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Índice
Comunidades e União Europeia. Direito Comunitário, Direito da União Europeia e Direito
Eurocomunitário ....................................................................................................................................... 5
Os fundamentos históricos do desígnio europeu .................................................................................... 9
A Europa do pós-1945. A criação das três Comunidades Europeias ..................................................... 12
As estapas do processo de integração europeia .................................................................................... 20
O Tratado de Lisboa e a afirmação da UE como espaço de integração política .................................... 33
Método comunitário e princípio contratualista: um certo regresso às origens ................................... 37
Sobre a natureza jurídica da União Europeia ......................................................................................... 44
A UE e a vertigem das crises sucessivas (2008-2020)............................................................................. 46
O futuro da União europeia.................................................................................................................... 50
Sistema institucional da UE- noções básicas .......................................................................................... 55
Estrutura institucional e fontes de legitimidade.................................................................................... 58
Quadro comum de funcionamento das instituições, órgãos e organismos .......................................... 59
Princípios fundamentais de vinculação institucional............................................................................. 66
Parlamento Europeu ............................................................................................................................... 73
O Conselho Europeu ............................................................................................................................... 87
O Conselho da União Europeia ............................................................................................................... 92
Os guardiões dos Tratados ................................................................................................................... 105
Comissão Europeia ................................................................................................................................ 106
Tribunal de Justiça da União europeia ................................................................................................. 118
Banco Central Europeu ......................................................................................................................... 122
Tribunal de Contas ................................................................................................................................ 127
Órgãos criados pelos Tratados ............................................................................................................. 129
Órgãos criados pelo decisor da União Europeia – comités e organismos personalizados ................. 137
Procedimentos de decisão; separação de poderes e sistema de governo da União Europeia:
atipicidade VS tipicidade ...................................................................................................................... 141
Os procedimentos de aprovação de atos legislativos.......................................................................... 144
Procedimento de aprovação de atos não legislativos ......................................................................... 147
O procedimento de vinculação internacional da União Europeia ....................................................... 149
Procedimento de aplicação de sanções políticas pela União Europeia aos estados-membros ......... 150
As fontes do Direito da União Europeia ............................................................................................... 152
Direito Primário .................................................................................................................................... 153
Direito secundário: ............................................................................................................................... 159
Ordem jurídica eurocomunitária e Direito Internacional: aspetos gerais........................................... 166
Direito Internacional de fonte convencional ....................................................................................... 167
Outras fontes ........................................................................................................................................ 169
Ideia de europa- antiga. Alguns autores dizem que nasceu na Grécia antiga em 700 a.c,
ideia que começa na literatura da Grécia antiga e que depois passa para o próprio pensamento
político e a europa talvez seja mais do que uma entidade geográfica, uma entidade cultural e
política. Ideia anterior a qualquer esforço de confederação.
- Plano jurídico institucional: reporta-se à união europeia, que é uma entidade, dotada de
um estatuto jurídico próprio
- Num plano diferente, mas complementar temos uma ideia de europa, uma ideia de
identidade europeia, como realidade do pensamento, cultural, como ambição politica.
Uma interação e diálogo permanente entre estes 2 planos: o plano jurídico institucional
e o plano político ideológico. Quando procuramos traçar a união histórica da UE, temos 2
caminhos possíveis: caminho mais longo, que nos leva a recuar até à grécia antiga, e percorrer a
sua evolução, ao longo da idade media, da idade moderna, do período contemporâneo…
percurso mais longo
Depois temos o mais curto: começa no começo- com a criação das comunidades
europeias.
Que idade tem a união europeia? depende se nos reportarmos à criação da primeira
comunidade europeia criada pelo tratado de paris assinado solenemente em 18 de abril de 1951-
a união europeia vai fazer 70 anos. Se nos reportarmos aos tratados de Roma que vão criar as
outras 2 comunidades - a comunidade europeia da energia atómica e a comunidade económica
europeia, então estamos a referimo-nos a 1957- 64 anos, um pouco menos. Mas se nos
referirmos precisamente à criação da entidade união europeia e não das suas antecessoras, as
comunidades europeias, então aí temos de nos referir a 1992- o ano em que foi assinado o
primeiro tratado da união, tratado de Maastricht, a união europeia será uma jovem adulta com
19 anos.
Tudo teria começado em 1950 com a declaração Schuman e tudo teria acabado com esse
tratado de extinção, por vontade dos seus membros.
UE- processo, evolução contínua, em que uma fase antecipa outra e há ali um método de
engrenagem, de evolução continuada e de certa forma que torna aquilo que vai sendo obtido
relativamente irreversível, criando o que a declaração Schuman chama de solidariedade de facto.
O projeto de integração europeia é um processo que se desenvolve por etapas, por vezes
existem recuos estratégicos para avanços mais auspiciosos, mas é um processo em aberto (work
in progress).
Lição nº1
Desde a criação das três Comunidades Europeias, na década de cinquenta do séc. XX, a
expressão Direito Comunitário tornou-se a fórmula mais comum de designação do conjunto de
regras e princípios aplicáveis à existência e ao funcionamento da respetiva estrutura decisória de
poder.
No novo quadro definido pelo Tratado de Lisboa (2009), que extinguiu a Comunidade
Europeia e eliminou do texto dos Tratados toda e qualquer referência ao termo comunitário e
derivados, poderemos continuar a falar de Direito Comunitário sem correr o risco de parecermos
anacrónicos ou indiferentes à mudança? Não temos dúvidas acerca da suficiência e adequação
da expressão Direito da União Europeia para descrever o conjunto de regras e princípios
conformadores do estatuto jurídico da União Europeia. Esta designação não prejudica, contudo,
o acerto dos que continuam a falar em Direito Comunitário e suas declinações (processo
comunitário, ato comunitário, instituições e órgãos comunitários). Neste caso, a expressão
Direito Comunitário designa o direito criado e aplicado segundo o método comunitário que não
só sobreviveu ao Tratado de Lisboa como nele se viu reforçado. Sem pôr em causa a natureza
adquirida da expressão comunitário no processo de construção da União Europeia, mas com o
objeivo de sublinhar a sua adaptação a esta nova etapa encetada com o Tratado de Lisboa, temos
proposto a fórmula compósita eurocomunitário que, com inteira propriedade, descreve a
singulariedade do modelo jurídico da União, de génese comunitária e de base europeia.
Trata-se de uma evolução natural que põe fim a longas décadas de um silêncio quase desdenhoso
sobre a revelância interna do Direito Comunitário, ignorado como se fosse uma manifestação
espúria de intenção normativa.
Importa, contudo, não confundir doutrina do Direito da União Europeia, que guarda e
desenvolve o legado de décadas de estudo dedicado às especificidades da ordem jurídica
comunitária, com um lugar próprio e autónomo no campo da teoria e do ensino do Direito, e
doutrina que estuda o Direito da União Europeia no contexto de uma normatividade exposta ao
“contágio comunitário”.
No seu conjunto, são as regras e princípios que dão forma e legitimam o estatuto jurídico
da União Europeia.
A “comunitarização” dos ordenamentos jurídicos nacionais, condicionada, mas não travada pelo
princípio da subsidiariedade, torna inevitável que o Direito Material da União Europeia, de
incidência horizontal, passe a integrar os conteúdos específicos das vásrias disciplinas jurídicas,
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Se a ideia de Europa baseada nos valores personalistas da doutrina cristã alimenta uma
referência que une, já no que respeita aos aspetos especificamente culturais, como a língua, as
tradições, os sistemas jurídicos, a gastronomia, a nota dominante é a da espantosa diversidade.
A pluralidade de Estados e de nações representa uma traço de identidade europeia que não deve
ser apagado. Ao longo da Históroa, esta radical heterogeneidade deu, frequentemente, lugar à
rivalidade e ao ódio que fizeram deflagrar guerras sucessiveis e intermináveis com a sua ominosa
pegada de destruição de bens materiais, aniquilamento de vidas humanas e degradação pela
fome e miséria dos que sobreviviam. Na segunda metade do século XX, no epílogo de duas
grandes guerras que marcaram a primeira metade, separadas por um período curto de relativa
trégua, a criação das Comunidades Europeias esteve ligada a “uma certa ideia de Europa”,
sinónimo de garantia de paz e de promessa de prosperidade.
dos pequenos passos, que começa pela integração dos mercados e acabará no cenário da
integração política, claramente proposto na Declaração Schuman, constitui um outro vetor
fundamental do teorema explicativo da Europa do futuro. Desde 1950 até aos nossos dias,
qualquer tentativa de captar e definir no momento o alcançe da ideia de Europa não foge aos
efeito magnético da discussão em torno da alternativa entre Federação e não-Federação. Sem
prejuízo da originalidade e proficiência do método comunitário de construção da união política
entre os Estados Europeus, parece-nos difícil, no plano do devir da Europa, negar à fórmula
federal o papel que, desde o início, lhe está destinado. Dúvidas legítimas permanecem no que
respeita ao momento azado de instituir a federação europeia e, sobretudo, no que toca à forma
do pacto federal e ao modo de manifestação da vontade pactícia por parte dos Estados e dos
povos europeus.
Existem fatores objetivos que podem acelerar o processo em curso de criação gradual da
federação:
- Plano externo, necessidade de adotar a União Europeia de uma voz própria e afinada
que lhe garante um lugar de autêntica relevância política na comunidade internacional,
devidamente apoiada pelos meios de ação militar;
Na eventualidade de uma evolução para o modelo federal, seria a economia, e não a política na
sua aceção estrita, a fazer prevalecer uma certa ideia federal da Europa. O apelo imperativo da
paz não foi suficientemente forte para engrenar a federação sob a forma de uma política comum
de defesa e, menos ainda, de um exército europeu.
Lição nº2
Nascimento dos Deuses), por volta de 700 A.C., terá sido o primeiro autor a referir
expressamente o nome Europa. A Antiguidade Clássica associou o nome de Europa ao mundo da
mitologia.
Um certo paradoxo resulta deste continente de geografia incerta, guiado por um código
civilizacional tendencialmente comu, seja no que se refere à ascendência cultural (tradição
clássica, de origem greco-romana) seja no que se refere à mundividência religiosa ancorada no
Cristianismo.
a) A força das armas, que engendra os Impérios (P.e., Império Romano, Império de
Carlos Magno);
A Grande Guerra teve ainda o efeito de apressar o declínio da Europa face aos Estados
Unidos da Américas.
No período entre guerras, o passo de maior transcendência política foi dado pela
proposta francesa de criação de uma federação chamada “União Europeia”, divulgada perante a
Sociedade das Nações em 5 de Setembro de 1929 pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros. A
ideia foi aprofundada e desenvolvida num Memorando do Governo francês enviado aos governos
europeus e, depois, a 8 de Setembro de 1930, formalmente apresentado à Sociedade nas
Nações.
O plano francês repousava sobre a ideia algo vaga de criar uma “espécie de vínculo
federal”. A sua concretização suporia a aprovação de um pacto constituinte da “União Europeia”,
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Em todo o caso, a perceção que temos, hoje, dos projetos federativos da década de Vinte
põe em evidência dois aspetos só aparentemente contraditórios:
- Por um lado, traduzem um certo idealismo político que não teve verdadeiro eco
fora dos círculos intelectuais e diplomáticos;
Entre 1930 e a II Grande Guerra, a ideia da união política na Europa inverteu perante
acontecimentos tão adversos como a crise económica e social que se seguiu à Grande Depressão
e, em particular, a ascensão ao poder do partido nacional-socialista na Alemanha e a política de
agressão militar e conquista prosseguida pela Itália e Alemanha.
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Lição nº3
No mês seguinte, a proposta foi aceite por 16 Estados, reunidos em Paris. A administração
do plano foi confiada à Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE), fundada em 16
de Abril de 1948.
De um modo sumário, que não reflete as várias sensibilidades dentro de uma e outra
corrente e, bem assim, a especificidade de certas posições individuais, os “unionistas”
acreditavam ainda na suficiência da cooperação intergovernamental, enquanto os “federalistas”
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sonhavam com uma integração de natureza federal. Mantendo-se fiel a uma conceção
fortemente arreigada, os “federalistas” insistem no paralelismo – político, jurídico e instituiconal
– entre a unificação europeia e as mais conhecidas e bem-sucedidas experiências federais.
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política e, nesta perspetiva, o Conselho da Europa, numa primeira fase, garantiu o necessário
enquadramento político às Comunidades Europeias de âmbito económico e, numa segunda fase,
posterior à criação da União Europeia em 1993, facilitou a articulação entre os dois espaços
europeus, parcialmente sobrepostos, de conformação da vertente política das soberanias dos
Estados europeus: a Grande Europa, formada por 47 Estados, e a Pequena Europa dos 27 Estados
que integram a União Europeia.
Símbolos da Europa:
- a Bandeira, uma coroa de doze estrelas douradas, de cinco pontas, sobre fundo azul –
representa os povos da Europa em círculo como sinal da sua União. Adotada pelo Conselho da
Europa em 1955, passou a partir de 1986 a identificar também a Europa comunitária;
- o Dia da Europa, o chamado dia da europa – 9 de Maio – celebra o dia em que Roberto
Schuman leu a declaração que levou à criação da primeira Comunidade Europeia.
criação da CECA, a primeira das três Comunidades, foi a histórica Declração Schuman.
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Um outro objetivo – este de realização mediata, mas muito mais ambicioso – ficou para
sempre associado à Declaração Schuman: a criação da federação europeia. As condicionamentes
deste objetivo foram expostas e para lhe dar uma resposta eficaz, que falhara até então, foi
aventado um novo método de integração:
“A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio
de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto”.
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- As suas decisões serão vinculativas para a França, para a Alemanha e para os países
aderentes e terão como objetivo uma gestão integrada do interesse comum;
Destinado a vigorar pelo período de 50 anos, caducaria na data acordada de 23 de Julho de 2002.
Um período transitório marcou o arranque das novas instituições, começando a funcionar
primeiro para o mercado do carvão e do ferro, e depois para o mercado siderúrgico. Jean Monnet
foi o primeiro Presidente da Alta Autoridade.
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O episódio tornou claro que a integração política europeia nunca seria obra de um
punhado de visionários, intelectuais e homens de Estado.
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Desfeito o sonho da construção europeia pela via imediata da integração política, retoma-
se o caminho das “solidariedades de facto” que se desenvolve a aprofunda no contexto favorável
da recuperação económica da década de 50.
Durante séculos, o objetivo de uma Europa unificada mobilizou a força das armas, por
conta da demanda do império, ou inspirou a força das ideias em torno do desígnio da “paz
perpétua”. Com a criação das Comundades Europeias e, em especial, com o seu alargamento e
aprofundamento, assistimos ao triunfo de um projeto de unidade europeia que, sem deixar de
ser político e visionário, se alimenta e renova a partir da força motriz que resulta da unidade
sinérgica dos mercados.
Notas adicionais:
Muito antes da data definida de caducidade do Tratado de Paris (23 de Julho de 2002), a
CECA iniciou um processo de definhamento institucional – logo em 1958 com a entrada em
funcionamento das outras duas Comunidades europeias, em que a CEE se afirmou como a
verdadeira locomotiva do processo de integração; por outro lado, razões de ordem económica
retiraram ao carvão e ao aço a importância estratégica de antanho e nem a existência da CECA
impediu uma grave crise da indústria siderúrgica e carbonífera europeia. Um protocolo anexo ao
Tratado de Nice acautelou as consequências financeiras resultantes do termo de vigência do
Tratado CECA. A totalidade do passivo e do ativo da CECA existente em 23 de Julho de 2002 foi
transferida para a Comunidade Europeia em 24 de Julho de 2002, mas destinada à criação do
Fundo de Investigação do Carvão e do Aço.
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Processo de negociação dos Tratados de Roma: ao longo de quase dois anos, entre a
Conferência de Messina (Junho de 1955) e a assinatura em Roma (Março de 1957), os Seia
enfrentaram sérias dificuldades, dominados pelo sentimento, ao mesmo tempo de tremos e de
determinação, de que um novo fracasso poria fim ao projeto da construção europeia. Um dos
obstáculos que ameaçou entravar a criação do mercado comum foi a questão do estatuto dos
territórios ultramarinos franceses. Este problema foi ultrapassado através da garantia de
aplicação do Tratado aos departamentos franceses ultramarinos.
b) Campo político, o diálogo entre a União Europeia e a restante Europa é assegurado pelo
Conselho da Europa, criado pelo Estatuto de Londres em Maio de 1949. Composto por
47 Estados europeus, o Conselho da Europa projeta os valores e os princípios do ideário
europeu que, igualmente, vinculam e enquadram a atuação política e jurídica da União
Europeia.
Lição nº4
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A França, presisida pelo General De Gaulle, olhava com profunda desconfiança o desígnio
da união política e o crescente poder das estruturas supranacionais, como era o caso da Comissão
Europeia. De Gaulle deixa clara a sua conceção sobre o papel dos Estados “(…) únicas entidades
que têm o poder de ordenar e o poder de ser obedecidas. Pensar que se pode construir qualquer
coisa eficaz que deva ser aprovada pelos povos, fora ou sobre os Estados, é uma quimeira”
Os chamados Planos Fouchet foram uma tentativa por parte da França, rejeitada pelos
seus parceiros, de encaminhar as comunidades Europeias no sentido da cooperação
intergovernamental, a única tida como adequada a uma visão da Europa das Pátrias. A tensão
política aumentava, bem visível nas palavras de Gaulle de 26 de Maio de 1962 quando acusa de
apátridas os paladinos das instituições supranacionais, sentenciando que “não pode haver outra
Europa possível que não seja a dos Estados”.
Em princípios de 1965, Walter Hallstein, Presidente da Comissão, propõe um sistema de
recursos financeiros próprios da Comunidade. A França, que presidia ao Conselho de Ministros
no segundo semestre de 1965, exige a retirada da proposta. Dada a recusa da Comissão, a França
responde com a estratégia da cadeira vazia que se traduziu na não comparência às reuniões do
Conselho de Ministros e teve como consequência a paralisia no funcionamento das Comunidades
Europeias.
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A crise durou seis longos meses, durante os quais se chegou a duvidar da possibilidade de
superar o embate frontal entre duas conceções metodológicas da construção europeia
radicalmente distintas: a supranacional comunitária VS a intergovernamnetal. A solução chegou,
finalmente, em Janeiro de 1966, através do chamado “Acordo de Luxemburgo”, que garantiu aos
Estados, a qualquer Estado, o poder de vetar decisões quando interfiram com interesses muito
importantes para um ou alguns dos membros.
Em 1967, o Reino Unido, acompanhado pela República da Irlanda, Dinamarca e Noruega,
renovou o período de adesão. A apreciação da candidatura britânica foi remetida para um
momento mais oportuno que, de facto, só chegaria com a saída de cena do General De Gaulle
em Abril de 1969.
O seu sucessor, Georges Pompidou, tomou a iniciativa de convocar uma Cimeira de Chefes
de Estado e de Governo, sob o signo do conhecido tríptico: acabamento, aprofundamento e
alargamento.
A Cimeira de Haia de Dezembro de 1969 aborda, assim, as grandes questões do futuro da
construção europeia que vão condicionar a agenda política nos anos subsequentes:
1) Acabamento:
• Zona de comércio livre: eliminação dos entraves tradicionais às relações comerciais entre
os Estados (restrições quantitativas ou contingentes e direitos aduaneiros de importação
e exportação); garantia de livre circulação de mercadorias entre os Estados participantes.
Nas relações comerciais com os países terceiros, são aplicáveis as diferentes pautas
aduaneiras nacionais, o que gera consideráveis dificuldades de funcionamento da zona.
A teoria postula e a experiência confirma que as zonas de livre câmbio são formas transitórias
de integração que evoluem para um estádio superior ou, não resistindo às tensões provocadas
pelos interesses nacionais divergentes. Se extinguem. A Convenção de Estocolmo de 1960, que
instituiu a EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre) entre os sete membros originários
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(Reino Unido, Suécia, Noruega, Dinamarca, Áustria, Suiça e Portugal), estabelecia uma zona de
livre comércio limitada aos produtos industriais.
• União Aduaneira: patamar seguinte. Temos tudo o que temos na zona de comércio livre
+ uma pauta aduaneira comum.
A livre circulação de mercadorias é alargada a todos os produtos, incluindo os agrícolas;
aplicação de uma pauta aduaneira comum na relação com o mundo exterior (uniformização da
imposição aduaneira reclamada no ato de importação ou de exportação de mercadorias).
• Mercado Comum: temos todas as medidas que vêm de trás- todas as medidas de
liberalização das relações económicas, mas agora temos outras regras e sobretudo
políticas que visam promover uma maior integração das relações económicas. O objetivo
é que as economias desses vários estados que fazem parte das comunidades europeias
funcionem e interajam como se fossem um único mercado.
Modalidade mais avançada de integração que acrescenta ao regime da união aduaneira
a livre circulação dos factores produtivos (capital e mão-de-obra). No caso concreto das
Comunidades Europeias, o Mercado Comum assentou sobre as quatro liberdades (livre
circulação de mercadorias, pessoas- livre circulação dos trabalhadores e direito de
estabelecimento-, serviços e capitais), com algumas políticas comuns (Política Agrícola Comum,
Política Comum de Pescas, Política Comum de Transportes, Política Comercial Comum) e um
procedimeto de harmonização das legislações nacionais (através do instrumento jurídico da
diretiva- art. 288º TFUE).
O Ato único Europeu (de 1986, que entra em vigor em 1987) definiu o objeto de realização
do mercado interno ou mercado único, o que pode ser entendido como uma fase última de
acabamento dos fins subjacentes à forma do mercado comum.
2) Aprofundamento
REGENTE: as bases políticas da união europeia continuam, nos dias de hoje, a ser muito
débeis, pese embora tudo aquilo que foi sendo feito em termo de reformas dos tratados
institutivos.
3) Alargamento
Abertura das negociações com vista à admissão do Reino Unido e dos demais candidatos.
2º. Os países que se apresentem como candidatos à adesão têm de cumprir os critérios relativos
ao estado de direito, à proteção dos direitos fundamentais, à defesa dos valores relativos à
igualdade, à proteção das minorias, tem de haver aí uma certificação democrática.
OB: Não confundir conselho da europa com conselho europeu ou conselho da união europeia.
- Conselho europeu: é uma instituição da união europeia, que reúne os chefes de estado ou de
governo e o presidente da comissão e, segundo a regente, é uma superinstituição da união
europeia, pois é a instituição mais importante em termos de decisão política.
- Conselho (de ministros) da união europeia: reúne ministros dos vários estados-membros e tem
competências políticas, mas acima de tudo competências legislativas que divide com o
Parlamento europeu. Tem uma composição intergovernamental como o conselho europeu,
simplesmente o conselho europeu é ao mais alto nível (no caso português temos o primeiro-
ministro, no caso da frança é o PR, enquanto missão de representação externa).
Polónia, Estónia, Lituânia, Letónia, República Checa, Hungria, Chipre, Malta, Eslovénia e
Eslováquia.
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Estes estados vão ter um efeito muito relevante de deslocalização do eixo do poder para
Leste, favorecendo a influência crescente da Alemanha. Isto porque a maior parte desses países
da europa central e da Europa de leste são aliados naturais da Alemanha para conter a Rússia.
De modo que, a Alemanha quando precisa de aliados, vira-se para esses países como esses países
se viram para a Alemanha. E isso, a partir de 2004, alterou profundamente os equilíbrios internos
dentro da união europeia, sendo que esses equilíbrios deixaram de ser favoráveis aos países do
sul da Europa. Portugal tornou-se ainda mais periférico do que já era e isto ajuda-nos a explicar
muitas das dificuldades que sentimos a partir da crise financeira de 2008 e depois a ameaça de
banca rota a partir de 2011-2012, a dificuldade que os países do sul têm na negociação com os
restantes países da união europeia, já que a maioria passou a ser formada por países da europa
do norte, da europa central e da europa de leste, e com consequências que vêm até aos nossos
dias, nomeadamente no que diz respeito à tendência das chamadas democracia iliberais, dos
estados que adotam medidas (no plano político e jurídico) que desafiam os pressupostos do
estado de direito. EX: Polónia e Hungria.
25
A primeira reforma dos Tratados entrou em vigor no dia 1 julho de 1987 e concentrou
num único instrumento convencional um leque vasto e heterógeno de disposições que
aprofundaram o projeto de integração comunitária existente e lançaram, ainda, as bases da
futura união europeia.
Tal como o seu preâmbulo anunciava, o AUE exprimia a vontade dos Estados-membros
em criar e pôr em funcionamento a união europeia.
A partir dos finais dos anos 80, o Mundo e, em especial, a Europa, foram abalados por
transformações rápidas e profundas (a queda do Muro de Berlim, a unificação alemã, a implosão
do bloco soviético e o fim da guerra fria, a crescente afirmação dos EUA como “hiperpotência”,
a liberalização e globalização das relações comerciais a nível mundial)- transformações que no
plano político e no plano económico se conjugaram no sentido de eliminar as tradicionais
resistências opostas por alguns Estados-membros e de acelerar a passagem à fase seguinte da
união europeia que, simbolicamente, fazemos coincidir com a entrada em vigor do Tratado de
Maastricht (1 de Novembro de 1993).
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O resultado dos trabalhos desenvolvidos no seio das duas CUG culminou na aprovação de
um projeto de tratado de revisão pelos mais altos representantes dos Estados-membros reunidos
no Conselho Europeu de Maastricht. O texto aprovado, fruto de difíceis negociações passou
depois pelo crivo da comissão de redação e só ficaria pronto para a assinatura na data de 7 de
fevereiro de 1992.
27
28
interesse lógico ligado à coabitação de dois estádios distintos de integração económica e, por
outro lado, a fórmula poderá atrair a adesão de outros Estados europeus que não queiram ou
não estejam em condições de cumprir os critérios exigidos de adesão à UE.
O art. N, nº2, do Tratado de Maastricht agendou para 1996 a abertura de uma nova
conferência intergovernamental. Havia o reconhecimento de que seria necessário ir mais longe
no processo iniciado de realização de uma “união cada vez mais estreita entre os povos da
Europa”.
Tratado de Amesterdão
A revisão de Amesterdão ficou aquém dos objetivos enunciados pela cláusula de “rendez-
vous” do tratado anterior, aquém das finalidades expostas pelo funcionamento da União
Europeia, aquém das exigências de adaptação institucional pressupostas pelo alargamento da
UE. O resultado final foi uma reforma “minimalista” que remeteu para momento ulterior a
revisão necessária.
1
Trata-se de uma cláusula genérica introduzida num texto político ou legislativo, que fixa um prazo até ao qual a decisão será
repensada. Esta cláusula, em textos legislativos, obriga os legisladores a reverem e atualizarem a norma em vigor, em vez de
deixar à discricionariedade da Comissão Europeia a apresentação de uma iniciativa de revisão.
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Em julho de 1997, a comissão apresentou um estudo- instituído Agenda 2000- Por uma
união mais forte e mais alargada- que traçava os grandes desafios ligados ao desenvolvimento
da UE e das suas políticas no séc. XXI. No que em particular se referia ao quadro financeiro, a
Comissão pôs em prática um programa de ação constituído por propostas nos domínios da
agricultura, fundos estruturais, fundos de coesão, instrumentos de pré-adesão e as perspetivas
financeiras para o período de 2000-2006.
30
EURO
Tratado de Nice
À margem do Conselho Europeu de Nice, e perante a recusa por parte de alguns estados-
membros de assumir o texto preparado para aprovação da Carta dos Direitos Fundamentais da
UE, foi encontrada a solução de recurso de submeter o texto a uma decisão conjunta de
proclamação pelos presidentes do PE, do Conselho e da Comissão, na data de 7 de dezembro de
2020. Adotada sob a forma de um acordo internacional, a Carta nasceu sob a incerteza do seu
valor jurídico e da sua relação com os Tratados institutivos.
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1. Estrutura institucional
2. O processo de decisão
3. Outras alterações
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A CIG 2000 adotou uma declaração relativa ao futuro da União Europeia, pela qual
exortou os Estados-membros, concretamente as Presidências sueca e belga, em cooperação com
a Comissão e com a participação do PE, a fomentar um amplo debate logo a partir de 2001.
Previa-se ainda que o Conselho Europeu de Laeken, em dezembro de 2001, pudesse aprovar uma
declaração conducente a um processo de revisão sobre quatro pontos:
--
Lição nº5
Para percebermos melhor a relevância do tratado de lisboa, cabe dizer que ele representa
um compromisso, mas também uma escolha, entre 2 alternativas: por um lado, a solução
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constitucionalista / federalista e, por outro lado, a solução comunitária, integracionista, mas não
federalista. O tratado de Lisboa fez uma opção clara pela segunda alternativa.
Essa opção foi feita na sequência de um processo de revisão em tratados sucessivos, que
começa com o tratado de Maastricht (1993), Amesterdão (1999), o tratado de Nice (2004), e o
tratado de Lisboa (assinado em Lisboa, mas entra em vigor em dezembro de 2009, 2 anos depois).
Entre o tratado de Nice e o tratado de Lisboa temos um acontecimento muito importante, e que
faz parte desta tensão permanente entre essas 2 formas de construir a União Europeia: a
corrente federalista por um lado, a corrente comunitária e não federalista por outro. Esse
acontecimento chamou-se Constituição Europeia.
Em 2004, em Roma, foi assinado um tratado chamado Tratado, que estabelece uma
constituição para a europa. Foi designado como constituição europeia, quer na designação, quer
no processo de elaboração (foi feito através de uma convenção- art. 48º TUE). Aquilo que alguns
queriam neste momento era dotar a União Europeia de uma constituição, e afirmá-la como uma
entidade política própria e autónoma desamarrada dos Estados, uma criatura que se autonomiza
relativamente aos criadores.
Esta constituição assinada em Roma, em 2004, era do ponto de vista formal um tratado
internacional (um tratado que estabelece uma constituição para a europa), do ponto de vista
político, simbólico e de muitas das suas disposições era uma constituição. No entanto, a
constituição nunca chegaria a entrar em vigor, houve uma frustração dessas aspirações
constitucionalistas. Isto porque vários estados-membros não ratificaram e criam várias
dificuldades. França e Países Baixos realizaram referendos, que foram contrários à constituição.
Em 2005, o Conselho Europeu decide fazer uma pausa para reflexão e ao longo de 2006 começa
a criar-se a convicção entre os estados-membros de que o caminho tem de ser outro e de que
aquela constituição está morta e enterrada e que é necessário fazer renascer o método dos
tratados internacionais.
