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Copyright © 2021 por Mellody Ryu

Vendida ao Sultão | 1ª Edição


Todos os direitos | Reservados
Livro digital | Brasil

Esta é uma obra de ficção.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos aqui são produtos da imaginação do autor.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida por qualquer forma ou por
qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou outros métodos eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia
autorização por escrito do escritor, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões críticas e alguns
outros usos não-comerciais permitidos pela lei de direitos autorais.

Capa: Mellody Ryu


Revisão: Amélia Alik Zumba
Nina Cavalcante
Nay Sartor
Diagramação: Mellody Ryu

O artigo 184 do Código Penal tipifica como crime, apenado com detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano,
ou multa, a violação de direito de autor. Pela Lei nº 10.695/2003 incluiu, em seu tipo penal, a violação dos
direitos conexos aos direitos de autor, que são aqueles relacionados aos artistas intérpretes ou executantes,
aos produtores fonográficos e às empresas de radiodifusão, conforme o disposto nos artigos 89 a 96 da Lei
nº 9.610, de 19.2.1998 ("Lei de Direitos Autorais"), mantendo-se a mesma pena.
SUMÁRIO
SINOPSE
NOTA DA AUTORA
DEDICADO
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
EPÍLOGO
EXTRA 1
EXTRA 2
AGRADECIMENTOS
LIVRO FÍSICO
OUTROS LIVROS DA AUTORA
SOBRE A AUTORA
SINOPSE

ELA SE TORNOU A PROMETIDA DE UM PRÍNCIPE.


Ayla era muito nova para saber sobre o amor, muito nova para
entender muitas coisas, mas o olhar e o sorriso de Khalid, o príncipe de
Anatólia, ficariam gravados em sua mente, mesmo que ela não quisesse.
Entretanto, o primogênito do sultão Fahir teve o sorriso arrancado de
seus lábios e passou a desejar vingança, disposto a qualquer coisa para
alcançar seus objetivos, mesmo que para isso, ele tivesse que começar uma
rebelião.
Contudo, ele jamais esqueceu o olhar tímido e desafiador daquela
linda jovem.
Ayla, por sua vez, tivera a sua vida virada ao avesso. Seu pai fora
morto em uma disputa de poder e ela se tornou uma escrava sem esperanças
para o futuro, até ser vendida ao Sultão e se ver em um contrato de casamento.

+18 - Este livro contém violência física e psicológica.


NOTA DA AUTORA

Olá, Leitores(as)
Sejam bem vindos ao meu livro “Vendida ao Sultão”, que foi um grande desafio
para mim, envolvendo, o estudo sobre uma cultura tão diferente da minha.
Assim como a forma de escrita e evolução de enredo, me desafiando ao limite. E
após tantos meses, consegui encontrar o equilíbrio entre o que estudei e a licença
poética, para trazer apresentá-lo como eu queria para vocês.
Inspirada no “Império turco otomano” e a forma de narração na forma em que
“Mil e uma noites” fora contata. Tendo em vista a realidade e perspectiva do
povo na época, significa que haverá; cenas de violência, tortura física e
psicológica. Morte, sexo, contestações reflexivas voltadas a sociedade e religião.
Embora não seja o nosso protagonista que causará mal a nossa mocinha,
respeite os seus limites de leitura.
Reforço que tudo era resolvido por meio de lutas, guerras e que você se via de
fato livre de seus inimigos, quando tivera certeza que eles estavam mortos.
Mulheres não eram respeitadas na época, sendo comercializadas de forma direta
ou indireta, através de acordos. E eu não compactuo e não concordo com isso. É
um livro fictício e seu único intuito é o entretenimento.
Tenham uma boa leitura.
Att
Mellody Ryu
DEDICADO

A todas(os) aquelas(es) que atravessaram tantos desafios quanto possíveis nesta


vida, se viram sem rumo, desiludidas(os), menosprezadas(os) e obrigadas(os) a
lutar para se manter lúcidas(os) em meio ao caos. E que mesmo assim, com
todas as adversidades, são fortes o suficiente para se permitir amar de todo
coração.
INTRODUÇÃO

Em um tempo não tão distante, na Ásia menor, conhecida como


Anatólia, Turquia. Um lugar rico em água, banhado pelo mar Negro ao norte,
mar Mediterrâneo, ao Sul Mar Egeu a oeste e o mar de Mármara a noroeste.
Imperava-se um sultanato, mas não qualquer um. Neste tempo este lugar fazia
morada do homem que comandava todo o Império Otomano.
O império Turco otomano no noroeste da Anatólia na vizinhança de
Bilecik e de Söğüt. Foi fundado por tribos turcas nômades se fazia comum o
casamento entre povos para poder favorecer o império.
Haréns eram comuns, destinados às mulheres que serviam ao sultão.
Entre elas, estavam suas esposas, mãe, filhas e escravas, ou concubinas, que
eram responsáveis por cuidar das tarefas domésticas do palácio. Por isso, o
harém não era algo similar a um “mundo das maravilhas” que todo homem
almeja, com mulheres nuas ofertando-se a ele em uma grande balbúrdia, havia
uma rígida hierarquia. No topo sendo a mãe do Sultão, a Valide Sultana. Então
suas esposas legais, geralmente eram três, concubinas e as odaliscas.
Nesta história que vou lhes contar, falaremos sobre um jovem príncipe
e a sua prometida, que foram destinados um ao outro antes mesmo do
nascimento.
Um príncipe que com imensa dificuldade, anos e planos, tornou-se o
sultão em busca de sua vingança expurgando o mal do palácio. E a sua
prometida, que sobreviveu a anos de tormenta, igualmente pela promessa de
vingança aos seus malfeitores, tornando-se a “flor do deserto” quase uma lenta
viva, da mulher mais bela do império.
Eles realizarão suas vinganças, resistirão aos desafios e eles se amarão
tanto a ponto de serem capazes de abdicar de tudo se preciso for, em nome do
amor.
Um romance inspirado em “Mil e uma noites” lhes espera em: Vendida
ao sultão
PRÓLOGO

A EMOÇÃO MAIS PURA.

Em algum lugar em meio ao deserto, próximo à Bagdá, a poligamia era


reconhecida e neste país, assim como em vários próximos, muitos homens
exibiam o seu poder e fortuna ao manter um grande harém. Assim, mulheres
eram vistas como itens valiosos, sendo usadas muitas vezes como mercadoria de
troca.
Ayla em seus dez anos, era muito nova para entender, já que sempre fora
criada com muito zelo. A pequena flor do deserto, que como dizia seu pai:
Nascera para trazer esperança a todos que se perdem no caminho. Contudo,
independente da estima pela filha, o seu destino estava selado desde que nasceu.
Casaria com o príncipe herdeiro de Anatólia[1] para firmar um acordo de paz.
Talvez nunca viesse a se tornar sua esposa legal, quem sabe não mais que uma
simples concubina, mas algumas pessoas tinham certeza que a pequena menina
viria se tornar a esposa legal do príncipe e assim se tornaria a mulher mais
influente do seu povo, trazendo assim, prosperidade.
Ela fitava o horizonte com grande expectativa e não via nada além de
areia. No entanto, seguia esperançosa para que o seu prometido surgisse logo,
pois o falcão real já tinha sido enviado no nascer do dia, anunciando que ele logo
chegaria.
Após a ave chegar, a correria fora sem tamanho. Arrancaram-na de sua
cama e começaram a arrumá-la para recebê-lo. Além disto, disseram-na para se
comportar, pois era de suma importância para toda a tribo que este casamento
acontecesse.
O sol já estava a pino no pior horário possível para ficar esperando
alguém, mesmo sob uma tenda. Seu pai comentava preocupado, que talvez algo
pudesse ter acontecido com o príncipe Khalid. Já estavam esperando há horas e
ele não aparecia em lugar algum. Irritada e entediada, Ayla não pensou que dar
uma pequena escapulida seria um problema, pois se ele não havia chegado até
aquele instante, provavelmente não chegaria no momento seguinte, durante sua
ausência.
Esgueirou-se sem que fosse notada por entre os adultos e fugiu para
dentro do oásis, onde fora em busca de água fresca e quem sabe, se desse sorte,
encontraria algo para comer e amaciar o estômago que lhe incomodava
insistentemente. Uma Tâmara, quem sabe. Pensou. Sentia-se chateada devido às
regras tolas que a oprimiam de comer antes do príncipe, em um gesto de
educação.
E este tal príncipe que não chega nunca! Pensou, irritada.
Os adultos esperavam pelo príncipe com extrema ansiedade, ao ponto de
não notarem sua ausência. Ao chegar onde desejava, Ayla abaixou-se
tranquilamente para pegar um pouco de água com as mãos e refrescar-se, no
entanto, para a sua completa surpresa e horror, viu uma grande sombra se fazer
atrás dela. Seu espanto foi tamanho que se desequilibrou e caiu dentro da água.
No primeiro instante pensou que sua vida deveria chegar ao fim naquele
momento, então nem se dera ao trabalho de virar e olhar nos olhos de seu
assassino. No entanto, como o golpe mortal jamais chegou, e com a sua
curiosidade que, como sempre, imperava, Ayla tomou coragem de se virar para
olhar o responsável pelo susto, mas ao olhar não encontrou alguém de outra tribo
ou do harém… Deparou-se com um culpado inesperado e quando se deu conta
de quem poderia ser, julgou muito pior que qualquer inimigo pronto para matá-
la. O sangue fugiu da sua face, algo dentro dela estremeceu e então engoliu em
seco.
Todos menos ele, por favor! Ayla implorava internamente, lembrando-se
das ordens que recebeu sobre não se desarrumar. Mas tudo batia com o que as
meninas disseram: “de uma beleza esplendorosa, com os traços fortes da sultana
Honde". Os cabelos eram negros como a noite, porém brilhantes e longos,
absolutamente lisos. Alto para idade e com o corpo forte como o do pai em sua
juventude. Diziam, no entanto, que embora fosse o príncipe, era alguém que
gostava de se vestir de maneira mais simples, a única coisa que o delatava era o
tecido de uma qualidade superior e as joias de rubi em suas orelhas.
Não poderia ser mais ninguém além do príncipe Khalid! Ayla concluiu,
apavorada e autoconsciente do seu estado atual, preocupada com o que seu pai
falaria.
Todavia, ao mesmo tempo em que os olhares estavam fixos um no outro,
ela pode ver a profundidade dos seus olhos negros. Ele não deveria ser tão mais
velho que ela, além disso, talvez mesmo em roupas rasgadas, tudo nele delataria
quem é. Concluiu ela.
Contudo, o encanto que Ayla sentiu por ele se desfez quando o mesmo
abriu um lento, mas maldoso sorriso, divertindo-se ao ver o estado dela.
Causando um grande abalo ao ego da pequena, além do encanto ser esquecido, a
antipatia fora criada. Molhada e caída, seus cabelos desarrumados agora com
algumas mechas coladas em seu rosto. A menina tinha a certeza de que estava
em um péssimo estado, mas nunca aceitaria ser tratada com deboche, nem
mesmo pelo príncipe de Anatólia.
Cortez, Khalid estendeu sua mão para ajudá-la a levantar, entretanto, o
sorriso ainda estava lá e ela não poderia confiar nele.
— Pequena prometida, sabe que não deveria brincar na água, não é?
— Meu nome é A-y-l-a! — exclamou, mesmo assim pegou a mão dele.
Um tanto truculenta como um garoto, mas autêntica. Isso agradava e divertia o
príncipe, fazendo-o sorrir ainda mais por causa do temperamento da garota. No
entanto, enquanto o rapaz tinha esses pensamentos, Ayla estava planejando o que
fazer, pois a mesma não deixaria isso passar, não pegaria sua mão sem a intenção
de ferir o ego dele como fez com o dela. A pequena vingativa tentou cair de
novo na água levando-o com ela, mas seu plano fora em vão, pois ele passou a
mão pela sua cintura e a trouxe mais próxima de seu corpo.
Ele ainda tinha o sorriso nos lábios e devido a forma como a segurou,
seus olhos ficaram fixos um no outro. O coração da pequena menina batia
fortemente contra o peito, era a primeira vez que um menino ficava tão perto
dela e não tirava os olhos dos seus. Ayla sabia que seu rosto estava em chamas e
que ele tinha percebido isso. O sorriso dele foi crescendo em seus lábios,
enquanto ele ameaçava se aproximar mais, a constrangendo.
— Cuidado, pequena prometida... — começou ele, porém levantou o
olhar por meio segundo, e pouco atrás dela, Khalid viu uma movimentação,
estreitando os olhos, viu a ponta de uma zarabatana[2].
Por impulso o jovem rapaz a jogou no chão sem qualquer zelo e puxou o
[3]
sabre que portava em sua cintura, indo em direção ao inimigo sem olhar para
trás. Valente, desferiu um golpe na arma e a jogou longe.
Ayla, que por sua vez não entendia nada o que estava acontecendo,
apenas viu o príncipe jogando-a de volta na água e pulando por cima, indo atrás
de alguém. Pouco tempo depois, é pega de surpresa quando um instrumento que
ela desconhecia cai ao seu lado.
Sem compreender quem ou que o deixaria em tamanho alerta, a menina
arrastou o seu olhar na direção do alvo de Khalid e o seu coração errou a batida.

Khalid via-se tomado pelo mais forte instinto de proteção que um dia já
sentiu. Quando viu a menina dos olhos azulados mais bonitos que já vira em
risco, seu corpo moveu-se por puro impulso, jogando-a para o lado e indo em
sua defesa. Desarmou o homem que a colocava em perigo, com facilidade. No
entanto, o homem era rápido e rodopiou o sabre em sua mão para num segundo
golpe o acertar em cheio. O oponente se mostrou mais rápido, pois já tinha
desembainhado seu sabre e defendeu-se. Como se não fosse o bastante, outro
homem surgiu logo atrás dele vindo também em sua direção.
Não tendo outra opção senão apenas defender-se dos golpes desferidos
pelos dois, por impulso, Khalid olhou em direção à menina em um rápido
movimento, para saber se ela já tinha saído dali. Contudo, a pequena
amedrontada não havia movido-se e pior que isso, percebendo a brecha
impensada que o príncipe deu, um de seus inimigos viu a oportunidade de
desferir um golpe na altura do seu rosto e por sorte, o príncipe conseguiu safar-se
do mesmo, desviando, mas não a tempo de evitar fazer uma fina linha em seu
rosto com o corte do sabre de seu inimigo.
Um fino grito de horror ecoou, vindo de sua prometida, este que causou
certa diversão em seus adversários. Vangloriando-se entre si, ambos sorrindo em
pura vaidade. E neste momento de vulnerabilidade pelo ego deles, Khalid
rodopiou em seu lugar, abaixando-se ao mesmo tempo em que erguia a sua
perna, acertando com a parte traseira do pé, as mãos de seus oponentes.
Aliviando a pressão deles ao segurar seus sabres, não obstante para desarmá-los,
mas o suficiente para que tivesse brecha para no fim do rodopio usar a força do
impulso do giro para desferir um corte profundo na altura do peito de ambos.
Seus corpos penderam para trás, devido à dor, um deles caiu sentado no chão.
O som do tilintar de seus sabres chamou atenção daqueles que estavam
nas proximidades, o príncipe escutou sons de passos aproximando-se, todavia,
não era o único a ouvir. O primeiro atacante que havia caído no chão,
covardemente apanha um pouco de areia e joga na direção do jovem herdeiro.
Este que não teve tempo de cobrir o rosto, acaba com seus olhos e a ferida feita
em sua face anteriormente, ardendo. Os oponentes aproveitam a oportunidade
para fugir.
Khalid, que era um príncipe valente na mesma medida em que era
teimoso, deu um passo em direção a eles, mas foi impedido quando sentiu uma
mão em meu ombro. Por instinto, virou-se erguendo o seu sabre, com a visão
ainda um pouco afetada, não conseguiu identificar de imediato quem era, no
entanto viu-se com o sabre parado, encostado suavemente no pescoço de sua
jovem prometida, fazendo um corte superficial no mesmo, uma pequena gota de
sangue brotou ali.
Arrependido, o príncipe tira o sabre de perto dela, enquanto Ayla,
petrificada, nem sequer falara algo e apenas engolira em seco, ao mesmo tempo
em que algumas lágrimas surgiam em seus olhos. Khalid deixa o sabre cair no
chão, e ao perceber que as pernas dela fraquejaram, ele a segura, impedindo que
a mesma caísse.
— Perdoe-me por assustá-la, pequena. Mas não deveria tocar em um
homem quando este empunha um sabre... — disse o jovem rapaz com a voz
contida para acalmá-la.
Como se sua fala a trouxesse de volta a si, Ayla ergueu-se nas pontas dos
pés, ao mesmo tempo, em que levantava a mão à altura do rosto dele, usando um
pedaço de suas vestes para limpar o fino risco de sangue ainda úmido na face do
príncipe.
— Eu que devo desculpar-me, vossa alteza... — então a fala dela é
cortada quando as pessoas chegam, mas não apenas isso.
Khalid percebe que ela novamente se petrifica e quando a observa de
cima abaixo, nota uma cobra passando sobre os pés de sua prometida.
Sem muita preocupação, até de forma descuidada, o rapaz a solta, se
abaixa, pega a cobra pela cauda e rapidamente a arremessa o mais longe que
pode. Ayla fica em absoluto choque e ele sorri.
— Me parece pequena prometida, que me dará algum trabalho — disse
ele achando graça, ao vê-la corar novamente. Despreocupadamente, o rapaz
encantado pela inocência dela, ergueu uma mão e pegou uma madeixa de seus
cabelos longos e levou próximo ao rosto para cheirá-lo.
— Príncipe! — exclamou ofegante, o conselheiro do sultão Fahir, que
fora o encarregado de acompanhá-lo naquele encontro — O que aconteceu? Não
o encontrávamos...
— Ayla... Onde você estava? Estávamos... — sua mãe veio falando, mas
parou levando a mão à boca.
Diversas pessoas estavam com eles e tiveram a mesma reação. Então um
silêncio reinou. Todos abismados olhando os dois tão próximos. Ayla molhada e
coberta de areia, com o rosto corado em meio a toda sujeira, enquanto o príncipe
herdeiro, se encontrava sujo, mas apenas nas suas vestes, na parte da frente, onde
manteve sua prometida em seus braços anteriormente, ademais possuía um risco
de corte em face, como prova da luta travada. Ao mesmo tempo, mantinha-se
segurando uma mecha de cabelo da menina com um sorriso em face.
Certamente não era algo que se via todos os dias. Nem Ayla ou Khalid
sabiam exatamente como começar a se explicar, tão pouco tiveram a
oportunidade. Assim que o torpor de surpresa de todos passou, foram separados
para terem os devidos cuidados e voltarem a ficar apresentáveis. Os responsáveis
de Ayla obviamente perguntaram o que houvera e fora chamada a atenção por ter
escapulido e que talvez isso não tivesse acontecido se ela apenas obedecesse às
ordens. Nada pior aconteceu, pois o próprio príncipe interveio em um pedido de
desculpas por atrair assassinos a tribo.
Mesmo que ele não tivesse certeza sobre por quem foram mandados,
Khalid não podia deixar fazerem mal à frágil menina que agora estava sentada
obedientemente em seu lugar cabisbaixa.
— De alguma forma descobriram sobre minha visita hoje, por isso seria
imperdoável que ela sofresse quaisquer males por minha culpa.
Era de domínio público o conhecimento de que o jovem príncipe era
bravo e valente, que tinha muito interesse em lutas com sabres, honra e glória.
Inclusive, uma de suas metas era se tornar o melhor com espadas do império.
Dado a pequenas aventuras heroicas, por onde passava, o rapaz fez uma fama
sobre si. O que fez os mais velhos suspirarem e aceitarem as suas ações em
conjunto de sua prometida.
— Vossa alteza, será um grande sultão. Não há dúvidas — disse
amistoso o pai de Ayla, tentando desfazer a tensão formada.
Entre todas as regras da oficialização do noivado e formalidades, Khalid
não conseguia tirar da mente o brilho do claro olhar de Ayla. Ansiando que ela
olhasse em sua direção, suas preces pareciam ter sido atendidas, pois a menina
virou o seu olhar ao príncipe no mesmo instante e o rubor doce que cobria sua
delicada face o fazia acreditar que casar-se com ela não seria tão mal. Tirou um
de seus brincos e mandou um de seus homens entregar de presente a ela. Ele
pode ver os olhares, enquanto seu presente fora recebido com surpresa, não
apenas por ela, mas por todos.
Talvez estivesse sendo sincero demais diante de tantas pessoas, mas já
não se importava. Sentia-se docemente cativo pela jovem menina que seria sua
esposa, companheira e... Por que não, sua diversão e dor de cabeça, enquanto se
envolvia em situações perigosas. Ponderou, bem-humorado.
Infelizmente, para o nosso casal, a paz durará um curto tempo, fazendo-
os acreditar que talvez este dia turbulento não passasse de um sonho agradável,
doce e surreal. Suas vidas mudariam drasticamente e eles não faziam ideia do
quanto.
CAPÍTULO 01

INFORTÚNIO: O DESTINO POR VEZES PODE SER CRUEL

Dias depois…

A yla estava encontrando dificuldade para dormir. Algo que se repetia nas
últimas noites, desde que conhecera o seu prometido Khalid. Ela não
conseguia evitar se sentir abalada ao recordar os curtos momentos em
que estiveram juntos, o sorriso dele a assombrava, fazendo seu coração palpitar
loucamente. Assim como o toque em sua cintura e o seu olhar sempre direto,
como se pudesse ver a sua alma.
Inconscientemente, Ayla levava a mão ao brinco que ganhara,
acariciava-o com o polegar e um sorriso tolo em seu rosto. Desde que o ganhara,
passou a usar apenas ele em sua orelha, negava-se veemente a tirá-lo, até mesmo
para dormir.
Perdida em memórias do herdeiro, olhava a fresta de sua tenda, em que a
luz da lua entrava como um bonito feixe, trazendo uma sensação de encanto,
similar ao que sentia em seu estômago quando Khalid sorria para ela.
Ayla suspirou sonhadora, mas de um momento para o outro, tudo
mudara!
A calma que tomava a noite fora arrebatada pelos gritos de horror que
adentravam os seus ouvidos e ressoavam em sua mente. A luz que emergia na
tenda escura oscilava conforme as pessoas passavam apressadas diante dela.
Ayla não sabia o que estava acontecendo, mas seu corpo todo se retesou. Ela não
conseguiria ficar ali parada e encolhida, sem saber o que se passava. Reunira
coragem em um profundo puxar de ar, para caminhar até a fresta da tenda e
espiar de fato o que se passava.
Com seus pés descalços, caminhou em direção à luz, mas assim que
estava prestes a ver o que ocorria, alguém apareceu. Um homem alto, forte e
assustador, vestido com algo semelhante a uma armadura e um rosto
parcialmente coberto por um tecido negro.
Ayla podia ver o brilho maligno em seus olhos e quando ele se abaixou
suavemente estendendo a mão em sua direção, ela dera um passo para trás por
puro instinto, mas o que nem a menina ou o homem esperavam, era um golpe
certeiro em sua cabeça com uma lança, onde a ponta transpassou pela orelha e o
matou instantaneamente, fazendo-o tombar para o lado. Amedrontada e
horrorizada, a jovem sentiu suas pernas vacilarem e caiu no chão,
completamente em choque.
Safirah, a irmã mais velha de Ayla, de repente apareceu pela fresta da
tenda, entrando no local abruptamente olhando para todos os lados como se
procurasse por algo ou alguém. Ela estava com as suas vestes rasgadas e sangue
respingado por todo o seu corpo. Ayla sobressaltou-se ao vê-la, já que a última
notícia que tivera da irmã, fora que estava grávida e passara os últimos dias um
tanto afastada do contato com os demais para ter o final de sua gravidez
tranquila. Mas longe de toda e qualquer tranquilidade, Safirah estava
transtornada voltando seu olhar aflito para Ayla. Logo que se aproximou da
menina a segurou pelos ombros e a olhou com atenção de cima a baixo.
Ao constatar que Ayla estava bem, suspirou aliviada e disse:
— Minha pequena Ayla, precisamos esconder você!
As palavras de Safirah, mal entraram nos ouvidos de Ayla, que ainda
estava em choque a encarando, diante de seus olhos tudo parecia estar passando
na mesma lentidão dos beduínos no deserto, como se ela não fizesse parte do
cenário e fosse apenas uma mera espectadora. A jovem mulher, com pressa e
sem dar muito mais tempo para a menina reagir, segurou-a pelos braços, como se
não pesasse nada. Caminhou com Ayla até a arca, colocando-a no chão apenas
para poder tirar de dentro algumas coisas e assim que o fez, colocou-a dentro.
Sem contar os gritos e sons aterrorizantes que vinham de fora da tenda,
um silêncio pesado se instalou entre as duas.
Safirah, antes de fechar a arca, contemplou Ayla encolhida lá dentro e
uma lágrima solitária rolou por sua face, querendo guardar uma última
recordação da menina, sabendo de seu próprio destino, contemplou por rápidos
instantes aqueles olhos incríveis. Engoliu em seco e num segundo que parecia ter
levado uma eternidade, levou a mão para dentro de suas vestes e de lá, tirou
alguns papéis e os colocou dentro da roupa da irmã.
— Ayla, mantenha-se abaixada e escondida. Não saia por motivo
nenhum… Fique bem, minha menina — disse enquanto concluía com a voz
embargada.
E essas foram as últimas palavras que Ayla escutou de sua irmã.
Após a tampa da arca ser fechada, muito barulho escutava-se próximo
dela. Muitas vozes desconhecidas se faziam presentes, a tenda havia sido
invadida, mas a cabeça da garota estava tão transtornada pelos eventos que se
desenrolava de forma caótica naquela noite, que nenhuma palavra parecia fazer
sentido. A única coisa que a fez despertar do torpor, foi o som de um grito
feminino agudo e seguido de algo pesado caindo no chão.
Sua irmã estava morta, Ayla tinha certeza.
Lágrimas brotaram em seus olhos somente quando a última frase da irmã
finalmente tivera sido assimilada.
Fique bem, minha menina...
Fique bem, minha menina...
Fique bem, minha menina...
Ela sabia que seria morta! O pensamento gritou na mente de Ayla,
paralisando-a. No lugar de proteger a si e o bebê que estava em seu ventre,
Safirah foi ao encontro de sua irmã. O conhecimento disto a deixou transtornada,
ao ponto em que soluçava compulsivamente de tanto chorar.
Seu choro fez sua presença ser percebida pelos invasores, eles se
entreolharam e seguiram a origem dos soluços. E tão logo que descobriram a
origem dos sons, avidamente abriram a tampa da arca, sorriram perversamente,
como lobos famintos que encontram a presa perfeita para a próxima refeição. O
medo a fez se encolher ainda mais, escondendo o seu rosto entre seus joelhos,
abraçando-se com muito mais força, como se isso pudesse protegê-la de seus
algozes, mas eles sem qualquer traço de piedade, agarraram seu braço direito, o
apertaram com força ao ponto de machucá-la e fazê-la soltar um gemido de dor.
Ayla soltou as suas pernas na tentativa de se soltar, ao mesmo tempo em que
choramingava a sua dor.
Ergueram-na a altura dos olhos, apreciando novo prêmio encontrado,
segurando-a por apenas um braço. Ayla fugiu do olhar deles. Se o primeiro que
tinha aparecido em sua tenda parecia um homem cruel, estes certamente não
seriam diferentes. E Ayla tinha medo de ver sua própria morte refletida na íris
dos olhos daqueles homens que a observavam e debochavam de sua fraqueza e
corpo frágil.
— Não iremos matá-la criança... — falou rudemente um deles —
Apenas vamos brincar, menininha.
Eles pareciam ser loucos, demônios vindos do outro mundo para trazer
infortúnio. Os homens seguiram falando coisas para ela, como se não pudessem
fazer nada para evitar que brinquedos eventualmente quebrassem. Ayla sentiu
uma forte pontada no peito ao pensar em sua irmã morta, sua ira falou mais
forte que sua prudência, então os encarou e começou a gritar para que calassem
a boca, mas assim que seus olhos encararam os deles, o humor morreu. Ayla se
viu em choque, com todas suas palavras tomadas de seus lábios, assim como
eles, ela os olhava embasbacada.
Já não apresentavam risos ou gracejos irônicos, ninguém tinha coragem
de falar qualquer coisa enquanto se entreolhavam. Ayla não pôde evitar de sua
raiva esvair-se da mesma forma abrupta em que se sugira.
Fora chocante, estes homens cruéis diante dela, os mesmos que haviam
matado sua irmã e que estavam atacando toda a sua tribo, tinham os mesmos
olhos que ela! Entre seu povo era comum olhos negros, alguns verdes ou
amarelados, mas somente Ayla tinha olhos azulados tão claros quanto o céu.
Ela não sabia o que falar, então se manteve em silêncio tanto quanto eles,
mas o silêncio não imperou por muito tempo, de um momento para o outro, a
jogaram no chão com brusquidão, como se ela fosse algo sujo e repugnante.
Logo os homens começaram a discutir em um idioma que ela não conhecia. Ayla
se encolheu contra a arca, temendo que eles voltassem a sua atenção para ela e a
matassem. Ponderou fugir, mas por onde? Ela buscava com os olhos algum
caminho que pudesse tomar, mas não encontrava.
Em sua busca de fuga, Ayla viu algo semelhante a um pé e se abaixou
para tentar ver melhor. Deveria ser sua irmã… E sentia tanto por ela. Uma dor
rompeu seu coração novamente, mas Ayla conteve o choro. Neste momento, os
homens pareceram lembrar-se dela, pegaram-na pelos cabelos e a arrastaram sem
rodeios para fora da tenda. Sem qualquer chance de poder ver o corpo da irmã ou
pensar em qualquer coisa mais.
— Vamos lá para fora, não se debata — disse um dos homens que a
arrastavam.
Assim que saíram, começaram a gritar, chamando os outros homens que
faziam parte daquela corte de demônios da morte. Pior que o pavor imposto pelo
seu destino incerto, fora a visão dos corpos caídos por todos os lados, inertes.
Entre eles os de sua família: sua mãe estava caída com o braço esticado em sua
direção, assim como o seu pai um pouco mais próximo à entrada de sua tenda.
O grito escapou dos lábios de Ayla antes que ela pudesse conter. A dor
no peito explodindo muito mais forte do que pela irmã, uma dor que ela jamais
imaginou que sentiria, seu peito rasgava e suas lágrimas pareciam queimar ao
rolar por sua face.
Todos aqueles que chamava de família estavam mortos.
Tudo estava banhado em sangue, como a visão do próprio inferno.
Algumas tendas rasgadas, outras pegando fogo... Jamais havia visto ou
presenciado algo assim. Apenas ela e mais algumas jovens garotas estavam
vivas. Todas, assim como ela, tinham o terror estampado em suas faces sem cor
e suas vestes regadas com sangue, contudo, diferente delas, Ayla era a única
ainda limpa e sem qualquer ferimento.
Mas talvez entre todas, era a que mais desejava estar morta também. Não
queria viver em um mundo onde não tivesse presente aqueles que ela amava, não
queria viver com aquela lembrança de todos mortos de forma vil. Só queria que
isso acabasse logo. Ayla se debateu e provocou o homem que a segurava até que
ele estapeou a sua face e a jogou como se não passasse de uma boneca sobre as
demais meninas da tribo que ainda estavam vivas.
Elas choravam e murmuravam por socorro ou qualquer tipo de salvação,
mas a dor no peito da pequena menina valente era ainda mais forte do que o
desejo natural de salvação. Ela tentou se levantar, mas um dos homens próximos
ergueu o sabre em sua direção, o que a fez se retesar no lugar. Ainda que
desejasse morrer, não tinha coragem de dar mais um passo. Seu corpo não
obedecia, simplesmente não reagia.
— A coragem acaba na frente de uma espada, não é? Contenha-se,
menina, se não sua cabeça irá rolar! — calmamente, disse o homem que lhe
apontava o sabre, com um profundo e gélido olhar.
Outro homem veio com correntes pesadas de ferro e prendeu todas as
meninas uma às outras, incluindo Ayla. Eles ainda discutiam e por vezes
olhavam em sua direção. E desta vez, não importava o quanto seu peito doía,
Ayla não chorava. Mas parecia estar morta dentro de um corpo ainda vivo. Todas
as meninas foram jogadas em uma carruagem de escravos com grades grossas e
um cadeado, nada mais. Algumas choravam e pediam por misericórdia, outras
estavam em silêncio conformadas. Ayla manteve-se em silêncio, sentindo-se
quebrada demais enquanto a carruagem partia e ela via os corpos de todos seus
familiares no chão e as tendas em chamas.

A noite estava demasiadamente fria, os minutos pareciam horas, e Ayla


em determinado ponto, sentia-se exausta demais para se manter acordada por
muito mais tempo, caindo em um pesado sono. Despertou apenas quando o sol já
estava à vista e queimava a pele mal coberta dela. Em um vestígio de
humanidade, jogaram uma espécie de manta sobre a carruagem e assim as
garotas tiveram alguma sombra para tentar se abrigar do sol escaldante.
Mais tarde, quando já era noite novamente, os homens pararam a viagem
para poder descansar. Por muitos dias e noites, as mesmas coisas ocorreram.
Ayla já não sabia quantos dias haviam se passado ou em que direção estava indo.
Serviram-nas com algum pão e nada além de alguns poucos goles de
água. A pequena Flor do Deserto sentia-se fraca demais para lutar ou tentar
fugir, e mesmo se o fizesse, para onde iria em meio a um deserto que nem sequer
sabia em que direção seguir?
Por vezes, mandavam algumas delas dançar para distraí-los.
Obviamente, nem todas eram dançarinas das mais surpreendentes e isso resultou
em algumas chibatadas. Porém, tudo mudou quando uma das meninas recebeu
uma chicotada no rosto, o que provavelmente daria a ela uma cicatriz que lhe
impediria qualquer futuro bom, Já que o rosto de uma mulher é tudo o que ela
tinha a oferecer
Contendo sua fúria, Ayla sentiu a dor na palma de suas mãos que se
fecharam em punho, para daí respirar profundamente, tentando se acalmar e
assim poder tomar uma atitude. Resolvera aproveitar da melhor educação que
recebeu para protegê-las e tentar salvá-las. Assim, em busca de tentar amenizar a
ira dos homens e proteger as meninas, ela mesma dançava, recitava poemas que
sua mãe repetia para ela, contava histórias passadas através das gerações. Com a
ira dos homens sob controle, também conseguia um pouco mais de comida que
dividia com as demais. A vida não parecia seguir um bom destino para elas, mas
se pudesse fazer algo para suavizar... Ayla tinha certeza de que ao menos iria
tentar.
Os homens a forçaram a dançar como uma odalisca [4]mesmo para sua
pouca idade, também a ensinaram a dançar com espadas. Pareciam gostar dela e
querer investir mais em aumentar o seu valor, no entanto, Ayla pensava nisto
como uma oportunidade de poder atacá-los em algum momento antes de
chegarem ao destino deles.
E de fato ela tentou, acertando um deles com a espada, mas ele revidou e
a golpeou fortemente jurando vingança. Contudo, os outros homens não
deixaram e falaram novamente em uma língua que ela não conhecia.
— Levem-na para a carruagem e a deixem sem comida hoje, isso deverá
ensinar uma boa lição! — ordenou o mais forte dos homens ali presentes.
E assim foi naquela noite, Ayla não se sentia segura para dormir, pois
enquanto era arrastada à carruagem, podia ver os olhos do homem que a golpeou
ainda fixos nela, com um olhar de profundo rancor.
Todas as garotas se encolhiam como sempre faziam, apoiando-se umas
nas outras para se abrigar do frio e tentar se aquecerem. O frio intenso fazia
Ayla sentir muito sono, mas lutava contra ele, temendo um ataque por vingança.
Todavia, quando quase se rendeu a ele, o som de gritos e ruídos tão familiares a
espantou. E seu único pensamento era o de que estava de novo no inferno, mas
na verdade era uma nova situação e não se sentia pronta para reviver tudo.
Quais desafios Alá tinha para ela, não sabia, o que era de seu
conhecimento imediato é que não se sentia preparada para qualquer prova nova
que lhe fosse imposta.
Talvez, desta vez, de fato perderia a vida, afinal, fora a única coisa que
lhe restara para perder. Contudo, a luz de uma chama parecia aproximar-se da
carruagem, fazendo com que as meninas tremessem de medo e choramingassem.
O manto que as cobria impedia de ver o que acontecia lá fora. Ayla viu nas
meninas aterrorizadas a sua própria imagem da última vez e isso a fez criar uma
coragem que ela nem sequer sabia que tinha, determinada em desta vez não se
entregar facilmente.
Sendo ele o desafio que fosse, se Alá tinha reservado este destino, o
enfrentarei com orgulho! Pensou ela. Se ergueu um pouco e tentou através da
grade, levantar o tecido e ver. Mas ao levantar a manta, deu de cara com um
rosto muito perto do seu, olhando em seus olhos.
O grito que saiu pela sua garganta certamente ecoou longe, assim como
o pulo que deu para trás. Seu coração em disparada doía no peito e ela podia
escutar a risada de um homem, uma risada rouca e pesada, que não lhe trazia
qualquer sinal de felicidade.
O homem segurou a manta e a puxou com força, descobrindo toda a
carruagem em que estavam as meninas. Um homem com olhos frios e sorriso
maldoso, que possuía detalhes preciosos em suas vestes, tecido caro cobrindo
cada parte de si, as fitava com diversão e interesse.
— Exatamente o que buscávamos. Aqui homens, vamos levá-las!—
exclamou o homem que tinha o olhar fixo sob as meninas.
CAPÍTULO 02

SHEIK: NEM TUDO QUE BRILHA É OURO.

O homem ordenou que as soltassem e mais que isso, ele mesmo fora
quebrando corrente por corrente com a sua espada, até que todas
estivessem bem. Com medo, as meninas olhavam-no com receio. Mas ao
contrário do que era suposto, revelou-se um salvador, ao menos era isso o que
ele disse a todas as meninas. Contudo, não era o que Ayla acreditava, mas
ninguém lhe escutaria. Não quando elas o olhavam como se fosse um oásis em
meio ao deserto.
As levou para o seu palácio e se apresentou como Sheik Said, um
homem de muitos poderes e posses, mas que infelizmente nunca fora abençoado
com filhos. Ele havia sido informado de que homens maldosos tinham
sequestrado crianças próximas ao seu território, e não poderia perdoar tal ato.
— Vocês não possuem pais e eu não possuo filhos, tomarei todas como
minhas filhas e então poderei fazer por vocês o que jamais tivera oportunidade
de fazer ao meu sangue e carne — Ponderou, pensando em voz alta.
Elas ficaram totalmente emocionadas e embargadas pelo sentimento de
tristeza que ele entoava em suas palavras, contudo, não tivera uma lágrima
sequer rolando pela sua face, notou Ayla.
A maioria aceitou sua proposta com extrema gratidão, agarrando-se a ele
e ao desejo de calar a dor que sentiam em seus corações. Agradeciam a Alá por
ter posto um homem bom como ele em suas vidas. Ayla concordou, porém não o
abraçou e ficou à distância. Se o Sheik notara isso ou não, não demonstrou.
Ayla, que muito escutava às escondidas as conversas dos adultos, nunca
tivera ouvido algo sequer próximo a isso. Falso e enganador, provavelmente
estava mancomunado com os atacantes da tribo para saber sobre elas e no
momento mais propício, pegá-las para si. Ela pensou, sem acreditar em qualquer
um dos sorrisos que lhe eram ofertados.
O Sheik até as renomeou, uma a uma, alegando que assim seria mais
fácil recomeçar suas vidas sem as lembranças tristes daqueles que se foram ao
altíssimo descansar. E que a nova vida que elas teriam seria de pura felicidade.
Ayla, assim não carregava mais este nome e fora renomeada como
Amira. Parecia uma piada, mas não tivera escolha.
— Bem cuidada como uma princesa, Amira, este será seu nome, espero
que goste — Ayla lutava internamente contra o homem. Odiava-o por completo,
sua voz e sua presença. Apenas queria pegar as meninas e sair dali, mas como
não tivera opção, apenas afirmou em silêncio com a cabeça.
Ele percebia que ela havia sido educada com mais zelo que as demais
meninas, embora fosse um tanto geniosa e selvagem. Seus planos para ela
começavam a ser moldados, desde o movimentar felino até seus delicados
traços.
Conforme os dias iam passando, Ayla ia se acostumando a ser chamada
pelo seu novo nome, "Amira", mas jamais se esqueceria de suas origens ou de
como vieram parar naquele lugar, mas o tempo ia passando e o nome Ayla ia se
perdendo na lembrança. Como recordação do passado, ainda tinha o brinco e a
carta, mas não sabia ler. Então, apenas sempre tinha os objetos próximo ao
coração. Mãe, pai, irmãs e todas as pessoas que foram importantes em sua vida
passada, quando ainda era Ayla, a prometida do príncipe de Anatólia.
Tudo parecia perfeito nos primeiros dias, aos poucos todas as meninas
iam se recuperando de suas dores, seus traumas e passando a aceitar melhor a
perda dos seus amados familiares e seus novos nomes. Porém, Amira seguia sem
conseguir, sequer por um momento, acreditar nas palavras do seu "salvador".
Entretanto, sentia-se feliz pelas meninas irem lentamente parando de chorar
todas as noites e tendo menos pesadelos.
Por diversas vezes ela tentou fugir, mas ainda que ele fosse tomado
como um homem "bom", não deixou de açoitá-la, como castigo por tentar fugir.
Ferida, retornava ao dormitório do harém todos os dias.
— Crianças devem ficar com seus pais... — dizia ele.
— Você não é meu pai! — retorquiu ela com desgosto.
— Então, passarei a ser apenas o homem que a cria — disse friamente e
ela sabia então, que aquele era o verdadeiro rosto que ele tanto escondia.
Todos os dias, ele as fazia ter diversas aulas, sejam de boas maneiras,
dança, música ou política. Todas deveriam aprender o máximo de línguas
diferentes, dizendo que seria o melhor que ele poderia fazer por elas e seus
futuros. Quando ninguém via, Amira abraçava a carta de sua irmã e beijava o
brinco que ganhara. Era sua única forma de consolo, pois naquele lugar mais
ninguém a compreendia.
As meninas, desejando que Amira parasse de apanhar, pois já estava
com muitas cicatrizes pelo corpo, pediam que se comportasse. Que ele não era
cruel ou mal de propósito, que ela fazia por merecer os castigos que recebia.
Falavam também que ele era o salvador e estava cuidando bem de todas. Queria
provar a elas o quanto estavam erradas e foi assim que, em uma noite, Amira viu
novamente a verdadeira face de seu falso salvador.
Estava andando pelo palácio do homem, roubando algumas das frutas
mais frescas que lhe foram negadas como castigo, quando caminhou até a ala
leste. Esta que, por mais de uma vez, fora proibida de ir, mas sendo como era,
Amira vira a oportunidade de adentrar o local na hora de descanso do eunuco.
Toda a verdade que se passara por lá, era muito pior do que ela imaginaria.
A primeira visão não era diferente de um harém comum, com diversas
mulheres se apresentando ao seu senhor, para quem sabe ter uma noite com ele.
Porém, se olhasse por mais tempo, poderia ver o que de fato era.
Ele as assistia dançar e em cada erro, as batia em lugares certos em que
não as marcaria em definitivo, o mesmo acontecia a cada uma que tocava algum
instrumento ou recitava algum poema.
— Se empenhe mais! Como poderei te conseguir um bom marido, se não
fizer as coisas direito? Eu vou ter que te dar a um estrangeiro gordo de algum bar
qualquer em troca de alguns barris de vinho? — exclamava ele grosseiramente a
jogando no chão e apoiando seu pé sobre a cabeça da mulher infeliz que
chorava.
— Perdoe-me, meu senhor, dai-me outra oportunidade que farei melhor
desta vez — implorou a mulher com a voz embargada pelo arrependimento.
— Assim espero — falou asperamente ele.
Quando ele se afastava, ordenava que levantasse e recomeçar-se.
Repetidas vezes ela acabava errando ainda mais, tamanho o seu
nervosismo e medo. Todas tremiam e temiam pela ira dele, que detestava
qualquer coisa menos que a perfeição. A pior cena que Amira teve o desprazer
de assistir fora quando uma das mulheres errou o verso da recitação. Ele pegou-a
pelos cabelos e a arrastou até uma pequena fonte e afundou repetidas vezes o seu
rosto na água, enquanto a ofendia de nomes que Amira nem sequer imaginou
que existisse.
Para não arfar qualquer exclamação de horror, Amira levou a mão à
boca, tampando-a.
— Seja por bem ou por mal, todas vocês renderão o retorno equivalente
a mim! E em circunstância alguma permitirei que maculem meu nome! Sou
conhecido por treinar as melhores mulheres e do mais alto nível e menos que
isso, é imperdoável! — ele se virou para todas elas — Voltem a estudar do zero,
em alguns dias irei novamente me certificar se estão qualificadas ou não.
Amira sempre soube, e sorriu satisfeita sob a mão que tapava a sua boca,
não errara seu julgamento. Saiu de seu refúgio cuidadosamente e correu para
poder falar às demais meninas, o mais rápido que pôde, contudo, no meio deste
caminho acabou fazendo barulho ao esbarrar e derrubar uma bacia de metal.
Isto despertou a atenção do Sheik para si e de um momento para o outro,
via-se perseguida pelo homem.
— Amira!!! — exclamara ele em sua busca frenética por alcançá-la.
Embora ela fosse rápida, não era o suficiente para escapar de suas garras.
— Me solte! Eu sabia! Eu sabia! Homem nojento e pútrido! — afirmara
agitadamente ela, furiosamente debatendo-se em seus braços.
— Calada! — dizia ele, enquanto tentava contê-la.
— Não vou me calar! Eu sabia que não deveríamos confiar em você!
Um mentiroso, cruel e covarde! Alá o punirá! Alá fará com que o pecador e
demônio pague por tudo! Ele vê sua crueldade! — Amira gritava.
Alguns empregados passavam um pouco ao longe e, neste momento,
Amira percebeu que todos compactuavam com este monstro.
Mulheres são só objetos, sem importância. Pensou amargurada. Mas não
se renderia, não quando tinha as meninas para proteger. Com esse pensamento,
Amira fingiu acalmar-se um pouco, pedindo ao Poderoso para dar-lhe a força
necessária para fugir e então, ao deixar o homem tentar tapar-lhe a boca, neste
momento, ela aproveitou para morder com toda força a mão de Said.
O sabor do sangue dele invadiu a boca de Amira e ele, devido à dor, a
soltou com força contra o chão.
— Sua prostituta! — gritou ele.
Amira ousadamente sorriu o olhando, enquanto passava a língua nos
lábios, recolhendo o sangue dele que escapava, para então, cuspir próximo aos
pés do homem.
— Você vai pagar por isso! — esbravejou indo para cima de Amira com
seus olhos vermelhos em pura fúria.
Mas por meio segundo, parou e pareceu ponderar o que deveria ser uma
oportunidade em que Amira poderia fugir, mas que não o fez, pois um arrepio
subiu-lhe a espinha, no mesmo instante em que um sorriso tenebroso nasceu nos
lábios de Said.
— Eu tenho um plano melhor para você.
Amira não tivera coragem de perguntar que plano seria este, pois sabia
que não importava qual fosse, tão pouco gostaria. Ele a pegou pelos cabelos e a
arrastando, levou-a para uma de suas torres. Ela gritou por todo o caminho,
fazendo-se ser ouvida por todo o palácio, mas Said não parecia se importar.
Jogou-se no chão e ele a arrastou, ferindo-a contra a superfície áspera. Nas
escadas fora ainda pior, pois ela tentou se travar com as pernas, implorando por
socorro e ele apenas parou de caminhar. Por alguns segundos Amira pensou que
tudo estava acabado, que enfim seria a sua morte.
Ele então se virou para ela e um sentimento de extremo pavor a tomou,
se levantou e tentou correr, mas o Sheik foi mais rápido e a pegou, jogou-a nos
ombros e voltou a subir as escadas.
Said não se importava, nem sequer vacilou. Apenas seguia andando até o
seu destino e quando chegou nele, abriu uma porta e a jogou dentro.
— Aqui será seu novo lar... Amira.
— O que você vai fazer? — perguntou Amira, em uma voz fraca.
Said se aproximou dela e ela se arrastou no chão para trás, tentando fugir
de sua aproximação.
— Tive um plano melhor para você, pequena. Irei criar uma esposa que
até mesmo o sultão irá desejar! Você será o meu melhor trabalho, se tornará uma
lenda e farei você se tornar a mulher mais desejada de todo o império! Você vai
ser o meu caminho para cair nas graças do Sultão — ele segurou o rosto com
apenas uma mão e se aproximou do de Amira e concluiu: — Deveria estar grata
a mim, sua natureza e vivacidade podem ser trabalhadas e sua força será o que a
diferenciará das demais. Existe a possibilidade de se tornar uma favorita.
A face de Amira perdeu a cor e então por meio segundo, lembrou-se de
Khalid sorrindo, como um fio de esperança agarrou-se a essa lembrança como se
tivesse vivido em outra vida distante. Instintivamente levou a mão ao peito onde
continha a carta e o brinco entre os tecidos de sua vestimenta. Ela queria ter a
esperança de que ele a salvaria, afinal era um rapaz corajoso e de bom coração e
que já a salvara, antes de todas as desgraças acontecerem em sua vida, mas seu
fio de esperança estava arruinado diante do olhar cruel daquele homem à sua
frente.
Ela duvidava se conseguiria sobreviver a ele, para pensar em ser salva
por qualquer pessoa.

