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Processo nº 238/00-C

Difamação

Sumário:

I. Para que se considerem preenchidos os tipos legais de crime de difamação e


injúria é sempre necessário que haja o dolo específico – animus “difamandi”
ou “injuriandi”.

II. Para que haja denúncia calunioza é necessário que os factos participados
sejam falsos e que essa falsidade seja conhecida do denunciante

Acórdão

Acórdam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal Supremo:

No Tribunal Judicial do Distrito Urbano nº 1, 3ª Secção, da Cidade de Maputo,


responderam no processo de polícia correccional que lhes foi movido pelo Ministério
Público coadjuvado pela Drª A..., assistente do recorrente B..., os réus C..., D... e E...,
acusados de haverem cometido, em co-autoria material, os crimes de difamação, calúnia
e injúria prevenido e punidos pelos artºs 407º, 409º e 410º, respectivamente, todos do
Código Penal.

O Recorrente veio, posteriormente, a deduzir pedido cível, alegando perdas e danos,


solicitando a condenação dos réus no pagamento do montante de USD 150.000,00, com
juros legais, contados desde a citação até integral liquidação da referida importância e,
concomitantemente, requereu que lhes fosse aplicada multa, por litigância de má fé.

Os réus tendo sido notificados da acusação, deduziram a sua defesa nos termos constantes
de fls. 142 a 164, arguindo sérias irregularidades que, no seu entender, enfermavam o
processo.

Juntaram documentos de fls. 165 a 188.

Realizado o julgamento os acusados foram considerados co-autores do crime de


difamação, pº e pº pelo artº 407º do Código Penal e condenados na pena de 1 (um) mês de
prisão, 8 (oito) dias de multa à taxa diária de 20.000,00 Mt, 750.000,00 Mt de imposto de
justiça e no pagamento, por cada um dos réus, do valor de 50.000 USD (dólares
americanos) ao ofendido, ora recorrente, a titulo de indemnização pelos danos morais
causados.

Finalmente, a pena de prisão que fora imposta a tais réus foi convertida em multa, a razão
de 20.000,00 Mt diários.
Incorformados com o assim decidido, os réus interpuseram recurso para o Tribunal
Judicial da Cidade de Maputo e cumpriram o mais de lei para que o processo pudesse ter
seguidamento e atempadamente foram produzidas as alegações e elaborada a
contraminuta.

Naquela instância colheu-se o douto parecer do Mº Pº que nada suscitou digno realce.

Colhidos os vistos legais, foi proferido o acórdão de fls. 315 que, subscrevendo os
fundamentos constantes da exposição de fls. 311 a 313, declarou nula a decisão do
tribunal “a quo”, destacando, de entre outras irregularidades que se-lhe apontam, a falta
de indicação dos factos que foram subsumidos no artº 407º do Código Penal, isto por um
lado, e por outro, a inexistência de pronunciamento que se nota na referida decisão sobre
a verificação ou não do “animus difamandi”, por parte daqueles condenados.

É deste acórdão que o denunciante B... recorre para este Tribunal.

Tendo por presente a restrição estabelecida no artº 11 da Lei nº 10/92, de 6 de Maio,


nesta instância apenas se vai conhecer da matéria de direito e com esta perspectiva,
atemo-nos no seguinte que é alegado pelo recorrente:

A conduta dos réus consubstancia os crimes de difamação, injúria, pois ao terem


apresentado denúncia junto da PIC, acusando aquele de “desfalque perpetrado...” e ao
haverem afirmado que o mesmo excedia os U$D 3.200,00 e terem ainda declarado que
“...teremos que a sua viagem seja sem regresso...”, o que veio a estar na origem da sua
detenção por 81 dias, quando, na verdade, o próprio recorrente foi quem contactara o D...,
informando-lhe que utilizara em seu benefício U$D 3.200,00, ficaram logo estabelecidos
os elementos típicos que configuram o crime de difamação. Efectivamente, o artº 71 da
Constituição da República consagra que “...todo o cidadão tem direito a honra, ao bom
nome, reputação, à defesa da sua imagem pública e à reserva da sua vida privada...” e
dado que a tal denúncia foi feita com má fé e negligência grave, a mesma constitui uma
participação caluniosa artº 245º do Código Penal.

Conclui, o recorrente, por considerar que estão verificados os requisitos integradores


daquele ilícito criminal e de seguida faz a sua enumeração:

O escrito constitui denúncia;


A sua matéria é falsa
Os participantes tinham conhecimento da falsidade

Contrariamente os réus, depois de uma longa excursão argumentativa, estribam-se, à


guisa de conclusão, nos termos que se seguem, requerendo que deve:

a) “Ser mandado anular por inexistência de “animus difamandi” ou de qualquer


outro elemento integrador do tipo legal do crime de difamação, previsto no artigo
407º do Código Penal e decretada a absolvição dos réus, por inexistência desta ou
de qualquer outra infracção criminal;
b) E sempre mandado anular o acórdão condenatório por erro notório na apreciação
da matéria de facto que ignorou a causa de exclusão da ilicitude dos réus face às
circunstâncias que rodearam a carta-queixa subscrita pelos réus, à verdade dos
factos nela referidos, devendo os réus serem absolvidos do crime de difamação ou
de qualquer outra infracção criminal;

c) Ser declarado nulo o acórdão condenatório, por patente ausência de


fundamentação de facto e de direito em que baseou e formou convicção para a
condenação dos réus.