34
É neste contexto que surge o tratado reformador, que vai ser negociado no primeiro
semestre de 2007 sobre a égide da presidência alemã, e que vai ser finalizado na presidência
portuguesa no segundo semestre de 2007. Este tratado de Lisboa era radicalmente diferente da
constituição europeia? A resposta a esta questão não é assim tão cristalina.
A ocasião escolhida para apontar um outro caminho de saída da crise foi a Cimeira de
Berlim de celebração do 50º aniversário da assinatura dos Tratados de Roma (25 de março de
2007). Os Estados-membros invocam, então, o objetivo de fazer assentar a UE “sobre bases
comuns renovadas até às eleições do Parlamento Europeu de 2009”.
Removido este obstáculo, o Tratado de Lisboa ainda teria de lidar com um derradeiro
braço de ferro por parte do Presidente da República Checa que condicionou a sua assinatura à
garantia sobre a inaplicabilidade da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.
O Tratado de Lisboa, cuja previsão inicial de vigência apontava para 1 de janeiro de 2009,
entrou em vigor em 1 de dezembro de 2009.
Alterações
Da leitura que fazemos do Tratado de Lisboa, resulta que as disposições mais inovadoras
terão sido introduzidas a respeito dos seguintes aspetos:
O Tratado de Lisboa institui e conforma o novo estatuto jurídico da EU. Este não chega
para dotar a UE de um estatuto radicalmente diferente, mas as alterações previstas
correspondem, em número e alcance, a uma renovação de largo dignificado para a evolução
futura do processo de integração europeia no sentido proposta da integração política.
da União Europeia e isso é muito evidente com o Tratadp de Lisboa. EX: no art. 1 da constituição
europeia, fazia-se uma dupla referência à questão da legitimidade: a legitimidade dos estados da
europa e a legitimidade dos cidadãos da Europa. Já no art. 1º do tratado de Lisboa, diz-se que as
altas partes contratantes instituem entre si uma união europeia, à qual os estados-membros
atribuem competência para atingir os seus objetivos comuns. Aqui no tratado de Lisboa se deixa
claro que a legitimidade é uma legitimidade quem vem dos estados e não dos povos ou dos
cidadãos.
Por outro lado, o tratado de Lisboa pretendeu ultrapassar o problema que constituiu
desde logo a designação. Um dos grandes problemas da constituição europeia que de algum
modo pode explicara rejeição foi a imprudência semântica de lhe chamar constituição. As
palavras não são indiferentes, produzindo conceitos e realidades dogmáticas. Ao chamar a um
tratado de revisão constituição, isto revelou-se imprudente pois suscitou correntes eurofobas
contrárias ao próprio projeto de integração europeia, agora confortadas com o argumento de
“atenção vem aqui a federação, os estados soberanos vão acabar e as soberanias vão ser
eliminadas”. Assim, a regente diz que neste caso da constituição europeia, o nome matou a coisa,
acabou por comprometer a viabilidade deste texto.
• A constituição europeia tinha uma referência aos símbolos: bandeira, hino, lema. Os
símbolos desaparecem no tratado de Lisboa pois considera-se que a referência aos
símbolos é uma referência de analogia com um estado e a união europeia não é um
Estado;
• Desaparece também a referência ao ministro dos negócios estrangeiros, e passou a ser o
Alto Representante da União Europeia para os negócios estrangeiros e a política de
segurança;
• O art. 6º da constituição europeia fazia referência expressa ao princípio do primado, à
exigência da prevalência do direito da união europeia sobre os direitos dos estados-
membros. Essa disposição, no tratado de Lisboa, desaparece. Apenas encontramos numa
declaração anexa (nº17), que se refere ao princípio do primado, remete para um parecer
do serviço jurídico do Conselho que, por sua vez, remete para a jurisprudência relevante
sobre a matéria, nomeadamente o caso Costa/ Enel;
• A constituição europeia fazia referência às leis europeias e leis-quadro europeias, e o
tratado de Lisboa consagra outra expressão- atos legislativos, art. 289º, que se
caracterizam não pelo seu conteúdo, mas pelo procedimento através do qual são
aprovados.
37
O método funcionalista é uma teoria clássica sobre integração regional que interpreta o
interesse comum relativo à definição integrada de políticas económicas e sociais como o
fundamento de criação de órgãos de autoridade supranacional, investidos de poderes
regulatórios dos mercados.
A teoria funcionalista orientou a opção europeia pela integração económica com a criação
das três Comunidades Europeias e esteve na base do designado método dos pequenos passos-
avanços graduais, mas irreversíveis; avanços suscetíveis mesmo de provocar recuos táticos. O
estabelecimento gradual de solidariedades de facto entre os Estados-membros do Mercado
Comum deveria incidir sobre a generalidade das atividades económicas, criando um efeito de
engrenagem ou incrementalismo.
Como postulava a Declaração Schuman, a resposta dos Estados aos desafios da integração
depende dos objetivos propostos. Manter a construção comunitária em constante processo de
realização pressupõe novos objetivos, de acordo com uma lógica endógena de progressividade
e de expansão contínua do espaço de decisão própria dos órgãos comuns, em substituição do
decisor nacional.
O tratado da UE determina no seu art. 1º, parágrafo terceiro, que “A União substitui-se à
Comunidade Europeia”. A UE incorporou a Comunidade Europeia e adotou, em relação à
generalidade das matérias, a abordagem comunitária. Desapareceram as Comunidades para sair
fortalecido o método comunitário.
acionáveis pelos Estados-membros mecanismos de bloqueio decisional (art. 82º/3, TFUE; art.
83º/3, TFUE).
40
Por outro lado, o art. 48º/2 UE estabelece, pela primeira vez, que futuras revisões dos
Tratados “podem, nomeadamente, ir no sentido de aumentar ou reduzir as competências
atribuídas à União pelos Tratados”. A afirmação deste poder, que deixa em relativo desamparo
as construções doutrinárias em torno da suposta existência de limites materiais de revisão,
articula-se, por outro lado, com o desaparecimento do texto dos Tratados de uma referência
autónoma ao princípio do acervo comunitário, garante de uma ideia de irreversibilidade dos
avanços da integração, como acontecia com o ex-artigo 2º do TUE.
O art. 48º limitou-se a acrescentar, no seu nº2, a expressão “reduzir”. Isto permite a
apresentação de projetos de revisão e estes projetos podem, nomeadamente, ir no sentido de
aumentar ou reduzir as competências atribuídas à união pelos tratados. Esta expressão não
constava da versão anterior, e aqui temos a confirmação de que as revisões dos tratados não
estão sujeitas a limites materiais de revisão, ao contrário do que a doutrina constitucionalista diz
(quem defende a configuração da União Europeia como uma entidade autónoma- ideia da
irreversibilidade das competências da União Europeia). As competências da União Europeia
podem ser ajustadas, quer no sentido do seu reforço, quer no sentido do seu regresso, do
regresso dessas competências ao seu titular originário. E quem é o titular originário das
competências da União Europeia? Os estados. Nº4- os tratados só entram em vigor com a
ratificação dos estados-membros: desde o estado mais importante ao menos importante, desde
o estado mais populoso ao menos populoso. Os estados estão em pé de igualdade, todos podem
dizer não, exercendo um veto insuperável, impedindo a deliberação.
Em linha de uma certa lógica do “tudo em aberto”, dependente da vontade soberana dos
Estados-membros, é a consagração do direito de saída, nos termos do art. 50º TUE, que foi
acionado com a saída do Reino Unido, em 2020. Pela primeira vez, os Tratados explicitam o
direito inerente de saída, exercido segundo as condições fixadas pelo art. 50º TUE, mormente a
negociação e celebração entre a UE e o Estado-membro candidato à saída de um tratado
Internacional, cuja aprovação é assegurada pelo Conselho. A deliberação é adotada por maioria
qualificada, e não por unanimidade como se exige no processo de adesão (art. 49º UE), pelo que
é, do ponto de vista jurídico-procedimental, mais fácil abandonar do que aderir à UE. Uma tal
solução também deriva da lógica baseada na vontade soberana dos Estados: no processo de
adesão, prevalece o querer de todos os Estados que já são membros da União, por via da
celebração de um tratado internacional entre os Estados-membros e o Estado requerente, ao
passo que na retirada a questão é decidida entre o Estado-membros candidato à saída e a UE,
deliberando de acordo com o procedimento regra da maioria qualificada.
- Opção, no tratado de Lisboa, pelo princípio contratualista e que acaba por se refletir em
termos institucionais, em termos da relação de forças dentro da União Europeia na maior
importância das instituições de composição intergovernamental.
41
O respeito devido pela UE às Constituições dos Estados-membros não foi, aliás, esquecido
pelo Tratado de Lisboa. Por um lado, o art. 6º/3 TFUE remete para as “tradições constitucionais
comuns aos Estados-membros” como parte integrante do bloco de fundamentalidade que
vincula a UE. Em sentido idêntico, mas ainda mais assertivo, o art. 53º da Carta dos Direitos
Fundamentais da UE garante o nível mais elevado de proteção dos direitos fundamentais, o qual
pode resultar das normas garantidoras das Constituições dos Estados-membros.
42
política da UE, agora e no futuro. Os Estados-membros deram vida à criatura e esta depende,
pelo menos em relação às grandes decisões sobre a sua existência, do querer dos criadores.
A regente augura para o tratado de Lisboa um futuro bastante longo. Os tratados de Roma,
que entraram em vigor em 1958, permaneceram inalterados até 1987, com o Ato único europeu.
Foram quase 30 anos de vigência, sem revisão de fundo material das disposições que regulavam
as comunidades europeias. Depois seguiu-se um período de um certo frenesim revisionista, com
o ato único europeu, Amesterdão, Nice e finalmente o tratado de Lisboa. A regente acha que o
Tratado de Lisboa vai ser duradouro, já está em vigor há mais de 11 anos, e dificilmente ele será
revisto nos próximos anos. Isto porquê? Motivos:
• Falta de condições para o rever: a União Europeia, neste momento, tem problemas muito
graves de gestão, quer no plano sanitário, quer no que diz respeito à recuperação da
economia, quer na própria gestão das diferenças, da ameaça de decisão dentro da
própria União Europeia, que não foi apenas a saída do Reino Unido, outros estados
demonstram diferenças muito acentuadas e há um risco de uma desagregação. Desde
2008 com a crise financeira, a União Europeia confronta-se com uma sucessão de crises,
e crises que são sistémicas: a crise financeira, a crise do euro, a crise dos refugiados, e
agora a crise pandémica e a necessidade de encontrar soluções de recuperação da
economia europeia. A união europeia tem aí vários problemas graves para resolver, esses
problemas é que são prioritários e não se envolver num novo frenesim de revisão dos
tratados, devido à exigência da unanimidade, do acordo de todos os estados. E será cada
vez mais difícil, mesmo a 27 sem o reino unido, negociar um tratado que seja aceitável
para todos e que todos estejam em condições de ratificar, nomeadamente recorrendo
aos referendos, uma vez que as constituições de alguns estados, como é o caso da Irlanda,
exigem a realização de um referendo quando o tratado pode de alguma forma colidir com
disposições constitucionais vigentes. Há aí uma solução de pragmatismo de não nos
envolvermos nisso. Há um conjunto de incertezas, de armadilhas de um processo de
revisão, que se não for estritamente necessário, é um suicídio.
• O facto de o próprio tratado de Lisboa, em alguns aspetos de forma inovadora, noutros
retomando soluções que já vinham do tratado de Maastricht, conter critérios de
flexibilização e de adequação, de adaptação. Os tratados têm mecanismos que permitem,
sem a sua revisão formal através do art. 48º, fazer uma adaptação, nomeadamente no
que diz respeito ao elenco dos poderes da união europeia, no que diz respeito à forma
como os estados cooperam entre si no sentido do aprofundamento da integração
europeia. Esses mecanismos são, por exemplo, as cooperações reforçadas, as cláusulas
“passerelle” (que permitem, por exemplo, passar de um processo de unanimidade para
um processo de maioria qualificada), as cláusulas de opting out (permitem a
determinados estados, por decisão própria, ficar de fora de determinadas políticas
comunitárias, como é o caso da política monetário: só 19 dos 27 atuais são membros do
euro).
43
• Por outro lado, o tratado de Lisboa deu resposta às questões jurídicas mais importantes:
tem a carta dos direitos fundamentais da união europeia, que tem, nos termos do art. 6º,
valor jurídico equivalente à das disposições dos tratados, e assim pôs fim a um longo
período de incerteza relativamente ao bloco de fundamentalidade que vinculava a união
europeia. O próprio art. remete para outros princípios relevantes. Temos no tratado de
Lisboa disposições que identificam com clareza aquilo que podemos hoje chamar um
sistema euro comunitário de competências- art. 4º e 5º TUE e art. 2º e ss. TFUE. Temos
aí uma positivação daquilo que resultava da jurisprudência do tribunal e da prática
institucional. Outro aspeto positivo do tratado de Lisboa foi o reforço do controlo
jurisdicional: o tribunal de justiça alargou o âmbito da sua fiscalização, nomeadamente às
matérias do chamado terceiro pilar (justiça e assuntos internos) e também às matérias
do segundo pilar (política externa e de segurança comum.
O tratado de Lisboa, com a suas diversas soluções, garantiu um estatuto jurídico consolidado,
suficiente e adaptável às exigências futuras da União Europeia.
44
- Por via pactícia: porque a união foi criada através de tratados e tem sido revista através de
tratados.
- Esses tratados são negociados, celebrados e ratificados com fundamento nas constituições dos
estados e o objeto desses estrados é o de delegar, confiar na união poderes que os estados
poderão, eventualmente, recuperar. Esse é o objetivo da união europeia: prosseguir objetos
comuns, com base nessa delegação que traduz um acordo por parte dos estados de exercer em
comum poderes de soberania, mas os titulares originários continuam a ser os estados.
Essa definição encontramos perfeita concordância com o art. 7º/6 da CRP. É muito
evidente que este artigo faz referência a este acordo por via convencional, do exercício em
comum de poderes de soberania, e que se trata de um exercício de autolimitação de poderes, e
não um exercício de hétero limitação.
A regente acha que a União Europeia já não é uma organização internacional, não faz
sentido pois tem poderes e exerce-os de uma forma que não se reconduz à ideia da organização
internacional, nomeadamente a limitação dos poderes de soberania, que embora de
autolimitação, falamos de limitações efetivas. EX: existência de tribunal com competência
obrigatória, princípio do primado, regra da maioria qualificada- tudo isto são elementos que
permitem distanciar a união europeia da organização internacional.
Também não é uma confederação. Nas confederações, pelo menos nas clássicas como a
norte-americana, que vigorou desde a independência até à constituição de 1787 que veio a criar
a federação, a confederação é por natureza transitória, e uma das suas características é que os
estados colocam em comum o exercício da política externa, da política de segurança e da política
de defesa.
A união europeia não é um estado federal. Desde logo, não é um estado. Uma federação
é um estado de estados. A união europeia não é um estado, a soberania continua a residir nos
estados, e não no centro, como acontece na federação. A federação é um conjunto de estados
não soberanos, os estados que a integram deixam de ser soberanos e isso não aconteceu na
união europeia pois os estados continuam a ser soberanos. A união europeia tem de respeitar a
identidade nacional dos estados (art. 4º/2). O princípio do primado tem limites. O tribunal de
justiça não pode, ao contrário do que acontece com o supremo tribunal numa federação como
a norte-americana, anular direito interno: pode declarar a sua desconformidade, pode declarar
o incumprimento, mas não pode anular como consequência da violação da constituição federal,
45
neste caso dos tratados institutivos, como consequência da violação. A união europeia não tem
poder de anulação, e isso é uma marca fundamental no sentido de considerar que a união
europeia não é uma federação.
A União Europeia pode caminhar para a federação. Resta saber se existem condições para
essa evolução, o que nos coloca o problema de saber qual será o futuro da união europeia, tendo
em conta esta qualificação atual que a regente deixou na definição proposta.
46
o A crise económica de 2008: que começou nos EUA com um crash financeiro e bolsista,
alastrou, afetando com particular impacto negativo as economias da Zone Euro. Para
evitar a falência dos bancos, os Estados-membros foram compelidos a adotar medidas de
resgate que pela sua dimensão precipitaram alguns Estados-membros (ex: Portugal,
Grécia, Espanha, Irlanda e Chipre) para um cenário de pré-bancarrota.
A chamada crise das dívidas soberanas, com vários Estados-membros em risco de rutura de
pagamentos, afastados dos mercados financeiros com o aumento especulativo dos juros da
dívida, conduziu a uma situação extraordinariamente delicada que ameaçou a própria existência
do EURO domo moeda única. O colapso do EURO significaria o fracasso do projeto europeu tal
como delineado a partir do Tratado de Maastricht.
Uma solução foi encontrada, mas à custa dos Estados-membros mais vulneráveis que deixou
marcas profundas no compromisso originário baseado na solidariedade e na coesão. O chamado
resgate financeiro da Troika, formada pela Comissão Europeia, pelo BCE e pelo Fundo Monetário
Europeu, impôs aos Estados-membros destinatários de um programa de assistência financeira
um conjunto de medidas draconianas de contenção orçamental e reformas ditas estruturais. Em
países como a Grécia, Portugal e Irlanda foram tempos de forte contestação social e instabilidade
política, sinais tangíveis de reação a políticas de inédita dureza nos cortes de salários, pensões de
reforma, apoios sociais e, por outro lado, de restrições de dinheiros laborais. Ao fim de 4 anos, a
UE acabou por aprovar um pacote eclético de medidas que combinam traços de federalismo e
características de intergovernamentalidade:
o Crise dos refugiados (2015): provocada pela escalada dos conflitos na Líbia (2011), na Síria
(2012), na África subsariana e, em geral, pelo agudizar das condições de pobreza extrema
em que viviam as populações da generalidade dos países do lado sul e leste da bacia
mediterrânica.
47
A União Europeia tentou criar mecanismos de gestão centralizada dos fluxos migratórios
que deveriam garantir uma repartição equitativa dos refugiados e migrantes pelos vários
estados-membros, com fundamento no princípio da solidariedade (arts. 67º/2 e 80º TFUE). O
mecanismo temporário de recolocação obrigatória de 2015 não foi propriamente bem-sucedido.
REGENTE: Não defende a solução utópica de abrir as fronteiras da Europa aos desvalidos
do mundo. Entende, contudo, que o projeto europeu não deve ficar à mercê de planos votados
ao fracasso enquanto nas águas do Mediterrâneo ou nos campos de retenção na Turquia se
apaga a Esperança sem remissão dos que acreditaram que poderiam fugir ao inferno das suas
vidas.
O processo de saída, desenvolvido de acordo com o previsto no art. 50º TUE, foi muito
atribulado, marcado por avanços e recuos, diferentes estratégias de negociação da parte do
Governo de Londres, sempre formado pelo Partido Conservador, primeiro liderado por Theresa
May, depois por Boris Jonhson. Da perspetiva da UE, os danos foram devidamente acautelados
e contidos. REGENTE: o Brexit reforçou a UE. Os 27 estados-membros mantiveram-se unidos na
estratégia definida para a negociação e não cederam às várias tentativas britânicas de
aproximação bilateral, durante o extenso período que vai de 20 de março de 2017 (data da
notificação pelo Reino Unidos da intenção de saída, nos termos do art. 50º/2 TUE) até à
assinatura do acordo de saída que entrou em vigor no dia 1 de fevereiro de 2020. Seguiram-se
48
ao longo do ano de 2020 negociações intensas sobre o futuro das relações comerciais entre a
União e o Reino Unido, encerradas com o chamado Acordo de Comércio e Cooperação UE- Reino
Unido a tempo de entrar em vigor no dia 1 de janeiro de 2021 e evitar o caos nas relações
comerciais e alfandegárias anglo-europeias.
A saída do Reino Unido em fevereiro de 2020 não confirmou as análises mais pessimistas
sobre o impacto político e económico desta retirada. Não produziu o efeito de contágio com
outros Estados-membros a solicitar a saída ou a usar a retirada como arma de pressão negocial
sobre Bruxelas. Não abalou o normal funcionamento das instituições, porque o cenário de uma
tal saída estava em cima da mesa há 4 anos e o quadro jurídico existia, e quando se colocaram
dúvidas foi, em tempo, clarificado pelo TJ. Admitimos, contudo, que esta minimização dos custos
causados pelo Brexit resulte, em larga medida, do envolvimento, de um lado e do outro do Canal
da Mancha, na crise inesperada e devastadora provocada pela emergência sanitária da Covid-19.
Uma fórmula básica de relativização e hierarquização dos problemas.
Claro que neste momento, à entrada da terceira década do séc. XXI, um ano volvido sobre
a saída do Reino Unido, ainda é muito cedo para fazer uma análise rigorosa a respeito do impacto
do Brexit como fator de crise sistémica no desenvolvimento do projeto de integração europeia.
Não foi uniforme a resposta da UE à crise sanitária da Covid-19 que alastrou em território
europeu a partir de fevereiro de 2020. Nem poderia ser, dado que o decisor da União dispõe de
níveis diferenciados de competência nas áreas mais relevantes de impacto das medidas de
combate à doença: livre circulação de pessoas, saúde pública, instrumentos macroeconómicos.
49
Têm surgido crises sucessivas, desde 2008 até aos nossos dias. Recentemente, houve um
acontecimento que levou a que esta abordagem fosse mais necessária. Saber qual o futuro da
União Europeia. Esta tem de ter futuro, mas que futuro deverá ser expetável? O acontecimento
foi o da declaração conjunta que foi subscrita com alguma solenidade no parlamento europeu
no dia 10 de março, subscrita pelo presidente em exercício do conselho da união europeia
(atualmente o primeiro-ministro português- António Costa), pelo presidente do parlamento
europeu e pela presidente da Comissão. Através dessa declaração conjunta das 3 instituições
que, dentro da união europeia, representam o trio institucional da decisão política, deu-se início
a um projeto que visa reunir a chamada “conferência sobre o futuro da Europa”. Esta conferência
abrirá, com a devida solenidade, no próximo dia 9 de maio (dia da Europa).
Esta conferência nasceu de uma ideia que foi apresentada pelo presidente francês-
Emmanuel Macron- em 2018, e quando ele avançou com esta ideia tinha em mente uma
eventual revisão dos tratados. Essa hipótese hoje está claramente arredada, não é uma
prioridade para a União Europeia rever os tratados, nem tão pouco uma possibilidade. Não é
uma prioridade porque a União Europeia tem uma série de questões em aberto às quais tem de
dar resposta e que não passam por problemas jurídicos, e sobretudo há um problema de
possibilidade- não é possível pois atualmente a União Europeia tem 27 estados, conhece fraturas
e divisões, que tornam impossível uma negociação conducente a um consenso e à aceitação por
parte de todos os estados de um tratado de revisão. É um caminho perigoso, com tantas
armadilhas, e de certo modo inútil na opinião da regente, da leitura que faz do estatuto jurídico
da União Europeia que está em vigor, e que resulta do Tratado de Lisboa, é um estatuto jurídico
suficiente, adequado, adaptado.
O que resta para esta conferência sobre o futuro da Europa? Dizer que esta iniciativa
esteve bloqueada durante bastante tempo (foi apresentada em 2018, entretanto passaram-se 3
anos), devido a várias razões. A razão fundamental dos últimos tempos foi a pandemia, mas já
antes este projeto esteve bloqueado e as razões do bloqueio são bem a expressão daquilo que
se passa na “arena europeia”. Esteve bloqueado devido a uma espécie de conflito não
ultrapassável entre as várias correntes dentro da União Europeia, protagonismos, conflitos de
edules, vários candidatos à posição invejada de presidir a essa futura conferência sobre o futuro
da Europa. EX: quando, em 2004, se reuniu a convenção que negociou e debateu a constituição
sobre a europa, na altura o presidente foi Giscard d'Estaing, que tinha sido presidente francês.
Este ganhou um enorme protagonismo (era federalista) e esse protagonismo acabou por gerar
também ele muitos anticorpos relativamente à aceitação da constituição europeia de tal forma
que, nem no seu país, onde havia sido presidente, foi possível levar por diante o projeto da
constituição europeia porque o referendo em frança foi contrário à ratificação. Conhecido pelas
suas posições maximalistas na defesa de uma solução federal para a europa. Todos os que não
eram federalistas opuseram-se à solução.
50
Estávamos neste impasse com vários nomes a serem veiculados, até que a presidência
portuguesa, e bem, conseguiu negociar uma solução que de certa forma passa ao lado das
querelas sobre quem, mas centrou-se na questão de o quê. Isto foi possível através da aceitação
de um modelo de presidência conjunta (dessa conferência sobre o futuro da europa), partilhada
entre o conselho da união europeia, o parlamento europeu e a comissão. Ou seja, essa questão
foi ultrapassada (a da presidência): já não será uma individualidade, serão as presidências destas
3 instituições a assegurar a condução dos trabalhos na conferência sobre o futuro da europa.
O que se espera desta conferência? Alguns esperam muito, outros quase nada. Talvez a
verdade esteja a meio caminho.
Não se pode esperar uma revisão dos tratados. Mas o que se pretende com a conferência
sobre o futuro da europa é congregar projetos/propostas, vindas sobretudo da chamada
sociedade civil, dos cidadãos da união europeia, quer a título individual, quer como
representantes de organizações cívicas (e eventualmente partidárias), mas o objetivo é o de
suscitar/ promover o debate na sociedade política europeia, no sentido de explicitar as suas
posições e pontos de vistas sobre o futuro da união europeia, e de o concretizar através de
propostas. Propostas que que irão ser submetidas a essa conferência e depois serão preparadas.
Propostas que se mostrem depois adequadas a dar lugar a atividade legislativa, propostas
concretas que poderão depois ser transformadas em atos jurídicos da união europeia- diretivas,
regulamentos, estratégias diferentes de interação entre o decisor da UE e os cidadãos da mesma.
REGENTE: esta conferência tem a duração prevista de 1 ano: em princípio arranca a 9 de maio
de 2021, e deverá em 2022 apresentar as suas conclusões. Vê nesta conferência 2 aspetos
particularmente importantes:
Esta conferência sobre o futuro da europa irá, inevitavelmente, discutir e debater aquelas
que são as grandes questões que se colocam no imediato como problemas ao aprofundamento
do projeto de integração europeia.
51
Esta questão é muito importante, quer do ponto de vista da sua superação, da resolução
do problema. Porque há aqui um problema: a comissão, que chamou a si, e bem, o objetivo de
negociar de modo conjunto, em nome dos estados, a aquisição das vacinas às farmacêuticas, fê-
lo de um modo que não foi prudente, que conduziu a UE a um “beco sem saída”, sendo que a UE
está atualmente numa posição bastante fragilizada, sobretudo na comparação com os seus
competidores- EUA, China, Rússia- de tal modo que as vacinas que são produzidas em território
da UE acabam por ser exportadas para esses países, para cumprir contratos que foram
celebrados com outras cautelas que não os celebrados pela comissão.
® Recuperação económica:
A 11 de março, deu entrada no tribunal constitucional alemão, mais uma queixa por
inconstitucionalidade, apresentada por um conjunto de professores de direito e de economia,
52
queixa esta dirigida ao plano do Banco Central Europeu de aquisição de títulos da dívida pública
dos estados-membros, com vista a impedir uma subida das taxas de juro e evitar as dificuldades
previsíveis desses estados no financiamento das suas economias. Tensão permanente entre a
constituição de um estado e a definição política por parte do BCE, que é uma instituição
autónoma e que não pode obedecer a diretrizes vindas dos governos e mesmo dos tribunais dos
estados.
Art. 2º do TUE enumera um conjunto de valores aos quais a união europeia deve
permanecer fiel como a ideia do estado de direito, defesa das minorias, liberdade de expressão,
tudo reconduzido à ideia do estado de direito, o primado do direito, no qual avulta, por exemplo,
a tutela jurisdicional efetiva, a independência dos tribunais. Art. 7º TUE- prevê um mecanismo
de aplicação de sanções políticas aos estados que de uma forma grave e continuada violam os
pressupostos do estado de direito. Este mecanismo nunca foi ativado, pois pressupõe
unanimidade, e a aliança conjugada entre os estados envolvidos nesta violação dos pressupostos
do estado de direito (Polónia e Hungria) acabam por vetar qualquer tentativa de ativar o
mecanismo de sancionamento político e a questão acaba por ser abordada pela comissão,
através da instauração de ações por incumprimento contra cada um esses estados, e essas ações
por incumprimento já foram decididas pelo tribunal de justiça no sentido de considerar
verificadas essas violações, como a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
A regente acha que esta questão deveria ser uma questão puramente jurídica, resolvida
pelos tribunais, e por isso a regente acha bem que a polónia e a Hungria tenham recorrido ao
tribunal de justiça, no quadro do art. 263º, impugnando o regulamento comunitário em causa,
para solicitar ao tribunal der justiça uma tomada de posição. O que à regente parece
inconveniente tem sido a tentativa frustrada por parte da união europeia de ativar o mecanismo
do art. 7º, pois esse mecanismo pressupõe uma unanimidade, que é inalcançável.
Mas há aqui um problema sério: a da violação por parte de alguns estados, as chamadas
democracias iliberais, daquilo que são pressupostos ou fundamentos do estado de direito, e que
constituem um desafio à marca identitária da união europeia como uma associação de estados
que respeitam o estado de direito e os direitos fundamentais dos cidadãos. Este é um problema
que a União Europeia também vai enfrentar no futuro, e para o qual vai ter de ter uma resposta,
53
Existe aqui quase uma estratégia de cerco, e a UE não tem tido a reação que se esperaria
e que seria necessária para combater esta estratégia de cerco: de um lado tem os EUA, de outro
a Rússia e a China, e não há dúvida que a pandemia e a resposta que a União europeia não
conseguiu dar em termos de combate à mesma, e voltando à questão da vacinação, tem
fragilizado muito a união europeia na sua relação com estes competidores diretos. A união
europeia, neste conjunto global, ao menos no hemisfério norte, é a entidade/potência que mais
perde no conjunto deste unilateralismo competitivo. Deste modo, a União Europeia tem de
encontrar um caminho de resposta, que passará eventualmente por uma redefinição das suas
relações estratégias com estes competidores diretos (EUA, Rússia). Deve haver uma
normalização das relações entre a União Europeia a Rússia, e a definição de uma outra estratégia
na relação com os EUA e China. Mas sobretudo também a ideia de uma relação privilegiada da
União Europeia com os países do hemisfério sul- países africanos e da américa sul.