Os ferimentos de Amira foram tratados com cuidado por uma das servas
do Sheik. Contudo, ela não podia aceitar o destino que lhe ofertavam. Por isso,
tentativas de fuga ocorreram assim como diversos castigos. Fome, chicotadas,
golpes com as mãos e pés, humilhações de diversos tipos.
Dia após dia, Said parecia ter menos paciência e mais prazer em vê-la
sofrer. Desde que ela chegou ao seu palácio, não teve um dia sequer de paz.
Amira fazia questão de ser insuportável, sendo a morte algo mais tolerável do
que viver em desgraça.
Said a princípio não percebia a sua intenção, até um dia em que ele
parecia estar de bom humor, lhe apresentou uma grande agulha. Amira não
compreendia o porquê de ele parecer feliz, isso a fazia estremecer por dentro e
quando ele ordenou que a segurasse, ela se debateu como se sua vida dependesse
daquilo. Seu instinto gritava em desespero, mas seu corpo não era forte o
suficiente para poder se livrar das fortes mãos que a seguravam.
— Você anseia pela morte, menina. Eu sei que fui tolo em demorar a
notar, mas não lhe darei este prazer — afirmou.
Said com suas próprias mãos, enfiava a agulha em alguns lugares em sua
carne e a dor alastrava-se por seu corpo. De um braço a outro ele fez, depois nas
pernas, e por fim segurou-lhe a mão e sob suas unhas a agulha fora enfiada
causando enorme dor e agonia.
— Interessante, não é? Aprendi com um dos meus conhecidos
estrangeiros para o qual vendo tecidos — comentou.
Amira não conseguia responder, pois mesmo com a agulha fora de seu
corpo a dor ainda era pulsante e insistente.
— A partir deste dia, todos os dias será ferida. Até quando eu disser que
está pronta — pronunciou em voz clara e limpa.
E então se aproximou lentamente, sem tirar seus terríveis olhos
castanhos dos dela.
— Se eu fosse você, menina, aprenderia a valorizar mais a vida, pois a
morte é algo que não lhe concederei até estar satisfeito.
— Ifrit[5]… — murmurou Amira. Ela o olhou aterrorizada, não via mais
um homem à sua frente e sim, um demônio. Pensara que era uma das histórias de
sua mãe, mas não, este homem era a própria personificação de um, em corpo
humano.
Em um ágil movimento, ele golpeou-a no rosto e mandou que a
deixassem no chão. Ordenou que lhe tirassem por hoje toda e qualquer
comodidade. Levaram a cama e tudo que lhe desse conforto e ao tentar se mover,
Amira entendeu o porquê ele fizera esses pequenos ferimentos. Não causaram
cicatrizes profundas como das vezes em que ele perdera a cabeça, mas causou
incômodo e dor. Uma eterna recordação à desgraça que fora acometida sobre sua
vida, que independente da dor, ainda estava viva e assim seguiria.
Compadecendo-se de Amira, uma das criadas foi cuidar de suas feridas
às escondidas e pediu chorando a menina que parasse de desafiar o Sheik. Ele
poderia ser um homem bom quando agradado, dando-a em um bom casamento
que lhe daria uma vida confortável e livre de desgraças. Ela parecia ter boas
intenções, mas na mente da jovem menina, se tornava inadmissível qualquer tipo
de defesa a aquele homem repugnante.
Amira empurrou a mulher que lhe tratava e a bacia de ferro que ela
segurava com água ao limpar seus ferimentos fizera barulho ao cair no chão. Os
homens do sheik entraram no quarto poucos momentos depois, a seguraram
pelos cabelos e estavam a arrastando para fora do aposento enquanto a mesma
gritava e chorava, Amira tentou impedir, mas recebeu um chute que a fez cair
para trás.
A porta que a trancava ali fora fechada. Obviamente, a garota se
arrependeu de tê-la empurrado, aquela que de alguma maneira queria o seu bem.
Mas Amira viera a chorar pesadamente no dia seguinte, quando uma bandeja de
ferro lhe fora entregue em seu aposento coberto com um tecido. Dentro da bacia,
estavam ambas as mãos de alguém e de alguma maneira Amira sabia, eram as
mesmas mãos que trataram suas feridas... A mulher que se compadeceu dela,
agora estava morta por culpa dela.
A força e voz de Amira se foram em uma sensação de luto. Naquele dia
não quis comer e passou a noite em claro, mesmo com seus pertences de volta ao
aposento. Naquele mesmo dia, enquanto observava o sol nascer, ela tomou uma
decisão.
Independente do destino acometido a ela, que a subjugou e condenou-a
aqueles infortúnios, os faria padecer na desgraça, mesmo que, para isso tivesse
que se tornar submissa e aprender tudo que quisessem ensiná-la. Tudo que eles a
treinariam para ser: A concubina do sultão.

Teve todas as aulas, fora obediente em cada coisa ordenada.


Para que pudesse dançar como a mais nobre das mulheres e se tornar a
mais sedutora das odaliscas. Perfeita em diversas artes, filosofia e política.
Amira acostumou-se com a dor e desde o fatídico dia em que começaram sua
tortura quase como um ritual e nunca mais pararam, a dor dela parecia se tornar
a melhor parte do dia de Said. E a lembrança do por que ela deveria se tornar
mais forte.
Por vezes Amira se vira feliz, quando Said viajava, pois gostava de ter o
prazer dele mesmo a ferir, mas em um dos seus retornos, ele casualmente disse
os mitos e coisas que espalhara sobre ela por aí. Inclusive, debochou da forma
poética como alguns de seus homens se referiam a ela ao ajudar a propagar a sua
fama.

"Encontrada em meio às dunas do deserto,


De cabelos negros como a noite e ondulados como as areias do
deserto...
De olhos azuis celestes como a água do mar e tão limpos como
o céu sem nuvens...
Seu corpo tem curvas suaves que causam inveja e levam à
luxúria...
Ela é instigante como um oásis e nos torna sedentos por sua
imagem,
até que se torna uma miragem.
Ninguém fora do palácio a viu, mas dizem ser a mais bela...
Ela é Amira, a flor do deserto."

A cada dia em que ela envelhecia, era mais um dia em que estava se
tornando mais mulher. Os dias passavam rapidamente e antes que o Sheik se
desse conta, nove anos se passaram desde que a acolheu e Amira, havia se
tornado de fato, a mulher mais bela do continente.
Deixando por vezes o próprio Sheik tentado a tocá-la. Por este motivo
ele soube que era hora de conseguir chegar ao sultão. Saíra em viagem e dessa
vez, jurou que retornaria apenas quando ela fosse vendida a ele e, de fato, fora o
que aconteceu, um desenho dela chegou às mãos do Sultão que se viu
perdidamente encantado pela jovem mulher. Assim, o contrato de casamento
fora selado entre o sultão e o sheik.
Amira seria a nova concubina do Sultão Fahir.
CAPÍTULO 03

A FLOR DO DESERTO: DA PRESSÃO SAI O MAIS BELO


DIAMANTE.

A ntes da viagem se iniciar, muitos preparativos foram feitos. O sheik


concedeu Amira três desejos. O primeiro era bem simples: desejava ter
como companhia as meninas de sua tribo, nem que fosse apenas até o
dia de sua partida. Amira não falava em palavras, mas em seu âmago, apenas
queria lembrar-se de quem um dia foi. Estava com receio, sentia que após todo
este tempo em solidão, na presença de apenas seus educadores e o tirano que a
aprisionou, esquecera quem era e se tornava quem “Ele” desejava que ela se
tornasse.
— Minha obra prima! Vi o seu empenho em atender às minhas
expectativas, mesmo em meio à dor e todas as dificuldades. Então, assim seja
feito! — exclamou o Sheik Said, antes de ordenar que chamassem as meninas e
informasse que Amira desejava vê-las.
Amira estava ansiosa. Fazia muito tempo que não as via. Será que ao
menos se lembrariam dela? Ou achavam que estaria morta? Passaram-se anos
desde a última vez que as viu. Nervosa, não tinha confiança de controlar suas
emoções. Então, optou por ficar em pé diante da janela, admirando a paisagem,
até o momento em que, finalmente, escutou o som da porta de seu aposento se
abrir.
Quando o seu olhar caíra sobre elas, viu belas mulheres de alguns traços
marcantes da própria tribo. Mas o que recebeu delas em troca, não foram olhares
amistosos, mas sim incertos e outros de desprezo...
Seus instintos dispararam, algo não estava certo. Os poucos rostos
familiares, pareciam ter mudado tanto que mal as reconhecia. Um pesado
silêncio se formava a cada segundo. Amira não compreendia os seus olhares de
raiva, afinal, nunca fez nada para prejudicar ninguém. Muito pelo contrário.
Entretanto, viera a entender as reações quando a seguinte fala fora dita por uma
delas:
— Seja a favorita do Sheik, domine sua atenção e agora, vendida, foi ao
Sultão. Invejável, sem dúvidas é a sua posição — disse cantarolando, sem conter
o seu desdém.
Os olhos de Amira abriram-se em surpresa, tamanho disparate. Ficou em
silêncio ponderando o que estava acontecendo, seguia confusa, mas sua
personalidade forte sempre imperava, então, a expressão de surpresa fora tomada
por um sorriso de deboche.
A garota que a atacou com sua cantoria invejosa, era a mais alta delas,
muito linda e de longos cabelos cacheados, suas vestes de um lindo tom
vermelho, favorecendo suas curvas. O seu olhar percorreu as demais,
considerando todas seguidoras do mesmo pensamento. “A favorita do sheik” que
ironia, pensava amargamente Amira.
Refletiu por um algum tempo e então resolveu entrar em seu jogo.
— Hm... Favorita do Sheik — disse reticente, para então concluir. —
Devo ser... Afinal, todas as noites ele vem ao meu quarto.
Mesmo que seu tom de voz mostrasse alguma dúvida, a sua expressão
felina contradizia-a, provocando as meninas deliberadamente. Para o espanto
delas, suas mentes vagavam por lugares que não condizem à realidade, nem de
longe. Sentia-se magoada, queria as ver para se lembrar do passado, alertar sobre
o Sheik. No final, foi tola em preocupar-se com elas. Constatou.
— Prostituta! — afirmou afoita a segunda delas.
Suas vestes eram em um tom azulado que não combinava em nada com
seu rosto avermelhado pela ira. Causando um riso suave de diversão em Amira.
— Uma prostituta... — repetiu Amira na mesma encenação. — Devo ser,
causo a ele um prazer que vocês nunca conseguiriam.
Amira se recordava da expressão de prazer cada vez que ele lhe feria,
cada vez que tentou fugir para alertar as demais ludibriadas pelo falso salvador.
Como ele se divertia, dizendo que elas nunca fizeram nem uma única pergunta
sobre ela, em como não se importavam se estava viva ou morta. Que a tola
sempre fora ela em ser altruísta. Infelizmente, Amira neste momento tinha que
concordar com aquele homem odioso.
Era doloroso lembrar-se das chibatadas, cada vez que entrava na frente
para que nenhuma delas fosse golpeada, da dor da pele sendo rasgada, enquanto
elas somente sabiam chorar por medo e insegurança. Mas que facilmente
valorizavam um homem que mal havia entrado em suas vidas.
Recordou-se da tribo, quando as via ao longe brincando entre as dunas.
Ela nunca foi permitida a se reunir, por isso criou o hábito de ser rebelde cada
vez que pareciam querer prendê-la mais.
Nada mais as assombrava, pelo visto.
As lágrimas que elas tanto derrubavam, já haviam secado.
Apenas Amira estava presa ao passado.
Com as dores das cicatrizes que jamais haviam se curado, cravadas em
seu coração.
A primeira garota, irritada com a resposta dada, parece fazer uma
menção de dar um passo à frente, mas neste momento Amira deixa seu olhar cair
fixamente sobre ela, como se a desafiasse. A garota se retrai, abalada pela falta
de medo que refletia nos olhos de Amira.
— Acalmem-se — interveio uma terceira, a menor dentre as demais.
Vestia-se de um rosa suave quase branco. Parecia mais prudente e sensata, em
comparação às demais.
O olhar de Amira vagarosamente fixou sobre a delicada garota que
interveio e respondeu:
— Jamais estive irritada, deveria primeiramente me importar com vocês
para que isso acontecesse — Amira riu como se estivessem brincando. Não
gargalhou, mas se gargalhasse não iria receber tanta raiva como no momento
seguinte.
A garota de rosa pareceu engolir em seco, a maior e primeira a afrontar
Amira, deu mais uns passos em sua direção, mas fora impedida pela menor que
seguiu a sua fala.
— Você consegue ver a vida que você tem levado? Uma vida de luxo e
comodidade...
Entretanto, desta vez sim, Amira riu com gosto. Interrompendo a
prudente baixinha. Todas a olharam com espanto e claramente com dúvidas de
sua sanidade. Mas o que Amira poderia fazer com tamanha ironia do destino.
Por todo este tempo queria protegê-las, mas elas queriam simplesmente
o seu lugar...
— No fim, é com ingratidão que sou recompensada... — comentou,
enquanto se recuperava do riso com uma mão em frente aos lábios.
Amira suspirou ao parar de rir para fitá-las com maior atenção e
seriedade, quase podia prever o futuro delas, mas agora...
Com seu rancor e ressentimento, simplesmente, não se importava mais.
Como se não pudesse se conter mais, a garota de vermelho empurrou a
menor que estava em seu caminho, diminuindo drasticamente a distância até
Amira.
— Nossos destinos estavam condenados! Você era a única que tinha um
futuro impressionante em nossa tribo, ia casar-se com um príncipe... Nós
estávamos condenadas a continuar com nossas vidas medíocres. Alá tirou tudo
que nós tínhamos, nos deu uma nova vida, uma possibilidade de um novo futuro,
ou melhor, um futuro que estava apenas destinado a... você!
O ar faltou no peito de Amira, não podia contestar que de fato tivera uma
vida privilegiada em comparação à delas quando ainda era criança, mas não
tivera uma vida boa após isso. Por alguma razão as suas cicatrizes que sequer
doíam mais, pareciam incomodar em sua pele. Como se rejeitasse qualquer coisa
que suportou por elas. Fechou a mão em um punho para conter a raiva,
escondendo-a em meio aos tecidos de suas vestes. Puxou o ar lentamente para
então soltar e voltar a sorrir.
— Vida magnífica! Tenho certeza de que alcançarão o que almejam. —
Começou Amira acabando com a distância entre as duas e levando a mão à face
daquela que estava de vermelho à sua frente. — Mas também o desobedeçam,
assim conquistarão a sua atenção — inclusive as torturas e maus-tratos, pensou
com certo prazer na vingança que não precisaria ser feita pelas suas próprias
mãos.
A garota fugiu do toque de Amira como se a queimasse, mas ela não se
abalou por isso e continuou tomando alguma distância para que pudesse ser
bem-vista pelas demais.
— Este é o meu segredo que em despedida, deixo para vocês. Tenho
certeza de que com muito empenho, viverão na comodidade do paraíso.
— Mas no final, você nos trouxe aqui para quê? — voltou a falar a
problemática de azul, em quase um rosnado de raiva.
— Mas não é óbvio? — Amira respondeu em tom de zombaria,
gesticulando para que pudessem olhar o aposento. — Mostrar que quem baixa
muito a cabeça e é obediente, só serve para ser pisado. Que outro motivo teria?
Vocês são as únicas coisas vivas que me restou para chamar de família.
Pensava Amira enquanto destilava seu rancor por aquelas que seriam seu último
vínculo com o passado. Eu desejava o bem, mas se com rancor me é pago…
Elas ficaram mudas em resposta, pois provavelmente não esperavam
essas palavras. Contudo, havia uma, apenas uma delas que a olhava como se
pudesse ler seus pensamentos. A adorável e bonita garota de rosa. Se isso era
uma coisa boa ou não, Amira não saberia, mas tão pouco isso importava com
tamanha ira e mágoa que fervia em seu coração naquele reencontro.
— De fato, lamentáveis. Os pássaros que mesmo com as portas e janelas
abertas não saem. Agradeço a visita de vocês, mas agora, retirem-se do meu
aposento — Amira ordenou e o clima padeceu, enquanto cada uma das garotas
saíra.
Quando a última saiu e a porta se fechou por detrás dela. Amira sentiu o
peso de seu corpo desabar, mas não apenas de seu corpo, como do seu coração.
Caminhou até a cama, deitou-se nela e chorou. Chorou por ela mesma e pela
ilusão que criou, pela frustração da mentira que a sustentou. De fato, deveria ter
se preocupado apenas consigo mesma.
(...)
Algum tempo depois da saída das meninas, Said adentra em seu
aposento com um largo sorriso em face. A jovem mulher virou a cabeça
lentamente na direção dele, o seu olhar carregava clara vergonha e ódio.
Principalmente pela forma em que via o brilho de vitória nos olhos do homem.
O homem se aproximou e encostou-se à cama.
— Arrependida? — perguntou casualmente em um tom claro de
provocação.
Said nem sequer escondia a sua diversão, visto que ele já presumia o que
aconteceria. Sentia-se em um êxtase incontido, ao ver a profunda dor nos olhos
de Amira. Ela, por sua vez, engolira sua raiva como fel, para tentar se controlar.
— Parabéns por ter um rebanho fiel... — revidou ela, com desprezo e
completo asco, ao mesmo tempo em que se sentava na cama. Não estava com
ânimo para qualquer formalidade.
O Sheik Said deu mais alguns passos em sua direção, segurou o seu
rosto com uma mão e, em deleite, observava com atenção a dor impressa nas
feições de Amira. Fazendo-a ficar com o rosto erguido para olhar-lhe nos olhos.
— Jamais vi uma expressão como a que você carrega agora — dizia
reticente.
Ele nunca havia conseguido infligir essa dor no olhar de Amira, mas ao
aproximar-se percebeu o motivo, em um estalo reconheceu os traços marcantes
de sua tribo e fora assim que encontrou a sua resposta, com isso em mente, um
sorriso perverso brindou seus lábios.
Ela estava sozinha. Sem família ou amigos. Pensou ele achando graça da
simplicidade do que realmente causava dor a ela. Ainda era jovem, afinal.
Um frio na espinha a percorreu e neste momento, Amira se recusou a
deixar que ele soubesse o quanto a apavorava.
— Estava ansioso por isso, certo? — indagou Amira, ao mesmo tempo,
em que tentava afastar a mão do homem, movendo o rosto para o lado.
O que para Amira tratava-se de uma pequena demonstração de sua força
interior, para o Sheik tratava-se de um poderoso estimulante que o fazia querer
possuí-la. O Sheik não a soltaria facilmente e a forçou voltar a encará-lo,
apertando seu maxilar com força. Ela fechou as mãos em punho, segurando o
lençol com raiva, enquanto forçava o maxilar ao mesmo tempo.
Diante de si, Amira só via um homem horrendo e tenebroso, de
profundos olhos frios e cruéis, que se divertia em descontar sua ira sobre ela. Ela
se sentia sensível, devido aos momentos anteriores, mas nesta vida que levava,
seria estranho se tivesse mais do que alguns momentos de paz.
Amira sabia que não era a flor mais doce e delicada do jardim deste
Sheik. Ela olhava para ele e lembrava-se das meninas de sua tribo defendendo-o,
dizendo que era ela quem estava errada. Amira poderia até se sentir abalada por
meio segundo, pensando na sua parcela de culpa devido a sua natureza
selvagem, mas jamais conseguiria ser submissa a este homem.
Seu orgulho jamais permitiria isso.
— Tão linda... Neste misto de força e dor que carrega em sua face —
pronuncia ele lentamente com uma voz melosa e maldosa. — Lágrimas que se
negam a cair diante de mim. Esta sua angústia... Me excita.
Enquanto Amira arrepiava-se com a sua fala, tendo uma epifania de puro
horror. Sua juventude, o fatídico dia quando perdeu tudo e todos. As noites que
sofreu na mão deste homem. Compreendendo por fim, que de fato este sádico
diante dela, já tinha mostrado isso antes mesmo de pôr em palavras, mas ainda
sim, ela se viu chocada e apavorada.
O instinto dela pôs-se novamente em alerta por cada poro de sua pele,
mas mesmo que Amira estivesse amedrontada, lutava bravamente para não
demonstrar isso e dirigiu ao Sheik um olhar de pura repugnância, nojo e
desprezo.
Ela acabou explodindo de raiva, soltou os lençóis que segurava e o
empurrou com força, para que saísse de perto dela, levantou-se da cama e se
afastou.
— NÃO. ME. TOQUE! Já não sou mais uma mercadoria disponível que
você possa toc... — Gritava ela furiosa, mas fora interrompida pela mão fria do
Sheik que segurou o seu braço e a puxou de volta num rompante, cortando sua
fala e fazendo que voltasse a ficar de frente para ele.
— Posso anular a venda... — informou ele.
Ela engole em seco, sim ele podia anular, mas não poderia fazer isso
facilmente. Pois ela não fora vendida a qualquer pessoa, senão ao próprio sultão.
— Você não faria isso. Apenas se não der valor à sua própria vida! —
disse Amira sem paciência e sem conseguir conter a repulsa pelos toques
daquele homem.
— Selvagem, mesmo diante do terror. A tempestade que vejo sempre em
seus olhos são fascinantes... — dizia ele completamente seduzido, aproximando-
se novamente dela.
Amira, imediatamente vira a face tentando se afastar a todo custo, mas
como ele era mais forte, ela não consegue se soltar.
De repente, causando-lhe uma repulsa ainda maior, sente a ponta da
língua dele em seu pescoço lambendo-a.
Paciência e sangue frio, Amira. Espere o momento certo e o atinja,
pensava ela tentando conter sua repulsa.
Ele se afasta do pescoço dela e então se encaminha para a sua face,
aproximando para beijá-la, e com ele distraído demais para perceber, Amira
posiciona sua mão em forma de garra e o golpeia em sua face. Ele vai para trás,
devido à dor do machucado que fez com as unhas. Said rosnava de dor e ela
corria fugindo dele, sem saber onde e como o machucou, já que nem pensou
muito sobre isso.
Do outro lado do aposento, virando-se para ver onde ele estava, o via
furioso, vindo como um animal selvagem faminto em sua direção com o rosto
arranhado. Ela sente o coração falhar, prevendo a própria morte e exclama em
terror, voltando a fugir, correndo pelo quarto. Derrubando cadeiras e tudo o que
aparecia no seu caminho, mas o Sheik mantinha-se em seu encalço.
Para a sua infelicidade, tropeça na barra do seu vestido e cai. E o som
oco ecoa pelo quarto e junto com ele, as batidas do coração dela, mediante ao
terror que sentira nesses segundos de encontro ao chão. Em desespero ela tenta
se levantar, mas suas pernas falham e ele a puxa pelos cabelos. Forçando-a se
levantar.
Ela é atingida também, pela terrível recordação do dia em que fora tirada
da arca pelo braço, sendo segurada como se fosse uma boneca. Sons de gritos
pareciam ressurgir em sua mente, ao mesmo tempo, em que o homem a erguia
pelos cabelos. Amira choramingava de dor e medo, até que ele a fez ficar
completamente de pé e encaixou seu corpo no dela.
Ela sentia-se tremer incontrolavelmente, mas ainda sim, tentou dizer de
novo:
— Você me vendeu ao sultão, seu bastardo! Ele lhe matará se tirar minha
castidade! — exclamou com extrema raiva e repulsa do homem.
Said já não pensava mais, nada mais importava para ele. Estava vidrado
e a desejando. Queria escutar mais do seu choro, do seu lamento e ver mais da
sua expressão de dor e desespero. Louco como ele estava, solta o cabelo dela e
leva a mão a sua cintura, virando-a num rompante de frente para ele.
Ao captar sua expressão, ela se desespera pelo desejo de sobreviver e o
empurra. Ele luta e a segura, mas Amira como uma selvagem se debate, grita e
sem querer pisa em seu pé. Vendo que o aperto afrouxou, ela percebe uma
oportunidade de chutar a virilha e assim o fez. Então, finalmente, ela consegue
algum espaço entre eles.
Vendo-o curvado, exclamando de dor, Amira se lembra de cada um que
falou para ser submissa e que ele não era de todo mau. Mesmo aquela doce serva
que se compadeceu dela e perdera a sua vida. Era sua culpa a morte daquela
mulher, sim. Mas o assassino fora ele.
Ela se vê corrompida pela maldade do homem, sua mente se acalma,
mesmo com tantos pensamentos ruins. E com uma frieza que nem ela sabia que
tinha, levou a mão aos próprios cabelos que estavam uma completa bagunça e
tirou uma presilha. Colocou-a entre seus dedos e a travou da melhor forma que
pode, então mais uma vez eleva o olhar para o homem que começava a corrigir
sua posição.
Em um movimento rápido, ela deu alguns passos, diminuiu a distância
que os separavam e desferiu um tapa em sua face com a presilha em sua mão.
Said desta vez urrou de dor, muito mais alto desta vez, com uma voz
ensurdecedora de agonia devida à dor que Amira conseguiu ao atingi-lo. Os
homens que serviam ao Sheik invadiram o aposento assustados, antes que ela se
desse conta. Viram uma mulher descabelada e amassada, com uma expressão
solene e fria. Do outro lado um homem também bagunçado, mas enlouquecido e
ferido.
Said nem se dignou a olhar seus homens, apenas se encolhia pela dor,
gritando e urrando em fúria, enquanto a amaldiçoava. Ele estava cego e louco,
isso podia se ver a olhos nus. O Sheik levantou a cabeça com a mão direita
tapando o ferimento e Amira viu o tamanho da ferida que causou na sua
bochecha.
O fervor da ira que dominava seu coração estava satisfeito ao ver o
sangue daquele monstro enfim escorrendo. Amira estava satisfeita de tamanha
maneira, que um sorriso quase psicótico nasceu em seus lábios. Um sorriso que
ela jamais havia dado, um de satisfação pelo mal. Pelo pagamento justo com o
sangue que ela já tinha derramado pelas mãos dele.
— Cada vez que se olhar no espelho ou que for enganar alguém se
lembrará de mim. O olhar da pessoa irá recair em sua cicatriz e ninguém
acreditará na sua falsa bondade. Assim, também se recordará de mim. Minha
lembrança deixará de ser o seu prazer, para ser a recordação da sua ruína.
— Eu vou matar você!!! — rosna, com a sua voz rouca, e antes que ele
fosse para cima dela, é contido pelos próprios homens. Dentre eles, sobressai um
homem que ela nunca viu.
A respiração de Amira parecia travar na garganta, não sabia o que Sheik
iria fazer para se vingar. Mas jamais iria enganar alguém novamente e de alguma
forma, sentia que independente do que lhe acontecesse, valeu a pena.
— Said! Desperte dessa fúria, se a matar condenará todos nós! O Sultão
irá virar sua ira sobre todos desta casa! — Exclamou o homem entrando na
frente do Sheik.
— Mandamos outra no lugar, ele nem saberá a diferença! — debatia-se
Said nos braços dos seus homens.
Amira sentia medo, vendo todos aqueles homens e quantos mais
entravam em seus aposentos, mais sentiu o sangue fugir da sua face. Deu
disfarçadamente alguns passos para trás e fez o possível para manter sua
compostura.
— Said, não seja tolo, homem! Ela pode entrar em qualquer parte do
harém! Dança como a melhor das odaliscas, embora obviamente não faça uso,
ela tem uma educação melhor do que de qualquer outra que você já ensinou. —
O homem leva as mãos aos ombros do Sheik sacudindo-o. — Você a fez para ser
a concubina favorita do Sultão! Por Alá, homem. Não dá para mandar apenas
outra! Me escute, sou seu conselheiro, recobre os sentidos!
Amira refletiu e o que ele disse era verdade. Não poderia ser substituída.
Por mais louco que o Sheik Said fosse, não poderia simplesmente fazer o que
queria. Amira sentiu-se aliviada e mais satisfeita ainda. Logo seria mandada ao
Sultão e ele não faria mais nada com ela.
Todos aqui agora me protegerão até o dia da partida, por amor às suas
vidas. Pensou ela.
— Eu deveria tê-la matado — murmurou, olhando-a friamente. —
Quando se mostrou a primeira vez tão rebelde.
— Perdeu a oportunidade... Agora é tarde. — Amira não conseguiu
segurar a língua.
Ele foi levado à força para fora do aposento e Amira sentia que
finalmente podia voltar a respirar. Ajeitou seu vestido desarrumado, seus cabelos
desalinhados. Colocou de volta a presilha no lugar, depois de limpar o sangue
que ficou impregnado no objeto. Olhou ao redor e viu toda bagunça que se
converteu em seu aposento, mas mesmo assim… Agora que podia dizer que
finalmente estava livre desse homem, tinha vontade de chorar.
Mais alguns dias e sua vida mudaria, mas uma nova luta se iniciaria. E
desta vez, pensou ela ao caminhar dolorida em direção à caixa em que guardava
seus itens mais preciosos e colocou a mão sobre ela, sem a sensação de ter
deixado algo importante para trás.
CAPÍTULO 04

RECOMEÇO: A PARTIDA PARA A NOVA VIDA

A mira estava em seu aposento, sentada à beira da janela olhando o céu


noturno. A luz da lua banhava seu corpo e rosto, causando um efeito
quase surreal à sua beleza. Enquanto admirava as estrelas, ela temia seu
futuro, mas era o que havia escolhido. Desce o olhar até a sua mão fechada em
punho, que descansava sobre seu colo e quando a abriu, no centro de sua palma
estava o brinco de rubi que ganhara do príncipe. Olhando-o com doçura, um
lento sorriso sonhador nasceu em seus lábios, ao mesmo tempo em que uma
lágrima quente e pesada rolou por sua face.
Lembrava-se de seu sorriso, de seus olhos e cabelos, mas quase não
conseguia mais se lembrar da sua voz, de como era o toque de sua mão, porém,
podia recordar que era quente e confortável.
— O completo oposto do que recebera nos últimos anos — lamentou-se
Amira em um murmúrio.
Ele parecia se importar com ela, Amira se lembrava de que naquela
refeição que lhe fora oferecida, ele não tirou os seus olhos dela. O mesmo dia em
que ganhara esse brinco e com a joia uma promessa e a confirmação de que
estava satisfeito em tê-la como sua futura esposa.
Amira recusava-se a se lembrar de sua família, pois logo depois das boas
lembranças, a imagem de seus corpos fazia-se viva em sua mente. Então por
escolha, seguia em sua fantasia com a recordação do príncipe.
Um que jamais fora como nas histórias que lia, nunca viera a salvar, nem
iria. Porém, era doce e reconfortante imaginar que ele apareceria chutando a
porta de seu aposento, tirando-a de lá e a reivindicando para si, segurando-a
firmemente e a levando em uma fuga frenética por terras distantes e
desconhecidas.
Amira estava sem sono e sua mente vagando por suas fantasias, as
únicas companheiras que a mantinham sã naquele antro de pessoas insanas. Por
isso, colocou o brinco em sua orelha e se levantou. Sob a luz da lua começou a
dançar, tão lentamente quanto o tempo parecia passar para ela, passou a mão
pelo seu corpo subindo pelo vale dos seus seios até o seu pescoço para então
inclinar-se para trás. Mostrando a dor que sentia e então se voltou à frente, com
sua expressão mais forte e confiante, como ela era. Sua dança estava diferente da
que fora ensinada, apenas sentia as emoções fluírem, caminharem pelo seu corpo
enquanto via-se em um mundo paralelo em que contava sua vida e suas emoções
de sua própria maneira. E após algum tempo dançando, com seu corpo molhado
pelo suor, sentiu o cansaço abatê-la, então após secar-se e guardar seu precioso
brinco, fora se deitar na cama.
— O dia que nasceria, era o dia de sua partida — dissera com a voz fraca
devido ao cansaço e então caiu no confortável sono que lhe era de direito.
Os homens enviados pelo sultão para escoltá-la tinham chegado há dias,
trazendo consigo diversos presentes. Agora não teria mais como evitar.

