade de qualquer


função ou órgão do EM, terá o seu desenvolvimento lógico com a jurisprudência revelada mais
tarde, designadamente no caso Kobler e Traghetti, sobre a responsabilidade do Estado-Juiz. O
entendimento abrangente sobre o direito à indemnização reclamado pelos particulares não
poderia, contudo, ignorar que, em relação à responsabilidade por facto de lei e à
responsabilidade por erro judicial, a posição que tende a prevalecer entre a doutrina e a
jurisprudência dos EM se orienta no sentido de, admitindo a especificidade, aceitar exigências de
teor mais escrito na fundamentação do dever de indemnizar. Contrariando a visão
excessivamente garantística da construção proposta no caso Francovich, o TJ revela uma maior
preocupação de coerência ao deduzir que o legislador do EM, quando atua num domínio em que
dispõe de um amplo poder de apreciação, comparável àquele de que dispõe as instituições
comunitárias para a implementação das políticas da União, só pode ser responsabilidade se
estiverem preenchidas as 3 condições que sujeitam a União ao dever de reparação:

1) Que a regra de direito violada tenha por objeto conferir direitos aos particulares;
2) Que a violação seja suficientemente caracterizada;
3) E que exista um nexo de causalidade direto entre a violação e o prejuízo sofrido.

Uma violação caracterizada ou agravada transporta consigo a ideia de um desrespeito,


por forma grave e manifesta, dos limites que se impõe ao poder de apreciação pelo legislador
nacional. No processo judicial de verificação dos pressupostos da violação grave e manifesta,
compete ao juiz nacional considerar a relevância de indícios como sejam: o grau de clareza e de
precisão da regra violada, o âmbito da margem de apreciação que a regra violada consente às
autoridades nacionais, o caráter intencional ou involuntário do incumprimento verificado ou do
prejuízo causado, o caráter desculpável ou não de um eventual erro de direito, o facto de um
eventual comportamento adotado por uma instituição eurcomunitária ter contribuído para a
omissão, a adoção ou a manutenção de medidas ou práticas nacionais contrárias ao Direito da
União. Por mais ampla que seja a margem de apreciação do legislador nacional, existirá violação
suficientemente caracterizada no caso de um regime jurídico que, em jurisprudência anterior
proferida, pelo TJ, em sede de ação por incumprimento ou reenvio prejudicial, foi julgado
contrário a direito eurocomunitário.

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No caso Tomásová (2016) ficou claro que a responsabilidade do Estado por exercício da
função jurisdicional depende da violação perpetrada por um tribunal nacional que decide em
última instância se, mediante a sua decisão, desrespeitou de modo manifesto o Direito da União
aplicável, incluindo a violação da obrigação de reenvio, bem como a desconsideração de
jurisprudência assente do TJUE sobre a matéria. Ao restringir a responsabilidade extracontratual
do Estado-Juiz às decisões proferidas em última instância, o TJ pressupõe que os EM, cumprindo
a obrigação inscrita no art. 19º/1, parágrafo segundo TUE, garantem na legislação processual um
sistema adequado de recursos. Uma violação do Direito da União considera-se suficientemente
caracterizada quando a jurisdição nacional a quem compete interpretar e aplicar a norma
eurocomunitária omite o dever de garantir a sua aplicação no litígio concreto, seja porque ignora
o caráter prevalecente da norma eurocomunitária em causa seja porque rejeita ou mitiga a sua
invocabilidade contenciosa como corolário necessário do princípio da eficácia direta. Em
qualquer caso, existe violação suficientemente caracterizada quando o tribunal julga que em
última instância decide de modo que contradiz manifestamente a jurisprudência assente do TJ
sobre a matéria. No quadro da repartição de competências entre o TJ e os tribunais nacionais,
incumbe ao juiz nacional que julga a ação de indemnização instaurada pelo particular lesado
contra o EM , “tendo em conta a especificidade da função judicial”, determinar se a violação da
norma comunitária imputada ao tribunal nacional reveste ou não a natureza de violação
manifesta.

O princípio fundamental da autoridade do caso julgado e o caráter definitivo das decisões


proferidas pelos tribunais supremos não são um obstáculo ao reconhecimento da
responsabilidade do EM por facto de sentença. O demandante numa ação de indemnização bem-
sucedida contra o Estado ganha o direito à reparação, mas não necessariamente o direito a uma
alteração da matéria julgada na decisão geradora de prejuízo. Impõe-se uma alteração sobre o
conteúdo da jurisprudência do tribunal nacional para casos futuros, eventualmente através de
uma intervenção do legislador no sentido de rever e clarificar o regime jurídico, material ou
processual, que enquadrava a decisão judicial manifestamente contrária às obrigações
comunitárias do EM em causa.

NOTA:

Na sua decisão de 5 de Maio de 2020, o TC alemão sentenciou, pela primeira vez, que um
ato da UE (na verdade 2- um acórdão do TJ e uma decisão do BCE) é “ultra-vires”, excede a base
legal dos Tratados.

Lição nº 18

A CRP e o grau de abertura à exigência de coabitação necessária entre o princípio do primado e


o respeito pelos “princípios fundamentais do Estado de direito democrático (Art. 8º/4)

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Desde a primeira revisão constitucional de 1982, que introduziu o art. 8º/3, até à sexta
revisão de 2004, que acrescentou o art. 8º/4, a CRP converteu-se numa espécie de “obra em
construção”. Todas as revisões constitucionais, incluindo a sétima de 2005, envolveram
alterações que, com maior ou menor expressão, foram ditadas pela necessidade de adaptar a
CRP de 1976 às exigências jurídicas do processo de construção europeia. REGENTE: é amplo,
generoso e suficiente o grau de abertura consentido pelo texto constitucional, sucessivamente
modificado e retocado, às imposições do primado e da eficácia direta no quadro da articulação
entre a ordem jurídica portuguesa e ordem jurídica da EU.

De acordo com o art. 8º/4 CRP, as disposições dos tratados que regem a UE (Direito
primário) e as normas (todos os atos jurídicos) emanadas das suas instituições, no exercício das
respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da
União. Sem falar em primado, aplicabilidade direta ou efeito direto (e bem na perspetiva da
regente), o art. 8º/4 fundamenta a eficácia direta das normas e atos jurídicos da União nas suas
várias dimensões de interseção com a ordem jurídica portuguesa:

1) A norma eurocomunitária prevalece sobre a norma interna em situação de colisão com a


norma interna;
2) A norma eurocomunitária é diretamente aplicável, como acontece com o regulamento
(art. 288º, 2º parágrafo, TFUE), e passa a vigor na ordem jurídica portuguesa assim que
se inicia a sua vigência na ordem jurídica da União (art. 297º TFUE), com dispensa de atos
internos de receção ou de transposição;
3) A norma eurocomunitária, verificados os pressupostos da eficácia direta,
designadamente a sua natureza clara, precisa e incondicional, é fonte de direitos e
deveres para os particulares que a podem invocar junto dos tribunais nacionais no âmbito
de litígios em que são parte.

8º/3- respeita à aplicação interna e à eficácia direta, não fala especificamente na UE, pelo
que as regulações do conselho de segurança também entram por aqui. É a porta pela qual entram
os atos da UE que beneficiam de eficácia direta

8º/4- as disposições dos tratados que regem a UE são aplicáveis na ordem interna nos
termos definidos pela união- não fala expressamente em primado, mas a ratio legis, o objetivo
subjacente a esta disposição é dar fundamento ao primado. 8º/4- redundante. O primado já teria
consagração constitucional com a conjugação com o 8º/3 mais 7º/6. Mas fez bem com a escolha
das expressões mais adequadas.

O art. 8º/4 não pode ser interpretado como uma aceitação apriorística ilimitada do
princípio do primado como exigência absoluta e incondicional. Existem algumas exigências:

o “no respeito das respetivas competências”: as normas comunitárias prevalecem na


medida em que sejam a expressão de uma competência atribuída à UE. Se for uma norma
comunitária ultra vires os estados podem impugnar a norma junto do TJ, através do
mecanismo do art. 267º- mecanismo das questões pré judiciais;

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o Outro limite que se prende com o texto da própria CRP- essas normas têm de respeitar
os princípios fundamentais do estado de direito democrático. O 7º/6 também restringe a
possibilidade de delegação de competência por parte do estado português ao respeito
dos princípios fundamentais do estado de direito democrático- matéria intangível.

O art. 8º/4 CRP dá corpo a uma cláusula de receção automática e plena, mas sujeita à
condição de tal se verificar “nos termos definidos no Direito da União” e com a importante
ressalva do “respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático”.

A expressão “nos termos definidos pelo Direito da União” é suficientemente aberta para
firmar o primado, ainda que este não esteja expressamente consagrado nos Tratados institutivos.
No que toca à intangibilidade dos “princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático”: o
exercício de interpretação do art. 8º/4 convoca outras disposições da CRP, sem nunca perder de
vista a doutrina jurisprudencial do TJ, incluindo a mais recente, sobre o primado e os efeitos do
primado do Direito da União. A verdadeira “cláusula europeia” da CRP, no sentido que lhe
atribuímos de aceitação de limitações à soberania em função dos objetivos da construção
europeia, encontra-se no art. 7º/6 CRP. Na opinião da regente, trata-se de um texto
excessivamente longo, quase ininteligível.

Limites impostos pelo art. 7º/6, no âmbito de vinculação europeia do Estado Português:

1) O primeiro de recorte substantivo, refere-se ao “respeito pelos princípios fundamentais


do Estado de Direito Democrático e pelo princípio da subsidiariedade”, formulação que o
art. 8º/4 CRP retoma;
2) O segundo de recorte procedimental, prende-se com a aceitação das limitações de
soberania; a atribuição de poderes necessários aos órgãos da UE, com vista ao seu
exercício em comum ou em cooperação, será convencionada, o que, nos termos do art.
161º/i) CRP exigirá a forma de tratado solene. A referência expressa ao princípio da
reciprocidade, conjugada com o processo de revisão dos tratados institutivos regulado
pelo art. 48º TUE, máxime a exigência de ratificação por todos os EM salvaguarda, pelo
menos no plano jurídico-formal, o estatuto de Portugal como Estado soberana- o co-
criador da “criatura”.

Assim, a previsão ainda que indireta da exigência do primado pelo art. 8º/4, não sendo
estritamente necessária, pois já decorreria da articulação do art. 8º/3 com o art. 7º/6, tem,
contudo, a inegável vantagem da clarificação constitucional sobre matéria tão importante,
designadamente na parte em que impõe como limite o respeito pelos princípios fundamentais do
Estado de Direito Democrático. Esta fórmula abarca, no mínimo os direitos fundamentais e os
princípios inerentes à ideia de Direito que inspira a CRP de 1976 como lei fundamental do Estado
de direito democrático, tal como referidos pelo art. 2º CRP.

O próprio TUE, no seu art. 4º/2, obriga a UE a respeitar a “identidade nacional” dos EM,
“refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles (…)”.
REGENTE: art. 4º/2 TUE mostra uma visão que há muito defende sobre o fundamento jurídico do
primado e a sua exata repercussão na relação com as Constituições dos EM que, como acontece

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com as demais disposições dos Tratados, deve ser objeto de uma interpretação sistemática que
descarte leituras absolutizadoras sobre o que cada EM entende por “identidade nacional”.

A Constituição funciona em relação ao primado com um duplo efeito:

1) Efeito habilitador ou legitimador, relativo à atribuição de competências necessárias à


construção da UE;
2) Efeito limitador ou de reserva.

A contradição entre ambos é meramente aparente. O âmbito de habilitação não pode


extravasar os limites imanentes à garantia do Estado de direito.