A União Europeia tem de reencontrar ou recentrar o seu papel no mundo, sob pena de
esse papel se tornar absolutamente secundário, com consequências perigosas para a sua
afirmação enquanto potência regional, e no que diz respeito à sua afirmação como potência
económica.
54
Estas são questões muito difíceis, para as quais não existe uma resposta única. Há a
necessidade de procurar as respostas que, em cada momento, se mostrem como as mais
adequadas e ir adaptando essa procura de soluções em função da própria evolução da realidade,
neste caso da realidade sanitária, económica e geopolítica.
Lição nº6
Art. 13º/1 TUE: “A União dispõe de um quadro institucional que visa promover os seus
valores, prosseguir os seus objetivos, servir os seus interesses, os dos seus cidadãos e os dos
Estados-membros, bem como assegurar a coerência, a eficácia e a continuidade das suas políticas
e das suas ações”.
Com a versão introduzida pelo Tratado de Lisboa, desapareceu o termo “único” para
adjetivar o quadro institucional da União. À medida que avançarmos na análise das instituições,
55
órgãos e organismos, a União Europeia, que, sublinhe-se, atua sob diferentes velocidades
consoante as matérias em causa, dispões de um quadro institucional plural e flexível. A garantia
da unidade e coerência da ação da UE, mesmo em domínios de elevada especificidade técnica e
política como é o caso da União Económica e Monetária, depende, afinal, da intervenção das
principais instituições políticas- Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Conselho e Comissão-
e da função fiscalizadora exercida pelo Tribunal de Justiça.
O critério distintivo entre instituições e órgãos não era claro e nele sobressaía uma
avaliação política e simbólica sobre o papel atribuído às ditas instituições no concerto decisional
da UE. Na base desta classificação residia um critério mais político do que jurídico. A relativa
imprecisão jurídica ficou ainda mais evidenciada com a consagração do Tribunal de Contas como
instituição. Se o critério operativo era o da importância ou competência decisória, então
justificar-se-ia a “institucionalização” do Banco Central Europeu (BCE), o que só veio a acontecer
com o Tratado de Lisboa; se o critério era o da autonomia, então também o Comité das Regiões
e o Comité Económico e Social poderiam figurar como instituições, já que o Tratado lhes
reconhece o poder de aprovar o respetivo regulamento interno, sem controlo do Conselho (art.
303º TFUE e art. 306º TFUE, respetivamente).
Assim, podemos dizer que o art. 13ºTUE, pelas alterações que introduziu na versão
anterior relativa ao elenco das instituições da União, tornou mais clara e, por isso, mais coerente,
a chancela tradicional da instituição ao reservá-la aos órgãos mais relevantes, seja na ótica da
sua competência juridicamente vinculativa seja na ótica da sua função (ex: Tribunal de Contas).
56
o Parlamento europeu;
o Conselho europeu;
o Conselho (de ministros);
o Comissão;
o Tribunal de Justiça da União Europeia;
o Banco Central Europeu;
o Tribunal de Contas.
Depois temos os órgãos, que são as outras realidades institucionais que estão previstas
nos tratados, mas não têm o estatuto de instituições:
O texto dos tratados não fornece uma definição, nem uma resposta direta. Há largos anos
que a prática institucional promove a criação de entidades muito variadas, tanto do ponto de
vista jurídico como funcional, indistintamente designadas por organismos.
Estes organismos personalizados, que não se devem confundir com a categoria de órgãos
complementares, criados também por iniciativa do decisor da União (ex: comités técnicos), são
cada vez em maior número e surgem sob as mais variadas designações e formato jurídico- a título
de exemplo, agência, instituto, observatório, centro. A sua proliferação e diversificação traduzem
a necessidade de encontrar a solução mais adequada para dar resposta ao cumprimento das
novas missões confiadas pelos Estados-membros à UE, nos domínios sempre em expansão do
controlo técnico e da atividade regulatória. Correspondem, grosso modo, ao que designamos na
57
Esta qualificação não tem uma função meramente formal, podendo condicionar a
aplicação de regimes jurídicos. EX: questão do regime linguístico ou das sedes. Os tratados
definem um regime muito mais restritivo quando estão em causa as instituições do que quando
estão em causa órgãos ou organismos.
A solução vertida no texto dos tratados espelha uma relação de coexistência entre estas três
fontes principais de legitimação do poder político na União Europeia. No estádio atual de
evolução do processo de integração política, a união europeia (ainda) não é um estado. No
quadro de um modelo atípico de associação de estados como é a união europeia, não faz sentido
apregoar a superioridade natural da legitimidade democrática sobre a legitimidade
intergovernamental. Assim, qualquer passo de reforma institucional deve ser equacionado e
justificado na perspetiva do modelo existe de União ou do modelo futuro que os Estados-
membros estarão dispostos a aceitar, de modo transparente e democrático.
Aspetos comuns:
• A autonomia;
• A função pública da União Europeia;
• O regime dos privilégios e imunidades;
• Regime linguístico;
• Matéria relativa às sedes das instituições, órgãos e organismos.
A regente foca-se mais no regime linguístico e sedes, já que têm suscitado maior
controvérsia e o seu regime é fundamental como garantia de igualdade entre os estados. É uma
59
1. Autonomia
PE (art. 232º TFUE), a Comissão (art. 249º/1, TFUE), o Conselho (art. 240º/3, TFUE), o
Comité Económico e Social (art. 303º TFUE) e o Comité das Regiões (art. 306º TFUE)
aprovam o respetivo regulamento interno. A autonomia organizativa pode assumir um
recorte ainda mais acentuado, dependendo da natureza da instituição em causa: o BCE
tem personalidade jurídica própria e estatuto reforçado de independência (art. 282º/3,
TFUE); ou da sua função representativa- ao PE, composto por deputados eleitos por
sufrágio direto e universal, compete estabelecer o “estatuto e as condições gerais das
funções dos seus membros” (art. 223º/2, TFUE). Outra importante manifestação da
autonomia interna é a prerrogativa de organização dos serviços, incluindo a criação de
órgãos subsidiários. ACÓRDÃO MULLER E MERONI TRATAM DE QUESTÕES DE AUTONOMIA INTERNA
2. Função pública da UE
O estatuto dos funcionários e agentes das Três Comunidades Europeias foi definido, na
sequência do Tratado de fusão de 8 de abril de 1965, por um corpo único de regras. O
Regulamento CEE, EURATOM, CECA nº 259/68, do Conselho, de 20 de fevereiro de 1968, aprovou
o Estatuto dos Funcionários das Comunidades e o Regime aplicável aos outros agentes das
Comunidades.
A função pública eurocomunitária está, tanto pelo número de efetivos como pelo regime
contratual aplicável, mais próxima do modelo nacional de funcionalismo público do que do
paradigma da função pública das organizações internacionais.
as modalidades previstas no ato institutivo ou determinadas por ato interno de gestão dos
recursos humanos.
“O Tribunal e Justiça da UE é competente para decidir sobre todo e qualquer litígio entre
a UE e os seus agentes, dentro dos limites e condições estabelecidas pelo Estatuto dos
Funcionários da União e no Regime aplicável aos outros agentes da União”.
Assim, por força do Tratado, ao funcionários e agentes da União têm direito a um foro
único e exclusivo. Em relação aos chamados trabalhadores locais ou contratados, o foro judicial
competente é o dos tribunais nacionais do lugar de prestação da atividade.
3. Privilégios e imunidades
Nos termos do art. 343º TFUE, a UE goza, no território dos Estados-membros, dos
privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão. O Protocolo nº7, anexo aos
Tratados, retoma o regime previsto no protocolo de 8 de abril de 1965, integrado no Tratado de
fusão aplicável ao Conselho e à Comissão. O Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da
UE regula, por um lado, o regime aplicável à União, aos seus funcionários e agentes, aos
deputados europeus e outros responsáveis pelas instituições no território dos Estados-membros
e, por outro lado, define a situação jurídica dos representantes dos Estados-membros que
participam nos trabalhos das instituições, bem como das missões de Estados terceiros
acreditadas junto da UE. O regime vazado no Protocolo assenta sobre as principais regras:
61
Por seu lado, a UE não beneficia de imunidade de jurisdição (art. 274º TFUE). A União e,
outrossim, a sobrevivente CEEA, podem ser demandadas junto do TJUE, no quadro da
competência atribuída pelos Tratados, ou junto dos tribunais nacionais que, como órgãos
comuns da justiça euro comunitária, têm competência para dirimir os restantes litígios em que
sejam parte.
4. Regime linguístico
O tratado CECA foi redigido em francês e apenas a versão francesa era considerada
autêntica. Já os dois Tratados de Roma, que instituíram a CEE e a CEEA, bem como todos os
tratados de revisão posteriores foram adotados em todas as línguas oficiais das Comunidades
Europeias, constituindo qualquer uma delas versão autêntica, que faz fé.
O art. 342º TFUE investe o Conselho do poder de aprovar, por unanimidade, o regime
linguístico das instituições da União, excecionando o caso particular das disposições previstas no
Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. O art. 281º TFUE permite a revisão do Estatuto
através do processo legislativo ordinário, explicitando, contudo, a exceção relativa ao regime
linguístico cuja alteração exige unanimidade no seio do Conselho.
Assim, sem prejuízo das disposições previstas no estatuto do tribunal de justiça da união
europeia (que tem regras específicas), o regime linguístico das instituições da união é fixado pelo
Conselho deliberando por unanimidade, por meio de regulamentos.
Foi aprovado o regulamento nº1 que tem sido objeto de sucessivas revisões, sobre o
regime linguístico, de fine as condições em que as instituições da união têm de respeitar o
princípio da igualdade no tratamento entre as 24 línguas oficiais da União Europeia. O art. 342º
é uma garantia para todos os estados, por requerer a unanimidade, ou seja, qualquer alteração
ao regime linguístico tem de recolher o acordo de todos. Esta é uma garantia importante pois
um dos problemas que é identificado no funcionamento da União europeia é que esta será uma
espécie de torre de papel, onde se falam todas as línguas, mas ninguém se entende, atualmente
24 línguas oficiais- art. 55º, sendo que a última que se juntou foi o croata (quando a Croácia
entrou na UE), entretanto o reino unido saiu, mas como o inglês também é língua oficial por via
da república da irlanda mantém-se como língua oficial. Claro que é difícil funcionar em pé de
igualdade com 24 línguas, mas estas devem continuar a ter o estatuto de línguas oficiais.
Depois há uma outra realidade paralela e que tem vinco a ganhar espaço, que são as
línguas de trabalho.
62
Por um lado, o objetivo do tratamento igual dos estados e, consequentemente das suas
línguas, sendo que os próprios tratados, ao definirem no art. 4º/2 TUE o princípio fundamental
do respeito pela identidade nacional dos estados também tem uma repercussão sobre o regime
linguístico, pois uma das componentes da identidade nacional dos estados é a sua língua e a
união compromete-se no artigo referido a respeitar a identidade nacional dos estados, o que
inclui a sua língua.
O outro objetivo é o da eficiência. É à luz desta ideia da eficiência, que se tem travado
uma batalha em torno do conceito de línguas de trabalho. Existem as línguas oficiais, definidas
no art. 55º, estão abrangidas pela regra da unanimidade nos termos do art. 342º mas,
paralelamente, existem as línguas de trabalho, que são mais restritas, não podem ser 24. Alguns
casos são 3: o inglês, o francês, o alemão; nalguns casos é o francês, no quadro de tribunal de
justiça (acordo a que se chegou na década de 50, quando foi criado o primeiro tribunal de justiça,
no quadro da CECA)- língua de comunicação entre os juízes, de modo a que nas sessões
deliberativas, os juízes dispensem a presença de tradutores intérpretes e garantam o segredo
das suas deliberações. Isto resulta de um acordo de cavalheiros, que ainda não foi alterado,
embora o francês tenha perdido a sua função de língua veicular, em favor do inglês. Muitas vezes,
as línguas de trabalho são 3, outras vezes são apenas 1: o inglês- os textos circulam apenas em
inglês, as reuniões realizem-se em inglês, de modo que o inglês como língua veicular tem
efetivamente adquirido um peso crescente no funcionamento das instituições, órgãos e
organismos da união europeia. E mesmo com a saída do Reino Unido (o inglês continua como
língua oficial devido à república da irlanda), o inglês continua a ter um estatuto como língua de
trabalho, isso à luz de um critério de eficiência, de rapidez, de economia de meios. A necessidade
de fazer a tradução para todas as línguas dos documentos escritos, ou de garantir a tradução
simultânea de todas as reuniões para todas as línguas oficiais, isso envolveria um conjunto de
meios, quer em termos de recursos humanos como financeiros, que seria muito dispendioso e
isso tudo teria custos no que se refere à agilidade do processo deliberativo.
inglês é a língua veicular e comunicar então informalmente em inglês. Claro que quando estamos
a falar nos textos jurídicos que criam direitos e obrigações para os particulares, tem de se garantir
a sua tradução para as 24 línguas oficias. O jornal oficial da União Europeia funciona nas 24
línguas oficiais.
5. Sedes
Os Tratados não estabelecem a sede das instituições, remetendo para os governos dos
Estados-membros a sua escolha, de “comum acordo” (art. 341º TFUE e 189º CEEA).
A partir dos anos 80, o PE adotou algumas medidas de organização interna que visavam
concentrar a sua atividade em Bruxelas. A França e o Luxemburgo opuseram-se e tomaram a
iniciativa de impugnar a legalidade das deliberações do PE. O contencioso sobre a questão da
sede envolveu vários recursos, uns decididos a favor dos Estados recorrentes, outros favoráveis
ao PE.
64
divulgar e promover as suas cidades e a sua cultura. Por outro lado, as reuniões do Conselho
Europeu, atraindo sempre grande interesse mediático, eram um bom instrumento de
“marketing” da União, seja no plano da sua projeção internacional seja no plano da imperiosa
aproximação entre as instituições europeias e os cidadãos europeus. Este resultado afigura-se
bem mais improvável com o aprazamento uniformizado dos conclaves para Bruxelas, capital dos
eurocratas.
Art. 341º TFUE- este artigo refere as instituições, sendo que a localização dos órgãos e
organismos, como as agências europeias, é uma deliberação que não requer o consenso já que
o art. 341º remete para a exigência do consenso. É uma questão sensível pois todos os estados
querem que o seu território seja beneficiado com a localização das instituições.
o bloco de legalidade euro comunitária constitui, no seu todo, fundamento e limite para
a ação desenvolvida pelas estruturas orgânicas de decisão. Neste sentido, todos os princípios de
incidência institucional produzem o assinalado efeito de conformação do decisor da UE- a
começar pelo princípio da competência de atribuição, incluindo os princípios da subsidiariedade
e da proporcionalidade (art. 5º TUE).
66
Os tratados, o mais próximo que estão de uma ideia de equilíbrio institucional, é no art.
13º/2 TUE, artigo dedicado às instituições. Depois da enumeração das instituições, no seu nº2
pode ler-se: “cada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos
tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem”.
Esta é a disposição que mais se aproxima de uma ideia de equilíbrio institucional, aqui
sinónimo de princípio de legalidade da competência, a ideia segundo a qual as instituições (e
também os órgãos e organismos- há que fazer uma interpretação teleológica/ sistemática),
devem atuar no quadro das suas competências e devem, nesse sentido, respeitar as
competências das outras instituições, órgãos e organismos. O art. 13º/2 pressupõe a conjugação
de 2 princípios vinculativos:
67
TJ: o equilíbrio institucional implica, antes de mais, “que cada órgão exerça as suas
competências no respeito das competências dos outros (…) no quadro de um sistema de
repartição de competências entre os diferentes órgãos da Comunidade e, no caso de se verificar
uma violação, esta deve ser devidamente sancionada”.
As dúvidas, as questões relacionadas com o equilíbrio institucional, com esta ideia de que
as instituições, órgãos e organismos se devem relacionar entre si num espírito de cooperação,
pode levar à celebração de acordos interinstitucionais- art. 295º, o que começou por ser uma
prática iniciada pelo trio institucional- o conselho, a comissão e o parlamento europeu. E, para
68
69
Tem previsão expressa nos tratados- art. 4º/3 TUE. É um dos princípios mais importantes
e férteis dos tratados. Este princípio da cooperação leal ou da fidelidade comunitária é um
corolário do princípio geral da boa-fé, relativamente ao qual há uma ideia de coerência na
atuação (que impõe a não contradição), quer da união, quer dos estados.
O princípio da cooperação leal, tal como o princípio da boa fé, é um princípio, uma diretriz
de boa governação mas é, principalmente, um princípio jurídico e vinculativo, cuja violação pode
ser objeto de apreciação e pode envolver consequências como a declaração de nulidade do ato
que viole a cooperação leal.
70
O princípio da cooperação leal tem 2 dimensões, e agora só nos interessa uma delas.
Este vincula os estados- art. 4º/3 (deveres de execução dos estados- entidades nacionais
respeitarem e fazerem respeitar o direito da união europeia). A perspetiva que nos interessa é-
a união europeia, as instituições, órgãos e organismos, também por força do art. 4º/3, estão
vinculadas pela exigência da cooperação leal, e isto numa dupla exigência: as instituições, órgãos
e organismos nas relações entre si têm de respeitar a cooperação leal; e, por outro lado, a união
europeia, na relação com os estados, deve relacionar-se com estes observando as exigências da
cooperação leal.
4. Princípio da transparência
É um princípio de abertura. Veja-se o art. 15º/1 TFUE, quando estabelece com alcance
geral: “a fim de promover a boa governação e assegurar a participação na sociedade civil, a
atuação das instituições, órgãos e organismos da união pauta-se pelo maior respeito possível do
princípio da abertura”.
71
Em ligação direta com este artigo, veja-se o art. 298º TFUE e art. 11º TUE; art. 16º/8 TUE
pois estabelece que as reuniões do conselho da união europeia são públicas quando o conselho
delibera sobre atos legislativos, o que é uma concretização clara do princípio da abertura ou da
transparência. Isto é garantido através do visionamento.
- Art. 41º/b): relativo ao direito dos administrados de consultar os processos que lhe dizem
respeito, que é um pressuposto da boa administração.
Se, por exemplo, uma organização pedir acesso aos documentos e houver recusa, tem de
haver uma fundamentação, à luz da disposição especifica do regulamento de 2001 que
estabelece essa exceção. Às vezes a questão acaba no tribunal geral, com uma impugnação da
decisão de recusa por parte da instituição. O princípio da transparência é um princípio geral e
vinculativo, mas por vezes existe uma visão muito restritiva do direito do acesso aos documentos.
Muitas vezes a comissão tem uma política de uma certa irresistência a este princípio.
O art. 15º/1 TFUE (já referido) é importante. Em conformidade, o art. 16º/8 TUE estipula
que são públicas as reuniões do Conselho “em que se delibere e vote um projeto de ato
legislativo”.
Por seu lado, o art. 298º/1 TFUE, a propósito dos procedimentos de decisão em geral,
determina:
72
PESC. A questão de saber se neste domínio de atuação está ou não excluído o princípio de
transparência impõe que se considere a existência de duas disposições pertinentes do estatuto
jurídico da União:
o O art. 11º/3 TUE que postula um objetivo geral “de coerência e transparência das ações
da União”;
o O art. 42º da Carta dos Direitos Fundamentais que consagra em geral o direito de acesso
aos documentos da União, embora o seu exercício dependa das condições definidas pelos
Tratados (art. 52º/2 Carta).
Lição nº7
Parlamento Europeu
A. Composição
É composto pelos representantes dos cidadãos da União, eleitos por sufrágio universal,
direto, livre e secreto, por um mandato de 5 anos (art. 14º, nº 2 e 3, TUE). Embora o princípio
democrático da eleição direta e universal estivesse já previsto no Tratado de Paris, só em 1979
se passou do sistema de escolha dos deputados europeus pelos parlamentos nacionais para o
atual modelo de eleição direta pelos cidadãos de todos os Estados-membros que são, por força
do art. 20º/1 TFUE, cidadãos da UE.
O Ato relativo à Eleição dos Representantes à Assembleia por sufrágio direto selou o
acordo sobre o número de representantes por cada Estado-membro. Em contrapartida, não foi
possível em 1976- como não o foi até aos nossos dias- aprovar um processo eleitoral uniforme
(art. 223º/1, TFEE). Por esta razão, as eleições para o PE continuam a realizar-se de acordo com
os princípios e regras de direito eleitoral vigentes em cada Estado-membro. O art. 22º/2 TFUE
prevê o direito de qualquer cidadão da União de eleger e de ser eleito nas eleições para o PE. As
exigências e modalidades de exercício deste direito de cidadania europeia foram objeto de uma
diretiva de harmonização dos direitos eleitorais dos Estados-membros. Esta harmonização
legislativa não prejudica, contudo, o direito soberano de cada Estado-membro para, no âmbito
da respetiva lei da cidadania e legislação eleitoral, e com respeito do princípio da igualdade de
tratamento, determinar os titulares do direito de participação nas eleições para o PE.
73
Os deputados europeus são eleitos por um mandato de 5 anos (art. 14º/3 TUE).
74
B. Organização e funcionamento
75
Os deputados são agrupados por ideologias e afinidades políticas e não em função da sua
nacionalidade.
O regimento fixa as condições de constituição dos grupos políticos que devem integrar
pelo menos 23 deputados, eleitos, no mínimo, pelo corpo eleitoral de um quarto dos estados-
membros. Trata-se, importa reconhecer, de uma exigência agravada do carácter plurinacional e
minimamente representativo dos grupos políticos que substitui a possibilidade de, outrora,
formar grupos políticos compostos por deputados oriundos de um único estado-membro. Cada
deputado só pode pertencer a um grupo político. Aos deputados e, contudo, reconhecido o
direito de não aderir a nenhum grupo político, desenvolvendo a sua atividade como deputados
não inscritos.
76
O art. 229º TFUE estabelece que o parlamento europeu realiza uma sessão anual,
reunindo por direito próprio nem segunda terça-feira de março. Nos termos do regimento, a
sessão corresponde ao período de 1 ano. No decorrer da sessão anual, o parlamento europeu
realiza 12 reuniões ordinárias do plenário (uma semana por mês). Como acontece com os
parlamentos nacionais muito alargados, boa parte dos trabalhos decorrem nas comissões
parlamentares, que reúnem 2 semanas por mês. Também, por reflexo de uma regra fundamental
de funcionamento das assembleias nacionais, as sessões plenárias são públicas. De acordo com
o protocolo relativo à localização das sedes, em Estrasburgo realizam-se 12 sessões plenárias,
incluindo a seção orçamental. Estas sessões suplementares têm lugar em Bruxelas, bem como as
reuniões das comissões parlamentares.
O quórum, fixado pelo regimento interno, é de 1/3 dos membros que compõem o
parlamento (art. 178º).
A regra geral de deliberação é a da maioria dos votos expressos (art. 231º TFUE). Os
tratados e o regimento interno prevêem outras maiorias:
C. Competências
77
Para além do reforço dos seus poderes no procedimento orçamental, o PE passou ainda
a exercer competência deliberativa sobre matérias tão importantes como a aprovação de
alterações aos tratados pelo processo simplificado (art. 48º/7, parágrafo quarto, TUE), a
aprovação do acordo de retirada de um estado-membro (art. 50º/2, TUE), a aprovação do
exercício de poderes novos pela união (art. 352º/1 TFUE), a aprovação de um número muito
78
alargado de acordos internacionais (art. 218º/6 TFUE). Por outro lado, a alteração no processo
de nomeação do presidente da comissão foi no sentido de acentuar a importância da intervenção
do parlamento europeu, competente agora para eleger o candidato proposto pelo conselho
europeu (art. 17º/7 UE).
a) Nomeação da Comissão- nos termos do art. 17º/7 TUE, o candidato proposto pelo
Conselho Europeu é “eleito pelo PE por maioria dos membros que o compõe”. Em
momento ulterior do procedimento de investidura da comissão, o presidente da
comissão, o alto representante da união para os negócios estrangeiros e a política de
segurança e os demais membros da comissão “são colegialmente sujeitos a um voto de
aprovação do parlamento europeu”.
período da legislatura e pode solicitar ao tribunal de justiça a sua destituição (art. 228º/2 TFUE);
1. Moções de censura
O mecanismo do artigo 234º TFUE foi raramente acionado- apenas 6 moções de censura
foram propostas desde a eleição do PE por sufrágio direto e universal- e nunca se chegou à fase
da votação e do consequente derrube da comissão. Em março de 1999,1 moção de censura
apresentada contra a comissão presidida por Jacques Santer foi rejeitada por uma escassa
maioria (293 votos contra 232). acusada de faltas graves em relatório elaborado por um Comité
de peritos independentes, a comissão deixou de ter condições políticas para continuar e
apresentou o pedido de demissão coletiva no dia seguinte ao da votação falhada da moção de
censura. A pressão política exercida pelo PE, e mesmo na ausência do requisito procedimental
da votação requerida pelo Tratado, não deixou à Comissão outra solução que não fosse o
abandono de funções. A moção de censura concretiza a responsabilidade política da Comissão
perante o PE (art. 17º/8 TUE). Trata-se, pois, de um eficaz instrumento de pressão sobre a
Comissão, colocada sob a ameaça de destituição coletiva por iniciativa de um órgão cuja
dissolução não está sequer prevista nos Tratados.
2. Questões e debates
O art. 230º TFUE estabelece a obrigação por parte da Comissão de responder “oralmente
ou por escrito, às questões que lhe forem colocadas pelo PE ou pelos seus membros”. Embora o
Tratado não defina uma obrigação equivalente em relação ao Conselho, este aceita desde 1959
responder às perguntas parlamentares, dando origem a uma prática que alguns identificam como
exemplo raro de costume no Direito Comunitário. A Declaração de Estugarda sobre a UE (19 de
junho de 1983) codificou este compromisso por parte do Conselho. No quadro da Política Externa
e de Segurança Comum, o Tratado explicita o poder de interpelação do Conselho e do Alto
Representante pelo PE (art. 36º TUE).
80
Particular importância tem o Relatório sobre a aplicação do Direito da União nos Estados-
membros. O relatório é publicado no Jornal Oficial e o PE pronuncia-se sobre ele através de
resolução que é transmitida à Comissão, ao Conselho, aos Governos e aos Parlamentos dos
Estados-membros.
O Tratado de Masstricht importou para a letra dos Tratados o resultado de uma antiga
prática do PE relativa à realização de inquéritos e à receção de petições (art. 226º e 227º TFUE).
Qualquer cidadão da União (art. 24º 2º parágrafo, TFUE) bem como qualquer outra
pessoa física ou coletiva com residência ou sede estatutária no território de um Estado-membro,
pode dirigir petições ao PE “sobre qualquer questão que se integre nos domínios de atividade da
Comunidade e lhe diga diretamente respeito (art. 227º TFUE). Se admitida, a petição será objeto
de competente instrução e pode dar lugar a propostas de reforma normativa adequada (art. 227º
do Regimento).
Com o ato único europeu, teve início uma nova etapa no estatuto do PE como órgão da
tríade institucional responsável pelo processo comunitário de decisão normativa. A previsão do
processo de cooperação foi o primeiro passo dado no sentido do reconhecimento ao PE de
poderes que não fossem de mera consulta. Foi, contudo, a partir do tratado de Masstricht, com
a previsão do processo co-decisão e do processo de parecer favorável, que o PE adquiriu o poder
de deliberação sobre determinadas matérias, sucessivamente alargadas nas revisões de
Amesterdão e Nice, seja sob a forma de aprovação de atos euro comunitários de aplicação
interna, em regime de co-autoria com o conselho, seja sob a forma de convênios internacionais.
82
O PE que, por via do processo legislativo ordinário, é co-decisor decisor em 95% das bases
jurídicas inscritas nos tratados, apenas em 3 situações está autorizado a deliberar como autor do
ato:
1- Definição do estatuto e condições gerais do exercício das funções pelos seus membros,
condicionado pela aprovação prévia do Conselho (art. 223º/2 TFUE);
2- Determinação das regras de exercício do direito de inquérito, precedida de aprovação do
Conselho e da Comissão (art. 226º, 3º parágrafo, TFUE);
3- Definição do estatuto e condições gerais de exercício das funções do Provedor de Justiça
(art. 228º/4, TFUE).
b) A participação do PE no processo de execução das normas- como órgão titular de poderes
de decisão legislativa, o PE sempre defendeu o direito de controlar e de influenciar, a
jusante, o processo de execução. O artigo 291º TFUE não confere poderes de execução
ao PE, mas prevê a sua participação no processo de regulação prévia das condições de
exercício pela comissão das competências executivas. Ao PE e ao Conselho compete
aprovar, sob a forma de regulamentos adotados de acordo com o processo legislativo
ordinário, as regras e princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo que os
estados-membros podem aplicar ao exercício das competências de execução pela
Comissão (art. 291º/3 TFUE).
Em relação aos atos delegados, uma outra modalidade função normativa secundária, o
PE goza de poderes decisórios equivalentes aos do conselho. Com efeito, o artigo 290º TFUE
confere ao PE o poder de revogar a delegação e de formular objeções que impedem a entrada
em vigor do ato delegado.
- Acordos sobre matérias em relação às quais, no processo interno de decisão, seja exigida a
aprovação do PE.
83
Para os restantes acordos, com exceção dos que incidam exclusivamente sobre a política
externa e de segurança comum (art. 218º/6, 2º parágrafo TUE), o parlamento é consultado (art.
218º/6/b TFUE).
Como acontece no direito interno, e de harmonia com o modelo de vinculação que resulta
da convenção de Viena sobre o direito dos tratados, a aprovação do PE corresponde a um ato de
autorização para celebrar o acordo. O PE deve pronunciar-se sobre um texto definitivo de acordo,
depois de adotado e assinado em nome da união europeia.
As áreas de maior relevo nas quais está prevista a aprovação prévia do PE são as
seguintes:
Ao PE assiste o direito de aprovar ou de rejeitar, mas não pode propor alterações. No caso
de matérias reguladas através de atos normativos da União, esta limitação, sob a forma unilateral
do veto, em contraste com o previsto no processo legislativo ordinário, não enquadra a
negociação e a conciliação entre o PE e o Conselho, podendo mais facilmente funcionar como
um travão político à ação considerada necessária naquele domínio.