Tão logo que o sol raiou, as servas adentraram os aposentos de Amira


para prepará-la para a viagem. Trouxeram seu café da manhã e ela mal tivera
tempo de terminá-lo. Pelas criadas fora banhada, vestida e perfumada. Ela jamais
tivera este tipo de tratamento antes, mas visto que foram todas enviadas pelo
sultão em conjunto com a sua escolta, não esperava menos. Amira admirava-se
com a qualidade dos tecidos de sua vestimenta, mesmo os sapatos em seus pés
que foram cuidadosamente colocados, tinham detalhes em prata.
Seu rosto, no entanto, fora o único não cuidado. Pediram desculpas e
explicaram que a ordem do sultão proibia qualquer espécie de adorno em sua
face. O Sultão havia ordenado para que ninguém visse seu rosto antes dele.
Amira sentiu um frio na barriga e sabia que provavelmente aquilo não era um
bom sinal.
Já imaginava o quão excêntrico e cruel o Sultão deveria ser. O
pensamento de sofrer em sua mão lhe embrulhou o estômago, e antes que o mal-
estar piorasse, olhara para as criadas e suspirando concordou. Amira caminhou
até a bacia e lavou o rosto, após secar, aplicou uma leve maquiagem que também
recebera como presente do Sultão.
Amira fora ensinada sobre perfumes e maquiagens, mas apenas o
suficiente para realçar seus traços e como saber se tinha algo de diferente nos
produtos. Sobrevivência, segundo seus tutores, tudo que ela aprendera com eles,
era necessário. Homens saiam de casa para a guerra, mas a guerra que as
mulheres enfrentavam era em sua morada.
Pensando nisto, Amira fora ensinada um pouco de medicina, mas apenas
o básico em caso de envenenamento e feridas. Segundo seu professor, se o sultão
porventura viesse a ter algum ferimento e ela o salvasse, ele lhe deveria a vida,
assim seria merecedora de grandes gratificações. O mesmo professor fora o que
sempre lhe disse para ter prudência, mas teimosa como Amira era, demorou
muito a entender. Fora um dos poucos que parecia ter algum apreço, mas ela
nunca demonstrou nada em retorno para sua própria proteção. As criadas
murmuravam elogios para os itens que Amira havia ganhado e isso lhe dera uma
ideia para uma curta vingança antes de sua partida.
De bom humor, Amira viu os véus que estavam sobre uma almofada
junto com alguns alfinetes e sorriu. Pegou o primeiro e colocou, prendendo-o
com alfinetes à altura do maxilar, dando a volta pela sua cabeça cobrindo seus
cabelos e por fim terminando de prender e ajustar o tecido. As servas ainda
estavam de rostos baixos quando Amira o cobriu puxando o tecido sobre a
metade de seu rosto, deixando apenas os olhos à vista.
Por fim pegou o segundo véu, com mais detalhes em prata em suas
pontas, e o jogou por cima, terminando de cobrir sua face.
— Podem levantar seus olhares, imagino que estão desconfortáveis —
Amira disse com voz doce e tranquila, compreensiva com o medo das mulheres.
Elas seriam responsáveis pelos seus cuidados, seria inteligente cativar a
afeição delas.
— Agradecemos a generosidade, senhorita — disseram em uníssono.
Após estar devidamente arrumada, elas começaram a organizar os seus
pertences. Amira ordenou que algumas moedas de ouro, algumas de suas vestes
que ganhara fossem separadas e sem perguntas as servas o fizeram. Quando
enfim tudo menos seu pequeno baú e estes pertences separados foram colocados
em seu devido lugar para o transporte na viagem, a jovem estava pronta.
Após nove anos, Amira saíra dos seus aposentos. Ficou nervosa
enquanto descia as escadas sentido o vento que entrava pela porta que dava
acesso ao pátio do harém. Antes de sair para ele, após terminar de descer os
degraus, Amira respirou fundo e voltou a andar para ser recebida pelo olhar de
todas as mulheres que lá residiam.
Assim que todos os olhares recaíram sobre ela, a mesma seguiu
andando, parando apenas quando chegou aonde as demais garotas de sua tribo
estavam, todas ao lado do Sheik. Ele estava com o rosto ainda ferido, o que fez
Amira sorrir debaixo do véu. Chamou uma das servas mais próximas e mandou
trazer os itens que havia mandado separar.
A serva logo entregou em seus braços os pertences.
— Para vocês, lhes dou de presente, uma parte do meu tesouro, já que
tanto ansiaram o meu lugar, como despedida, deixo isso. Espero que encontrem
aquilo que almejam. Que Alá esteja com vocês, pois imagino que será a última
vez que nós veremos — disse Amira, ao soltar as coisas próximo aos pés delas.
Deixando-as cair no chão e o som ecoar pelo local onde até então o silêncio
imperava.
Amira voltou ao seu caminho, mas parou de costas para o Sheik.
Desejava matá-lo, ordenar aos guardas que o fizessem, contudo, isto poderia
prejudicá-la de alguma maneira.
Prudência, Amira. Prudência. Repetia ela em pensamento, agora
faltando poucos passos para poder sair do harém e tão logo estaria fora da
morada deste homem. Apenas seguiu o seu caminho até a saída do palácio onde
tinha o seu camelo e uma caravana inteira à sua espera. Fazia tanto tempo que
não via o mundo e como era grande, quem dirá um animal, se viu feliz como
uma criança ao esticar a mão e poder tocá-lo. Mas não tivera muito tempo para
apreciar o momento, pois tão logo recebera ajuda para subir no mesmo.
(...)
A viagem estava sendo ainda mais longa do que Amira imaginara, e
segundo suas acompanhantes, restariam ainda alguns dias para chegarem ao
sultanato de Anatólia. O contraste do clima no deserto era enorme, enquanto de
dia o sol impunha seu calor, durante a noite, o frio impiedoso se infiltrava por
entre as vestes. Graças à proteção das paredes do palácio, Amira quase não se
lembrava desses contrastes climáticos.
Enquanto olhava a areia sem fim, lembrava-se do dia em que conheceu
Khalid, como ela era jovem e impaciente, fugira. Esperou tanto tempo por ele,
que bem no momento em que resolveu escapar dos olhos de seu pai, ele chegara.
Lembrava com humor. E neste bom humor ela fora pega de surpresa, quando
mais à frente, vira um homem de preto caído e moribundo, em seu caminho.
Amira não sabia o porquê, mas sentia seu coração vacilar perante a visão do
homem ali. Sem pedir ajuda a ninguém, ela mesma desceu do camelo ainda em
movimento, tombando um pouco para o lado e assustando os seus criados.
Sem olhar para trás, ela correu em sua direção e o viu gravemente ferido
e sujo. Não podia ver claramente seu rosto, assim como ela, ele tampava o seu
com um tecido preto. Os serviçais correram em seu encalço, para pedir que ela
se afastasse do desconhecido, mas Amira os ignorava.
Ordenou aos homens que levantassem as barracas, pois iriam parar por
hora e socorrer o homem.
— Mas e o Sultão, minha senhora? — murmurou a contragosto uma de
suas servas.
— Ele poderá esperar! Alá colocou este homem em meu caminho e uma
dor atravessou o meu peito assim que o vi. Devo salvá-lo e esta é a vontade do
altíssimo. O sultão deverá respeitar isso.
— Sim, senhora — concordou a serva e gesticulou aos demais que se
apressaram.
Amira pediu às meninas um pouco de água para dar ao homem e assim
que aproximou o líquido dos lábios dele, ele recusou e fracamente lutou contra.
Mais uma vez ela insistiu e forçou a água contra seus lábios e ele sentiu o
frescor, segurando em sua mão para que não afastasse a água dos seus lábios.
Com tamanha sede bebeu que até viera a se afogar.
Uma de suas acompanhantes voltou a se aproximar.
— O sultão ficará irado, minha senhora, se alguém vir o seu rosto antes
dele. Ele deu ordens expressas disto — insistiu ela.
— O homem precisa de cuidados... — tentou dizer tranquila, mas estava
agitada demais, seu peito doía e sentia como se fosse perder alguém de extrema
importância para ela.
— Nós cuidaremos dele... — disse um dos homens de sua escolta — Já
levantamos duas barracas, por favor, vá repousar em uma e na outra colocaremos
ele e o deixaremos sob os cuidados capazes das mulheres.
Ele era gentil com as palavras, Amira apenas não sabia se era porque era
um homem realmente bom ou se era pelo fato do seu posto atual: de nova esposa
do Sultão. De todo modo, ela desejava que o homem fosse salvo.
— Que seja feita a vontade de Alá — concordou ela e soltou o homem,
mas de repente, o desconhecido segurou sua mão e parecia tentar falar, no
entanto, Amira puxou sua palma e o impediu falando com uma doçura na voz
que ela mesma se surpreendeu ser capaz: —Você ficará bem, não deixarei que
morra desta forma. Fique em paz.
Ao escutar suas palavras o homem pareceu se acalmar, mas não soltou
suas vestes.
— Irei assistir enquanto elas o tratam, certo? — tentou Amira
novamente, falando gentilmente e desta vez ele pareceu relaxar.
Amira sorriu e se levantou, dirigindo-se aos serviçais: — Ele será
cuidado na tenda e assistirei todos os cuidados que terão com ele.
Todos pareciam perplexos, mas devido ao tom suave e calmo de Amira,
como o tempo antes de uma tempestade, eles não hesitaram em obedecer.
Mais tarde, já dentro da tenda, Amira manteve-se sentada, enquanto as
demais mulheres tiravam as roupas do homem e o limpavam. Trataram seus
ferimentos como foi possível, com ajuda de alguns dos homens viraram o corpo
ferido, para poder terminar de limpá-lo.
Amira não teve como deixar de notar que tinha um corpo forte e repleto
de cicatrizes, com os músculos bem definidos. Era um guerreiro sem sombra de
dúvidas, um dos mais capazes. Perguntava-se como um homem deste viera a ser
deixado entre a vida e a morte. Mais tarde, uma das criadas se aproximou.
— Minha senhora, fizemos tudo o possível, entretanto, este homem
deverá ser forte. Foi golpeado por uma espada envenenada, já vimos pessoas
definharem com algo assim e é uma grande surpresa que ainda esteja vivo. Por
isso, nós acreditamos que existe a possibilidade de que ele sobreviva, se tiver
tempo o suficiente. Agora ele está dormindo, devemos deixá-lo sozinho, nada
mais pode ser feito. Por favor, vamos à sua tenda para que possamos deixá-la
descansar também.
Em concordância com elas, Amira dirigiu-se à sua tenda, mas não antes
de voltar um último olhar ao homem que repousava e rogou-lhe uma prece.
Virou-se novamente após ver o subir e descer do seu peito, retomando o seu
caminho.
(...)
Mais tarde, Amira que acabara caindo em um sono de puro cansaço da
viagem, despertou no meio da noite. Pensamentos sobre o homem que acabara
de salvar naquele dia invadiram-lhe a mente com tamanha força, que apenas se
vestira sozinha, colocou o véu cobrindo o seu rosto e saíra às escondidas de sua
tenta. Os guardas estavam mais preocupados com o que poderia aparecer vindo
de fora, do que com os movimentos dentro da área protegida. Era tarde e a lua já
estava no céu a muito.
Ao adentrar às escondidas na tenda do homem doente, percebera que o
problema não era a hora ou algo do tipo, estes homens não eram muito bons em
seu treinamento ou algo os deixara sonolentos. De todo modo, não perceberam a
movimentação de Amira.
Ao entrar na tenda, viu o homem, agora com outras vestes, dormindo
calmamente. Antes parecia quase morto e agora parecia mais vivo, com mais cor
em sua pele. Amira suspirou aliviada e se aproximou mais dele, sentando-se
próxima a ele. Amira delicadamente começou a repará-lo. De perto tinha ainda
mais cicatrizes, será que era um homem mal e o havia salvado da morte?
Ponderou.
Mas Amira acreditava na vontade de Alá, então teria fé que era alguém
predestinado a ser ajudado. Seus cabelos eram curtos, sua barba mediana e suas
pestanas bem longas. Descendo o olhar viu sua boca bem definida. Ela parecia
familiar, mas onde poderia achar a boca de alguém familiar?
A sua expressão no sono era serena e ela se perguntava que tipo de
expressão este homem fazia quando desperto. Se perguntava também se quando
ele abrisse os olhos ela conseguiria o reconhecer.
Amira escutou um barulho vindo do lado de fora da tenda e virou o seu
olhar, mas para a sua surpresa, uma mão a segurou e a puxou com firmeza
enquanto o homem que até então parecia estar em um sono profundo, rolou
levando-a consigo e cobriu o corpo dela com o próprio.
— Shiii...
Ele estava me enganando!? Pensou ela, chateada, furiosa e ao mesmo
tempo apavorada.
O desconhecido estava em alerta e esticou o braço para pegar o seu sabre
ao lado. Saiu lentamente de cima dela e começou a caminhar em passos leves até
a entrada da tenda. Amira, que estava amedrontada, manteve-se parada no lugar.
Não sabia o que estava acontecendo, mas isso poderia pôr em risco todos
os seus planos e isso a fazia tremer por dentro. Se ela fosse desonrada, o sultão
cortaria a sua cabeça. Ou pior, a devolveria ao Sheik e ela seria morta junto com
os demais daquele lugar para satisfazer o desejo de vingança do Sultão.
Mas para sua surpresa algumas pessoas de preto entraram na tenda,
Amira tivera uma vívida lembrança de quando era pequena e sentiu seu sangue
gelar por completo com um único pensamento: Tinha que sair dali.
Contudo, o homem desconhecido que salvara, estava pronto para brigar,
porém, com dificuldade, refreou seus movimentos.
— Vocês, inferno! — murmurou ele — Quase me fizeram matar vocês!
Amira não compreendia nada, mas com cuidado se levantou. E estava
saindo na ponta dos pés enquanto os ouvia falar:
— Desculpe-nos, senhor. Não queríamos chamar atenção do senhor
dessa forma. Um dos homens, quando finalmente o encontrou, o viu sendo
levado para esta tenda. Tivemos que esperar o melhor momento para atacar, pois
quando ele chegou a nós já era início de noite.
Amira sentia o suor frio percorrer seu corpo. O pavor de ser capturada
novamente estava vivo e latente em sua mente quando sem querer derrubara,
devido ao seu véu, uma bacia de água, que fizera eles virarem sua atenção para
ela.
Maldição, pensou ela. Quando for sultana, irei banir essas bacias
malditas. Isso é, se sair viva daqui.
Amira se virou lentamente e deu de cara com o homem que salvou lhe
apontando uma espada. Ele não estava muito melhor do que ela, suando frio, o
rosto um tanto pálido.
— Quem é você? — indagou ele.
Para a sua surpresa, Amira encontrou a fala mesmo diante do medo e
não só a fala, sua natureza rebelde quando acuada também se fez presente.
— Que grosseria! Eu que pergunto quem você é. Salvei sua vida, é tudo
que sei sobre você e isso deveria ser tudo que mais importa sobre mim — disse
Amira solene, mantendo o máximo de compostura diante do terror que sentia,
com a espada na mira de seu pescoço.
— Por que o fez? — perguntara ele insistente, aproximando-se dela sem
abaixar a espada.
— Me pergunto o mesmo — respondera com sinceridade, estendendo a
mão para soltar uma das cordas da tenda para então poder sair através da brecha
— Bom, se encontrou seus homens acredito que seja a hora da nossa despedida.
— Quem é você? — repetiu impaciente.
Amira o olha através do véu, séria e solene.
— Não importa quem sou, tampouco quem é você. Você foi posto em
meu caminho por Alá, creio que o meu dever foi feito. Que Alá cuide dos seus
passos, desconhecido.
Ele tenta tirar o véu, mas Amira segura o mesmo com força, lutando
contra o homem, que passa a mão em sua cintura e a traz próxima a ele,
segurando-lhe firmemente. Amira sente-se vacilar diante do belo homem e agora
que o via mais de perto, tinha a sensação de que realmente já o conhecia. Seu
toque, por mais que fosse forte, não era bruto e não a machucava. Seu toque era
gentil, apesar da situação.
Amira insiste temerosa com o seu futuro.
— Sou uma noiva, como pode me desonrar dessa forma? — fala ela em
tom de súplica — Como pode fazer isso com quem salvou sua vida?
Ele parou e tentou olhar-lhe nos olhos através do véu.
— Ao menos posso saber o seu nome?
Amira ficou em silêncio, não podia falar que era Amira, mas tinha um
nome que poderia usar de alguém praticamente morta.
— Ayla... Chamo-me Ayla.
Ele ficou pensativo, olhando fixamente para Amira. Ela focou o seu
olhar no rosto do homem, em seus olhos negros hipnotizantes, mas mesmo à
meia luz tinham brilho e vida. Ainda em seus braços, ela sentia um estranho
sentimento de tristeza.
Ela abaixou a cabeça, fugindo do seu olhar e novamente pediu:
— Me deixe ir... lhe imploro.
— Quero vê-la.
— Se não me soltar, irei gritar e as pessoas irão vir aqui.
O desconhecido olhou para seus homens e eles falaram.
— Estão todos dormindo, conseguimos colocar uma droga do sono na
água deles. Como a água da senhorita era diferente, então... Desculpe-nos
senhor, não imaginávamos que ela sairia de sua tenda. Além disto... — O homem
que falava se aproximou do desconhecido que a segurava e sussurrou tão baixo
que Amira não conseguiu escutá-lo. Mas ao terminar de falar, o homem que fora
salvo a solta em um rompante.
— Você é Amira... A famosa flor do deserto — afirmou ele e o sangue
dela congelou nas veias.
O que ele faria com ela?
CAPÍTULO 05

REENCONTRO: O PRÍNCIPE E A ESCRAVA

A mira engoliu em seco e um medo descomunal apoderou-se de todo o seu


ser, afinal não tinha certeza do que aconteceria a seguir. Agora o homem
sabia quem era ela. Ele podia tomá-la à força, vendê-la ou… Matá-la.
O desconhecido aproximou-se de Amira com passos felinos e um olhar
vidrado no seu véu, como se pudesse vê-la através do mesmo. Mas aqueles
olhos, de alguma forma, levavam-na para uma espécie de transe. Uma expressão
de dor estava ali, muito viva naqueles olhos e, sem perceber, ela havia sido
capturada pelos braços daquele homem misterioso novamente.
Não entendia o porquê estava se deixando levar por esse homem, ou o
porquê sua dor importava para ela, então recobrando seu controle e saindo do
transe que fora acometida por ele, por alguns segundos, fechou os olhos e pediu
forças a Alá, por mais esta provação que lhe fora imposta. Amira abriu os olhos,
o encarou ferozmente sob o véu e com mais empenho, retomou sua luta pela
liberdade. Debatia-se ferozmente nos braços do homem, ao ponto que desta vez,
ele mal conseguiu contê-la.
Sua roupa e os diversos tecidos que a envolviam, mostraram-se um
problema para conter a fúria da Flor do Deserto. Amaldiçoando, ele continuava
segurando-a como conseguia. Mesmo que por vezes seu rosto fora golpeado,
sentia as unhas da mulher arranhando a carne de sua pele. Ela parecia uma fera
capturada, o homem sentia dor na ferida mal curada, mas tudo dentro dele
parecia gritar que valia a pena, enquanto ela por sua vez, só via um futuro
incerto de desgraça, desejando evitá-lo a todo custo.
O homem ordenou por diversas vezes que ela parasse de lutar, dizia que
não a faria mal, mas Amira nervosa como estava, sequer conseguiu permitir que
essas palavras chegassem à sua mente e interrompesse sua luta. Em determinado
momento, ela pisara em falso e isto serviu para que perdesse o equilíbrio, indo
parar de encontro ao chão, levando-o consigo.
Amira fechou os olhos e esperou o baque forte no chão ou a dor latente,
mas nada chegou. Não entendeu o que havia lhe acontecido, curiosa como era e
confusa como estava, abriu os olhos e ficou sem ar. Os segundos arrastaram-se e
viraram minutos, quando se deparou completamente aturdida com aquele lindo
homem, tão próximo a ela que podia sentir sua respiração, o seu cheiro natural e
o calor de seu corpo forte contra o dela.
Seu corpo todo vibrou completamente consciente dele.
Ela desceu o olhar sem conseguir conter sua fascinação por aquele belo
espécime e percebeu que ambas as suas mãos estavam contra o seu peitoral,
deslumbrada, podia sentir seus músculos rígidos e o bater acelerado do coração
contra sua palma. O ar parecia estar ficando mais escasso em seus pulmões
quanto mais se tornava ciente da proximidade com aquele homem e Amira não
sabia o porquê. Isso a incitava e a deixava curiosa, embora o homem sobre ela
estivesse completamente inconsciente do estado em que se encontrava.
Amira sentiu o seu próprio coração doer no peito de tamanha força que
batia e justo neste instante em que ela se via tão surpresa com o que sentia,
abalada pela forte presença do homem, percebeu que uma das mãos dele, estava
apoiando-se no chão e a outra sob sua cabeça, protegendo-a de qualquer
machucado. Mesmo em meio à queda, ele a protegeu e isso mexeu com algo
mais profundo dentro dela, algo que ainda não conseguia entender.
Ele que ainda estava de olhos fechados, sua feição estava contraída,
parecia estar contendo uma terrível dor e por mais que ela gostasse de estar em
seus braços, os segundos voltaram a ser apenas isso e, por algum motivo
desconhecido, ela sabia que era indevido todos os sentimentos que haviam
transbordado nela. Ele era um desconhecido, perigoso e estava ferido.
Lutando contra suas emoções e pensamentos, ela se movera em seus
braços para sair debaixo do homem.
— Solte-me… Solte-me… — disse em um quase sussurro, enquanto
ele a mantinha sob seu domínio.
— Pare de se mexer pelo amor de Alá, mulher — falou ele em um
resmungo — Meu corpo está pulsando de dor. Não lhe farei mal algum, será que
agora você pode me escutar de uma vez?!
Sentindo-se culpada, ela retesou-se no lugar em que estava, mas não
apenas isso, parecia que ele realmente estava irritado e isso a fez se sentir
amedrontada. Podia ser uma flor espinhenta, uma fera selvagem, mas ainda era
uma mulher. Se este homem mesmo ferido colocasse em sua mente que iria a
matar, assim seria e Amira sabia disso.
No momento seguinte, ele abriu os olhos de forma vagarosa devido à dor
e estava pronto para brigar com ela um tanto mais, mas quando se deparou com
aquele olhar azul, como o céu limpo em um dia de verão, este olhar o fez
recordar e mergulhar na lembrança de uma menina pequena e delicada que
roubara seu coração no passado, isso o fez vacilar.
Ayla… pensou ele tão docemente quanto dolorosamente, com seu
coração disparando em uma mescla de adrenalina e dor. Sua Ayla estava bem ali,
diante dele! Seguindo o pensamento, tirou a mão por debaixo de sua cabeça e
lentamente a encaminhou ao seu rosto, desejava beijá-la da forma mais crua e
apaixonada possível, para provar a si mesmo que era ela que estava diante de si,
no entanto, se dá conta de que os lábios dela, assim como parte do seu rosto,
ainda estavam cobertos o trouxe de volta à realidade.
Dolorosamente ele deu-se conta de que isso não seria possível, pois a
doce menina desastrada que o fez cativo estava morta junto com toda a sua tribo
fazia-se anos.
Khalid ergueu-se abruptamente, segurando o véu que estava caído ao
chão e jogou sobre a face dela, cobrindo-a. Ele se afastou como se não pudesse
mais estar perto dela, como se o seu toque o ferisse e de alguma forma, não
estava errado. Não sabia se poderia se controlar por muito mais tempo sob o
efeito daqueles lindos olhos azuis, contudo, Amira não sabia disso e ele apenas a
deixou atordoada, sem entender nada do que acabara de acontecer.
Somente neste instante que ela percebeu que de fato, seus olhos estavam
descobertos, fazendo-a recobrar sua razão. Temeu que se o Sultão soubesse do
que havia ocorrido, o que poderia fazer com este homem, no entanto, se ele fosse
esperto como ela supunha que ele era, não contaria. Deveria controlar o seu
coração que ainda batia descontrolado, sua respiração estava ofegante e ela o
espiou, deparando-se com ele ainda de costas.
Ele que, assim como ela, tentara controlar os seus pensamentos e
principalmente o seu coração, levara a mão ao rosto, pressionando as têmporas.
Que diabos! É uma loucura, ela é alguém que apenas tem os mesmos
olhos de sua prometida. Khalid, recobre o juízo! Pensou ele dolorosamente, sem
conseguir encará-la naquele momento. A lembrança tão nítida da sua prometida
tocou em feridas tão profundas que ele não sabia se conseguiria se conter por
muito mais tempo.
O ódio na lembrança de tudo que acontecera naquela época vinha a sua
mente da forma mais vívida e dolorosa. Fechando os punhos, ele endureceu seu
coração, trancafiando até mesmo a mais doce das lembranças. Não era momento
para isso.
Amira, por sua vez, levantou-se arrumando suas vestes e batendo nelas
para que a areia saísse, enquanto tentava colocar seus pensamentos em ordem.
Mas quem é este homem que tanto mexe comigo? Ponderou ela,
enquanto arrumava seu véu e pousou a mão sobre o seu peito brevemente, onde
sentia doer. E quando terminou de se recompor, viu os fios de prata em suas
vestes e o luxo do qual estava dos pés à cabeça. Assim, retomou também a
lembrança do porquê estava ali, quais as suas metas e que independente do
quanto este homem mexesse com ela, tinha um povo inteiro para vingar, assim
como fazer aquele homem pagar por tudo. Não tinha tempo para uma aventura
diferente.

O casal, finalmente, havia encontrado um ao outro. Porém, estavam com


seus corações feridos demais para que pudessem alimentar qualquer tipo de
esperança ou simplesmente para perceberem que estavam apenas a um passo de
distância de quem seus corações mais ansiavam por reencontrar.
Entretanto, o mistério não duraria por muito mais tempo. Ou melhor, não
para Amira.

Um homem que se encontrava à distância apenas observando tomou a


frente e caminhou até Khalid. Em um gesto de respeito, levou a mão ao coração
e prostrou-se diante dele de joelhos e cabeça baixa. Levantou o olhar e a fitou
com desconfiança e então voltou o seu olhar para o seu senhor.
— Vossa alteza está bem? O que devemos fazer com esta mulher?
Silenciá-la? — sugeriu e Amira sentiu seu sangue gelar.
O olhar de ambos, se viraram em sua direção e Amira levou a mão ao peito e deu
um passo para trás. Mas para sua total surpresa, Khalid apenas sorriu e abaixou a
cabeça em um meio sorriso, ao ver a reação dela. O coração de Amira voltou a
disparar e ela segurou com firmeza o tecido que estava sob sua mão. Sem
perceber isso, Khalid voltou-se em direção a Jaffar com um olhar mais sério.
— Primeiramente, estou ótimo, Jaffar. Não piorei desde quando estava em meio
ao deserto, pelo contrário — argumenta, de maneira que fez o corpo do homem
diante de si e Amira se retrair — E sobre o que fazer quanto à queda, não há
nada a fazer. Foi um acidente e não se esqueça…
Ele deu espaço para que ela fosse vista claramente pelo homem e pelos
outros. Gesticulou de forma cortês para ela.
— Se não fosse por esta mulher, a esta altura, eu estaria morto. Devo-lhe
recordar? — disse a fim de silenciar e criticar de forma indireta os seus homens.
Khalid não era alguém gratuitamente rude, mas sua vida desta vez tivera
chegado, de fato, próxima do fim.
O Jaffar perdeu levemente a cor na face, por poucas vezes Khalid usava sua
autoridade real, pondo sua vida como algo de valor inestimável, mas o homem
ajoelhado diante de vossa alteza, o príncipe Khalid, sentia-se verdadeiramente
arrependido e então desceu o olhar sem coragem de encará-lo.
— Imploro o perdão, Vossa Alteza. Seu servo não estava em seu juízo
perfeito.
Khalid repugnava a sua fala com Jaffar, mas isso era preciso. Ele era o
responsável pela sua segurança e mais que isso, era o superior de todos os
homens ali presentes e um de seus subordinados, os traíra. Contudo, nada
mudava o fato de que era o seu servo mais fiel, desde a sua infância. Entretanto,
os pensamentos de Khalid foram afastados de Jaffar quando escutou o passo
adiante de Amira, pouco atrás de si. Voltou o seu olhar para ela.
Amira ficou incerta ao escutar “Vossa Alteza” e o terror logo se impôs.
Não sabia de onde era este nobre, mas compreendia que mesmo que ela
houvesse salvo sua vida, igualmente o ferira logo depois. Recordou-se de como
se debatia. Mordera os próprios lábios, nervosa e manteve-se em silêncio,
retraída com medo da represália que viria a seguir. Mas, em todo caso, deveria se
desculpar, por isso dera um passo à frente.
Preciso controlar meus ímpetos selvagens antes de pisar no palácio,
ponderou ela, mas neste momento ele tinha os olhos sobre ela, não precisava
olhar diretamente para saber. Com certo nível de ansiedade, engoliu em seco.
Mas isso se chegar viva ao palácio, reforçou para si mesma.
Os segundos se estenderam e os homens dele fizeram barulho ao se
aproximarem e se ajoelharem ao lado do Jaffar pedindo desculpas também.
Amira estava com medo, pois todos eles o temiam mais do que respeitavam
aparentemente, não tinha certeza de mais nada, a única coisa que sabia era que
não carregava arrependimentos.
Ela tomou o seu tempo olhando para o chão, até voltar a ter coragem de
levantar o olhar para fitá-lo, e quando o fez se viu surpresa ao vê-lo
completamente recuperado e com uma postura perfeita. Se sentiu desconfortável,
pois ele não parecia consternado em nada. Mas também porque ele estaria,
pensou ela amargurada. Quem obviamente estava em desvantagem era ela.
Khalid a fitava parada e em um silêncio mortal. De seus lábios não saia
uma palavra, e tendo todo o seu corpo coberto e apenas as suas mãos à mostra,
não podia falar o que se passava com ela. Olhou através da abertura da tenda e o
sol não demoraria a nascer assim como efeito do remédio que seus homens
deram aos guardas da escolta dela. Respirou fundo e então estendeu a mão à ela,
da forma mais educada que podia.
— Pronta para ter uma conversa digna comigo? — indagou ele com um
tom formal, porém gentil. Amira ponderou ao encará-lo.
Não recordava o homem que há pouco parecia tão perturbadoramente
assustador. Ela sentiu seu rosto esquentar ainda mais, como se isso fosse possível
e acenou com a cabeça, confirmando. Ele sorriu satisfeito e Amira não sabia o
que pensar, indecisa entre confiar ou não nele. Suas experiências diziam que não
deveria confiar em ninguém, mas seu coração dizia que nele ela poderia e
deveria confiar.
Entretanto, para não alongar sua estadia naquela situação desconfortável,
ela deixou que a mão do homem cobrisse a sua com delicadeza, permitindo-se
ser guiada por ele.
Não tinham muitos lugares para se sentar nesta tenda, se não a cama feita
para o repouso dele e o lugar que antes estava sentada. Como um bom homem
educado, ele a colocou no assento e em vez de ir para a sua cama, ajoelhou-se
diante dela.
Amira prendeu a respiração ao ver aquele homem tão belo ajoelhado e
tão próximo. Sentia a calidez de seu corpo e, naquela posição, ele não estava
mais tão intimidante, embora se sentisse arrepiar ante seu olhar poderoso.
— Primeiramente, permita-me apresentar. Sou o príncipe primogênito de
Anatólia, Khalid Alev Volkan, filho do homem que a comprou — disse ele
solene e Amira foi tomada por uma grande surpresa ao escutar o seu nome e
saber que era ele que estava a sua frente.
Uma emoção doída tomou seu peito.
Aquele homem fora o único que já fez morada em seu coração. Foi o
único por quem ela teve vontade de chorar e, naquele momento, apenas queria se
jogar em seus braços. Lamentou a demora dele para retornar à sua vida. Suas
emoções eram pungentes e profundas ao escutá-lo. Contudo, se conteve. Não
podia fazer isso, não devia deixar que ele soubesse. Agora era apenas Amira, não
mais que uma escrava de guerra treinada um pouco mais que as demais para a
venda. Além disso, acreditava que ele sequer deveria lembrar-se daquela menina,
a que ela fora em quase outra vida.
Ayla. Ela havia dito esse nome e ele pareceu não se importar… pensou
ressentida. Mas se recordou que na verdade ele se importou muito. Pois logo
após dizer este nome ele insistira em tirar o véu que lhe cobria a face a todo
custo. Será… Será que ele ainda se lembrava dela?
O silêncio pesado se estendeu por toda a tenda com ele ajoelhado diante
dela. Ela respirou fundo e corrigiu sua postura, controlando a voz para que não
mostrasse o quão abalada estava.
— Como escrava não tenho mais um sobrenome ou linhagem, mas me
chamo Amira, popularmente chamada de Flor do Deserto, se é que isso tem
alguma valia. Não deveria se ajoelhar diante de uma escrava, vossa alteza —
disse ela, levantando-se em seguida.
Amira sentia-se feliz em vê-lo embora lutasse para não transparecer sua
alegria, agora tudo fazia sentido. Entendia por que se vira tão fascinada por ele,
compreendera o poder daquele homem sobre ela. Ele foi o primeiro e único a
causar este efeito nela. Ela podia lembrar-se dele fazendo o mesmo movimento
de segurá-la pela cintura quando ainda era pequena.
Gestos como aquele se eternizaram no corpo e no coração, gravando-se
na memória dos sentidos.
Há pouco ele repetiu o feito, tomando-a pela cintura, mas como estava
amedrontada não tinha sequer feito alguma ligação entre as coisas… Também, já
fazia tanto tempo... Pelo visto, não tinha sido alguém em especial. Supondo que
ele não sabia quem era ela, devia ser um hábito que fazia com todas, o ato de
agarrá-las daquele modo. Uma fisgada de ciúmes instalou-se no coração de
Amira, que precisou engolir em seco.
Em todo caso, sentia-se feliz, mesmo em meio aos seus ciúmes. Ela o
havia reencontrado. Ele cresceu bem, e era agora um homem forte e saudável e
dentre todos que fizeram morada em seu coração, ainda estava vivo. Sentia-se
feliz que o salvara da morte. Lamentava-se apenas que seus cabelos estavam
curtos, seu belo rosto parcialmente coberto pela barba grossa e que seu corpo
estivesse repleto de cicatrizes.
Khalid se levantou e ficou de pé diante dela, novamente tão perto que
mexia com cada fibra do ser de Amira. Era quase visível a tensão entre os dois,
mas nenhum dos dois conseguiu supor o que o outro pensava.
Uma névoa de estranha sensação de aproximação pairava entre eles.
Uma difusa intimidade que os desconcentrava mesmo que tentassem manter suas
muralhas de formalidade os separando.
Em contrapartida, ele a olhara sem fazer ideia que era sua Ayla que
estava diante de si. Khalid, quando soube que seu pai havia comprado Amira, a
famosa e misteriosa Flor do Deserto, pensou que seria uma mulher ardilosa,
ainda mais ao saber o preço pelo qual fora pago por ela. Pensara que era mais
uma cobra para o ninho que seu pai fizera em seu palácio. Mas agora, ao vê-la
diante de si, ele tinha suas dúvidas. Mais que isso, sentia-se incerto,
principalmente com a repentina lembrança de Ayla. Porém, não daria o braço a
torcer, ela seria vista por ele como uma cobra, mesmo se não fosse. Pois
precisava de uma para os seus planos.
Ela tinha um bom coração e isso, ele sabia e poderia usar ao seu favor.
Ela primeiro o ajudou, depois contestou pensar quem era ele, e mesmo assim
isso havia sido depois que ele mesmo havia perguntado quem era ela. Amira
sabia que se tratava de uma escrava e sabia o seu lugar. Falava com humildade,
ao mesmo tempo em que não dava espaço para isso. Era tão contraditória,
pensava Khalid, mas se vira gostando disso nela.
Estranhamente, havia uma energia que emanava dela que o fazia gostar
de sua presença.
Sentiu algo intenso ao tocar sua cintura. Suspirou longamente enquanto a
teve em seus braços. Pode perceber que era formosa, e imaginou o quão bela
seria por baixo de suas vestes, e aquilo o aqueceu interiormente. Agradou-lhe o
calor delicado de seu corpo ao tocá-la, assim como o tom doce de sua voz e a
firmeza gentil com que falava eram igualmente agradáveis de ouvir.
Mas o fato é que ela era o que faltava para os seus planos, e estava agora
bem diante dele. Longe do toque de suas mãos, era melhor assim.
— Tenho uma proposta para você, estaria disposta a me ouvir? —
perguntou sincero, sendo o mais cavalheiresco possível, tomando a sua mão, e
com calma, levando-a aos lábios.
Sentir a sua pele delicada despertava seus sentidos. Havia uma estranha
magia que emanava dela. Mesmo um simples toque da boca no dorso de sua mão
produzia um forte efeito sedutor.
— Perguntava-me mesmo o que o príncipe estava tramando para ter
mudado sua postura — disse ela fingindo calmaria.
Amira sentia-se grata por estar coberta, tinha certeza de que se ele visse
sua face agora, ela não poderia fingir que não estava completamente balançada
com cada atitude dele, mesmo sabendo que era falsa a sua cordialidade.
Era difícil pensar sentindo a calidez de seus lábios em minha pele,
divagou em pensamento, ao mesmo tempo, em que controlava a respiração e
tentava se manter serena.
— O que você almeja ao se tornar concubina do meu pai? — indagou
ele tão diretamente e de uma maneira tão franca, que Amira se viu pega de
surpresa. Pensou que ele faria algum jogo de palavras para tirar dela
informações, mas não foi nada disso.
Por este motivo ela se viu respondendo:
— Almejo poder o suficiente para uma vingança — falou ela com
máxima franqueza.
— E se eu te disser que posso ajudá-la nisso? — sondou ele, parecendo
muito interessado em sua resposta.
Amira olhou-o com cautela, calculando suas palavras.
— Não irá perguntar contra quem é a minha vingança? — perguntou ela
com estranhamento.
— É contra Anatólia? — questionou simplesmente.
— Não, isso seria tolice — ela o olhava como se ele fosse um louco.
Quem em seu juízo perfeito iria querer uma vingança contra Anatólia e
falaria isso ao príncipe de lá?, retorquiu em seu pensamento.
— Então não me importo, tampouco — declarou, dando de ombros,
parecendo mais relaxado.
— Que príncipe despreocupado — acabara por comentar ela, sem
pensar muito antes de falar.
— Na verdade não, bela Amira. Veja, tenho muitas preocupações, dentre
elas, meu pai com seus gastos exorbitantes, guerras desnecessárias numa busca
inalcançável por mais poder. O povo miserável, morrendo de doenças e fome…
Diante desses problemas, não vejo que uma vingança ocasional referente a uma
ou duas pessoas cause grande diferença.
Amira refletiu sobre suas palavras e teve que concordar. Uma vingança
pessoal não era nada se comparado com as preocupações de uma nação.
— De acordo, então diga-me o que você faria por mim e… — com um
sorriso limpo o fitou inclinando a cabeça suavemente, fazendo algum charme
— O que eu tenho que fazer por você?
O príncipe a olhava com cuidado, era uma mulher não tão baixa assim,
mas comparado a ele, era pequena. Ela era uma pessoa boa, mas podia ser uma
fera selvagem, Khalid confiava muito em seus instintos, afinal fora isso que
salvara sua vida por diversas vezes e este instinto dizia que ele poderia confiar
nela. Talvez porque ela tinha salvado sua vida ou talvez porque fora vigiar seu
sono, mostrando clara preocupação.
Talvez porque seus olhos lembravam os da sua prometida...
Khalid se deu conta que estava tendo pensamentos muito doces sobre a
desconhecida, pensamentos que não costumava permitir-se ter. Ela seria a nova
concubina de seu pai e poderia ser útil aos seus planos. Alá tinha o posto no
caminho dela e ela fora posta em seu caminho. Deveria ser a benção para a sua
missão. Ponderou ele enquanto a fitava com atenção. Os dois tinham muito a
ganhar se ela concordasse, pensou ele com sinceridade e um quê de esperança.
— Homens, saiam. Desejo falar com a nossa misteriosa Amira.
— Senhor... Seu pa...
— Cale-se Jaffar — disse Khalid sem ter qualquer delicadeza — Sei o
que estou fazendo.
Assim que eles terminam de sair, Khalid olhou a mulher que parecia
tentar conter seu medo claramente. Ele não faria nada de mal a ela, mas isso era
sinal que alguém já fez.
— Se me ajudar, eu lhe farei a mulher mais poderosa do império, uma
sultana, e se tudo funcionar como planejo futuramente, será a Valide Sultana, é
isso que posso lhe oferecer. Em troca, na sua noite de núpcias com meu pai,
deixará a porta aberta. Coisas acontecerão e você apenas não entrará no meu
caminho — falou com atenção, desejando lhe inspirar confiança.
— Como me fará sultana? — perguntou, estreitando os olhos com
curiosidade, na expectativa que ele falasse mais sobre seus planos que pareciam
interessá-la.
— Jurei que não tomaria uma esposa, até que encontrasse aquela que se
tornasse a minha esposa oficial. Então a tomaria como minha.
Ouvir aquilo fez o coração de Amira disparar e ela conteve um gemido
de surpresa, pois quando eram mais jovens ele não parecia ser contra o
compromisso.
— Mas estou indo para ser a concubina de seu pai, como… —
perguntou confusa.
— Apenas saiba que o que estou fazendo é por um bem maior —
acrescentou, tentando motivá-la.
Amira pensou um pouco antes de perguntar, franzindo o cenho.
— Como sei que não irá me trair se eu fizer o que me pediu?
Ele umedeceu os lábios, ao prosseguir:
— Da mesma forma que não sei se irá cumprir com sua palavra e não
contará sobre essa conversa ao meu pai. Precisaremos confiar um no outro. É
isso que peço: que confie em mim sabendo que tenho bons motivos. Tendo a
confiar em você, pois salvou minha vida. E terá minha gratidão como uma
garantia de que não irei traí-la.
Um sorriso sedutor apareceu nos lábios de Khalid.
— Confie...
Amira engoliu em seco, em dúvida. Ele claramente não confiava nela,
mas ao mesmo tempo, parecia confiar. Era um homem de personalidade
questionável e com um ar de mistério.
Ambos estavam em uma situação conflitante e difícil em que precisariam
confiar um no outro, mesmo que não se conhecessem de fato.
Havia muitos anos que ela não convivia mais com ele. Na verdade, será
que algum dia o conheceu de verdade? Questionou-se internamente. Por anos
viveu um amor com o que ela criou em sua mente.
— Quais são minhas outras escolhas neste acordo?
— Você tem duas escolhas.
— Quais seriam?
— A primeira, que se torne minha aliada. A segunda, como minha
salvadora lhe darei dinheiro e deixarei que fuja.
Amira respirou lentamente, ponderando, analisando. Via-se entre a cruz e
a espada.
Mas por fim chegou a uma decisão que lhe pareceu razoável.
— Acho que sou obrigada a concordar…
— Mesmo com a possibilidade de fugir?
— Se fugir, não terei minha vingança, certo? — disse casualmente, mas
por dentro não pensava apenas na vingança. Mesmo que por um acordo, queria
estar ao lado de Khalid.
A verdade é que a razão principal seria poder estar perto dele, ela sabia
disso, e sentia em cada poro do seu corpo a estranha necessidade de estar
próxima a ele.
Olhou-o ofegante.
O amor de fato era uma arma de acorrentar uma alma extremamente
forte como Amira. Ela não podia se negar a entregar-se a esta chance de estar
com ele. Mesmo que isso resultasse em sua morte.
CAPÍTULO 06

ACORDO SELADO

K halid olhava Amira. Escutando-a ofegar, continha o desejo de tirar o véu


da mulher que diziam ser tão bela, tinha curiosidade e algo mais,
desejo. Mesmo cada pequena coisa que vinha dela parecia o afetar
diretamente. Ele fechou a mão em punho ao lado do corpo, fechando os olhos
por alguns segundos, se recordando do azul de seus olhos sobre ele e quando
voltou a abri-los portava um sorriso em face. Mascarando a bagunça em sua
mente.
— Então estamos de acordo... — disse e o sorriso que ele ofertou à ela,
era um que há anos ninguém recebia.
Um sorriso verdadeiro.
Ele sabia que deveria refrear seus pensamentos, porém, não conseguia.
Não sentia este tipo de ímpeto comumente, talvez ela fosse uma feiticeira,
mestre na arte de roubar o coração dos homens. Isso deveria bastar para refrear
sua mente.
O silêncio entre os dois causava uma tensão palpável em todo o
ambiente, ambos perdidos em seus próprios pensamentos. Para então Amira
voltar a se movimentar:
— Sim — disse a ele, com uma falsa calma em sua voz.
O sol dava sinais de que logo nasceria, por isso, Jaffar invadiu a tenda,
para alertá-lo do pouco tempo que tinham. Por sorte, Khalid e Amira já tinham
entrado em um acordo, pois não teriam mais tempo para conversar e acabaram
separando-se. Nenhum dos dois ficou muito satisfeito por isso, mas cederam.
Amira seguiu-os até a abertura da tenda em silêncio, mas com o coração batendo
fortemente e ao vê-lo de costas, pronto para partir, sua mente viajou a um
passado longínquo e nostálgico. O passado de quando ela o viu partir pela
primeira vez e como tudo deu errado logo em seguida.
Seu coração anuiu em dor.
E não era como se ela não fosse mais o ver, sabia disso. Todavia, de
alguma forma, não conseguia evitar o sentimento de solidão e angústia que a
tomava por dentro. Sentia sua força em declínio a cada passo que Khalid dava
para longe e quando ele alcançou uns bons quatro metros de distância, Amira
não conseguiu mais conter as lágrimas. Abaixou a cabeça e levou a mão sob o
véu para tentar contê-las.
Neste instante, Khalid voltou seu olhar para trás, num desejo latejante de
vê-la uma vez mais e gravar na memória a sua imagem, entretanto, ao vê-la de
cabeça baixa, seu instinto gritou em alerta e parou os seus passos. Sem saber
como, ele sentia que ela estava triste e por isso deu meia volta e fora até ela
apressado, tomou sua mão livre com a sua e tudo congelou neste momento.
Sentiu-se pego de surpresa ao dar-se conta do que tinha feito, não havia
pensado muito e somente ao sentir a maciez e delicadeza tocando sua pele, o
toque de uma mão quente sobre a sua, Khalid pareceu acordar do seu transe.
Para disfarçar, levou a mão dela aos lábios, beijou com doçura e calidez
e fitou-a nos olhos profundamente, aproveitando cada instante em que seus
lábios puderam tocar aquela pele delicada. Um arrepio percorreu todo o corpo
daquela mulher à sua frente e ele sorriu ao perceber isso, virou a palma de
Amira para cima, tirou o próprio anel e o fitou. O anel que usava em seu dedo
menor era uma recordação de sua falecida mãe e ele depositou-o na palma de
Amira, fechando a mão dela em punho para que a mesma não pudesse recusar.
Por sua vez, Amira, ao sentir o toque gelado do metal em sua mão, saiu
do torpor que o olhar dele lhe causou. Seu coração estremeceu fortemente
quando desceu o olhar e viu o anel, emudecendo-a completamente.
— Voltaremos a nos encontrar, não tenho dúvidas. — proferiu ele em um
tom íntimo, então seguiu com sua fala em um tom mais confiante e altivo —
Não tardará, então tome conta deste pequeno tesouro para mim e me devolva no
nosso reencontro.
Amira se viu embasbacada, concordou com a cabeça e fechou a mão com
o anel, levou a mesma à altura do peito em completo júbilo e gratidão pela
consideração com ela. O olhou emocionada, mais abalada do que era suposto,
depois de todos esses anos alguém a consolou, parecia surreal. Um mimo que ela
sequer sabia se deveria agradecer ou não.
Lembrou-se que ele estava ainda ferido, embora não parecesse, e diante
disto, com uma voz baixa e quase em um murmúrio, Amira tomou coragem de
falar:
— Vossa alteza, lembre-se dos seus ferimentos. Não os subestime, se
deixe ser tratado com diligência. Já carrega muitas cicatrizes em seu corpo, sua
falta de cuidado consigo mesmo me deixa com o coração pesado. Orarei para
que quando nos reencontrarmos, esteja totalmente curado.
Os olhos de Khalid abriram-se um pouco mais de surpresa, mas então
sua face se converteu na mais bela expressão de gratidão. Assim como ela fez
anteriormente, ele apenas concordou com a cabeça, corrigiu sua postura, e com
isso retomou o seu caminho. O mesmo fez Amira, desta vez sem olhar a sua
partida, sentindo-se subitamente reconfortada, com sua tristeza desfazendo-se
como fumaça de sua mente, virou o corpo e seguiu para a sua tenda, onde
fingiria não ter feito mais do que dormir à noite inteira.

Algumas horas depois...