Podem surgir problemas complicados quando a questão se prende com a exigência da


aplicação preferente da norma eurocomunitária sobre a constituição- o problema é quando
temos um primado supraconstitucional. A questão controvertida do primado supraconstitucional
deve ser analisada à luz do compromisso imperativo do Estado de direito. O problema deixou há
muito de ser o da preservação do texto constitucional no topo da pirâmide normativa interna. A
geometria constitucional libertou-se da visão kelseniana do espaço fechado e auto-referencial
para dar lugar à relação aberta e plural entre sistemas jurídicos, ao mesmo tempo
intercomunicantes e heteroreferenciais. O risco que o primado da norma eurocomunitária pode
representar para a tradicional função paramétrica e legitimadora da Constituição não está na
possibilidade de, verificada uma antinomia insuperável entre norma comunitária e norma
constitucional, admitir uma derrogação ao princípio basilar da constitucionalidade. O presumido
risco relaciona-se, antes, com o tipo de derrogação constitucional, isto é, com a natureza
constitucional desaplicada e com a extensão do desvio ao padrão constitucional resultante da
solução comunitária preferida. Não estamos a falar de artigos concretos da Constituição. O
núcleo essencial da Constituição identifica-se a partir de um conjunto de princípios estruturantes
(ex. princípio democrático, princípio da separação de poderes, princípio do juiz natural, princípio
da tutela jurisdicional efetiva) e de valores fundamentais (ex. dignidade da pessoa humana,
justiça, solidariedade social). No domínio específico da proteção constitucional dos direitos
fundamentais, o rebordo externo do núcleo essencial apresenta contornos mais precisos e
rigorosos, porque o que está em causa é a obrigação de assegurar a proteção mais elevada.

Na verdade, pelo menos no domínio dos direitos fundamentais, é muito residual e mesmo
improvável o risco de colisão entre o DUE e a CRP, por 3 razões:

1) O art. 53º CDFUE que proíbe a interpretação das suas normas garantidoras no sentido de
restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos por
outras fontes, designadamente internacionais e constitucionais;
2) Art. 4º/2 TUE, que impõe à União, incluindo, pois, os seus tribunais, a obrigação de
respeitar a “identidade nacional”, refletida nas estruturas políticas e constitucionais
fundamentais de cada um deles, que não pode deixar de ser interpretada à luz das opções
constitucionais estruturantes de cada EM;
3) Na aplicação do primado e na avaliação da eficácia jurídica das normas eurocomunitárias,
o TJ deverá ignorar- e, de um modo geral, não tem ignorando- a necessidade de um

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diálogo aberto e dinâmico com os tribunais constitucionais e o TEDH; necessidade que se


acentua pelo facto de o TJ não ser, nem em relação com os tribunais nacionais nem na
relação com o Tribunal de Estrasburgo, um tribunal hierarquicamente superior.

Em todo o caso, e se no futuro o problema se vier a colocar em relação a um eventual


conflito entre Direito da União e a Constituição, como se tornou patente com o acórdão de 5 de
Maio de 2020 do TC alemão em relação à Lei Fundamental de Bona, importa esclarecer que o
art. 8º/4, não pode, na opinião da regente, ser considerado como uma autorização constitucional
para violar e ignorar a Lei Fundamental, autorização supostamente dada pela própria CRP- uma
espécie de cláusula de suicídio constitucional. O art. 8º/4 CRP não tem esse alcance temerário,
porque em termos jurídico-constitucionais seria incompatível com a própria ideia de
Constituição. O primado do DUE na sua dimensão formal de exigência absoluta e incondicional
de prevalência da norma comunitária, do direito primário ou derivado, sobre qualquer norma
interna, de escalão constitucional ou infraconstitucional, corresponde a uma fase pioneira,
claramente ultrapassada, porque desnecessária, de afirmação do direito de integração.

Nas várias ocasiões que teve para julgar questões de constitucionalidade ou de legalidade
que envolviam normas do Direto da União, o Juiz constitucional optou por uma jurisprudência de
auto-restrição dos seus poderes de fiscalização:

1) Não conhece os pedidos de fiscalização de normas internas por alegada violação do


Direito da União derivado, porque reconduz esta desconformidade a um problema de
ilegalidade atípica sobre a qual, nos termos do art. 280º/1 CRP, não tem de se pronunciar;
2) Em termos paralelos, afasta a sua competência em relação a pedidos resultantes da
alegada desconformidade entre norma interna e normas dos Tratados institutivos,
porque se recusa a subsumir este controlo no conceito de “contrariedade” a que alude a
al. i) do nº1 do art. 70º LOTC.

Embora na segunda situação, fosse até plausível a admissibilidade do recurso com base
no art. 70º/1/i) LOTC, porque indiscutivelmente os tratados institutivos são convenções
internacionais, o argumento decisivo para o TC é o relativo à existência de um mecanismo
processual adequado, o processo de questões prejudiciais do art. 267º TFUE, que faz do TJ o juiz
natural ou juiz legal que, na resposta às questões de interpretação ou de validade suscitadas
pelos tribunais nacionais a quo, garante a prevalência e a aplicação uniforme do DUE.

O TC português admite desde o AC. 163/90 a possibilidade de colocar questões


prejudiciais ao TJ. A oportunidade de um reenvio prejudicial foi debatida em vários processos de
fiscalização da constitucionalidade.

AC. 15 de julho de 2020: o juiz constitucional português deixou clara a sua orientação
doutrinária a respeito dos critérios relevantes de articulação entre o DUE e o direito português,
incluindo a própria CRP. O TC oferece uma resposta convincente ao eterno problema do primado
supraconstitucional. Uma posição de compromisso entre, por um lado, as exigências do primado
e da aplicação uniforme do DUE por todos os EM e, por outro lado, a reserva constitucional
oposta pelo art. 8º/4 ao estabelecer a intangibilidade dos “princípios fundamentais do estado de

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direito democrático”. Em suma, o TC só equaciona a hipótese de apreciar e recusar a aplicação


de uma norma eurocomunitária no caso de tal norma se revelar incompatível com um princípio
fundamental do Estado de Direito Democrático se apenas se um tal princípio não gozar no âmbito
próprio do DUE, incluindo a jurisprudência do TJ, de um valor paramétrico materialmente
equivalente ao que lhe é reconhecido na CRP. Com este acórdão, o TC confirma a sua adesão à
teoria do princípio da proteção equivalente, em articulação com o princípio do juiz natural. O
guardião da CRP não se demite da sua função, mas reconhece que o próprio DUE. Consagrado
nos Tratados e na CDFUE, assegura uma proteção materialmente equivalente, principalmente no
domínio prioritário dos direitos fundamentais. Por outro lado, por força do art. 267º TFUE, o TC,
no caso de dúvidas sobre a eventual violação de uma norma da CRP por uma disposição do DUE,
considera-se obrigado a suscitar a questão ao TJ como tribunal competente para a interpretação
e definição dos limites aplicativos no normativo eurocomunitário.

Citação do AC: “só pode decorrer de uma dinâmica baseada em fatores e práticas que
induzam algum tipo de coerência sistemática, assentes em algo diverso de uma integração
normativa hierarquizada”. A rejeição de um pretenso critério de prevalência hierárquica do
Direito da União em nome do quadro de referência que é o do pluralismo constitucional.

As normas da CRP sobre o sistema de fiscalização da constitucionalidade não excecionam


o DUE, nem disponibilizam uma regra mitigadora dos efeitos da inconstitucionalidade como faz
o art. 277º/2 CRP para as normas de tratados internacionais. Existe, contudo, o art. 8º/4 + art.
7º/6 CRP. A sua interpretação deve ser feita de harmonia com o princípio da cooperação leal do
art. 4º/3 CRP, sem prejuízo, bem entendido, do dever de a União respeitar a “identidade
nacional” refletida nas estruturas constitucionais dos EM (art. 4º/2 TUE). O TC não está impedido
de exercer a sua função de guardião da CRP quando a ameaça ou ofensa resultam de norma do
DUE, mas deve, antes de decidir, dar oportunidade ao TJ para se pronunciar sobre questões que
são da sua competência própria, as relativas à interpretação e à apreciação da validade do ato
jurídico da UE em causa.

Sobre os fundamentos jurídicos de uma União de direito

A. O princípio da tutela jurisdicional efetiva

a) Aspetos gerais
Um dos pilares fundamentais do Estado de Direito, que o TUE incorpora expressamente
entre os valores que fundamentam a UE (art. 2º TUE), é o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
O art. 47º CDFUE positiva o conteúdo deste princípio, já aplicado em jurisprudência do TJ:
“Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido
violados tem direito a uma ação perante um tribunal independente e imparcial, previamente
estabelecido por lei”.

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O tribunal independente e imparcial, que deve julgar a causa de forma equitativa,


publicamente e num prazo razoável (art. 47º RDFUE), pode integrar a jurisdição eurocomunitária
(TJ e Tribunal Geral) ou a jurisdição nacional. O art. 19º/1 TUE investe o TJ na missão de garantir
“o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados”. O mandato do TJUE é exercido
no quadro das vias processuais expressamente previstas nos Tratados e que se reconduzem às 3
categorias do art. 19º/3. De harmonia com o princípio da competência de atribuição, numa lógica
de atuação subsidiária, os tribunais dos EM são órgãos jurisdicionais eurocomunitários,
competentes para assegurar a interpretação e a aplicação do DUE em todas as situações que,
envolvendo um litígio relacionado com norma eurocomunitária, extravasem o âmbito de
funcionamento das vias de direito de acesso ao TJUE (art. 274º TFUE).
Por força da natureza imperativa do direito de acesso ao tribunal, o art. 19º/1 TUE faz
recair sobre os EM a obrigação de estabelecer “as vias de recurso necessárias para assegurar
uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União”. O cumprimento
desta obrigação é suscetível de controlo por parte do TJ. Por outro lado, a tutela jurisdicional
efetiva releva do âmbito da competência fiscalizadora do Juiz da União, mesmo que o caso
concreto envolva uma questão de direito interno.
No quadro da autonomia institucional e processual, os EM são livres para definir a
respetiva estrutura judiciária e o seu direito processual, desde que o façam de um modo que:
1) Garanta a efetividade de recurso ao tribunal (princípio da efetividade);
2) Acautele a equivalência de exigências processuais ou substantivas que condicionam o
exercício judicial de um direito reconhecido por norma interna, por um lado, e um direito
consagrado por norma eurocomunitária, por outro (princípio da equivalência).
Em matéria de tutela jurisdicional efetiva, a jurisprudência do TJ é marcada pelo recurso
a dois instrumentos que são complementares no desígnio de, alargando ou fortalecendo o
âmbito de jurisdição do TJ, garantir o nível mais elevado de unidade e coerência na interpretação
e aplicação do DUE. O objetivo último é o de pôr a funcionar um “sistema completo e coerente
de vias de direito”.
Podemos descrever esta dinâmica jurisprudencial pelo recurso a 2 instrumentos jurídico-
processuais:
o Interpretação extensiva dos limites da jurisdição no âmbito das ações e recursos diretos
(ex. recurso de anulação; ação por incumprimento);
o Consolidação do papel do TJ como instância competente de interpretação dos Tratados,
cuja jurisprudência é definitiva e vinculativa, impondo aos tribunais nacionais, de modo
gradual e inexorável, um conjunto de deveres que, em certa medida, fez dos juízes
nacionais interlocutores de um diálogo que, embora integrado num mecanismo de
cooperação entre tribunais (o processo das questões prejudiciais) é, afinal, um processo
atípico de uniformização de jurisprudência. Pela sua centralidade no sistema judicial de
aplicação do DUE há que destacar o processo das questões prejudiciais.

b) Em especial, o processo de questões prejudiciais

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1. Base jurídica

Art. 267º TFUE


O TJUE é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos e
organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão
jurisdicional de um dos EM, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão
é necessária ao julgamento em causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante
um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto
no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão
jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-
se-á com a maior brevidade possível.