A elevada abstenção nas eleições para o PE afeta de um modo que não deve ser
desvalorizado o grau de legitimidade representativa do órgão parlamentar da UE. Desde 1979, o
ano do primeiro ato eleitoral, até 2014 a evolução revela uma diminuição gradual da participação
dos eleitores: 65% em 1979 e 42,9% em 2014. Nas eleições de 2019, inverteu-se a tendência com
uma acentuada subida de afluência Às urnas, com mais de metade (50,66%) dos 425 milhões de
eleitores a rejeitar a abstenção. Infelizmente, Portugal destoou, com uma abstenção de 68,6%, a
84
o Recorrer de qualquer ato jurídico da União destinado a produzir efeitos jurídicos, com
fundamento em ilegalidade, nos mesmos termos em que o podem fazer a Comissão, o
Conselho ou qualquer estado-membro (art. 263º, 2º parágrafo, TFUE);
o Direito de instaurar recursos por omissão quando entenda que o Conselho Europeu, o
Conselho, a Comissão ou o BCE se abstiverem de agir, em violação do Tratado (art. 265º/
1º parágrafo, TFUE);
85
A COSAC pode dirigir ao PE, ao Conselho e à Comissão “todos os contributos que considere
adequados sobre as atividades legislativas da união, nomeadamente no que se refere à aplicação
do princípio da subsidiariedade, no espaço de liberdade, de segurança e justiça, bem como as
86
Lição nº8
O Conselho Europeu
Estado ou de Governo dos Estados-membros um lugar central, relegando para segundo plano as
instituições comunitárias originariamente previstas no Tratado de Paris e, depois, nos Tratados
de Roma.
Mais tarde, no rescaldo da Cimeira de Paris, Jean Monnet, mentor da corrente mais
integracionista, reconheceu a necessidade de renovar e de reforçar a autoridade comunitária.
De acordo com o seu diagnóstico, “o mecanismo da decisão estava bloqueado ao nível dos
ministros que, reunidos no Conselho, se comportavam como defensores das suas administrações
nacionais”. Faltava, pois, uma instância de impulsão política, dotada de verdadeiros poderes de
decisão. Faltava, ainda, uma sede própria de coordenação das posições assumidas pelos vários
Estados-membros em relação às grandes questões internacionais. Jean Monnet, sempre
visionário, propôs a designação de Governo europeu provisório. Não vingou o nome, mas teve
eco a ideia.
87
O novo estatuto do Conselho Europeu não é inesperado, nem definitivo ou fechado. Não
é inesperado, porque, desde a criação da União Europeia, cresceu, de modo continuado, a
influência direta que o Conselho Europeu exerce sobre as opções fundamentais da estratégia de
integração, no plano político e também no plano jurídico. Há já algum tempo que o Conselho
Europeu não se coibia de desmentir a visão de uma instância política de “impulsão e orientação
gerais” para decidir, sempre que os Estados-membros o considerem necessário, sobre questões
concretas. São tangíveis as manifestações desta evolução – por exemplo, o aumento do número
de reuniões, a natureza precisa da ordem de trabalhos, a publicidade assegurada às Conclusões.
88
b) Composição
O Conselho Europeu mantém a formação nuclear, herdada do ato instituidor: os Chefes
O Presidente é eleito pelo Conselho Europeu por maioria qualificada, por um mantado de
dois anos e meio, renovável uma vez, art. 15º/5 TUE.
c) Organização e funcionamento
O art. 15º/3 TUE, codifica a prática anterior de reunior o Conselho Europeu duas vezes
89
por semestre, ou seja, uma reunião ao início e outra no fim da presidência rotativa do Conselho
da União. Reuniões extraordinárias terão lugar por convocatória do Presidente.
A regra de deliberação no seio do Conselho Europeu é o consenso (art. 15º/4 TUE). Trata-
se de uma forma de deliberação que congrega o acordo de todos os membros do Conselho
Europeu, sem recurso à votação. Com esta não se cofnunde a unanimidade, que obriga à votação,
prevista em várias situações – art. 7º/2 TUE, art. 24º/1, parágrafo segundo, TUE. A abstenção dos
membros presentes ou representados não obstá à constatação da unanimidade (art. 235º/1,
parágrafo terceiro, TFUE) e o mesmo se deve aplicar à ausência de um membro. O art. 235º/3
TFUE exige a votação por maioria simples sobre as questões processuais e a aprovação do
Regulamento Interno, ao passo que o artigo 236º TFUE especifica o requisito procedimental da
maioria qualificada para os seguintes casos: DIFERENÇA ENTRE
CONSENSO E
1) Decisão sobre a lista de formação do Conselho; UNANIMIDADE
2) Decisão relativa à presidência das formações do Conselho,
Outras disposições dos Tratados prevêem a maioria qualificada, com o art. 17º/7 TUE
(designação do Presidente da Comissão e dos membros da Comissão) e o art. 18º/1 TUE
(nomeação do Alto Representante).
d) Competências
O art. 15º/1 TUE retoma a fórmula tradicional, quando determina que o Conselho
Enquanto instância que atuava sobre matérias da competência comunitária, existia a dúvida
sobre se o Conselho Europeu poderia aprovar atos normativos. O art. 15º/1 TUE clarifica este
aspecto: “O Conselho Europeu não exerce função legislativa”.
Ao Conselho Europeu reservam os Tratados uma missão de natureza política, o que exclui
a adoção de atos normativos, incluindo de conteúdo legislativo. Como única instituição de missão
exclusivamente política, o Conselho Europeu exerce um conjunto muito vasto de poderes
importantes, definidos e tipificados pelos Tratados, em torno de duas funções principais: 1)
estatutária; 2) impulsão política.
90
Os Tratados não fixam uma tipologia de atos do Conselho Europeu. A prática trouxe para
a luz do dia uma terminologia flexível e mesmo imprecisa: conclusões, declarações, orientações,
comunicados – designações que não têm correspondência na tipologia dos atos jurídicos da
União (art. 288º TFUE), nem se ajustam à nomenclatura do Direito Internacional Público.
3) Resoluções através das quais toma posição sobre questões específicas que serão
depois desenvolvidas ou concretizadas por deliberação do Conselho da União Europeia (p.e.
Resolução do Conselho Europeu de Nice relativa ao princípio de precaução);
a) Composição
Os Tratados da União Europeia identificam este órgão central do sistema institucional
da União Europeia como o Conselho (art. 16º TUE e arts. 237º a 243º TFUE). Após 1974, passou
a ser conhecido pela referência à sua composição: Conselho de Ministros. Depois da entrada em
vigor do Tratado da União Europeia, mereceu o batismo de Conselho da União Europeia. Nomes
distintos para realidades distintas. Solução que deveria evitar a confusão entre Conselho da
Europa, Conselho Europeu e Conselho da União Europeia.
92
Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, apenas duas formações têm existência
garantida: o Conselho dos Assuntos Gerais e o Conselho dos Negócios Estrangeiros (art. 16º/6
TUE). Ao Conselho Europeu compete estabelecer a lista das outras formações do Conselho, art.
236º, al. a) TFUE, mas, nos termos no art. 4º do Protocolo nº36 relativo às disposições
transitórias, a referida lista pode ser aprovada pelo Conselho dos Assuntos Gerais enquanto o
Conselho Europeu não exercer a prerrogativa oferecida pelo art. 16º/6, parágrafo primeiro, TUE.
As formações mais relevantes pelo tipo de decisões que adotam e pelas matérias que
versam são as seguintes:
1) Conselho dos Assuntos Gerais, assegura a coordenação e a coerência dos trabalhos das
diferentes formações; prepara as reuniões do Conselho Europeu e, em articulação com o
Presidente do Conselho Europeu e com a Comissão, garante a continuidade dos trabalhos
(art. 16º/6 TUE); composto pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros ou dos Assuntos
Europeus;
2) Conselho dos Negócios Estrangeiros, presidido pelo Alto Representante (art. 18º/3 TUE),
composto pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros, elabora a ação externa da União,
de acordo com as linhas estratégicas fixadas pelo Conselho Europeu, assegura a coerência
da ação externa da União, art. 16º/6 TUE);
3) ECOFIN (Assuntos Económicos e Financeiros), composto pelos Ministros que tutelam as
finanças e as questões económicas, tornou-se, no contexto da crise orçamental e
económica pós-2008, uma instância de debate, preparação e decisão sobre a resposta
que se espera da União Europeia em matéria de governação económica e de auxílio
financeiro dos Estados-membros em risco de colapso.
b) Organização e funcionamento
I. Presidência
O art. 16º/9 TUE, determina que, à exceção do Conselho dos Negócios Estrangeiros,
presidido pelo Alto Representante (art. 18º/3 TUE), a presidência das formações do Conselho é
assegurada pelos representantes do Estado-membro que preside ao Conselho, com base no
sistema de rotação igualitária. Ao abrigo do art. 236º, al. b) TFUE, o Conselho Europeu, definiu as
regras aplicáveis ao exercício da Presidência do Conselho:
- Cada grupo é formado com base num sistema de rotação igualitária entre os Estados-
membros, tendo em conta a sua diversidade e os equilíbrios geográficos da União;
93
A Presidência não está, contudo, reduzida a um dever de neutralidade política. Bem pelo
contrário. No quadro de objetivos da União que são múltiplos e, por vezes, até contraditórios, há
que definir uma estratégia, divulgá-la e atuar de modo a alcançar um adequado grau de
realização do programa estratégico que foi definido.
II. COREPER
Prevista pelo artigo 16º/7 TUE, o COREPER (acrónimo de Comité de Representantes
94
Ao COREPER cabe a execução dos mandatos que o Conselho lhe atribui, art. 240º/1 TFUE.
Não se trata de uma delegação de poderes em favor do COREPER. Como órgão auxiliar do
Conselho, este pode solicitar-lhe a realização de determinados estudos, o aprofundamento de
certa negociação, um relatório sobre uma questão específica.
Apesar da evolução institucional que foi favorável ao reforço dos seus poderes, o
COREPER mantém a sua natureza de órgão auxiliar, de vocação burocrática e técnica. A função
preparatória dos trabalhos do Conselho justifica o nível técnico aprofundado dos debades no seio
do COREPER, mas, importa sublinhar, os representantes dos Estados-membros, desde os
embaixadores aos funcionários e peritos, devem estar devidamente mandatados pelos seus
Governos, orientados por diretrizes políticas a seguir sobre a questão em análise.
O COREPER funciona em dois níveis: o COREPER II, o mais importante, constituído pelos
chefes das representações permanentes (embaixadores) que prepara os trabalhos sobre
matérias de maior relevo político (p.e., dossiers a examinar pelo Conselho Assuntos Gerais,
ECOFIN, Negócios Estrangeiros, Justiça e Assuntos Internos); o COREPER I, composto pelos
representantes permanentes adjuntos, que prepara os trabalhos das restantes formações do
Conselho em que é dominante a componente técnica das propostas em discussão.
95
tomar decisões no quadro de uma operação de gestão de crises, art. 38´, parágrafo terceiro,
TUE).
III. Secretariado-Geral
O Conselho é assitido por um órgão de natureza burocrática chamado
complexa e heterogénea como é o Conselho. Para além das funções típicas de secretariado de
todos os níveis formativos do Conselho, incluindo o Conselho Europeu, o COREPER, os comités e
grupos de trabalho que orbitam em torno do Conselho, o Secretariado-Geral assegura um apoio
imparcial à Presidência e cosntitui, em rigor, o elemento de continuidade e o suporte técnico dos
trabalhos (p.e., preparação, tradução e distribuição da documentação que acompanha cada
ponto da ordem do dia).
96
a) Maioria Simples, o Conselho delibera por maioria dos membros que o compõem,
art. 238º/1 TFUE. Cada Estado-membro possui um voto e o ato considera-se aprovado quando
reúne o voto favorável da maioria dos Estados-membros que integram o Conselho, ou seja, o
voto favorável de 14 (em 27) Estados-membros. Se o Conselho estiver em reunião com o quorum
mínimo, que são 14 Estados-membros em virtude do disposto no art. 239º TFUE, todos os
Estados-membros presentes terão de votar a favor ou fazê-lp em noemd o Estado representado.
A maioria simples é, por comparação com a maioria qualificada e a unanimidade, o critério
deliberativo menos aplicado. Está prevista numa dezena de casos, quase todos relacionados com
questões de procedimento e organizativas – p.e., art. 337º TFUE, art. 240º/2 e 3 TFUE.
97
Pela primeira vez, desde a criação das Comunidades Europeias, é abandonado o método
do voto ponderado, substituído por um sistema de supla maioria: percentagem de Estados (55%)
e percentagem da população da União. A minoria de bloqueio deve ser composta, no mínimo,
por quatro Estados-membros (art. 16º/4, parágrafo segundo, TUE), que representarão um pouco
mais de 35% da população ou, em alternativa, é composta por 13 Estados-membros que
impedem a decisão que deveria ser apoiada, no mínimo, por 15 Estados-membros. No caso de o
Conselho não deliberar sob proposta da Comissão ou do Alto Representante, então, os critérios
formativos da maioria qualificada são ainda mais exigentes: 72% dos membros do Conselho que
representem, no mínimo, 65% da população da União, art. 238º/1, TFUE.
Como acontecia com a Declaração de Ioanina, o Tratado de Lisboa, agora por pressão da Polónia,
permite que a “minoria perdedora” numa votação solicite uma reconsideração do Conselho. A
partir de 1 de Abril de 2017, tornou-se mais fácil o exercício deste direito de bloqueio transitório
para “compensar” o abadono definitivo do sistema de Nice.
98
Luxemburgo, encerrou uma das mais graves crises institucionais da história das Comunidades
Europeias, mas, em contrapartida, abriu a porta a uma prática que transmudou profundamente
o princípio de deliberação no seio do Conselho, tal como estava previsto nos Tratados.
1) Pelo direito de veto como instrumento de tutela de interesses vitais dos Estados-
membros;
2) Pela subalternização do papel da Comissão relativamente ao Conselho no quadro do
procedimento de decisão fixado no Tratado de Roma.
As deliberações por unanimidade, ou com maior rigor jurídico, por consenso, obrigam
100
Luxemburgo surgiu, justamente, como uma reação à regra da maioria e ao seu efeito corrosivo
sobre a soberania dos Estados-membros.
O Tratado de Lisboa reforça o princípio da votação por maioria, mas, como acontecia com
os anteriores tratados de revisão, não se refere expressamente ao Acordo do Luxemburgo. A sua
invocação não é provável no plano político, mas é possível no plano jurídico. A ameaça do veto
só se deverá considerar justificada em situações de grande excecionalidade, esgotadas todas as
vias, formais e informais, de negociação. Na prática institucional do Conselho, a via do acordo
consensual é, aliás, a mais generalizada. Cerca de 80% das decisões do Conselho são adotadas
por consenso.
O compromisso obtido não derroga, tão-pouco impede, a tomada de decisões com base
na regra da maioria qualificada. No entanto, ao facilitar a minoria de bloqueio – em vez dos 26
votos exigidos pelo ex-artigo 205º CE, bastaria recolher 23 a 25 votos – e, concomitantemente,
ao dificultar o acesso ao patamar da aprovação – 65 votos em vez de 62 -, a Declaração de Ioanina
alterou as regras de formação da maioria qualificada.
102
IV. Competências
O Conselho exerce competências de espetro muito alargado que, por razões de clareza
As reuniões do Conselho são públicas na parte em que este delibera e vota sobre
propostas de atos legislativos (art. 16º/8 UE). Para garantir a aplicação deste princípio de
transparência, a ordem de trabalhos deve prever duas partes, uma dedicada às deliberações
sobre atos legislativos e a outra, à porta fechada, sobre as atividades não legislativas (art. 16º/8,
TUE). O Regulamento Interno concretiza as condições de abertura ao público das reuniões do
103
No âmbito da PESC, o Conselho também pode atorar decisões, desde que respeitados os
objetivos e orientações gerais definidas pelo Conselho Europeu (art. 24º/1, parágrafo segundo,
TUE; art. 26º/1, TUE; art. 27º/1, TUE).
104
Em função dos poderes que exerce, o Conselho é a instituição que mais se identifica com
o estatuto competencial típico dos Governos nas democracias representativas: legisla, em regime
de partilha com o Parlamento; promove a execução de atos e políticas; orienta a negociação e
aprova os convénios internacionais; coordena as políticas económicas dos Estados, como faz o
Governo central de um Estado Regional ou Federal em relação às entidades que o compõe.
Outras instituições, como o Conselho Europeu e a Comissão, participam no poder governativo da
União, mas estão longe de igualar o Conselho no ajustamento a uma certa ideia de governo auto-
suficiente da União.
Lição nº9
dispor que a “Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas
instituições por força destes” (art. 17º/1, TUE). Cabe à Comissão, enquanto instituição política, a
garantia da boa aplicação do Direito da União, incluindo o dever de atuar contra os sujeitos de
direito que pelo seu comprotamento violem as regras e princípios vigente. Um dever que se
impõe em relação aos Estados-membros, às instituições e órgãos da União e também em relação
aos particulares.
No sistema instituído pelos Tratados, não existe apenas um guardião dos Tratados. Para
além de vários níveis e modalidades de controlo da ação politico-administrativa desenvolvida
pelo decisor da União (p.e., Provedor de Justiça, Procuradoria Europeia), a outra dimensão
105
Comissão Europeia
a) Composição
A Comissão é composta por 27 membros: um nacional por cada Estado-membro,
incluindo o seu Presidente e o Alto Representante, que é um dos vice-presidentes (art. 17º/4,
TUE). O art. 17º/5, TUE, prevê que, a partir de 1 de Novembro de 2014, a Comissão seria
composta por um número de membros, incluindo o seu Presidente e o Alto Representante,
correspondente a dois terços do número de Estados-membros, “a menos que o Conselho
Europeu, deliberando por unanimidade, decida alterar esse número”.
Uma Comissão mais pequena, seria, teoricamente, uma Comissão adequada à função,
mais ágil e mais coesa, tendo em conta que se trata do órgãos executivo da União. A questão
relativa à composição da Comissão foi central no processo negocial do Tratado de Nice, da
Constituição Europeia e do Tratado de Lisboa. Duas teses fundamentais se opunham: por um
lado, os defensores de uma Comissão de base igualitária, em que estivessem representados
todos os Estados-membros; por outro lado, aqueles que, em nome da eficácia e da importância
de um Executivo comunitário forte, sustentavam a solução de uma Comissão de composição
restrita, cujos membros seriam nacionais dos Estados-membros com base no sistema de rotação
rigorosamente igualitária entre os Estados-membros. Curiosamente, esta foi a tese que vingou
no texto assinado em Lisboa (art. 17º/5, TUE e art. 244º TFUE), mas, por circunstâncias
supervenientes, foi abandonada.
106
objetivo das realidades específicas de cada Estado-membro. Cumpre, pois, saudar a garantia de
representação de todos os Estados-membros no seio da Comissão, como acontece no
Parlamento Europeu, no Conselho Europeu e no Conselho, as instituições que partilham com a
Comissão a responsabilidade pela decisão política na União Europeia.
O art. 17º/3, TUE, traça aquele que deve ser o perfil do candidato a comissário:
O art. 17º/3, parágrafo terceiro, TUE, e o art. 245º TFUE, especificam os deveresm de
função de um membro da Comissão:
nacionalidade está longe de constituir um valor absoluto de conduta pessoal e institucional. Nos
termos do art. 245º, parágrafo primeiro, TFUE, os Estados-membros comprometem-se a não
influenciar os membros da Comissão no exercício das suas funções. Acontece, porém, que os
Governos dos Estados-membros não deixam de “sensibilizar” o(s) seu(s) comissário(s) em relação
aos problemas que mais diretamente afetam os interesses nacionais; por vezes, é o próprio
comissário, através do seu gabinete, que procura obter das autoridades do “seu” Estado-
membro de nacionalidade os “esclarecimentos” que poderão ditar o respetivo de voto no
momento crucial da deliberação no colégio dos 27 comissários. Dependendo naturalmente da
personalidade do comissário, da sua conceção sobre o cargo e, especialmente, do grau de
independência que esteja em condições de impor, a transmissão destes “esclarecimentos” pode
confundir-se, tal é o seu caráter preciso e categórico, com verdadeiras instrução. Trata-se,
contudo, de um “modus vivendi” que, salvaguardadas determinadas aparências, respeitados
certos limites, faz parte do jogo e aproveita, de um modo um tanto desigual é certo, a todos os
Estados-membros.
107
De acordo com o disposto no art. 17º/7, TUE, podemos recortar as seguintes fases no
procedimento de nomeação da Comissão:
108
O art. 246º TFUE enumera as causas de cessação individual das funções de comissário:
109
4) Demissão compulsiva;
De acordo com o previsto no art. 247º TFUE, qualquer membro da Comissão que deixe
de preencher os requisitos necessários ao exercício das suas funções ou tenha cometido falta
grave por ser demitido pelo Tribunal de Justiça, a pedido do Conselho ou da Comissão. Faria todo
o sentido que também o PE pudesse solicitar esta apreciação pelo Tribunal de Justiça, tendo em
conta as suas competências reforçadas em matéria de nomeação e de destituição coletiva.
Do ponto de vista da sua organização interna, a Comissão funciona numa dupla dimensão:
política e admnistrativa. O Presidente, os Vice-Presidentes, os demais comissários e os respetivos
gabinetes formam a estrutura política da Comissão que, por sua vez, orienta, dirige e atua através
dos serviços, constituindo estes a dimensão administrativa da Comissão.
110
250º TFUE). A Comissão decide sob proposta de um ou vários dos seus membros. As reuniões
não são públicas. Os debates são confidenciais, embora fiquem registados em ata.
Nos termos do art. 248º TFUE, é o Presidente que define as áreas estruturadas de
competências e as distribui pelos membros da Comissão. Esta distribuição pode ser alterada no
decurso do mandato e os comissários exercem as funções atribuídas pelo Presidente “sob a
responsabilidade deste”. A repartição dos “pelouros” não é, contudo, alheia às pressões
exercidas pelos Estados-membros que jogam todo o seu poder com o objetivo de garantir para
“o seu comissário” as pastas tradicionalmente mais importantes (p.e., agricultura) ou que o são
em determinado contexto histórico (p.e., alargamento). A responsabilidade direta por áreas
específicas de ação não deve ser confundida com a tradição governamental das pastas
ministeriais. Ao contrário do ministro, o comissário carece de competência política e
regulamentar própria. Com efeito, o princípio da colegialidade subordina toda a lógica de
funcionamento da Comissão.
- Reuniões preparatórias dos chefes de gabinete dos Comissários: à medida que têm
aumentado as áreas de intervenção da Comissão e a complexidade técnica das suas deliberações,
verifica-se uma importância crescente desta “estrutura auxiliar”, funcionalmente equivalente ao
COREPER. Nas reuniões preparatórias, presididas pelo Secretário-Geral, são estudados os
111
aspetos técnicos da ordem de trabalhos das reuniões da Comissão com vista à simplificação e
aceleração do procedimento de deliberação;
A doutrina do Juiz comunitário foi pensada com o propósito de, em nome do princípio
112
A natureza de ato insuscetível de delegação não compreende apenas os atos dirigidos aos
particulares. No âmbito da competência de controlo exercida pela Comissão em relação aos
Estado-membros, o Tribunal de Justiça excluiu a delegação de poderes para adotar o chamado
parecer fundamentado e para tomar a decisão de instaurar a competente ação por
incumprimento contra o Estado-membro em causa.
Em todo o caso, o ato adotado mediante delegação por um comissário, por um alto
funcionário ou por um funcionário administrativo é sempre imputável à Comissão nos efeitos
que produz.
c) Competências
O art. 17º/1, UE, confia à Comissão, com o objetivo de promover “o interesse geral
113
- Vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições,
por força destes;
- Assegura a representação externa da União, com exceção da PESC e dos restantes casos
previstos nos Tratados;
Com base na formulação um tanto genérica das suas competências, favorecida pelo
estatudo de “guardiã dos Tratados” no contexto de um aprofundamento contínuo do processo
de integração europeia, a Comissão soube jogar a sua influência institucional para alargar e, em
certa medida, “reinventar” o seu papel na relação, por um lado, com as outras instituições e, por
outro lado, com os Estados-membros. As sucessivas revisões dos Tratados não exprimiram uma
vontade pactícia favorável ao reforço do lugar da Comissão na estrutura institucional da União
Europeia. Verificou-se mesmo com o Tratado de Lisboa uma opção de sentido oposto ao da
ambição da Comissão, uma reafetação de poderes que foi desfavorável à Comissão.
Com efeito, o seu lugar no quarteto institucional da decisão política ficou diminuído ou
condicionado, em virtude de duas alterações fundamentais diretamente resultantes do Tratado
de Lisboa:
simplificação que atende à natureza jurídica das prerrogativas em causa, ser enquadrada nas
seguintes grandes áreas de competência:
Existe, contudo, uma outra razão mais explicativa do papel modesto a que a Comissão foi
remetida. Em domínios fundamentais e estratégicos de avanço do processo de integração, como
acontece com a gestão monetária e a PESC, a Comissão tem poderes marginais, que não incluem
o seu tradicional poder de iniciativa. Noutros domínios igualmente importantes, como a
cooperação em matéria de políticas económicas e sociais, a Comissão carece de competência
para impor uma abordagem comunitária que contrarie o papel atribuído ao Conselho Europei
pelos Tratados e, segundo a evolução mais recente, exercido por um grupo muito restrito de
Estados-membros. As circunstâncias tragicamente excecionais do ano pandémico foram, assim,
adequadamente aproveitadas pela Comissão Europeia para assumir o nível de coordenação e de
decisão que a sobrevivência do projeto europeu exigia.
115
submetidas pelo PE (art. 225º TFUE) ou pelo Conselho (art. 241º TFUE). No caso de não
apresentar a proposta solicitada pelo Parlamento Europeu ou pelo Conselho, a Comissão, para
além do dever de informar sobre as razões por que não avança com uma proposta, pode ser
demandada perante o Tribunal de Justiça e condenada por omissão (art. 265º TFUE).
A Comissão não tem, contudo, um exclusivo, nem mesmo um direito preferencial de controlo
dos comportamentos no seio da União Europeia. O TJUE, em articulação com os tribunais dos
Estados-membros, exerce o controlo judicial. O controlo político é basicamente assegurado pelo
PE. O Tribunal de Contas é responsável pelo controlo financeiro. No âmbito da União Económica
e Monetária, são reconhecidos ao Conselho e ao Banco Central Europeu amplos poderes de
supervisão e controlo (art. 127º TFUE e 132º TFUE). Também aos Estados-membros, através das
respetivas administrações, devem garantir a aplicação do Direito da União (art. 4º/3, parágrafo
segundo, TFUE). Como guardiã dos Tratados, a Comissão exerce uma competência genérica e
subsidiária de controlo e vigilância.
116
executiva por delegação e sob controlo dos Estados-membros, salvo os casos de competência
executiva reservada expressamente previstos nos Tratados.
Sob a forma de atos delegados, nova modalidade de atos não legislativos definida pelo
Tratado de Lisboa, a Comissão exerce o poder de completar e desenvolver o regime jurídico do
ato legislativo se, PE e Conselho, lhe confiarem esta missão (art. 290º/1, TFUE). A Comissão tem
117
poderes muito limitados na aprovação dos atos delegados, seja porque atua sob delegação, seja
porque o âmbito regulador do ato delegado não pode interferir com os chamados “elementos
essenciais” do ato legislativo.
a) Composição
A instituição Tribunal de Justiça da União Europeia (art. 13º/1, TUE) é composta por
dois tribunais: o Tribunal de Justiça (TJ) e o Tribunal Geral (TG). Embora o art. 19º/1, TUE, preveja
a existência de tribunais especializados, atualmente não estão em funcionamento, depois da
decisão tomada em 2015 de extinguir o Tribunal da Função Pública que foi criado em 2004.
Uma mesma instituição, dois tribunais. Assim se garante o duplo grau de jurisdição, com
o TJ a funcionar como instância de recurso ou como tribunal de competência exclusiva sobre as
matérias ou litígios mais importantes, art. 258º, 259º, TFUE; art. 267º TFUE).
O TJ é composto por um juiz por cada Estado-membro (27) e assitido por 11 advogados-
gerais (o art. 252º, TFUE prevê 8 advogados-gerais, mas este número pode ser aumentado, o que
já aconteceu por deliberação unânime do Conselho).
118
Por seu lado, o TG é composto de, pelo menos, um juiz por cada Estado-membro (art.
19º/2, TUE) e, na sua atual composição, conta com 2 juízes por cada EM, art. 48º, al. c), Estatuto
TJUE. Não dispõe de advogados-gerais, mas essa função pode ser, em casos que o justifiquem,
confiada a um dos juízes (art. 49º, Estatuto TJUE).
Uma instituição, dois tribunais. Os Tratados (art. 256º TFUE) e o Estatuto do TJUE
(Protocolo nº3, art. 51º) estabelecem os critérios de repartição de competências entre o Tribunal
Geral e o Tribunal de Justiça, com a possibilidade de, por via de revisão do Estatuto, ser alargada
a competência do tribunal de primeira instância, incluindo as questões prejudiciais sobre
matérias determinadas – prerrogativa que não foi até ao momento utilizada.
b) Natureza da jurisdição
O TJUE tem por missão garantir o “respeito do direito na interpretação e aplicação dos
1) De atribuição;
2) Obrigatória;
3) Exclusiva;
4) No caso do TJ, de última instânicia.
119
competência por atribuição (art. 13º/2, TUE). Assim, o mandato generoso do art. 19º/1, TUE, que
confia ao TJUE a missão de garantir o respeito do direito quando interpreta e aplica os Tratados
tem de ser entendido no sentido em que só o pode fazer no quadro das vias de direito (ou vias
processuais) expressamente tipificadas ou previstas nos Tratados, o que inclui o Estatuto que,
tendo a forma de protocolo, goza de forla jurídica equivalente à dos Tratados conforme
determina o art. 51º TUE. Fora deste âmbito, a competência de garantia jurisdicional do direito
cabe aos tribunais nacionais que são os órgãos judiciais comuns do Direito da União Europeia. O
sistema judicial da UE é, por consequência, um sistema descentralizado e plural, com
fundamento no art. 274º TFUE, cabendo, por outro lado, aos Estados-membros garantir a tutela
jurisdicional efetiva através da criação das vias judiciais necessárias (art. 19º/1, TFUE). A
articulação entre a jurisdição do TJUE e a jurisdição dos tribunais nacionais é realizada através do
mecanismo das questões prejudiciais (art. 267º TFUE) que fundamenta, enquadra e promove um
verdadeiro diálogo de “juiz a juiz”.
