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Prática Processual nas Ações de Família

AULA 2
PROCEDIMENTO ESPECIAL DAS AÇÕES DE FAMÍLIA

1. INTRODUÇÃO

Se a construção de laços familiares tem como base o afeto, a desconstrução ou


modificação desses mesmos laços certamente repercutirá nesse campo afetivo, dos
sentimentos, e, portanto, existencial da pessoa humana. Logo, as ações que tutelam
direitos relacionados a vínculos familiares exigem um procedimento mais adequado e
consentâneo com a tutela do direito.
O CPC/15, inovando em relação ao antigo código, criou um procedimento
especial para as ações de família de caráter contencioso. Podem ser citadas como as
principais características desse procedimento:

 Busca constante pela solução consensual do conflito familiar;


 Atuação de equipe multidisciplinar para auxiliar na solução do conflito
familiar;
 Procedimento obrigatório para ações de divórcio, separação,
reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação,
desde que de caráter contencioso (art. 693, caput, do CPC);
 Especialidade do ato citatório.

2. PROCEDIMENTO

O procedimento especial para as ações de família está previsto nos arts. 693 a
699 do CPC e compreende as seguintes ações: divórcio, separação, reconhecimento e
extinção de união estável, guarda, visitação e filiação (art. 693, caput, do CPC).
A ação de alimentos e a que versar sobre interesses de criança ou de
adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, qual seja, Lei

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nº 5.478/68 (dispõe sobre a ação de alimentos) e Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e


do Adolescente). Não obstante, nessas ações, o procedimento das ações de família será
aplicado subsidiariamente.
A despeito de o art. 693, caput, do CPC estabelecer um rol de ações que
seguirão o procedimento especial, entendo tratar-se de rol meramente exemplificativo.
Assim, é perfeitamente possível a adoção desse procedimento especial em outras
demandas decorrentes de vínculos familiares não compreendidas no texto legal,
ressalvadas a ação de alimentos e a ação que versar sobre interesse de criança ou de
adolescente, as quais possuem procedimento próprio previsto em leis especiais.
A previsão da ação de separação judicial entre as ações de família revela um
dado importante: a Emenda Constitucional nº 66/10, que deu nova redação ao § 6º do
art. 226 da CF (“§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”) não revogou,
expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que trata da separação judicial. Isso
porque, conforme entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça, com o
advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, a ação de separação judicial passou a
ser opcional. O manejo da ação de separação judicial ao invés da ação de divórcio
confere às partes a possibilidade de reconciliação e retorno ao status de casados, bem
como a possibilidade de discussões subjacentes e laterais ao rompimento da relação1.
Na linha do sistema multiportas de solução dos conflitos (art. 3º, § 3º, do CPC),
nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual
da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de
conhecimento para a mediação e conciliação (art. 694 do CPC).
Para a solução consensual da controvérsia, a mediação apresenta-se como o
meio mais adequado, tendo em vista que os conflitos familiares decorrem de um vínculo
afetivo anterior entre as partes (art. 165, § 6º, do CPC). Além disso, é de grande
importância a atuação de profissionais de outras áreas, como, por exemplo, psicólogos

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Cf. REsp 1431370/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em
15/08/2017, DJe 22/08/2017.

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e assistentes sociais, na medida em que a decisão mais justa é aquela que mais se
aproxima da realidade social dos envolvidos.
Nesse sentido, o parágrafo único do art. 694 do CPC dispõe que “a
requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os
litigantes se submetem à mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar”.
Nada impede, porém, que o juiz, de ofício, determine a suspensão do processo e
encaminhe as partes para atendimento multidisciplinar, caso entenda ser importante
para a criação de um ambiente processual mais favorável e/ou para a adoção da solução
mais justa para o caso.
Reforçando a importância da atuação multidisciplinar nas ações de família,
prevê o art. 699 do CPC que “quando o processo envolver discussão sobre fato
relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz,
deverá estar acompanhado por especialista”.

2.1. Competência

A competência para as ações de família está prevista non art. 53 do CPC.

Art. 53. É competente o foro:


I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e
reconhecimento ou dissolução de união estável:
a) de domicílio do guardião de filho incapaz;
b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;
c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo
domicílio do casal;
d) de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar, nos
termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da
Penha); (Incluída pela Lei nº 13.894, de 2019)
II - de domicílio ou residência do alimentando, para a ação em
que se pedem alimentos;

O art. 53 do CPC, de uma forma geral, regras de competência relativa. Isso


significa que caso a parte autora não observe tais regras, caberá à parte ré arguir a
incompetência como preliminar de contestação, sob pena de preclusão (art. 65, caput,
do CPC). O Ministério Público também tem legitimidade para arguir a incompetência
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(relativa ou absoluta), inda que sua atuação se dê na qualidade de fiscal da ordem


jurídica (art. 65, parágrafo único, do CPC).
Cumpre destacar, contudo, que sempre que a ação tiver por objeto interesses
de criança e adolescente (ex.: alimentos, guarda, regime de convivência etc.), a ação
deverá ser proposta no foro de domicílio do menor. Aplica-se, nesse caso, a regra
prevista no art. 147 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Art. 147. A competência será determinada:


I - pelo domicílio dos pais ou responsável;
II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta
dos pais ou responsável.

O art. 147 do ECA revela o chamado princípio do juízo imediato, ou seja, o juízo
competente para processar e julgar ação envolvendo direito da criança ou do
adolescente será aquele do local onde o infante exerce o seu convívio familiar e
comunitário. Para o Superior Tribunal de Justiça, nesse caso, a competência não será
relativa, mas absoluta, tendo em vista que os direitos da criança e do adolescente gozam
de absoluta prioridade e proteção integral. Assim, a incompetência poderá ser
conhecida de ofício.
Tratando-se de competência absoluta, se no curso do processo o infante mudar
de domicílio, os autos deverão ser remetidos ao juízo do foro onde o menor passou a
residir. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

AGRAVO INTERNO. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.