2. Uma via processual de função integradora entre o DUE e o direito dos EM

O processo das questões prejudiciais foi frequentemente usado pelo TJ como o


mecanismo por excelência de integração jurídica.

Esta asserção sobre o muito que foi possível fazer no quadro do art. 267º TFUE resulta:

o De uma avaliação de ordem quantitativa: no período entre 1952 e 2015, 20131 processos
deram entrada no TJ, dos quais 9146 foram pedidos a título prejudicial, ou seja, mais de
45% no total do período em análise;
o De uma análise qualitativa, centrada na importância relativa da jurisprudência proferida
a título prejudicial. EX. sobre o princípio do primado, caso Costa c. Enel.

3. Como funciona?

1) Noção relevante da questão prejudicial: questão cuja dilucidação é prévia ou necessária


à resolução do litígio concreto (noção de questão pertinente);
2) Questão de interpretação sobre o direito primário e direito derivado;
3) Questão de invalidade sobre normas ou atos juridicamente relevantes de direito
derivado;
4) Autor da questão prejudicial: órgão jurisdicional (pode não ser um tribunal) do litígio
concreto/ critérios operativos da natureza jurisdicional do órgão (densificação por via

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jurisprudencial); o problema dos tribunais arbitrais; estatuto dos tribunais constitucionais


ou de função equivalente;
5) Pode ou deve ser colocada a questão prejudicial?

- Faculdade de reenvio: tribunais cujas decisões de recurso, salvo se for uma questão de
invalidade (jurisprudência);

- Obrigação de reenvio: tribunais cujas decisões são insuscetíveis de recurso previsto no direito
interno (STJ, STA, TC e tribunais de primeira e segunda instância que, em função das alçadas,
julgam de modo definitivo);

- Exceção à obrigação de reenvio (teoria do ato claro; jurisprudência anterior; falta de relevância
da questão dado que a norma eurocomunitária em causa, para efeitos de interpretação ou
controlo de validade, não será aplicável ao litígio concreto);

- Sanções por violação da obrigação de reenvio (ação por incumprimento; ação de indemnização
por responsabilidade extracontratual).

6) O processo das questões prejudiciais e os particulares- é um processo que se desenrola


na relação direta entre juízes, pelo que as partes no processo nacional podem sugerir ou solicitar
ao juiz que julga o caso que suscite a questão, mas não terão, em princípio, meios processuais
para o obrigar a fazê-lo e, sobretudo, não podem colocar diretamente a questão; nos termos do
art. 23º do Estatuto to TJUE, as partes são notificadas pelo TJ para, querendo, apresentar
observações escritas e participar na audiência oral.

7) Efeitos do acórdão:

- que interpreta: efeito de coisa interpretada/ efeito do precedente atípico: vincula o juiz
que colocou a questão e todos os juízes que no futuro venham a julgar uma questão
materialmente idêntica/ efeito retroativo suscetível de limitação no tempo por razões de
interesse relevante;

- que declara a invalidade- ato declarado inválido é inaplicável no caso concreto e deve
ser, nos termos do art. 266º TFUE (aplicado por analogia), conjugado com o princípio da
cooperação leal, revogado ou alterado, pela instituição, órgão ou organismo que o adotou.

Lição nº19

O “bloco de fundamentalidade” da União Europeia – antecedentes e fontes

O Tratado de Paris, que instituiu a primeira das Comunidades Europeias, a Comunidade


Europeia do Carvão e do Aço (CECA), definiu os alicerces jurídicos do processo de integração
europeia segundo a conceção partilhada pelos seis Estados-membros originários (França,
Alemanha, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo). O sistema jurídico de cada um destes
Estados selava, através das respetivas Constituições, o compromisso relativo à proteção dos

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direitos fundamentais. Em dois destes Estados, a República Federal Alemã e a Itália, a


Constituição previa a existência de tribunais constitucionais, competentes para garantir o
respeito da Lei Fundamental, com particular responsabilidade no domínio dos direitos
fundamentais. O Tratado assinado em Paris não continha qualquer indicação, ainda que genérica,
sobre a matéria, seguindo neste ponto o pragmatismo das “realizações concretas” sugerido pela
Declaração Schuman como o caminho, perventura mais longo, mas mais seguro, em direção à
“união das nações europeias”.

O projeto de tratado que visava instituir a Comunidade Europeia de Defesa (CED),


assinado pelos Seis em 28 de Maio de 1952, contrariou esta perspetiva ao inscrever no art. 3º o
objetivo de garantir os direitos políticos dos cidadãos e os direitos fundamentais das pessoas.
Não vingou esta primeira tentativa de estender a limitação da soberania dos Estados ao núcleo
forte da decisão política. Em 30 de Agosto de 1954, a Assembleia Nacional francesa recusou-se
a caucionar o processo conducente
a formação de um exército europeu. O notório e excessivo voluntarismo do desígnio europeu
que marcou a proposta de criação da CED cedeu o passo, após o desaire de 1954, a uma
estratégia de maior realismo, com o regresso à política dos pequenos passos propostos pela
Declaração Schuman e apoiada no chamado método funcionalista.

Desfeito – ou, pelo menos, adiado – o sonho da construção da unidade europeia pela via
da integração política, os Seis retomaram o caminho das “solidariedades de facto” que se
desenvolveram e foram aprofundadas no contexto favorável da recuperação económica da
década de cinquenta.

Na sequência do acordo de princípios obtidos em Junho de 1955, em Messina, iniciaram-


se as negociações com vista à criação de mais duas comunidades, centradas no objetivo de atingir
a fusão progressiva das economias dos Estados-membros através da realização do mercado
comum. Assinados em Roma, no dia 25 de Março de 1957, o Tratado institutivo da Comunidade
Económica Europeia (CEE) e o Tratado institutivo da Comunidade Europeia da Energia Atómica
(CEEA, também conhecida pelo acrónimo EURÁTOMO), guardaram “prudente silêncio” sobre o
dever de proteção dos direitos fundamentais. A questão não foi ignorada durante a fase das
negociações. A delegação alemã defendeu a previsão no texto dos futuros Tratados de Roma de
uma disposição de conteúdo idêntico à do art. 3º do Tratado CED. A proposta esbarrou na
oposição das restantes delegações, sustentada por referência a duas ordens de razões:

1) os órgãos comunitários de decisão não poderiam respeitar e fazer respeitar as


Constituições dos Estados-membros como fontes de direitos fundamentais;
2) a possível relevância comunitária dos direitos fundamentais poderia ser invocada pelos
Estados-membros de modo contrário à realização dos objetivos definidos pelos Tratados.
A renúncia a uma cláusula geral em matéria de direitos fundamentais foi, assim, a
resposta tida como a mais adequada para garantir um duplo efeito, algo contraditório nos
respetivos pressupostos: por um lado, a plena realização dos objetivos inerentes à criação e ao
funcionamento do mercado comum, desenvolvida à margem dos supostos entraves de raiz
constitucional; por outro lado, o respeito pela reserva de soberania dos Estados-membros,

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entendida como competência própria de definição das relações entre o poder político e os
cidadãos.

Em avaliação retrospetiva, prevaleceu uma conceção duslista e formal sobre a articulação


entre o sistema jurídico das Comunidades e o sistema jurídico dos Estados-membros: autónomos
em virtude das respetivas fontes, necessariamente apartados quanto à incidência do seu
funcionamento, incluindo os eventuais efeitos sobre o espaço de titularidade e de exercício dos
direitos das pessoas. Apenas volvidos alguns anos sobre a entrada em vigor dos Tratados, o Juiz
das Comuidades foi chamado a dirimir litígios na base de regras comunitárias, cuja aplicação
envolveria a violação de direitos fundamentais.

Numa primeira fase, a resposta do TJCE ao problema foi coerente com a perspetiva que
vingara sobre a suposta irrelevância comunitária da garantia dos direitos fundamentais previstos
nas Constituições nacionais ou nos instrumentos internacionais. No âmbito processual de litígios
concretos, à norma comunitária foi assegurada a sua aplicação em detrimento da norma nacional
contrária, ainda que esta tivesse por objeto a garantia de direitos fundamentais. Colocado
perante o dilema de ceder sobre a questão principal do primado do Direito Comunitário para
abrir espaço ao reconhecimento da imperatividade dos direitos fundamentais ou, em alternativa,
manter o entendimento sobre a natureza absoluta e incondicional do primado, o TJCE fez a sua
escolha – fosse qual fosse a impositividade da norma constitucional ou internacional garantidora
de direitos fundamentais, o Juiz comunitário não a reconheceria como parâmetro de apreciação
da validade ou conformidade valorativa dos atos comunitários. Nesta fase, a preocupação maior
– porventura a única - que guiou o TJCE foi a de impor o respeito do primado e de excluir qualquer
tentativa de relativização pela via da admissão de exceções. A jurisprudência proferida entre
1959 e 1969 foi dominada pelo objetivo de não comprometer a eficácia do comando normativo
comunitário, sem atender às implicações no plano da negação dos valores comuns e das
restrições aos direitos fundamentais. Foi o período que apostolamos como uma manifestação de
agnosticismo valorativo.

Em relação à alegada violação de direitos fundamentais reconhecidos pelas Constituições


nacionais, nomeadamente a Lei Fundamental de Bona, o TJCE considerou que não lhe competia
pronunciar-se sobre a inobservância de regras de direito interno, mesmo de natureza
constitucional.

O caso Stauder (1969) marca a passagem de uma fase “agnóstica” para uma fase de
reconhecimento ativo dos direitos fundamnetais enquanto princípios gerais de Direito
Comunitário. A verdadeira transcendência histórica do caso Stauder pode ser avaliada em função
do impacto imediato do recurso aos princípios gerais de Direito como método de tutela
comunitária dos direitos fundamnetais.

Num acórdão de 1970, os principios gerais de Direito convcam as tradições


constitucionais comuns aos EM” em matéria de direitos fundamentais, embora a sua aplicação
concreta dependa de uma atuada ponderação à luz da estrutura e dos objetivos da Comunidade.

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O caso Nold II (1974) alarga o âmbito das fontes reveladoras de direitos fundamnetais
suscetíveis de proteção comunitária como princípios gerais de Direito:

o Tradições constitucionais comuns;


o As próprias Constituições dos EM;
o Os instrumentos internacionais relativos aos Direitos do Homem, aos quais os EM hajam
aderido ou cooperado.

Em decisões posteriores, o Tribunal passou da mensção genérica ao DIP de fonte


convencional para a aplicação de disposições específicas de instrumentos internacionais. Entre
estes, adquiriu especial significado a CEDH. A CEDH tornar-se-ia fonte principal, com incidência
quase direta, da construção pretoriana dos princípios gerais de Direito sobre direitos
fundamnetais garantidos pela ordem jurídica comunitária.

A tutela comunitária dos direitos fundamentais constitui não apenas fundamento para a
apreciação da compatibilidade dos atos adotados pelo decisor comunitário, como permitiu
também ao juiz comunitário, em cooperação com os tribunais nacionais, o exercício de uma
competência de fiscalização dos atos legislativos e regulamentares dos EM à luz de um standard
comum. No entanto, os direitos fundamentais não gozam de um ambito geral e autónomo de
aplicação, dada a limitação decorrente do princípio da competência por atribuição que comanda
toda e qualquer intervenção das Comunidades Europeia na esfera de decisão dos EM. “se é certo
que incumbe ao TJ garantir o respeito pelos direitos fundamentais no ambito próprio do direito
comunitário, já não lhe cabe, porém, examinar a compatibilidade, com a Convenção Europeia, de
uma legislação nacional que se situa, como no caso concreto, num âmbito da competência do
legislador nacional”.