2) Uma jurisdição obrigatória, e não facultativa como sói acontecer no cânone clássico
dos tribunais internacioanis. A partir do momento em que se tornam membros da UE, os Estados-
membros estão obrigados a respeitar as decisões do TJUE que goza de competência para dirimir
conflitos entre Estados-membros (art. 259º TFUE), entre a Comissão e um Estado-membro (art.
258º TFUE), entre Estados-membros e instituições da UE (arts. 263º, 265º e 268º TFUE) e entre
particulares e instituições da União (arts. 263º, 265º e 268º TFUE). De fora, ficam os litígios que
opõem os particulares aos Estados-membros que devem ser subemtidos aos tribunais nacionais
competentes, embora possam chegar ao TJ pela via do mecanismo das questões prejudiciais (art.
267º TFUE).
3) Jurisdição exclusiva, uma garantia que resulta do art. 344º TFUE e, excluindo o
recurso aos tribunais internacionais ou tribunais arbitrais como alternativa ao TJUE, traduz o
compromisso firme dos Estados-membros em relação à especificidade da União como modelo
associativo de integração entre Estados e em relação à autonomia do Direito da União Europeia
– especificifade e autonomia que descartam solições que possam pôr em causa a interpretação
e aplicação uniformes do Direito da União, objetivo fundamental do qual é garante o TJUE.
120
c) Competências
Os Tratados reconhecem ao TJUE poderes muito amplos de controlo jurisdicional que
o Juiz da União interpretou como um mandato para instituir um sistema completo e coerente de
vias de recurso.
Para além da competência de natureza declarativa (pareceres, art. 218º/11, TFUE, art.
267º TFUE), o TJUE julga recursos e ações no âmbito do contencioso do incumprimento (arts.
258º - 260º, TFUE), do contencioso da ilegalidade (arts. 263º, 265º e 277º TFUE), do contencioso
de plena jurisdição (arts. 268º, 270º e 261º TFUE) e do contencioso das medidas cautelares (arts.
278º e 279º TFUE).
Uma aliança virtuosa entre as bases jurídicas dos Tratados, por um lado, e a interpretação
criativa do TJUE no que respeita ao alcance finalístico da suas competências, por outro lado,
fazem deste Tribunal o mais forte pilar institucional da União de Direito. Com algumas limitações
ou entraves que nos limitamos a respigar:
Estado infrator (art. 269º TFUE), solução que constitui por si só uma grave e inexplicável entorse
ao modelo do Estado de direito que, para além de outras razões, fragiliza este procedimento
como instrumento de garantia e defesa da União de direito contra os excessos autoritários
cometidos pelos Governos de Estados-membros, como a Polónia e a Hungria.
Lição nº10
A. Origem
Embora a moeda tenha sido “a grande esquecida do Tratado de Roma”, a partir dos finais
da década de 60, sucedem-se iniciativas que visam resgatar a política monetária ao relativo
esquecimento a que fora votada no período de transição.
Junho de 1990, e depois vertido nas disposições do Tratado, eram três as fases de realização da
UEM:
122
O funcionamento da UEM reclamou uma estrutura orgânica que pudesse responder com
saber técnico e eficácia política às exigências inerentes à programação e execução de uma
política monetária comum. Durante a segunda fase da UEM, a cooperação monetária entre os
Estados-membros foi confiada ao Instituto Monetário Europeu (IME). Dotado de personalidade
jurídica, e adminsitrado por um Conselho composto por um Presidente e pelos governadores dos
bancos centrais nacionais, o IME foi concebido como um órgão de transição que devia “preparar
os instrumentos e procedimentos necessários para a execução de uma política monetária única
na terceira fase”, incluindo preparar a entrada em funcionamento da estrutura orgânica da
terceira fase, constituída pelo Banco Central Europeu (BCE), pelo Sistema Europeu dos Bancos
Centrais (SEBC) e pelo Comité Económico e Financeiro (CEF).
O BCE foi criado em 1 de Junho de 1998, de modo a preparar a sua plena entrada em
funções na data prevista de arranque das terceira fase. Este ficou sedeado na cidade alemã de
Francoforte. A disciplina jurídica referente a esta instituição encontra-se, por um lado, nas
disposições dos Tratados (art. 13º/1 e 3, TUE: arts. 282º e 284º TFUE) e, por outro lado, no
Protocolo nº4, relativo aos Estatutos do Ssistem Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central
Europeu (doravante designado por Estatutos), que faz parte integrante do Tratado e com este
partilha a força jurídica do Direito da União primário ou originário. Por esta razão, a revisão dos
Estatutos deve obedecer ao procedimento formal de revisão previsto no art. 48º TUE. O Tratado
acautela, todavia, a possibilidade de um procedimento simplificado de revisão do Protocolo para
os casos referidos no art. 129º/3, TFUE e no art. 40º dos Estatutos. Estes procedimentos não
prejudicam a aplicabilidade do art. 48º TUE, nomeadamente a opção pelo procedimento
simplificado ao art. 48º/6, parágrafo segundo, TUE, para alteração de outras disposições de
regulação institucional no domínio monetário, dependentes de consulta prévia do BCE.
B. Estrutura
O BCE goza de personalidade jurídica (art. 282º/3, TFUE). O Tratado de Lisboa
elevou o BCE à categoria de instituição da União, o que coloca o BCE na situação única de
instituição dotada de personalidade jurídica (art. 13º/1, TUE). Suporte da sua independência na
123
Este órgão é composto pelo Presidente e Vice-Presidente do BCE e pelos governadores dos
bancos centrais nacionais de todos os Estados-membros da União (art. 44º, Estatutos). Pretende-
se com este órgão, que é a extensão do IME para além do início da terceira fase, instituir um foro
de coordenação em matéria de política monetária entre os Estados-membros que adotaram a
moeda única e aqueloutros que ainda o não fizeram.
C. Poderes
O poder mais importante e tipificador da natureza funcional do BCE é o direito
exclusivo de autorizar a emissão de moeda (art. 282º/3, TFUE). O BCE tem competências
decisõrias próprias, de caráter normativo (regulamentos) e administrativo (decisões), não lhe
124
sendo permitida a aprovação de diretivas, mas podendo aprovar atos atípicos (orientações,
instruções, decisões). Com independência da sua forma de designação, estes atos, se produzem
efeitos jurídicos, são passíveis de controlo jurisdicional de legalidade, junto do TJUE (art. 263º
TFUE) ou junto dos tribunais nacionais por via incidencial, com a possibilidade de através da
colocação de questões prejudiciais chegar ao TJ (art. 267º TFUE). O BCE tem ainda competências
de natureza sancionatória que se traduzem na aplicação de “multas ou sanções pecuniárias
temporárias” às empresas em caso de incumprimento das regras constnates dos seus
regulamentos e decisões (art. 132º/3, TFUE).
D. Estatuto de independência
O estatuto de independência do BCE (art. 130º TFUE; art. 282º/3 TFUE) é, na sua
125
1) Os atos ou omissões do BCE podem ser fiscalizados pelo Tribunal Geral ou pelo
Tribunal de Justiça, através da instauração dos competentes recursos de anulação (art. 263º
TFUE) ou por omissão (art. 265º TFUE); por sua banda, o BCE tem legitimidade para acionar um
e outro destes mecanismos de controlo da legalidade em relação a atos e omissões, com a latide
processual reconhecida aos recorrentes privilegiados, em pé de igualdade com o Conselho ou a
Comissão, e com os Estados-membros, conforme resulta da alteração introduzida pelo Tratado
de Lisboa e coerente com a promoção do BCE a instituição da União;
4) Aos danos causados pelos atos ou omissões imputáveis ao BCE é aplicável o regime
de responsabilidade extracontratual previsto no art. 268º TFUE e no art. 340º, parágrafo terceiro,
TFUE; já os bancos centrais nacionais estão sujeitos aos regimes de responsabilidade previstos
nas legislações nacioanais;
126
pelos Tratados e pelo Estatutos. A argumentação foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça: da
interpretação dos Tratados resulta que “o BCE está inserido no quadro comunitário”, que a sua
“independência não tem como consequência substraí-lo à aplicação das normas de direito
comunitário”; concluindo que está sujeito aos poderes de fiscalização da auotridade comunitária
anti-fraude.
E. Eurosistema
Formado pelo BCE e pelos 19 bancos centrais dos Estados-membros que,
atualmente, integram a Zona Euro (Portugal é membro originário desde a criação do Euro). A
relação entre o BCE e os bancos centrais nacionais baseia-se, por exigência de coerência e
disciplina da autoridade monetária, no princípio da hierarquia, no que respeita à definição da
política monetária, assim assegurada pelos bancos centrais nacionais que funcionam como uma
extensão do BCE no território dos respetivos Estados-membros. O estatuto dos bancos centrais
nacionais, no qual se inclui o Banco de Portugal, reflete, por um lado, o dever de executar as
decisões do BCE e, por outro lado, um regime de rigorosa independência em relação ao Governo
(e outros órgãos políticos) do respetivo Estado-membro, com garantias reforçadas e, porventura,
excessivas. De facto, custa entender a razão que levou a reservar ao TJ o controlo de legalidade
de uma decisão nacional de demissão do governador do banco central de um Estado-membro
quando, como mando o espírito do sistema, esse controlo, porque se trata de um ato nacional,
deveria ser feito pelo tribunais nacionais competentes.
modo informal, sempre que seja necessário debater questões relacionadas com as
responsbailidades específicas que são partilhadas em matéria de moeda única. Também
participam nestes conclaves a Comissão e o BCE. Existe um flagrante constraste entre, por um
lado, o peso efetivo desta instância informal na orientação de uma política monetária de
implacável recorte austeritário e, por outro lado, a insindicabilidade democrática e contenciosa
dos seus atos, considerados meras declarações.
Tribunal de Contas
A. Natureza
127
O Tribunal de Contas, com sede no Luxemburgo, foi criado pelo Tratado de Bruxelas a 22
de Julho de 1975. A sua criação visou dar uma resposta institucional adequada à necessidade de
garantir um controlo financeiro eficaz do novo sistema de recursos próprios das Comunidades,
aprovado pela Decisão do Conselho de 1970, que substituída o sistema das contribuições diretas
dos Estados-membros. O novo sistema proporcionou um extraordinário aumento das receiras e
despesas do orçamento comunitário, cujo controlo reclamava meios jurídicos e garantias de
independência de que carecia a anterior Comissão de Controlo.
B. Composição e funcionamento
Um nacional de cada Estado-membro (art. 285º/1, TFUE), escolhidos de entre
personalidades que “pertençam ou que tenham pertencido, nos respetivos Estados, a instituições
de fiscalização externa ou que possuem uma qualificação especial para essa função” e ofereçam
as garantias de independência (art. 286º/1 TFUE). Nomeados pelo Conselho por maioria
qualificada, após consulta ao PE. Como a Comissão, exerce as suas competências de acordo com
o princípio da colegialidade.
O art. 285º, parágrafo segundo, TFUE, com redação que resulta do Tratado de Lisboa, completa
e enquadra a caraterização da sua atuação por referência ao “interesse geral da União”.
Beneficiam para este efeito de garantias equivalentes às previstas para os membros do Tribunal
de Justiça da União Europeia (art. 286º/5 e 6, TFUE e comparar com os arts. 4º e 6º do Estatuto
do TJUE). O Tribunal de Contas é uma instância colegial, pelo que as suas deliberações são, em
regra, adotadas por maioria dos vinte e sete membros. A cada membro é confiada uma área
específica de verificação e de controlo sobre a qual deve manter o colégio dos membros
informado (relatórios setoriais). Sob proposta do Presidente, podem ser criados grupos de
fiscalização que assistem os membros do Tribunal de Contas no exercício das respetivas funções.
C. Competência
a) Controlo financeiro que envolve a fiscalização da totalidade das despesas da União,
128
incluindo as contas de qualquer órgão ou organismo criado pela União, salvo se o ato constitutivo
excluir este controlo (art. 287º/1, TFUE).
A. Natureza
Uma espécie de Ministro dos Negócios Estrangeiros (era esta a designação prevista na
chamada Constituição europeia que não passou do projeto), com as inevitáveis fragilidades de
um minsitro sem governo, de um governo sem Estado e, mais importante, de uma União
Europeia sem uma verdadeira política externa e de segurança comum (arts. 23º e ss. TUE).
O Tratado de Lisboa conservou intacto o estatuto funcional, mas teve de encontrar uma
outra designação. A escolha recaiu sobre a expressão já sonsagrada no Tratado de Amesterdão,
129
Algumas das questões suscitadas por este caráter bifronte do Alto Representante ao
mesmo tempo “comissário” do Conselho Europeu e Vice-Presidente da Comissão, encontram
resposta em soluções de recorte jurídico-procedimental (p.e., art. 18º/4, UE). Os aspetos mais
delicados de um possível confronto de fidelidades exigem, contudo, uma resposta política e esta,
dentro do espírito do modelo institucional que resultou do Tratado de Lisboa, penderá para o
lado do Conselho Europeu.
B. Competências
Apresenta propostas com vista á definição da política externa e de segurança comum
130
e dele se espera que dê execução às decisões do Conselho Europeu e do Conselho (art. 27º/1,
TUE). Tem poderes de representação da União e conduz o diálogo político e diplomático com
Estados terceiros e OI’s. Destinado a apoiar e assistir o Alto Representante, o Tratado de Lisboa
previu o chamado “serviço europeu de ação externa” que funciona como o corpo diplomático da
União que trabalha em relação direta de colaboração com os serviços diplomáticos dos Estados-
membros (art. 27º/3, TUE). Criado pela Decisão de 26 de Julho de 2010, o SEAE é compsoto por
uma estrutura administrativa central, com sede em Bruxelas e pelos representantes (chefes de
delegação, correspondentes à função de embaixadores, e restante pessoal diplomático) nas mais
de 130 delegações da União junto de países terceiros e organizações internacionais.
A criação do Provedor de Justiça pelo Tratado de Maastricht foi inspirada pelo exemplo
de instituições congéneres existentes no direito dos Estados-membros, como é o caso de
Portugal (art. 23º da CRP). A decisão de dotar a estrutura institucional da União de um órgão
como é o Provedor de Justiça evidencia um duplo objetivo:
O Provedor de Justiça Europeu é nomeado pelo PE, após cada eleição, por um período da
legislatura (5 anos), podendo ser reconduzido nas funções (art. 228º/2, TFUE). O seu estatuto de
131
O estatuto do Provedor, bem como as condições gerais de exercício das suas funções, são
estabelecidos pelo PE, através de regulamentos adotados por iniciativa própria, após parecer da
Comissão e com a aprovação do Conselho (art. 228º/4, TFUE). A sede da Provedoria de Justiça é
a sede do PE (art. 13º do Estatuto), em Estrasburgo.
Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou coletiva com
residência ou sede estatuária num Estado-membro, pode apresentar queixas ao Provedor de
Justiça Europeu “respeitantes a casos de má administração na atuação das Instituições, órgãos
ou organismos comunitários, com exceção do Tribunal de Justiça da União Europeia no exercício
das suas funções jurisdicionais” (art. 228º/1, TFUE).
Do âmbito do direito de queiza, em virtude do disposto no art. 40º TUE, estão excluídas
as situações especificamente relacionadas com o exercício das competências da União no
domínio da Política Externa e de Segurança Comum.
132
Um exemplo ilustra a razão de ser desta nota crítica: como pode o Provedor de Justiça Europeu
exercer de forma últil e consequente o seu poder de inquérito se, nem os Tratados, nem o
Estatuto, prevêem medidas sancionatórias para as instituições, órgãos e organismos da União
que se recusem a cooperar e a corrigir os casos identificados de má administração? Nestas
situações, o direito de recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia restringiria
certamente a tentação por parte do decisor adminsitrativo da União de aproveitar o terreno da
impunidade jurídica para estabelecer as suas relações com a Provedoria de Justiça.
133
garantir a representatividade do órgão, ser objeto de revisão periódica para atender à “evolução
económica, social e demográfica da União”.
O art. 13º/4, TUE, atribui ao Comité Económico e Social, a par do Comité das Regiões, a
função específica de assistir o PE, o Conselho e a Comissão. Embora a sua competência seja
apenas consultiva, a importância destes dois órgãos é reconhecida pelos Tratados que os referem
no art. 13º TUE, logo a seguir à enumeração das instituições da União.
O art. 300º/4, TFUE, define como independente o estatuto dos membros do Comité,
devendo agir “no interesse geral da Comunidade”. Existirá, contudo, alguma dificuldade em
conciliar este dever de independência funcional com a sua natureza de “representantes” das
forças vivas, económicas e sociais, dos Estados-membros. Só no domínio da utopia se poderá
aspirar a uma representação comum do “interesse geral da União” no quadro de profundas
clivagens de desenvolvimento económico e social que se verificam no mosaico complexo
formado pelos 27 Estados- membros.
O Presidente e a Mesa são escolhidos pelo Comité que goza, no seu funcionamento, de
outras garantias de autonomia: aprovação do regulamento interno; pode reunir-se por iniciativa
própria; autonomia financeira e de gestão do pessoa; administração assegurada por um
secretariado geral; pode criar sub-comités com a missão de acompanhar áreas específicas.
O Comité Económico e Social deve, nos termos do art. 304º, parágrafo primeiro, TFUE,
ser consultado nos casos previstos pelos Tratados, pelo PE, pelo Conselho ou pela Comissão
(parecer necessário). Estas instituições podem também, sempre que o considerem oportuno,
pedir o parecer do Comité (parecer facultativo). O Tratado de Maastrich reconheceu ao Comité
o importante poder de emitir pareceres por sua iniciativa (art. 304º, parágrafo primeiro, TFUE).
No caso de parecer necessário, se o Comité não foi solicitado pela instituição competente, a
ausência de consulta constitui uma violação de formalidade essencial e fundamenta a declaração
de ilegalidade do ato adotado.
A criação do Comité das Regiões representou uma das mais salientes inovações
traduzidas pelo Tratado de Maastricht em matéria institucional. A questão da representação das
entidades territoriais infraestaduais alimentava um debate permanente. Não colhera aceitação
a solução apadrinhada pela Comissão de criação de uma Assembleia de regiões que reuniria três
ou quatro vezes por ano. Em alternativa, e no quadro das suas competências, a Comissão criou
em 1988 um conselho consultivo de coletividades regionais e locais que era chamado a
pronunciar-se sobre problema relativos à política regional comunitária e à sua articulação com o
desenvolvimento regional promovido pelos Estados-membros.
134
Os dois órgãos partilham uma estrutura administrativa comum de apoio aos respetivos
secretariados-gerais. A estreita relação entre o Comité das Regiões e o Comité Económico e
Social fica, igualmente, patente no direito reflexo de consulta: de harmonia com o art. 307º,
parágrafo terceiro, TFUE, sempre que o Comité Económico e Social seja consultado, o Comité
das Regiões deve ser informado e, se considerar que estão em causa interesses regionais
específicos, pode emitir parecer a esse respeito. Procede assim, a ideia de que estes dois órgãos
são o verso e o reverso da mesma moeda. Dito de outro modo, a abordagem eurocomunitária
das matérias a regular deve conjugar e alinhar a perspetiva sócio-económica com a perspetiva
territorial, inseparáveis e co-dependentes.
Registamos, contudo, três diferenças importantes entre o Comité das Regiões e o Comité
Económico e Social que resultam, em última análise, de uma dimensão política qualificada que
distingur o primeiro destes órgãos:
1) Os seus membros são representantes das autarquias regionais ou locais que sejam
titulares de um mandato eleitoral a nível regional ou local, logo politicamente responsáveis
perante uma assembleia eleita (art. 300º/3, TFUE);
2) O Comité das Regiões tem legitimidade processual para, nos termos do art. 263º,
parágrafo terceiro, TFUE, em pé de igualdade com o Tribunal de Contas e com o Banco Cnetral
Europeu, impugnar atos jurídicos da União, “com o objetivo de salvaguardar as respetivas
prerrogativas”;
3) O Comité das Regiões goza de idêntica legitimidade processual para impugnar atos
legislativos sobre os quais deve ser consultado, com fundamento em violação do princípio da
subsidiariedade (art. 8º do Protocolo nº2, anexo ao Tratado de Lisboa, relativo à aplicação dos
princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade).
Outros órgãos
135
De acordo com o art. 242º TFUE, o Conselho estabelecerá, após parecer da Comissão, os
estatutos dos comités previstos no Tratado, nomeadamente:
Estes comités visados pelo art. 242º TFUE não devem ser confundidos com os comités
que integram a chamada comitologia, cuja base jurídica é o art. 291º/3 TFUE: os primeiro estão
previstos no próprio Tratado enquanto os segundos são instrituídos por habilitação indireta do
Tratado; os primeiros atuam naórbita do Conselho; os segundos também podem, quanto à sua
composição, ser considerados “extensões” do Conselho, mas atuam no domínio da função
executiva atribuída à Comissão.
Neste ponto dedicado a outros órgãos previstos pelos Tratados, importa ianda referir:
Importa não confundir o Banco Europeu de Investimento (BEI), criado ainda na década de
50, e que tem a sua sede no Luxemburgo, com o Banco Europeu para a Reconstrução e
136
Desenvolvimento (BERD), fundado em Maio de 1991, e que fixou a sede em Londres. O seu
capital é subscrito por 61 Estados, incluindo países não europeus como a Austrália, o Japão e os
EUA, pela União Europeia e pelo BEI. Os objetivos de financiamento do BERD visam, em estreita
ligação com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, a transição das economias de
Estados da Europa Central à Ásia Central para a lógica da economia de mercado.
A expressão comitologia serve para designar uma rede complexa e muito vasta de
comités, mas, em rigor, encerra três sentidos possíveis:
- Em sentido estrito, refere os comités cuja existência se regia pela Decisão do Conselho
nº87/373/CEE, de 13 de Julho. Sob a vigência do Tratado de Lisboa, a sua criação está prevista
no art. 291º/4, TFUE, sob as modalidades definidas pelo Regulamento (UE) nº182/2011, que
estabelece as regras e os princípios relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados-
membros do exercício de competências de execução pela Comissão. Sempre constituídos por
delegados dos Estados-membros e presididos por um representante da Comissão, estes comités
podiam ser de três tipo, dependendo da modalidade de procedimento que subordinada a sua
intervenção no processo de execução: comités consultivos, comités de gestão e comités de
regulamentação;
137
elemento orgânico ancilar da função de execução das normas comunitárias. Nesta categoria
residual de comités, agregados em torno do critério da não sujeiição aos procedimentos ditos de
comitologia, encontramos variantes muito distintas: na sua função, composição e origem legal.
A título de exemplo, refira-se os numerosos comités científicos (p.e., Comité Científico da
Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos). A situação mais comum é a da sua criação
pelo Conselho ou pela Comissão, podendo a sua origem ter fundamento expresso nos Tratados
(art. 99º TFUE sobre a existência de um “comité consultivo, compsoto por peritos designados
pelos Governos dos Estados-membros”, competente para aconselhar a Comissão no domínio da
Política Comum de Transportes) ou, resultar, de modo implícito, do princípio da auto-
organização, conjugado com o critério da adequação técnica;
Sem pôr em causa o trabalho desenvolvido pela maior parte destas estruturas de apoio,
urge, contudo, repensar, para efeitos de racionalização, o modelo. A inflação burocrática tem
elevados custos negativos – seja no plano financeiro seja no plano político-institucional, ao
transmitir a imagem de uma adminsitração eurocomunitária pesada que promove a adesão dos
técnicos das administrações nacionais, protagonistas da chamada “diplomacia viajante” com
destino a Bruxelas.
No espaço de uma década, foram alcançados progressos muito assinaláveis, desde uma
fase de relativa incerteza sobre o número existente de comités, por fim fixado em 1998 numa
lista de 430, até à sua redução quase para metade, em 2009, travando assim o movimento que
parecia imparável de, à medida do aumento das competências materiais da União, criar novos
comités. Com o Tratado de Lisboa, o número de comités voltou a aumentar, contando-se cerca
de 500 no registo de 2020. A existência dos comités técnicos é particularmente relevante no
processo de execução normativa das áreas da agricultura, indústria, assuntos sociais, saúde e
138
Organismos personalizados
Nos anos noventa, seguindo uma tendência do direito adminsitrativo dos Estados-
membros, o Conselho apostou fortemente nesta solução de organização administrativa
autónoma. Num curto espaço de tempo, entre 1990 e 1994, foram criadas dez “agências
europeias”. A explosão deste modelo organizativo gerou justificada inquietação no PE,
preocupado com as consequências associadas à proliferação de tais organismos, com especial
destaque para o problema do controlo e da desorcamentação decorrente da sua autonomia
financeira.
139
b) As agências executivas são criadas pela Comissão e, sob o seu controlo, prosseguem
tarefas relativas à gestão de programas financeiros da União (p.e., Agência de Execução para os
Consumidores, a Saúde). A agência executiva tem personalidade jurídica por razões operacionais,
mas a sua existência , incluindo a nomeação do diretor e o controlo dos atos adotados, depende
da Comissão.
A primeira agência foi criada em 1975 e, atualmente, contam-se mais de três dezenas de
organismos, divididos por várias categorias:
- Agências executivas;
- Etc.
140
Lição nº11
o a função política, assumida, entre outros, pelo Conselho Europeu, pelo Conselho, pela
Comissão, pelo PE, pelo BCE;
141
o função jurisdicional, confiada ao TJUE e aos tribunais dos EM (art. 18º/1 TUE).
- Presidente da comissão;
- Presidente do Eurogrupo.
O Tratado de Lisboa teve a vantagens de arrumar uma pluralidade caótica que se formou
com as sucessivas revisões dos Tratados, desde o AUE até ao Tratado de Nice. Para além da
existência de um número excessivo de procedimentos, a incerteza sobre a escolha do processo
de decisão adequado em função da matéria e do ato jurídico a adotar nascia também da
indefinição do traçado da linha que delimitava as competências da União relativamente às
competências de decisão mantidas na esfera estadual.
Uma das questões que alimenta a discórdia entre instituições, levada com frequência ao
escrutínio do Tribunal de Justiça, é o problema da escolha da base jurídica. O chamado
contencioso da base jurídica ainda justifica nas situações mais complexas o recurso ao TJ. Um tal
contencioso é inevitável, apesar de o Tratado de Lisboa ter introduzido elementos fundamentais
de clarificação em 2 planos interdependentes:
143
O art. 48º/7 TUE permite a revisão simplificada dos Tratados, mediante decisão do
Conselho Europeu, no sentido de substituir a exigência do PLE pela regra do PLO. Uma tal
alteração, que não requer a ratificação pelos Estados-membros, pressupõe o acordo tácito de
todos os parlamentos nacionais, bastando a oposição de um parlamento nacional para
inviabilizar a adoção de decisão de revisão pelo Conselho Europeu (art. 48º/7 TUE).
Nos termos do art. 295º TFUE, o trio institucional, formado pela Comissão (autor da da
proposta do ato legislativo) e pelo PE e Conselho que aprovam o ato legislativo, pode celebrar
acordos institucionais que, respeitando os Tratados, o que exclui soluções de tipo derrogatório,
podem desenvolver, especificar e adaptar as regras previstas no art. 289º/1, TFUE sobre o PLO,
bem como, assim interpretamos o alcance do art. 295º TFUE, as regras constantes do art. 289º/2
TFUE e de bases jurídicas avulsas sobre os PLE. Tais acordados interinstitucionais, manifestação
privilegiada do princípio da leal cooperação, podem revestir caráter vinculativo.
144
- Proposta da Comissão
- Deliberação do Conselho
1. Proposta da Comissão
- Um direito exclusivo de iniciativa legislativa (art. 17º/2 TUE), robustecido por garantias:
a Comissão não pode ser substituída no exercício deste direito por outras instituições, embora
possa ser instada pelo PE (art. 225º TFUE) ou pelo Conselho (art. 241º TFUE) a submeter as
propostas adequadas, fórmula que deve ser interpretada no sentido de abranger as propostas
de atos legislativos; se a Comissão ignorar a solicitação que lhe foi dirigida pelo PE e/ou pelo
Conselho, poderá ser demandada por estas instituições perante o TJUE no quadro do recurso por
omissão (art. 265º TFUE).
294º/3, TFUE), que pode ser de concordância (Conselho aprova o ato, art. 294º/4), de emendas
(Conselho pode aprovar, mas por deliberação unânime (art. 293º/1) ou de rejeição e transmite
ao PE a sua posição (art. 294º/5). Na prática, uma percentagem muito elevada de propostas são
adotadas na fase da Primeira Leitura. Nos casos em que tal não acontece, o procedimento é
prosseguido com várias tentativas de, pela via da negociação e da conciliação, chegar na medida
do possível a uma posição conjunta do PE e do Conselho que viabilize a aprovação do ato, com
participação direta e continuada da Comissão sob a forma de pareceres e através dos quais se
pronuncia sobre a adaptação da sua proposta e os limites das revisões preconizadas pelo PE e/ou
Conselho relativamente ao projeto legislativo inicial. Está prevista a intervenção de um Comité
de Conciliação (art. 294º/10, TFUE), de composição mista, no qual também participa a Comissão
(art. 294º/1, TFUE) e do qual se espera, já numa fase algo extremada de posições
desencontradas, a definição de um compromisso. Nesta fase de conciliação, a proposta da
Comissão perde a blindagem do art. 293º/1, TFUE. Pode, então, ser aprovado por maioria
qualificada do Conselho um ato legislativo diferente da proposta da Comissão (art. 294º/13,
TFUE). Apesar dos esforços de aproximação de posições durante a fase de conciliação, incluindo
o expediente facilitador que permite ao Conselho e ao PE, por maioria, ultrapassar a eventual
recusa por parte da Comissão de alterar a sua proposta, um desfecho possível é a rejeição e o
procedimento termina com a constatação da falta de acordo que inviabiliza ou, pelo menos, adia
para momento mais propício a adoção de medidas legislativas da União sobre a matéria. Não é
raro a Comissão optar por retirar a proposta, o que faz ou para evitar um prolongamento que
antecipa como desnecessário o procedimento ou para impedir uma aliança PE/Conselho que
venha a desvirtuar a sua proposta. Do lado do PE, cumpre notar que o seu poder de veto ou de
rejeição é exercido com muita prudência, certamente para minimizar as situações de não adoção
da legislação eurocomunitária, cujos custos políticos seriam mais negativos para o PE do que para
o Conselho ou para a Comissão.
