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Universidade Púnguè

Nome: Adolfo Fernando Caenda


Tema: Tendências actuais geográficas

Tendências de ensino: contribuições para práticas pedagógicas no campo da Geografia

A Educação e a Geografia são espaços de construção de saberes destinados ao


desenvolvimento humano para a vida, para o mundo. Entre esses dois campos, há uma
intersecção tanto no que diz respeito ao nível de atenção à própria Educação quanto à
importância do ensino da Ciência Geográfica para formação de um cidadão crítico e reflexivo.
Desse modo, ainda que de forma inconsciente, os professores aderem sempre a um ciclo no
processo de ensino-aprendizagem.

Segundo Libâneo (2006), as tendências pedagógicas podem ser organizadas em dois


conjuntos de pedagogias: a pedagogia liberal, que contempla as tendências tradicional,
renovada progressivista, renovada não diretiva e tecnicista; e a pedagogia progressista,
que se manifesta nas tendências libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos.

Uma parcela significativa dos professores assume em sua prática pedagógica prescrições do
senso comum que foram cooptadas na sua própria passagem pela escola ou até mesmo
adquiridas pelos colegas de trabalho mais velhos; contudo, essas práticas têm pressupostos
teóricos implícitos. Por outro lado, há profissionais de educação dedicados a um trabalho
docente coerente, profissionais capazes de perceber em sua prática pedagógica o sentido mais
amplo, além de elucidar suas convicções. Há aqueles também que aderem em sua prática à
última tendência de ensino sem maiores reflexões, se essa tal prática trará as respostas que de
fato procuram (LIBÂNEO, 1992). Essas formas de proceder estão intrinsecamente presentes
nas práticas educativas dos profissionais de Geografia como nas demais áreas.

Face a essas constatações iniciais, que elucidam a interface presente e por vezes necessária da
Educação com o campo da Geografia, buscaremos aqui tecer algumas reflexões acerca das
tendências de ensino.

As tendências pedagógicas e o ensino de Geografia: uma relação íntima de múltiplas


formas
As tendências pedagógicas se constituem em objectos das acções de Educação que permeiam
o ensino de Geografia; correspondem às acepções de Educação elencadas no desenvolvimento
das potencialidades dos indivíduos como sujeitos de transformação da realidade, sendo
integrantes dos direitos essenciais da pessoa humana. Essas tendências foram classificadas por
LIBÂNEO (1992) em liberais e progressistas. Em nível de ordem, discorreremos
primeiramente acerca das tendências liberais para depois abordar as progressistas, conforme
ocorreu no desdobrar dos processos históricos.

As tendências pedagógicas liberais surgiram por volta do século XIX, sob o pressuposto de
que a escola como instituição de ensino deve ser incumbida de preparar os indivíduos para a
sua alocação na sociedade, cumprindo papéis sociais preestabelecidos. Para tanto, as pessoas
deveriam aprender e adaptar-se aos valores e normas definidos na sociedade de classes, que
seria decorrente do desenvolvimento cultural particular. Dessa forma, tal pedagogia apareceu
como justificativa para a manutenção da sociedade capitalista, por defender a predominância
da liberdade dos interesses particulares na sociedade. Categoricamente, integram-se no grupo
das ditas tendências liberais a tendência “tradicional”, a “renovada progressista”, a “renovada
não diretiva” e a “tecnicista” (LIBÂNEO, 2014, p.23).

As tendências liberais não têm relação alguma com espaço aberto e democrático. O liberal é
dizente da lógica liberalista, instigada pela atual sociedade capitalista, que sustenta a ideia da
formação de indivíduos para atender os anseios dessa sociedade com uma visão restrita sobre
as diferenças de classe, sobre o espaço geográfico do qual fazem parte.

A tendência liberal tradicional, também conhecida como “conservadora”, tem uma pedagogia
centralizada no ensino autoritário na relação professor-aluno. O professor aparece como
detentor do conhecimento e o discente como uma mera “tábula rasa”. Além disso, o discente é
educado para atingir sua plena realização pelo seu próprio mérito. Nessa tendência, tanto os
conteúdos trabalhados em sala de aula quanto os procedimentos didácticos e a relação
professor-aluno não se assemelham em nada com o espaço de vivência do estudante,
tampouco com a realidade social vigente. A tendência liberal tradicional, “acentua o ensino
humanístico, de cultura geral, no qual o aluno é educado para atingir, pelo próprio esforço,
sua plena realização como pessoa.” (LIBÂNEO, 2014, p. 22).

Nesse contexto, as práticas pedagógicas em Geografia em nada favoreciam o


desenvolvimento do pensamento crítico do aluno, e mais: tal tendência colaborou por muito
tempo na dicotomia no campo dessa disciplina: Geografia Humana e Geografia Física, por dar
ênfase a esta última em detrimento do conteúdo social, além da própria criação da imagem
estereotipada da Geografia como disciplina meramente decorativa.