A evolução jurisprudencial realizada ao longo de 3 décadas. Definiu e consolidou os


direitos fundamnetais como princípios gerais de direito, cuja obrigatoriedade se impõe em
relação a todas as áreas materiais de incidência do Direito Comunitário, com independência da
questão de saber se a potencial violação é imputável ao decisor comunitário ou ao decisor
nacional. Com este alcance, a tutela comunitária dos direitos fundamentais assegurada pela via
jurisprudencial encerra, além do efeito específico de garantia concreta dos direitos individuais,
um relevante significado político como instrumento de integração jurídica, seja no plano dos
direitos reconhecidos seja no plano dos meios processuais de tutela. Foi a jurisprudência do TJ
que supriu a lacuna resultante da omissão de uma cláusula geral de direitos fundamentais e da
falta de um catálogo próprio de direitos, situaçao que, em rigor, só seria ultrapassada com o
Tratado de Lisboa. Sem pôr em causa o pluralismo jurídico entre as ordens jurídicas nacionais e
a ordem jurídica comunitária, a interpretação e a aplicação das normas de direitos fundamnetais
pelos tribunais eurocomunitários, incluindo os da estrutura judiciária nacional, contribuiu
fortemente para a criação de um modelo europeu de proteção dos direitos fundamnetais,
alimentado pelo objetivo da uniformidade ou, pelo menos, da coerência jurídica intersistemática.

Do lado das instituições políticas, especialmente o PE e a Comissão, começaram a surgir


a partir da década de 70 várias propostas movidas pela necessidade de dar uma resposta
adequada às exigências, tanto políticas como jurídicas, de uma tutela efetiva dos direitos
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fundamentais. Uma resposta que não deveria continuar unicamente na alçada jurisdicional,
dependente do casuísmo das decisões judiciais. 2 soluções: a elaboração de uma carta
comunitária de direitos fundamentais ou a adesão das CE à CEDH.

Em dezembro de 1989, o Conselho Europeu aprovou a Carta Comunitária dos Direitos


Sociais Fundamentais dos Trabalhadores. De valor jurídico incerto, adaptada sob a forma de
declaração, foi contudo o primeiro texto proclamatório de direitos (sociais).

O Tratado de Maastricht (1993) positivou o acervo jurisprudencial sobre direitos


fundamentais ao proclamar: “A União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (…)
e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos EM enquanto princípios gerais de
direito comunitário”. Constitui a base di art. 6º/3 TUE. Por outro lado, ao Tratado de Maastricht
se devem outras alterações que acentuam a importância dispensada à defesa dos direitos das
pessoas como parte integrante do projeto de união política cujos fundamentos foram lançados
em Maastricht: a definição de um estatuto de “cidadania da União”, acompanhado do
reconhecimento de um conjunto de direitos civis e políticos. No domínio da política de
cooperação para o desenvolvimento, a celebração de acordos com países terceiros passou a
depender do compromisso de respeitar os direitos do homem (art. 208º/2 TFUE + 21º TUE).

A seguir ao Tratado de Amesterdão, do qual emergiu como instrumento inovador o


procedimento de sanções políticas do art. 7º TUE, é colocada em marcha uma estratégia de
grande determinação quanto ao objetivo de, por um lado, dar visibilidade política ao
compromisso da UE com o roteiro dos direitos fundamentais na Europa e, por outro lado,
clarificar e sistematizar as fontes por via de um catálogo próprio de proclamação de direitos.
Aquilo que nas decisões pioneiras dos anos 70 era concebido numa perspetiva de modelos
altermativos, no contexto da união política passou a ser interpretado como um plano coerente
que combinava a adesão da UE à CEDH com a aprovação da Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia (CDFUE). O plano mereceu consagração expressa na Constituição Europeia e,
apesar do veto que impediu a entrada em vigor deste tratado de revisão, a solução de associar a
adesão da UE à CEDH com a vigência formal da CDFUE sobreviveu no texto do Tratado de Lisboa,
vertido no art. 6º TUE.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia- âmbito de proteção e relevância jurídica

Em Dezembro de 2000, em Nice, o ato de proclamação solene da Carta dos Direitos


Fundamentais da União Europeia (CDFUE) foi um ponto de viragem do sistema eurocomunitário
de tutela dos direitos fundamentais, completado com o Tratado de Lisboa que, por via do art.
6º/1, reconhece à Carta o mesmo valor jurídico dos Tratados.

A Carta integra 54 artigos, repartidos por 7 capítulos: Dignidade; Liberdade; Igualdade;


Solidariedade; Cidadania; Justiça; Disposições Gerais.

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O art. 51º/1 CDFUE visa salvaguardar a linha de fronteira que separa as competências da
União das competências mantidas na esfera jurídica dos EM: “As disposições da presente carta
têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio
da subsidiariedade, bem como os EM, apenas quando apliquem o direito da União”.

O TJ definiu que os direitos da Carta devem ser respeitados “quando uma regulamentação
nacional se enquadra no âmbito de aplicação do direito da União”. A fórmula foi criticada por ser
demasiado vaga, principalmente pelo TC alemão. Nesse caso, o teste sobre a relevância
eurocomunitária da legislação interna supostamente contrária a direitos fundamentais que são
vinculativos no quadro do DUE, depende da verificação, entre outros elementos:

o Se a regulamentação nacional em causa tem por objetivo aplicar uma disposição do


Direito da união, o que se verifica claramente no caso de transposição de diretiva e de
adoção de medidas de execução de um regulamento;
o Se a mesma prossegue outros objetivos que não sejam os abrangidos pelo Direito da
União, ainda que seja suscetível de os afetar indiretamente;
o Se existe ou não uma regulamentação do DUE específica na matéria ou suscetível de
afetar o objetivo prosseguido pela legislação nacional em causa.

Art. 51º/1 e 2 da Carta: exclui que esta possa estender ou criar novas competências para
a UE ou modificar a linha de delimitação de competências definidas pelos Tratados. EX. art. 19º
TFUE matéria de não discriminação em razão da orientação sexual. Deste artigo, que não tem
eficácia direta, não resulta um direito de âmbito geral à não discriminação em função da
orientação sexual que obrigue, por exemplo, os EM a autorizar o casamento entre pessoas do
mesmo sexo. Com fundamento no art. 19º TFUE, a UE pode adotar diretivas de harmonização. A
matéria exige, contudo, a unanimidade no seio do Conselho e a aprovação do PE. Por outro lado,
o âmbito das medidas não pode ultrapassar as competências da União, uma vez que os EM
conservam a competência de decisão em matéria de direito da família (art. 81º/3 TFUE). A
eficácia direta do princípio da não discriminação em função da orientação sexual e de outros
critérios, tal como previsto no art. 21º/1 CDFUE, só será viável em termos de invocabilidade
contenciosa se a matéria integrar o âmbito de competência da União e se estiver em causa uma
proibição de discriminação dotada de autoridade reforçada de princípio geral de direito da União.

A aplicação aos casos concretos da expressão “quando apliquem o direito da união”, com
a respetiva densificação a fazer-se em função das especificidades do litígio concreto e do
afinamento progressivo da doutrina aplicativa por parte do TJ num domínio tão sensível para os
EM- e para os titulares dos direitos- como é o do controlo de conformidade da sua legislação
com padrões de proteção dos direitos fundamentais que, por força do DUE, serão uniformes e
vinculativos.

No que tange a interpretação das disposições garantidoras de direitos que decorrem das
“tradições constitucionais comuns aos EM” existe um dever de interpretação em conformidade
ou harmonia com essas tradições (art. 52º/4). A Carta reconhece nas tradições constitucionais
comuns uma fonte de revelação de direitos, mas, em contrapartida, deixa ao guardião da Carta,

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os tribunais da União e dos EM, uma ampla margem de apreciação sobre o que possa ser julgado
a título de “comuns aos EM” e qual a exata configuração prática do veredicto de conformidade.

Noutro plano, as legislações e práticas constitucionais, para as quais remetem várias


disposições da CDFUE, devem ser plenamente tidas em conta na interpretação e aplicação de
tais disposições (art. 52º/6).

Como fonte integrante do “bloco de fundamentalidade” da UE que vincula os EM (art.


6º/1 TUE), a Carta é suscetível de invocação pelos particulares junto dos tribunais portugueses,
incluindo o TC.

A Carta não oferece uma garantia de proteção dos direitos que seja uniforme em todos
os EM. Por via de um protocolo anexo ao Tratado de Lisboa (Protocolo mnº30), o Reino Unido e
a Polónia (e mais tarde também a República Checa) obtiveram um estatuto particular que inibe
a invocação contenciosa das disposições da Carta, em especial as do Título IV, como parâmetro
de apreciação de compatibilidade da legislação interna. Apesar de ter constituído um precedente
rigoroso, ao admitir em matéria de direitos fundamentais uma lógica de geometria variável ou
integração a duas velocidades, a sua relevância prática é escassa, porque a larga maioria das
disposições da CDFUE constitui explicitação ou positivação de princípios gerais de direito que
vinculam todos os EM, nos termos do art. 6º/3 TUE, e cuja invocação perante os tribunais
nacionais não está abrangida pelo mecanismo de travão do Protocolo nº30.

A UE e a adesão à CEDH (um projeto adiado)

A possibilidade de uma adesão das Comunidades Europeias (depois UE) à CEDH passou a
ser debatida logo nos anos 70, com expressão institucional a partir de 1979. Uma questão
clássica, sucessivamente adiada em razão de obstáculos de ordem política e/ou de ordem
jurídica.

“A União adere à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais. Essa adesão não altera as competências da União, tal como definidas
nos Tratados” (art. 6º/2 TUE).

A expressão “adere” tem uma força de inegável imperatividade, que faz recair sobre a UE,
pelo menos, uma obrigação de meios, no sentido de dela exigir o desenvolvimento dos esforços
adequados e necessários à realização do objetivo da adesão. Reconhecida esta obrigação, e
falhado o objetivo por eventual inadequação dos meios escolhidos, coloca-se como hipótese no
plano da reação jurídica o recurso ao art. 265º TFUE que poderia culminar numa decisão do TJ
de condenação da UE por omissão contrária aos Tratados, cuja execução exigiria da UE a adoção
de medidas necessárias (art. 265º TFUE), sem excluir uma eventual responsabilidade
extracontratual pelos prejuízos causados em virtude da não adesão (art. 268º e 340º TFUE).

O verdadeiro entrave à adesão tem sido a questão das competências que o art. 6º/2 TUE
refere na segundo frase. Em 1996, no Parecer 2/94, o TJ estribou-se na falta de norma
habilitadora nos Tratados para rejeitar a possibilidade da adesão. Superado esta lacuna com o

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art. 6º/2 TUE, o TJ reitera a sua recusa no parecer 2/13, de dezembro de 2014, agora centrado
no objetivo de preservar a autonomia da União no exercício das suas competências, com
particular destaque para o monopólio de jurisdição do TJUE previsto no art. 344º TFUE.

O processo de adesão está, entretanto, suspenso para reflexão e por razões que são
compreensíveis não constitui uma prioridade na agenda política da UE, nem se antolha no plano
jurídico uma solução que seja, ao mesmo tempo, aceitável para o Tribunal de Luxemburgo e para
todos os Estados envolvidos, incluindo os Estados que são partes contratantes da CEDH e não
são membros da UE, como a Rússia e a Turquia.