As criadas chegaram cambaleantes, pois acordaram tarde. Amira
conseguiu não mais que um cochilo, sentia-se sonolenta, entretanto mesmo com
o corpo fatigado pela noite em claro, não se deixou abalar. De tudo que passara
naquela noite, com todas aquelas nuances e reviravoltas de emoções, ela parecia
ter retomado algo importante.
Um sentimento de propósito, alguém que retornava não somente à sua
mente, mas também à sua vida e estava vivo. Um motivo para viver além da
sede de vingança.
As servas começam os cuidados com Amira, limpando seu corpo e
trocando suas vestes. Oraram e se alimentaram e em meio a sua refeição, um dos
guardas adentrou a tenda como um furacão, surpreendendo-as.
— O homem fugiu! Mal se encontram sinais de que um dia sequer
esteve lá — exclamou ele ofegante — Não roubou nada, não fez nada. Apenas
sumiu sem deixar rastros, como se nunca houvesse existido.
O homem estava assombrado, assustado demais para pensar muito.
Amira olhou ao redor e viu as demais mulheres da mesma forma, então se fez de
tola. Levantou-se e fora à tenda que era dele. Parou após procurar qualquer sinal
e então olhou o céu, mística e misteriosa, como se fosse algo sobrenatural.
— Será que ele era algum enviado de Alá? E que para testar a bondade
em nossos corações entrara em nosso caminho?
As criadas ofegaram e então, começou um nível de bajulação quase irreal
enquanto diziam que Alá deveria estar satisfeito com ela, que fora sábia em sua
escolha. Amira fingiu ouvi-las, mas disfarçadamente passou a mão sobre a cama
em que ele estivera deitado. E neste momento um pensamento viera à sua mente
abruptamente.
As criadas vieram do palácio e, em momento algum, reconheceram o
príncipe… Por quê? Questionou-se ela.
O retorno da viagem não demoraria. Não levaria muito mais tempo do
que os homens desfazendo a tenda do acampamento. Vislumbrando a
oportunidade, Amira iniciou um plano astuto que para que quem não pensasse
muito, não passaria apenas de uma conversa casual.
— Meninas, estou com medo — disse Amira com a voz vacilante —
Não mais que alguns dias, logo encontrarei vossa majestade, o Sultão. Como
sabem, fui criada separada das demais meninas, meu conhecimento comum é tão
curto... Temo passar vergonha.
— A senhorita é perfeita. Tudo que não tiver conhecimento, nós iremos
auxiliá-la da melhor maneira. Confie em nós, suas servas fiéis — uma falou
com convicção e clara preocupação com Amira.
— Sério? — indagou Amira em tom esperançoso.
— Sim, minha senhora — disse outra delas, dando um passo à frente
confiante.
— Desejo não mais que a verdade, assim como deve ser. Não temerei a
dificuldade, então, por favor, falem-me sobre o Sultão e sua família? Não desejo
fazer algo de errado que custe a minha vida por desagradá-lo.
Com isso, Amira foi certeira em seu plano de descobrir algo mais sobre o
Sultão e, tagarelas como eram, falaram em voz baixa a má reputação dele e
disseram que lamentavam que uma pessoa tão boa como ela tivesse que se tornar
concubina do Sultão.
— Diferente das demais no harém, a senhora parece ter um bom
coração.
Uma delas confidenciou, em um murmúrio próximo ao seu ouvido, mas
alto suficiente para as demais também escutassem e concordassem.
— O homem já fora muito bom, um excelente governante de seu povo,
mas que através dos anos sua mente parece estar domada por um Jinn. Toma as
mulheres mais bonitas para si, como uma coleção. Deixou seus soldados fazerem
o que querem, o povo quase não recebe mais atenção e tudo o que passou a
importar ao sultão é a sua vaidade — dizia tristemente olhando para o chão.
Amira recordou do que Khalid falara e lamentou verdadeiramente, pela
situação de Anatólia. Uma delas disse que a culpa era de uma feiticeira que
chegara ao palácio. O que chamou a atenção de Amira.
— Feiticeira?! Isso não condena a morte, condena? — questionou
curiosa.
— Ela certamente trouxe infortúnio, mas ninguém conseguiu encontrar
provas de seus atos de feitiçaria — disse a outra criada com certo desgosto.
— Mal-educada, egoísta e mesquinha. Assim como cruel e impiedosa.
Bate nos servos e por vezes, eles somem dentro do palácio. Entre nós criados,
acreditamos que ela é a responsável, mas jamais escutarão nossas palavras,
senhora. Para piorar, desde que chegou, logo após ela dar à luz a um filho e se
tornar Sultana, a mãe do sultão caíra doente e ele simplesmente ficou mais
preocupado em comprar tudo que sua mais nova concubina pedia — retorquiu
abaixando a cabeça com vergonha do ódio que não conseguia conter para si
naquelas palavras, a primeira criada que começara a lhe contar as coisas — Tão
logo a Valide Sultana partiu, o Sultão mal esteve presente, apenas a sua Sultana,
mãe do príncipe primogênito, ficou encarregada e presente em todas as etapas do
sepultamento. Por algum tempo, fora ela que tomou conta de tudo, com seu
jovem filho sempre ao seu lado. Como castigo de Alá, o filho da cruel mulher
viera a adoecer e falecer, mas não foi só, a doença se espalhou por todo o
palácio. Fora terrível, minha senhora!
Ela levantou brevemente o olhar, chorosa com uma expressão de
sofrimento claro. Como se estivesse vivenciando aquilo naquele momento e
então desceu o olhar novamente para as suas mãos. Amira pegou uma ponta de
suas vestes e secou as lágrimas da criada que fora surpreendida e sentiu extrema
gratidão pelo gesto de sua senhora.
— Honrosa era a Sultana Honde, a primeira esposa oficial do sultão, que
pessoalmente se movimentou para ajudar a todos os doentes. Minha senhora, eu
a vejo com o mesmo bom coração da sultana, por isso, lhe imploro para tomar
cuidado... — comentou.
— Que Alá abençoe a longa vida da sultana Honde… Mas por que
cuidado?
— Minha senhora, a Sultana também caiu doente, sua saúde se debilitou
tão rapidamente, que os médicos do palácio mal tiveram tempo de fazer qualquer
coisa. Pobre príncipe Khalid, era tão apegado à mãe... — disse em um tom de
voz choroso de lamento e a outra criada a abraçou consolando-a. Para então
levantar o olhar para Amira mais uma vez e implorar: — Minha senhora, tome
cuidado. Hoje há uma única Sultana ao lado dele e ela é vil e ardilosa.
— Certo, acalenta o seu coração. Por certo serei cautelosa. E o restante
da família?
— Sobre os herdeiros, minha senhora, não deve se preocupar. Apenas
algumas princesas ainda vivem e dentre todos os príncipes, apenas Khalid está
vivo. Contudo, não acreditamos que o verá tão cedo. Os Vizir e os demais, você
terá tempo de conhecer e saber diferenciá-los.
Queria perguntar imediatamente sobre Khalid, o que queria dizer com
isso, mas não sabia se era devido. Por sorte, uma das criadas que estava em
silêncio até agora dissera:
— Por que vossa alteza Khalid voltaria ao palácio? Ele saiu do lado de
sua mãe para ver a prometida, logo que voltou sua mãe estava morta e recebeu a
notícia que assim como ela, a menina também. Os irmãos dele caíram em
desgraça, o seu casamento fora uma ruína e ele mesmo a matou em retaliação…
— A fala fez o coração de Amira sangrar por dentro, uma dor latente parecia
matá-la, ainda mais que ele mesmo, fora aquele que tomou a vida da mulher.
— Na guerra, ao menos ele poderia lutar em igualdade pela sua vida... —
murmurou outra criada.
A criada parecia mais velha que as demais e também em um nível maior
de ressentimento. Mas ao dar-se conta da forma grosseira que falou, virou-se de
frente a Amira e se curvou.
— Desculpe-me por essas palavras rudes, contudo, minha senhora. —
disse ela levantando o olhar — Não deve se preocupar com nada, sendo famosa
como é, não creio que algo de mal vá lhe acontecer. Mas peço, por favor, que
não revele a ninguém as opiniões dessas humildes servas. Fatos não podem ser
mudados, mas opiniões podem ser as nossas condenações.
— Pedi pela verdade, por mais dura que fosse e agradeço a sua
honestidade — Era a mais séria delas, assim como claramente mais sensata
também. Parecia ser igualmente mais confiável. As demais pareceram se dar
conta só agora que falaram demais e ficaram pálidas, o que a fez sorrir — De
minha boca nada sairá. Fico imensamente grata a vocês, pedirei ao sultão que
sejam recompensadas.
Com essas novas informações, a imagem de Khalid ficara flutuando em
sua mente, pois Amira sabia que deveria ter muito mais do que ela acabou de
saber. E se sentiu temerosa, será que ela conseguiria sobreviver àquela mulher
ardilosa? Será que seria forte o suficiente? E agora que Khalid estava de volta,
ela realmente poderia confiar e depender dele? Ao mesmo tempo, se entristeceu
por ele, pois se solidarizou com o sentimento de perda da mãe.

Por todos os dias e noites seguintes que seguiram a sua viagem, ficou
perdida em seus devaneios, sendo pega de surpresa quando se viu tendo que
mudar de montaria, saindo do camelo para um cavalo, alto e de pelos quase
dourados. Levantou o olhar e se vira rendida pelo que tinha ao seu redor.
O terreno era árido e com alguma vegetação, tão logo que continuaram
adentrando e seguindo viagem. Amira pôde ver rochas enormes, algumas árvores
de vários tipos, mantos verdes de grama pelo chão. Ela jamais havia visto isso,
mesmo viajando com sua tribo frequentemente. Ao fundo, montanhas e tudo o
mais parecia tão lindo aos olhos de Amira que por vezes se vira tentada a tirar o
véu, descer de sua montaria e sair correndo sem direção pela paisagem que via.
Se pudesse definir a imensidão que tinha ao redor, seria: Liberdade.
Não era apenas areia infinita que dava a sensação de não sair do lugar,
não eram apenas pequenos lugares com um punhado de água e alguma vegetação
como os oásis. Amira sentia-se feliz e triste ao mesmo tempo, pois gostaria de
ter alguém ao seu lado que entendesse a sua felicidade e festejasse com ela.
Contendo-se, ficou o resto da viagem perdida em pensamentos e quando estava a
poucas horas de chegar em Anatólia, vira os homens que a acompanhavam
exclamarem felizes.
No caminho do palácio, já no território de Fahir, o atual Sultão, vira-se,
sendo pega de surpresa em ver tamanha pobreza. Seu coração sangrava ao ver as
pessoas vivendo em uma situação tão catastrófica que não sabia se chegaria ao
fim do dia.
E como prova de seus pensamentos, alguns se aproximaram dos guardas
que se viram obrigados a afastá-los com força bruta. Amira se compadeceu e
implorou para que não fizessem isso. Pediu que como logo chegariam em seus
destinos, não faria falta dar a comida que ainda tinham para eles.
— Minha senhora... — começou uma escrava, mas ela se calou,
encolhendo-se com uma expressão transtornada.
Amira não entendeu o porquê da sua reação, mas todos os criados
fizeram o que ela pediu e deu água e comida aos necessitados.
Porém, ela logo entendeu o que a escrava quis dizer, pois os famintos
ali, logo que começaram a receber os alimentos passaram a brigar severamente
uns contra os outros, longe de qualquer repartição de comida.
Amira nunca viu tamanha selvageria, e no final tudo estava sujo de terra,
e mesmo assim os que conseguiram alimento, o comeram rapidamente antes que
qualquer um tivesse a oportunidade de lhes tomar.
Os olhos da Amira encheram-se de lágrimas e os criados apressaram-se a
se afastar. Quando distante o suficiente, a mais desacanhada das criadas baixou a
cabeça e disse:
— Minha senhora, perdoe minhas palavras. Mas não deveria dar auxílio
casual aos necessitados, se a senhora deseja realmente ajudar os pobres, um dia
de alimentação cuidadosamente dividida não irá salvá-los — E com essas
palavras ela sequer tinha coragem de olhar nos olhos de Amira, não sabia se
seria condenada por suas palavras, mas era preciso. E Amira sabia disso,
precisava ter visto para ter entendido o que ela queria dizer e tristemente
concordou.
— Sim... fui muito ingênua por não ter ideia do desespero dessa gente.
A imagem ainda gravada em sua mente, fez com que Amira não soubesse
mais se havia feito algo de bom. Era atormentador e ela podia entender o que sua
serva tentou alertar, e o que a outra falou de forma mais ousada, mesmo que
contida. E principalmente porque Khalid fez com que o seu desejo de vingança
parecesse tão tolo, quando comparado à situação que o povo vivia e que acabara
de presenciar. Aflita seguiu a viagem, refletindo se realmente não estava
pensando muito em si. Ansiava a vingança com sua alma, em seu coração queria
Khalid e na mente se via em uma tormenta de pensamentos.
Quando enfim chegou à cidade em que ficava o palácio, a pobreza era
igualmente vista em contraste com a riqueza no mesmo lugar. Ouvira falar da
boa fama do passado pelas criadas, assim como da má fama atual, mas ver com
seus próprios olhos era realmente assustador.
Todos festejavam a chegada da misteriosa mulher, as histórias sobre sua
beleza se espalharam para todos os lados, todos que tinham forças para ficar de
pé esticavam-se para tentar espiar. E isso causou uma dor descomunal no peito
de Amira. Ela não era tudo isso que o Said falava e muito menos o que as
pessoas aumentaram de sua fama.
Mas mesmo assim, teria que se fazer passar por isso. Fez uma expressão
firme, embora ninguém pudesse ver nada além de sua postura, mas fora feito
mais para si do que para os outros, tinha que levantar as muralhas ao redor do
seu coração. Ou ao menos era isso que ela pensava.
Entretanto, sua confiança e raciocínio foram interrompidos quando uma
criança entrou no meio do caminho em frente ao seu cavalo. Amira puxou as
rédeas, gritando com tamanha força que o cavalo empinou relinchando, ela caiu,
sentindo uma forte pancada em seu traseiro, dor pulsante, desnorteamento e
confusão, nublavam seu raciocínio e visão, mas ela só tinha um pensamento: O
menino.
Queria tirar o acúmulo de véu da frente dos seus olhos para procurar o
menino, porém os servos vieram em sua direção, cercando-a, assim como as
pessoas que assistiam. Todos estavam em seu caminho e isso a irritava e a
deixava ainda mais preocupada.
— Estou bem, estou bem... o menino! O menino! — exclamou
desesperada ainda no chão tentando engatinhar até a criança e neste instante, o
que ela viu a surpreendeu.
Vestes negras, uma pessoa com o corpo completamente coberto de vestes
negras estava encolhido ali. Tentou levantar-se sozinha, mas suas pernas
fraquejaram. Então, a pessoa que estava ali abaixado onde estava o menino
levanta-se com ele nos braços, provando ser um homem, pelo seu tamanho. De
alguma maneira, Amira sentiu uma sensação familiar, que fora confirmada
quando ele tirou o tecido que cobria sua cabeça e tampava seu rosto. Sorrindo e
acenando para o povo que começara a exclamar e agradecer.
— Príncipe Khalid! É o príncipe!
Muitas pessoas exclamavam de forma que Amira pôde entender apenas
isso. Tudo parecia ser tomado por uma grande festa. As criadas de Amira a
ajudaram a se levantar e arrumar-se. Independente de como parecesse, estava se
sentindo feliz que nada aconteceu com o menino e com o coração aquecido ao
poder retornar a ver o príncipe.
— Abençoado seja! — gritou uma mulher aos prantos, indo em sua
direção e tomando a criança de seus braços.
— Tomamos um grande susto, não é? — falou docemente a ela que não
parava de agradecer com o menino nos braços.
Ele se virou de frente para Amira logo depois, de onde estava curvou-se
à ela respeitosamente. Como o que de fato era em toda sua majestade. Um
príncipe de um império.
— Famosa Flor do Deserto. Seja bem-vinda e recebida pelo nosso povo,
todos ficaram animados e esse menino um pouco mais. Espero que não pense
mal de nós.
— Jamais pensaria tal coisa, vossa alteza. Lamento que tenha passado
por uma situação tão perigosa, eu deveria ter percebido a movimentação do
menino...
— Por favor... não fale mais... Você até mesmo caiu do seu cavalo para
evitar o pior. Você também deveria estar recebendo os elogios do meu povo! —
ele disse isso e as pessoas que estavam em silêncio pareceram perceber a falta de
tato que estavam com ela e voltaram a fazer barulho, mas desta vez
agradecendo-a e elogiando pela bondade. Neste momento, Khalid aproveitou
que as atenções do povo recaíram sobre Amira, cobriu sua cabeça e partiu. Ela
teve então a certeza que ele era um homem amado pelo seu povo e,
independentemente do que aconteceria esta noite, o povo o aceitaria sem
ressalvas.
CAPÍTULO 07

CHEGADA A HORA: O NOVO SULTÃO KHALID ALEV VOLKAN

A mira estava com os olhos fixos ao longe e com a mente dispersa demais
para notar os movimentos ao seu redor. Todos estavam curiosos sobre
ela e isso já não era um segredo, então, as pessoas estavam se
aproximando, para de alguma maneira ter um vislumbre de seu rosto. Um dos
guardas, por precaução, tomou a frente, segurou-a firmemente pelo braço e a fez
andar até o seu cavalo que acabara de ser recuperado, e com cuidado e alguma
rapidez a ajudou a subir.
— Falta pouco, tenha um pouco de paciência e aguente um tanto mais a
dor. — disse o homem de maneira gentil, enquanto ela arfava de dor.
Amira assentiu delicadamente, grata, mas fora sôfrega o final da viagem
até o palácio, tendo a sensação de que a dor aumentava a cada segundo.
Na chegada ao palácio, ela mal conseguiu ver qualquer coisa, pois fora
encaminhada diretamente para o harém, onde como era suposto todas as
mulheres estavam presentes e alinhadas para recebê-la. Assim como alguns
eunucos de vigia atrás delas, próximos à parede.
Amira estava sendo tratada como uma princesa, devido à fama que a
antecedia.
Sentia-se como se fosse uma existência de outro mundo, um objeto raro
ou uma joia nunca vista. Sentia sua confiança vacilar, quando pensava pela
primeira vez na extensão que pode tomar uma história passada de boca em boca.
Ela podia ser boa em tantas coisas, mas não tão incrível quanto eles imaginavam.
Engoliu em seco e como os professores diziam: “Ninguém se importa com o que
não podem ver. Cative quem realmente interessa e do resto conquiste a
simpatia.” Desde que as inseguranças não transparecessem, ela acreditava que
ficaria tudo bem. Mulheres não tinham muito poder, mas com algum charme sua
opinião poderia ter alguma valia.
Ademais, não acreditava que a boa recepção duraria por muito mais
tempo, afinal independente da fama, ainda era só uma escrava e como prova de
seus pensamentos e suposições, quase todas as mulheres olhavam-na com
cuidado sem saber o que esperar. No entanto, havia uma pessoa no final do
corredor com tantos rostos desconhecidos, que Amira não teve que pensar muito
para saber quem era. A criada Chefe.
Não tinha uma expressão de pessoa gentil e tão pouco parecia que seria
com ela, seu olhar deixava isso bem claro. Não escondia sua animosidade com
ninguém. Amira vestiu sua melhor “máscara” e seguiu andando em direção à ela
com suas servas como companhia e a cumprimentou devidamente sem perder a
classe e sem se curvar mais do que uma criada merecia.
Amira fazia naquele instante a personificação da calmaria serena, do
vento que molda o seu caminho e faz sua tempestade quando preciso. Parada,
esperando a reação da criada, seja para desdenhar ou apenas mostrar o caminho
que deveria seguir.
A mulher a cumprimentou em uma reverência. Um breve silêncio reinou
no ambiente quando a criada chefe ainda com o corpo baixo, escutou um som
vindo atrás de si e saiu do caminho. Amira levantou os olhos ao mesmo tempo
em que surgiu em seu campo de visão uma forma brilhante e reluzente, uma
mulher coberta de joias e uma coroa muito brilhante.
De cabelos vermelhos, olhos esverdeados e uma expressão doce, assim
como uma pele branca, como uma pétala de flor. Pequena e delicada, não tão
jovem, mas com uma presença leve e juvenil. Algo suspeito existia nela, uma
falsa sensação de bondade.
Tudo naquele semblante parecia calculado.
Estonteante, bonita e perigosa. Se Amira estivesse supondo
corretamente...
— Sultana, sinto-me agraciada em vê-la logo à minha chegada... —
reverenciou curvando-se.
— Oh! Parece que foi bem instruída! — disse animada e empolgada
como uma jovem menina e então olhou para as criadas atrás de Amira. A garota
sentiu um forte arrepio tomar-lhe a coluna. — Estava interessada com a célebre
Flor do Deserto, é uma pena que esteja tão coberta...
Ela parecia lamentar, mas Amira nunca se deixaria levar, não passava de
uma escrava bem cara e ela uma Sultana. Por reflexo, lembrou-se do príncipe
Khalid, prometendo-lhe o cargo de sultana. Não sabia se deveria se agarrar a
isso, mas no momento era a única coisa que podia fazer.
— Rogo o seu perdão, Sultana. São ordens do Sultão... Lamentaria que
a Sultana recebesse algum castigo de vossa alteza. Informaram-me das ordens de
castigo à quem me visse antes do tempo... Se possível, gostaria que ninguém
sofresse por minha culpa — Amira falou de maneira serena, ao mesmo tempo
em que virava a cabeça para as pessoas ao redor com preocupação.
— Sim... Bom, contaram-me que se feriu ao proteger uma criança, quão
virtuosa e valiosa é. Deve estar ferida. Tadinha. Veja! Está suando frio! — falou
em uma voz lamuriosa, se aproximando e tomando sua mão — Precisa de um
médico!
Esta mulher sabia atuar de forma aterrorizante, guiando-a entre as
pessoas rapidamente como uma serpente, até chegar a um corredor longo e bem
iluminado, deixando as pessoas para trás sem soltar a sua mão.
Quando Amira deu-se conta do que estava acontecendo, de que
simplesmente a tiraram de seu caminho, seu instinto se alarmou e o coração
perdeu o compasso sem entender absolutamente nada. Ao mesmo tempo, a
mulher falava de uma forma tão dócil que poderia confundir e até mesmo fazê-la
simpatizar. Perguntava à Amira se os passos estavam rápidos demais para ela e
se sentia dor, e então enquanto esperava de alguma forma ser jogada cruelmente
para fora do palácio, fora entregue aos cuidados de um médico.
— Oh! Grande médico, a tempo não o vejo! Espero que esteja passando
bem, peço com humildade que cuide com zelo de nossa bela flor do deserto.
Sim? Pobre, tão boa com o povo e acabou se ferindo. Bom, agora deverei partir,
não irei mais intervir em seu caminho, deve estar fadigada... — disse levando a
mão ao rosto de Amira sobre o tecido.
Ela virou-se a deixando ali com as criadas de companhia e o médico do
palácio. De alguma forma, esta mulher assombrosa levava Amira a seguir o seu
fluxo como água. Sequer conseguira notar o caminho que foi feito, tamanha a
manipulação da mulher.
Se Amira não tomasse cuidado, ela seria pega e castigada, pois diferente
do Sheik, a Sultana fazia da mentira uma verdade irrefutável.
(...)
O doutor encheu-a de perguntas. Fez Amira narrar em detalhes o que
aconteceu e falar de suas dores. Quando terminou o relato, o médico a examinou
e mandou passar um tipo de pasta onde estava ferido que logo melhoraria nos
próximos dias.
Amira estava ajeitando as vestes quando a criada chefe adentrou a sala.
Olhou-a friamente e então levou o olhar ao médico.
— Fui permitida pelo sultão a verificar a legitimidade da Amira.
Ao contrário de todos que Amira vira recentemente, a criada parecia
infeliz em ter sido incumbida deste dever. A garota concordou com a cabeça e
logo que o médico lhes deu alguma privacidade, junto com as demais criadas,
começou a tirar os tecidos que lhe cobriam a face. Quando terminou, ficou
parada encarando a mulher. Fazia tempo que não viam seu rosto e ela mesma se
perguntava se tinha algo surpreendente nele.
A criada tirou do meio de suas vestes um papel, o abriu e intercalava o
seu olhar entre o papel e Amira. Fez tamanho pouco caso, que a deixou um tanto
acuada, apenas a avaliou como um pedaço de carne ou mercadoria qualquer.
Aproximou-se mais e levantou bruscamente as vestes dela, verificou suas pernas
e pés. Aproveitou que ali estava e enfiou sua mão entre as pernas de Amira,
verificando sua virgindade de uma forma brusca, machucando-a no processo. A
jovem se sentiu constrangida, ao mesmo tempo, que surpresa, porém se manteve
imóvel até o fim da avaliação rude da mulher.
Tinha certeza que ela buscava qualquer defeito para que a pudesse
condenar. Por isso, controlou suas expressões para não demonstrar dor ou
desconforto.
Neste momento Amira teve um vislumbre do papel que ela segurava,
parecia o desenho que alguém tinha feito dela de memória, pois de fato jamais
tinha posado para qualquer artista. Se perguntou se fora um de seus professores.
Assim que terminou, limpou a mão com nojo e desdém, e como
aparentemente não encontrou nada de errado, afastou-se. Amira voltou a vestir
os véus sobre o rosto e quando terminou, a criada chefe saiu do aposento e as
criadas retornaram.
Amira fora levada a um aposento grande, preparado para os seus
cuidados, assim como da primeira vez, banharam-na e cuidaram de sua senhora
da melhor maneira possível. Levando em conta que não poderiam ver seu rosto.
A garota já estava cansada destes véus e como isso interferia em uma simples
tarefa.
Tão logo que seu corpo foi limpo e massageado, com cuidado, banhado
de elogios pelas criadas que insistiam em a bajular. Ao se sentir completamente
limpa e seca, sentia-se renovada e por pouco quase não se esquecia das dores no
traseiro que tinha.
— O sultão ficará perdidamente apaixonado por você, minha senhora.
Amira sabia que não era a intenção, mas as palavras da criada a fez abrir
bem os olhos e sentir o ar faltar em seus pulmões. Sua mente vagou para o dia
em que o Sheik pareceu se interessar nela sexualmente. O toque dele a fez ter um
grande mal estar, a sensação daquele dia, o desespero de tentar se livrar das mãos
dele... Amira tinha medo que com o sultão isso se repetisse, de demonstrar isso
em sua feição, tinha medo, muito medo e desta vez ela não poderia fugir, não
poderia lutar. Este não era um lugar que ela poderia ser indomada, como no
palácio de Said. Não se ela tivesse o mínimo desejo de viver.
Puxando o ar com força e o retendo, nervosamente, sentia o sangue
parecendo pulsar lentamente pelo seu corpo. Amira tentou não se movimentar
muito, não transparecer com muito sacrifício.
As servas seguiram embelezando-na, alheias aos pensamentos de
Amira. Trouxeram para perto dela os seus baús de joias. Os abriram e de lá
retiraram finos cordões de ouro e joias dos mais diversos tipos, os colocaram nas
suas mãos, pés, braços... A vestiram com um fino tecido, leve, sedoso, que lhe
moldava o corpo, mas que também era fácil de retirar.
Amira tampouco se importava com as joias, tecidos ou o que mais a
fizesse irresistível ao Sultão Fahir. Não era como se não soubesse, ou tivesse
conhecimento. Mas irracionalmente via-se aterrorizada.
Somente quando as garotas terminaram, Amira saiu de sua própria
mente, via-se em pé, como uma boneca ornamentada preciosa, reluzente e de
fato, podia imaginar que estava atraente a qualquer olhar masculino, devido ao
tanto de suspiros que suas criadas davam, felizes com o seu trabalho. Amira lhes
agradeceu, com um sorriso trêmulo. Elas pareciam tranquilas, embora
eventualmente a olhassem de soslaio, devido ao seu silêncio. Talvez ela estivesse
exagerando, ponderou. Talvez, não deveria ter tanto medo. Mas agora que
estava próximo, não conseguia evitar.
— Senhora...
A mais dócil das criadas aproximou-se cuidadosamente, já não tão
empolgada e animada.
— Está nervosa devido sua noite com o sultão, não é?
Ela se ajoelhou diante de Amira, que não tinha confiança na sua voz para
qualquer coisa que fosse. Por este motivo, apenas engoliu em seco e acenou.
— Minha senhora, hoje você tem a oportunidade de cativar o sultão.
Pode acabar virando uma favorita e viver na comodidade. Poderá quem sabe
mudar a realidade daqueles pobres miseráveis. Ou... apenas viver como um
adorno no harém. Também não é ruim, se a senhora for obediente. Com tristeza,
informo o que já sabe, a única escolha que a senhora não tem, é sobre estar com
o sultão — disse lamuriosa, mas em um tom de consolo e simpatia pela
preocupação de Amira.
Desde o início, ela parecia mais disposta a se apegar com Amira. E seria
mentira se dissesse que não sentia a sinceridade e o bom coração da mulher
diante de si.
— Qual o seu nome? — perguntou simplesmente Amira.
— Aaliyah…
Era um nome parecido com o que teve um dia e fora esquecido, isso fez
o coração de Amira vacilar um pouco mais. E um sorriso doloroso tomou os seus
lábios antes de dizer:
— Obrigada, Aaliyah… — agradeceu com a voz embargada de tamanha
gratidão.
Há quanto tempo Amira não recebia este tipo de cuidado? Da última vez
ela falhou e alguém pagou o preço. Desta vez não. Amira tomou a mão da serva
entre as suas, sentando-se no chão diante dela em uma gratidão que não lhe cabia
no peito quando infelizmente, suas lágrimas romperam de uma só vez e ela não
conseguiu parar de chorar.
Valorizaria de todo coração, todos que de fato fossem bons com ela.
Todavia, em meio as suas lágrimas, sentia o peso de suas escolhas e seus
deveres.

Após alguns minutos…


Amira já não chorava e estava de costas para as suas criadas, molhando
o rosto com água fria, sob o conselho da mais rígida delas para não mostrar a
expressão de choro ao Sultão. Ela teve algum tempo para se recuperar, e então
chegou o momento. Bateram na porta, informaram que o sultão a esperava.
Nervosa como estava mal olhou ao redor, apenas se cobriu o suficiente e foi
guiada até as duas portas grandes.
— Você irá passar por esta porta e verá um longo corredor. Siga-o até o
seu fim e entre na última porta que ver — disse o eunuco de forma seca e
totalmente impessoal, que estava ao lado da porta.
Ela tomou coragem e entrou no corredor decorado com cuidado, com
véus cor de rosa claro, vindos do teto até próximo ao chão. Tirou o próprio véu
que lhe cobrira a face, deixando-o cair no chão próximo à porta. O local não
parecia assustador, na verdade era o oposto. Amira caminhou passando por eles
até chegar à porta e logo que a abriu, viu um homem de costas para ela. Ele era
roliço, mas não tinha má postura. Estava com uma roupa leve também, mas
portava a sua espada.
Como combinado com Khalid, deixou a porta entreaberta e com
cuidado, adentrou o quarto, com o coração batendo fortemente no peito. Amira
ajoelhou-se no chão de forma humilde ao homem.
— Virtuoso e honrado Sultão Fahir Alev Volkan, humildemente me
apresento diante de ti. Amira, popularmente conhecida como Flor do Deserto.
O homem se virou ao escutar a voz, caminhou lentamente até ela e
quando Amira viu os pés diante de si, sentiu seu corpo enrijecer. O homem levou
a mão até o rosto dela, enquanto se abaixava, e a fez erguer a cabeça, contudo o
homem caiu de joelhos no momento seguinte que seus olhos encontraram com
os de Amira.
— Aysha... — murmurou, mas com a expressão de confusão dela o fez
balançar a cabeça. Mas sem tirar a mão de seu rosto ele a adorava com o olhar
— Amira... De fato, tão linda quanto os rumores. Posso ver o dia em seus olhos
e a noite em seus cabelos, posso sentir a seda ao tocar sua pele e assistir o
desabrochar das flores, conforme mexe os lábios.
Khalid e ele se pareciam muito, embora ele fosse mais velho e roliço.
Ambos carregavam uma calmaria e um perigo iminente ao mesmo tempo. O
sultão se levantou e estendeu a mão à Amira, que respirou fundo, falando a si
mesma que ele não era como o Sheik. Talvez, a semelhança com Khalid, não a
incomodaria tanto ao ser tomada... Mas era mentira, desde o primeiro toque ela
se sentia incomodada, o único toque reconfortante que já sentira de um homem
que não foi seu pai, foi de Khalid. Mas mesmo assim, como Amira poderia ser
rude?
Assim que o Sultão a fez ficar de pé, ele apenas se sentou em um
assento ali próximo e parecia a venerar com os olhos. Em completo fascínio lhe
sorria e pediu para que ela dançasse para ele, pois soubera que era uma mulher
que poderia tomar o lugar da melhor das odaliscas.
E assim ela o fez, o sultão não a tocou muito, então o seu coração estava
agitado, temeroso, mas não tanto quanto poderia estar se ele apenas a jogasse em
sua cama. Não, este homem a via como um objeto vivo de arte e beleza. E neste
momento, enquanto dançava e o encantava, ela entendeu o porquê as criadas
disseram que ele comprava as mulheres mais belas que encontrava. Ele era um
admirador, um estranho sultão admirador das belezas femininas.
Em meio às suas voltas e movimentos, via sua expressão. Ele não via
exatamente ela, era como se visse algo através dela. Isso a deixava confusa.
Parecia que tudo que lhe fora dito era uma mentira, a mulher que parecia
a vilã, não agia como uma. Embora não sentisse confiança nela, fora boa com
Amira. O Sultão responsável pela miséria de seu povo, parecia um homem
enfeitiçado e ela nem fez muito para isso.
Quem falava a verdade, quem era o mentiroso? Amira não queria
acreditar que Khalid era um mentiroso, tão pouco queria desacreditar nos seus
instintos dizendo que a Sultana não era o que mostrava.
— Tire a roupa... — ordenou ele em uma voz rouca.
Amira engoliu em seco, mas fez o ordenado. Parou de dançar e começou
a retirar suas vestes, evitando olhar na direção do sultão enquanto se desfazia dos
poucos pedaços de pano que a cobriam, e ficou completamente nua, apenas
coberta com as joias. Ele veria as cicatrizes e tinha medo de sua reação. Mas ao
contrário, ele aproximou-se, analisando cada centímetro de seu corpo, fazendo
Amira sentir o estômago embrulhar diante de seu olhar admirado, e tocou todas
elas.
— A vida foi dura.
— Apenas a vontade de Alá, para me trazer aqui. Honroso senhor —
disse ela de cabeça baixa.
Ele concordou com a cabeça e a levou para a cama. Logo que a deitou
sobre os lençóis e cobriu o corpo dela com o seu, Amira tremeu. Novamente
aquela sensação horrível, a vontade de lutar contra o inevitável, empurrá-lo e
roubar a sua espada, sair desesperadamente daquela situação e correr para o
conforto dos braços de alguém... Não de qualquer alguém, mas de Khalid.
Mas ela poderia fazer isso? Seria o certo? Ele matou a primeira esposa e
não sabia o porquê. Ele tramava algo contra seu pai, alguém que não parecia ser
cruel como fora dito. Amira fechou os olhos com força e apenas esperou que o
Sultão fizesse o que desejava e acabasse logo com aquilo. Porém, sons de passos
apressados vieram do lado de fora do aposento. O Sultão ficou em absoluto
alerta, levantando-se e puxando a espada. Disse para ela se esconder depressa,
mas no momento que ele ordenou isso, percebeu que Amira não parecia surpresa
com o ataque.
— Você é cúmplice! — acusou ele, apontando a espada para ela.
Amira sorria trêmula, vacilante, aliviada e temerosa ao mesmo tempo.
Sentia que talvez não tivesse mais que se submeter ao sultão, mas seu destino
ainda era tão incerto que não conseguia deixar de sentir medo.
— Oh! Sultão, independente do que eu seja, seria julgada e condenada
de igual maneira. Eu sou uma simples escrava um pouco mais cara que as
demais, apenas.
A expressão de ódio do sultão vacilou e a mandou que saísse o mais
rápido da cama e fosse para o canto, que depois lidaria com ela. E logo que
Amira saiu e ele tomou a frente em defesa, a porta fora aberta em um rompante e
dois homens entraram no aposento de rostos cobertos, mas um ficara próximo à
porta. Ambos estavam banhados em sangue.
A voz abafada do homem era irreconhecível.
— Isso é uma rebelião! — gritou e então avançou em sentido ao sultão
que conseguiu segurar o primeiro golpe de espada com facilidade.
— Quem são vocês? — questionou irascível. Não ousou gritar por seus
guardas, pois o sangue que banhava os homens era indício de que todos haviam
sido mortos.
O homem era rápido e logo puxou uma segunda arma, uma adaga.
Avançou mais uma vez com destreza, ignorando a pergunta do Sultão e enfiou a
lâmina na altura de suas costelas.
— Maldito! Como ousam se rebelar contra o seu senhor. Será decapitado
por isso.
Mas, o homem afastou-se e voltou a atacar em silêncio, sem distrações,
sempre em um jogo rápido para enganar os reflexos do sultão. Fahir sabia lutar,
mas não tinha uma prática diária para mantê-lo com reflexos melhores. Ainda
assim, conseguiu em um rompante de sorte desferir um golpe na perna do
inimigo, porém o que ele não contava é que o homem usou a própria perna de
atrativo, para ter a chance de desferir um golpe letal bem no meio do peito,
fazendo o Sultão cambalear para trás com os olhos alarmados.
O corte dilacerou profundamente de um lado ao outro o peito do sultão,
e ele começou a perder muito sangue. Tentou mais uma vez ir para cima do
inimigo, ofegante, mas recebeu outro golpe, desta vez formando um “X” em seu
peito. Ainda assim, não se rendeu e continuou dignamente de pé.
Neste instante, o homem que o atacara tirou o tecido que cobria seu
rosto, e a face de Khalid se revelou.
— Khalid... Meu filho. — disse em choque, a voz repleta de amargura e
dor — Disseram-me que após anos havia retornado...
Novamente o sultão não parecia olhar o filho, mas além dele, como se
sua mente vagasse para longe. Recordou-se de todo mal que provocou ao seu
primeiro filho, o garoto que um dia fora sua fonte de alegria. Ele se lembrou do
pouco amor que lhe deu, do pouco que ensinou, da quase nula atenção, e sabia
que tinha falhado miseravelmente com o rapaz. E segundos o encarando foram o
suficiente para ver além dele, todas as faltas de lembranças ao seu lado e todos
os seus pecados para com aquela criança que agora era o homem que veio para
exterminar com o seu sultanato.
— Sultão Fahir, venho matá-lo em justiça de todos que vieram a sofrer
com a sua negligência! Fazê-lo pagar por seus pecados como governante, como
filho, marido e como pai! Pelo seu povo que morre enquanto você se importa
apenas com a sua ganância e luxúria.
— Khalid, tão parecido com sua mãe... Honde... Por minha culpa... —
disse ele com a voz falha, e Khalid se aproximou a passos calmos do pai com
uma expressão de puro ódio e rancor.
— Não fale o nome de minha mãe, você é indigno da lembrança honrosa
daquela mulher!
O príncipe parecia a personificação da revolta de Alá sob os ímpios.
Imperioso em sua escolha, objetivo e até mesmo cruel. Devolvendo o mal a
quem lhe deu o mal. Khalid ergueu sua espada e a encostou no pescoço do pai.
O sultão sorriu para o filho.
— Pois que assim seja, torne-se um sultão melhor do que eu fui. Mas se
posso fazer um pedido mediante a minha morte... Cuide da Amira... Não deixe...
Mas o sultão jamais terminou a sua fala, pois Khalid, cansado de suas
palavras, enojado de ver o rosto do homem indigno que não fez nada para evitar
o castigo de Alá que repousou no palácio como fruto de sua luxúria, afastou a
espada do pescoço do pai o suficiente apenas para voltar com força e decepá-la
em um rápido movimento.
A cabeça caíra primeiro no chão rolando, enquanto o sangue esguichava
e escorria, banhando o corpo e o quarto.
O corpo do Sultão Fahir teve o mesmo encontro com o chão alguns
segundos depois. Khalid, sentia-se vingado, mas jamais estivera preparado para
o que viria a seguir. Atrás do corpo de seu pai, que até o último momento ficou
exatamente no mesmo lugar antes de cair, revelou-se uma figura pequena e nua,
pálida, aterrorizada e trêmula.
Mas não era Amira... Era a sua e tão sua...
— Ayla... — disse em um sussurro sôfrego.
Khalid deu um passo em sua direção e ela ao mesmo tempo deu um para
trás, encostando-se na parede, tentando tapar os seios e o cruzamento entre suas
pernas com as mãos. Seus olhos demonstravam pavor, choque e desconfiança.
Ele ergueu uma mão em sua direção e ela se retraiu, fazendo-o encolher a mão.
Olhou seu corpo e seu coração se despedaçou com as cicatrizes que encontrou.
Sentia-se frustrado, inútil, um homem indigno dela. Acreditara na sua morte e
nunca fora atrás para ver o seu corpo e ter a certeza. Envergonhado e não
querendo assustá-la mais, pegou os lençóis sobre a cama e os puxou de forma
brusca, engoliu em seco, jogou sobre ela e se virou. Dando-lhe as costas, falou
para o homem à porta:
— Esta noite, o Sultão Fahir foi morto por um homem desconhecido de
preto. Lutou bravamente para proteger a sua mais nova concubina, mas veio à
morte. O homem a teria matado também, mas cheguei no quarto antes. Por sorte,
o encontrei ainda antes de encontrar a morte e em suas últimas palavras, pediu
que eu cuidasse dela. E independente de qualquer coisa dita, esta será a verdade
absoluta. Espalhe isso e informe a todos que o novo sultão de Anatólia é Khalid
Alev Volkan! Traga a criada chefe e diga à ela que leve Amira ao meu harém,
cumprirei o desejo de meu pai.
Amira por sua vez não sentia mais forças em suas pernas e apenas dera-
se conta que caiu ao sentir o baque de seu corpo contra o chão e a dor que
culminou disso em suas nádegas, com a imagem de seu herói predestinado sendo
estilhaçado de sua mente.
CAPÍTULO 08