146
O mecanismo de iniciativa de cidadania europeia (ICE), prevista no art. 11º/4 TUE, uma
manifestação da participação política dos cidadãos da União, permite, verificadas exigentes
condições de ordem procedimental e formal, a apresentação à Comissão de uma proposta de
regulação jurídica sobre matérias em relação às quais os cidadãos proponentes consideram
necessária a existência de um ato jurídico da União. Em rigor, constitui um convite dirigido à
Comissão que, embora obrigada a fundamentar, pode recusar dar seguimento ao pedido de
legislação ou regulamentação (art. 15º/2, Reg. nº 2019/788). Esta recusa não é passível, na
opinião da regente, de impugnação judicial pelo grupo de proponentes da ICE, mormente nos
termos do recurso por omissão do art. 265º TFUE, salvo se a resposta da Comissão que recusa a
adoção de medidas violar o dever se explicitação dos motivos que justificam a sua posição sobre
a inoportunidade ou desnecessidade de um ato jurídico da União sobre a matéria em causa.
Lição nº12
A. Atos delegados
147
obrigação de resultado que não retira a liberdade do decisor nacional na escolha dos meios e
procedimentos mais adequados (autonomia institucional e procedimental).
O Tratado de Lisboa positivou no art. 291º/3, TFUE, o modelo que a prática institucional
desenvolveu sob a designação de comitologia. Sem especificar o procedimento a que fica sujeita
a aprovação das normas de execução, o art. 291º/3 TFUE clarifica, contudo, 3 aspetos
fundamentais:
Com base no art. 291º/3 TFUE, foi aprovado o Regulamento (UE) nº 182/2011, do PE e
do Conselho, que estabelece as regras e os princípios relativos aos mecanismos de controlo pelos
Estados-membros do exercício de competências de execução pela Comissão. O chamado
Regulamento-comitologia define dois tipos de procedimento:
1. A opção por um ou outro procedimento é feita no ato legislativo (o chamado ato de base)
e configura, por isso, uma escolha do decisor legislativo (art. 2º/1);
2. Os comités técnicos, que assistem a Comissão, são constituídos por representantes dos
Estados-membros, pelo que, na lógica do art. 291º/3 TFUE, são os Estados-membros que
controlam a Comissão e não as instituições que adotam o ato de base;
3. O procedimento consultivo é aquele que garante maior liberdade de escolha à Comissão,
enquanto o procedimento de exame coloca a Comissão numa posição de maior
dependência em relação ao parecer emitido pelo comité técnico; se o parecer for
negativo, impede a adoção do ato de execução ou, pelo menos, obriga a Comissão a uma
revisão do projeto na sequência de consultas aos Estados-membros e da intervenção do
comité de recurso;
4. Assiste, contudo, ao PE e ao Conselho um direito de controlo nos casos em que o ato de
base foi adotado no quadro do procedimento legislativo ordinário e que consiste na
fiscalização dos limites ao poder de execução por parte da Comissão, obrigada a rever o
148
ato se se verificar uma violação desses limites, o que será o caso de um regime de
execução que altera ou vai para além do previsto no ato de base (art. 11º).
O art. 218º TFUE, uma base jurídica procedimental, descreve o processo de vinculação
internacional da União de acordo com o esquema clássico da Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados, com a identificação de 3 fases:
149
o Sobre matérias que requeiram a unanimidade para a aprovação de atos jurídicos da União
(princípio do paralelismo);
o Acordos de associação;
o Acordos de cooperação técnica e financeira com países candidatos à adesão;
o Acordos de adesão da União à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do
Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), único caso de acordo internacional da
UE que impõe a sua aprovação pelos estados-membros, em conformidade com as
respetivas normas constitucionais (diferente do acordo de adesão do art. 49º TUE que é
celebrado entre os Estados-membros e o Estado candidato à adesão).
risco, ainda que iminente e sério, mas de verificação da existência de uma violação grave e
persistente dos valores e princípios subordinantes. Nesta fase, entra em cena o Conselho
Europeu, instituição superior de representação dos Estados-membros e, sobretudo, é exigida a
unanimidade. Nos termos do art. 354º TFUE, o membro do conselho Europeu que represente o
Estado-membro visado não participa na votação. A abstenção (e presume-se a não comparência)
não impede a adoção da decisão prevista no art. 7º/2 do TUE. Em contrapartida, basta um voto
contra de qualquer Estado-membro que não seja o Estado-membro em causa para inviabilizar a
constatação e, assim, a aplicação de sanções políticas, prevista no art. 7º/2 TUE. A suspensão de
alguns direitos do Estado-membro objeto do procedimento que, no limite, se poderá traduzir na
inibição do direito de exercer a sua representação no conselho europeu e/ou no Conselho da
União, fica dependente da deliberação por unanimidade.
Cumpre, por isso, ter presente que a regra da maioria qualificada prevista no art. 7º/3
TUE só é aplicável para dar execução a uma deliberação prévia e fundamental sobre a verificação
dos pressupostos da competência sancionatória por parte da UE contra um dos seus Estados-
membros. Em rigor, a concretização do procedimento com a aplicação de medidas punitivas ao
Estado-membro que desafia, de modo grave, persistente, continuado e sistemático, os alicerces
jurídico-políticos do Estado de direito, é absolutamente refém do acordo de todos os Estados-
membros. Assim se explica que, apesar de várias situações que teriam justificado a aplicação de
sanções, tal ainda não se tenha verificado. A REGENTE não concorda com a generalidade dos
autores que diabolizam a exigência de unanimidade no art. 7º TUE e reclamam a sua substituição
pela regra da maioria qualificada.
151
direitos e obrigações no quadro da UE: a retirada voluntária (art. 50º TUE) e a suspensão
temporal de direitos no quadro do art. 7º TUE;
o Uma vez que o procedimento do art. 7º TUE foi expressamente excluído do controlo
jurisdicional pelo art. 269º TFUE, a garantia dos direitos do Estado-membro visado fica
unicamente dependente de uma apreciação política e
esta, compreende-se que seja assim, deve ser partilhada por todos os outros Estados-membros.
A unanimidade é o preço a pagar por um procedimento que limita a intervenção do juiz da UE ao
singelo escrutínio sobre a observância das disposições processuais (art. 269, 1º parágrafo, TFUE);
o O art. 7º TUE, que ainda não foi acionado com sucesso, drástico na possibilidade de
aplicação de sanções ao Estado-membro que, de modo sistemático e reiterado, corrompe
os fundamentos do Estado de Direito é, contudo, anacrónico quando perfilha a solução
clássica do Direito Internacional de, baseado o dogma da soberania, não admitir o
controlo jurisdicional da posição adotada;
o O art. 7º TUE é ainda exemplo do paradoxo entre a afirmação da vontade de robustecer
o paradigma do Estado de Direito, por um lado, e a exclusão desta matéria do âmbito de
jurisdição do TJ, por outro lado. A negação ao Estado-membro em causa do direito de
submeter a sua defesa à apreciação independente do juiz da UE constitui uma violação
do princípio da tutela jurisdicional efetiva e uma derrogação a um dos pressupostos do
Estado de direito;
o Inédito e inútil assim se revela o art. 7º TUE. Ao abrigo deste, foram iniciados
procedimentos em 2017 contra a Polónia e em 2018 contra a Hungria, mas, pelas razões
expostas, o seu andamento ficou bloqueado pela ausência da necessária unanimidade. O
art. 7º TUE como instrumento sancionatório é uma espécie de arma pesada, mas sem
munição.
De referir, por fim, que um eventual impasse entre a UE e os Estados-membros que não
cumprem o compromisso de adesão, máxime o respeito pelos valores do art. 2º TUE, não permite
a solução radical da expulsão. Apenas a retirada voluntária e unilateral, tal como procedimentada
pelo art. 50º TUE. Os Tratados não preveem a expulsão. No caso Whitman, o Juiz da União não
poderia ser mais claro quando, invocando o argumento histórico, repudiou qualquer hipótese de
interpretação extensiva do art. 50º TUE no sentido de legitimar decisões de expulsão de um
Estado-membro.
Lição 13
Considerações gerais
Os tratados instituíram uma ordem jurídica nova e autónoma na sua relação com a ordem
jurídica internacional e as ordens jurídicas dos Estados-membros. Uma característica essencial
152
O “bloco de normatividade” da União Europeia, com uma composição plural e aberta, é a base
primordial de uma dupla exigência: congruência axiomática (conjunto de princípios e valores que
vinculam a ação da União, previstos nos preâmbulos dos Tratados e, em especial, no art 2º TUE)
e congruência estrutural (conjunto de meios institucionais, de procedimentos de decisão e de
instrumentos de tutela jurisdicional que, numa lógica de interdependência, sustentam a
existência e o aprofundamento coerente da União de Direito).
Direito Primário
Noção
Tratados ou Constituição?
Esta discussão tem antecedentes: Os tratados decidiram depois do tratado de Nice que
deveriam aprovar uma constituição europeia- tratados que estabelece uma federação para a
europa. Essa designação de constituição que se queria como antecipação do futuro,
comprometeu a viabilidade desse projeto- o nome matou a coisa.
A chamada Constituição Europeia tinha por designação oficial Tratado que estabelece
uma Constituição para a Europa, o que nos deve deixar precavidos sobre o suposto rigor de uma
tal apropriação do sinete constitucional.
Existe uma pré compreensão favorável à ideia de constituição por parte de autores que,
em termos de análise atual, associam a União Europeia a um modelo federal. Trata-se de uma
classificação mais dependente de uma convicção ideológica.
De acordo com o entendimento que há muito sustentamos nos nossos escritos, e que não foi
posto em causa com o Tratado de Lisboa nem com uma prática política subsequente, o estatuto
jurídico fundamental da União Europeia é, ao mesmo tempo, e sem risco de contradição, um
tratado e uma constituição:
154
a) Âmbito territorial
Art 52º TUE/ art 355º TFUE/ art 349º TFUE, com particular relevância para as regiões
autónomas, regiões ultraperiféricas que beneficiam de um estatuto de aplicação adaptada do
Direito da União em função das suas especificidades de ordem geográfica e económica.
b) Âmbito temporal: vigência ilimitada art 53º TUE e art 356º TFUE.
c) Âmbito material
O âmbito de matérias abrangidas pelos Tratados resulta do que neles está definido
(princípio da competência por atribuição, art 5º nº1 e 2 TUE), incluindo a possibilidade de alargar
a competência material da União por via do art 352º TFUE. Ao longo dos anos, o processo de
construção europeia sacrificou o pressuposto originário da integração coesa e uniforme, igual
para todos os Estados- membros, para dar lugar, em nome do aprofundamento e da continuação
do projeto europeu, a uma integração diferenciada, de geometria variável, em domínios
materiais como a política monetária (euro), a livre circulação de pessoas (Schengen), as
cooperações reforçadas (art 20º TUE e art 326º a 334º TFUE) e até à tutela dos direitos
fundamentais.
d) Âmbito subjetivo
Nos termos do art 20º nº2 TFUE “Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos
aos deveres previstos nos Tratados”. Importa, contudo, clarificar: existe direitos que só podem
ser invocados pelos cidadãos da União ex. direito de livre circulação, direito de voto e de ser
eleito para o PE), mas a generalidade das disposições garantidoras da CDFUE remete o âmbito
de proteção para “todas as pessoas” art 35º, e o acesso aos tribunais da União não depende da
qualidade de nacional da União. Um cidadão de um país terceiro pode suscitar perante o TJUE a
155
questão da ilegalidade de um ato jurídico da união Art 263º TFUE- recurso de anulação ou art
268º TFUE e art 340º TFUE.
A distinção clássica que opõe tratado- lei, que regula de modo preciso direitos de deveres
das partes contratantes, a tratado- quadro, que define um enquadramento geral a desenvolver
por atos de aplicação, não parece que se adeque ao conteúdo dos atuais Tratados,
respetivamente o TFUE e o TUE.
O TUE enuncia objetivos e princípios gerais, também alberga disposições precisas, ex. a
PESC. O TFUE, na generalidade dos artigos, define com grau de clareza o regime jurídico aplicável,
o que torna suscetível de aplicação direta e de invocação pelos particulares (eficácia direta),
coexistindo com domínios dependentes de aprovação de atos do direito derivado art 103º TFUE
e de enunciados de princípios gerais art 2 TFUE e art 7 TFUE.
Concedido para garantir aos Estados-membros a última palavra sobre a revisão dos
Tratados. Quando se diz: “os Estados-membros são os senhores dos Tratados”, o argumento que
sustenta esta afirmação é o art 48º TUE.
156
Entendemos que os Estados-membros não o podem fazer. Uma tal limitação não resulta,
todavia, de uma suposta autonomia constituinte da união como entidade política. No exercício
do poder de revisão dos tratados, os estados-membros estão impedidos de postergar princípios
e de substituir arquétipos de organização política que, por força das respetivas constituições, os
vinculam como parte integrante de um pacto constitucional global baseado no respeito do
Estado de direito e na garantia dos direitos humanos.
® Iniciativa:
® Apreciação:
Cabe ao Conselho Europeu decidir pela convocação de uma Convenção (instância que
reúne representantes dos parlamentos nacionais, dos Chefes de Estado ou de Governo dos
Estados-membros, do PE, da Comissão e, se a matéria o exigir, o BCE é consultado).
® Ratificação:
157
constitucionais CRP art 8º nº2 e art 161º i), com eventual realização de referendo conforme
previsto no art 295º.
a) Para a revisão da parte 3 do TFUE (políticas e ações internas da União, art. 26º-197º
TFUE), por iniciativa de qualquer Estado-membro, PE ou Comissão, o Conselho Europeu
pode adotar uma decisão que “altere todas ou parte das disposições da parte 3”.
No plano jurídico- formal é um ato unilateral, adotado por unanimidade pelo conselho
europeu, que não pode envolver um aumento das competências atribuídas pelos Estados-
membros à união, e que tem de ser aprovado pelos Estados-membros em conformidade com as
respetivas normas constitucionais. A crp não prevê expressamente a situação, mas entendemos
que, apesar de não ter a forma de tratado, mas a de um ato unilateral do Conselho europeu, esta
aprovação interna exige uma resolução da AR: não é uma decisão de aplicação nos termos do art
8º nº3 crp, porque o art 48º nº6 e 2 TFUE exclui a aplicabilidade direta.
158
Importa estabelecer a distinção entre revisão dos tratados, que ocorre pela via formal dos
procedimentos do art 48º TUE, e alteração que pode resultar seja pela via formal dos tratados
de adesão art 49º TUE e pela ativação da cláusula de poderes implícitos do art 352º TFUE (um e
outro a exigir o acordo de todos os Estados-membros) seja pela via informal da prática
institucional de incidência derrogatória (mutação constitucional), figura na qual incluímos o
comportamento reiterado das instituições políticas e também a jurisprudência criativa do TJUE.
Lição nº 14
Direito secundário:
1. Noção
Conjunto de atos jurídicos, normativos e não normativos, adotados pelas instituições, órgãos
e organismos da UE.
2. Tipologia
a) Os atos tipificados pelo art 288º TFUE, disposição que se mantém inalterada desde a
entrada em vigor do 1 tratado de Roma, salvo uma adaptação do conceito de decisão,
que especifica regulamento, diretiva, decisão, recomendação e parecer.
b) O tratado de lisboa, sem eliminar ou atualizar esta tipologia clássica, acrescentou uma
outra que distingue entre: atos legislativos (art 289º TFUE), atos delegados (art 290º
TFUE) e atos de execução (art 291º TFUE).
Apesar do esforço levado a cabo em sucessivas revisões dos tratados e com particular
empenho no tratado de lisboa, o resultado não permite estabelecer uma categorização completa
e coerente de tipos de atos jurídicos da u.e.
Aos atos típicos acrescem os atos atípicos. Temos atos atípicos previstos nos tratados com
a mesma designação, mas natureza diferente do ato tipificado no art 288º TFUE, ex. o parecer
do TJUE do art 218º nº11, TFUE que é vinculativo ou o regulamento interno, como o art 240º nº3
TFUE que, em princípio, não tem efeitos extrainstitucionais. Atos atípicos que, embora referidos
159
nos tratados, apresentam uma terminologia variável art 22º TFUE; moção art 234º TFUE e, por
fim, atos que, esquecidos de previsão nos tratados, resultam da prática institucional
(orientações, comunicações, programas de ação etc).
Alguns dos atos típicos, como o são as recomendações e os pareceres na aceção do art
288º TFUE, e a generalidade dos atos atípicos, constituem uma manifestação de soft law.
A coexistência e a imbricação entre hard law e soft law são características dos sistemas
jurídicos hodiernos, marcados pela pluralidade das fontes e pela espessura variável dos atos de
relevância jurídica, como já vimos que acontece, com a expressão Direito Internacional Público.
Nem sempre resulta claro o limite entre o direito formal e o direito informal, a
necessidade de transformar ou não um programa de ação publicado pela comissão num conjunto
de atos vinculativos, o que gera incerteza sobre o grau de efetividade do nível de regulação
jurídica em certo domínio, afeta, de modo mais direto, a posição dos particulares e é passível de
inibir o exercício pelo PE e pelo conselho da sua competência de atuação legislativa.
a. Regulamento
160
b. Diretiva
A CRP exige para a transposição de atos jurídicos da UE, nos termos do art 112º nº8, a
forma de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional. No entanto, o requisito de ato legislativo
é discutível no caso de diretivas de execução art.291º TFUE. Por uma questão de equivalência
formal e de adequação funcional, bastaria a forma de ato normativo da função administrativa
para a transposição de diretivas de execução para a ordem jurídica portuguesa. A obrigação de
transposição, resultante da articulação entre o art 288º, parágrafo terceiro, TFUE, e o princípio
da cooperação leal do nº3 do art 4º TUE, não seria afetada nestas situações pela escolha de ato
não legislativo. No caso português, em virtude do nº 8 art 112º crp, a transposição só é
considerada eficaz se realizada através de ato legislativo. Uma opção constitucional que envolve
excesso de forma e uma banalização desnecessária do ato legislativo.
Originariamente pensada como uma espécie de lei-quadro que vinculava o legislador dos
vários estados-membros art 297º nº 2 e 3 TFUE, definindo critérios gerais de conformação e de
adaptação da legislação interna, a diretiva acabou por evoluir para um formato diferente, com
diretivas de conteúdo e efeito muito próximo do conteúdo e efeito dos regulamentos. Teve
influência de 2 fatores: aprovação pelo decisor da união de diretivas de conteúdo cada vez mais
161
detalhado; por outro lado, a jurisprudência do TJ sobre o efeito direto das diretivas que,
verificados certos requisitos, reconhece aos particulares o direito de as invocar como fonte direta
de direitos no quadro de um litígio em que são partes perante os tribunais nacionais e perante
administrações nacionais.
O caso Van Duyn de 1974, culminou com uma verdadeira transformação da natureza da
diretiva, de um ato formalmente dirigido aos estados-membros e fonte de obrigações para o
decisor nacional para um ato que tem, afinal, os particulares como destinatários materiais que a
podem invocar em seu favor enquanto fonte de direitos. Assim, a diretiva é um ato de alcance
abstrato (que sempre foi à luz do art 288º/3 TFUE) e geral.
c. Decisão
O tratado de lisboa introduziu uma alteração textual, abrindo a porta a decisões que não
designando destinatários, são decisões de alcance geral e abstrato. No âmbito da PESC, a decisão
é o instrumento típico de deliberação e fica assim coberta pela aceção de ato genérico que é
obrigatório para todos os destinatários art 31º nº1 TUE.
d. Recomendações e pareceres
Atos não vinculativos. As recomendações são adotadas por iniciativa da instituição, órgão
ou organismo que as formula; os pareceres são emitidos a pedido, por via de regra integrados
num procedimento decisório como formalidade essencial art 242º TFUE; art 218º nº6 b) TFUE;
art 168º nº5 TFUE. Não sendo vinculativo, o parecer, quando previsto como exigência
procedimental, é necessário e a sua omissão é geradora de ilegalidade do ato adotado, passível
de impugnação por violação de formalidade essencial art 263º 2 TFUE; art 267º b) TFUE; art 277º
TFUE
162
1) Atos legislativos
São, nos termos do art 289º nº3 TFUE, os atos jurídicos adotados através do
procedimento legislativo, ordinário ou especial. Sempre que a base jurídica remeta para o
procedimento legislativo ordinário art. 114º nº1 TFUE ou para o procedimento legislativo
especial art 86º nº1 TFUE as medidas aprovadas tomam a forma de ato legislativo (regulamento,
diretiva ou decisão).
Se o ato for aprovado por via de um procedimento não legislativo, o ato resultante será
necessariamente não legislativo, mesmo que, no plano substantivo, possa ter características de
um ato da função normativa primária, porque, por exemplo, aplica e desenvolve disposições dos
tratados art 103º nº1 TFUE e 109º TFUE. A diferenciação entre atos legislativos e não legislativos
é importante no plano de alguns aspetos do regime jurídico aplicável: só a adoção de atos
legislativos está sujeita ao respeito de certas obrigações, designadamente a participação dos
parlamentos nacionais, bem como a exigência de natureza pública das sessões do conselho em
que delibera e vota sobre atos legislativos art 16º nº8 TUE; art 15 nº2 TFUE. Se a base jurídica
omite a referência ao procedimento e ao ato, o decisor da união goza da liberdade de escolha,
nos limites do art 296º 1º TFUE, aplicados por concretização do princípio da proporcionalidade e
adequação.
2) Atos delegados
Atos não legislativos da função normativa, têm alcance geral e visam completar ou alterar
elementos não essenciais do ato legislativo. Por cotejo com a nomenclatura dos atos jurídicos
dos estados são atos legislativos de desenvolvimento, subordinados ao ato legislativo base. O
tratado de lisboa introduziu esta dicotomia um tanto artificiosa entre atos delegados e atos de
execução, ambos integrados na função normativa de aplicação dos atos legislativos de base. A
razão disto é a necessidade de preservar um procedimento inteiramente eurocomunitário de
execução, confiado à comissão sob forma de delegação.
O ato delegado, ao contrário do ato de execução do art 291º nº3 e 4 TFUE, não se limita
a dar aplicação à norma legislativa, porque serva para aprovar um regime que completa e pode
mesmo alterar aspetos previstos no ato legislativo de base, desde que a alteração não bula com
os elementos essenciais do ato legislativo, fórmula de recorte jurídico indeterminado que
cumpre densificar em função de situações concretas de litigiosidade em torno da eventual
violação pela comissão do âmbito da delegação. O juiz da união avançou como critério de
163
distinção, o ato delegado completa ou altera o âmbito de regulação previsto no ato legislativo de
base, ao passo que o ato de execução, visa especificar o conteúdo de um ato legislativo, a fim de
assegurar a execução em condições uniformes em todos os estados-membros. O TJ entende que
o seu poder de determinação e de controlo se deve limitar aos erros manifestos de apreciação.,
já que o legislador da união dispõe de um poder de apreciação ou livre escolha entre a regulação
por ato delegado ou por ato de execução. Sobre a noção operativa de elementos essenciais do
ato legislativo, travão ao poder da comissão em sede do art 290º TFUE , o Tj interpreta o seu
alcance como sinónimo de elementos cuja adoção envolve escolhas politicas que façam parte
das responsabilidades próprias do legislador da união por implicar uma ponderação de interesses
divergentes com base em aplicações múltiplas ou se permitir ingerência nos direitos
fundamentais das pessoas envolvidas de tal modo importante que a intervenção do legislador é
necessária.
3) Atos de execução
Os atos adotados no quadro do art 291º nº 3 e 4 TFUE, destinados a dar execução aos
atos juridicamente vinculativos da união, suscetíveis de alcance geral (atos regulamentares) ou
de incidência individual (decisões). No art 263 nº4 TFUE, a respeito da definição do interesse em
agir dos particulares no recurso de anulação, o tratado refere os atos regulamentares, expressão
que não se enquadra na trilogia ato legislativo/ ato delegado/ ato de execução e, portanto, de
problemática convivência com o quadro tradicional do art 288º TFUE.
a) Presunção de legalidade:
164
dependente da declaração de nulidade art.264º TFUE ou de invalidade art 267º b) e art 277º
TFUE.
b) Dever de fundamentação:
Art 296º TFUE: que se requer mais ou menos desenvolvida dependendo da natureza do
ato e do âmbito de margem de livre apreciação que assiste ao órgão decisor.
c) Publicação/ notificação:
Os atos legislativos e não legislativos são publicados no Jornal Oficial da União Europeia
(JOUE) e entram em vigor na data por eles fixada ou, na ausência desta, decorrido o prazo de
vacatio legis, no 20º dia seguinte ao da sua publicação.
Outros atos
Com base no art 26º TUE, o sistema de atos adotados no quadro do exercício de
competências da união sobre a matéria da Política Externa e de Segurança Comum art 23º e segs
TUE é formado por:
1. Orientações gerais
2. Decisões
A orientação geral consiste na definição de linhas globais sobre a ação externa da união,
cabendo a sua aprovação ao conselho europeu. Dado o seu caráter geral e de orientação política,
carece de efeito direto
As decisões que se distinguem das decisões como atos tipificados pelo art 288º TFUE, a
adotar pelo conselho art 26º nº2, art 28º , 29º, 42º nº4 e 43º TUE, vinculam os Estados-membros
165
art 28º nº2 TUE e constituem atos de aplicação e de execução das orientações gerais. A
enumeração feita pelo art 25º TUE não é exaustiva, pelo que as instituições e órgãos da união
envolvidos na definição e execução da política externa podem optar por atos atípicos, desde que
não tenham a forma ou o conteúdo de atos legislativos art 31º nº1 TUE.
® Atos de organismos
A relevância das formas de ação jurídica que são adotadas pelos organismos da EU coloca-
se, sobretudo, a organismos dotados de poderes de natureza decisória. A maior parte destes
organismos atua no quadro de uma função consultiva e de coordenação, pelo que os seus atos
não produzem efeitos jurídicos que afetem diretamente a esfera jurídica de terceiros.
Lição nº15
1) União Europeia, sujeito de Direito Internacional e, como tal, titular de direitos e sujeita a
deveres (art. 47º TUE);
2) União Europeia e o compromisso com os valores e princípios que sustentam a ordem
jurídica internacional (art. 3º/5 TUE; art. 21º TFUE);
3) Em especial, “a proteção dos direitos do Homem (…), a rigorosa observância e o
desenvolvimento do direito internacional, incluindo o respeito pelos princípios da Carta
das Nações Unidas” (art. 3º/5 TUE);
4) Ordem jurídica eurocomunitária: autónoma e aberta às obrigações decorrentes do
ordenamento internacional, de fonte convencional e de fonte não convencional,
nomeadamente resultantes de princípios gerais de direito e costume (DIP Geral ou
Comum), de atos jurídicos unilaterais como decisões do Conselho de Segurança, ou de
tratados, como a Carta das Nações Unidas ou a CEDH, que, embora não tendo a UE como
parte contratante, não são menos vinculativos. Fazendo parte integrante da ordem
166
Sobre matérias que relevem da sua estrutura exclusiva ou partilhada (art. 2º, nºs 1 e 2,
TUE), nas situações em que os Tratados o prevejam, bem como nos casos em que o acordo seja
considerado necessário para alcançar objetivos estabelecidos pelos tratados (princípio da
implicação de poderes) ou vise regular uma matéria que está prevista num ato juridicamente
vinculativo da União (princípio do paralelismo da competência) (art. 216º/1 TFUE).
Como parte integrante do Direito da UE, os acordos geram obrigações para os estados-
membros que estes devem acatar, adotando todas as medidas necessárias à sua plena e eficaz
aplicação na ordem jurídica interna. Em concreto, um particular pode invocar perante os
tribunais nacionais, no âmbito de um litígio em que é parte, um direito que resulte do clausulado
167
No âmbito de aplicação dos Tratados, de assinalar o art. 49º TUE que prevê a celebração
de um acordo entre os estados-membros e o Estado candidato à adesão (tratados de adesão).
Mesmo na ausência de base jurídica expressa como é o art. 49º TUE, os estados-membros têm
optado pela solução intergovernamental de celebração entre todos ou entre alguns de tratados
sobre matéria que condiciona a aplicação ou eficácia dos Tratados- foi o caso do chamado
Tratado orçamental, celebrado entre 25 estados-membros em 2012 que visa “reforçar o pilar
económica da união económica e monetária, adotando um conjunto de regras destinadas a
promover a disciplina orçamental mediante um pacto orçamental”. Vigora como DIP
convencional, não goza da autoridade reforçada conferida pelo primado do DUE, mas na prática
168
tem sido aplicado com uma eficácia equivalente, um colete de forças que elimina a capacidade
decisória e de escolha dos parlamentos e governos nacionais em matéria orçamental. Outro
exemplo é o Tratado que institui o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), na sequência da
revisão do art. 136º TFUE, celebrado pelos Estados-membros que integram a Zona Euro, também
em 2012. Sobre o MEE muito se tem falado no atual contexto de crise económica induzida pela
pandemia a propósito da capacidade desse instrumento financeiro, de origem
intergovernamental, para fazer face às exigências colossais de capitalização e de investimento
nas economias europeias. Os dois tratados, celebrados à margem dos procedimentos previstos
nos Tratados que se apresentam no contexto de uma erupção provocada pela crise do Euro,
atribuem, contudo, competências às instituições da União: Conselho, Comissão, BCE e TJUE.
Outras fontes
170
quadro das diferentes vias processuais previstas nos Tratados, é obrigatória, mas é o processo
de questões prejudiciais (art. 267º TFUE) que constitui a fonte da verdadeira doutrina
jurisprudencial, fundamento de uma relação direta com os juízes nacionais. Um acórdão
proferido ao abrigo do chamado reenvio prejudicial, na sequência de questões suscitadas pelo
juiz nacional que no processo interno se confronta com dúvidas de interpretação ou de validade
sobre a norma eurocomunitária aplicável, produz um efeito de precedente atípico. O acórdão é
vinculativo para o juiz que colocou a questão e para todos os juízes, de todos os Estados-
membros que, no futuro, tenham de lidar com questões materialmente idênticas. Trata-se,
assim, de uma vinculatividade de raiz funcional que não resulta da relação hierárquica típico do
efeito do precedente na relação entre tribunal supremo e tribunais subordinados.