AÇÃO DE ALIENAÇÃO PARENTAL C/C GUARDA E
REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. ALTERAÇÃO DE DOMICÍLIO DA
CRIANÇA E DAQUELES QUE DETÉM SUA GUARDA. ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.PRINCÍPIO DA PERPETUATIO
JURISDICTIONES X JUIZ IMEDIATO. PREVALÊNCIA DESTE ÚLTIMO
NA HIPÓTESE CONCRETA. 1. Conforme estabelece o art. 87 do
CPC, a competência determina-se no momento da propositura
da ação e, em se tratando de hipótese de competência relativa,
não é possível de ser modificada ex officio. Esse mencionado
preceito de lei institui, com a finalidade de proteger a parte, a
regra da estabilização da competência (perpetuatio
jurisdictionis). 2. O princípio do juiz imediato vem estabelecido
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no art. 147, I e II, do ECA, segundo o qual o foro competente para


apreciar e julgar as medidas, ações e procedimentos que tutelam
interesses, direitos e garantias positivados no ECA, é
determinado pelo lugar onde a criança ou o adolescente exerce,
com regularidade, seu direito à convivência familiar e
comunitária. 3. Embora seja compreendido como regra de
competência territorial, o art. 147, I e II, do ECA apresenta
natureza de competência absoluta, nomeadamente porque
expressa norma cogente que, em certa medida, não admite
prorrogação. 4. A jurisprudência do STJ, ao ser chamada a
graduar a aplicação subsidiária do art. 87 do CPC frente à
incidência do art. 147, I e II, do ECA, manifestou-se no sentido de
que deve prevalecer a regra especial em face da geral, sempre
guardadas as peculiaridades de cada processo. 5. Agravo Interno
não provido. (AgInt nos EDcl no CC 160.102/SC, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/05/2019,
DJe 16/05/2019)

2.2. Intervenção do Ministério Público

Regra geral, nas ações de família, o Ministério Público somente intervirá


quando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação
de acordo (art. 698, caput, do CPC). Nesse sentido, se, por exemplo, a ação é de divórcio
litigioso entre duas pessoas capazes, que não possuem filho incapaz em comum, o
Ministério Público não intervirá.
A Lei nº 13.894/2019, ao inserir um parágrafo único no art. 698 do CPC, criou
uma nova hipótese de intervenção obrigatória do Ministério Público nas ações de
família. Dispõe o supracitado dispositivo que “o Ministério Público intervirá, quando não
for parte, nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica
e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha)2”.

2
A Lei nº 11.340/06 (lei Maria da Penha), versa sobre os mecanismos de combate a violência doméstica
e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal. Tem como objetivo a
efetiva proteção da mulher vítima de violência e discriminação contra ela perpetradas no âmbito das
relações domésticas. A referida lei visa atender às determinações do Direito Internacional (Caso
12.051/OEA e Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher -
"Convenção de Belém do Pará) e, notadamente, aos comandos dos artigos 1º, III e 226, § 8º, ambos da
Constituição da República de 1988.

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É importante ter em mente que não basta que a mulher tenha sido vítima, em
algum momento da vida de violência doméstica e familiar – por mais que tal situação
seja inadmissível – para que a intervenção do Ministério Público seja obrigatória. É
preciso que a violência perpetrada contra ela tenha alguma relação com a ação de
família proposta (ex.: ação de divórcio como consequência de agressões sofridas pela
mulher).
Não é preciso que a mulher seja a autora da ação cível. Ainda que a ação tenha
sido proposta pelo homem agressor, o Ministério Público.
Também não é preciso que já tenha havido condenação do agressor no
processo criminal. Aliás, sequer há necessidade de processo criminal em curso. O
histórico de violência demonstrado por registros de ocorrência policial já é suficiente
para que o Ministério Público intervenha na ação de família, na forma prevista no
parágrafo único do art. 698 do CPC.

2.3. Petição inicial

A petição inicial deverá observar os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC. O
valor da causa deverá atender à expressão econômica do pedido. A título de exemplo,
na ação de divórcio, separação, reconhecimento e dissolução de união estável, o valor
da causa será aquele atribuído pelo autor, caso não haja pedido de partilha de bens. Se
a ação for cumulada com pedido de partilha de bens, o valor da causa seguirá a regra do
art. 292, VI, do CPC, ou seja, corresponderá à soma dos pedidos. Logo, o valor da causa
corresponderá ao valor estimável do patrimônio que se pretende partilhar. Se essa
mesma ação for cumulada com alimentos, o valor da causa será a soma dos pedidos, ou
seja, valor estimável do patrimônio mais doze prestações mensais pedidas a título de
alimentos.

2.4. Tutela provisória

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No âmbito das ações de família é plenamente admissível a concessão de tutela


provisória (antecipada ou cautelar). Caberá à parte autora demonstrar a presença dos
pressupostos previstos no art. 300 do CPC (probabilidade do direito e perigo de dano ou
risco ao resultado útil do processo). Assim, a tutela provisória será predominantemente
de urgência.
Além disso, nada impede que a parte autora requeira uma tutela provisória
(antecipada ou cautelar) em caráter antecedente, hipótese em que deverá observar as
regras constantes nos arts. 303 e 304 (tutela antecipada) ou 305 a 310 (tutela cautelar)
do CPC, respectivamente.
Pergunta: é possível decretar, liminarmente, o divórcio?
O tema será estudado mais adiante.

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