A tendência liberal renovada apresenta, entre nós, em duas versões: a renovada progressivista
e a renovada não-diretiva. Para Libâneo, a tendência liberal renovada concebe “a
educação como um processo interno, não externo; ela parte da necessidades e interesses
individuais necessários para a adaptação ao meio.” (2014, p.23). A renovada não-direta está
“orientada para os objetivos de autorrealização e para as relações interpessoais.”
(LIBÂNEO, 2014, p.23).

A tendência liberal renovada progressista dá ênfase, de igual modo, ao sentido da cultura com
o desenvolvimento das aptidões particulares dos indivíduos, embora pareça mais significante
para o ensino da Geografia dedicar-se a transformar a escola em agente activo, a favor da
adaptação de si para as necessidades do meio do qual faz parte. Essa tendência propõe um
ensino pautado na auto-educação, isto é, o estudante como sujeito do próprio conhecimento, a
experiência directa com o meio pela actividade, em que ele é estimulado a solucionar
situações-problema por meio de atitudes concretas.

No contexto de uma maior evolução participativa do educando, a pedagogia “liberal renovada


não directiva” propõe a formação de atitudes realmente práticas no processo educativo.
Aprender passa ser visto como um ato de reconstrução do conhecimento preexistente.
SAVIANI (2012) explana que aprender é modificar suas próprias percepções do que seja
conhecimento; desse modo, se aprende apenas o que está em seu entorno. De forma sintética,
essa tendência parte da objectivação da autorrealização dos indivíduos e das relações
interpessoais.

A tendência liberal tecnicista, como o próprio nome já explicita, subordina a educação e, por
sua vez, o modo de ensinar Geografia, à sociedade, pelo fato de sua pedagogia estar voltada à
preparação de “recursos humanos”, ou seja, mão de obra. Tal tendência é voltada às demandas
da sociedade industrial e tecnológica. No contexto das práticas pedagógicas em Geografia, tal
modo de ensinar foi centralizado em transmitir comportamentos éticos, práticas sociais e
habilidades consideradas básicas para a manutenção dessa sociedade. A Geografia novamente
aparece como disciplina decorativa, observando o mesmo desinteresse por parte dos discentes
que havia na Pedagogia tradicional, uma vez que os alunos não fariam nenhum proveito dela
no seu dia a dia. De fato, o que se observa nessa tendência é um refinamento de toda a
Pedagogia tradicional, metodologia que passou a ser rompida somente por volta do final da
década de 1970 e começo da de 1980.

De modo geral, as tendências liberais mostram-se sistematicamente impositivas e dominantes


ao estudante. No tocante à avaliação de rendimento, por exemplo, é legítima uma discussão a
favor das práticas das tendências liberais. Percebe-se que em tal aspecto há pouca intimidade
pedagógica com que se espera no campo da Geografia como disciplina escolar, ou seja, uma
avaliação que dê ênfase ao pensamento crítico e autónomo do sujeito-aluno.

Discorridas as tendências liberais, falamos agora acerca das tendências pedagógicas


progressistas. De acordo com SAVIANI (2008), essas tendências recebem tal nome devido ao
carácter contra e gemônico de tais ideias. Dessa forma, de acordo com ele, essas tendências
pedagógicas percorrem caminhos diversos, alinhando-se às Ciências Sociais, com ideais
progressistas e até mesmo radicais anarquistas, mostrando-se assim de grande valia para a
prática pedagógica no campo da Geografia. A Educação passa a ser visto como uma força de
lutas de classes, objectivando a transformação da ordem social e económica imperial. De
acordo com LIBÂNEO (1992), integram as tendências progressistas a libertadora, a libertária
e a histórico-crítica.

Embasada substancialmente em um teor sociológico e reflexivo sobre a vida e a realidade


social de que o estudante faz parte, a tendência progressista libertadora valoriza também a
cultura individual, na qual a prática escolar é sobretudo baseada na resolução de situações -
problema (LIBÂNEO, 1992). Essa tendência pedagógica propõe que a actividade escolar se
deve centrar em discussões acerca de temas sociais e políticos e em acções concretas sobre a
realidade social imediata. O educador deve agir como coordenador de actividades, destinado a
organizar e actuar conjuntamente com os discentes.

Na tendência progressista libertária, de acordo com LIBÂNEO (1992), os conteúdos


programáticos são colocados à disposição dos alunos, contudo não são exigidos
sistematicamente, isto é, com uma avaliação formal questionadora. Nessa tendência, a matriz
curricular é vista como objectivo secundário, já que pressupõe que o que norteia a
aprendizagem é o momento social vigente, a vivência pessoal e interpessoal.
A tendência progressista histórico-crítica ou crítico social dos conteúdos propõe uma síntese
que transcende a Pedagogia tradicionalista e a própria Pedagogia renovada, dando ênfase à
acção pedagógica inserida na prática social concreta. SAVIANI (2012), ao explanar o
significado da expressão “Pedagogia histórico-crítica” expressa que

é o empenho em tentar compreender a questão educacional com base no desenvolvimento


histórico objectivo. Portanto, a concepção pressuposta (...) é a do materialismo histórico, ou
seja, a compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das
condições materiais da essência humana. No Brasil, essa corrente pedagógica firma-se a partir
de 1979 (SAVIANI, 2008, p. 89).