Podemos especular sobre a relação da jurisprudência com outras fontes. Pode prevalecer
sobre o texto dos próprios Tratados com base numa interpretação de finalidade prospetiva ou
finalística? Existem limites? Os Tratados não prevêem a hipótese de recurso das decisões do TJ.
Quem guarda o guardião? Em caso de risco aguda para as soberanias dos Estados-membros ou
para os direitos fundamentais, o aviso sobre a existência de limites à liberdade interpretativa do
TJ vem diretamente dos tribunais constitucionais dos Estados-membros, os guardiões das
respetivas constituições.
o No art. 6º/3 TUE, ao determinar que fazem parte do Direito da União os direitos
fundamentais tal como os garante a CEDH e tal como resultam das tradições
constitucionais comuns aos EM “enquanto princípios gerais”;
o A CDFUE retoma a ideia de normas garantidoras de direitos fundamentais sob a forma de
princípios (art. 51º/1 e 52º/5);
o Art. 340º/2 TFUW, sobre responsabilidade extracontratual da União, que no que respeita
ao apuramento do dever de indemnizar remete o Juiz da União para a consideração dos
“princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-membros”;
o Art. 21º/2/b) TUE, na referência aos “princípios de direito internacional” que vinculam a
União no quadro das relações internacionais.
171
Em paralelo com a evolução ocorrida nos Direitos dos Estados, a normatividade de fonte
principialista no Direito da União está destinada a partilhar- e, em caso de conflito, a sobrepor-
se- à normatividade das regras escritas, de direito primário e, sobretudo, de direito derivado. O
art. 19º/1 TUE respalda a autoridade do TJ para determinar o direito aplicável para além dos
limites da enunciação expressa dos Tratados e das regras de aplicação quando lhe confere o
mandato para garantir o “respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados”. O
direito como sinónimo de bloco de normatividade, aberto aos princípios gerais de direito que são
na mão do Juiz da União o utensílio que conserta as lacunas e resolve os problemas de normas
conflituantes. Na tarefa fundamental de ordenação do múltiplo, os princípios gerais de Direito
gozam no direito da UE de uma relevância superlativa. A UE é exemplo da opção virtuosa por
uma ordem jurídica de robusta inspiração principialista.
C. Costume
o Por um lado, o Direito da União desenvolve-se por via da aprovação de atos jurídicos
(regulamentos, diretivas, decisões) e tem uma vocação inequívoca para a exaustividade,
no sentido de a norma escrita ocupar e preencher todos os espaços juridicamente
relevantes;
o Por outro lado, existe controlo jurisdicional de legalidade (e da convencionalidade,
compatibilidade com os Tratados), o que reduz as oportunidades de uma prática, ainda
que reiterada, mas contrária ao direito escrito vigente, de poder vingar como norma
costumeira. Não obstante, poderemos especular sobre a questão de saber se os Acordos
de Luxemburgo (1966) não serão uma manifestação de costume contra legem ou se a
prática do acordo misto não terá sido incorporada na ordem jurídica da União como
costume praeter legem.
172
Lição nº16
Aspetos introdutórios
Cabe ao Direito da UE determinar se e com que alcance são aplicáveis as suas normas em
situações de conflito com disposições internas ou internacionais. Uma tal determinação é feita
por via da interpretação dos Tratados e das normas eurocomunitárias aplicáveis que compete ao
TJUE e aos tribunais nacionais. Os Estados-membros não podem subtrair os litígios à apreciação
do TJ (art. 344º TFUE) e os tribunais dos estados-membros estão obrigados a seguir a
jurisprudência existente do TJ ou, em caso de dúvidas, devem colocar-lhe a questão para lhe dar
o ensejo de decidir (art. 267º TFUE)
Em suma: sobre matéria desta importância, seria desejável uma diretriz interpretativa
menos serpenteante, menos casuística, sobre o traçado da linha relativa à autonomia da ordem
jurídica da União.
Princípio do primado
O aresto proferido no caso Costa c. Enel foi o primeiro que ofereceu uma fundamentação
clara e coerente do princípio do primado. Vem dizer-se: “ao instituírem uma comunidade de
duração ilimitada, dotada de poderes reais resultantes de uma limitação de competências ou de
uma transferência de atribuição dos Estados para a Comunidade, estes limitaram, ainda que em
174
domínios restritos, os seus direitos soberanos e criaram, assim, um corpo de normas aplicável aos
seus nacionais e a si próprios” “as obrigações assumidas no Tratado que institui a Comunidade
não seriam absolutas mas apenas eventuais, se pudessem ser postas em causa por posteriores
atos legislativos dos signatários”.
A norma eurocomunitária prevalece sobre a norma interna contrária não porque seja
hierarquicamente superior- e não é- mas porque é materialmente competente para regular o
litígio concreto. A relação entre o direito comunitário e os direitos dos estados-membros
constrói-se com base no princípio da competência de atribuição, nos limites definidos pela
exigência de colaboração ou complementaridade funcional entre ordenamentos jurídicos
autónomos. O primado não tem o efeito de destruir a autonomia dos ordenamentos nacionais
nem o de pôr em causa a função legitimadora e paramétrica das Constituições nacionais. Como
o TJ enfatiza no caso Costa c. Enel, foram os Estados que aceitaram a limitação de competências
em domínios definidos nos Tratados. Não se trata de uma hétero-limitação de competências,
mas antes uma auto-limitação de poderes de regulação jurídica, formalizada por via
convencional, nos termos previstos e consentidos pelas respetivas Constituições nacionais.
A norma interna contrária deve ser desaplicada e, por força do princípio da cooperação
leal (art. 4º/3 TUE), os órgãos nacionais competentes estão obrigados a promover a sua
revogação ou alteração de modo a eliminar a incompatibilidade detetada com o Direito da UE. O
princípio do primado não se repercute diretamente na validade ou invalidade da norma interna
contrária. Esta norma não pode, todavia, ser aplicada, impondo-se a sua remoção do
ordenamento jurídico, sob pena de o Estado-membro em causa ser demandado perante o TJ por
acusação de incumprimento (art. 258ºTFUE), sujeitando-se, então, se reiterar na vigência de
norma contrária, à aplicação de sanções pecuniárias pesadas (art. 260º TFUE).
ou ato jurídico do Direito da União em qualquer situação de litígio concreto que oponha os
particulares aos Estados-membros (litígio vertical) ou que envolva um dissídio entre particulares
(litígio horizontal). O destino final da norma interna desaplicada (revogação/ declaração de
ilegalidade/ declaração de inconstitucionalidade) é um problema que cumpre decidir no quadro
das vias internas de fiscalização judicial da legalidade e/ou da inconstitucionalidade, corolário do
princípio da autonomia constitucional e processual da ordem jurídica dos Estados-membros. Sem
prejuízo de cada Constituição fixar as consequências do desvalor associado à contradição entre
norma eurocomunitária e norma interna, incluindo de escalão constitucional, o TJ entende, à luz
do princípio do efeito útil e do respeito pelo estatuto do juiz nacional como tribunal comum de
aplicação interna do Direito da UE, que a Constituição de um Estado não pode inibir o juiz do
litígio concreto de decidir sobre a desaplicação da norma interna contrária.
Cumpre, contudo, referir o caso Mecanarte, com origem no tribunal português que
formulou uma questão específica sobre se o desvalor da norma interna contrária ao Direito
Derivado se traduziria ou não numa inconstitucionalidade, o que, nos termos do art. 280º/1/a) e
nº3 CRP tornaria obrigatório o recurso para o TC. Na sua resposta, o TJ reafirmou os pressupostos
da fórmula Simmenthal: o juiz da causa tem o poder de decisão e o dever de garantir a plena
eficácia da norma eurocomunitária aplicável, sem prejuízo de a sua decisão, por imperativo do
direito interno, neste caso norma constitucional, ser depois objeto de recurso. Assim, mesmo
que se verifiquem os pressupostos de recurso obrigatório para o TC (art. 70º/1/i LOTC; e art.
72º/3 LOTC), tal não afeta a liberdade decisória do juiz em causa, incluindo a de não aplicar a
norma interna por violar o Direito da União.
norma interna ocupa na estrutura escalonada da ordem jurídica interna. Já para os Tribunais
Constitucionais dos EM, ou órgãos judiciais dotados de competência análoga de garantia das
respetivas Constituições, o chamado primado supraconstitucional coloca problemas sérios e não
deve ser abordado como se o primado tivesse de ser absoluto e incondicional.
É jurisprudência assente que, por força do princípio do primado do direito da União, que
é uma característica essencial da ordem jurídica da União, a invocação por um Estado-membro
de disposições de direito nacional, ainda que de natureza constitucional, não pode afetar o efeito
do direito da União no território desse Estado (caso Melloni).
Os Tratados não têm uma referência expressa ao princípio do primado. Constava do art.
6º do projeto de Constituição Europeia, com o seguinte texto:
Da análise conjunta e coerente destas disposições, resulta claro para a REGENTE que o
texto e o espírito das Constituições nacionais não é indiferente ao processo hermenêutico de
garantia do primado. Neste sentido, o princípio do primado não é absoluto nem incondicional:
177
A dupla relativização do primado, que resulta, por um lado, do respeito pela identidade
constitucional dos Estados-membros, e deriva, por outro lado, do alargamento do “bloco de
fundamentalidade” da União aos princípios fundamentais de regime jurídico-constitucional em
matéria de tutela de direitos, tem, na verdade, uma justificação comum e que é inerente ao
sistema jurídico da União.
178
Depois, através de acórdãos, entra em cena o conceito de efeito direto. O TJ usa, de modo
um tanto indiferenciado, os termos efeito imediato, efeito direto, aplicabilidade direta, aplicação
imediata.
De acordo com a regente, admitindo que esta distinção faria sentido no período de
afirmação jurisprudencial de um tipo de eficácia jurídica que carecia de consagração expressa
nos Tratados, pensa que, no quadro atual de evolução do Direito da União, no qual se acentuou
a vertente de reconhecimento de direitos aos particulares e vinculação das autoridades
nacionais, incluindo os tribunais dos EM, podemos usar indistintamente a expressão eficácia
direta, com o benefício de constituir uma designação mais clara. A jurisprudência do TJ, muito
centrada no objetivo de “espremer” da norma o máximo do seu efeito jurídico, cuida cada vez
menos da natureza formal do ato (regulamento, decisão, diretiva, disposições dos Tratados) para
garantir aos particulares, com base na interpretação do conteúdo regulador da norma, a
invocação dos direitos individuais perante os tribunais e, eventualmente, perante as autoridades
administrativas.
A eficácia direta está, por outro lado, indissociavelmente ligada ao princípio do primado.
A regente defende que existe uma relação lógica e necessária entre o primado e a eficácia direta
179
Sobre a exigência de clareza e precisão no que toca à forma como a norma enuncia os
direitos individuais, para o TJ será suficiente verificar que a norma reconhece direitos aos
particulares que envolvem obrigações para os Estados, ainda que estes disponham de uma certa
margem de apreciação na escolha dos meios jurídicos de garantia de tais direitos.
Em relação às diretivas, a sua eficácia direta estará dependente do litígio concreto. Nos
termos do art. 288º TFUE, a diretiva nem estaria destinada a criar direitos invocáveis pelos
particulares, já que o destinatário formal é o Estado. Para atalhar os problemas resultantes da
ausência de transposição dentro do prazo ou de uma transposição parcial e incorreta, o TJ
vislumbrou no reconhecimento direto do efeito direto a solução para o problema. Ao tornar a
norma da diretiva invocável pelos particulares, atribuindo-lhe eficácia direta, decorrido o prazo
de transposição (REQUISITO QUE TEM DE ESTAR SEMPRE PRESENTE) e se verificada a natureza
clara e precisa da norma tipificadora de direitos, seria subtraído ao infrator o benefício do
incumprimento. Mesmo que protelasse o ato de transposição da diretiva, o tempo deixava de
contar a favor dos EM, porque este poderia ser demandado perante os tribunais nacionais pelos
particulares na qualidade de titulares de direitos. A ideia da diretiva como ato dirigido aos EM
nunca foi completamente abandonada e daria mesmo lugar à distinção entre:
Quando uma norma goza simultaneamente de efeito direto vertical e horizontal- efeito
direto pleno (tratados e regulamentos); se for só vertical é efeito direto limitado.
180
A diretiva como ato dirigido aos EM é suscetível de criar direitos que os particulares
poderão reclamar, mas não poderá, por si, impor deveres que vincularão os particulares, ademais
suscetíveis de lhes serem exigíveis pelo próprio Estado-membro que não cumpriu a obrigação
fundamental de transposição (Ac.).
Assim, o efeito direto pleno que conjuga a desaplicação da norma interna contrária (efeito
de exclusão) com a aplicação da norma da diretiva como critério de decisão do litígio concreto
(efeito de substituição) estará limitado aos litígios verticais que opõe os particulares ao Estado,
entidades públicas e equivalentes. O TJ não exclui, todavia, a produção de efeitos colaterais ou
indiretos nas chamadas “relações de tipo triangular”. No âmbito de um litígio entre particulares,
a norma da diretiva é passível de invocação por uma das partes com fundamento na violação
pelo EM de uma obrigação específica.
O prazo é uma garantia para os EM, aos quais assiste o direito de usar o prazo até ao seu
término, desde que observado o princípio a boa fé. A possibilidade aberta pela doutrina Mangold
e Seda de invocar um determinado direito no contexto de uma diretiva cujo prazo de
transposição ainda não se esgotou está inteiramente dependente da demonstração que um tal
direito tem uma outra fonte reveladora, um princípio geral de direito ou, eventualmente, uma
disposição dos Tratados ou da CDFUE. Se ainda subsistirem dúvidas, foram dissipadas no caso
Barsh quando se afirmou a exigência do esgotamento do prazo de transposição fora do contexto
de relevância autónoma de um princípio geral de direito.
Se não for possível a invocação da norma da diretiva pelos particulares, seja porque não
estão reunidos os requisitos do efeito direto seja porque se trata de um litígio horizontal, a
jurisprudência do TJ oferece meios alternativos que facilitam ao particular o acesso, ainda que
indireto e parcial, às vantagens associadas ao exercício do direito previsto na norma da diretiva:
181
A face mais visível do princípio da eficácia direta é a vinculação do juiz nacional, adstrito,
no quadro das respetivas competências, a garantir aos particulares o exercício dos direitos de
que são titulares. No entanto, e dado que o Direito da União tem como destinatários todos os
sujeitos jurídicos (instituições, órgãos e organismos da União), a garantia de eficácia direta das
normas eucocomunitárias também se impõe à vontade do decisor da União e, o que suscita
maior controvérsia, às autoridades administrativas dos EM. Sem prejuízo do princípio da
legalidade da atividade administrativa (art. 266º/2 CRP), cumpre reconhecer que o “bloco de
legalidade” no direito interno abrange o direito da União, por força dos nºs 3 e 4 do art. 8º CRP.
Uma vez que a eficácia direta não é automática, porque depende da verificação pelo juiz-
nacional ou eurocomunitário- dos requisitos do efeito direto, a autoridade administrativa estará
limitada no seu poder/ dever de desaplicar a norma interna, sob pena de violação do princípio
da separação de poderes. A regente concede, contudo, que o possa fazer, com fundamento na
articulação entre o princípio do primado, o princípio da eficácia direta e o princípio da
cooperação leal, mas apenas nas situações em que seja evidente ou manifesta a contradição
entre norma interna e norma eurocomunitária. Se a norma eurocomunitária em causa, atributiva
de um direito que é invocado pelo administrado perante a administração, estiver prevista numa
diretiva, a autoridade administrativa estará impedida de desaplicar a norma interna existente
enquanto decorrer o prazo de transposição. Dada a especificidade da diretiva como ato jurídico
que carece de aplicabilidade direta, a regente entende que o dever de interpretação conforme
que se deduz do princípio da cooperação leal para a aplicação, judicial ou administrativa, dos
demais atos jurídicos da União, não é, por isso, invocável em relação às normas constantes de
diretivas cujo prazo de transposição ainda não se esgotou.
Lição nº17
Outros princípios de função complementar para a garantia da eficácia plena do Direito da União
Pela primeira vez, no caso Colson e Kamann, em resposta a questões prejudiciais sobre a
relevância da disposição de uma diretiva cuja transposição para o direito interno era insuficiente,
182
e, por sua vez, insuscetível de invocação pelos particulares, o TJ aportou na solução clássica de
interpretação conforme. Por referência à obrigação da transposição completa e efetiva, prevista
no art. 288º/3 TFUE, considera que o juiz nacional está obrigado “a interpretar o seu direito
nacional à luz do texto e da finalidade da diretiva” (AC.). Cabe ao juiz nacional interpretar a lei de
transposição, na medida consentida pela margem de apreciação que o seu direito nacional lhe
reconhece, em conformidade com as exigências do direito comunitário.
183
direitos e interesses dos particulares. Assim, o TJ já admitiu que ainda que o litígio no processo
principal oponha uma autoridade pública a um particular, um Estado-membro pode, em princípio,
invocar a interpretação conforme do direito nacional contra os particulares” (AC.). Ou seja, no
âmbito de um litígio vertical, o Estado-membro ao reclamar a interpretação conforme acaba por
potenciar um desfecho equivalente no seu resultado ao da eficácia direta e, ao fazê-lo, neutraliza
a inibição que o impediria de tirar benefício da situação de incumprimento, imputável ao decisor
nacional que não garantiu a transposição da diretiva em causa. Nestes casos, a interpretação
conforme valida um exercício de ficção jurídica em que a norma da diretiva é indiretamente
aplicada através da norma interna sujeita a interpretação conforme.
A dimensão mais fértil de consequências jurídicas deste princípio tem por base o art. 4º/3
TUE, e visa os EM como destinatários diretos.
O art. 4º/3 TUE, de modo autónomo ou conjugado com outras disposições dos Tratados,
constitui uma diretriz de interpretação do “bloco de legalidade eurocomunitária” que facilita a
harmonização entre disposições normativas e a integração de eventuais lacunas. Funciona, por
outro lado, como princípio direta e autonomamente vinculativo para os EM que, se violado,
fundamenta uma sentença de condenação em sede de ação por incumprimento.
Por mais importante que seja o princípio da cooperação leal como fundamento autónomo
das obrigações que vinculam os EM, a sua aplicação envolve necessariamente um juízo de
conformação prática com outros princípios estruturantes, em especial o princípio da
competência de atribuição, o princípio da subsidiariedade, o princípio da proporcionalidade (art.
4º/1 TUE E art. 5º TUE) e do princípio do respeito pela identidade nacional dos EM (art. 4º/2
TUE).
184
fazer em domínios da sua competência reservada. No mesmo sentido, por força do critério da
solidariedade, o decisor da União estará obrigado a respeitar os limites das competências
atribuídas pelos Tratados, de acordo com o parâmetro de uma atuação subsidiária e não
excessiva.
No que toca ao princípio da cooperação leal como fonte de deveres específicos dos EM
em função da efetivação plena das normas eurocomunitárias:
por prejuízos causados aos particulares por violação do direito comunitário que lhe sejam
imputáveis é inerente ao sistema do Tratado”.
Inerente ao sistema jurídico da tutela jurisdicional efetiva que suporta a União de direito,
a responsabilidade do EM por violação da norma eurocomunitária depende:
1) O resultado prescrito pela diretiva deve implicar a atribuição de direitos a favor dos
particulares;
2) O conteúdo de tais direitos deve ser identificado com base nas disposições relevantes da
diretiva;
3) A existência de um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que impende sobre
o EM e o prejuízo invocado pelo particular lesado.
O caso Francovich, por mais clarificadora que se possa considerar a afirmação do princípio
da responsabilidade extracontratual do EM, deixou no ar várias dúvidas que acenderam o debate
na doutrina em torno de 3 pontos fundamentais:
186
1) Que a regra de direito violada tenha por objeto conferir direitos aos particulares;
2) Que a violação seja suficientemente caracterizada;
3) E que exista um nexo de causalidade direto entre a violação e o prejuízo sofrido.
187
No caso Tomásová (2016) ficou claro que a responsabilidade do Estado por exercício da
função jurisdicional depende da violação perpetrada por um tribunal nacional que decide em
última instância se, mediante a sua decisão, desrespeitou de modo manifesto o Direito da União
aplicável, incluindo a violação da obrigação de reenvio, bem como a desconsideração de
jurisprudência assente do TJUE sobre a matéria. Ao restringir a responsabilidade extracontratual
do Estado-Juiz às decisões proferidas em última instância, o TJ pressupõe que os EM, cumprindo
a obrigação inscrita no art. 19º/1, parágrafo segundo TUE, garantem na legislação processual um
sistema adequado de recursos. Uma violação do Direito da União considera-se suficientemente
caracterizada quando a jurisdição nacional a quem compete interpretar e aplicar a norma
eurocomunitária omite o dever de garantir a sua aplicação no litígio concreto, seja porque ignora
o caráter prevalecente da norma eurocomunitária em causa seja porque rejeita ou mitiga a sua
invocabilidade contenciosa como corolário necessário do princípio da eficácia direta. Em
qualquer caso, existe violação suficientemente caracterizada quando o tribunal julga que em
última instância decide de modo que contradiz manifestamente a jurisprudência assente do TJ
sobre a matéria. No quadro da repartição de competências entre o TJ e os tribunais nacionais,
incumbe ao juiz nacional que julga a ação de indemnização instaurada pelo particular lesado
contra o EM , “tendo em conta a especificidade da função judicial”, determinar se a violação da
norma comunitária imputada ao tribunal nacional reveste ou não a natureza de violação
manifesta.
NOTA:
Na sua decisão de 5 de Maio de 2020, o TC alemão sentenciou, pela primeira vez, que um
ato da UE (na verdade 2- um acórdão do TJ e uma decisão do BCE) é “ultra-vires”, excede a base
legal dos Tratados.
Lição nº 18
188
Desde a primeira revisão constitucional de 1982, que introduziu o art. 8º/3, até à sexta
revisão de 2004, que acrescentou o art. 8º/4, a CRP converteu-se numa espécie de “obra em
construção”. Todas as revisões constitucionais, incluindo a sétima de 2005, envolveram
alterações que, com maior ou menor expressão, foram ditadas pela necessidade de adaptar a
CRP de 1976 às exigências jurídicas do processo de construção europeia. REGENTE: é amplo,
generoso e suficiente o grau de abertura consentido pelo texto constitucional, sucessivamente
modificado e retocado, às imposições do primado e da eficácia direta no quadro da articulação
entre a ordem jurídica portuguesa e ordem jurídica da EU.
De acordo com o art. 8º/4 CRP, as disposições dos tratados que regem a UE (Direito
primário) e as normas (todos os atos jurídicos) emanadas das suas instituições, no exercício das
respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da
União. Sem falar em primado, aplicabilidade direta ou efeito direto (e bem na perspetiva da
regente), o art. 8º/4 fundamenta a eficácia direta das normas e atos jurídicos da União nas suas
várias dimensões de interseção com a ordem jurídica portuguesa:
8º/3- respeita à aplicação interna e à eficácia direta, não fala especificamente na UE, pelo
que as regulações do conselho de segurança também entram por aqui. É a porta pela qual entram
os atos da UE que beneficiam de eficácia direta
8º/4- as disposições dos tratados que regem a UE são aplicáveis na ordem interna nos
termos definidos pela união- não fala expressamente em primado, mas a ratio legis, o objetivo
subjacente a esta disposição é dar fundamento ao primado. 8º/4- redundante. O primado já teria
consagração constitucional com a conjugação com o 8º/3 mais 7º/6. Mas fez bem com a escolha
das expressões mais adequadas.
O art. 8º/4 não pode ser interpretado como uma aceitação apriorística ilimitada do
princípio do primado como exigência absoluta e incondicional. Existem algumas exigências:
189
o Outro limite que se prende com o texto da própria CRP- essas normas têm de respeitar
os princípios fundamentais do estado de direito democrático. O 7º/6 também restringe a
possibilidade de delegação de competência por parte do estado português ao respeito
dos princípios fundamentais do estado de direito democrático- matéria intangível.
O art. 8º/4 CRP dá corpo a uma cláusula de receção automática e plena, mas sujeita à
condição de tal se verificar “nos termos definidos no Direito da União” e com a importante
ressalva do “respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático”.
A expressão “nos termos definidos pelo Direito da União” é suficientemente aberta para
firmar o primado, ainda que este não esteja expressamente consagrado nos Tratados institutivos.
No que toca à intangibilidade dos “princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático”: o
exercício de interpretação do art. 8º/4 convoca outras disposições da CRP, sem nunca perder de
vista a doutrina jurisprudencial do TJ, incluindo a mais recente, sobre o primado e os efeitos do
primado do Direito da União. A verdadeira “cláusula europeia” da CRP, no sentido que lhe
atribuímos de aceitação de limitações à soberania em função dos objetivos da construção
europeia, encontra-se no art. 7º/6 CRP. Na opinião da regente, trata-se de um texto
excessivamente longo, quase ininteligível.
Limites impostos pelo art. 7º/6, no âmbito de vinculação europeia do Estado Português:
Assim, a previsão ainda que indireta da exigência do primado pelo art. 8º/4, não sendo
estritamente necessária, pois já decorreria da articulação do art. 8º/3 com o art. 7º/6, tem,
contudo, a inegável vantagem da clarificação constitucional sobre matéria tão importante,
designadamente na parte em que impõe como limite o respeito pelos princípios fundamentais do
Estado de Direito Democrático. Esta fórmula abarca, no mínimo os direitos fundamentais e os
princípios inerentes à ideia de Direito que inspira a CRP de 1976 como lei fundamental do Estado
de direito democrático, tal como referidos pelo art. 2º CRP.
O próprio TUE, no seu art. 4º/2, obriga a UE a respeitar a “identidade nacional” dos EM,
“refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles (…)”.
REGENTE: art. 4º/2 TUE mostra uma visão que há muito defende sobre o fundamento jurídico do
primado e a sua exata repercussão na relação com as Constituições dos EM que, como acontece
190
com as demais disposições dos Tratados, deve ser objeto de uma interpretação sistemática que
descarte leituras absolutizadoras sobre o que cada EM entende por “identidade nacional”.
Na verdade, pelo menos no domínio dos direitos fundamentais, é muito residual e mesmo
improvável o risco de colisão entre o DUE e a CRP, por 3 razões:
1) O art. 53º CDFUE que proíbe a interpretação das suas normas garantidoras no sentido de
restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos por
outras fontes, designadamente internacionais e constitucionais;
2) Art. 4º/2 TUE, que impõe à União, incluindo, pois, os seus tribunais, a obrigação de
respeitar a “identidade nacional”, refletida nas estruturas políticas e constitucionais
fundamentais de cada um deles, que não pode deixar de ser interpretada à luz das opções
constitucionais estruturantes de cada EM;
3) Na aplicação do primado e na avaliação da eficácia jurídica das normas eurocomunitárias,
o TJ deverá ignorar- e, de um modo geral, não tem ignorando- a necessidade de um
191
Nas várias ocasiões que teve para julgar questões de constitucionalidade ou de legalidade
que envolviam normas do Direto da União, o Juiz constitucional optou por uma jurisprudência de
auto-restrição dos seus poderes de fiscalização:
Embora na segunda situação, fosse até plausível a admissibilidade do recurso com base
no art. 70º/1/i) LOTC, porque indiscutivelmente os tratados institutivos são convenções
internacionais, o argumento decisivo para o TC é o relativo à existência de um mecanismo
processual adequado, o processo de questões prejudiciais do art. 267º TFUE, que faz do TJ o juiz
natural ou juiz legal que, na resposta às questões de interpretação ou de validade suscitadas
pelos tribunais nacionais a quo, garante a prevalência e a aplicação uniforme do DUE.
AC. 15 de julho de 2020: o juiz constitucional português deixou clara a sua orientação
doutrinária a respeito dos critérios relevantes de articulação entre o DUE e o direito português,
incluindo a própria CRP. O TC oferece uma resposta convincente ao eterno problema do primado
supraconstitucional. Uma posição de compromisso entre, por um lado, as exigências do primado
e da aplicação uniforme do DUE por todos os EM e, por outro lado, a reserva constitucional
oposta pelo art. 8º/4 ao estabelecer a intangibilidade dos “princípios fundamentais do estado de
192
Citação do AC: “só pode decorrer de uma dinâmica baseada em fatores e práticas que
induzam algum tipo de coerência sistemática, assentes em algo diverso de uma integração
normativa hierarquizada”. A rejeição de um pretenso critério de prevalência hierárquica do
Direito da União em nome do quadro de referência que é o do pluralismo constitucional.
a) Aspetos gerais
Um dos pilares fundamentais do Estado de Direito, que o TUE incorpora expressamente
entre os valores que fundamentam a UE (art. 2º TUE), é o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
O art. 47º CDFUE positiva o conteúdo deste princípio, já aplicado em jurisprudência do TJ:
“Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido
violados tem direito a uma ação perante um tribunal independente e imparcial, previamente
estabelecido por lei”.
193
194
1. Base jurídica
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão
jurisdicional de um dos EM, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão
é necessária ao julgamento em causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante
um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto
no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão
jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-
se-á com a maior brevidade possível.
Esta asserção sobre o muito que foi possível fazer no quadro do art. 267º TFUE resulta:
o De uma avaliação de ordem quantitativa: no período entre 1952 e 2015, 20131 processos
deram entrada no TJ, dos quais 9146 foram pedidos a título prejudicial, ou seja, mais de
45% no total do período em análise;
o De uma análise qualitativa, centrada na importância relativa da jurisprudência proferida
a título prejudicial. EX. sobre o princípio do primado, caso Costa c. Enel.
3. Como funciona?
195
- Faculdade de reenvio: tribunais cujas decisões de recurso, salvo se for uma questão de
invalidade (jurisprudência);
- Obrigação de reenvio: tribunais cujas decisões são insuscetíveis de recurso previsto no direito
interno (STJ, STA, TC e tribunais de primeira e segunda instância que, em função das alçadas,
julgam de modo definitivo);
- Exceção à obrigação de reenvio (teoria do ato claro; jurisprudência anterior; falta de relevância
da questão dado que a norma eurocomunitária em causa, para efeitos de interpretação ou
controlo de validade, não será aplicável ao litígio concreto);
- Sanções por violação da obrigação de reenvio (ação por incumprimento; ação de indemnização
por responsabilidade extracontratual).