Em todo o caso, chegados aqui, a questão que mais importa é a de saber se, afinal, a
adesão da UE à CEDH é mesmo necessária do ponto de vista da garantia de um nível europeu de
proteção dos direitos do homem?

REGENTE: vantagens no plano político e jurídico que resultariam de um verdadeiro


sistema europeu de tutela dos direitos fundamentais; não devemos ignorar o funcionamento na
prática de um tal sistema apoiado em standars comuns de proteção que são aplicados pelos
tribunais que formam o “triângulo judicial europeu”.

Lição nº 20

Garantia do nível mais elevado de proteção e funcionamento do triângulo judicial europeu

A. Pluralismo normativo, pluralismo das fontes e pluralismo aplicativo

1- A quem compete a aplicação da norma garantidora de direitos fundamentais no quadro


da ordem jurídica da UE?
2- O triângulo judicial europeu, formado pelo tribunal nacional, o TJUE e o Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem (TEDH), este competente para interpretar e aplicar a CEDH.
3- Uma norma de direito interno pode regular matéria que releva do âmbito de aplicação
do Direito da União e constitui, em função das restrições ou limites que impõe, uma
violação de certa disposição da CEDH;
4- E no caso de ocorrer uma violação por norma eurocomunitária de direito garantido pela
CEDH?

- UE não é parte contratante da CEDH; pelo que não pode ser formalmente demandada;

- Direito da CEDH é parte integrante do “bloco de fundamentalidade” da UE

4.1. U.E não é parte contratante da CEDH; pelo que não pode ser formalmente demandada.

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4.2. Direito da CEDH é parte integrante do “bloco de fundamentalidade” da U.E (art. 6º., nº3
TUE).

4.3 Jurisprudência Matthews- Estados-membros, enquanto membros da U.E e partes


contratantes da CEDH, são responsáveis, e demandáveis perante o TEDH- verificação do princípio
da responsabilidade coletiva ou conjunta dos Estados-membros.

4.4 Jurisprudência Bosphorus- relevo do princípio da proteção equivalente ou comparável;


equivalência entre o que é garantido no sistema da União e o que é exigido pelo sistema da CEDH.
A presunção favorável à equivalência é ilidível e reversível se se provar, no caso concreto, que o
sistema judicial e normativo da UE não atinge um nível suficiente e adequado de garantia.

B. Pluralismo normativo, conflito entre normas garantidoras e salvaguarda do nível mais


elevado de proteção:

1. Em caso de conflito entre normas garantidoras de direitos, qual destas normas deve
prevalecer?
2. Resposta clássica e apriorística: aquela que garanta ao titular do direito em causa
um nível mais elevado de proteção.
3. Problemas de aplicação prática: qual a norma de conteúdo mais garantístico?
Poderá depender da natureza poliédrica do direito em causa e, inevitavelmente, de uma
adequada ponderação e conciliação prática de valores, ex. a liberdade de imprensa e a
liberdade de expressão versus o direito à reserva da vida privada e familiar em casos de
ação penal movidos por políticos e figuras públicas contra jornalistas por alegado crime
de calúnia ou difamação.
4. A CDFUE não define critério unívoco de resolução de conflitos internormativos : art.
52º nº3, dá preferência ao padrão de proteção garantido pelo direito da união; art. 53º e
52º nº3 1 parte, dão preferência ao nível de proteção dos direitos tal como consagrados
pelo direito da união, pela CEDH (e os outros instrumentos internacionais de proteção
dos direitos do homem), bem como pelas Constituições dos Estados- membros. Aspeto
comum e convergente: decisão aplicativa no litígio concreto com base na norma que
assegure a “proteção mais ampla”, descartando soluções que impliquem restrições ou
amputações do âmbito de proteção previsto nas normas garantidoras que são, no caso
concreto, potencialmente aplicáveis.
5. Caso Melloni e a (des)aplicação do nível mais elevado de proteção em nome do
princípio do primado.

Estatuto de cidadania da União: natureza jurídica do vínculo e elenco de direitos

A. Natureza jurídica do vínculo de cidadania da União


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1. Base jurídica – art.9º TUE; art. 20º a 25º TFUE; art. 39º a 46º CDFUE
2. Origem- Tratado de Maastricht
3. É cidadão da união qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-
membro. A cidadania da união acresce à cidadania nacional e não a substitui.
Contrariamente ao que se verifica com a relação de pertença de um individuo ao Estado,
baseada num vínculo de natureza jurídico-política, a cidadania da União dispensa esta
dimensão algo simbólica da pertença a uma certa comunidade política. A cidadania da
união é um estatuto correspondente a um conjunto de direitos e deveres definidos pelos
tratados que não legitima da parte da união uma definição autónoma e própria de
critérios de atribuição e perda de cidadania.
4. Competência reservada aos Estados-membros em matéria de determinação dos
seus próprios nacionais, nos termos do direito internacional público, com limitações
decorrentes do respeito pelo direito da união- acórdão Micheletti. Um estado-membro
não pode interferir ou limitar a atribuição da condição de cidadão da união decorrente
da lei de nacionalidade de outro estado-membro (princípio do reconhecimento mútuo de
competências em matéria de atribuição de nacionalidade).

B. Estatuto: elenco de direitos e deveres do cidadão da união- um corpo de direitos civis e


políticos

1. Direitos expressamente previstos como inerentes ao estatuto de cidadão da união:


a- Direito de livre circulação no território dos estados-membros (exceções por razoes
de ordem pública, segurança pública e saúde pública; ex. covid e encerramento de
fronteiras)- art. 21º nº1 TFUE e art. 45º nº3 TFUE, art. 52º nº1 TFUE e art. 62º TFUE.
b- Direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o PE e nas eleições municipais do
estado-membro de residência art.22º TFUE.
c- Direito de proteção diplomática e consultar no território de países terceiros em que
o EM de que é nacional não se encontre representado art.23º TFUE
d- Direito de petição ao PE art.24º TFUE.
e- Direito de queixa ao provedor de justiça europeu art 24º TFUE
f- Direito de se dirigir por escrito a qualquer instituição ou órgão da união numa das
línguas oficiais previstas no art.55 nº1 TUE e art 24 TFUE.
g- Direito de apresentar uma iniciativa de cidadania europeia art 11 TUE e art 24 TFUE

2. Outros direitos art 21º nº2 TFUE, com o recurso ao nomeadamente


a. Previstos nos tratados – livre circulação dos trabalhadores, de estabelecimento ,
livre prestação de serviços , igualdade de tratamento entre homens e mulheres

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b. Previstos na CDFUE – direito a uma boa administração; direito de acesso aos


documentos.
c. Cláusula de extensão pela via do aprofundamento art 25º TFUE.
d. Cláusula aberta art 52º nº 4 CDFUE e art 53º CDFUE.

3. Problema específico dos deveres da cidadania


art 20º nº 2 TFUE, faz referência genérica aos deveres sem uma especificação. Cidadãos
da União estarão, pelo menos, sujeitos aos deveres e obrigações que condicionam o
exercício dos direitos reconhecidos; ex. dever de recenseamento nos termos da lei
eleitoral do estado-membro de residência como requisito ao exercício do direito de voto
nas eleições europeias e municipais.

4. Aspetos complementares

- os direitos políticos e a sua ligação ao projeto europeu de uma união política.

- estatuto de cidadão da união e diretriz de interpretação de normas de direitos fundamentais.

- o estatuto de cidadão da união tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos estados-
membros. Consequências: eficácia direta do art 20 nº2 TFUE- direitos integrantes do estatuto
de cidadania da União são suscetíveis de invocação por particulares, sem prejuízo das condições
e limites definidos pelos Tratados.

- art. 9º TUE consagra o estatuto de cidadania da união, relativo aos princípios democráticos. A
par do princípio da igualdade de tratamento, constitui uma diretriz de interpretação das normas
garantidoras de direitos fundamentais em sentido favorável à plenitude dos seus efeitos. As
questões mais recorrentes que opõe os cidadãos da UE às autoridades competentes do EM de
acolhimento estão relacionadas com as condições de exercício de 2 direitos basilares do estatuto
de cidadania: o direito de resistência e o direito à não discriminação em razão da nacionalidade.
O cidadão de um EM que vai para outro EM “tem o direito de afirmar “civis europeus sum” e de
invocar este estatuto para se opor a qualquer violação dos seus direitos fundamentais”.

- Seria, contudo, prematuro assumir que existe, no estádio atual de evolução do Direito da União,
uma total e plena equiparação entre o cidadão nacional e cidadão da União ou, noutra
perspetiva, que é irrelevante a razão, económica ou não, da permanência do cidadão de outro
EM no EM de acolhimento. Em relação aos cidadãos da União que não exercem uma atividade
económica, os chamados inativos, o reconhecimento do seu direito de residência depende da
prova que possam fazer de recursos suficientes de subsistência, de modo que não se tornem um
“encargo excessivo para o regime de segurança social do EM de acolhimento” (AC. caso Brey).

C. Direitos de cidadania e direitos sociais

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Os direitos de circulação e de residência estão sujeitos, no seu exercício aos limites e


condições previstos nos Tratados e no direito secundário. Diretiva 2004/38: estabelece 2
exigências para aqueles que não são trabalhadores por conta de outrem nem trabalhadores
independentes (art. 7º). Decorrido um período inicial de 3 meses de permanência num território
que não seja o sei Estado de nacionalidade, o cidadão da União só pode aí prolongar a sua estadia
se:

1) Fizer prova de dispor de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua
família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do EM
de acolhimento durante o período de permanência;
2) For titular de um seguro de doença de cobertura aplicável no EM de acolhimento.

Em relação aos estudantes oriundos de outro EM, as exigências financeiras são idênticas.
Assim, o direito de resistência, para além das exceções relativas à ordem pública, segurança
pública e saúde pública (art. 45º/3 TFUE) que só por si impedem uma equivalência de estatuto
entre o cidadão nacional e cidadão de outro EM, não depende unicamente da condição de, à luz
do art. 20º/1 TFUE, ser cidadão da União.

Em relação aos cidadãos de outros EM, que não exercem uma atividade económica,
estando em causa o seu direito de beneficiar de prestações sociais em pé de igualdade com os
cidadãos nacionais, a jurisprudência do TJ tornou-se fortemente restritiva sobre o entendimento
dos pressupostos do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade.

A “nacionalização” dos direitos sociais, com grave prejuízo para o conteúdo útil do direito
à não discriminação em razão da nacionalidade, é a consequência de uma notória falha de coesão
económica e social no seio da UE. No que respeita aos vários fatores de mediação da riqueza e
desenvolvimento social de cada EM, agravam-se as clivagens de uma UE de geometria (e
geografia) variável, marcada por crises sistémicas que tendem a perpetuar as fortes
desigualdades entre as economias dos EM (crise do euro e das dívidas públicas, recessão por
efeito da pandemia). O regime jurídico do mercado único e comum não logrou o efeito esperado
de convergência.