d) Ser anular (leia-se anulado) o acórdão condenatório por procedente a excepção


dilatória de litispendência e proibição do disposto no artigo 34º, n.º 4 do Código
Penal e os réus absolvidos do pedido”

Colhido o parecer do Alto Representante do Ministèrio Público junto deste Supremo, este
Magistrado aderiu, na sua explanação, no que há de substância na contraminuta e termina
por entender que se deve negar provimento ao recurso.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.


Chegados a esta parte, há que ir directamente ao cerne da questão que se discute nestes
autos, delimitando desde logo a essência da controvérsia.

A acção penal movida contra os réus tem por base a carta que por estes foi subscrita e
constante a fls. 20, a qual teve como destinatário o Senhor Director da Polícia de
Investigação Criminal de Maputo – Cidade.

Na tal missiva os referidos réus denunciavam que:

“Em 5 de Maio de 1995, B... contactou C... e informou-o que utilizara em seu benefício
3.200,00 U$D (três mil e duzentos dólares americanos) que lhe haviam sido entregues
pelos outros quatro sócios da Empresa (...) para pagamento de renda das instalações onde
funciona a Empresa, referentes aos meses de Março e Abril de 1996.

No dia seguinte (6 de Maio) na reunião semanal dos sócios da Empresa B... voltou a
confessar perante os três signatários a utilização indevida dos fundos da empresa para o
seu benefício pessoal.

Temos fortes suspeitas que o desfalque perpetrado por B... excede os 3.200,00 U$D por
ele referidos.

E a terminar, pediam a intervenção das autoridades deste País para que dessem
seguimento legal à queixa então apresentada e que, pelo menos assegurassem que o B...
assinasse um documento, declarando o reconhecimento da sua dívida perante a empresa
de que aqueles são proprietários.
E na mesma sequência, a tal empresa publicou um anúncio no jornal “Notícias”, assinado
pelo respectivo Director-Técnico, comunicando da desvinculação do recorrente em causa
dos seus quadros de Direcção e, na ocasião, declinava responsabilidade por quaisquer
actos do mesmo, praticados em seu nome – fls. 25

Como consequência da aludida denúncia, veio a ser instaurado um processo-crime contra


o B..., no decurso do qual esteve detido, vindo a beneficiar de soltura depois de
transcorridos 80 dias, em virtude de o Mº Pº se ter abstido de o acusar do crime de que
vinha indiciado. Não tendo reclamado daquela abstenção, conforme lhes competia
legalmente proceder no caso de inconformismo com aquele acto, por parte dos
denunciantes, o recorrente B... conclui e nisto se apega com maior firmeza que aqueles
praticaram, de forma inequívoca, os crimes de difamação, injúria e denúncia caluniosa.

Ora, debruçando-nos sobre este particular, é sabido que constitui jurisprudência


arraigada, nos termos da qual para a consumação daqueles dois primeiros crimes é
sempre exigível o dolo específico - “animus difamandi” ou “injuriandi” (vide, dentre
outros a Acs. do Sup. Trib. Just. De Portugal, B.M.J, 98,359), algo que inexiste no caso
sujeito. Basta atentar para o conteúdo do anúncio de que já se fez referência, o qual foi
editado quase em simultâneo com a remessa da carta ao Senhor Director da PIC, para se
concluir, sem esforço, pela completa ausência da intenção lesiva da honra, reputação e
consideração devidas à pessoa do recorrente.

Aliás, seguindo ainda na mesma senda, não deixa de ser irrecusavelmente decisiva, nesta
análise, a própria confissão do recorrente B... que, logo nas declarações iniciais, fls. 44,
reconheceu ter tirado da empresa o valor de U$D 4.000 dólares americanos, facto que
demonstra o carácter verdadeiro do conteúdo da já mencionada carta que foi presente às
autoridades. E repare-se que naquela os réus em presença até o acusaram por desfalque
de valor inferior (3.200 U$D).

Daí que se mostra prejudicada a invocada procedência do crime de denúncia caluniosa, pº


e pº pelo artº 245º do C. Penal, pois que a verificação da participação caluniosa reside na
sua efectiva falsidade e que essa falsidade seja conhecida do denunciante, requisitos estes
que não se encontram preenchidos no caso vertente.

Concludentemente, bem andou o tribunal da segunda instância, ao anular o acórdão


proferido pelo Tribunal Judicial do Distrito Urbano nº 1, 3ª Secção, da Cidade de
Maputo,

Em face de todo o exposto, os Juizes deste Tribunal acordam em confirmar o decidido


pelo Tribunal da segunda instância.

Fixam em 100.000,00 Mt, a cargo do recorrente, o imposto de justiça.

Maputo, 29 de Maio de 2000


Ass: Ozias Pondja e Luís António Mondlane.

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