7) Efeitos do acórdão:
- que interpreta: efeito de coisa interpretada/ efeito do precedente atípico: vincula o juiz
que colocou a questão e todos os juízes que no futuro venham a julgar uma questão
materialmente idêntica/ efeito retroativo suscetível de limitação no tempo por razões de
interesse relevante;
- que declara a invalidade- ato declarado inválido é inaplicável no caso concreto e deve
ser, nos termos do art. 266º TFUE (aplicado por analogia), conjugado com o princípio da
cooperação leal, revogado ou alterado, pela instituição, órgão ou organismo que o adotou.
Lição nº19
196
Desfeito – ou, pelo menos, adiado – o sonho da construção da unidade europeia pela via
da integração política, os Seis retomaram o caminho das “solidariedades de facto” que se
desenvolveram e foram aprofundadas no contexto favorável da recuperação económica da
década de cinquenta.
197
entendida como competência própria de definição das relações entre o poder político e os
cidadãos.
Numa primeira fase, a resposta do TJCE ao problema foi coerente com a perspetiva que
vingara sobre a suposta irrelevância comunitária da garantia dos direitos fundamentais previstos
nas Constituições nacionais ou nos instrumentos internacionais. No âmbito processual de litígios
concretos, à norma comunitária foi assegurada a sua aplicação em detrimento da norma nacional
contrária, ainda que esta tivesse por objeto a garantia de direitos fundamentais. Colocado
perante o dilema de ceder sobre a questão principal do primado do Direito Comunitário para
abrir espaço ao reconhecimento da imperatividade dos direitos fundamentais ou, em alternativa,
manter o entendimento sobre a natureza absoluta e incondicional do primado, o TJCE fez a sua
escolha – fosse qual fosse a impositividade da norma constitucional ou internacional garantidora
de direitos fundamentais, o Juiz comunitário não a reconheceria como parâmetro de apreciação
da validade ou conformidade valorativa dos atos comunitários. Nesta fase, a preocupação maior
– porventura a única - que guiou o TJCE foi a de impor o respeito do primado e de excluir qualquer
tentativa de relativização pela via da admissão de exceções. A jurisprudência proferida entre
1959 e 1969 foi dominada pelo objetivo de não comprometer a eficácia do comando normativo
comunitário, sem atender às implicações no plano da negação dos valores comuns e das
restrições aos direitos fundamentais. Foi o período que apostolamos como uma manifestação de
agnosticismo valorativo.
O caso Stauder (1969) marca a passagem de uma fase “agnóstica” para uma fase de
reconhecimento ativo dos direitos fundamnetais enquanto princípios gerais de Direito
Comunitário. A verdadeira transcendência histórica do caso Stauder pode ser avaliada em função
do impacto imediato do recurso aos princípios gerais de Direito como método de tutela
comunitária dos direitos fundamnetais.
198
O caso Nold II (1974) alarga o âmbito das fontes reveladoras de direitos fundamnetais
suscetíveis de proteção comunitária como princípios gerais de Direito:
A tutela comunitária dos direitos fundamentais constitui não apenas fundamento para a
apreciação da compatibilidade dos atos adotados pelo decisor comunitário, como permitiu
também ao juiz comunitário, em cooperação com os tribunais nacionais, o exercício de uma
competência de fiscalização dos atos legislativos e regulamentares dos EM à luz de um standard
comum. No entanto, os direitos fundamentais não gozam de um ambito geral e autónomo de
aplicação, dada a limitação decorrente do princípio da competência por atribuição que comanda
toda e qualquer intervenção das Comunidades Europeia na esfera de decisão dos EM. “se é certo
que incumbe ao TJ garantir o respeito pelos direitos fundamentais no ambito próprio do direito
comunitário, já não lhe cabe, porém, examinar a compatibilidade, com a Convenção Europeia, de
uma legislação nacional que se situa, como no caso concreto, num âmbito da competência do
legislador nacional”.
fundamentais. Uma resposta que não deveria continuar unicamente na alçada jurisdicional,
dependente do casuísmo das decisões judiciais. 2 soluções: a elaboração de uma carta
comunitária de direitos fundamentais ou a adesão das CE à CEDH.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia- âmbito de proteção e relevância jurídica
200
O art. 51º/1 CDFUE visa salvaguardar a linha de fronteira que separa as competências da
União das competências mantidas na esfera jurídica dos EM: “As disposições da presente carta
têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio
da subsidiariedade, bem como os EM, apenas quando apliquem o direito da União”.
O TJ definiu que os direitos da Carta devem ser respeitados “quando uma regulamentação
nacional se enquadra no âmbito de aplicação do direito da União”. A fórmula foi criticada por ser
demasiado vaga, principalmente pelo TC alemão. Nesse caso, o teste sobre a relevância
eurocomunitária da legislação interna supostamente contrária a direitos fundamentais que são
vinculativos no quadro do DUE, depende da verificação, entre outros elementos:
Art. 51º/1 e 2 da Carta: exclui que esta possa estender ou criar novas competências para
a UE ou modificar a linha de delimitação de competências definidas pelos Tratados. EX. art. 19º
TFUE matéria de não discriminação em razão da orientação sexual. Deste artigo, que não tem
eficácia direta, não resulta um direito de âmbito geral à não discriminação em função da
orientação sexual que obrigue, por exemplo, os EM a autorizar o casamento entre pessoas do
mesmo sexo. Com fundamento no art. 19º TFUE, a UE pode adotar diretivas de harmonização. A
matéria exige, contudo, a unanimidade no seio do Conselho e a aprovação do PE. Por outro lado,
o âmbito das medidas não pode ultrapassar as competências da União, uma vez que os EM
conservam a competência de decisão em matéria de direito da família (art. 81º/3 TFUE). A
eficácia direta do princípio da não discriminação em função da orientação sexual e de outros
critérios, tal como previsto no art. 21º/1 CDFUE, só será viável em termos de invocabilidade
contenciosa se a matéria integrar o âmbito de competência da União e se estiver em causa uma
proibição de discriminação dotada de autoridade reforçada de princípio geral de direito da União.
A aplicação aos casos concretos da expressão “quando apliquem o direito da união”, com
a respetiva densificação a fazer-se em função das especificidades do litígio concreto e do
afinamento progressivo da doutrina aplicativa por parte do TJ num domínio tão sensível para os
EM- e para os titulares dos direitos- como é o do controlo de conformidade da sua legislação
com padrões de proteção dos direitos fundamentais que, por força do DUE, serão uniformes e
vinculativos.
No que tange a interpretação das disposições garantidoras de direitos que decorrem das
“tradições constitucionais comuns aos EM” existe um dever de interpretação em conformidade
ou harmonia com essas tradições (art. 52º/4). A Carta reconhece nas tradições constitucionais
comuns uma fonte de revelação de direitos, mas, em contrapartida, deixa ao guardião da Carta,
201
os tribunais da União e dos EM, uma ampla margem de apreciação sobre o que possa ser julgado
a título de “comuns aos EM” e qual a exata configuração prática do veredicto de conformidade.
A Carta não oferece uma garantia de proteção dos direitos que seja uniforme em todos
os EM. Por via de um protocolo anexo ao Tratado de Lisboa (Protocolo mnº30), o Reino Unido e
a Polónia (e mais tarde também a República Checa) obtiveram um estatuto particular que inibe
a invocação contenciosa das disposições da Carta, em especial as do Título IV, como parâmetro
de apreciação de compatibilidade da legislação interna. Apesar de ter constituído um precedente
rigoroso, ao admitir em matéria de direitos fundamentais uma lógica de geometria variável ou
integração a duas velocidades, a sua relevância prática é escassa, porque a larga maioria das
disposições da CDFUE constitui explicitação ou positivação de princípios gerais de direito que
vinculam todos os EM, nos termos do art. 6º/3 TUE, e cuja invocação perante os tribunais
nacionais não está abrangida pelo mecanismo de travão do Protocolo nº30.
A possibilidade de uma adesão das Comunidades Europeias (depois UE) à CEDH passou a
ser debatida logo nos anos 70, com expressão institucional a partir de 1979. Uma questão
clássica, sucessivamente adiada em razão de obstáculos de ordem política e/ou de ordem
jurídica.
“A União adere à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais. Essa adesão não altera as competências da União, tal como definidas
nos Tratados” (art. 6º/2 TUE).
A expressão “adere” tem uma força de inegável imperatividade, que faz recair sobre a UE,
pelo menos, uma obrigação de meios, no sentido de dela exigir o desenvolvimento dos esforços
adequados e necessários à realização do objetivo da adesão. Reconhecida esta obrigação, e
falhado o objetivo por eventual inadequação dos meios escolhidos, coloca-se como hipótese no
plano da reação jurídica o recurso ao art. 265º TFUE que poderia culminar numa decisão do TJ
de condenação da UE por omissão contrária aos Tratados, cuja execução exigiria da UE a adoção
de medidas necessárias (art. 265º TFUE), sem excluir uma eventual responsabilidade
extracontratual pelos prejuízos causados em virtude da não adesão (art. 268º e 340º TFUE).
O verdadeiro entrave à adesão tem sido a questão das competências que o art. 6º/2 TUE
refere na segundo frase. Em 1996, no Parecer 2/94, o TJ estribou-se na falta de norma
habilitadora nos Tratados para rejeitar a possibilidade da adesão. Superado esta lacuna com o
202
art. 6º/2 TUE, o TJ reitera a sua recusa no parecer 2/13, de dezembro de 2014, agora centrado
no objetivo de preservar a autonomia da União no exercício das suas competências, com
particular destaque para o monopólio de jurisdição do TJUE previsto no art. 344º TFUE.
O processo de adesão está, entretanto, suspenso para reflexão e por razões que são
compreensíveis não constitui uma prioridade na agenda política da UE, nem se antolha no plano
jurídico uma solução que seja, ao mesmo tempo, aceitável para o Tribunal de Luxemburgo e para
todos os Estados envolvidos, incluindo os Estados que são partes contratantes da CEDH e não
são membros da UE, como a Rússia e a Turquia.
Em todo o caso, chegados aqui, a questão que mais importa é a de saber se, afinal, a
adesão da UE à CEDH é mesmo necessária do ponto de vista da garantia de um nível europeu de
proteção dos direitos do homem?
Lição nº 20
- UE não é parte contratante da CEDH; pelo que não pode ser formalmente demandada;
4.1. U.E não é parte contratante da CEDH; pelo que não pode ser formalmente demandada.
203
4.2. Direito da CEDH é parte integrante do “bloco de fundamentalidade” da U.E (art. 6º., nº3
TUE).
1. Em caso de conflito entre normas garantidoras de direitos, qual destas normas deve
prevalecer?
2. Resposta clássica e apriorística: aquela que garanta ao titular do direito em causa
um nível mais elevado de proteção.
3. Problemas de aplicação prática: qual a norma de conteúdo mais garantístico?
Poderá depender da natureza poliédrica do direito em causa e, inevitavelmente, de uma
adequada ponderação e conciliação prática de valores, ex. a liberdade de imprensa e a
liberdade de expressão versus o direito à reserva da vida privada e familiar em casos de
ação penal movidos por políticos e figuras públicas contra jornalistas por alegado crime
de calúnia ou difamação.
4. A CDFUE não define critério unívoco de resolução de conflitos internormativos : art.
52º nº3, dá preferência ao padrão de proteção garantido pelo direito da união; art. 53º e
52º nº3 1 parte, dão preferência ao nível de proteção dos direitos tal como consagrados
pelo direito da união, pela CEDH (e os outros instrumentos internacionais de proteção
dos direitos do homem), bem como pelas Constituições dos Estados- membros. Aspeto
comum e convergente: decisão aplicativa no litígio concreto com base na norma que
assegure a “proteção mais ampla”, descartando soluções que impliquem restrições ou
amputações do âmbito de proteção previsto nas normas garantidoras que são, no caso
concreto, potencialmente aplicáveis.
5. Caso Melloni e a (des)aplicação do nível mais elevado de proteção em nome do
princípio do primado.
1. Base jurídica – art.9º TUE; art. 20º a 25º TFUE; art. 39º a 46º CDFUE
2. Origem- Tratado de Maastricht
3. É cidadão da união qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-
membro. A cidadania da união acresce à cidadania nacional e não a substitui.
Contrariamente ao que se verifica com a relação de pertença de um individuo ao Estado,
baseada num vínculo de natureza jurídico-política, a cidadania da União dispensa esta
dimensão algo simbólica da pertença a uma certa comunidade política. A cidadania da
união é um estatuto correspondente a um conjunto de direitos e deveres definidos pelos
tratados que não legitima da parte da união uma definição autónoma e própria de
critérios de atribuição e perda de cidadania.
4. Competência reservada aos Estados-membros em matéria de determinação dos
seus próprios nacionais, nos termos do direito internacional público, com limitações
decorrentes do respeito pelo direito da união- acórdão Micheletti. Um estado-membro
não pode interferir ou limitar a atribuição da condição de cidadão da união decorrente
da lei de nacionalidade de outro estado-membro (princípio do reconhecimento mútuo de
competências em matéria de atribuição de nacionalidade).
205
4. Aspetos complementares
- o estatuto de cidadão da união tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos estados-
membros. Consequências: eficácia direta do art 20 nº2 TFUE- direitos integrantes do estatuto
de cidadania da União são suscetíveis de invocação por particulares, sem prejuízo das condições
e limites definidos pelos Tratados.
- art. 9º TUE consagra o estatuto de cidadania da união, relativo aos princípios democráticos. A
par do princípio da igualdade de tratamento, constitui uma diretriz de interpretação das normas
garantidoras de direitos fundamentais em sentido favorável à plenitude dos seus efeitos. As
questões mais recorrentes que opõe os cidadãos da UE às autoridades competentes do EM de
acolhimento estão relacionadas com as condições de exercício de 2 direitos basilares do estatuto
de cidadania: o direito de resistência e o direito à não discriminação em razão da nacionalidade.
O cidadão de um EM que vai para outro EM “tem o direito de afirmar “civis europeus sum” e de
invocar este estatuto para se opor a qualquer violação dos seus direitos fundamentais”.
- Seria, contudo, prematuro assumir que existe, no estádio atual de evolução do Direito da União,
uma total e plena equiparação entre o cidadão nacional e cidadão da União ou, noutra
perspetiva, que é irrelevante a razão, económica ou não, da permanência do cidadão de outro
EM no EM de acolhimento. Em relação aos cidadãos da União que não exercem uma atividade
económica, os chamados inativos, o reconhecimento do seu direito de residência depende da
prova que possam fazer de recursos suficientes de subsistência, de modo que não se tornem um
“encargo excessivo para o regime de segurança social do EM de acolhimento” (AC. caso Brey).
206
1) Fizer prova de dispor de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua
família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do EM
de acolhimento durante o período de permanência;
2) For titular de um seguro de doença de cobertura aplicável no EM de acolhimento.
Em relação aos estudantes oriundos de outro EM, as exigências financeiras são idênticas.
Assim, o direito de resistência, para além das exceções relativas à ordem pública, segurança
pública e saúde pública (art. 45º/3 TFUE) que só por si impedem uma equivalência de estatuto
entre o cidadão nacional e cidadão de outro EM, não depende unicamente da condição de, à luz
do art. 20º/1 TFUE, ser cidadão da União.
Em relação aos cidadãos de outros EM, que não exercem uma atividade económica,
estando em causa o seu direito de beneficiar de prestações sociais em pé de igualdade com os
cidadãos nacionais, a jurisprudência do TJ tornou-se fortemente restritiva sobre o entendimento
dos pressupostos do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade.
A “nacionalização” dos direitos sociais, com grave prejuízo para o conteúdo útil do direito
à não discriminação em razão da nacionalidade, é a consequência de uma notória falha de coesão
económica e social no seio da UE. No que respeita aos vários fatores de mediação da riqueza e
desenvolvimento social de cada EM, agravam-se as clivagens de uma UE de geometria (e
geografia) variável, marcada por crises sistémicas que tendem a perpetuar as fortes
desigualdades entre as economias dos EM (crise do euro e das dívidas públicas, recessão por
efeito da pandemia). O regime jurídico do mercado único e comum não logrou o efeito esperado
de convergência.
Lição nº21
A. Aspetos introdutórios
207
2) Instituições, órgãos e organismos da UE: não podem invocar um princípio de livre atuação
em qualquer domínio da vida social com fundamento exclusivo em razões de necessidade
ou de oportunidade;
3) UE, ao contrário do Estado, não tem a “competência das competências” (poder de
natureza constituinte para definir a sua própria competência), embora a linha
delimitadora dos respetivos poderes jurídicos de atuação seja muito flexível e de vocação
expansiva, sendo esta impulsionada por razões políticas (aprofundamento do processo
de integração europeia) e apoiada em ferramentas jurídicas variadas, cuja eficácia
depende muito da predisposição favorável do Juiz da União (“ativismo judicial”);
4) Limites da titularidade e exercício das competências eurocomunitárias sujeitos, sempre,
a controlo jurisdicional (pressuposto do Estado de direito);
5) Uma das questões mais controvertidas, que foi objeto da recente decisão do TC alemão
de 5 de Maio de 2020, é a de saber se a extensão contínua de poderes, baseada numa
certa presunção favorável à legalidade da atuação jurídica do decisor da União, não terá
um impacto excessivo, desproporcional e ilegítimo sobre o núcleo fundamental das
competências dos EM, nele provocando um efeito de erosão irreversível, incompatível
com o estatuto de um Estado soberano, que foge ao controlo das instituições
democráticas nacionais. Um dos aspetos centrais do estatuto jurídico da União e da sua
relação dinâmica com os objetivos da integração prende-se, justamente, com o problema
da repartição de competências entre o centro (a União) e as partes que o compõe (os
EM), em termos análogos ao processo histórico, marcado por avanços e recuos, de
afirmação do federalismo norte-americano.
208
1) Base jurídica: art. 4º/1 TUE; art. 5º/1/1ºparte e nº2 TUE. A União atua unicamente dentro
dos limites das competências que os EM lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar
os objetivos fixados;
2) Função: competência da União tem de ser baseada e justificada nas disposições dos
Tratados de função habilitadora. Esta exigência exclui formas de competência por
inerência ou competência residual. Sem base jurídica de atribuição, não existe
competência;
3) Alcance: determinação da titularidade da competência. Quem tem a competência: a UE
ou os EM? A resposta a esta questão convoca uma interpretação sistemática das
disposições dos Tratados de função potencialmente habilitadora.
Exemplos de normas habilitadoras (bases jurídicas):
- de âmbito geral: art. 114º TFUE (harmonização das legislações nacionais), art. 19º TFUE
(definição das medidas necessárias de combate à discriminação por razões diferentes do
critério da pertença nacional);
- de âmbito específico: art. 113º TFUE (harmonização das legislações nacionais do
domínio da tributação indireta); art. 153º TFUE (política social);
- de âmbito procedimental: art. 289º TFUE (PLO); art. 218º TFUE (celebração de acordos
internacionais).
D. Princípio da subsidiariedade
1) Base jurídica: art. 5º/ 1 e 3 TUE/ Protocolo nº2, relativo à aplicação dos princípios da
subsidiariedade e da proporcionalidade;
209
- Eficiência: ação da União é, por comparação com ações equivalentes ao nível estadual, mais
eficaz ou mais eficiente (teste do valor acrescentado).
8) Subsidariedade e controlo
210
- Contencioso (Protocolo nº2, art. 8º que permite, estendendo a legitimidade ativa do art.
263º TFUE, a impugnação de um ato legislativo por um parlamento nacional, representado
pelo Governo do seu EM, e pelo Comité das Regiões). A regra é a do caráter sindicável da
compatibilidade do ato jurídico da União com o princípio da subsidiariedade, seja através das
vias processuais acionáveis junto do TJUE (art. 263º TFUE; art. 267º TFUE) seja através das
vias processuais previstas nos direitos dos EM.
9) Âmbito do controlo: nos termos do art. 263º TFUE (recurso de anulação), o TJUE é
competente para declarar a ilegalidade de um ato jurídico da UE por violação do princípio da
subsidiariedade. A exigência de uma atuação subsidiária por parte da União não se limita a
ser uma diretriz de boa governação, é um elemento integrante da validade do ato jurídico,
legislativo ou não, suscetível de controlo jurisdicional. Sobre a intensidade ou natureza deste
controlo, o TJUE segue uma orientação de auto-restrição dos seus poderes, limitando a sua
censura (e consequente declaração de nulidade do ato) aos casos de erro manifesto de
apreciação, ou seja, de violação grosseira dos pressupostos de aplicação do teste da
subsidiariedade. O TJ entende- e bem na perspetiva da REGENTE- que, envolvendo o teste da
subsidiariedade escolhas de política económica e social, só se deve substituir ao decisor da
União nos casos limites de transgressão ostensiva da justificação em função da
subsidiariedade, posição igualmente coerente com o princípio da presunção de legalidade do
ato.
E. O princípio da proporcionalidade
1) Base jurídica: art. 5º/1 e 4 TUE/ Protocolo nº2, relativo à aplicação dos princípios da
subsidiariedade e da proporcionalidade;
2) Origem: Tratado de Maastricht;
3) Antecedentes: à jurisprudência do TJ se deve a configuração do princípio da
proporcionalidade, sinónimo de razoabilidade e justa medida, como critério de aferição
da legalidade do ato jurídico eurocomunitário;
4) Âmbito: o princípio da proporcionalidade, na sua conhecida função de princípio geral de
Direito, tem uma dupla dimensão parametrizadora. Em relação aos atos jurídicos da
União e em relação aos atos jurídicos dos EM que, eventualmente, estabeleçam
restrições desnecessárias e desproporcionais às liberdades comunitárias e aos direitos
fundamentais vinculativos no âmbito da ordem jurídica da UE (teste de ponderação). Por
outro lado, o princípio da proporcionalidade, nos termos do art. 5º/4 TUE, é imperativo
em toda a latitude da competência da União- exclusiva, partilhada ou de coordenação;
5) Critérios operativos no teste da proporcionalidade:
- Adequação ou idoneidade da medida adotada;
- Necessidade da medida em causa;
211
Lição nº 22
A. Aspetos introdutórios
1. Relevância: no contexto do Tratado de Roma, enquanto art. 235º TCEE e depois art. 308º
TCE, dos anos 60 até à primeira revisão dos tratados com o QUE, esta disposição serviu
frequentemente para assumir poderes não previstos e lançar as bases de novas políticas,
213
Competências exclusivas
Com o novo Tratado, o art. 3º/1 TFUE elenca domínios da competência exclusiva:
o União aduaneira;
o Estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado
interno;
o Política monetária para os EM cuja moeda seja o euro;
o Conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas;
o Política agrícola comum.
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Art. 3º/2 TFUE (em articulação com o art. 216º/1 TFUE): A UE goza ainda de competência
exclusiva para concluir acordos internacionais quando a sua celebração esteja prevista num ato
legislativo da União (princípio do paralelismo da competência), seja necessária para lhe dar a
possibilidade de exercer a competência interna (teoria dos poderes implícitos), ou seja, suscetível
de afetar regras comuns ou de alterar o alcance (princípio da coerência normativa). O regime do
art. 3º/2 TFUE visa robustecer a competência externa da UE, suscetível de ser tratado como de
natureza exclusiva mesmo que verse sobre matérias que no plano da regulação interna são de
exercício partilhado. EX: se a UE adota um instrumento legislativo sobre a proteção do Ambiente
(competência partilhada- art. 4º/1/e TFUE), uma tal ação de regulação intracomunitária abre a
porta à prerrogativa da exclusividade na celebração futura de acordos internacionais se:
Pode acontecer, como já foi admitido num caso, que exista uma competência exclusiva
interna mesmo na ausência de exercício prévio pela União da competência partilhada. Um
entendimento que concretiza uma precompreensão favorável do TJUE à fundamentação da
competência externa estribada numa interpretação extensiva (talvez abusiva) das obrigações de
cooperação leal dos EM com a UE, fortemente limitativa da competência de vinculação e da ação
externa pelos EM em domínios que, à partida, seriam de competência partilhada.
No parecer 2/15, o TJ confirmou esta conceção alargada dos pressupostos do art. 3º/2
TFUE e do art. 216º/1 TFUE. Na parte em que se exige a suscetibilidade de afetar regras comuns
ou de alterar o alcance das mesmas, o TJ avalia o risco de tal afetação com uma exigência mínima
como se tratasse de uma presunção de risco. Na dúvida, a UE deve substituir-se aos EM no
exercício da competência externa.
O caso Pringle foi uma exceção, com reconhecimento do poder por parte dos EM de
celebrar entre si o Acordo que criou o Mecanismo Europeu de Estabilidade e que não afetaria as
regras comuns em matéria económica e de política monetária. Foi justamente uma exceção,
justificada pela necessidade de viabilizar uma solução de natureza intergovernamental para
superar a crise do euro.
O art. 2º/2 TFUE define a noção e o alcance de uma competência exclusiva ao determinar
que na situação em que os Tratados atribuam à União competência exclusiva em determinado
domínio, só a UE poderá legislar e adotar atos juridicamente vinculativos. Neste caso, o EM só
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Aos EM está vedado o poder de avançar com uma cooperação reforçada quando esta
afete uma competência exclusiva da UE (art. 329º/1 TFUE).
Competências partilhadas
Art. 4º/2 TFUE: enumera, com caráter não exaustivo, os domínios de competência
partilhada que cobrem todas as matérias que não são de competência exclusiva (art. 3º TFUE)
nem de competência complementar de coordenação (art. 6º), como é o caso do mercado interno
e da coesão económica, social e territorial.
1) Competência partilhada ainda não exercida pela União- enquanto a competência não for
exercida, os EM são livres de manter a regulação existente e de alterar, embora com o
dever de respeitar as limitações resultantes dos Tratados, como se verifica no âmbito das
liberdades de circulação do mercado interno em relação por exemplo às condições de
exercício de atividade laboral ou às restrições à circulação dos trabalhadores com
fundamento em razões de ordem pública;
2) Competência partilhada exercida pela União- se e na medida em que o decisor da UE
legislou, o decisor nacional foi desalojado do respetivo espaço de regulação normativa
(espaço de preempção), salvo se o ato eurocomunitário autorizar o decisor nacional a
fazê-lo, nomeadamente com o objetivo de completar ou desenvolver. O efeito
preemptivo só se verifica em relação à matéria regulada, pelo que os EM manterão a
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margem de decisão para enquadrar os aspetos normativos que não foram ainda tratados
por ato jurídico da UE (Protocolo nº 25);
3) Competência partilhada pela União e delegada aos EM- se a UE pode atribuir habilitações
específicas em favor dos EM em domínios da competência exclusiva, por maioria de razão
também o pode fazer (e faz) em áreas de competência partilhada. A extrema
complexidade da regulação jurídica em áreas como a política social e proteção do meio
ambiente aponta a conveniência de uma partilha de responsabilidades segundo critérios
de subsidiariedade e atuação complementar. O princípio da subsidiariedade (art. 5º/3
TFUE), é aplicável em toda a sua latitude no campo das competências partilhadas,
incluindo como critério de definição do grau desejável de intervenção funcional do
decisor da UE e do decisor nacional na perspetiva da otimização da regulação jurídica da
matéria em causa;
4) Competência partilhada que deixou de ser exercida pela União- conforme resulta do art.
2º/2 TFUE, os EM voltam a exercer a sua competência na medida em que a União decidiu
renunciar a fazê-lo. A renacionalização da competência é uma decorrência do princípio
contratualista que enquadra a atribuição de competências à União pelos EM. Não se trata
de uma transferência de competências, definitiva e irreversível. A figura jurídica
adequada é a da delegação de competências: a titularidade é mantida pelos EM que se
limitam a delegar o seu exercício, passível de regressar à esfera jurídica dos EM por via
da avocação (revisão dos tratados, conforme art. 48º/2 TUE) seja pela via da decisão da
entidade delegada que revoga os atos legislativos existentes (art. 2º/2º/in fine, TFUE).
Competências atípicas
A. Competências híbridas
Nos domínios das políticas económicas e de emprego (art. 2º/3 TFUE) e da PESC (art. 2º/4
TFUE e título V do TUE, arts. 21º a 46º), a UE exerce poderes de configuração variável entre uma
competência de mera coordenação e uma competência partilhada. Trata-se de domínios típicos
de reserva estadual de soberania nos quais, sem prejuízo de interesses e objetivos comuns, se
articula ação eurocomunitária e ação intergovernamental.
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B. Competências de coordenação
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Em 1992, quando foi adotada a decisão de criar uma moeda única, Reino Unido e
Dinamarca manifestaram o desejo de não participar (regime de “opt-out”). Outros EM, apesar
do seu acordo de princípio, ficaram sujeitos a um regime transitório (art. 139º a 144º TFUE),
aplicável até ao momento em que preencham os exigentes requisitos de adesão ao euro (art.
140º TFUE). A Janeiro de 2021, 8 dos 27 EM estão neste limbo da política monetária- Bulgária,
República Checa, Hungria, Polónia, Roménia, Suécia e Croácia.
As medidas adotadas no quadro do Título V da Parte III do TFUE (arts. 67º a 89º) são
aplicáveis a todos os EM, com exceção da República da Irlanda (Protocolo nº21) e da Dinamarca
(Protocolo nº 22). A República da Irlanda ressalvou a possibilidade de exercer “opt-in” em relação
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a determinados atos jurídicos, dependente do acordo unânime do Conselho (art. 3º, Protocolo
nº 21).
C. Cooperações reforçadas
Não podem incidir sobre matérias da competência exclusiva da União (art. 20º/1 TUE)
nem prejudicar o mercado interno e a coesão económica, social e territorial. As cooperações
reforçadas estarão igualmente vedadas se constituírem uma restrição ou discriminação ao
comércio entre os EM, tal como não podem provocar distorções de concorrência (art. 326º
TFUE).
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igualmente fiscalizáveis serão os atos que vierem a ser aprovados no quadro da cooperação
reforçada, via recurso de anulação ou processo de questões prejudiciais.
Desde Julho de 2010, foram autorizadas com êxito algumas cooperações reforçadas,
como por exemplo o Regulamento (UE) nº 1259º/2010 relativo à lei aplicável em matéria de
divórcio e separação judicial.
Sem acordo à vista, com avanços e recuos desde 2012, aguarda o projeto de cooperação
reforçada para a criação de um sistema comum de imposto sobre transações financeiras (a
chamada Taxa Tobin).
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