Lição nº21

Âmbito e natureza das competências da UE- princípios basilares

A. Aspetos introdutórios

1) UE: uma entidade de fins amplos e poder limitados;

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2) Instituições, órgãos e organismos da UE: não podem invocar um princípio de livre atuação
em qualquer domínio da vida social com fundamento exclusivo em razões de necessidade
ou de oportunidade;
3) UE, ao contrário do Estado, não tem a “competência das competências” (poder de
natureza constituinte para definir a sua própria competência), embora a linha
delimitadora dos respetivos poderes jurídicos de atuação seja muito flexível e de vocação
expansiva, sendo esta impulsionada por razões políticas (aprofundamento do processo
de integração europeia) e apoiada em ferramentas jurídicas variadas, cuja eficácia
depende muito da predisposição favorável do Juiz da União (“ativismo judicial”);
4) Limites da titularidade e exercício das competências eurocomunitárias sujeitos, sempre,
a controlo jurisdicional (pressuposto do Estado de direito);
5) Uma das questões mais controvertidas, que foi objeto da recente decisão do TC alemão
de 5 de Maio de 2020, é a de saber se a extensão contínua de poderes, baseada numa
certa presunção favorável à legalidade da atuação jurídica do decisor da União, não terá
um impacto excessivo, desproporcional e ilegítimo sobre o núcleo fundamental das
competências dos EM, nele provocando um efeito de erosão irreversível, incompatível
com o estatuto de um Estado soberano, que foge ao controlo das instituições
democráticas nacionais. Um dos aspetos centrais do estatuto jurídico da União e da sua
relação dinâmica com os objetivos da integração prende-se, justamente, com o problema
da repartição de competências entre o centro (a União) e as partes que o compõe (os
EM), em termos análogos ao processo histórico, marcado por avanços e recuos, de
afirmação do federalismo norte-americano.

B. Um sistema eurocomunitário de competências

1) A versão originária dos Tratados carecia de regras expressamente definidoras do modelo


de repartição vertical de poderes entre as Comunidades Europeias e os EM, salvo o art.
4º TCEE (“Cada Instituição atuará dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas
pelo presente Tratado”) e o art. 235º TCEE, correspondente ao atual art. 352º TFUE que
previa a extensão de competências por decisão unânime do Conselho. Devemos à
jurisprudência do TJ, sobretudo em sede de controlo de legalidade e de competência
consultiva sobre acordos internacionais, a definição dos alicerces do que seria depois
positivado pelos Tratados, a partir do Tratado de Maastricht até ao Tratado de Lisboa, e
constitui hoje, com inequívoca prioridade, o sistema eurocomunitário de competências.
Vantagens de tal evolução:
- adequada previsibilidade, proporcionada pela existência de bases jurídicas;
- qualificação da natureza das competências e, em particular, consagração dos 3
princípios basilares de cuja configuração resultam critérios gerais de interpretação e
integração de lacunas;
- maior efetividade da vontade pactícia dos EM sobre limites relativos ao exercício
unilateral ou partilhado de poderes de soberania;

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- estreitamente da margem de apreciação do TJ quando solicitado a dirimir litígios sobre


repartição de competências internas e externas, entre a UE e os EM.

2) Base jurídica do sistema eurocomunitário de competências:


o Princípio da competência de atribuição (art. 4º/1 TUE e art. 5º/1 e 2 TUE);
o Princípio da subsidiariedade (art. 5º/ 1 e 3 TUE);
o Princípio da proporcionalidade (art. 5º/ 1 e 4 TUE);
o Categorias e domínios de competência da União (arts. 2º.6º TFUE);
o Bases jurídicas genéricas (art. 114º TFUE; art. 352º TFUE);
o Competências de velocidade variável;
o Princípio da reversibilidade das competências da UE (art. 48º/2 TUE).

C. Princípio da competência de atribuição

1) Base jurídica: art. 4º/1 TUE; art. 5º/1/1ºparte e nº2 TUE. A União atua unicamente dentro
dos limites das competências que os EM lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar
os objetivos fixados;
2) Função: competência da União tem de ser baseada e justificada nas disposições dos
Tratados de função habilitadora. Esta exigência exclui formas de competência por
inerência ou competência residual. Sem base jurídica de atribuição, não existe
competência;
3) Alcance: determinação da titularidade da competência. Quem tem a competência: a UE
ou os EM? A resposta a esta questão convoca uma interpretação sistemática das
disposições dos Tratados de função potencialmente habilitadora.
Exemplos de normas habilitadoras (bases jurídicas):
- de âmbito geral: art. 114º TFUE (harmonização das legislações nacionais), art. 19º TFUE
(definição das medidas necessárias de combate à discriminação por razões diferentes do
critério da pertença nacional);
- de âmbito específico: art. 113º TFUE (harmonização das legislações nacionais do
domínio da tributação indireta); art. 153º TFUE (política social);
- de âmbito procedimental: art. 289º TFUE (PLO); art. 218º TFUE (celebração de acordos
internacionais).

D. Princípio da subsidiariedade

1) Base jurídica: art. 5º/ 1 e 3 TUE/ Protocolo nº2, relativo à aplicação dos princípios da
subsidiariedade e da proporcionalidade;

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2) Origem: Tratado de Maastricht;


3) Enquadramento: ideia de base filosófica e politológica que coincide com a vontade de
limitar (ou racionalizar) o nível de ingerência dos poderes públicos na vida social e na
liberdade individual. Este princípio transporta uma dupla razão de ser no que toca à
intervenção reguladora e social do Estado: limitadora e, por outro lado, na medida em
que tal ação se mostre necessária, legitimadora. No plano jurídico, a exigência de uma
atuação subsidiária gera tanto deveres de abstenção como deveres de ação, dependendo
da dinâmica da vida social;
4) Pressupostos: princípio de organização política, a subsidiariedade implica a existência de
vários níveis de decisão e de regulação das relações sociais- na UE nível eurocomunitário
e nível nacional. A subsidiariedade fundamenta, em princípio, a opção pelo nível de
decisão mais próximo do destinatário, salvo se razões de suficiência e de eficiência
exigirem uma atuação do nível mais abrangente, com impacto uniformizador das medidas
adotadas.
5) Art. 5º/3 TUE: subsidiariedade e proporcionalidade são princípios de racionalização do
exercício de competências pela União, ao passo que o princípio da competência de
atribuição funciona na fase de determinação da titularidade da competência para regular
certa matéria. Podemos resumir a operatividade destes 3 princípios sob a forma de 3
questões:

- Quem tem competência? (princípio da competência de atribuição: UE ou EM?);

- Quem deve exercer a competência? (princípio da subsidiariedade: UE ou EM?);

- Como deve ser exercida a competência? (princípio da proporcionalidade).

6) Limitação do teste da subsidiariedade no âmbito das competências partilhadas: distinção


entre competência exclusiva da UE (art. 2º/1 e 3º TFUE), competência partilhada entre a UE
e os EM (art. 2º/2 e 4º TFUE) e competências de coordenação (art. 6º TFUE);

7) Critérios relevantes do teste de subsidiariedade:

- Insuficiência: os objetivos da ação prevista não poderão ser suficientemente realizados


pelos EM, de forma unilateral ou concentrada (necessidade de medida eurocomunitária
avaliada em função, por exemplo, do caráter transfronteiriço da situação que importa
regular);

- Eficiência: ação da União é, por comparação com ações equivalentes ao nível estadual, mais
eficaz ou mais eficiente (teste do valor acrescentado).

8) Subsidariedade e controlo

- Político (Protocolo nº2, que envolve os parlamentos nacionais no controlo da


subsidiariedade de qualquer projeto de ato legislativo; art. 352º/2 TFUE);

- Procedimental (Protocolo nº2, art. 5º que obriga à fundamentação de qualquer projeto de


ato legislativo em função dos critérios de subsidiariedade e da proporcionalidade);

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- Contencioso (Protocolo nº2, art. 8º que permite, estendendo a legitimidade ativa do art.
263º TFUE, a impugnação de um ato legislativo por um parlamento nacional, representado
pelo Governo do seu EM, e pelo Comité das Regiões). A regra é a do caráter sindicável da
compatibilidade do ato jurídico da União com o princípio da subsidiariedade, seja através das
vias processuais acionáveis junto do TJUE (art. 263º TFUE; art. 267º TFUE) seja através das
vias processuais previstas nos direitos dos EM.

9) Âmbito do controlo: nos termos do art. 263º TFUE (recurso de anulação), o TJUE é
competente para declarar a ilegalidade de um ato jurídico da UE por violação do princípio da
subsidiariedade. A exigência de uma atuação subsidiária por parte da União não se limita a
ser uma diretriz de boa governação, é um elemento integrante da validade do ato jurídico,
legislativo ou não, suscetível de controlo jurisdicional. Sobre a intensidade ou natureza deste
controlo, o TJUE segue uma orientação de auto-restrição dos seus poderes, limitando a sua
censura (e consequente declaração de nulidade do ato) aos casos de erro manifesto de
apreciação, ou seja, de violação grosseira dos pressupostos de aplicação do teste da
subsidiariedade. O TJ entende- e bem na perspetiva da REGENTE- que, envolvendo o teste da
subsidiariedade escolhas de política económica e social, só se deve substituir ao decisor da
União nos casos limites de transgressão ostensiva da justificação em função da
subsidiariedade, posição igualmente coerente com o princípio da presunção de legalidade do
ato.

E. O princípio da proporcionalidade

1) Base jurídica: art. 5º/1 e 4 TUE/ Protocolo nº2, relativo à aplicação dos princípios da
subsidiariedade e da proporcionalidade;
2) Origem: Tratado de Maastricht;
3) Antecedentes: à jurisprudência do TJ se deve a configuração do princípio da
proporcionalidade, sinónimo de razoabilidade e justa medida, como critério de aferição
da legalidade do ato jurídico eurocomunitário;
4) Âmbito: o princípio da proporcionalidade, na sua conhecida função de princípio geral de
Direito, tem uma dupla dimensão parametrizadora. Em relação aos atos jurídicos da
União e em relação aos atos jurídicos dos EM que, eventualmente, estabeleçam
restrições desnecessárias e desproporcionais às liberdades comunitárias e aos direitos
fundamentais vinculativos no âmbito da ordem jurídica da UE (teste de ponderação). Por
outro lado, o princípio da proporcionalidade, nos termos do art. 5º/4 TUE, é imperativo
em toda a latitude da competência da União- exclusiva, partilhada ou de coordenação;
5) Critérios operativos no teste da proporcionalidade:
- Adequação ou idoneidade da medida adotada;
- Necessidade da medida em causa;

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- Equilíbrio entre o fim preconizado e a medida aprovada (proporcionalidade em sentido


estrito, interpretada como garantia da proibição do excesso que exclui as medidas que,
embora adequadas e necessárias, se revelem excessivas e desrazoáveis porque, por
exemplo, existiriam outras medidas, igualmente adequadas e efetivas, que seriam menos
restritivas).
6) Aplicação jurisprudencial: importa distinguir entre, por um lado, a verificação da
proporcionalidade quando estão em causa medidas adotadas pelas autoridades nacionais
(controlo pleno) e, por outro lado, a aplicação do teste de proporcionalidade em relação
a atos jurídicos da UE (controlo restrito, limitado à limitação manifesta e grosseira de
exigências de adequação e razoabilidade; presunção favorável à proporcionalidade da
medida).

Lição nº 22

A vocação expansiva e adaptativa dos poderes da UE- instrumentos jurídicos de interpretação e


ampliação de competências

A. Aspetos introdutórios

O princípio da competência por atribuição não é incompatível com mecanismos de


flexibilização e de adaptação do perímetro competencial, com dispensa do formalismo da revisão
do estatuto jurídico da entidade em causa. Nestes mecanismos sobressaem a teoria dos poderes
implícitos e a interpretação teleológica e evolutiva.

O Direito Comunitário incorpora este legado, aprofunda a eficácia extensiva do princípio


da implicação de poderes em combinação com o princípio da efetividade institucional. Por outro
lado, os Tratados de Roma preveêm desde a sua versão originária uma cláusula de poderes
necessários que, verificados certos requisitos substantivos e procedimentais, permite ir para
além da abertura que é possível justificar com base em critérios puramente hermenêuticos (art.
352º TFUE).