Essa tendência, como pressupõe SAVIANI (2012, p. 89), “corrente pedagógica”, possui
conteúdos culturais universais que são encadeados pela própria humanidade face à realidade
social vigente. O estudante passa a ser visto como um agente activo na discussão e o
professor, um elo com o saber sistematizado.

O professor expõe todo o conteúdo, cabendo aos alunos escutá-lo passivamente. Estes
realizam exercícios de repetição e memorização daquilo que foi transmitido. O silêncio e
a atenção são requisitos para o professor transmitir os conteúdos (LIBÂNEO, 2014).

LIBÂNEO (2014) caracteriza as tendências pedagógicas em relação à democratização da


escola pública. As tendências pedagógicas mencionadas por Libâneo (2014) se articulam com
as concepções de educação citadas por Savini (2012). Essa caracterização se deve “[...] à
posição que adotam em relação aos condicionantes sociopolíticos da escola e [...]
foram classificadas em liberais e progressistas [...]”. (LIBÂNEO, 2014, p. 21).

No que tange a proposta para o ensino de Geografia, o documento sustenta um conjunto de


conceitos que procuram instrumentalizar os sujeitos a compreender a sociedade
permeada por conhecimentos e práticas produzidos historicamente. A abordagem da
PCSC (2014) enfatiza que, “[...] os conceitos, nos diferentes componentes curriculares,
contribuem para que o professor auxilie o estudante a conceituar, com progressiva
clareza, o espaço geográfico como constituído a partir das relações que os seres humanos
estabelecem uns com outros e com a natureza.” (SANTA CATARINA, 2014, p.144).

Portanto, a geografia, [...] no percurso formativo da Educação Básica, pode contribuir para
que o desenvolvimento das noções de orientação com a alfabetização cartográfica, de
observação, descrição, análise, interpretação e representação espacial se desenvolvam nas
crianças, jovens, adultos e idosos para a compreensão das dinâmicas físico-naturais e
humanosociais e suas inter-relações. (PCSC, 2014, p.144)

Considerações finais
Diante do exposto, compreende-se que as tendências elencadas distintas formas em que é
compreendido o processo de ensino-aprendizagem – são as norteadoras das práticas
pedagógicas. Com base na acepção da própria finalidade do ensino de Geografia, acredita-se
que ela deve ser voltada para a formação do pensamento crítico transformador do sujeito-
estudante. Com isso, ainda que se admitam algumas críticas, as pedagogias da
problematização mostram-se mais satisfatórias à prática educativa em Geografia.

Ademais, as pedagogias da problematização têm muito a contribuir para as práticas


pedagógicas no campo da Geografia, uma vez que suas finalidades assemelham-se às dessa
disciplina. Além disso, se formos levar em consideração a atual conjuntura, em que as
transformações socioespaciais acontecem de forma substancialmente rápida, é notório que a
prática educativa na disciplina não visa somente à aquisição de competências técnicas, mas,
sobretudo, à formação cidadãos capazes de saber pensar o espaço face a suas contradições e
comprometidos em construir um mundo mais justo e igualitário.
Referências bibliográficas

LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico social dos conteúdos.


28 ed. Ipiranga, SP: Loyola, 2014.

LIBÂNEO, J. C. Tendências pedagógicas na prática escolar. Democratização da Escola


Pública – a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1992. v.1. 160p.

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública:a pedagogia crítico-social dos


conteúdos. 21. ed. São Paulo: Loyola, 2006.

SANTA CATARINA. Governo do Estado. Secretaria de Estado da Educação. Proposta


curricular de Santa Catarina: formação integral na educação básica. Estado de Santa
Catarina, Secretaria de Estado da Educação, 2014.

SANTOS, Eliel Viscardis Damião. Reflexões sobre as tendências de ensino: contribuições


para práticas pedagógicas no campo da Geografia. Revista Educação Pública, v. 20, nº 11, 11
de Abril de 2023. Disponível
em:https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/11/reflexoes-sobre-as-tendencias-de-
ensino-contribuicoes-para-praticas-pedagogicas-no-campo-da-geografia
SAVIANI, D. A pedagogia no Brasil: histórias e teorias.2.ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2012.

SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica. 10ª ed. Campinas: Autores Associados, 2008.

STRAFORINI, R. Ensinar Geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais. 2ª ed.


São Paulo: Annablume, 2004.

VESENTINI, J. W. Para uma geografia crítica na escola. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2008.
Publicado em 13 de Abril de 2023

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