Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº
2077794-97.2022.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante RICARDO MOYSES DE ARRUDA, é agravada CAROLINA MARDEGAN ARAYA.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 10ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ELCIO TRUJILLO
(Presidente) E WILSON LISBOA RIBEIRO.
São Paulo, 27 de maio de 2022.
J.B. PAULA LIMA
Relator(a) Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Agravo de Instrumento nº 2077794-97.2022.8.26.0000
Comarca: São Paulo (4ª Vara de Família e Sucessões - Foro Central Cível) Agravante: R. M. de A. Agravada: C. M. A.
Voto nº 23.430
TUTELA DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO.
DEFERMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA PARA ATRIBUIR A TUTELA DO ANIMAL À AUTORA. RECURSO DESPROVIDO. Guarda de animais de estimação. Insurgência contra decisão que deferiu a tutela de urgência para atribuir a guarda do animal à autora. Efeito suspensivo indeferido. Ausente previsão legal de aditamento do recurso para requerer a gratuidade judiciária. Ademais, o pedido deve ser formulado primeiramente ao Juízo de primeiro grau, a fim de evitar supressão de instância. Agravada que consta como tutora do animal junto ao registro geral de animais da Prefeitura de São Paulo. Partes que mantiverem apenas um namoro, sem o intuito de constituir família. Em cognição sumária, inaplicável a regulamentação provisória da guarda compartilhada ou das visitas ao animal, vez que, a princípio, o direito de família é aplicado por analogia somente em casos de dissolução de união estável ou divórcio. Jurisprudência do STJ. Decisão mantida. Recurso desprovido.
Trata-se de agravo de instrumento contra a decisão
de fls. 91/92 dos autos do processo originário, que deferiu a liminar Agravo de Instrumento nº 2077794-97.2022.8.26.0000 -Voto nº 23430 - vg 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
pleiteada pela autora, atribuindo a ela a guarda do animal.
Inconformado, o réu sustenta que a versão narrada pela agravada é totalmente inverídica. Alega que o dito “documento de doação” não retrata a realidade dos fatos, já que o animal foi adotado pelas partes em conjunto, tanto assim que em várias mensagens de aplicativo a agravada se refere à “nossa cachorra”. Afirma que à época eram namorados e desejavam ter o animal de estimação em compartilhamento. Declara, ainda, que esteve presente no ato de adoção, arcando com todas as despesas. Insiste que, depois de um mês, ficou claro que a recorrida não tinha condições de cuidar do animal por falta de tempo e, por isso mesmo, dividiram os cuidados. Acrescenta que, com o fim do relacionamento, as partes celebraram um acordo verbal, que passou a ser descumprido pela agravada, passados dois anos. Diante do risco de o animal ser levado para outra cidade, negou-se a fazer um novo acordo. Afirma não haver alegação de maus tratos ou falta de zelo, ou mesmo prova de que ele não tem condições de cuidar da cachorra. Pugna pela concessão do efeito suspensivo à decisão guerreada, até o julgamento do presente recurso. No fim, pede a revogação da tutela provisória ou, subsidiariamente, a manutenção do acordo verbal para que o animal fique de segunda à sexta com o agravante e aos fins de semana com a agravada, devendo esta vir retirar e devolver a cachorra na cidade de São Paulo/SP. Efeito suspensivo indeferido (fls. 37/39). O agravante pediu aditamento do recurso, requerendo a concessão da gratuidade judiciária (fls. 41/42).
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Contraminuta a fls. 55/62.
É o relatório.
De saída, não se há falar em aditamento do agravo
de instrumento para pleitear a gratuidade judiciária. Ademais, a pretensão deduzida pelo agravante, objetivando a concessão da gratuidade processual, deve ser apreciada, primeiramente, pelo Juízo a quo, sob pena de supressão de um grau de jurisdição, assegurando-se, outrossim, o exercício do contraditório e da ampla defesa. Passo a análise do recurso. A decisão que aprecia o pleito antecipatório, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, enquanto tutela de urgência, visa adiantar, total ou parcialmente, os efeitos da sentença de mérito e está diretamente relacionada à pretensão do autor. Portanto, para o deferimento devem estar demonstrados os requisitos legais, quais sejam, verossimilhança dos fatos alegados, que traduz “relativa certeza” quanto à verdade do asseverado, mediante prova inequívoca, capaz de influir positivamente no convencimento de juiz, e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou, alternativamente, abuso no direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte contrária, contando possibilidade de reversão da medida a qualquer tempo, no caso de se constatar seu descabimento. No caso examinado, o Juízo de primeiro grau atribuiu a guarda do animal à autora, nos termos da decisão de fls. 91/92
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dos autos do processo originário.
Respeitadas as alegações do recorrente, inexiste fundamento para a revogação da guarda provisoriamente deferida a autora. Ela não apenas figura como “adotante” no termo de responsabilidade datado de 09/08/2019, como também é a tutora do animal no registro geral do animal, emitido pela Prefeitura de São Paulo em 16/12/202 (fls. 15/16 dos autos do processo originário). No mais, é incontroverso que as partes mantiverem apenas um namoro, sem o objetivo de constituir família. Por isso, em cognição sumária, não é o caso de se regulamentar provisoriamente a guarda compartilhada ou as visitas à cachorra pois, a princípio, a aplicação do direito de família em relação ao animal de estimação só é cabível em caso de dissolução de união estável ou divórcio. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL.
DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é
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menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar
o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade"). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de
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qualquer outro tipo de propriedade privada.
Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente,
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o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de
companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido. (voto vista) (Min. Marco Buzzi) "[...] nos termos dos artigos 1.314 e 1.315 do Código Civil, a copropriedade exercida sobre o bem semovente não necessita
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ser quantitativamente proporcional, ou seja,
mediante o estabelecimento de quantidade de dias precisos sobre os quais terá cada qual dos sujeitos o direito de exercer a posse/guarda, mas sim que sejam os direitos qualitativamente proporcionais sobre a totalidade do bem, viabilizando que a posse/guarda e estabelecimento do vínculo afetivo sejam exercidos por ambos os ex-consortes. Nessa medida, sendo desnecessária a aplicação por analogia do instituto da guarda compartilhada no caso concreto, em virtude de existir no ordenamento jurídico pátrio ditame legal atinente ao Direito das Coisas - aplicação do instituto da copropriedade - para a solução da contenda, deve ser mantido o entendimento do Tribunal a quo que estabeleceu as diretrizes para esse exercício, bem delineando a distribuição - qualitativa - dos comunheiros sobre o animal [...]". ..INDE: (Voto Vencido) (Min. Maria Isabel Gallotti) "[...] no caso ora em exame, não se cogita mais de partilha de bens. Já houve, quando do rompimento da união, uma escritura declaratória de que nada havia a partilhar. Anos após foi ajuizada a presente ação, com o objetivo de 'regulamentação de guarda e visitas' do
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animal. Penso, data maxima venia, que as
limitações ao direito real de propriedade são as previstas em lei. Não há nenhuma limitação de direito de propriedade baseada em afeto". ..INDE: "O que se pretende é exercer, com base em decisão judicial, um direito de visitas que não é previsto no ordenamento jurídico atual no Brasil. Parece-me que, no caso, não se trata de lacuna legal, mas de consciente opção do legislador de não regulamentar a matéria, tanto que havendo projeto legislativo para tanto, ele não teve andamento. Penso que escapa, portanto, à atribuição do Poder Judiciário criar direitos e impor obrigações não previstos em lei". (STJ, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJE 09/10/2018) (grifei)
Destarte, impõe-se a manutenção da decisão
agravada. Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.