B. A teoria dos poderes implícitos e a interpretação dos Tratados como um programa de


ação
1. Origem da teoria dos poderes implícitos: direito constitucional norte-americano; Direito
das Nações Unidas;
2. Como funciona: inferência de poderes não tipificados, mas necessários ao exercício pleno
e eficaz da competência expressa ou da realização de um fim expressamente previsto no
estatuto jurídico do ente institucional (relação de adequaçãp dos meios aos fins);
3. Conceção restrita: só são admitidos poderes implícitos a partir da representação de
poderes expressos e que não ultrapassem uma função complementar ou ancilar;
4. Conceção ampla: são ainda poderes implícitos os que se deduzem, no quadro de uma
relação de inferência lógica, como necessários à prossecução das atribuições e fins; como
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fins ou missões da entidade são comummente definidos em termos muito amplos


(preâmbulo do TUE e do TFUE, referindo este o objeto de “estabelecer os fundamentos
de uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus” art. 3º/1 TUE), coloca-se o
problema dos limites a opor a esta extensão das competências em função dos fins,
suscetível de comprometer a razão de ser do princípio da competência de atribuição e de
resvalar para práticas institucionais de atos ultra vires, corroboradas ou não pela
jurisprudência.
5. Origem e relevância da teoria dos poderes implícitos no DUE:

-“a existência de um poder regulamentar implícito, que constitui uma derrogação ao


princípio da atribuição (…) deve ser apreciada de modo estrito. Só excecionalmente esses poderes
são reconhecidos pela jurisprudência e, para que o sejam, devem ser necessários para assegurar
o efeito útil das disposições do tratado ou do regulamento de base em causa”

-Poderes implícitos e poderes inerentes- o TJ não apenas reconhece a existência de


poderes implícitos justificados pela necessidade de atingir objetivos, como aceita que a UE possa
adotar medidas quando e sempre que estas se revelem necessárias para alcançar objetivos
relativos a outras políticas.

- Codificação da doutrina do paralelismo da competência no art. 216º/1 TFUE (“A União


pode celebrar acordos com um ou mais países terceiros ou organizações internacionais quando
(…) a celebração de um acordo seja necessário para alcançar, no âmbito das políticas da União,
um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados, ou quando tal celebração esteja prevista num ato
juridicamente vinculativo da União ou seja suscetível de afetar normas comuns ou alterar o seu
alcance”);

- O papel excessivamente criativo do TJ na interpretação das normas de competência dos


Tratados, guiado por uma visão maximalista de um programa de ação inscrito nos Tratados que
não deveria “tropeçar” em entraves jurídicos, mereceu críticas contundentes da parte de alguns
setores da doutrina. Mesmo os autores defensores da linha interpretativa do TJ admitem que a
sua jurisprudência ultrapassou os limites da hermenêutica com base numa pré compreensão do
recorte político. REGENTE: a questão fundamental de saber se a UE poderia ou não decidir,
poderia ou não legislar ficava dependente de uma avaliação casuística que lia nos Tratados a
solução mais conveniente de um ponto de vista de efetividade da ação política que, não raras
vezes, carecia de apoio, exegético ou teleológico, no texto dos Tratados que são a expressão
vinculante da vontade soberana dos EM.

C. O art. 352º TFUE e a cláusula de poderes necessários

1. Relevância: no contexto do Tratado de Roma, enquanto art. 235º TCEE e depois art. 308º
TCE, dos anos 60 até à primeira revisão dos tratados com o QUE, esta disposição serviu
frequentemente para assumir poderes não previstos e lançar as bases de novas políticas,

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como a política regional e a política do ambiente, incluindo a celebração de acordos


internacionais no domínio da ajuda alimentar de emergência a países terceiros. A partir
do Tratado de Maastricht, as sucessivas revisões vão introduzir no texto dos Tratados
bases jurídicas que, explicitando poderes ou especificando fins, tornam o art. 352º TFUE
uma base jurídica de invocação excecional, situação à qual não é alheia a dificuldade de
alcançar a exigida unanimidade no Conselho, um conclave alargado de 27 EM;
2. Como funciona: se uma ação da União for considerada necessária, no quadro das políticas
definidas pelos Tratados, para atingir um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados, não
estando previstos os poderes necessários, o Conselho, deliberando por unanimidade,
após aprovação do PE, adota as disposições adequadas, sob a forma de ato jurídico típico
ou atípico. Está vedado o recurso ao art. 352º TFUE para as matérias em que esteja
excluída a harmonização das legislações nacionais (ex: sobre saúde pública, art. 168º/5
TFUE). Também não pode constituir fundamento para realizar objetivos no âmbito da
PESC (art. 352º/4 TFUE);
3. Limites substantivos: no parecer de 28 de março de 1996, sobre a adesão da Comunidade
Europeia à CEDH, o TJ foi claro ao excluir a admissibilidade do (então) art. 235º como base
jurídica de medidas que envolveriam uma alteração fundamental. Assim, o art 352º TFUE
não é idóneo para dar “passos de gigante” e se substituir ao processo de revisão do art.
48º TUE;
4. Controlo da subsidiariedade: art. 352º/2 TFUE, fundamenta um dever de alerta dos
Parlamentos nacionais por parte da Comissão, ao abrigo do Protocolo nº2, e uma
obrigação acrescida de fundamentação das suas propostas no que se refere à
necessidade das medidas.

Delimitação da esfera jurídica de ação- em especial a fronteira entre competência exclusivas e


competências partilhadas

Até ao Tratado de Lisboa, a distinção entre competências exclusivas e partilhadas


resultava, salvo poucas exceções, de qualificação jurisprudencial e doutrinária, o que dificultava
o estabelecimento da fronteira entre poderes da UE e poderes dos EM.

Competências exclusivas

Com o novo Tratado, o art. 3º/1 TFUE elenca domínios da competência exclusiva:

o União aduaneira;
o Estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado
interno;
o Política monetária para os EM cuja moeda seja o euro;
o Conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas;
o Política agrícola comum.
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Art. 3º/2 TFUE (em articulação com o art. 216º/1 TFUE): A UE goza ainda de competência
exclusiva para concluir acordos internacionais quando a sua celebração esteja prevista num ato
legislativo da União (princípio do paralelismo da competência), seja necessária para lhe dar a
possibilidade de exercer a competência interna (teoria dos poderes implícitos), ou seja, suscetível
de afetar regras comuns ou de alterar o alcance (princípio da coerência normativa). O regime do
art. 3º/2 TFUE visa robustecer a competência externa da UE, suscetível de ser tratado como de
natureza exclusiva mesmo que verse sobre matérias que no plano da regulação interna são de
exercício partilhado. EX: se a UE adota um instrumento legislativo sobre a proteção do Ambiente
(competência partilhada- art. 4º/1/e TFUE), uma tal ação de regulação intracomunitária abre a
porta à prerrogativa da exclusividade na celebração futura de acordos internacionais se:

- O ato legislativo adotado o prevê;

- Se for necessário ao exercício da competência interna;

- Se o acordo internacional for suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance


das mesmas.

Pode acontecer, como já foi admitido num caso, que exista uma competência exclusiva
interna mesmo na ausência de exercício prévio pela União da competência partilhada. Um
entendimento que concretiza uma precompreensão favorável do TJUE à fundamentação da
competência externa estribada numa interpretação extensiva (talvez abusiva) das obrigações de
cooperação leal dos EM com a UE, fortemente limitativa da competência de vinculação e da ação
externa pelos EM em domínios que, à partida, seriam de competência partilhada.

No parecer 2/15, o TJ confirmou esta conceção alargada dos pressupostos do art. 3º/2
TFUE e do art. 216º/1 TFUE. Na parte em que se exige a suscetibilidade de afetar regras comuns
ou de alterar o alcance das mesmas, o TJ avalia o risco de tal afetação com uma exigência mínima
como se tratasse de uma presunção de risco. Na dúvida, a UE deve substituir-se aos EM no
exercício da competência externa.

O caso Pringle foi uma exceção, com reconhecimento do poder por parte dos EM de
celebrar entre si o Acordo que criou o Mecanismo Europeu de Estabilidade e que não afetaria as
regras comuns em matéria económica e de política monetária. Foi justamente uma exceção,
justificada pela necessidade de viabilizar uma solução de natureza intergovernamental para
superar a crise do euro.

A distinção clássica entre competência externa implícita exclusiva e competência externa


implícita partilhada, formalmente não abandonada, perdeu, contudo, aplicação prática, devido a
uma jurisprudência sucessivamente reiterada. A jurisprudência desenvolvida em torno do regime
do art. 3º/2 TFUE (e art. 216º/2 TFUE) conclui no sentido da existência de competências implícitas
de natureza exclusiva que dispensem o procedimento do acordo misto.

O art. 2º/2 TFUE define a noção e o alcance de uma competência exclusiva ao determinar
que na situação em que os Tratados atribuam à União competência exclusiva em determinado
domínio, só a UE poderá legislar e adotar atos juridicamente vinculativos. Neste caso, o EM só

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pode legislar ou adotar atos juridicamente vinculativos se e na medida em que estejam


habilitados pela UE ou com o objetivo de dar execução aos atos da União.

A UE tem ainda competências exclusivas por inerência (poderes de auto-organização,


como acontece com as regras aplicáveis à função pública da UE) e por preempção (exercício
exaustivo de competência reguladora sobre determinada matéria inibe o legislador nacional de
o fazer, salvo se a UE decidir, em função do critério da subsidiariedade, optar pela revogação da
legislação de efeito preclusivo e assim promover uma renacionalização de competência- art.
2º/2/in fine, TFUE).

Aos EM está vedado o poder de avançar com uma cooperação reforçada quando esta
afete uma competência exclusiva da UE (art. 329º/1 TFUE).

Competências partilhadas

Nos domínios da competência partilhada entre a UE e os EM, o decisor eurocomunitário


e o decisor nacional podem legislar e adotar atos juridicamente vinculativos (art. 2º/2 TFUE).

Art. 4º/2 TFUE: enumera, com caráter não exaustivo, os domínios de competência
partilhada que cobrem todas as matérias que não são de competência exclusiva (art. 3º TFUE)
nem de competência complementar de coordenação (art. 6º), como é o caso do mercado interno
e da coesão económica, social e territorial.

Qualquer competência sobre matéria não tipificada presume-se como integrante da


categoria de competência partilhada (competência-regra). O facto de ser partilhada não é
sinónimo de competência concorrente, e não se pode deduzir a UE e os EM estão numa posição
de igualdade. A partir do momento em que a UE adota regulação sobre a matéria, o decisor
nacional fica impedido de legislar em sentido que não seja compatível com o regime jurídico
eurocomunitário. O inverso não se verifica: a UE não está impedida ou inibida de legislar sobre a
matéria regida pelo direito interno e de o fazer com um alcance diferente e derrogatório.