DESILUSÃO: O GRANDE CHOQUE DE REALIDADE

D ilacerado, era a forma que se encontrava e batia o coração da jovem


Amira. Sua mente estava perdida em um turbilhão de memórias que
passavam entre as de sua infância e àquelas criadas para se consolar.
Amira se viu arrastada de volta à realidade de forma tão abrupta, que lhe causava
uma dor física, um sentimento semelhante a uma traição, quebrou em pequenos
fragmentos algo muito precioso dentro de seu coração. Ela olhava a porta que
Khalid passara quando este lhe deu as costas, enquanto esses sentimentos
continuavam a invadir seu ser.
Amira tentou, em uma vã esperança, recriar uma imagem de Khalid,
uma imagem para se agarrar e não terminar de quebrar a doce recordação que
sustentava dele, desde sua infância.
Afinal, sempre teve a melhor versão dele nos seus momentos de aflição e
tormento, aquele homem que habitava sua mente e que nas piores fases de sua
vida, conseguia resgatar-lhe as forças protegendo-a da dor. E agora, para o seu
total pavor, o Khalid que estava ao seu lado, ao segurar-lhe as mãos não era mais
o mesmo homem. Este novo Khalid portava um olhar sombrio e obscuro em sua
face. Amira, ao tocá-lo em sua mente, viu suas mãos banhadas em sangue, não
estava mais conseguindo discernir a realidade e nem buscar as doces lembranças
do seu prometido. O olhar de Amira carregou-se de dor e as lágrimas densas e
pesadas, que passaram a molhar sua face, ardiam como fogo em brasas no seu
rosto. O Khalid de sua nova realidade mostrava-se cruel, uma crueldade fria e
articulada que se apresentava no momento em que matou o próprio pai.
Ele matou o pai e matou sua esposa, seria você Amira, apenas mais um
corpo no seu rastro de mortes que ele logo irá se desfazer? Dizia uma voz
pessimista insistentemente na cabeça de Amira, atormentando-a. Torturando-a.
O corpo dela tremia, com desespero e agonia, parecia que algo subia de
suas entranhas até a sua boca, formando uma bola em sua garganta, que a fazia
sentir uma enorme falta de ar. Precisava de ajuda, sufocada em seus próprios
pensamentos, não poderia mais voltar à fantasia e encontrar consolo nos braços
de seu amado. Tinha que ser forte e precisava lutar sozinha, mas naquele
momento, não se sentia forte o suficiente. Amira sentia sua força esvair-se junto
com o ar que lhe faltava, levou a mão ao seu próprio pescoço e a deslizou até seu
rosto. Ao mesmo tempo em que se via chorando pesadamente.
Era como se diante dela não estivesse o corpo do sultão, mas sim, de
Khalid. O amor de sua vida.
Recordou-se rapidamente, como um feixe de luz, que após matar o
próprio pai, os olhos de Khalid encontram os dela. Seu olhar mudou, se tornou
brando e deu um passo em sua direção. Amira não conseguia ignorar isso, ele
parecia surpreso, mas feliz de alguma maneira em vê-la. Parecia querer tocá-la,
mas ela sentiu medo e se encolheu, o que lhe deu mais visão de seu corpo nu e
marcado, o seu corpo que quase fora tocado pelo sultão.
Amira havia percebido que Khalid tinha se retraído, a expressão dele não
passou ilesa quando viu seu corpo nu. Ela gravou em detalhes todo aquele
sentimento que ele faiscava pelos olhos.
Ele sentiu nojo? Ele a odiava agora?
Mas... Ele falou seu nome... Ele se lembrou dela...
Não entendia.
Amira, simplesmente não sabia de mais nada.
Ela não conseguia ignorar qualquer coisa sobre Khalid, seja seu ódio ou
sua simpatia... Não conseguia pensar em fugir dele, mesmo com todo o medo
que possuía seu ser. Tudo que ela tinha conhecimento era que naquela noite, o
bondoso Khalid de suas memórias, que não mataria ninguém que não fosse
“mau”... estava morto. Seu último refúgio pueril fora cruelmente assassinado na
ponta da espada do Khalid real.
— De agora em diante, é com esta realidade que tenho que conviver —
murmurou para si mesma dolorosamente. E este homem que ela desconhecia,
essa nova versão, poderia matá-la se entrasse em seu caminho, talvez ele a
repudiasse pelo seu corpo sujo e repleto de cicatrizes de sua selvageria... refletiu
ao recordar que ele evitou tocá-la quando jogou o lençol sobre ela.
— Senhorita? — disse uma voz, tirando-a de seus pensamentos em um
susto que a fez petrificar, com os olhos marejados, levantou lentamente o olhar
para o homem.
Esqueceu completamente de que na sala não tinha apenas Khalid e ela,
que mais pessoas adentraram o recinto e havia alguém a vendo desta forma. O
homem a surpreendera, quando com a mão secou suas lágrimas. Por instinto,
Amira bateu em sua mão e se afastou do toque com mais algumas lágrimas
rolando por sua face.
— Não me toque! — Amira não podia permitir que alguém estivesse
vendo-a em uma situação tão frágil.
Ele a olhou com piedade ao mesmo tempo em que se via encantado,
pois jamais vira uma face tão triste e tão bela ao mesmo tempo. Seus cabelos
longos espalhados, seu rosto molhado pelas lágrimas e perfeito, a mulher diante
de si podia ter tudo que quisesse em suas mãos, se soubesse usar de suas armas.
Refletiu ele, enquanto admitia para si que faria qualquer coisa para aplacar a dor
nos olhos da jovem.
— Aqui, beba um pouco de água... — insistiu com calmaria, evitando
seu olhar para não se ver encantado demais por ela.
Amira viu o copo de água, levantou o olhar para o homem diante de si e
o reconheceu, Jaffar. O homem que falava com Khalid na tenda quando o
salvou. Ele era mais velho que Khalid, parecia ter um alto posto militar, se
estivesse certa. Este homem devia ser tão cruel quanto ele, mas parecia
irrefutavelmente gentil neste momento. Sua voz estava calma, inspirando Amira
a acalmar-se lentamente e colocar a mente no lugar.
Estava se deixando entregar-se às suas emoções quando alguém a
assistia? O que estava fazendo?!
— Pode beber com tranquilidade... — voltou a insistir — Assim que
beber a água e se acalmar, irei chamar a criada chefe. Você será a concubina do
meu senhor Khalid. Precisa ser digna na frente das pessoas, mesmo que seja a
criada chefe. Não é sobre chorar, mas sim como a senhora está neste momento...
Ele era sensato e falava com sabedoria, Amira sorriu intimamente
mediante a empatia do homem. Pessoas de coração bom, não pensam antes de
qualquer atitude, apenas fazem. Pessoas ruins, ponderam e especulam, seus
comportamentos são excepcionalmente controlados. E este homem diante de
Amira, era sem dúvidas, uma pessoa boa e teve a hombridade de se importar
com ela. Parece que Khalid tinha realmente conseguido algumas boas pessoas
para o seu lado.
Concordando com a cabeça, pegou o copo da mão do homem e o bebeu.
O pensamento de que poderia ter algo além de água na bebida lhe passou pela
cabeça, mas ela o ignorou.
O homem lhe deu algum espaço para que ela se levantasse e se virou de
costas para que pudesse arrumar-se Amira, rapidamente recolheu a roupa que
vestira anteriormente e devolveu o lençol a cama. Em meio a isso, tentou
controlar sua respiração e pensar com mais sobriedade. Não secou suas lágrimas
e nem omitiu de sua face, os sentimentos. Afinal, o sultão acabou de ser morto
diante dos olhos dela. Ninguém esperaria frieza dela, a não ser que estivesse
envolvida... como realmente estava, admitiu internamente.
Avisou ao homem que estava vestida, ele a olhou rapidamente e então
saiu para ir atrás da criada chefe. Amira, não podia neste momento, pensar
apenas em Khalid. Tinha muito mais para pensar e deixaria para sofrer ou chorar
quando estivesse sozinha.
Amira, sozinha com o cadáver do sultão, sentia-se fúnebre. Recordando
do homem que a olhou com tamanha fascinação e no curto tempo que estiveram
juntos, parecia ser cuidadoso e ao mesmo tempo tinha diversos fantasmas em sua
mente.
Quem foi “Aysha”?
Ela sentiu seu estômago revirar, ao encará-lo por muito mais tempo e
percebeu seu tremor voltar. O pensamento de sua cabeça retornou, em algum
momento pensou que poderia ser ela a estar assim no chão, tão facilmente após
um golpe rápido. Amira estava em um conflito, não podia evitar o medo ou o
amor que nutrira, ademais, sabia que não poderia confiar. Via-se perdida
mediante a tudo aquilo.
Mas por Alá! O que fez aquele garoto se tornar este homem? Pensou ela,
ao mesmo tempo em que vira sem querer um espelho no canto do quarto que
parecia responder à sua própria pergunta.
O que aconteceu para que Ayla, se tornasse Amira?
Por amor a ele, ela decidiu.
Apesar de tudo, não poderia mais ser salva... Já não tinha uma família,
somente algumas criadas que ganharam um espaço em seu coração, fora isso não
faria grande diferença, Amira não tinha mais ninguém no mundo a não ser ela
mesma. E tudo que lhe restara de material, fora um brinco de rubi, dado por
Khalid, um punhado de papéis, entregues por sua irmã antes da morte e, que
nunca tivera coragem de sequer abri-lo. Mas ele, Khalid, podia mudar as coisas
para seu povo, poderia ajudá-los e então a cena que tinha visto acontecer diante
de seus olhos há minutos atrás, não mais se repetiria.
Todavia, havia algo dentro de si gritando, Amira queria
desesperadamente salvar Khalid da dor, pois ela também viu naqueles olhos o
reflexo do seu próprio desejo de vingança. Não podia imaginar a vida de vossa
alteza quando criança, e se mesmo ele, se vira impetuosamente agarrado em sua
vingança.
Amira agora se sentia em um impasse, perguntava-se se seu próprio
desejo de vingança ainda deveria ser levado a ferro e fogo.
Mudaria alguma coisa do que já aconteceu? Iria trazer a sua pacífica
vida de volta? Iria acontecer um milagre e todos aqueles que sofreram, não mais
sofreriam? Apaziguaria os fantasmas de suas lembranças?
Não.
Teria a satisfação do ímpio, recebendo o mal do qual ele plantou, mas a
dor ainda seguiria ali.
Os inimigos não mereciam continuar vivos e andando livremente pelas
terras abençoadas de Alá, não quando ninguém fez nada para ser morto dessa
forma. O Sheik merecia morrer, lentamente, por tudo que lhe fizera. Amira
sentia-se incomodada, em dúvida. Ainda que não valesse a pena, ela se vingaria.
Mas e depois disso?
Amira não achava, que só por ter assassinado o seu pai, a dor de Khalid
se esvairia. Ela sentia que se de alguma forma pudesse o ajudar encontraria uma
resposta para as dores que habitavam o seu coração.
E se ele te matar, sem sequer simpatizar com a sua dor? De que valeria
isso? Perguntou a voz chata em sua mente.
Neste momento, a criada chegou e deu um grito de espanto ao ver o
falecido sultão. Assim que os olhos da mulher chegaram a Amira, sua expressão
endureceu. Não era como se soubesse que tinha alguma participação, mas como
se ela estivesse viva e o Sultão morto, fosse o maior pecado que poderia cometer.
A cruel mulher caminhou até Amira e a segurou com firmeza pelo seu
braço e a arrastou para fora dos aposentos.
— Me falaram para te levar ao harém, do sultão... — falou amarga — Se
apresse.
Ela falava isso enquanto arrastava Amira sem qualquer delicadeza, como
se ela estivesse com alguma deficiência e não pudesse andar sozinha. Irritada,
Amira balançou o braço e se soltou das mãos da mulher. Com dignidade, olhou-
a.
— Eu posso andar sem a sua ajuda, me mostre o caminho — informou,
controlando-se para não expor a sua ira, devido ao claro repúdio que sentia por
aquela mulher.
O sentimento era mútuo, sim. Mas não seria submissa.
— Espero que você não se esqueça, você não passa de uma escrava —
recordou a mulher de forma venenosa e tomou passos à frente, mostrando o
caminho.
A mulher andava rápido e por isso Amira teve que se apressar para não
perder a criada de vista. Ao chegar no harém, apenas lhe entregou algumas
cobertas e disse que havia um lugar que facilmente encontraria para se deitar no
canto do grande aposento.
Antes de sair, não deixou de destilar o seu último veneno:
— Se eu fosse você, tomaria cuidado ao chamar a atenção do príncipe...
digo, de vossa majestade o sultão Khalid, senão terá o mesmo fim de sua
primeira concubina — concluiu com um sorriso cruel e afastou-se fechando a
porta atrás de si.
Amira se virou e viu diversas mulheres acordadas com poucas vestes.
Provavelmente, acordaram com todo o barulho causado no ataque ao sultão.
Todas elas olharam-na estupefatas, desta vez vendo seu rosto. Como todas as
vezes anteriores, menos com a criada chefe, assim que viram seu rosto mesmo
manchado pelas lágrimas e os olhos com o azul mais forte devido o choro,
exclamaram sobre sua beleza em um murmúrio.
Em passos calmos através do harém, as mulheres não lhe diziam uma
palavra, sequer abriram espaço para ela. Mas isso durou pouco, em um curto
espaço de tempo todo um alvoroço foi feito, enquanto a cercavam e perguntavam
o que houve.
Lembrar fazia Amira tremer e vacilar. Mas contou o que supôs que
deveria contar.
— Ah! Eu estava tão nervosa. Quando cheguei ao quarto, ele estava de
costas... mas vossa majestade o Sultão havia pedido para que eu dançasse para
ele, pouco depois de ver o meu rosto. Acredito que ouviu sobre minhas
habilidades... Ele parecia feliz e foi gentil. Uma pena, uma grande perda! Em
determinado ponto ele se aproximou de mim, tocando meu rosto e pensei que
iria acontecer logo a consumação. Me tornaria concubina dele, mas o impensável
aconteceu! — disse Amira exclamando.
Todas olhavam com expectativa para Amira e então ela continuou:
— Invadiram o quarto e o Sultão me empurrou para o canto oposto do
aposento! Foi muito rápido, muito perigoso e, por Alá, estava apavorada. Como
um herói, fora em busca de proteger-me! — Amira trêmula e chorosa, ganhando
a empatia de boa parte das mulheres ali, seguiu contando: — Começou uma luta
de homens de preto contra o sultão, os invasores estavam totalmente cobertos.
Amira encontrou uma falha no plano de Khalid neste instante.
Como o sultão poderia ter falado para ele algo, se ele “chegara”
depois?
Como o sultão falaria se teve sua cabeça decapitada?
Querendo ou não era cúmplice do assassinato... Mordendo o lábio
inferior, ficou em silêncio, fazendo algum drama, pensando em como corrigir
isso.
E então, teve uma ideia.
— Vi com os meus próprios olhos, como tudo aconteceu. Em
movimentos rápidos em meio à luta incessante, o sultão recebeu dois golpes no
peito, formando um “X”. Oh! Fora horrível e neste momento o Príncipe Khalid,
chegou! Juntou-se à luta e o Sultão pediu para ele, que se não saísse vivo, que
cuidasse de mim, pois eu não tinha sido tocada ainda. Que não me desejava uma
vida infeliz... — disse Amira emocionada, pois o Sultão de fato pediu, mas não
pode terminar a sua frase. Apenas queria acreditar que poderia ser isso — Mas
enquanto o Sultão dizia isso ao filho... o intruso o acertara... decapitando-o!
Todas exclamavam, e pareciam se emocionar com a narrativa de Amira.
— Khalid tentou vingar o pai! Mas o homem de preto de alguma
maneira conseguiu fugir pela janela... Eu estava nervosa! Estava apavorada e não
pude fazer nada!
Amira sabia que a melhor maneira de mentir, era usando a verdade como
base. E assim via-se permitindo suas emoções serem visíveis. Algumas mulheres
se juntaram à ela no choro. Algumas pareciam mais frias, outras após saber o
que aconteceu apenas se afastaram como quem não se importasse tampouco.
Estas eram as mulheres do harém, que se importava com o seu próprio
conforto, independente de quem governasse.
(...)
No meio da noite, quando todas acabaram caindo no sono, Amira ainda
não conseguia dormir. Estava inquieta em meio aos seus pensamentos, então
caminhou com as suas vestes mais finas de dormir até a janela, olhou a lua e as
estrelas, fechou os olhos e sentiu o frescor da noite contra sua pele.
Este cenário foi sua companhia nas noites de solidão no palácio do
Sheik. E esta noite, não seria muito diferente, mesmo estando tão longe da sua
antiga prisão.
Ao abrir os olhos, vira a luz da lua e especialmente naquela noite,
parecia estar mais forte, banhando com o seu brilho prateado todo o palácio.
Amira desceu o olhar para ver o que tinha ao seu redor e avistou um jardim.
Seus olhos se acenderam e seus pensamentos tempestuosos se desfizeram,
ficando fascinada com o que tinha a uma relativa distância dela.
Onde estava no harém, era um tanto mais alto, mas este jardim, enchia
seu coração de uma alegria sem tamanho, pois jamais vira algo semelhante em
sua vida.
Uma ampla grama verde, que pela noite estava um tanto sombreada, até
chegar a um vasto tapete de flores. Algumas árvores e rochas ornamentavam a
beleza do lugar. Parecia tão perto e tão distante, um desejo de passear por aquele
pequeno pedaço do paraíso a deixava tentada a fugir da “gaiola” bem decorada
que se encontrava.
Só um pouco. Que mal faria ir até lá? Pensava ela.
Na ponta dos pés, a garota saíra do harém. Tomando cuidado com os
guardas e se escondendo vez e outra. Sentia-se em uma aventura, uma que
levaria à terra prometida. Sentia-se um pouco mais ela mesma, mais próxima de
Ayla do que Amira. Sorria em meio à sua travessura, seguiu se esgueirando, em
um corredor após o outro. Procurando uma saída, ela não queria muito, nem
planejava fugir, apenas... ansiava por aquele jardim.
Por sorte, os corredores externos eram abertos e para o seu azar
também, a cada passo se escondia nas sombras, fugindo do olhar de algum
guarda. Em determinado ponto, encontrou um corredor onde podia ver o tal
jardim, abrira um sorriso imenso, mas logo em seguida, vira um guarda ao longe
se aproximando. Não tinha para onde ir, apenas lhe restava uma opção.
Pular através de um dos grandes arcos que faziam aquele corredor todo
aberto.
Amira puxou o ar temerosa. Não queria ser vista de todo modo, por isso,
tomou impulso e em uma curta corrida se viu pulando através do arco. Esperou a
dor, mas por Alá, se sentia abençoada! Caíra, mas onde estava não era tão alto
como no harém. Fora pega de surpresa, mas rolou e encostou-se contra a parede
e se encolheu, até que o guarda passasse.
Um riso travesso quase escapou-lhe pelos lábios, quando finalmente
voltou ao seu caminho em direção ao jardim, que ficava mais à direita. O
perfume do lugar chegava às narinas de Amira de forma surreal, doce, mas
suave. E a cada passo na direção do jardim, mas sentia este cheiro.
Como se seus pés flutuassem a levando para lá, viu-se parando apenas
quando se deparou com um caminho, que ao seguir com os olhos, atravessava o
jardim. Amira só tinha que passar uma pequena “ponte” por onde passava água
corrente. Nunca avistou algo semelhante e mesmo a água ali parecia ser
impressionante. Quão rara era a água de onde vinha e neste lugar parecia ter o
seu próprio oásis. Tinha fontes para pegar tal líquido e, por vezes, usar nos
banhos logo quando chegou ao palácio do sheik também havia uma maior
facilidade de acesso às fontes de água, mas não algo corrente assim.
Jamais vira nada como aquilo, mesmo o palácio do Sheik que era
extremamente luxuoso, não se comparava. Todavia, Amira sabia que era um
pensamento tolo, comparar a morada de um Sheik e um Sultão. Em todo caso,
conforme se aproximava, via flores azuladas, mas não podia saber a cor exata
que tinham. Olhara sobre os ombros para trás, com medo que a pegassem em
flagrante, mas para o alívio da jovem não parecia ter ninguém.
Seguiu o caminho de terra entre as flores, até chegar a um banco de
pedra. Sentou-se ali olhando, encantada por tamanha beleza. A propriedade era
cercada por torres e paredes grossas de pedras muito altas ao fundo, mas se
encontrava tão longe que não diminuía em nada esse belo jardim. A garota, tão
abobada, jamais imaginou que veria tamanha beleza. A luz da lua, as flores, o
perfume, a paz, tudo... Quase como se tivesse passado por alguma porta no seu
caminho para o jardim, que a levasse de fato ao paraíso.
De fato, ao longe já tinha chamado assim, de paraíso, mas em meio à
toda esta beleza, era muito mais real e vivido... muito mais emocionante. Mal
conseguia absorver todas as informações. Desejava ter habilidade do desenho e
da pintura, porém Amira pensou que jamais faria justiça à tamanha beleza.
Tirando-se do devaneio, escutou vozes baixas se aproximando. De um
salto, saíra do banco que estava e procurou algum esconderijo, até que viu as
grandes rochas. Amira meteu-se entre as flores e correu para se abrigar entre as
pedras. Nervosa e com o coração vacilante, levou a mão ao peito, como para
conter as batidas frenéticas. Ficou ali, no mais absoluto silêncio até que as vozes
passassem por ela.
Suspirando aliviada, a jovem deixou-se escorregar até o chão ainda
abrigada pelas rochas e se sentou. Aproximou-se das flores ali sem as arrancar e
as cheirou, sorrindo feliz. Ao mesmo tempo em que se dera conta de que suas
pernas doíam, assim como seu traseiro. Fora um longo dia afinal. Acomodou-se
no chão e puxou as pernas para si, as abraçando.
Sentia-se só, com dor e separada do mundo, mas pela primeira vez na
vida se sentia em paz, em segurança de alguma forma. Contrastantes eram as
emoções dela, que a faziam pensar que se fosse de outra forma, será que ela
poderia ter se sentido diferente naquele momento? Achou que não, pois em todo
momento lidara da melhor forma que pôde, mediante a tudo. Só não tinha
certeza se iria aguentar mais. Ser forte não significava que a pessoa deixava de
sentir dor...
Neste instante, toda dor que estava contendo, pareceu querer transbordar,
mas lágrima alguma nasceu por seus olhos. Apenas abraçava-se com ainda mais
força em busca do menor consolo.
Pensar em Khalid fazia a bagunça de sua mente transbordar. Tão logo
vinha a lembrança do olhar ainda repleto de brilho de vida e a imagem da cabeça
do Sultão caindo ao chão em um oco som de queda, imaginando seu possível
futuro dali em diante.
Amira se perguntava olhando as estrelas se fizera uma boa escolha,
quando deixou a porta aberta, se não estava apenas cega de amor. Divagando, de
alguma forma, quando se deu conta de suas ações, estava acariciando uma flor
que estava próxima de si. Podia ser por influência da luz da lua, mas aquelas
flores eram azuis? Se fosse, seria incrível.
O dia da jovem foi tão cansativo, que em meio à tudo aquilo, ela não
percebeu o momento em que caíra no sono.

As horas se passaram demasiadamente rápidas. E pouco antes do sol


terminar de nascer, Amira despertou, em alerta escutando vozes. Estava
sonolenta, mas conseguia perceber que era a voz de uma mulher e a de um
homem. Inclinara-se um pouco para o lado, ainda esfregando os olhos, porém,
no mesmo instante que viu a cabeleira vermelha tão facilmente reconhecida,
despertou por completo.
A conversa estava agitada, mas o que falavam chegara tão baixo aos
ouvidos de Amira que parecia um murmúrio. Ela teve que, com muito cuidado,
prestar atenção para conseguir entender.
— Fahir está morto e você me pede calma?! — reconheceu Amira a
voz feminina, que sibilava em fúria.
— Kelebek, não fale desta forma... — dizia a voz masculina que não
conseguia definir. —... Está perdendo a sua compostura.
Quem era esse homem? Ele tinha a voz calma e sibilava, tendo algumas
palavras que Amira não conseguia escutar. Sabia que não deveria estar ali e se
fosse esperta, não iria meter o nariz neste tipo de situação, mas se estivessem
falando algo que fosse do seu interesse? Será Khalid? Não sabia, ele sabia
disfarçar bem a voz. Quase não o entendia.
— Eu quero aquela garota morta... — vociferou ela para o homem em
um quase rosnado — Os homens que mandei para matá-la no caminho, o que
falaram?
Amira sentiu seu coração oscilar. A sultana a desejava morta antes
mesmo de chegar ao palácio... por isso seus guardas não eram tão experientes?
Por isso as criadas também não eram como as demais? Pareciam mais jovens e
dispostas a se abrir com ela? Amira tinha uma nova imagem da Sultana se
formando em sua mente.
A mulher como uma cobra, enrolava lentamente a sua presa e eliminava
antes que criasse problema. Mas o homem que falava com ela não era diferente,
porém, parecia diferentemente perigoso, como um escorpião.
— Que foram atacados, na verdade, só um dos homens voltou vivo da
missão que lhes dera. Eles estão receosos... Sultana — disse ponderando.
— Eles são servos... — disse ela friamente — O único motivo de
estarem neste palácio é para servir. Se não servem para isso, não têm mais
utilidade. Devo descartá-los?
— Já foram... se a senhora me permite lembrá-la. Tenho uma ideia,
traga-a ao seu lado... — Amira segurava até mesmo a respiração para tentar
escutar e nada.
Não conseguiu escutar o resto, o homem era calmo e não parecia estar
nervoso tão pouco. Quem era ele? A sultana Kelebek tinha mais dificuldade em
disfarçar a sua voz que era aguda e principalmente por que ela estava irritada.
— Eu pretendia esperar mais tempo para anunciar a minha gravidez... —
admitiu a sultana relutante, mas claramente chateada — Terei que chorar a morte
de Fahir.
— Tudo no tempo certo, minha senhora, no momento, deve sobreviver.
— falou o homem insistente — E até onde sei ao menos um pouco gostava dele.
— Não mais que minha cabeça em meu pescoço.
As vozes foram se distanciando. A conversa fora confusa, mas a ideia
principal Amira compreendera. Não tinha aliados naquele lugar. Não deveria
confiar em ninguém. Deveria descobrir de quem era aquela voz. E
definitivamente, tinha que sobreviver a essa mulher.
A jovem conseguiu respirar com um pouco mais de facilidade por
acreditar que eles estavam indo embora, porém, mesmo assim se manteve no
mesmo lugar, com a cabeça agitada. Tinha que voltar ao harém e fingir que
dormiu a noite lá. Tinha que ser rápida e não ser pega, tinha que descobrir uma
forma de sobreviver à sultana… E talvez sabia o que poderia fazer.
Fingir-se de aliada e no momento mais propício, fugir.
Ademais, percebeu mais uma coisa.
Khalid estava certo quando disse que ela era manipuladora, seus
instintos estavam certos também... A ultima pergunta que restara à Amira era: ela
poderia voltar a confiar em Khalid?
Tinha suas dúvidas, pois ele poderia fazer o mesmo que ela fez
anteriormente, falar naturalmente uma mentira com a base na verdade. Esperou
mais algum tempo e quando enfim saíra de trás da rocha, dera de encontro com
um corpo duro e sólido diante de si que a fez cair para trás.
— Ayla? — questionou Khalid e Amira sentiu o sangue fugir de sua
face.
CAPÍTULO 09

FORJADOS NA DOR: QUEM PRECISA LUTAR PARA ESTAR


VIVO, ENXERGA MELHOR NO ESCURO

Momentos antes ...


O passado o construiu no homem forjado em ódio que era agora.
Não tinha mais ao seu lado sua mãe, seus irmãos ou a sua pequena
prometida... Não tivera um motivo sequer para alegria. Por anos, apenas os
soldados. Sobreviventes, que como ele, viram o inferno e viveram como
conseguiram, pagando o preço e carregando o fardo de seus pecados por
sobreviver. Por anos, fora apenas isso: conhecendo os homens que o serviam e
fazendo alianças. Descobrindo a verdade por detrás do luxo. Todas as verdades
que não foram contadas.
Khalid não podia se permitir a amar, e tivera somente como companhia
um e outro corpo quente em noites frias. Porém, nenhum desses corpos pertencia
ao harém. Não tinha favoritas, não tinha nada mais do que concubinas políticas.
Apenas uma única pessoa fizera morada em seu coração e isso quando sequer
sabia o que era amor.
Uma menina, que o olhara nos olhos, como igual. Ela tinha medo,
porém, também possuía uma grande valentia. A sua adorável prometida.
O dia sequer tinha nascido e Khalid já estava de pé para o anúncio da
morte de seu pai, a sua coroação e por fim, a execução dos traidores. Seus
companheiros adentraram o seu aposento, junto com algumas criadas que lhe
trouxeram água quente para o seu banho, suas vestes e a sua refeição. Ademais,
antes de saírem, como boas aliadas que eram, deixaram o pedaço de tecido
rasgado que seria fundamental aos seus planos.
Khalid agradeceu sem uma única palavra, apenas um gesto com a
cabeça, tão logo elas se retiraram. Tampouco o silêncio que imperava durou,
quando os homens decidiram repassar os planos, ansiosos. Irritantes e insistentes
em seus ouvidos, eles repetiram os planos. Contudo sua mente estava nebulosa
demais para isso. Limpou-se e vestiu suas vestes em modo automático, quando
por fim se viu diante do grande espelho em seu aposento.
A sua roupa era negra como o seu coração naquele instante. O turbante
que por muitas vezes vira na cabeça de seu pai estava sobre a mesa à sua
esquerda, esperando para ser colocado em sua cabeça. Isso o fizera engolir em
seco. Fechou os olhos com um pouco mais de força e se virou. Fingindo ouvir os
homens e concordando vez e outra, foi até um armário onde se guardava
bebidas, serviu-se um pouco e bebeu de uma vez.
Seu pai estava morto e mais um dia nasceu como se nada tivesse
mudado.
Esperava sentir algum tipo de alívio ao ver o corpo do pai morto, mas
não sentira nada. Sequer sentiu-se vingado. Seu pai era um tolo, não lhe dava
muito consolo tê-lo matado, ele apenas pagou pelos seus pecados e por sua
negligência.
Além disso, outra coisa tomou de assalto seus pensamentos de forma
abrupta.
Ayla…
Por um segundo pensou que era uma assombração que tivera vindo dos
mortos para castigá-lo por seu pecado ao matar o pai, mas... aqueles olhos foram
os mesmos que ele tinha visto anteriormente em meio ao deserto. Engoliu em
seco, quando se deu conta da verdade que se negara a acreditar... quase fez com
que sua Ayla se tornasse concubina de seu pai. Ela tornou-se uma marionete pelo
seu desejo de vingança.
Ele poderia fazer isso com qualquer pessoa, mas jamais se perdoaria
por ter feito isso com ela.
Ayla... sua pequena prometida...
Khalid serviu-se de mais uma dose caprichada de bebida e bebeu, sendo
dolorosamente arrastado à força ao passado enquanto olhava muito além de
qualquer coisa diante de si.
Em sua lembrança via o rosto de sua mãe ao lado do garoto que um dia
havia sido. Um garoto que desejava ser um bravo aventureiro, ganhar o mundo e
salvar a todos. Um garoto que tinha uma pequena prometida que lhe prometia
ainda mais aventuras com seu jeito de ser. Sonhava o tempo todo com o homem
que se tornaria e a vida que viveria, enquanto em sua viagem animada no palácio
a sua adorada mãe morria.
Inocentemente, amava sua mãe e avó, seus irmãos e mesmo sua
prometida que mal conhecera, permitindo-se uma felicidade que depois não mais
existiu na sua vida.
Perdera todos. Primeiro a sua avó, a Valide Sultana, sua mãe, o sol do
império, seus irmãos e irmãs, e alguns criados... Todos foram pegos pela mesma
doença. Ninguém sabia de onde viera, mas por algum motivo, Khalid se vira
sozinho e esperava que logo fosse sua vez de morrer. Porém, Jaffar chegou,
segurou na mão do rapaz e disse a tão marcante frase:
“Se você pudesse obter poder o suficiente para se vingar por sua
mãe, você não se apossaria dele?”
Khalid nunca pensara que esta frase mudaria drasticamente a sua vida.
A concubina de seu pai parecia apoderar-se de toda a sua atenção e
manipular o homem para não ver o que se passava ao redor de tal forma, que
mesmo quando recebera a notícia da morte de seus familiares, sequer mandou
descobrir quem foram os culpados. O país estava em decadência, assim como a
própria mente do sultão.
Ainda jovem, sentia em seu íntimo, mesmo sem provas, que a mulher de
cabelos ruivos era a culpada. Mesmo quando ela caiu doente e milagrosamente
sobreviveu, mesmo que tenha pagado o preço, perdendo o bebê que fazia morada
em seu ventre.
Khalid prometeu a si mesmo que desmascararia essa mulher e tiraria seu
pai do trono. E quanto mais pessoas de fora do palácio conhecia, mais motivava-
se em ajudá-los e mais firmes tornavam-se as suas convicções.
(...)
Abandonando os pensamentos sobre o passado, Khalid, em meio ao
falatório dos homens insistentes, colocou o copo sobre a mesa de maneira
brusca e forte, e voltou seu olhar carregado aos homens. Eles pararam de falar
instantaneamente e se retraíram. Silenciosamente se curvaram e saíram o mais
rápido possível do aposento. Quando se viu totalmente só, finalmente sentiu que
poderia respirar fundo. Voltou seu olhar para a janela e se fixou naquele brilho
alaranjado e voltou a mergulhar nas lembranças do passado.
Sorriu amargurado e se recordou de quando tinha acabado de chegar da
sua longa viagem e recebeu a cruel notícia da morte de sua mãe. E não muito
tempo depois chegara ao seu conhecimento a morte de todos da tribo de sua
prometida.
Khalid quase podia se ver, alguns anos mais novo vivendo seu luto,
quando pegou um canto do jardim do palácio e, pessoalmente, começou a plantar
flor por flor que havia ganhado de sua mãe. O que remontava a uma lembrança
ainda mais velha.
(...)
Em uma tarde de sol agradável, fora chamado para tomar chá com sua
mãe, uma linda mulher de cabelos longos e olhos firmes, dizendo com um
sorriso:
— Olhe bem, Khalid, meu filho. Esta é a semente de uma flor com um
tom azul lindo! Tão bonito como os olhos de sua prometida — dizia sonhadora.
Sua mãe que tinha dado a ideia deste casamento, da união por paz. E
certamente era a mais empolgada. Khalid sentira algum ciúme do afeto que sua
mãe falava de Ayla. Sua mãe tivera apenas ele, mas devido à sua sagacidade,
ela se tornara muito influente.
— Vocês me darão netos lindos, tenho certeza.
A Sultana Honde lhe mostrou um retrato desenhado sem muito esmero,
mas com traços muito lindos, de uma menina. Para que tão logo que a visse
pudesse reconhecê-la.
(...)
Khalid não sabia, mas a esta altura sua mãe já se encontrava doente e
omitia de todos o fato.
Recordações da mãe, e da tal menina que atormentaram fortemente o
rapaz de dezessete anos da época, seguiam causando profunda dor mesmo nos
dias atuais. Mas o Khalid daquela época, que chorava quando ninguém via suas
lágrimas e o suor se misturando com tudo aquilo que se passava em seu mundo,
aquele Khalid só parou de plantar flores quando sua última lágrima caiu e
aceitou de peito aberto o seu destino.
Dera o nome de sua prometida ao jardim, mas não era uma coisa
especialmente feliz, era a lembrança de sua mãe e daquela menina, do futuro que
prometia ser magnífico pelo olhar que brilhava de sua mãe.
Por anos questionou-se se poderia ter salvado sua mãe se não tivesse ido
conhecer sua prometida. Perguntava-se… E se ele tivesse ficado mais tempo
com a prometida, poderia ter evitado o que aconteceu a tribo de sua amada?
No fim...
— Não era mais que um menino entusiasmado... — reclamou para si.
(...)
O menino se tornou homem, sobre o túmulo de todos com quem um dia
se importou. Graças à solidão, ele se fez homem.
Jaffar o levou para a guerra, lutou por sua vida. Matou e quase foi
morto, por mais vezes que conseguia contar. Matou inocentes e culpados,
porque a guerra é isso, não importa de qual lado estava. Khalid aprendeu muito
sobre a vida enquanto suas mãos se mancharam de sangue.
Tornou-se mais forte e criou a sua própria facção, uma que o apoiava
incondicionalmente. Sua personalidade cativante, conseguia conhecer
intimamente as pessoas, era popular e de alguma forma, o ajudava a fazer mais
do que simples servos. Também o ajudava a fazer aliados.
O Khalid deste tempo poderia ser tão bom quanto impiedoso. Um
homem que poucos sabiam definir, mas que muitos estavam dispostos a morrer
pelo seu ideal.
Em dado momento de sua juventude, quando voltou para casa sob
ordens de seu pai, mal saía do seu quarto. Se o fazia, o que era raro, ia ao seu
recanto de paz, onde todos eram proibidos de ir. Menos para as suas servas
pessoais, que mantinham as flores vivas e bem cuidadas.
O jardim de Ayla...
Um dia aparecera aquela menina. Uma pequena menina, magra, loira e
perdida como uma ratinha. Andando pelo jardim do palácio, estava quase
entrando em seu jardim pessoal, quando Khalid a impediu de dar um passo a
mais. Havia sido sequestrada, estava apavorada, fora trazida ao seu harém à
força e apenas queria fugir.
Era linda e todos diziam a Khalid que era hora de ter a sua primeira
concubina.
O seu jeito lembrava a sua pequena Ayla, tão desajeitada.
Todavia, ela se provou ser apenas um peão num jogo de poderosos
dentro do sultanato. Kelebek que havia mandado sequestrá-la e, de alguma
forma, ele acreditou na bondade da menina medrosa e a protegeu. Mais tarde,
inevitavelmente, descobriu que ela era apenas uma boa mentirosa, viu-se cego.
E naquela menina encontrou a sua vingança, não só pela traição, como também
pela manipulação feita pela sultana.
Ele a matou, sem se importar e não se sentia muito melhor que aquela
mulher ordinária que seu pai dedicava tamanha afeição. Usou a garota como
desculpa para nunca mais lhe forçarem outro alguém.
Khalid olhou para o teto do seu aposento recordando-se do dia da morte
de sua concubina. Caminhando, com uma raiva latente dentro de si, chutou o
banco mais próximo e em seguida pegou-o e jogou contra a parede furioso.
Kelebek estava lá, afinal, fora em meio ao pátio para quem quisesse ver
que a decapitou. Com o corpo pulsante de ódio, pegou a sua cabeça pelos
cabelos e jogou aos pés da sultana, em clara ofensa.
Olhando-a nos olhos, desafiando-a. E a maldita mulher nem sequer
vacilou. Khalid não havia pensado na época que este era exatamente o plano
dela. Fazer dele um monstro odioso a todos.
Seu olhar gélido e a sombra de um sorriso, que durou não mais que
alguns segundos, foram provas suficientes de todos os crimes que aquela mulher
fez. Porém, Kelebek mudou rapidamente a sua expressão, se fez de vítima,
tornando Khalid o grande vilão diante de todos.
Tolamente, o sultão Fahir, que sempre vira apenas o que queria,
sentenciou-o a chibatadas por ofendê-lo e à sua sultana. E em seguida, fora
mandado de volta à guerra. Sentia-se injustiçado, mas Jaffar lhe dera lucidez,
dizendo:
— Enquanto continuar a ser imprudente, somente causará a sua morte
precoce e nada mais.
Khalid fora balançado pelo homem até que prestasse atenção nele e
então o tirou à força do lugar.
Carregou em seu coração tamanho ódio que não sabia pôr em palavras,
pois se viu no inferno do arrependimento. Não pela sua mãe ou Ayla, muito
menos pelo seu pai. Entendia que não tinha mais força para mudar o destino.
Mas sim o arrependimento que fazia morada de não ter matado a Sultana
Kelebek ali mesmo e lidado com as suas consequências.
Para piorar, era um arrependimento que ainda vivia em seu peito.
Ayla estava de volta, e ela parecia verdadeiramente odiá-lo e tremendo
de medo por sua presença após o que vivenciou. Parecia emocionalmente
quebrada, e como poderia a condenar? Quando ele viu as marcas que estavam
naquele pequeno corpo, teve a certeza que esta não foi a única monstruosidade
que ela tinha presenciado. Sentia-se culpado, sentia-se mal. Ela o veria agora
como mais um monstro que cruzava seu caminho.
Se não tivesse simplesmente aceitado a sua morte, se tivesse procurado
seu corpo, saberia que não estava morta. Reviraria o deserto, desceria ao
inferno, mas a encontraria!
Khalid nunca conseguiu esquecê-la e mesmo se quisesse, jamais
conseguiria. Ela estava tão impregnada nele e de tantas formas, que seria um tolo
se pensasse que se livraria de sua existência. E agora ela estava ali, no agora seu
harém, com medo, entre tantas pessoas que não conhecia. De alguma forma ele
tinha que pensar em algo para ajudá-la.
Mas como?
Revoltado consigo mesmo, levantou abruptamente e fora caminhar,
respirar um pouco de ar fresco e o primeiro lugar que sua mente vagou, fora para
onde ele se refugiava em sua própria dor: O jardim que portava o nome daquela
onde estava a sua preocupação: Ayla.
No caminho cumprimentara os guardas, que demonstravam respeito ao
seu luto e também pela sua ascensão. Em passos rápidos de quem não queria
pensar em nada do tipo, Khalid se viu chegando às flores e sem se importar com
mais nada, entranhou-se nelas, sentindo o seu cheiro e tendo a bonita visão que
davam todas floridas. Tomando o cuidado para não pisar nelas quando alguém
apareceu subitamente diante de si, batendo em seu corpo e cambaleando para
trás.
Inesperadamente, sendo a sua...
— Ayla?
Momento atual...
Alto, forte, bonito e com olhar marcante. Amira se sentia pequena perto
da presença esmagadora do homem, com a sua roupa elegante que somente um
sultão poderia usar. Ainda que fosse preta, sua supremacia era gritante, sua
postura mostrava o seu status, assim como quando o conhecera mais jovem.
Embora, diferente do passado, agora ele não era mais um príncipe, conseguira
com a ponta de sua espada o seu lugar ao trono. E esta informação a fez deixar
de fantasiar com o lindo homem diante de si.
Pois ainda não tinha certeza se poderia confiar ou não nele. Amira ainda
não tinha certeza de quem estava falando com a sultana, mas se Khalid estava ali
neste instante... poderia ser ele, certo? Mas se ele a odeia, não estaria tramando
a morte dela em uma aliança com a Sultana.
Amira queria acreditar nele, mas como ele chegou ali e como eles não
se encontraram?
Khalid teria visto a Sultana se não fosse ele, teria a cumprimentado e
ela os escutaria falando, certo?
Amira deveria tomar como certo que era ele a companhia da sultana?
Aterrorizada com essa perspectiva lentamente recuou alguns passos para trás e
então se virou para correr desenfreadamente. Apenas querendo sair o mais
rápido possível de perto dele.
Khalid não sabia o que estava acontecendo, mas ao ver a face de Amira,
o olhar com reconhecimento, logo depois o pavor. Isso o deixou muito aflito.
Queria tocá-la e dizer que não lhe faria mal, mas a garota apenas fugira dele e
estava indo em direção à uma pedra grande o suficiente para fazê-la tropeçar.
Preocupado com o que poderia vir a acontecer com ela, ele rapidamente se
apressou para alcançá-la antes que chegasse à pedra e por infelicidade viesse a
cair e se machucar.
Pegando o seu braço e a puxando em um solavanco contra si, o corpo
dela bateu contra o seu em um som oco e em seguida ela começou a se debater.
Como se o seu toque fosse horrendo, ela ameaçava gritar e Khalid sentiu o chão
instável sob os seus pés, devido às flores que pisou para alcançá-la.
Pressentindo que iria cair com ela, sabia que logo à frente havia uma
inclinação, então apenas terminou de puxá-la contra si em um abraço apertado,
colando os seus corpos e imobilizando-a enquanto protegia a sua cabeça.
Deixou-se cair, sem soltá-la em nenhum instante. Tão logo que ele se dera conta,
estavam ambos no chão, rolando pelas flores até pararem a poucos metros de
onde estavam anteriormente. Embora o seu corpo estivesse um tanto dolorido e
meio sujo, ele estava certo que tinha conseguido evitar que ela se ferisse de
qualquer forma.
Para Khalid, nenhuma ferida nova seria aceita no corpo de sua amada.
Nem mesmo o menor arranhão sairia impune. E em uma brincadeira do destino,
acabara sobre o corpo curvilíneo e sedoso de Amira. Suas respirações estavam
entrecortadas, entre o golpe de adrenalina causado pela queda e pela curta
corrida. Quando ambos abriram os olhos e se encontraram, perderam o ar.
Instintivamente seus olhos nublaram e a respiração de ambos parecia
ainda mais próxima quanto era possível e os seus lábios, se atraíam. Como se
uma força muito maior que eles os unissem, como se nada fosse mais certo que
isso. Sem qualquer consciência do que estavam fazendo, seus rostos foram se
aproximando lentamente, até que Amira caiu em si ao ver o vermelho de uma
joia que ele usava em sua orelha. Tão vermelho que lembrava sangue.
Embora se sentisse terrivelmente atraída pelo homem, ela o temia e
duvidava. Havia a possibilidade de ele ser o homem que estava falando com a
sultana sobre sua morte. A menina levou a mão ao peito do rapaz e passou a
empurrá-lo com força para evitar a sua aproximação.
O que o pegara de surpresa, tirando-o do encanto. E justamente por essa
alta tensão que os envolvia, não se dera conta da mudança de humor de Amira.
Ela lutava em seus braços e uma vez que via que não conseguiria se soltar,
exclamou:
— Você estava com a Sultana ainda agora, não é?! — ela se sentia traída.
Pois em um curto lapso de tempo confiara nele plenamente. Num
instante poderia entregar-lhe a vida em suas mãos, e no outro, duvidava se
poderia um dia acreditar naquele homem cruel. Ele simplesmente apareceu em
sua frente quando menos esperava, justamente depois de ter ouvido a sultana
planejar sua morte...
Confuso, Khalid olhara para a mulher diante de si, com seus cabelos
espalhados lindamente, seus olhos claros iluminados pela luz do dia que os fazia
ainda mais fascinantes do que das outras vezes que os viu. Pétalas de flores
também estavam espalhadas pela garota. Era uma visão digna de uma pintura.
Mas ela estava completamente louca.
— Eu? Com a Sultana? Acabei de vir dos meus aposentos. Talvez,
esteja entrando em um estado de demência, Ayla? Foram tão cruéis assim com
você? Foi uma visão tão chocante assim a que presenciou ontem à noite?
Khalid estava verdadeiramente preocupado, queria saber tudo que
infringia qualquer tipo de dor em sua Ayla... ou Amira. Ainda sobre o seu corpo,
ele olhava atentamente a garota procurando qualquer coisa que lhe desse uma
pista, alguma coisa que fizesse sentido ao que ela lhe falara.
— Você estava ali, não se faça de tolo. Mancomunando-se com a Sultana
a minha morte! — ela dizia com uma voz tão sofrida que fazia tudo dentro do
corpo de Khalid doer ferozmente. E isso se estendeu à expressão dele que a fez
se calar: — Você não estava falando com ela, não é?
Amira perguntou em um fio de esperança. Khalid lentamente fez que não
com a sua cabeça e voltou a olhá-la nos olhos para demonstrar a sua completa
sinceridade.
— Jamais faria algo de mal para você, minha pequena prometida. Jurei
cuidar de você a mim mesmo desde o dia que a conheci... — Khalid
silenciosamente pedia a Alá para que ela não tivesse tanto medo assim dele e que
acreditasse nele, pois pagaria qualquer preço se o que acabara de dizer fosse
mentira.
Khalid tinha total falta de jeito enquanto falava aquelas palavras e ela
achava que isso era devido ao fato dele mal se deixar falar algo do tipo. Mas ela
poderia agarrar-se nessa sua esperança?
— Como posso acreditar em você? Desde quando o encontrei pela
primeira vez até hoje, mudou tanto. Tão diferente daquele que conheci. O rapaz
que conheci e me salvou, não mataria seu pai.
— Aquele menino, ainda era apenas isso. Um menino. Cheio de sonhos
e fantasias. De fato, não sou mais aquela pessoa há muitos anos. — admitiu com
profundo pesar — Mas independente de quem me transformei você sempre seria
a minha pequena prometida.
Amira ficou em silêncio, aquelas palavras entranharam-se em seu
coração e ele sentia-se encabulado por ter falado o que estava no mais profundo
íntimo do seu ser, tão facilmente. Sequer tinha pensado antes de falar. Apenas...
saiu gentilmente de cima dela e se sentou no chão ao seu lado.
— Estava agitado com os eventos do dia de hoje, saí do meu aposento e
vim para cá. Este jardim... — começou ele vacilante e um tanto sem graça em
deixar que ela visse o seu rosto — É seu.
Curiosa, deixando suas inseguranças de lado. O que sempre foram uma
característica marcante da menina. Já que nada era mais imperioso que a sua
curiosidade, a fez sentar ao lado dele procurando o seu olhar.
— Como?
Khalid respirou fundo e se virou para ela, com uma expressão um tanto
dura e nervosa. Focou seus olhos nos de Amira.
— Este jardim foi feito com sementes das flores que tem pétalas do
mesmo azul dos seus olhos, Ayla. As ganhei da minha mãe, que mesmo sem te
conhecer, lhe adorava. E antes mesmo dessas flores serem plantadas, já era tudo
seu — ele disse isso de uma forma tão profunda e enigmática, que a fez
estremecer e vacilar mediante o seu olhar. Sentia que aquelas palavras tinham
mais significados do que a frase dizia.
— Não sei o que dizer... — disse Amira, evitando o olhar dele sentindo o
seu rosto todo enrubescer.
Khalid, com cuidado levantou a mão tirou com delicadeza uma pétala de
flor dentre os cabelos da garota. O que a fez se surpreender com um pequeno
sobressalto. Por instinto, ela virou o rosto em sua direção, com surpresa. Ele lhe
mostrou a pétala e sorriu.
A pergunta entre este casal é quem se via mais encantado, Amira por
Khalid ou o inverso. Bastava que o olhar de ambos se encontrasse e o mundo
parecia se resumir em apenas os dois.
Khalid, fascinado pela garota, queria com loucura tocá-la por mais
tempo. Sentir o calor morno de seu toque, ou sentir mais profundamente o cheiro
que vinha dela. Por isso, gentilmente levou a mão direita à uma mecha de cabelo
de Amira, segurou-a entre os dedos e inalou o cheiro. Amira se vira tomada por
um doce e lindo tom da cor vermelha em sua face e quando mais audacioso
Khalid beijara a mecha de cabelo, mais ela voltou a se sobressaltar.
Mas, ao mesmo tempo, ele não podia ignorar o que ela falara no início.
Sobre ele e a Sultana, tinha medo do que aquele ser maligno poderia fazer à sua
amada então, aproveitando a sensibilidade, tiraria as suas dúvidas para poder a
proteger da melhor maneira possível.
— Me conte o que você ouviu, não permitirei que ninguém toque em
um fio de cabelo seu... Eu falhei com você no passado, entretanto, agora anseio
ser o seu mundo — Khalid tentara ter um fundo racional, mas quando se tratava
dela, como neste instante, coisas que deveria guardar para si, escapavam com a
maior facilidade de seus lábios. O que obviamente o deixava um tanto
consternado.
Amira quase se vira perdida na profundidade daqueles olhos escuros, no
tom rouco da sua voz e na tamanha intensidade que Khalid exalava. Seu amor e
obsessão provocavam emoções nela que ela nem sequer sabia que existia. Toda a
sua mente se preencheu das novas memórias, mesmo no deserto, ou quando ele
estava sobre ela naquela tenda, quando olhou em seus olhos e sentiu a
familiaridade com a sua boca... E novamente a realidade voltou de assalto.
Pois a infelicidade de Amira era justamente essa... Até agora tiveram
mais situações complicadas e dentre elas… A morte do sultão.
— Eu... ainda não posso confiar totalmente em você. Eu queria, mas
tudo está tão bagunçado. Sendo sincera queria apenas fechar os olhos, como eu
faria no passado, não sou mais a menina e você não é mais aquele menino. —
disse Amira em um tom de lamento, engolindo em seco e o olhando com
seriedade na sua expressão.
Khalid desceu o seu olhar, soltando a mecha de seu cabelo. Mas não o
bastante, ele levou a sua mão até a mão dela que se apoiava no chão.
— Vamos nos conhecer, de novo. Me dê uma única oportunidade e não
falharei com você. — Khalid insistiria nela e jamais deixaria sua Amira partir,
era egoísta, mesquinho e tantos outros pecados sobre seus ombros.
Contudo, ela trazia leveza ao seu coração. Trazia paz, ansiava poder ver
o seu sorriso e ver mais vezes sua face rubra. Para Amira, ele nunca teve que ser
qualquer coisa se não ele mesmo para ser feliz. Ela foi a única coisa que restara a
Khalid que fazia ele se sentir humano. E se Amira tinha medo dele, e estava
certa até certo ponto, pois ele nunca faria mal à ela, mas se necessário faria a
qualquer outro. Khalid conquistaria seu coração, sua confiança e ele daria tudo
que tivesse ao seu alcance para ela.
— Somos cúmplices, acho que não tenho escolha. — disse Amira com
um sorriso trêmulo, ainda estava em uma luta interna. Pois Khalid era tão doce
com ela, mas ele fizera coisas tão ruins. E cada batida em seu coração a
lembrava do amor e do medo que sentia do homem. — Nós dois mudamos muito
com os anos… E sobre nós não é importante agora, eu tenho que te contar algo.
Amira contou a ele, a nova versão da história dele, pois a original tinha
uma falha. Ele escutou atentamente e com paciência. E ela em determinado
ponto se sentiu constrangida. Pois Khalid lhe dava tanta atenção e parecia ouvir
com tanto cuidado, que deixava claro o quanto as palavras dela importavam.
E quem no mundo dava tanta importância à fala de uma mera mulher,
por mais que ela tivesse o ajudado? Todos os homens que um dia escutaram
Amira, se foram, pois, era difícil de engolir os insultos e ofensas que ela
disparava contra eles. Mas Khalid era tão… único.
— Muito obrigado — agradeceu ele com toda sinceridade — Realmente
não fazia sentido, um homem sem cabeça me deixar um pedido. Avisarei Jaffar e
os meus demais aliados.
E como se fosse praga do destino, a pessoa que vinha correndo em
direção deles era justamente o Jaffar. Sem a sua calmaria da última vez e com a
sua roupa desarrumada. Apressadamente ele parecia ter atravessado pelo menos
metade do palácio, parando na frente daquela cena que se desenrolava entre
Amira e Khalid, Jaffar tomou um pouco de fôlego e disse:
— Sultão, tenho algo a relatar. O povo está tentando entrar no palácio,
querem saber o que houve com seu pai e alguns de alguma maneira conseguiram
entrar e brigaram com os nossos homens. Consegui derrubar alguns, mas outros
voltaram a entrar, parecia que alguém os estava incitando — Jaffar parecia ter
sido virado do avesso e estava extremamente nervoso.
Devido ao nervosismo dele, isso deixou Amira completamente em alerta.
Levantando-se rapidamente logo que ele tinha começado a falar e Khalid fez o
mesmo.
— Certo! — concordou Khalid, mas retesou no lugar. Virou-se para a
menina e em um segundo tinha tomado a sua mão — Amira... venha comigo,
antes de tudo vou te levar a algum lugar seguro.
CAPÍTULO 10