Variação das situações em que se desdobra a competência partilhada, hipóteses:

1) Competência partilhada ainda não exercida pela União- enquanto a competência não for
exercida, os EM são livres de manter a regulação existente e de alterar, embora com o
dever de respeitar as limitações resultantes dos Tratados, como se verifica no âmbito das
liberdades de circulação do mercado interno em relação por exemplo às condições de
exercício de atividade laboral ou às restrições à circulação dos trabalhadores com
fundamento em razões de ordem pública;
2) Competência partilhada exercida pela União- se e na medida em que o decisor da UE
legislou, o decisor nacional foi desalojado do respetivo espaço de regulação normativa
(espaço de preempção), salvo se o ato eurocomunitário autorizar o decisor nacional a
fazê-lo, nomeadamente com o objetivo de completar ou desenvolver. O efeito
preemptivo só se verifica em relação à matéria regulada, pelo que os EM manterão a

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margem de decisão para enquadrar os aspetos normativos que não foram ainda tratados
por ato jurídico da UE (Protocolo nº 25);
3) Competência partilhada pela União e delegada aos EM- se a UE pode atribuir habilitações
específicas em favor dos EM em domínios da competência exclusiva, por maioria de razão
também o pode fazer (e faz) em áreas de competência partilhada. A extrema
complexidade da regulação jurídica em áreas como a política social e proteção do meio
ambiente aponta a conveniência de uma partilha de responsabilidades segundo critérios
de subsidiariedade e atuação complementar. O princípio da subsidiariedade (art. 5º/3
TFUE), é aplicável em toda a sua latitude no campo das competências partilhadas,
incluindo como critério de definição do grau desejável de intervenção funcional do
decisor da UE e do decisor nacional na perspetiva da otimização da regulação jurídica da
matéria em causa;
4) Competência partilhada que deixou de ser exercida pela União- conforme resulta do art.
2º/2 TFUE, os EM voltam a exercer a sua competência na medida em que a União decidiu
renunciar a fazê-lo. A renacionalização da competência é uma decorrência do princípio
contratualista que enquadra a atribuição de competências à União pelos EM. Não se trata
de uma transferência de competências, definitiva e irreversível. A figura jurídica
adequada é a da delegação de competências: a titularidade é mantida pelos EM que se
limitam a delegar o seu exercício, passível de regressar à esfera jurídica dos EM por via
da avocação (revisão dos tratados, conforme art. 48º/2 TUE) seja pela via da decisão da
entidade delegada que revoga os atos legislativos existentes (art. 2º/2º/in fine, TFUE).

Importância da renacionalização de competências: Declaração nº18 sobre a delimitação


de competências introduz uma clarificação que demonstra a ideia que se trataria de uma situação
rara ou improvável. No quad4o do art. 241º TFUE, o Conselho, a pedido de um ou vários dos seus
membros, pode solicitar à Comissão que pondere a oportunidade da revogação de atos
legislativos e lhe submeta propostas com esse objetivo para melhor garantir o respeito dos
princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

Competências atípicas

Constitui uma 3º teoria de composição heterogénea. Podemos divisar 2 realidades:

A. Competências híbridas

Nos domínios das políticas económicas e de emprego (art. 2º/3 TFUE) e da PESC (art. 2º/4
TFUE e título V do TUE, arts. 21º a 46º), a UE exerce poderes de configuração variável entre uma
competência de mera coordenação e uma competência partilhada. Trata-se de domínios típicos
de reserva estadual de soberania nos quais, sem prejuízo de interesses e objetivos comuns, se
articula ação eurocomunitária e ação intergovernamental.

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No caso da política económica e de emprego, a União atua no quadro de uma


competência de coordenação, exercida sob a forma de orientações gerais (art. 5º TFUE). O
modelo sofreu uma importante inovação que resultou da chamada Governação Económica do
Euro. Após a crise financeira e orçamental de 2008, e dado o risco sério de derrocada do euro,
os EM, numa combinação de instrumentos intergovernamentais (ex. Pacto Orçamental) e atos
jurídicos vinculativos da UE, implementaram, nos Tratados, uma política económica europeia,
tão constringente e redutora da soberania de cada EM.

Em relação à PESC, é ainda mais evidente a componente intergovernamental, herdeira


do chamado segundo pilar dos primórdios da UE. Consequências da opção pelo
intergovernamentalismo: maior peso institucional do Conselho Europeu e Conselho na tomada
de decisões, regra da unanimidade e consenso, papel secundário do PE e Comissão (Declaração
nº 14, 2º parágrafo, anexa aos Tratados).

A linha um tanto imprecisa de definição dos poderes da UE, comprimidos pela


subsistência das responsabilidades e competências dos EM, gera situações controvertidas de
coexistência entre estas competências híbridas e as competências plenas, exclusivas ou
partilhadas, da União.

Ex: no caso Gauweiler, o TJ foi instado a responder à questão de saber se um determinado


programa de intervenção no mercado da dívida soberana nacional seria uma medida de política
económica ou uma medida de política monetária, esta de natureza exclusiva e do âmbito de
competência própria do BCE.

B. Competências de coordenação

Em determinados domínios, e consoante as regras definidas pelos Tratados, a UE dispõe


de competência para desenvolver ações destinadas a apoiar, a coordenar ou a completar a ação
dos EM, sem substituir a competência destes nesses domínios (art. 2º/5 TFUE). Nestas situações,
a UE não se deve substituir aos EM e está impedida de adotar atos juridicamente vinculativos
que envolvam uma harmonização (e uniformização) das disposições legislativas e
regulamentares dos EM, salvo se a base jurídica específica o permitir (ex. art. 168º/5 TFUE, que
em matéria de saúde pública, domínio de coordenação, habilita o legislador da União de poderes
para aprovar atos legislativos).

O art. 6º TFUE identifica 7 áreas de atuação complementar e de coordenação por parte


da UE, na sua finalidade europeia: proteção e melhoria da saúde humana, indústria, cultura,
turismo; educação, formação profissional, juventude e desporto; proteção civil e cooperação
administrativa.

A referência a “finalidade europeia” restringe a ação da UE a medidas justificadas por


necessidades transfronteiriças ou transnacionais que superam a mera dimensão da política
nacional em matérias, por exemplo, de política educativa ou de proteção civil. EX. medidas de
combate à pandemia.

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A UE tem competências de regulação com incidência nas políticas nacionais de saúde ao


abrigo do art. 168º/5 TFUE, do art. 114º/ 1 e 3 TFUE (harmonização das legislações nacionais) e
art. 153º/1/ a) e b) TFUE (política social e saúde dos trabalhadores).

O limite ao exercício destas competências pelo decisor eurocomunitário foi deixado em


segundo plano face à urgência de medidas centralizadas no combate eficaz à pandemia,
nomeadamente a aquisição de vacinas, o financiamento de programas de gestão comum dos
recursos, controlo dos medicamentos, apoio à investigação. A pandemia ~, funcionou como um
poderoso acelerador da definição e execução de uma Política Comum de Saúde Pública, que, não
estando expressamente prevista nos Tratados, constitui um duplo teste: por um lado, um teste
à flexibilidade da teoria da base jurídica e, por outro lado, um desafio ao nível de compromisso
político por parte de todos os EM em torno de uma resposta comum e convergente (ex. o êxito
da negociação para a compra de vacinas anti-Covid 19 conduzida pela Comissão ficará
prejudicado se algum ou alguns dos EM encetarem negociações unilaterais).

Competências da UE e políticas de velocidade variável

Existem políticas da UE que, regidas pelos princípios e critérios do método comunitário,


não abrangem, todavia, todos os EM. Cabe referir áreas principais que, no estádio atual de
evolução do processo de integração eurocomunitária, nos remetem para níveis distintos de
exercício em comum de poderes de soberania, em velocidade que varia seja em função do nº de
EM envolvidos seja em função do grau de vinculatividade dos poderes exercidos pelo decisor da
UE.

A. Política Monetária e os EM cuja moeda não é o euro

Em 1992, quando foi adotada a decisão de criar uma moeda única, Reino Unido e
Dinamarca manifestaram o desejo de não participar (regime de “opt-out”). Outros EM, apesar
do seu acordo de princípio, ficaram sujeitos a um regime transitório (art. 139º a 144º TFUE),
aplicável até ao momento em que preencham os exigentes requisitos de adesão ao euro (art.
140º TFUE). A Janeiro de 2021, 8 dos 27 EM estão neste limbo da política monetária- Bulgária,
República Checa, Hungria, Polónia, Roménia, Suécia e Croácia.

B. Espaço de liberdade, segurança e justiça

As medidas adotadas no quadro do Título V da Parte III do TFUE (arts. 67º a 89º) são
aplicáveis a todos os EM, com exceção da República da Irlanda (Protocolo nº21) e da Dinamarca
(Protocolo nº 22). A República da Irlanda ressalvou a possibilidade de exercer “opt-in” em relação

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a determinados atos jurídicos, dependente do acordo unânime do Conselho (art. 3º, Protocolo
nº 21).

Espaço Schengen: objetivo de eliminação do controlo de fronteiras entre os países


participantes pela via da uniformização de regras e procedimentos de fiscalização na fronteira
externa e a garantia de livre circulação no território Schengen. No regime transitório
permanecem Chipre, Bulgária, Roménia e Croácia. Em contrapartida, Estados que não são
membros da UE, como Noruega, Islândia, Suiça e Lichestein, aplicam pelo menos em parte o
acervo de Schengen.

C. Cooperações reforçadas

Os Tratados reconhecem aos EM o direito de, mediante decisão favorável de um grupo


mínimo de 9 participantes, estabelecer objetivos de integração e meios jurídicos de ação mais
ambiciosos (art. 20º TUE e arts. 326º a 334º TFUE).

Uma vantagem da cooperação reforçada é a de funcionar como elevado potencial


dissuador em relação a estratégias de obstrução sistemática da parte de um EM (direito de veto
no caso da unanimidade) ou de um grupo de EM (direito de voto no caso de deliberação por
maioria). Trata-se, contudo, de uma decisão de último recurso, depois de esgotadas as hipóteses
no Conselho de atingir, num prazo razoável, uma defesa favorável aos objetivos de integração
em causa (art. 20º/2 TUE).

Não podem incidir sobre matérias da competência exclusiva da União (art. 20º/1 TUE)
nem prejudicar o mercado interno e a coesão económica, social e territorial. As cooperações
reforçadas estarão igualmente vedadas se constituírem uma restrição ou discriminação ao
comércio entre os EM, tal como não podem provocar distorções de concorrência (art. 326º
TFUE).

Os Tratados definem com particular exigência os requisitos materiais e procedimentais


aplicáveis à criação e ao funcionamento da cooperação reforçada (art. 20º TUE + arts. 326º a
334º TFUE). A preocupação fundamental é a de acautelar a integridade do acervo
eurocomunitário. Está em causa a superior necessidade de preservar os interesses da União.
Logo a exceção não deve tornar-se regra.

REGENTE: as cooperações reforçadas oferecem vantagens que dependem de se manter


como excecional a autorização deste veículo (“de último recurso”). Um quadro eventual de
multiplicação de cooperações reforçadas tornará muito difícil a aplicação e eficácia do DUE como
um bloco de normatividade coerente no essencial dos objetivos que prossegue e dos
mecanismos jurídicos que prevê.

A observância dos requisitos materiais e procedimentais pelo tao de autorização da


cooperação reforçada cai no âmbito de jurisdição do TJUE, mormente pela via do recurso de
anulação, com o TJ a optar por uma aplicação contida dos seus poderes de escrutínio. Como

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igualmente fiscalizáveis serão os atos que vierem a ser aprovados no quadro da cooperação
reforçada, via recurso de anulação ou processo de questões prejudiciais.

Desde Julho de 2010, foram autorizadas com êxito algumas cooperações reforçadas,
como por exemplo o Regulamento (UE) nº 1259º/2010 relativo à lei aplicável em matéria de
divórcio e separação judicial.

Sem acordo à vista, com avanços e recuos desde 2012, aguarda o projeto de cooperação
reforçada para a criação de um sistema comum de imposto sobre transações financeiras (a
chamada Taxa Tobin).

Além do modelo-regra das cooperações reforçadas os Tratados permitem 3 variantes


específicas com características próprias:

1) No domínio da PESC (arts. 238º/2 TFUE, 239º/2 TFUE e 331º/2 TFUE);


2) A Cooperação Estruturada Permanente no âmbito da Política de Segurança e Defesa (art.
42º/6 TUE e Protocolo nº10;
3) A cooperação reforçada no âmbito do Acordo Schengen (art. 1º do Protocolo nº 19).

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