FACE DA COBRA: QUEM SE ILUDE COM O NOME DE GENTE


CORROMPIDA FICA SEM COMIDA. (Provérbio retirado do “Mil e uma
noites.”)

sol que já estava alto, iluminando bem o caminho de Khalid. Este que ia

O caminhando imponente abrindo espaço entre os criados, para que eles


pudessem passar. Amira podia escutar muitas pessoas falando e
correndo, uma enorme agitação e confusão. Isso a deixava aflita, mas quando
seu olhar se focou nas costas largas de Khalid e na luz do sol que iluminava seus
cabelos curtos, ombros largos e fortes, tudo parecia irrelevante. Embora o caos
que reinava, ele parecia calmo e controlado. Aquele homem inspirava admiração
por onde passava.
Amira fora alheia seguindo-o com uma confiança que nem sequer sabia
sentir, mas por dentro, sentia-se apenas perdida em fascínio pelo homem
majestoso à sua frente. Sem querer, deu um passo em falso e foi ai que se dera
conta de que ela estava seguindo-o cegamente e neste instante olhou para baixo e
viu sua mão pequena, sob a dele grande que a cobria toda com facilidade. Ele a
segurava com firmeza embora não chegasse nem perto de machucá-la. Parecia
disposto a não soltá-la por nada no mundo.
Contudo, para Khalid nada importava, tudo que rondava a sua mente era
a proteção da garota e a execução de seus planos. Claro, sucinto e objetivo.
Ninguém tocaria a sua prometida, ou lhe causaria mal se pudesse evitar. O
desejo de proteger sua amada era o que dava a Khalid a coragem necessária para
seguir com seus planos, sendo assim, seus passos se aceleraram
inconscientemente. Os cabelos da garota agitavam-se e Amira via-se quase
sendo arrastada pelo homem, quando então, viu a entrada do harém.
Ela refreou seus passos e quase caiu, em um puxão sem querer que
Khalid deu, chamando a atenção do homem que se virou imediatamente. Ao
mesmo tempo em que Jaffar chocava-se contra ela, pois vinha tão apressado
quanto, atrás deles.
— Hm? O que houve? Porque parou, Ayla? — indagou curioso,
enquanto estreitava seu olhar como se pudesse ler a resposta em seu rosto.
Um tanto ofegante, Amira curvou-se educada a ele, já que tinham muitas
pessoas olhando.
— Khalid... digo, Perdão... Vossa majestade — corrigiu-se tossindo —
Me chamo Amira... E eu não voltarei ao harém.
Ele olhou para ela por alguns segundos e o seu olhar era firme, Khalid
dera-se conta da gafe que estava cometendo e ao mesmo tempo, sabia que ela
não mudaria de opinião. Principalmente devido à expressão que carregava em
sua face. Agora ela não se chamava mais Ayla, era Amira, independente do
motivo que ela ainda não o informou, e que ele iria descobrir.
Sua personalidade sempre foi assim e ele sabia disso, só tinha sido tolo
em ignorar. Mesmo quando mais nova, ela tentou o derrubar na água como
vingança, não é do tipo que se curvava a algo contra a sua vontade. Além de
outro fator, que por um lapso de memória ignorara.
Porque ela achava que ele estava com a Sultana. E por que Amira se
sentia tão traída. Qual era o teor da conversa que ele supostamente teve com a
“víbora”?
Ele estava apaixonadamente deixando-se levar pelo apego que tinha pela
menina e deixando sua racionalidade em segundo plano, por isso, ele se virou
completamente para a Amira e olhou-a nos olhos com mais frieza.
— Por quê? — indagou seco, como se ela fosse apenas mais uma pessoa
em meio ao palácio.
Após a mudança de olhar, Amira sentiu um arrepio tomar-lhe o corpo e
engoliu em seco. Seu humor como sempre tinha dois polos e o tratamento que
ele lhe desferiu agora, lhe fez sair de seu torpor apaixonado instantaneamente.
Seu maxilar se enrijeceu e o olhou nos olhos com a maior dignidade que lhe
cabia naquele momento. Pois mesmo que este fosse o alvo de seus devaneios
apaixonados, não daria nada menos do que recebera. Seja dele ou de qualquer
um. Ele teria a Amira que os outros conheciam.
Ele era um homem perigoso e agora o Sultão, mas ela era sua cúmplice
e não lhe devia mais nada, pois da mesma forma que ele a salvou quando jovem,
ela o salvou depois de anos. Por isso respirou fundo, contendo o seu péssimo
temperamento e seguiu com sua fala:
— Não posso falar diante de tantas pessoas... — levou a mão aos
próprios cabelos, colocando uma mecha atrás da orelha, abrindo lentamente um
sorriso em face — Não acredito que seja o lugar adequado para discutirmos
sobre isso. Apenas preciso que o senhor, vossa majestade, saiba que mediante a
nossa “situação” acredito estar mais segura ao seu lado.
— Ah! É?
— Oh! Sim, o sol está nascendo e além do senhor, Jaffar e eu, a verdade
pode não ter chegado aos ouvidos de todos.
Khalid, neste momento, via uma nova face de Amira que ele se pegou
ignorando, principalmente quando ela contou uma nova história para todos,
mentindo sem nem sequer vacilar. Ela sabia ser manipuladora e até certo ponto,
controlar as suas emoções. A sua pequena prometida virou uma mulher e, por
vezes, esquecia-se disso.
Ele por fim concordou e se virou, mudando o seu caminho. Porém Jaffar
parecia contra e Amira, para a surpresa de Khalid não voltou a andar, se manteve
parada no mesmo lugar.
— O que houve agora, Amira? — indagou ele com um Jaffar
impaciente, falando insistente do tempo que estavam perdendo e que uma
mulher não deveria ficar no caminho. Porém, Khalid o ignorara totalmente,
mantendo o olhar nela.
Ela levantou o vestido suavemente, revelando um pouco de suas pernas e
colocou um de seus pés para frente.
— Vossa alteza anda muito rapidamente e meu corpo não consegue o
acompanhar... Ande mais devagar, não sou um cavalo ou um camelo — disse ela
irritada e chateada. Jaffar se silenciou assim como boa parte das pessoas ao seu
redor. Amira fazia um olhar que para Khalid parecia em demasia sensual,
embora para ela seu olhar fosse decidido, devido ao sentimento de injustiça.
Escutara algumas exclamações ao redor, depois de longos segundos
notou que acabou de dar uma ordem à pessoa mais poderosa daquele lugar como
se ele fosse inferior à ela. Amira abriu muito os olhos ao se dar conta e escondeu
o pé.
Amira, Amira e sua maldita língua. Oh! Alá me salve! Pensou ela
mortificada, e em sua mente já era uma pessoa sem a cabeça no pescoço.
— Entendo... Mas não temos mais tempo — disse Khalid, olhando-a
atentamente e então sorriu com a perspectiva da ideia que se vira tendo.
Amira encolheu o corpo, esperando ao menos um tapa e palavras
ferozes, fechou os olhos encolhendo-se um pouco. Porém, nem um nem outro
jamais chegou aos seus ouvidos, estranhando, abriu um dos olhos e deparou-se
com um olhar para ela que lhe tirou as palavras.
O olhar de Khalid não estava mais tão duro, embora sua posição nobre
nem sequer fora abalada com isso. Ele parecia estar mortificado também, com
pena dela. Amira não queria a sua pena ou sua piedade e se fosse para apanhar
agora, apanharia com toda a sua dignidade. Pensou com ela mesma, corrigindo
sua postura.
— Eu estava certo, você é uma pessoa com mudanças de humor
drásticas, nunca me deixará entediado... — murmurou ele de forma que só ela
poderia escutar.
— Senhor… A rebelião. Não é hora para isso... — interveio Jaffar,
fazendo-os se lembrar de sua presença.
Khalid concordou rapidamente e em poucos segundos, se aproximou
abruptamente de Amira e a pegou nos braços. Pegando a todos de surpresa,
deixando-os petrificados, inclusive ela.
— Desta maneira será mais rápido. Segura-se em mim, Amira —
ordenou ele em tom alto, claro e limpo para entendimento de todos os presentes
— Jaffar, se apresse ao meu aposento e pegue o turbante que agora é meu.
Encontre-me rapidamente na parte da frente do palácio. Não se atrase um
segundo.
No minuto seguinte, a cena que se desenrolou surpreendeu a todos os
presentes, como se pesasse uma pluma, Khalid envolveu Amira pela cintura,
segurando-a com firmeza, sentindo o cheiro de sua prometida tão próximo de si,
inebriando-se dela.
Jaffar, despertando da sua surpresa, pois jamais tinha o visto tendo tal
reação ou atitude com qualquer mulher antes, apenas concordou em silêncio,
curvando-se ao seu senhor, se virou e saiu em disparada ao aposento de Khalid.
Khalid voltou a andar em passos tão rápidos que quase faziam parecer
que ele estava correndo. Amira segurava firmemente em seu pescoço, apoiando
seu rosto entre o vão de seu pescoço e ombro, ela acabara inalando o seu
perfume, sentindo-se novamente embriagada com a sensação de segurança que
este homem lhe transmitia.
Os poucos minutos que se seguiram enquanto Khalid a carregava
passaram tão rápidos como se fossem segundos para Amira. Porém, para Khalid
que se via carregando-a sob o olhar curioso de vários criados que se curvavam
diante a sua presença, não era tão simples assim. Ele não queria deixar tão claro
para eles, o quanto se importava com ela, pois isso viria a desencadear
problemas, mas suas atitudes impulsivas não poderiam ser desfeitas e agora
seguiria com a sua amada em seus braços. Por porta atrás de porta, aposento
atrás de aposento até a levar à penúltima estalagem e chegar ao grande pátio da
frente, todos a veriam com ele.
A sala para a qual ele se encaminhara era a antessala com grossas portas
pesadas, tendo duas portas para frente e duas para trás, que se fechadas no
momento correto daria tempo de Amira correr e fazer um pouco do caminho de
volta, caso precisasse fugir.
Neste momento no aposento só tinham seus soldados que provavelmente
estavam à sua espera para o momento que saísse por aquelas portas.
Escutava ao longe, os portões da frente do palácio rangendo devido à
força que faziam contra eles, oscilando vez e outra nas pancadas que
provavelmente eram feitas com alguma tora. Suas vozes gritando, espadas
tilintando e até mesmo urros dos seus homens, deveriam estar assustando Ayla.
Khalid instantaneamente se arrependeu de tê-la trazido consigo, mesmo com
poucas chances de seus planos darem errado.
Ela já sofrera o suficiente nesta vida. Pensava ele.
Mas ele não deveria se preocupar apenas com ela, tinha o seu povo. Eles
estavam confusos como os seus criados, fofocas de boca em boca os deixavam
inseguros e com razão.
O antigo sultão, seu pai, não se importava com que o exército fazia com
suas espadas ou ferramentas para guerra. No entanto, o povo estava com medo.
Sentiam-se cegos e inseguros, não deveriam sofrer o castigo. Então, como já
imaginavam que essa rebelião aconteceria, deixou de aviso aos homens que não
deveriam, de forma alguma, fazer uso de nada além de suas espadas contra o seu
povo, a não ser em alguma situação extrema. Matar em defesa, em meio a uma
luta, era diferente de tratar seu povo como o inimigo, em uma guerra.
Ademais, Khalid estava tão pensativo entre tantas coisas, que se dera
conta subitamente que a garota em seus braços parecia alheia a tudo isso, ainda
agarrada ao seu pescoço de forma gentil, não tremia nem sentia seus batimentos
fortes contra o peito, parecia tão tranquila mediante o caos que o fizera rir
levemente.
Amira apenas se dera conta que ele tinha parado de andar quando o
homem tossiu um pouco, para chamar a sua atenção e falou perto ao seu ouvido:
— Imagino que esteja confortável aí, pequena prometida — sibilou ao
pé do ouvido dela e acabou dando uma suave risada — Mas é chegada a hora de
me soltar um pouco, depois deixo agarrar-se a mim um pouco mais.
Amira sentira seu corpo todo arrepiado pela voz baixa, com um toque de
maldade que estava tão perto de seu ouvido. Um calor tomou a sua face e
embora apenas quisesse afundar-se em algum buraco, Amira, desorientada e
consternada, tentou se soltar dele com certo desespero e quase caiu dos seus
braços. O que o fez segurá-la com mais firmeza e então ele a colocou de pé. Ao
dar um passo para longe dele, assim que seus pés tocaram o chão, teve o tempo
de ver o sorriso travesso em sua face que lhe era tão familiar.
Fugindo do seu olhar, ela olhou para todos os lados, menos para o rosto
dele e murmurou:
— Vo-vossa majestade, me perdoe.
Khalid se aproximou dela novamente, mas desta vez apenas beijou o
topo da sua cabeça.
— Com este seu rosto tímido, quase me faz lamentar te soltar. Mas acho
que também gosto do seu rosto bravo... — disse ele com certo humor.
Ela lhe olhou feio erguendo uma das sobrancelhas, não achando graça na
provocação.
— Voltarei logo minha pequena prometida... — dizia ele em um meio
sorriso, pouco antes de alguém adentrar fazendo barulho no aposento em que
estavam.
Alguns homens que também estavam presentes no aposento e também
evitavam olhar a cena íntima do Sultão e sua concubina, levantaram o olhar
junto com Khalid e Amira dando-se conta do retorno do Jaffar.
— Meu senhor, o seu turbante.
Khalid olhou o turbante, agradeceu e olhou para Jaffar.
— Já não tenho minha mãe, não tenho meu pai ou alguém da minha
família. Acredito que não se deva fazer qualquer cerimônia para isso, certo?
— Dado o momento, meu senhor, não — disse enquanto se abaixava e
ofertava o grande turbante com joias brilhosas e delicadas.
Khalid o pegou e sem mais delongas o colocou em sua própria cabeça,
todos os presentes se abaixaram, curvando-se ao novo sultão. Saudaram-no, ele
se virou e disse:
— Abram as portas, irei sair.
(...)
Assim que as portas foram abertas, o lufar de ar não foi a única coisa que
Khalid recebeu. Através da luz que vinha de fora, podia-se ver uma cena de total
caos. Pessoas tentando conter os portões. Alguns espalhados pelo pátio, lutando
com suas espadas. Alguns homens gritando com ferramentas de plantação em
mãos e outros poucos mais hostis com seus sabres. O sultanato estava parecendo
um verdadeiro pandemônio.
Tinham até mesmo alguns corpos espalhados pelo chão, o medo e a
insegurança de seus futuros imperavam por todo aquele local.
Seu povo exclamava furioso, pois os soldados não lhes respondiam nada,
tampouco os deixava entrar. Eles queriam respostas, a verdade e queriam saber o
que seria deles, tudo que Khalid escutava, era o som de pessoas temerosas do
que viria a seguir.
As pessoas sempre e em todo lugar, carregavam esse traço, este que
Khalid aprendeu a definir tão habilmente. Muitas delas atacavam cegamente, em
uma fúria absurda, enquanto escondiam o pavor e medo que carregavam em seu
coração. Mesmo em outros países, todos faziam o mesmo. Vira povos que
perdiam as guerras contra o seu exército, que acreditavam que se fosse para
morrer, não seria lentamente, não sendo escravos, com fome ou sede, então
levavam tudo às últimas consequências e mesmo ele, não era diferente. Nem o
seu povo.
Conseguia entender, mas ainda assim... ver o seu povo, no chão, seja
soldado ou civil, fazia o rapaz fechar com força os seus punhos para conter a ira.
Khalid tinha que pensar com rapidez no que faria para impedir que mais
sangue do seu povo fosse derramado. Sentia-se a ponto de gritar, estava agitado
demais por dentro. Por isso, respirou fundo, a fim de conter a sua ira, para
manter-se calmo e controlado nem que fosse apenas em seu exterior.
Após colocar a mente devidamente no lugar, ele fechou os olhos e deu
passos à frente.
Jaffar olhava o jovem sultão. Ele tinha crescido e notou em pequenos
detalhes, que apenas quem o vira crescer perceberia que estava agitado e
somente quando os traços quase imperceptíveis de seu nervoso cessaram, Jaffar
sabia que o rapaz estava pronto para fazer o que quer que fosse preciso. Este em
sua frente era, vossa majestade, Khalid. O novo sultão de Anatólia, ela estaria
nas mãos dele para o sucesso e prosperidade de seu povo, ou o fim do império
feito por Osman.
Khalid por sua vez e totalmente alheio aos olhares que recebia, apenas
pensava em como chamar a atenção dos seus súditos. Sabia que se gritasse, eles
não escutariam. O pátio era grande demais para isso, assim como o alvoroço
entre os homens. Ele olhou para os lados buscando uma solução, quando viu um
grande vaso de metal decorativo e teve uma ideia.
É isso!
Khalid desembainhou a espada e os homens que faziam sua guarda,
deram-lhe distância e se arrumaram, sacando suas armas, prontos para o combate
que imaginava que o seu senhor iniciaria. Contudo, para surpresa de todos, o
homem trocou-a de mão passando-a para a esquerda. Curiosos, seus soldados
olhavam-no, questionando-se o que ele faria a seguir.
E não demoraram a descobrir.
Khalid descera a ponta de sua espada levemente, segurou-a na
extremidade mais fina da mesma e rumou com muita força o pomo em direção
ao vaso. O som ecoou fortemente por todo o pátio, ao mesmo tempo em que a
ponta em que ele segurava a espada cavasse em sua mão, ferindo sua pele,
fazendo com que o sangue escorresse por toda a lâmina até cair no chão. A
espada escorregou pelo corte, aprofundando-se, o rapaz a segurou com um
pouco mais de força.
— Calem-se! Se queriam sangue neste palácio, o de meu pai e o meu já
veio ao chão! — exclamou Khalid ainda com a espada às avessas em sua mão.
As pessoas, surpresas com o som provocado por Khalid em sua atitude
inesperada, entenderam de maneira mais lenta o que ele fez. Ao menos agora
todas as atenções estavam voltadas para o jovem sultão.
— Sei que as fofocas se espalharam como fogo em pólvora. E sim, de
fato, meu pai foi morto por um homem desconhecido — Anunciou Khalid —
Invadiram o palácio com algum auxílio interno.
Eles parecendo sair do torpor, voltam a falar rapidamente, mas Khalid
levantou a mão para silenciá-los. O povo queria a verdade, mas não a aceitariam.
Todo aquele plano que foi minuciosamente arquitetado, pelo bem do seu povo e
pelas pessoas que moravam no palácio, tinha que dar certo por bem, mas se não
desse... ele seria um vilão, e antes de sua própria cabeça vir ao chão, ele levaria
cada um dos bastardos que queria se vingar junto.
Por hora tudo estava de acordo com os planos, menos Amira, em falar
nisso, era chegada a hora de falar a verdade parcial, aprimorada por ela.
— Já estamos atrás deles desde a noite passada e...
— A flor do deserto, trouxe mau agouro! —A voz exclamou de um
velho ancião exclamou ao longe.
Outras pessoas pareceram achar que isso fazia sentido e seguiram com as
acusações. Associando a chegada dela àquele ato hediondo e isso, mexeu
intimamente com Khalid. Recordando daqueles seus olhos azuis trêmulos e
chocados de puro medo. Acusavam-na de assassina, de mau agouro e de praga
do deserto. Ele precisaria ser rápido e esfriar os ânimos de seu povo antes que
uma verdadeira rebelião se instaurasse.
— Silêncio! Irei lhes contar o que fora visto pelos meus olhos e os fatos
que realmente aconteceram. Não o que escutaram, fora por isso que vieram, não?
— questionou Khalid, com falsa calma e controle total de suas emoções.
Khalid explicou o que havia acontecido, os assassinos, suas habilidades
com as espadas e suas vestes negras como a noite, em conjunto com regras tolas
impostas pelo sultão especificamente naquela noite, foram a sua ruína e que os
ajudaram a se infiltrar no palácio durante a noite.
Em meio ao relato, Jaffar aproximou-se cuidadosamente, e tirou a espada
da mão de Khalid. Entregando-a pelo lado certo, para que ele pudesse embainhar
e de fato o fez, mas não o permitiu terminar de enfaixar a sua ferida, ele puxou a
mão e desceu o seu olhar. Ele mesmo terminou de enrolar o tecido, com calma,
fazendo obrigatoriamente o povo esperar o resto da sua fala e assim poder ter
tempo para respirar, colocar um pouco a cabeça no lugar, pois se seguissem
insolentes como estavam, ele teria que tomar providências que não desejava.
Enquanto enrolava a fita, de fato eles pareciam se acalmar um pouco e assim
Khalid seguiu com calma sua explicação:
— Sobre a famosa “Flor do Deserto”, ao que vi quando cheguei em meio
à luta, para me unir a ele, contra os homens, ela estava vestida, enquanto era
protegida pelo meu pai bravamente. Ao me unir ao lado do meu pai em meio à
briga, ele fez um pedido: se caso não sobrevivesse àquela luta, que eu ficasse
com ela. Porém infelizmente, enquanto ele me falava tais palavras os inimigos
viram a oportunidade de acertá-lo. O decapitando diante dos meus olhos. Lutei
mais contra eles, mas bem treinados como eram, conseguiram fugir,
lamentavelmente. Uma busca se seguiu por toda noite, atrás dos culpados que
ajudaram os assassinos.
Os homens mais velhos pareciam desconfiados. Nem felizes ou tristes,
mas pareciam querer ter visto para crer.

Amira, que tinha sido deixada no aposento, viu-se cercada pelos poucos
guardas que ficaram para trás, ao longe escutava as falas de forma sibilada de
Khalid. Ela sabia que eles estavam tão intrigados com o que aconteceria quanto
ela, mas ficaram exatamente no mesmo lugar. Contudo, ela por outro lado, dera-
se conta que ele não deixou ordens expressas para que ela fosse impedida de sair
daquele local. Amira sorriu travessa, enquanto com cuidado fora pelos cantos,
para poder ir espiar sem que fosse muito notada, ao menos por quem estava lá
fora.
Observou que estava um silêncio mortal agora, Khalid estava em frente
aos seus súditos e ao seu redor tinham alguns de seus homens que faziam a sua
escolta. Amira não sabia o que estava causando aquela tensão toda. Será que
algo nos planos de Khalid deu terrivelmente errado? Indagava-se ela.
Os homens diante de Khalid pareciam inseguros e os guardas em alerta.
Amira tinha que ajudar ele, as pessoas não sabiam quem era ela, pois devido ao
falecido sultão Fahir, estivera o tempo todo com o rosto coberto, contudo,
mesmo que as pessoas não a reconhecessem, bastava Khalid confirmar a sua
identidade, certo?
Amira corrigiu sua postura e estava pronta para ir lá fora e contar o que
aconteceu na noite anterior e o que mais tivesse que fazer. Pois se sentia muito
aflita com toda a tensão e exposição de Khalid ali diante de seu povo. O que a
fazia lembrar-se de quando estavam em meio ao deserto e ele disse como se
preocupava com eles. Khalid podia não ser portador de toda a confiança de
Amira, mas ela sentia em alguns momentos a sua verdade e este era um deles.
Mas ao mesmo tempo e sem que Amira se desse conta dos barulhos de
passos que vinham de trás dela, pois estava perdida demais em pensamentos para
reparar, a sultana Kelebek a passos largos, rápidos e nervosos, ia em sua
direção. A mulher parecia transtornada e como se um espírito maligno tivesse a
possuído e deixado em um estado de loucura fulminante, com seus cabelos
vermelhos despenteados, o vestido amassado e o rosto com marcas de lágrimas.
Quando Kelebek alcançou Amira, sem qualquer cerimônia, apenas
passou a mão pelos longos cabelos negros dela, enrolou entre seus dedos e sem
se importar como a garota caminharia, apenas saiu a puxando para fora,
ignorando os sons de protesto e de dor da menina, apenas focada em fazê-la
cambaleante ou não, sair de onde estavam e serem vistas à luz do dia.
Amira não sabia sequer de onde aquela mulher havia aparecido. O que
tinha acontecido e como foi que subitamente ela foi parar diante de todos, sem
uma bela postura para poder ajudar Khalid, mas sim como uma mulher
diminuída e inferiorizada, sob as mãos da grande Sultana. Khalid, como os
demais homens que faziam a sua escolta, assim que escutaram os sons vindos de
trás deles, apenas se viraram e se viram surpreendidos quando Kelebek jogou a
garota aos pés de Khalid e exclamou:
— Exijo a morte desta mulher! Eu sei, sei que está ligada à morte de
Fahir! — exclamou ela dramaticamente, olhando furiosa para Amira.
Amira a olhou de baixo para cima, chocada e confusa, enquanto a
mulher apenas gritava e apontava para ela. Se parecendo de fato uma mulher
atormentada pela morte do marido, muito diferente da Kelebek que tinha visto
mais cedo, aquela que parecia transtornada por seus planos não estarem indo
como queria. Amira ainda estava confusa, de como tudo acabou assim e o seu
curto plano de ajudar Khalid, se converteu em um descuido, em sua possível
ruína. Amira abaixou a cabeça, olhando para o chão, fazendo-se de
extremamente triste. Porém, na realidade, apenas pensava em como sair daquela
situação.
A sultana queria se fazer de coitada, a pobre mulher que perdera seu
amado e que apenas queria justiça, pensou Amira, ponderando. E esta era uma
coisa que ela também poderia fazer...
E então, Amira levantou o olhar e se virou para Khalid, agarrando a
barra de suas vestes.
— Estou sendo injustiçada! — clamou — rogo pela misericórdia e pela
sua incrível sabedoria, vossa majestade. Cheguei a pouco ao palácio, caí de um
cavalo e fui tratada por estar ferida, por quase todo o dia até o momento de
encontrar-me com o sultão. Ele mandou-me dançar! Apenas isso e logo depois
os homens de preto chegaram! Eu não sabia, vossa majestade! De nada… Oh!
Por Alá! Eu estava tão apavorada!
Khalid queria levantar a sua adorável prometida, mandar decapitar a
mulher que lhe causara mal e lhe fizera passar por esse papel ridículo, entretnato
não poderia fazer como queria em uma situação desta. E neste momento todo seu
autocontrole e desejo de proteger Amira, fora colocado em teste. Enquanto,
Khalid sentia-se entre a cruz e a espada.
— Mentirosa! — exclamou a sultana — Eu perdi meu marido no dia
em que você chegou… eu o quero de volta!
Kelebek deixou-se cair no chão de joelhos chorando como uma menina,
inconsolável.
Amira, ao recordar da face do velho sultão, realmente sentira tristeza. O
homem parecia gentil e ele realmente foi, parecia solitário de alguma forma...
Não conseguia odiar, ou não lamentar a morte do homem. Lágrimas se formaram
em seus olhos, enquanto olhava Khalid, que parecia impassível. E então com
cuidado, Amira virou-se para a população de civis e soldados que estavam ali
assistindo tudo:
— Senhores, jamais viram meu rosto. Mas sabem quem sou, devido à
conversa: A flor do deserto! Vocês me viram ontem quando cheguei! O quanto
me machuquei. Mal tive contato com alguém se não as criadas mandadas pelo
próprio sultão. Vocês têm que acreditar em mim, sou inocente! — exclamava
Amira, com seus olhos muito azuis, devido ao destaque que recebiam em meio
às lágrimas.
O som das vestes da Sultana se levantando, fez com que o olhar de
Amira se voltasse para ela. Assim como dos demais. Até que ela anunciou:
— Eu… — começou a sultana, levantando o olhar, pousando-o sobre
Amira e então voltou a si mesma, quando levou as mãos ao próprio ventre —
Sequer tive tempo de dizer a ele que seria pai novamente!
CAPÍTULO 11

UM NOVO SULTÃO: SITUAÇÕES EXTREMAS EXIGEM MEDIDAS


EXTREMAS

T
odo o palácio se viu mergulhado em um profundo silêncio, ao ponto em
que se uma agulha caísse ao chão, o som chegaria aos ouvidos de todos.
A tensão imperava, todos estavam sem fala por motivos diferentes,
perdidos em seus pensamentos. Por coincidência, tanto Khalid quanto Amira,
pensaram o mesmo, ao mesmo tempo: Maldita víbora!
Ainda dentro dessa coincidência, seus olhares se encontraram, buscando
a reação um do outro. Amira estava pálida, pois tinha escutado a conversa da
sultana, embora não tivesse contado a Khalid. O que a fez se arrepender de não
ter dito no instante em que o tinha visto. Independente de suas inseguranças, ele
era o seu único aliado. E para piorar e pesar ainda mais sua própria culpa, no
instante em que seus olhos se encontraram, soubera que não era ele que estava
com ela. Pois assim como todos, ele estava chocado e surpreso.
O ar saiu com um pouco mais de força pelas narinas de Amira, que
descia o olhar ao chão. Sentindo-se uma completa tola. Levantou o olhar em
seguida e viu a sultana que ganhava cada segundo mais olhares de piedade do
povo e inclusive dos soldados que faziam a guarda de Khalid. Dentre todas as
horas para falar sobre isso... justo agora a sultana tinha que ter falado.
Amira se lamentou desta vez num suspiro suave, quase imperceptível.
O som dos passos chegara aos seus ouvidos e fizeram tanto Amira
quanto Khalid levantarem seus olhares. Vizires[6], Pashas[7], Eunucos [8]e tantas
pessoas mais do palácio foram ao pátio ver o que estava acontecendo e oferecer
alguma ajuda. Contudo, pararam perto das portas ao perceber o clima que estava
pairando, tenso, embora não estivesse mais tão hostil como anteriormente.
Tudo aconteceu e se desenrolava rapidamente, trocas de olhares,
pensamentos agitados, raiva, confusão, lamento, tantos pensamentos em curtos
segundos, tantas conclusões, tantas reações em uma velocidade que poderia ter
uma margem de erro enorme em alguma decisão precipitada. Todos prendiam as
suas respirações ansiosos e nervosos.
Mas mesmo assim as emoções tomaram a mente de Khalid e Amira de
uma forma em que não poderia ser diferente.
Amira tinha medo do seu futuro incerto, a morte nem era o que mais
temia. Se fosse trancada novamente em algum aposento e se pior ainda, fosse
devolvida ao Sheik. Se voltasse, seu retorno iria ser muito pior. Ele estaria
furioso, e não teria mais nenhum motivo para pensar em não lhe fazer mal.
Amira mordia o interior dos seus lábios, com lágrimas se formando em seus
olhos em apenas pensar no homem que dispunha de todo o seu ódio e lhe
causava, em igual medida, terror.
Khalid só sabia recordar do passado, maldizer mentalmente a posição
que tivera que se meter para poder alcançar seus objetivos. Pois a mesma
posição que lhe dava poder, o impedia de apenas mandar essa mulher caluniosa,
falsa e manipuladora, calar-se e queimar no canto mais escuro do inferno. A
sultana Kelebek tinha muitos aliados e este era o maior problema, ela construiu
uma boa imagem perante a maior parte da população. Ademais, a posição o fazia
se lamentar de não poder simplesmente acolher Amira e protegê-la de todo o
mal, pois isso o faria igual ao pai, burlando todas as regras por uma mulher.
Khalid olhou para Amira, não conseguia ver a sua face, mas uma vez
que fez a sua escolha, sua expressão ficou dolorosa por alguns instantes antes de
voltar o seu olhar para frente.
Ela é o amor da minha vida, a pessoa que fez morada nos meus sonhos
mais doces. Ainda que a magoe, ela estará segura. Pensou Khalid.
Amira sentiu um arrepio percorrer sua espinha, uma sensação de terror
invadia suas entranhas, enquanto olhava paralisada, as pessoas que pararam atrás
da sultana. Além disso, escutava o povo começar a murmurar lamentando-se
pela mulher. Sentia-se cercada de pessoas que a odiavam e isso lhe trazia uma
sensação de pânico e desespero, inquieta, sozinha, perdida, sem ninguém ao seu
lado.
Sua respiração travava na garganta e não importava o quanto de ar
puxasse, não era o suficiente. Queria simplesmente levantar e sair correndo,
coisa que não lhe era permitido. Seria o mesmo que dizer que sim, era culpada.
Mas não era, não totalmente.
Em sua mente ela sabia que as pessoas lhe olhavam com atenção, mas
em seu entendimento era como se os olhares não fossem curiosos e sim
acusatórios e isso causava outra reação na jovem, a lembrança dos olhos azuis
das pessoas que massacraram todo o seu povo e família.
Mas você não está mais naquela época, é um passado muito distante.
Dizia a si mesma, tentando se agarrar num fio de lucidez.
Ela ergueu o olhar a Khalid, sabia que ele era um sultão, que tinha que
agir de acordo com a sua posição. Mas se todos estavam de acordo com a
sultana, sua cabeça estava em risco. Ela temia, Amira tremia, pois tudo
dependerá das escolhas de seu senhor. Ele só poderia fazer uma coisa se fosse
pressionado demais, obedecer aos desejos dela devido seus apoiadores.
Amira engoliu em seco e olhou para o chão, conforme as lágrimas
molhavam a sua face, mas não poderia ficar parada esperando a sua condenação.
Calma, Amira. Você não pode se deixar levar pelas coisas que estão na sua
cabeça. Pensou consigo, tendo um pouco mais de confiança em si mesma.
Colocou-se com cuidado de joelhos no chão e ousadamente segurou a ponta dos
dedos de Khalid.
— Vossa majestade... — falou Amira em um murmúrio, ainda com os
olhos lacrimejantes — Acredite em mim… Também desejo justiça ao sultão
anterior, o qual me tratou com tamanha doçura. Jamais ninguém tratou uma mera
escrava como eu, como algo tão… valioso.
Khalid nem sequer virou o olhar em sua direção, seu maxilar apenas
ficou mais marcado conforme ele fechava a boca com força. Ela não poderia
julgá-lo, tinha plena consciência que Khalid era agora o Sultão que tanto queria
ser e por dever teria que ser imparcial. No entanto, nada impediria que ela se
sentisse magoada e traída, pela indiferença vinda dele. Ele a tratava com tanto
carinho, entretanto, quando ela mais precisava de qualquer tipo de consolo dele
para aliviar o pavor que sentia dentro de si, ele parecia não se importar com ela.
Khalid engoliu em seco, desejando tomar em seus braços a mulher
amada, mas apenas afastou a mão dela e ainda sem a olhar, disse usando toda a
sua supremacia:
— Levante-se, é a minha concubina e se você está mentindo, eu também
estaria, já que nossas versões de história são praticamente as mesmas. Apenas de
ângulos diferentes — disse, envolto numa confiança e calma assombrosa que
nem de longe Amira sentia. Ela se recompôs, não queria ser vista como vergonha
ou algo parecido.
Neste ponto a sultana engoliu seu choro, ao se dar conta que de fato, se
Khalid tinha contado uma versão similar à da menina, independente de qual
fosse, ao acusar a garota de farsante, estaria acusando o próprio sultão. Então,
neste instante a cor fugiu de sua face.
Amira se levantou, ainda aturdida com as palavras dele e quando por
instinto buscou o olhar da mulher que a acusou, percebeu que não fora a única
que recebeu o impacto das palavras de Khalid. Assistiu o homem caminhar
calmamente até a Sultana Kelebek.
— Imagino o quão grande é a dor em seu coração — disse sonoro ao
estender a mão à mulher ruiva que ainda tinha os olhos vermelhos devido o
choro e sua mão ainda estava pousada sobre seu ventre — Lembro-me que
quando a peste assolou o palácio e você adoeceu, meu honroso pai ficou
completamente devastado. Na sua melhora, no entanto, que teve o preço da vida
do filho de vocês, meu irmão e este lugar caiu no mais completo luto.
Khalid respirava com calma, mantinha sua voz neutra em uma
tranquilidade soberana de quem conta uma história. Mal sabiam as pessoas que o
assistiam levantar a mulher, limpar seu vestido e até mesmo arrumar a coroa de
diamantes que estava em sua cabeça, o ódio mortal que tinha por ela, o nojo que
sentia de si mesmo e o grande desejo de banhar-se e limpar seu corpo da sujeira
impregnada na alma da sultana. E como se lamentava em não poder ser o
homem que Amira merecia naquele instante. O homem que não deixaria
ninguém a inferiorizar, nem que a fizesse se sentir assim. Porém, naquele
momento, ele tinha que fazer o que tinha que ser feito.
— Agora, um novo filho em seu ventre. Oh! Sultana, é triste e tão feliz
notícia. Mas tranquilize-se… — disse ele fazendo uma pausa, pouco antes de se
virar de frente para todos e sorrir — No meu sultanato, não faltará nada ao meu
irmão. Farei tudo para que ele seja feliz e tenha os mesmos grandiosos
ensinamentos que meu pai me deu.
Neste instante, quase ninguém percebeu, entretanto, Amira sim. O
contraste do sorriso de Khalid e a expressão aturdida da sultana no instante em
que ele falou “Meu sultanato”, fora quase cômico e os temores da menina
pareciam se diluir. Aos olhos nus era nada além de uma constatação da verdade:
ele era o novo sultão e ninguém poderia mudar isso. Além disso, soaria aos
outros que ele realmente apenas desejava o melhor ao futuro jovem príncipe ou
princesa. Mas aos olhos de Amira e aparentemente da sultana, parecia uma
provocação deliberada e Khalid, não o bastante, não acabou por aí:
— Lamento imensamente a morte do meu pai e não pouparei esforços
para pegar cada um dos responsáveis — falou ele claramente, com um quê de
raiva de quem busca a justiça pelo preço que tivesse, contudo, em seguida ele se
virou de costas para seus súditos e falou apenas para que a sultana escutasse: —
Lamento que meu irmão nunca sequer chegue a ser um possível sucessor, já que
dois sultões não existem na mesma dinastia, não mandarei que executem meu
irmão. Não derramarei mais sangue de minha família do que já foi derramado.
O olhar da Sultana vacilou, ela acabou por dar um sorriso discreto, como
se visse ali uma oportunidade, porém o mesmo sorriso foi roubado logo em
seguida:
— Claro, que é possível às facções virem me derrubar… Mas terão que
trabalhar um pouco mais arduamente para isso — concluiu ele, dando-lhe um
olhar desafiador e virando-se ao seu povo, ao mesmo tempo em que enfiava a
mão dentro de suas vestes, tirando um pedaço de tecido.
Ele levantou o tecido e mostrou para todos.
— Fui interrompido mais cedo, mas seguirei com minha narração, pois
informações importantes ainda não foram ditas. Sob as investigações minuciosas
dos meus servos, encontramos uma importante pista de quem foi um dos
culpados.
A sultana exclamou surpresa e se aproximou perguntando:
— Khalid! Sabe quem é? Preciso saber que o culpado foi pego e
somente então poderei encontrar paz para o meu sofrimento! — A mulher
continuou em seu jogo de manipulação, então Khalid, apenas em silêncio, olhava
para a mão da mulher que se agarrava à barra de sua roupa.
Ao se dar conta de sua ousadia, ela o soltou, mas seguiu o olhando
esperançosa. Amira, de igual maneira, caminhou cuidadosamente um pouco
mais para perto. O povo estava ansioso para finalmente saber mais informações.
Khalid, caminhando mais para frente para que eles pudessem ver melhor,
prosseguiu sua narração:
— Como sabem, os atacantes vestiam-se de preto e como podem ver este
tecido não é preto. Pensei que poderia ser de alguma outra pessoa, contudo,
quando pensei e refleti sobre isso, cheguei à conclusão. Os envolvidos são
pessoas de dentro, ninguém entraria no palácio sem ser notado ou se aproximaria
do aposento do sultão sem que ninguém visse, muito menos escaparia se já não
estivesse aqui. A pessoa jogou as vestes negras por cima de sua roupa habitual.
O palácio passou a noite inteira em alvoroço, poucos tiveram o luxo de dormir,
então o culpado ainda está com suas vestes originais… faltando um pedaço.
A exclamação foi geral, todos os vizires, eunucos e pashas discutiam
entre si, exclamando que condenariam a morte aquele que tivesse com as vestes
rasgadas. Porém, o que eles não contavam é que, no instante em que virassem
um para falar com o outro, a verdade viria à tona. Entre um deles, havia um vizir
e não qualquer um, mas o Grão Vizir[9], com as suas vestes rasgadas.
Khalid tomou o cuidado de não ser ele a apontar este fato, pois
finalmente os seus planos, voltaram a se alinhar embora tendo todo o transtorno
não planejado. E assim como ele queria, a própria sultana se virou procurando o
culpado, olhando os soldados e então deu-se conta que algumas de suas criadas
pareciam surpresas olhando algo. Neste instante um sorriso lento, vingativo e
satisfeito, brotou nos lábios de Khalid.
O olhar da sultana, assim como de todas as pessoas que também
pareciam ansiosas, recaiu sobre o Grão vizir. A sultana perdeu a cor em sua face,
as pessoas próximas a ele, pararam de falar e entreolharam-se e então o olhar
deles repousou nas vestes do homem. O homem, confuso, olhou para baixo e viu
o rasgo. Ele engoliu em seco e levantou o olhar lentamente, empurrando sua
roupa para trás caminhando até o sultão Khalid.
— Não fui eu vossa alteza, não fui. Alguém está tramando contra mim!
Sou inocente! — exclamava ele.
Os homens que faziam a guarda de Khalid, tomaram a frente e entraram
no caminho do Grão Vizir, que pareceu muito irritado com a interferência deles.
Os homens frente à insistência do vizir puxaram suas espadas forçando-o a se
afastar. O homem se silenciou com uma expressão de pura ira, se virou e olhou
para os demais membros importantes que pouco falavam com ele normalmente:
— Um de vocês! Eu sei que foi um de vocês querendo o meu cargo! Eu
não fiz nada contra o sultão, daria minha vida por ele! Mas um de vocês quer se
livrar de mim…
— Diante das provas e seu comportamento, ainda sim, insiste em sua
inocência? — Khalid perguntara com nojo e repugnância.
O mais novo sultão desprezava o tal homem que dotava de toda
confiança de seu pai e que era um aliado da mulher responsável por todos os
males dentro do palácio. Mas isso era só o começo e pegando primeiramente o
Grão Vizir, mostrava a todos em uma só jogada que ninguém, do mais alto ou
mais baixo nível, sairia impune. E Kelebek entendeu o recado, esquecendo até
mesmo de continuar atuando. Apenas ali nervosa e agora mordendo a ponta das
unhas em silêncio. Claro, que ninguém notaria tal coisa, afinal, estavam todos
prestando atenção demais no vizir que lutava contra a guarda pessoal de Khalid.
— Você crê, de fato, que alguém acreditará em suas palavras? —
continuou em tom de escárnio o jovem sultão — Homens, levem-no e tirem
dele todas informações possíveis, tenho certeza de que há mais pessoas
envolvidas! Eu farei justiça e limparei esse palácio do mal que está espalhado
como uma praga.
Assim que o homem finalmente foi levado, Khalid voltou sua atenção à
sultana e então se virou para Amira. A olhou ternamente então ergueu o olhar.
— Meus súditos, eu Khalid Alev Volkan, juro por minha vida que
corrigirei a distribuição de alimentos e tudo mais, para que possa fazer de nossas
vidas, não apenas as dos moradores do palácio, como de meu povo, mais leve. A
guerra já nos tirou tudo; pais, filhos, irmãos… Somos um império sem igual.
Mas por hora devemos olhar um pouco mais para dentro de nossas próprias
terras. Tantas lutas travei e nada é melhor do que estar de volta para casa.
Lamento que infelizmente dadas estas circunstâncias. Contudo, confiem na
minha palavra e que Alá me faça pagar por isso se mentir. Quero fazer deste
sultanato, próspero a todos nós. Provarei em minhas ações, começando por
executar todos que estiveram envolvidos com a morte de meu pai. Trabalharei
dia e noite para colocar em ordem tudo que fora deixado para trás. Por isso,
retornem às suas casas em segurança.
As pessoas pareciam finalmente voltar a se sentirem aliviadas, todo
nervosismo, ansiedade, medo e insegurança, toda agitação que deixava o clima
pesado em seus súditos parecia mais leve. Todavia, nem tudo tinha sido
resolvido. Khalid virou-se à sultana Kelebek.
— Sultana… — disse calmamente, sua voz não passava emoção
alguma à sua face. A mulher o olhou como se nunca tivesse o visto antes e por
alguns segundos os seus olhos faiscaram de ira — irei desconsiderar em um ato
de benevolência o fato que alegou que a minha concubina e eu estivéssemos
mentindo. Repouse, descanse. Tenho certeza que seu atual comportamento é
apenas reflexo de sua dor.
A mulher curvou-se de forma suave, em gratidão.
— Sim, meu senhor. Rogo seu perdão, não estava pensando como
deveria e lamento imenso pelas minhas palavras. Refletirei sobre isso na
mesquita, como o seu desejo… Acredito que realmente devo descansar… não,
não posso acreditar que aquele homem que possuía total confiança de meu Fahir,
pudesse ser o culpado… — concluiu ela em uma voz tão baixa como se falar em
voz alta era tornar pior ainda o que havia acontecido.
Para todos, uma mulher fragilizada de fato e se fosse só por isso, Khalid
quase teria acreditado. Se não a odiasse de todo o coração.

Quando a Sultana foi embora, todos os súditos também, algumas gotas


de água começaram a cair. Amira percebeu, mas não tinha coragem de sair do
lugar, não quando mesmo após a partida de todos que causaram tamanha
confusão, Khalid ficou no mesmo lugar completamente parado. Olhando
adiante.
Reunindo um pouco de coragem, Amira olhou para Jaffar que ainda
continuava ali assim como seus guardas. Ainda em silêncio, o braço direito do
antigo príncipe entendeu a situação e mandou os homens se afastarem e
ajudarem os feridos. Khalid seguiu exatamente no mesmo lugar, perdido. Amira
sentia que ele não estava bem, o completo oposto da confiança e calma que
demonstrava até então, mas ainda tinha seus receios. Ele a tratou a pouco com
tanta frieza.
Assim que todos estavam ocupados, menos os dois, ela terminou sua
curta caminhada até ele e falou baixo o seu nome:
— Khalid.
Ele manteve-se ainda mais rígido, mas respondeu:
— Você me odeia, Ayla?
Ela se sentiu surpresa, pega na sua pergunta. Ela o odiava? Não, nem se
quisesse o conseguiria. Então suspirou e sorriu.
— Ainda que suas palavras devastem meu coração, ainda que você
tenha que fazer tudo de acordo com a sua posição, não te odiarei, meu sultão.
Porém, mesmo diante dessas palavras que Amira disse de todo o seu
coração, Khalid não se moveu nem um pouco, abalando a confiança da garota,
quase acabando com o seu sorriso.
— Ainda que eu seja o sultão, sou seu marido. Aquele que deve
proteger e cuidar. Talvez… não, com toda a certeza, no futuro você irá me temer
e mesmo que não me odeie agora, talvez venha a me odiar — disse Khalid tão
sério e solene, que Amira mal podia acreditar que ele pensasse que só no futuro
ela iria temê-lo. Em meio à uma chuva, com seus corpos cobertos e um vento
frio, logo poderiam ficar terrivelmente doentes e ele estava falando de um futuro
onde ela sentiria medo dele.
Assim, a garota não acreditando na capacidade do homem de falar tal
coisa, acabou dando uma leve risada. Fazendo-o se sobressaltar surpreso e
virando em sua direção.
— Perdoe-me, sua alteza. Mas o senhor já me assusta desde o momento
em que eu o conheci. O senhor me assustou desde quando cai na água… O
senhor se recorda? — respondeu Amira, um tanto sonhadora — O senhor me
assustou quando pensei que não passasse de um moribundo à beira da passagem
desta vida, do nada, virou-se e quando menos vi estava com uma espada em
mãos. Perdoe-me a ousadia, mas acredito que o tempo do senhor se preocupar
em me assustar, já passou. Perdi as contas de quantas vezes me deixou
apavorada.
O homem por um segundo pareceu espantado olhando sua pequena
prometida, então desceu o olhar ao chão e tentou conter um sorriso teimoso. As
recordações eram doces e em meio à toda aquela turbulência nervosa que tivera
até momentos atrás, pareciam um bálsamo ao seu coração. A capacidade de
ainda se sentir vivo, humano e com emoções além de seu desejo de vingança o
fazia se sentir mais vivo, mais homem, mais merecedor de estar perto de Amira.
Ela não se fazia de perfeita como Kelebek para agradar os outros, ela sabia por
muitas vezes se virar sozinha, mas algo nela fazia com que ele sempre quisesse
intervir para salvá-la. Infelizmente, hoje ele não pode fazer nada por ela. Mas
graças à essa atrevida, ele tivera uma ideia de como fazer com que todos no
palácio tivessem uma visão melhor dela e logo, desejariam protegê-la por quem
ela é.
— Jaffar! — chamou Khalid e o homem que estava à metros de
distância se aproximou o mais rapidamente possível. Amira não entendia o
porquê do nada Khalid tivera uma troca tão grande de humor. E se perguntava,
se em algum momento ela o compreenderia, mas temia com quase toda a certeza
que não conseguiria jamais.
— Sim, sua alteza.
— Farei uma cerimônia entre o conselho. Farei de você meu novo Grão
Vizir, a única pessoa entre os que fazem morada deste palácio que confio — O
homem já não tão jovem, não parecia surpreso, afinal, isso já estava dentro dos
planos de Khalid — Mas não apenas isso, nesta reunião deixarei todos
informados que a concubina Amira, salvou-me da morte. E desejo que ela seja
respeitada, como alguém a qual o novo Sultão tenha uma dívida por sua vida.
Khalid tinha também outras ideias, mas nenhuma delas poderia ser dita
diante de Amira. Depois discutiria com seus homens, teria muitos dias para
trabalhar incansavelmente. Por hora, apenas queria estar com ela.
— Apenas isso, Jaffar. Vamos entrar…
— Sim, majestade — respondeu rapidamente grato e o homem
gesticulou aos outros soldados para entrarem também.
Khalid caminhou sendo seguido por Amira até a parte coberta. E logo
que chegaram lá, ele parou e se virou para ela.
— Amira, me acompanhe… estamos molhados.
Ela parou e o olhou como se não entendesse onde ele queria chegar.
— Ou deseja que eu volte a pegá-la nos braços? — ele indagou
divertido.
— Khalid! — exclamou ela horrorizada e totalmente ruborizada.
CAPÍTULO 12

UM POUCO DE DOÇURA: A SALVAÇÃO DE SEUS CORAÇÕES

E la o repreendeu, apenas falando o seu nome e para quem visse de fora, era
quase um enorme “pecado”, afinal ele era o grande sultão! No entanto,
Khalid se divertia. Via com humor a jovem garota, exclamando como se
ele tivesse falado uma blasfêmia ou algo terrivelmente obsceno... Era doce como
estava surpresa, sequer parecia a mesma mulher capaz de seduzir um homem
com o olhar. Sua fragilidade tinha imensa força, uma força arrebatadora que
mesmo quando se fizesse de forte, em meio às suas próprias guerras, fazia com
que desejasse protegê-la a todo custo. Em contrapartida, também o instigava à
um desejo cru de conhecer mais das suas reações.
Controlando a sua expressão, Khalid se aproximou da garota, olhando-a
sério, mergulhando na profundeza dos seus olhos azuis, destacados pelo
vermelho que tomava o seu rosto. Ele sorriu somente quando seu rosto não
estava mais que um palmo de distância do dela. Então, disse em tom de
provocação:
— Oh… Parece que deixei corada a famosa Flor do Deserto... —
sussurrou ele, com seu olhar passeando pela face dela, antes de voltar para as íris
azuladas que tanto o encantavam.
Amira, em resposta deu um passo para trás, quase voltando à chuva.
Seus olhos mostraram sua surpresa e os seus lábios entre abriram sedutoramente.
Ela não sabia, no entanto, que este pequeno detalhe não passara despercebido a
Khalid. Ele que teve sua atenção atraída aos lábios dela, perdendo no caminho, o
seu sorriso. O seu pensamento sendo nublado pela vontade de simplesmente
puxá-la para si e provar o seu sabor.
Ela, diante das palavras e atitudes de Khalid, sentiu seu coração disparar.
Quando o homem se aproximou, tinha certeza que por alguns segundos seu
corpo inteiro parou, voltando a funcionar apenas quando ele terminou a frase.
Era absurdo como ele era capaz de mexer com ela tão fortemente, pois assim que
os seus olhos desceram aos seus lábios, ela sentiu seu coração voltar a bater forte
contra o seu peito dolorosamente.
A garota sentia sua boca seca, sob o olhar atento de Khalid e então
mordeu o lábio inferior, seu corpo todo estava quente e ela não sabia para onde
olhar ou o que fazer, nenhum daqueles treinamentos de seus antigos professores
a tinham preparado para um momento como aquele. A perspectiva de voltar aos
braços de Khalid era mais do que simplesmente atraente, era sedutora, mas
também muito constrangedora. Afinal, da última vez Amira se aproveitou da
situação nos braços daquele homem majestoso e do conforto que sentiu.
Um sorriso teimoso insistia em florescer em sua boca, pois a garota não
sabia e sequer conseguia conter sua felicidade, aqueles curtos momentos
descontraídos com Khalid eram muito bons. Somente ele, fora capaz de
proporcionar essas emoções à ela.
— Vossa majestade, está se divertindo em me constranger! — exclamou
a garota, num tom pouco convincente em sua revolta.
Na verdade, ela não se importava desde que fosse ele. Khalid não a
tratava como um objeto, mesmo diante da Sultana odiosa, ele a tratou como
igual e mesmo se ele a fizesse sentir tal constrangimento, ela sabia em seu
íntimo que era apenas uma forma que ele havia de divertir-se com ela e que não
eram seus verdadeiros sentimentos.
— E você gosta! — afirmou Khalid, ainda divertido.
O rapaz gostava de como ela não conseguia esconder seus sentimentos
dele, por mais que tentasse.
— O senhor está sendo desrespeitoso… — resmungou Amira, num fio
de voz, ponderando suas palavras. Entretanto, desejava dizer-lhe “Khalid! Seu
abusado!”. Somente para não admitir e dizer-lhe que desejava que ele a levasse
em seus braços.
O carisma de Khalid simplesmente a envolvia. Ele em um todo, era
sempre tão sério, embora suas falas fossem tão doces... Em seus polos opostos,
ela se via cativa.
Khalid queria continuar, adorava ver como ela ficava ruborizada. Era
doce, a forma como um sorriso teimoso insistia em seus lábios. Revelando que
embora estivesse constrangida, não era como se odiasse. Amira se afastava
abraçando-se, tímida e inconscientemente, instigava-o com o seu sorriso
divertido a continuar.
Ela o fazia sentir-se uma fera faminta.
Ademais, quando ele desceu o olhar e a viu abraçando-se, como se
pudesse ler os seus pensamentos, notou os seus seios sob o tecido molhado,
revelando mais do que deveria, embora ela estivesse alheia à este fato, o fez
engolir em seco e recuar à um espaço seguro da garota.
Amira se sentia acanhada, diante do olhar intenso e avaliativo, quando se
abraçou, foi na esperança de dominar seu coração. Seu olhar fugiu dele,
voltando-se aos seus pés, mas logo percebeu que ele se afastou. Por uma fração
de segundos, se perguntou o que fez de errado. Levantou os olhos, mas não
assimilou o que estava acontecendo. Apenas viu o pesado manto que outrora
estava nos ombros de Khalid, passando diante dos seus olhos e então, o sentiu
envolvendo-a com o tecido.
Cuidadosamente, ele a cobriu com seu manto, fechando-o na frente de
seu corpo cuidadosamente. Amira o olhava com curiosidade e ele sem falar,
apenas a tomou em seus braços, para carregá-la novamente.
O homem não tinha qualquer traço de humor em sua face, estava
sombrio e na mente da jovem, se formava milhares de perguntas. Ele caminhou
com ela até as pesadas portas, para retornar à parte interna do palácio, mas parou
e respirou fundo, antes de falar com sua voz completamente rouca e carregada
que apenas ela poderia escutar:
— Amira, antes de tudo, quero deixar bem claro: Da raiz de seus
cabelos negros, até a ponta dos dedos dos seus pés, Você me pertence — afirmou
olhando-a profundamente com aqueles seus bonitos olhos escuros como a noite.
Eles se completavam, ela era o dia, era o calor e a impulsividade e ele
era o mistério e a calmaria perigosa da noite. Pensou ela por meio segundo
fascinada por ele, ao mesmo tempo em que seu corpo todo se arrepiava.
— Entretanto... — seguiu ele, pesaroso — Não poderei te dar um filho,
por enquanto, seria muito arriscado para ambos. Espero, por favor, que
compreenda.
Sem mais, ele voltou a andar. Amira se encontrava em choque, surpresa
e sem palavras. Não era como se ela estivesse desesperada para ter um filho,
após a morte do sultão. Seus próprios planos de vingança, simplesmente ficaram
em segundo plano no instante em que viu Khalid.
Ter um filho homem seria a sua garantia à posição de sultana e à sua
vingança.
— Como você me fará sua sultana? — deu voz aos seus pensamentos,
insegura. Ela ainda não tinha mudado seus planos, embora não tivessem mais um
peso imediato em sua vida.
Ele olhou para ela, calmo e tranquilo.
— Te farei sultana, te farei mãe dos meus filhos. Porém, primeiramente,
devo me livrar de cada verme dentro desse palácio. Apenas, confie em mim —
misterioso e ao mesmo tempo exigente, ele não lhe contava tudo, mas exigia a
sua fé incondicional.
Amira não tinha opção se não acreditar nele, mas não se sentia satisfeita
com as meias verdades. Ocultando o que mais desejava saber, ao mesmo tempo,
não se sentia no direito de exigir nada dele, ela mesma ainda não falou nada,
esperava que quando o fizesse ele também se abrisse para ela, e certamente,
aquele não seria o momento.
Khalid por sua vez, queria perguntar o porquê ela queria ser uma
Sultana, ele com certeza a tornaria uma, mas algo lhe dizia que tinha mais do
que Amira estava falando. Ele precisava tirar isso dela, de uma forma ou outra,
pois uma vez que o dia seguinte nascesse, ele teria muitos deveres a tratar.
Ambos estavam perdidos em suas mentes, eram muito perspicazes e
instintivos, mas também muito inseguros e como sempre uma das partes tinha
que se dobrar, Amira acabou por suspirar e concordar com ele simplesmente
com um manejo de cabeça, aninhando-se em seu ombro enquanto se deixava ser
carregada.
(...)
Khalid e Amira atravessaram o palácio, o silêncio se manteve imperando
entre os dois. Os servos os olhavam ao longe, assim como todos que por um
acaso cruzavam o caminho. Khalid não se abalava e Amira sequer lembrava que
eles existiam.
Ela só tinha uma coisa em sua mente: Khalid. Não conseguia sequer
adivinhar o que se passava na mente dele, pois sua expressão estava como
sempre: séria e quase ilegível. No entanto, ela foi afastada dos seus
questionamentos quando alguns dos vizires entraram no caminho.
— Vossa alteza! — exclamou um deles, chamando a atenção.
Amira elevou um pouco a cabeça e seu olhar procurou quem chamava
Khalid, fora por instinto e sequer tinha pensado muito sobre isso. Mas quando o
fez, deparou-se com todos os membros da corte do sultão. Seus olhares eram
tensos, julgadores e ela quase podia sentir uma onda pesada de toda negatividade
que emanava daqueles homens. Eles não transpareciam isso em suas faces, longe
disso. No entanto, o simples caminhar de olhos deles avaliando-a nos braços do
sultão, já dizia muito mais do que qualquer palavra que fosse dita. Ela se sentiu
pequena, não de tamanho, mas de significância. Quase como se fosse uma
pequena formiga, diante dos grandes e perigosos homens maus, que poderiam
pisar e dar cabo de sua vida facilmente.
Eles queriam saber o que aquela escrava estava fazendo ali, o que ela
tinha de tão especial para ter tamanho cuidado e a clara afeição de Khalid. O
jovem sultão ajeitou mais o corpo de Amira contra o seu, na intenção de fazer
com que ela escondesse seu rosto em seu pescoço, protegendo sua face dos
olhares maldosos. Não queria que a vissem por nem um segundo mais.
Khalid não queria a deixar exposta tão cedo a estes homens, sabia que
eles procuravam informações e malditamente sabia que até mesmo o afeto dele
seria usado contra ela no futuro.
— O que... está fazendo, majestade? O que iremos fazer sobre os
traidores? E sua mão? Me perdoe, vossa alteza, mas está fazendo uma trilha de
gotas de sangue pelo palácio, deve priorizar o cuidado consigo mesmo — falava
sem parar, fazendo questionamentos, parecendo se preocupar com o jovem
sultão — Questionaram-me também sobre a sultana, ela ficará quanto tempo na
mesquita? Ela está grávida… Deve ser cuidada.
— Primeiramente, Tunç, devo-lhe satisfações? — respondeu seco e
objetivo — Sobre os demais assuntos, iremos tratar no tempo adequado. Se não
tem mais nada a dizer, irei me retirar. Reunirmo-nos mais tarde.
Sem mais, Khalid voltou a andar, levando Amira com ele. Deixando os
homens surpresos e estarrecidos atrás dele. Estava de bom humor até então,
apenas olhá-los fazia seu humor quase se esvair por completo. Se não fosse o
perfume dos cabelos de sua amada, fazendo-o se lembrar de sua presença,
provavelmente estaria com puro asco ao responder o homem. Uma vez que aos
seus olhos nenhum deles era confiável.
Quem diria que sua prometida, se tornou um amuleto de paz ao seu
coração.
(...)
Amira se sentiu inquieta em seus braços, desde que o tal “Tunç”
questionou Khalid. Ela tinha se esquecido do ferimento em sua mão e por causa
dela, ainda estava sangrando. Ele tinha que cuidar daquele ferimento. Exclamou,
em pensamento.
Ela concordava com o velho homem, sentia-se inquieta, mas não poderia
fazer ridículo diante dessas pessoas. Então, esperou que saísse de perto dos
demais homens para não piorar ainda mais a situação.
— Vossa majestade, ponha-me no chão. O seu ferimento, por favor,
chame um médico… — pediu ela, afastando-se o suficiente do seu pescoço para
poder olhar-lhe a face, tomando cuidado para não piorar o machucado conforme
ele segurava-a.
— Iremos economizar água, pequena prometida — murmurou ele, com
certo humor. Pouco se importando com o pedido dela — Você irá tomar banho
comigo.
O corpo de Amira enrijeceu-se instantaneamente ao ouvir tais palavras
nos braços de Khalid e seu mau-humor se foi por completo, mediante à reação
da garota. Realmente divertia-se com as reações de sua prometida, estas que
pareciam afastar todas as névoas negras, que pareciam obscurecer o seu coração.
Ele esperou a sua reação agitada como de costume, mas ela não veio,
estranhando, ele voltou a provocá-la.
— Nós dois estamos molhados pela chuva, não quer que fiquemos
doentes devido à friagem, certo? — indagou ele, provocando-a.
E ela tentou falar, mas nenhum som saiu.
Não é como se ela não estivesse preparada para isso, quando foi ao
quarto do antigo sultão, sabia o que iria acontecer. Contudo, tudo que envolvia
Khalid transtornava-a, fazendo-a sentir-se frágil, tímida e dependente de suas
reações. Tentou respirar fundo, como se isso pudesse trazer de volta alguma
sanidade e lucidez. Se era isso que ele queria, ela o faria. Afinal, ela pertencia a
ele. Deixou o ar sair lentamente de seus pulmões, enquanto se acalmava
ponderando as suas emoções.
Esteve muito agitada, comportando-se como a criança mimada que não
era há muito tempo. Claro, que na maior parte das vezes, era isso que Khalid lhe
inspirava e dava abertura para se comportar, mas era uma mulher agora. Ao
puxar na memória, não era qualquer mulher. Seus professores garantiram isso à
ela. Além do mais, se tinha uma pessoa que Amira entregaria seu corpo sem
lutar, era Khalid. Amira agradeceu à Alá pela lucidez de seus pensamentos se
acalmando e então, ela levou a mão ao rosto de Khalid acariciando-o.
— Sim, majestade. Se for o seu desejo, o farei — respondeu com um
tom doce.
Chocado, Khalid concluiu que de todas as reações que pudesse receber
de Amira, ele não tinha imaginado que seria essa. Seus olhos eram doces, e o
toque de sua mão quente o confortava. Quando ele achava que tinha começado a
desvendar a mulher e previr suas reações, ela lhe mostrava o quão errado ele
estava.
— Talvez, de fato, devemos ir ao médico, minha pequena — disse ele
olhando-a com preocupação em seu rosto.
— Sim, para sua mão… — começou ela novamente.
— Não, para a sua cabeça — interrompeu divertido.
Amira parou, olhando-o até entender o que ele quis dizer com isso, coisa
que não durou mais que alguns segundos.
— Muito engraçado, Vossa majestade. Eu estou falando de algo sério, e
o senhor... — disse ela, estreitando os olhos para ele.
— Estou falando algo sério também. Desde que a conheci, nunca foi
uma garota obediente — lembrou-se com bom humor, com um sorriso que fez
Amira estremecer.
No entanto, o sorriso não durou, uma vez que ele encontrou a criada
chefe pelo caminho, ordenou-lhe que o seu aposento fosse preparado para o
banho. Assim como uma muda de roupas para a sua Favorita Amira deveria ser
providenciada em seu aposento com a mesma urgência.
O brilho de surpresa não durou mais que alguns milésimos de segundos.
A criada se curvou e saiu na frente apressada. Amira, não sabia como reagir à
tantos cuidados, por isso mantinha-se quieta. Apenas insistindo até chegarem ao
aposento de Khalid que ele a colocasse no chão.
Ao chegar nos aposentos, o médico já estava lá. O que surpreendeu
Amira. Ele os olhou silenciosamente e só então Khalid colocou-a no chão. O
médico apressadamente se encaminhou até Khalid, cuidou do ferimento de sua
mão, aconselhou-o com cuidados que deveria ter e que senão os tomassem,
correria sérios riscos de perder a mão. Ao contrário do tratamento frio que
Khalid dispensara aos vizires, ele apenas era obediente ao médico sorrindo,
enquanto o velho lhe passava um sermão sobre segurar lâminas de espadas.
Isto fez Amira pensar que o médico devia ser de confiança, uma vez que
não inspirava o mau-humor do Khalid. Ele examinou Amira em silêncio e como
ela tivera mais de uma pancada no corpo em um curto período de tempo, ele a
instruiu a tomar um banho com infusão de ervas para poder aliviar as dores. O
médico informou que um dos viajantes, que ele encontrou, falou sobre o banho e
realmente teve resultados positivos sobre isso. Mas que as dores a
acompanhariam por um bom tempo.
— Além disso, minha filha estará chegando em breve de viagem, então
ela a atenderá em breve e fará um acompanhamento mais minucioso —
informou sem meias palavras e Amira entendeu o que ele quis dizer.
Afinal, não era natural, mesmo sendo apenas para fins médicos, um
homem ficar examinando a concubina. E então, partiu dos aposentos depois de
uma educada reverência ao seu soberano. Logo atrás do médico, foram as
criadas, pois Khalid odiava a ideia delas lhe dando banho.

Logo que o médico saiu, Khalid chegou à conclusão que tinha sérios
problemas. Queria não pensar sobre isso, mas não tinha opção. Amira agora
estava sem o manto que ele mesmo tinha colocado cobrindo-a e protegendo-a da
visão de terceiros, assim como da dele mesmo. Quando a chamou para tomar
banho com ele, estava brincando em um jogo de provocação, não imaginou que
ela aceitaria e pior ainda, que chegaria de fato a este momento. Nunca encontrou
problemas para tirar as suas roupas diante de uma mulher, mas ao pensar em
tudo que a garota passou, não conseguia deixar de se preocupar.
Estaria ela, preparada para vê-lo tirando sua roupa e revelando um
membro ereto apontando diretamente para ela? Óbvio que não. Pensou ele,
transtornado. Porém, na expectativa de tê-la nua diante de si, dividindo o banho
com ele, as reações do seu corpo eram inevitáveis. Seu mastro pulsava
dolorosamente, era incômodo, mas ele não revelaria seu estado.
Sentia-se sujo em comparação à ela, ao mesmo tempo, em que isso
aumentava ainda mais a sua excitação. Sua mente vagava em memórias criadas
das expressões dela enquanto a tinha nos braços e ele sabia que isso era um
caminho sem volta, por este motivo tentou pensar em trabalho, para tirar a sua
mente desses pensamentos pecaminosos. E agradecia imensamente pela túnica
que vestia, cobrindo boa parte de seu corpo e o ajudava a esconder seu real
estado.
Amira, que estava alheia aos pensamentos libidinosos de Khalid, apenas
sentia que o seu corpo estava paralisado, pois os olhos de Khalid sempre tão
atentos quanto os de um falcão, iria a reparar como ele disse antes “da raiz do fio
de seus cabelos até a ponta dos seus pés”, estava insegura. O medo que outrora
ela teve retornou fortemente, a vergonha de seu corpo e de suas cicatrizes,
deixavam-na desconfortável a ponto de fazê-la estremecer.
Khalid a viu tremendo, preocupado, pensou que ela estava com frio.
Deixou toda a sua agitação de lado, focou-se apenas em fazer o melhor para ela.
Tinha um medo aterrorizante de que ela adoecesse, assim como sua mãe e todos
os outros do palácio naquela época não tão distante assim. Aproximou-se dela
silenciosamente e rapidamente, sem qualquer palavra, a pegou nos braços e se
encaminhou para água a adentrando, e se abaixou até que a água cobrisse os seus
ombros.
Amira ainda estava com os olhos muito abertos, espantada com a forma
impaciente que Khalid a tratava. Perguntava-se se ela estava sendo um
inconveniente, por ter demorado a entrar na água e por isso ele fez isso. Ao
mesmo tempo, ela francamente não sabia o que fazer com este homem que
estava ferido e não parava de levantá-la nos braços. Quase parecia que ele tinha
lido seus pensamentos e soubera que ela de fato, adorava estar entre eles.
— Ayla, você está segura. Se aqueça e afaste a friagem que está em
você. Não vou tocar em você mais do que o necessário — prometeu Khalid,
com um humor que não tinha, em busca de relaxá-la, uma vez que estava
claramente nervosa.
Ele a soltou e se afastou dela alguns centímetros, olhando-a, levantou a
mão até a sua face e continuou:
— Não se sinta nervosa, apenas aqueça o seu corpo, não quero que fique
doente.
— Sua mão… — começou ela preocupada.
— Não se preocupe, eu estive na guerra por todos estes anos em que
estávamos separados, não será um corte na minha mão que realmente me fará
perdê-la. Se banhe… — disse ele contido e controlado, voltando a se afastar um
tanto dela.
Amira desceu o olhar para a água, e então ergueu o olhar para ele.
Perguntava-se o que tinha que fazer neste momento, ele sempre parecia se
preocupar com ela, que não lhe dava mais do que problemas. Ela sentia-se
tímida, com a sua roupa colada e pesada em seu corpo. Mas maior que sua
timidez, era o desejo de fazer algo por ele.
Ela moveu-se corajosa para perto dele e levou a mão ao seu peito.
— O senhor está com sua mão ferida... — disse Amira com a melhor das
intenções e Khalid, sem pensar direito, apenas por um novo hábito que ele nem
sequer sabia que tinha criado, maliciosamente, tomou entre as suas mãos, as
mãos de Amira.
— Então você será a minha mão. Não é…?
Khalid queria rir de sua própria desgraça, pois não cansava de se afundar
ainda mais quando estava envolto à Amira. Ele entrou nesta situação, por uma
brincadeira, uma provocação. Agora, estava se enfiando em um buraco ainda
mais fundo quando a bochecha da garota corou fortemente e para piorar, ela
meneou a cabeça concordando.
Ayla, não caia nas minhas brincadeiras pelo amor de Alá! Pensou ele,
fechando os olhos por alguns segundos tentando conter o riso. Esquecendo por
completo todo o nervoso que estava sentindo, assim como o seu próprio corpo
mais leve. Novamente, ele estava tenso e ela o salvou dele mesmo. A felicidade
que sentia não podia ser contida enquanto elevou os olhos novamente para ela e
num ímpeto impensado de felicidade, ele apenas puxou-a em seus braços e a
abraçou.
— Obrigado por existir — murmurou ele, com a boca encostada em sua
orelha.
Amira sabia e percebia que ele via em sua timidez um divertimento e
não se importava. Mas este abraço, seus corpos colados, ela sentia o movimento
de sua expiração e o batimento do coração dele. E o dela estava tão agitado que a
própria duvidava que Khalid não pudesse sentir ou perceber como ele estava a
deixando. Contudo, ele não parecia se importar e, então sentindo uma súbita
coragem, Amira o abraçou de volta e ele pareceu se dar conta do que estava
acontecendo e se afastou o suficiente dela para poder ver a sua face.
Ela lamentou ser distanciada do seu abraço e talvez isso se refletiu em
seu rosto, pois uma vez que o olhar de Khalid alcançou o seu, sua íris desceu
lentamente aos seus lábios e ele a apertou mais forte em seu abraço, o ar fugiu de
Amira em um arfar enquanto o belo rosto de Khalid foi se aproximando do dela
para beijá-la.
CAPÍTULO 13

CICATRIZES: MAIS DO QUE PODE VER COM OS OLHOS

O toque de suas mãos, envolvendo-a em seu abraço, causou sensações que


Amira jamais tinha sentido antes na sua vida. Quando seus lábios
finalmente tocaram os dela, seu corpo todo arrepiou, a garota teve a
sensação de se desfazer em um prazer jamais imaginado em seu íntimo,
causando um borbulho dentro de si, que incontrolavelmente subiu pelo seu corpo
até escapar delicadamente pelos seus lábios em formato de gemido.
Khalid afastou seus lábios o suficiente para sorrir e murmurar algo que
Amira não conseguiu assimilar. Aturdida pela enxurrada de emoções que sentia,
Amira abriu os olhos nublados de paixão, apenas por tempo suficiente para ver
os lábios dele e voltar a se aproximar, tomando-os entre os seus.
Assim que sentiu o calor dos lábios dela nos seus, Khalid se viu
totalmente rendido à sedução de sua prometida. O desejo que já percorria cada
poro do seu corpo, veio em uma onda mais forte e poderosa, em um rompante
levantou-a em seus braços, a trouxe para o seu colo. No exato momento em que
ela ofegou surpresa, ele não conseguiu se conter e tomou a boca dela com ainda
mais ferocidade, enfiando a língua em uma carícia lenta e deliciosa.
Tudo era uma novidade para ela, mas seu corpo parecia saber por
instinto o que fazer, a cada pequeno arrepio uma nova onda de prazer tomava seu
corpo e se tornava uma maravilhosa novidade. A grande mão forte que afagava
suas costas, tão firmes e poderosas como o beijo do homem que roubava todo o
seu fôlego. Sentiu-se rendida aos desejos.
Khalid, que também se sentia mais vivo do que nunca, viu-se rendido
por aquele beijo que parecia insuflar o ânimo de vida de volta em sua corrente
sanguínea, a entrega de sua prometida revigorava-o de uma maneira que ele não
conseguiria imaginar. Tão receptiva e doce, o permitindo moldar o corpo dela ao
seu. Tão quente. Tão macia e o seu cheiro devastador em um perfume único, o
excitando mais a cada segundo. Estava perdido em luxúria, sob o gosto
adocicado de seus lábios. Para minar qualquer esperança de controle, Amira com
a sua língua sedosa e curiosa, tocava a dele, imitando os movimentos e tentando
novos. Até sua forma inexperiente de tentar fazer, instigava-o a mais um motivo
para que ele ficasse fora de si.
Entre um baixo suspiro e outro, que escapava dos seus lábios quentes,
parecia arrancar a última gota do autocontrole de Khalid.
Com sua Ayla em seus braços, Khalid afrouxara um pouco o aperto do
abraço, apenas para que pudesse deslizar sua mão pelo corpo dela. De tamanha a
excitação, sequer deu-se conta que estava sendo mais bruto que o normal. Ele
percorria todo corpo de sua prometida com as mãos ávidas por desvendar cada
vez mais as curvas dela, incendiando cada vez mais a jovem inexperiente.
O tempo parecia ter parado para os dois, entregues um ao outro, com
tamanha plenitude que todo o resto tornava-se insignificante perto daquilo que
seus corpos estavam experimentando, pois nada poderia ser comparado a estar
um nos braços do outro.
Ou isso era o que acreditavam.
Conforme a mão deslizava pela coluna da garota e a trazia mais para
perto, ela pôde sentir sua ereção e ele gemeu roucamente ao sentir a pressão que
o corpo dela fazia contra seu membro. Amira se retraiu um pouco, no entanto,
faminto de desejo por ela como estava, completamente enlouquecido de prazer,
ele nem sequer notou. Entrelaçou os dedos nos fios longos de cabelo dela, e no
anseio de sentir mais do seu corpo, Khalid fechou a mão entre os fios e acabou
os puxando com mais força do que deveria, de forma violenta e selvagem.
A mente de Amira fora tomada de assalto pelas imagens de quando era
pequena. As vezes em que as pessoas a pegavam pelos cabelos para evitar a sua
fuga. Os olhos cruéis que a condenavam antecipadamente ao sofrimento que
viria. Quando sentiu a excitação de Khalid, recordou-se subitamente da
repugnante vez que sentiu a do Sheik. Engoliu em seco e sentiu a bile subir.
Dizia a si mesma que aquele não era o sheik, que era o seu amado. Mas a
sensação não a deixava.
A cabeça dela inclinou-se para trás, devido ao puxão que ele deu, dando
livre visão para Khalid do seu pescoço e colo dos seios. Ele a beijou
violentamente no lábio inferior, alheio aos tremores internos da menina. E ainda
sem pensar direito, em meio à sua paixão inebriante não havia percebido que
Amira estremecia sim nos seus braços, mas não da forma que ele queria. Ele
desejava lhe dar mais prazer, fazê-la se sentir bem. Khalid desceu seus beijos até
o seu pescoço que estava livre para ele, aguardou um suspiro, um arfar ou um
gemido, contudo, não chegou som algum.
Amira não queria pensar no passado ou recordar nada, na verdade, até
então, ela não conseguia pensar em nada que não fosse os toques e calor
maravilhoso que vinha de Khalid, o quanto amava como ele a fazia se sentir bem
em seus braços. Mas não pôde evitar, eram memórias fortes demais e a sua única
experiência anterior. Teimosa e insistente como era, seguiu ao menos parada. Era
Khalid, o seu amado Khalid, ele não lhe faria mal, recordava para si mesma.
Entretanto, o medo continuava invadindo-a causando-lhe quase dor física.
Amira ofegava, pensava Khalid, mas percebeu que não era da mesma
paixão em que ele estava mergulhado, ela estava paralisada na mesma posição.
Era como se alguém estivesse naquele exato momento, lhe proporcionando uma
dor sem igual e ela estivesse aguentando firmemente. Ela estava tremendo e
então um soluço de choro chegou aos seus ouvidos, ele se afastou de um salto,
tirando suas mãos dela.
Seu êxtase se foi, dando lugar à preocupação.
— Ayla… O que houve? — perguntou, à uma distância segura, como se
seu toque fosse a deixar pior.
Perguntava-se, se fora faminto demais e talvez de fato tenha sido,
concluiu ele. Há muito tempo não se deitava com uma mulher e quando estava
com Amira, tudo parecia mais intenso. Concluiu mortificado.
Amira se sentia péssima. A felicidade que até então a transbordava, fora
substituída cruelmente por uma tristeza que mal conseguia conter dentro de si.
Ver a expressão de Khalid só tornava tudo pior.
— Me desculpa… — falou Amira em um fio de voz, trêmulo e ofegante.
— Me fale, o que aconteceu? — Khalid não se afastou de um todo, mas
afastou as mãos dela. Ela seguia em seu colo, pois mesmo com todas as
lembranças difíceis que a invadiam naquele momento, os braços de Khalid ainda
pareciam ser o melhor lugar para estar. Ela tremia como um animal assustado e
acuado, então ele suspirou, começando aproximar a mão dela, para fazer uma
carícia tranquilizadora, mas mudou de ideia, recolhendo a mão.
Amira, com seus bonitos olhos azuis, o encarava com as iris pesadas
pelas lágrimas que começavam a se formar e ela tentava conter. Sorriu para ele
tão tristemente que lhe causou uma forte dor física no peito.
— Assim como você… — começou Amira, levando ousadamente a mão
ao peitoral dele, onde ela recordava que ele tinha uma grande cicatriz.
Khalid desceu o olhar para a mão dela pousada sobre o seu coração e
engoliu em seco. Parecia saber da dor que a sua expressão causou nele ali, mas
ela continuou a sua fala:
—… Eu tenho grandes cicatrizes.
Não desejava fazê-la se lembrar de coisas ruins, pois certamente já tinha
sido ruim o suficiente viver aquele momento e ainda tê-lo na lembrança, era
algo que Khalid nem sequer poderia imaginar. Mas como ele poderia cuidar
dela, se não soubesse exatamente o que aconteceu? No entanto, o pensamento
mais simples que lhe tomava a mente, era o que deixou escapar pelos seus
lábios:
— Gostaria de fazer desaparecer cada pequena dor que habita em seu
coração.
Amira vacilou, comovida diante das palavras dele e sentiu seu peito
aquecer. Seu corpo que estava frio pela onda forte de medo que tinha tomado-a,
parecia se aquecer um pouco diminuindo lentamente os tremores. Então sorriu e
levou a mão à face de Khalid, grata pela bondade dele para com ela.
— Você sabe tão bem quanto eu, que isso não é possível.
Khalid fechou com força seus olhos e seus maxilares se contraíram,
quando ele desceu a cabeça para que a sua encostasse-se à dela.
— Por favor, me diga… O que aconteceu com você, Ayla…
Toda vez que ele a chamava assim, tinha um quê íntimo, um nome que
quase ninguém mais sabia ou recordava. Ao mesmo tempo em que se sentia
especial, sentia-se triste em igual intensidade. Amira suspirou pesadamente e
olhou para baixo, sem conseguir ter forças para encarar nos olhos de Khalid.
— A sua pequena prometida “Ayla”, morreu. Ela morreu pouco depois
de conhecê-lo, pouco depois de se sentir totalmente encantada com o seu
príncipe. A tribo dela foi atacada, ninguém esperava. Pouco antes do caos,
tiveram uma noite tranquila, calma e serena, nada poderia dar sinais do que
estaria por acontecer. Quase toda a tribo foi massacrada, atacados do nada e
rapidamente, meus pais morreram tentando chegar à minha tenda, minha irmã
morreu para me proteger e, mesmo assim, fui pega. Junto com outras meninas
fomos vendidas, sua Ayla morreu ali… — Amira foi contando, detalhe por
detalhe, suas emoções, seus medos… Sobre o novo nome que lhe foi dado em
uma sátira de quem era. Por que foi aprisionada, por que foi torturada, por quem
quase foi abusada e assim explicou o que causou a recordação súbita que os
levou à esta situação, qual foi a sua reação diante disso. Até o momento em que
o encontrou em meio ao deserto — Não o reconheci de imediato, nem teria
como fazê-lo. Mas quando estava na tenda providenciada para você e te olhei
enquanto dormia, parecia familiar. Só fui ter certeza, quando se apresentou.
— Porque não me disse que era você?
— Por que, como eu disse, a sua Ayla, morreu. No lugar dela, nasceu
uma Amira, alguém que não tinha ninguém. Alguém que apenas queria
vingança, uma garota que nunca foi salva e não seria, então, ela teve que lutar
com as suas próprias forças, como podia. Você nem de longe parecia o meu
príncipe, não parecia um salvador, sua aura era macabra, não sentia que podia
confiar e tão pouco queria, ainda que me sentisse sendo arrastada para você e
tinha esperanças, porém, a minha mente se negava a se entregar.
— Me perdoe, se soubesse que estava viva eu teria ido atrás de você…
naquela época…
Amira sorriu ao escutá-lo falar. Ela não era cega, embora fosse receosa,
ele sempre a tratou com respeito, carinho e com valor. Sabia que aquele menino
que perdeu a mãe, iria atrás dela se soubesse.
— Assim como eu, não era mais que um menino que perdeu os pais. Sua
mãe se foi e o seu pai… bom, era o mesmo que não ter um, certo?
Khalid silenciou e a fez levantar o olhar para ele.
— Sim…
Amira sentia que tinha que mostrar tudo para ele, sua verdade, seu
passado e até mesmo as suas cicatrizes. Sentia que se mentisse para ele estaria
enganando um pedaço de si mesma. E se fosse para se abrir, que fosse de uma
vez, assim como um machucado.
Afastou-se e levantou, ficando de pé com a água na altura de suas coxas.
Se virou e ficou de costas, puxando parte de seu cabelo para frente e abaixando
suavemente o vestido, desnudando os seus ombros por completo até um pouco
mais abaixo. Ela revelou assim a ponta de suas cicatrizes. Suspirando, ela virou a
cabeça de lado um pouco para poder olhá-lo e novamente lhe deu um sorriso
triste.
— Você ainda quer uma mulher como eu? Essas são as pontas das que
estão nas minhas costas. Antes de começar a ser treinada, aprontei um bocado,
levei muitas chibatadas até ficar em carne viva. Nunca fui obediente e submissa,
meu sultão — declarou com os lábios trêmulos, deixando claro a diferença deles
e como embora juntos estavam distantes — Ainda me deseja? É uma vergonha
ter uma mulher assim...
No primeiro momento, Khalid ficou chocado. Primeiro pela súbita
atitude de Amira, depois quando ela começou a tirar a roupa, para então, ser
surpreendido pela ponta de uma cicatriz em suas costas e que segundo as
palavras dela, tinham muito mais. No dia em que a encontrou no aposento de seu
pai, vira algumas, mas até aquele momento só podia imaginar o horror que ela
tinha vivido, sem certezas ou as verdades. Naquele dia queria vingá-la, protegê-
la e acolhê-la na mais absoluta segurança. E agora, naquele momento, ele queria
pessoalmente decapitar cada um dos homens e pessoas que causaram tamanha
dor, medo e sofrimento à sua amada.
Contudo, ele não queria assustá-la ou deixá-la pensando algo
desnecessário. Ele apenas se levantou e se aproximou dela, levando sua mão à
parte de sua cicatriz e acariciando-a até chegar ao seu ombro, confortando-a ao
mesmo tempo em que dava um beijo no topo de sua cabeça.
— Acho que você não deveria fazer uma cara tão doce assim para mim,
minha pequena prometida. Me faz querer me tornar um lobo faminto. E da
última vez… te assustei. — disse ele descendo o rosto para a altura de sua orelha
— E se isso não for o suficiente para compreender, entenda: cada uma dessas
cicatrizes, não é uma vergonha, longe disso. São provas de sua força
incomparável. Honrosa a minha doce Ayla que lutou com tudo que tinha para
chegar viva e forte de volta aos meus braços.
Amira se sentia feliz, tão feliz com Khalid. Tão abençoada, grata e
adorada, que as lágrimas apenas rolaram por sua face sem controle e falou entre
o choro:
— Mas… Eu falei que a Ayla morreu…
— Não, ela não morreu... — disse gentil com um sorriso em face — A
cada vez que você sorri, a cada doce olhar que me dá. A forma como você é
impulsiva e desobediente. Tudo isso é a minha Ayla. Tão minha e só minha
Ayla.
Khalid sentia-se mortificado, pensando em tudo que ela sofreu. Não
queria arrastá-la para mais uma confusão e era exatamente isso em que a tinha
envolvido. Bem no olho do problema. Ele não deixava seus pensamentos
transparecer em sua face, claro. Por força do hábito e também por que é algo que
ele tem que se preocupar mais do que ela. E por este motivo ele teve uma ideia.
— Você vai passar a dormir comigo no meu aposento. Devemos
primeiro criar momentos para as pessoas acharem que está tendo pesadelos e
então eu, como um homem tolo e apaixonado, a farei dormir ao meu lado, em
segurança.
Amira, que ainda estava emocionada, se espantou e afastou-se dele para
encará-lo. Ela não tinha palavras, sua boca abria, mas dela não saia qualquer
som. Como em um tempo tão curto ele tinha planejado algo tão audacioso?
Indagava-se ela.
— Você não disse “Estar ao seu lado é o lugar mais seguro para ficar” ou
algo assim? Já a tornei a favorita, o que significa que irá para a área principal do
palácio. Contudo, Kelebek ainda é uma sultana e vive na mesma área. Por hora
ela está na mesquita, mas não ficará lá para sempre.
Neste momento, os olhos de Amira abriram-se grandemente e ela se
recordou do que tinha para falar a Khalid e havia se esquecido. Em um ímpeto
desesperado, agarrou as vestes dele.
— Sim, é verdade! Eu não pude te falar antes e eu estava insegura como
falar, mas ontem eu fugi do harém, não conseguia dormir, encontrei o jardim…
Eu dormi lá… — admitiu envergonhada, mas ele supôs isso pelas vestes dela —
Eu acordei escutando pessoas conversando! E quando eu consegui distinguir as
vozes, só reconheci uma delas: A sultana! Ela não estava feliz com a morte do
seu pai, estava irritada, ela falou do bebê por alto. Mas ela estava decidida a me
matar…
— Eu imaginava que ela desejaria isso, maldita! — rosnou Khalid.
— Tem mais! — exclamou ela — Tinha um homem com ela, muito
calmo, muito controlado. Ele disse para me usar, acho que para te atingir. Ele
parecia mais esperto que a Sultana, falava sibilado e tinha frases inteiras que não
conseguia entender o que falava. Acho que não consigo reconhecer a sua voz,
falou o tempo todo muito baixo e pouco abalado. Quando fui tentar fugir e você
apareceu…
— Você pensou que era eu que estava falando com ela — concluiu ele.
— Sim… — afirmou ela tímida e completamente arrependida.
— Você fez bem, não confie em ninguém neste palácio — disse com
convicção Khalid — Não era eu que estava falando com ela, mas Kelebek deve
ter me visto chegando e ela deve ter encontrado esse desconhecido ali justamente
por que eu não permito que as pessoas entrem lá se não forem os criados que
cuidam das flores. Vou trabalhar isso, por ora, vamos sair daqui, nos trocarmos e
acredito que seja bom você ir aos seus novos aposentos e descansar.
(...)
Sérios e preocupados, ambos entraram num acordo após aquela conversa
que deveriam sair do banho. E enquanto Amira tirava suas vestes, o seu cabelo
prendeu em uma das correntes de ouro que estavam em seu corpo. Khalid, por
um segundo pensou em amaldiçoar as tentações que Alá colocara em sua vida.
Fazendo de sua Ayla tão sedutora, quando tinha que se apressar para trabalhar.
Ele a observava a uma distância segura enquanto a mesma tentava se
soltar, com parte da roupa já fora de seu corpo, assim como a dele mesmo.
Estavam praticamente nus, mas mesmo assim, já que não estava completamente,
se fez honrado e se aproximou a espantando, fazendo-a levantar seus olhos
brilhantes para ele.
— Eu ajudo — E assim o fez.
Com cuidado ele desprendeu o cabelo dela da corrente, sua mão roçou
contra a pele macia rapidamente e ela arrepiou sob seu toque. Khalid prendeu a
respiração, virou-se e voltou apressado para perto das suas mudas de roupas.
Mas não apenas isso a surpreendeu, como o fato de ter olhado rapidamente e ter
tido o vislumbre não apenas do peitoral dele, como também do início de seu
traseiro, pois a calça que usava estava baixa. Sentiu-se libidinosa e tratou de se
apressar também a se vestir e tentar mudar seu pensamento.
Olhava ao redor pela primeira vez, a bela construção rica em todos os
sentidos. No ambiente, havia muito mármore, colunas e bicas com baldes. O
esplendor e grandeza que se destacava no aposento que não tinha janelas, apenas
um pequeno vitral forrado com grades e vidros coloridos para iluminação do
vestiário. Ao se dar conta que tinha parado novamente de se vestir, voltou a se
apressar, morrendo de vergonha por dentro e tão logo terminou de vestir-se.
Saíram do aposento, deparando-se com apenas os guardas no fim do
corredor. Amira viu também a criada chefe à sua espera, ela olhou para Khalid
para se despedir, contudo viu ele a encarando e sentiu as palavras fugirem dela.
— Eu quero que use o brinco que lhe dei na orelha esquerda… — disse
ele, virando a cabeça e mostrando o furo onde ficava o seu brinco — Enquanto
eu usarei na direita. Se você ainda o tiver, claro.
— Eu… sim. Ainda tenho. Mas você deu ele à Ayla...— disse Amira,
sentindo sua face esquentar. Não tinha dito a ele que tivera guardado o brinco
como o seu tesouro.
— E como eu disse, você é a minha Ayla independente do que faça.
— Me perdoe perguntar, mas por que sempre usa rubi?
— Porque é a principal joia da minha família, além de ter grande
significado. Ao menos é o que minha mãe dizia. Honde gostava muito do
significado das coisas, suas origens e coisas do tipo. Muitas vezes a via
estudando livros ou meu pai mandava seus criados conseguirem contatos com
pessoas de países vizinhos para saber coisas que eram do interesse dela. O Rubi
era associado à beleza e sabedoria, o que combinava muito com minha mãe.
Dizia ela que em alguns lugares que trazia proteção ter essa joia consigo, pois
através de um estrangeiro minha mãe descobriu que também portava um
simbolismo de amor eterno.
Amira se viu encantada com a perspectiva do significado das coisas e se
sentiu curiosa com os estudos da falecida sultana, perguntava-se se em algum
momento poderia ler tais coisas. Mas manteve-se em silêncio.
— É chegada a hora de nos separarmos, nos vemos em breve.
Amira concordou com a cabeça e se retirou, virando-se para a criada
chefe, que aparentemente não mudava a sua expressão por nada no mundo. Uma
vez chegando próximo o suficiente da mulher, ela lhe olhou e sorriu, um sorriso
que não lhe chegava aos olhos.
— Sendo pelo pai ou pelo filho, ficou com o sultão. Agora se tornou
uma honrosa consorte favorita, meus parabéns pela honra. De todas que já
chegaram a este palácio, de fato faz justiça à sua fama — dizia ela sem colocar
nenhuma expressão, Amira não sabia dizer se era raiva, pois no início parecia,
no meio parecia um elogio e depois, no fim, uma congratulação — Vamos para
os seus novos aposentos, enquanto estavam se banhando, seus pertences foram
levados para lá, junto com as suas criadas pessoais que a esperam.
CAPÍTULO 14

MÁS LÍNGUAS: E A SUA VOZ FERINA

A jovem Amira seguiu a criada de perto, reparando em sua postura


perfeita, seus passos leves e sem som, suaves como se flutuasse. A
mulher tinha uma língua ferina, opinião ácida, uma expressão de poucos
amigos, mas seus modos e tudo mais que a compunham, era impecável.
Enquanto caminhavam, Amira percebeu que estava sob olhares furtivos de
outros servos que outrora acompanhada de Khalid foram de curiosidade e agora
sozinha, já não eram mais tão bons. Procuravam erros para julgá-la e sussurros
maldosos chegavam aos seus ouvidos:
A mulher que outra noite estava no aposento de Fahir, agora estava no
banho do jovem sultão...
Sequer dera tempo do corpo do sultão esfriar... Concordava outra.
Sedutora, a flor do deserto almeja o poder e por meio da sedução o
tem…
Claro que todos falavam especificamente para que ouvisse, queriam que
ela se comportasse mal, queriam que confirmasse ou negasse. Fosse qual fosse a
resposta, ainda sim seria prejudicial à ela.
Amira, com a cabeça erguida, mantinha os passos sem vacilar com
grande esforço, pois estava sendo consumida pela chama da ira. Estava em uma
situação em que não poderia apenas gritar que ela era a prometida de Khalid para
todos ouvirem, pois Ayla estava morta. E para piorar, embora não tenha sido
consumado, de fato, na noite anterior estava no aposento do sultão Fahir e vira a
sua morte.
Após tudo que aconteceu, ao nascer do novo dia, estava nos braços de
Khalid. Acolhida, serena e apaixonada para todos que pudessem ver. Sentia-se
tímida, mas… A garota não conseguia se sentir arrependida, embora tudo dentro
dela soubesse que fora muito cedo, muito impulsiva. Todos teriam motivos para
julgar e condenar. Mas fosse qual fosse a opinião deles, nada mudaria quem era
ela, que Khalid a tinha com carinho e agora era a sua concubina favorita.
Em compensação, toda a hostilidade da criada chefe se tornava algo
brando em comparação às pessoas que estavam um pouco atrás. Ainda que ela
não fosse das pessoas mais fáceis de lidar, sem sombra de dúvidas era sincera.
Apenas isso, já a fazia melhor que muitos dos outros que se encontravam ali.
Inclusive melhor que a própria Amira.
Ela sabia que não era nem de longe uma pessoa sincera, assim como
Khalid também não o era. Ainda que suas faces estivessem serenas, usando de
sorrisos e artifícios para poder expressar, omitindo coisas para falar apenas
aquelas que poderiam ser favoráveis. O único com quem ela simplesmente não
conseguia conter-se era com Khalid.
Khalid... Recordava do seu rosto bonito e anguloso, sua barba, seus
olhos e sua voz… O seu calor e o seu cheiro que passava paz à Amira. Ele tinha
mais controle que ela, com sua expressão sempre inabalável, mas em alguns
momentos e em conjunto com suas palavras, faziam com que ela visse os seus
reais sentimentos. Sentia-se especial e única, com o carinho que lhe era dado e a
atenção que dispunha em cada uma das suas palavras.
Foram tantas coisas que aconteceram em um curto tempo, que tinha a
sensação que dias tinham se passado. A lembrança do corpo sem cabeça do
sultão, só veio a sua mente uma vez que se fez lembrar. O olhar admirado, o
carinho que lhe fora ofertado, a expressão raivosa de traição e as palavras do
sultão, pareciam um sonho distante que virou um pesadelo quando o sangue
escorreu. O olhar de reconhecimento de Khalid, o horror que sentiu, tudo isso a
fazia sentir-se sensível. Sentiu um medo terrível e fora confortada pelo mesmo
que causou o medo, seu corpo a traíra, seu coração vacilava e nos braços de
Khalid se sentira tão bem…
Sentia raiva, amor, medo, conforto, ódio… sentia-se feliz e então
mergulhada no mais profundo desespero. Tinha por vezes vontade de gritar em
meio à toda agitação que tomou sua vida, não tendo tempo para sequer pensar
direito nas coisas, em todo o processo, sentindo tudo diretamente em seu
coração.
Sua mente estava em um puro tormento tentando se organizar. De tal
maneira que nem sequer viu o momento em que chegara aos seus aposentos,
dentro do palácio principal. E isso a deixou surpresa, pois não percebeu que a
mulher tinha parado e acabou por acidente esbarrando nela, voltando um passo e
meio para trás se desculpando. A criada ficou em silêncio quase fúnebre e se
perguntava se a mulher era avessa a que se encostasse nela.
— Me perdoe, minha mente estava longe. Não foi a minha intenção…
— falou Amira sem pensar muito sobre isso, embora ela não precisasse se
justificar para uma empregada, ainda mais uma que sempre foi rude com ela,
mas ainda sim o fez.
A mulher continuou em silêncio e então Amira deixou seu olhar vagar
para o par de portas altas e grandes em madeira, ornamentadas cuidadosamente
com finos e delicados detalhes em ouro. Amira sabia que atrás daquelas portas
tinha o seu aposento, não era difícil constatar, pois assim como tinha sido
avisada, suas criadas também estariam lá. Então qual o problema? Questionava-
se.
O silêncio se estendia, até que a mulher se virou num rompante
surpreendendo Amira.
— Como a concubina favorita do sultão, viverá neste aposento. Um
eunuco pessoal também será designado a você, quando for chamada pelo sultão
ou quiser marcar um encontro com o mesmo através dele você poderá mandar a
mensagem, assim como se alguém quiser entrar em contato com você também
ele será intermediário — disse ela seriamente, mas não mais com uma expressão
tão severa. Ela se virou de frente às portas duplas e então as abriu.
Assim que as portas se abriram, Amira pôde ver mais do que apenas as
suas criadas e seus pertences. Ela tinha uma visita.
(...)
De costas para ela, sendo iluminada pela luz do sol que entrava pela
janela aberta, encontrava-se uma mulher alta de longos cabelos loiros ondulados,
decorados com joias pequenas e delicadas que fazia parecer que tinham
pequenas estrelas em meio aos fios dourados. Uma coroa pequena da mesma cor
de seu vestido azul-escuro como a noite.
Uma vez que Amira teve a coragem de entrar no aposento, sendo
seguida pela criada chefe, a mulher se virou de frente para Amira. Ela tinha
olhos azuis também, mas eram escuros, num azul forte. Assim como a luz clara
que batia contra seus fios dourados, o sorriso que a mulher lhe ofereceu parecia
fazê-la se iluminar ainda mais. Ela não era jovem, tinha idade para ser sua mãe,
mas uma vez que sorriu algo se revirou dentro de Amira. Um desejo de chorar,
como se tivesse andando por um longo caminho e finalmente pudesse se
permitir.
Mas Amira se negou veemente a permitir que esses sentimentos
dominassem seu coração, então manteve a postura e fez o possível para manter a
face inabalada. Mesmo se curvando respeitosamente à mulher. Não sabia quem
era, mas independente de quem fosse, apenas as mulheres da família do sultão
ou uma de suas mulheres, podiam de fato vagar livremente.
— Abençoada seja por Alá, Amira. Me chamo Nuray — falou a mulher,
antes que a jovem dissesse qualquer coisa e então sorriu — Sou uma das sultanas
do falecido sultão, responsável desde a morte da Valide sultana e da sultana
Honde, pelos assuntos internos do palácio. Me desculpo pela apresentação
tardia, mas… tantas coisas aconteceram que simplesmente somente agora pude
me apresentar.
Amira olhava a mulher com uma expressão surpresa, pois há muito
tempo não tinha uma primeira impressão desta com alguém, ainda estava
tentando conter as lágrimas, que estranhamente queriam sair. Não sabia se podia
confiar, pois talvez fosse apenas uma mentirosa melhor que Kelebek. Aturdida,
manteve-se em silêncio, apenas encarando-a.
— Passa bem, menina? — indagou ela verdadeiramente preocupada,
dando um passo em direção à Amira com a mão erguida — Derya o que se
passa com a nossa favorita? Ela está rígida e pálida.
Derya? perguntou-se Amira, tentando supor quem era. E se viu surpresa
ao descobrir que a criada chefe, se chamava assim quando ela deu um passo à
frente se curvando à sultana.
— Acredito que ela esteja surpresa com a sua visita, Sultana. Além do
que, muita coisa aconteceu... — falou como se fosse um comentário, mas em seu
tom passava uma confiante afirmação.
— Oh! Sim, imagino que esteja surpresa e temerosa. Não tema menina,
acredito que muitas coisas já chegaram aos seus ouvidos. Não compare todos
dentro do palácio pelas impressões ruins que alguns lhe transmitiram, tampouco
lhe sou uma ameaça. Uma vez que minha função preenche todo o meu tempo e
eu não apareço mais que o necessário, as vezes em que me verá serão poucas. A
não ser que você se torne uma sultana, o que não duvido que aconteça — disse
Nuray, fitando-a com bom humor. Mas sua face endureceu uma vez que ela
começou a falar: — Amenidades à parte, vim falar com você algo sério. Khalid
se tornou o sultão, contudo, desde sua prometida e sua primeira esposa, Samia,
ele não teve interesse em qualquer outra mulher, até você chegar. Tinha que
conhecê-la e pedir-lhe um favor.
— Um favor? — indagou Amira curiosa e insegura.
— Sim, irei ser direta. Um sultão tem um harém, por acordos políticos,
status e para que possa ter muitos herdeiros, assim tendo a maior probabilidade
de um sucessor digno, que irá tomar o seu lugar em sua morte. É dever do sultão
ter o máximo possível de filhos e Khalid como é, se eu mencionar mais uma vez
isso a ele, provavelmente vai optar por voltar para a guerra — informou com um
semblante cansado e um suave sorriso — Venho te pedir para ter herdeiros e
também, ensinar às outras mulheres como você o conquistou.
Amira sentiu sua garganta secar e então engoliu dolorosamente a sua
saliva, ao mesmo tempo em que sentia o sangue gelar em suas veias. Não queria
ensinar ninguém e sequer teria algo para ensinar, uma vez que não sabia o que
levou Khalid a simpatizar com ela.
— Deixa-me ver se entendi, a senhora quer que eu… — começou mas
não conseguiu finalizar a frase.
— Sim, faça ele ter outras mulheres — disse ela como se não fosse nada
demais.
Essa frase fez o coração de Amira se apertar no peito. Sabia que fazia
parte de um harém, sabia a função de um mesmo sem ela ter dito. Assim como o
herdeiro escolhido de acordo com as suas habilidades e méritos. Não se
importava sobre Fahir, uma vez que apenas queria o poder que poderia ter
através dele, mas Khalid era um assunto diferente. E mesmo em meio a todos
estes pensamentos, olhando para a mulher diante dela, ela não conseguia pensar
em nada além da verdade.
— Não fiz nada em especial para seduzi-lo, minha Sultana — falou,
reunindo a voz que nem sabia de onde estava vindo. Ao mesmo tempo em que
tentava parecer indiferente.
Ela pareceu não acreditar e então Amira continuou, após um pesado
suspiro:
— No caminho para cá encontrei um homem à beira da morte. Senti em
meu íntimo que era algo que deveria fazer, que fora Alá que o colocou em meu
caminho. Nunca tinha visto o rosto do príncipe — mentiu ela — E ele nem teria
como ver o meu rosto, pois estava tapado com panos. Pedi às minhas criadas que
cuidassem do homem, mesmo que isso atrasasse a minha chegada. Descobri
apenas quando cheguei aqui e caí do cavalo protegendo uma criança, que era o
príncipe da Anatólia. No momento seguinte que voltei a encontrar ele, fora
quando estava lutando ao lado do pai em seus aposentos e o sultão… veio a
falecer, logo após pedir que a vossa majestade Khalid ficasse comigo.
Amira sabia que tudo aquilo que fora dito, a Sultana provavelmente já
devia ter escutado, mas era de fato tudo que tinha acontecido com ela, como
Amira veio a conhecer o até o momento o príncipe de Anatólia. Não revelaria
que era Ayla, a não ser que fosse necessário.
A mulher, com seu rosto de anjo ficou em silêncio, analisou cada
pequeno detalhe de Amira, procurando sinais de uma mentira, mas uma vez que
não encontrou, voltou o seu rosto para a janela.
— Que pena, pensei que finalmente poderia fazer o único dos meus
deveres que não consegui realizar nesses anos. Você o conquistou pelo seu bom
coração e boas intenções. Não posso dizer que tem como ensinar as outras a
reproduzir isso, uma vez que não passaria de uma mentira.
A mulher diante de Amira parecia surpreendentemente sincera, ao
contrário de todas as pessoas que já conheceu. Não tinha visto alguém como ela,
natural, sincera e simplesmente ela... Direta a todo tempo, sem sinal de uma
tentativa de manipular ou inferiorizá-la. Perguntava-se se de fato poderia ter
pessoas boas dentre tantas ruins que pareciam residir neste palácio, como uma
semente, a esperança nasceu no peito da jovem. Fazendo-a simpatizar, mesmo
em meio à todas suas inseguranças.
A mulher voltou o seu olhar à Amira, como se despertasse de seus
pensamentos e então se aproximou dela. Abaixou-se um pouco e sorriu para ela,
levou a mão ao seu rosto.
— Você tem bons olhos, lindos de fato, menina. Já tinham me falado
deles, lamento que tenha sido acusada de algo tão ruim em um momento tão
infeliz. Espero que sua vida no palácio seja boa. Seus olhos são tão belos, pois
refletem o que faz morada em seu coração… Agora… Devo ir... Tenho muitos
afazeres e responsabilidades.
A mulher parou sua fala, olhou com doçura a jovem e então concluiu:
— Gostaria de ter gerado uma filha tão boa quanto você. Que Alá esteja
contigo... — suspirou e então como o vento se foi para fora dos aposentos de
Amira.
Amira ficou ali, ainda parada no mesmo lugar sem fala. Apenas se virou
e ficou olhando as portas pelas quais a sultana passou. Ela que esperava mais
uma inimiga, mais uma pessoa ruim, mais tantas coisas e simplesmente… Não
isso. Ao que parece ganhou uma aliada e isso a deixava embasbacada.
A criada chefe, que quase nunca mostrava algo de simpatia, olhou a
jovem fazendo cara de boba e se aproximou de Amira com respeito. E isso veio
a pegá-la ainda mais de surpresa, o que fazia Amira parecer ainda mais
interessante aos seus olhos.
— Eu não deveria te falar isso, senhora. Mas se eu fosse você, usaria
todas as armas que possui, mesmo se isso for pessoas — aconselhou a criada
chefe, Derya. Lembrando-se de quando chegou ao palácio e do quanto um
conselho como esse poderia tê-la ajudado quando a mesma começou suas
funções dentro do palácio.
Amira focou seus olhos na mulher e parecia ainda completamente
perdida.
— O que quer dizer com isso? — indagou Amira em um fio de voz,
estranhando a falta de hostilidade da mulher.
A mulher olhou Amira como se ela fosse idiota, voltando a parecer a
mulher que Amira conhecia e apenas deu um sorriso de canto. Um tão rápido
que quase pareceu uma ilusão.
— Nada. Com a sua licença — E então saiu do quarto, assim que a porta
se fechou o eunuco se aproximou.
O olhar de Amira moveu-se lentamente pelo aposento, ao mesmo tempo
em que virava o corpo, quando parou nas suas criadas. Engoliu em seco e
implorou através do olhar às criadas que lhe eram o mais próximas de
companheiras que ela tinha, que explicassem a confusão que se dera nos
momentos anteriores. Pois, sentia como se nada fizesse sentido, tinha a maioria
das pessoas como inimigas vis e cruéis, então de súbito um anjo lhe aparecia e
até mesmo a pior das mulheres a tratou com alguma simpatia.
As criadas, por sua vez, vieram sorridentes ao seu socorro a guiando
para se sentar.
— Minha senhora, aquela era uma das sultanas do antigo sultão.
Geralmente são três, cada uma com seus deveres, sem a mãe de Khalid e com
Kelebek sendo uma pessoa pouco confiável, Nuray se tornou a mulher mais
poderosa do palácio, embora… — murmurou — Kelebek seja a mais influente.
Amira dava graças a Alá pela língua da jovem criada ser tão solta em
explicar as coisas, assim ela não tinha muito trabalho para entender a situação.
Como alguém de língua solta, ela continuou contando tudo:
— Ela foi a primeira mulher a se tornar sultana, antes mesmo de
engravidar, e mesmo que nenhum filho dela tenha nascido com vida, sua
inteligência e capacidades, rivalizavam com a sultana Honde. Por isso ela foi
mantida em seu posto. Dizem que a falta de um filho é a única coisa que deixa
Nuray infeliz.
A criada seguinte se aproximou e então, lhe mostrou sua tiara, com
pequenas pedras de rubi, como se fossem pequenas flores.
— Esta será a sua, minha senhora. E em minha opinião, minha senhora,
a sultana gostou de você e isso é muito bom, pois poucas mulheres no harém
possuem a simpatia dela. Se você for tomada como filha no coração da sultana,
ela poderá lhe ensinar muito — disse a mais severa.
Amira ia comentar que não sabia dizer se realmente ganhou a simpatia, e
que não sabia se sentia bem em se aproximar dela apenas para aprender o que
pudesse da sultana, mas nesse instante viu algo que a espantou e cortou os seus
pensamentos. Uma das criadas estava comendo a sua comida. Os olhares das
outras criadas seguiram o olhar da jovem e petrificaram visivelmente.
— Imagino que estejam com fome, comam. Meninas peçam mais
comida… — disse penalizada, pensando quanto tempo elas ficaram ali e quanto
tempo estavam sem comer por que ela estava em um banho demorado com
Khalid.
— Oh! Não minha senhora, não! Não! A senhora entendeu errado. Ela
está provando a comida, ela já estava aqui quando chegamos ao aposento. Por
isso faz parte do nosso dever provar a comida para ver se não está envenenada.
Amira viu a criada falante dizendo mais rápido que o normal e quase não
conseguiu acompanhar o que ela dizia, uma vez que embora Amira falasse mais
de um idioma, graças a Said, seu dialeto era um pouco diferente quando estava
nervosa, dificultando a compreensão.
Tomando a frente, a criada mais rígida explicou:
— Embora estejamos no palácio, minha senhora, não é impossível ter
algum intruso ou alguém mal intencionado, uma vez que os funcionários são
trocados com regularidade, pois erros, traições, roubos, insubordinações e
afins… não são permitidos. Embora a senhora nos permita falar informalmente,
os demais membros de nível superior não. Em todo caso, serei franca, muitas
pessoas a invejam e outras a culpam pela morte do antigo sultão.
Se muitas pessoas a invejavam e outras lhe guardavam rancor mesmo ela
sendo não mais que uma concubina, imaginava o que Khalid tinha passado ao
longo de sua infância. Disputando o trono de sultão com seus irmãos, até que a
doença os levasse.
— Entendo… — murmurou Amira perdendo a cor de sua face.
E elas estavam certas, refletiu pensativa e preocupada, sentia pena do
jovem Khalid, assim como olhando as suas criadas, sentiu o seu coração apertar
no peito. Se em algum momento houver necessidade, morreriam em seu lugar.
Amira virou seu olhar à mesma janela que a Sultana olhou anteriormente, sentia
uma ligação especial com suas criadas, uma que jamais teve com outras pessoas.
Não sabia mais se isso era uma coisa boa, pois a imagem de um pequeno Khalid
e das mulheres diante dela, mortas, se fez em sua mente e isso dilacerava seu
coração.
CAPÍTULO 15

DIFICULDADE: O CAMINHO SEMPRE SERÁ FEIO PARA UM


RESULTADO MARAVILHOSO

Khalid, uma vez que observou Amira seguindo a criada chefe, olhou para o
chão e então se virou, partindo pelo corredor, ao mesmo tempo em que se
sentia um pecador. Principalmente porque ele não iria a ver por alguns dias
e sabia que ela ficaria magoada com isso. Não a avisou, mesmo depois de todas
as promessas que fez quando estavam juntos nos últimos minutos... Mas não viu
o momento certo para poder lhe dizer:
"Irei ali matar alguns bastardos, forjando provas falsas que não
deixarão dúvidas da minha acusação e condenação à morte deles. Eu me
tornarei um tirano e provavelmente os meus feitos recairão sobre você, então
tome cuidado. Em paralelo, tenho que te fazer ser vista por todos como um anjo
e vou ordenar que tragam o homem que te fez mal, alegando satisfação contigo,
assim querendo comprar outras como você. Farei isso para poder vingá-la,
quando ele chegar aqui com seus próprios pés. Por isso, durante algumas
semanas não vou poder te ver.” Suspirou com tal pensamento, que jamais daria
certo. Ele se via em uma situação complicada, pois sua amada já sofrera muito e
ainda conseguia ouvir os ecos do choro de Amira quando ele matou o seu
próprio pai na frente dela.
Seus amigos e companheiros se aproximaram dele ansiosos para saber o
que estava acontecendo. Eles não faziam sequer ideia de quem era “Ayla” para
ele, apenas Jaffar sabia, por isso, duvidava que eles o entenderiam. Fizeram-se
amigos quando não tinham que falar de nada do tipo. Ademais, em sua maioria
queria um líder, apenas isso. Tampouco Khalid se sentia confortável em se abrir
com qualquer um sobre suas dores e preocupações que não envolvessem o
império. Com o maxilar retesado, viu que não tinha escolha.
No momento em que iniciou os seus planos, não mais poderia parar.
— Sabem o que têm que fazer, misture-se, infiltrem-se. Façam tudo de
acordo com os planos, sem se afobar. A construção de uma nova Anatólia não se
faz de um dia para o outro — disse Khalid, com sua face como sempre
inexpressiva, não transparecendo nada que fazia morada em seu coração.
— Sim, senhor… E sobre a concubina? — questionou um deles curioso.
— Em breve, resolverei tudo e os colocarei a par da nova situação.
Protejam-na, não permitam que ela veja ou que saiba. Mantenham-me
informado.
— Mas… estaremos tão ocupados… — comentou um deles.
— Os planos foram alterados — anunciou ele — Não o crucial, mas ela
permanecerá ao meu lado. E vocês, protejam-na como a sua futura Sultana.
Alguns deles se empalideceram, eles não tinham boas visões sobre
mulheres. Para alguns, mulheres não eram nada além de cobras manipuladoras,
demônios que destroem os homens e os corrompem com um sorriso no rosto. E
de fato, Khalid não poderia negar, todas as mulheres que conhecia eram assim,
mas para ele, em seu íntimo, Ayla não era.
(...)
Khalid começou o seu dia já atrasado. Primeiro, prestou os respeitos ao
seu pai, como mandava as normas. O velório não era longo e sequer deveria ser,
já que o intuito era para diminuir inclusive o sofrimento de todos. É o que
diziam as normas, mas como o falecido era o sultão, todo o povo prestou seus
respeitos, acompanhando as orações feitas pelo Imã[10], que recitava súplicas e
pedia a Alá absolvição e bênçãos.
Foram promovidas reuniões para oração pelo falecido sultão, tão bem
quanto para abençoar o novo e todo este processo exigia a presença de Khalid.
No harém também, Nuray promoveu por dias orações, e organizou para que as
mulheres separassem tudo que fossem doar: alimentos aos necessitados, tecidos,
bordados pelas mulheres do harém e até mesmo alguns animais. O inverno
estava chegando e prometia ser pesado e longo, assim como a tensão que se
formava dentro do palácio, pois todos tinham muita curiosidade e expectativa
com o novo sultão, mas de toda forma, cada um que fazia morada e tinha alguma
possibilidade de ajudar ao próximo, fez por ordem do sultão.
“Em meio à dor, todos podem se erguer, uma vez que um ajude o
outro.”
Foi o primeiro anúncio voltado à ajudar o seu povo dado por Khalid, o
que acalmou o povo e os fez acreditar que dias mais prósperos viriam.
Em segundo lugar, entre os períodos de orações, Khalid nomeou Jaffar
como o novo Grande Vizir. Os demais vizires que estavam ali presentes foram
contra, uma vez que o natural era que um dos vizires já existentes tomasse o
posto na hierarquia, em especial o Vizir mais velho. Contudo, com apenas um
olhar frio, que parecia atravessar a carne e alcançar a alma, fez todos os homens
se silenciarem. Khalid sorriu para confusão dos homens:
— Este é um anúncio do sultão, não pedi qualquer opinião. Agradeço
imenso o conselho sábio dos mais experientes, mas como podem imaginar, após
a morte do meu pai, com o traidor estando dentre um de nós no poder, não posso
vir a confiar facilmente em qualquer um de vocês. Jaffar esteve ao meu lado
desde a minha infância, na guerra e no meu retorno. Ele é o melhor para o
cargo.
Retornando aos seus anúncios, Khalid informou que estava
demasiadamente satisfeito com Amira. De fato, a flor do deserto se provara a
mais bela de todas, por isso daria a Jaffar uma esposa vinda do Sheik que a
disciplinou com tanta diligência. Sendo assim, ordenara que o homem fosse
trazido ao palácio com as demais mulheres, para livre escolha do homem.
E assim, mais um plano de Khalid se iniciava. Dentre todos, o mais
rápido e prático, o mais importante. Amira merecia sua vingança e ele tinha sede
no sangue do homem que lhe fez mal. O homem foi responsável pelas marcas
em sua amada e o faria pagar amargamente por isso.
Uma vez que o nome dela fora mencionado, era chegada a hora de
colocar tudo em pratos limpos. Salvaria a honra de Amira.
— Imagino que das mais diversas histórias estão passeando por este
palácio — falou claramente, sem nenhum rodeio, deixando claro no aviso que
ele sabia de tudo que se passava dentro daqueles muros, em um aviso para não se
arriscarem — E deixarei tudo claro sobre o meu envolvimento com a conhecida
Flor do Deserto, anunciada minha atual favorita, a escrava Amira.
Os homens que até aquele momento pareciam estar evitando o assunto,
tiveram dificuldade de conter as suas curiosidades.
— Há algum tempo atrás, que nem sequer é tão distante, estava em meio
à uma luta feroz contra nossos inimigos na fronteira. Descobri que tínhamos um
traidor entre nós, e tamanha foi a traição, que estávamos lutando lado a lado e
em um último momento, ele se virou em minha direção e golpeou-me. Não
sabemos a quem ele se aliou, mas meus homens de confiança ainda estavam
lutando. Fui levado inconsciente ao deserto, e me deixaram completamente
perdido e jogado entre as dunas. Os meus homens só perceberam minha ausência
tardiamente e então lhes restou encontrar meu rastro, o que era quase impossível
de conseguir. Mas insistentes e fiéis, foram à minha procura.
Khalid olhava os olhos de todos enquanto narrava a sua história. Via-os
com atenção em cada palavra, procurando cuidadosamente suas reações.
— Meu rosto estava coberto, meu corpo ferido e desnorteado. Em meio
à noite, o frio foi severo e quase vi minha vida se esvair. Firmemente aguentei e
no nascer do dia ainda estava consciente pela minha força de vontade e desejo de
vingança. No entanto, quando já não tinha mais forças e estava quase
inconsciente, foi ela quem apareceu e salvou a minha vida! Ordenou que os seus
criados cuidassem de mim, mesmo que isso a colocasse em risco — disse solene,
vendo os homens surpresos e cativos — Foi enviada por Alá! Amira me salvou,
para que hoje eu pudesse estar aqui. Em momento algum perguntou meu nome
ou de onde vinha, demonstrando a luz que fazia morada em seu peito. Sem nada
em troca, ela ajudou um moribundo e completo desconhecido.
O silêncio imperou por alguns momentos quando o senhor mais velho
deu um passo em sua direção.
— Não se deixe enganar, vossa alteza! Ela deve ter feito com segundas
intenções, mulheres são animais ardilosos. Dizia... — alertou um pasha já idoso
em um tom sábio, começando a falar algum provérbio antigo, mas Khalid o
interrompeu:
— Passei muito tempo na guerra, honroso senhor, conquistando e
trazendo glória ao nosso império. Se nem a criadagem reconheceu-me, o que o
faz pensar que uma mulher que foi mantida em cárcere pelo seu proprietário, iria
me reconhecer? — contestou Khalid em um tom calmo.
— Faz sentido, vossa alteza — O homem se silenciou e acabou por
concordar, depois de um curto tempo a refletir.
— Em todo caso, a mulher não sabendo quem eu era, salvou-me. E isso
tocou o meu coração, pois ela estava pronta para assumir qualquer consequência.
Pude escutar o aviso de preocupação da criadagem e ela ainda sim, insistiu em
me ajudar. Não pôde permitir um moribundo sofrer caído em meio à areia.
Abençoada seja por me ajudar, embora soubesse que minha presença ali era um
risco. Por este motivo, uma vez que tive forças para me erguer e os meus homens
me encontraram, fui-me, sem me despedir. Contudo a segui, e supus que era a
Flor do Deserto pelos servos que a acompanhavam. Eu a vi oferecer seu próprio
alimento aos necessitados e chorar pelo desespero deles. Ela, mais de uma vez,
demonstrou compaixão ao nosso povo indiscriminadamente, uma vez que estava
à caminho do palácio.
“Oh!”, “honrosa”, “bondosa”, “anjo”, “abençoada e iluminada
seja”... eram murmúrios entre os homens presentes.
— Chegou ao meu ouvido que ao chegar aqui, ela caiu de um cavalo
para que não passasse por cima de uma criança — disse o velho pasha, em
concordância como se recordasse neste instante deste fato.
O velho na verdade era um aliado de Khalid e neste momento ele sorriu
vitorioso.
— Sim… Vi o que ia acontecer com os meus próprios olhos e os homens
que faziam a minha escolta também. Estava ali e pensei que não daria tempo, por
este motivo intervi. Em todo caso, logo que cheguei, tentei encontrar o meu pai,
para poder reivindicá-la. Uma mulher tão boa, uma mulher a quem devo minha
vida… Enviada por Alá, sua bondade transcende e toca o meu coração. Contudo,
não consegui encontrar meu pai até a invasão. Surpreendentemente, quase como
se meu honroso pai soubesse, ele me ordenou que ficasse com ela e a protegesse
se caso algo ocorresse, e com grande infortúnio ocorreu.
— Muito conveniente, não? — disse um dos vizires com um olhar
especulativo.
Khalid, que encontrava-se sentado, levantou-se em um rompante.
Caminhou em passos firmes, pesados e rápidos, com sua máxima autoridade e
presença marcante de um soberano. Parou diante do homem, e com uma
expressão de severidade, puxou a espada e apontou para o pescoço dele. O
movimento foi tão rápido que a espada provocou um som ao cortar o ar que
deixou todos os outros que partilhavam da mesma opinião num arfar baixo.
— Tem a audácia de dizer que minto, Demir? Sua ousadia não pode ser
perdoada! — falou firmemente Khalid, fazendo que sua voz ecoasse por todo o
aposento.
Se uma agulha caísse no chão do aposento de certo todos os presentes
escutariam, pois suas respirações estavam presas, na expectativa do que viria a
seguir. Contudo, Khalid conhecia Demir, e ele sempre fora a voz da dúvida e da
discórdia, mas acima de tudo…
— Oh, grande Sultão, me perdoe! Não era minha intenção dar a entender
isso. Não ousaria, vossa majestade. Apenas comentei que era conveniente, pois
Alá em seus planos perfeitos, tocou o coração de seu pai para que ela se tornasse
sua — desculpou-se humildemente ao seu sultão, curvando-se trêmulo.
Um covarde.
— Controle sua língua, Demir. Caso contrário, a perderá e a sua cabeça
fará par à ela no chão no dia de sua execução. É imperioso que minhas palavras
sejam transmitidas como serão ditas agora — disse tirando a espada da frente
do homem e se voltando para todos os outros — Participarei das reuniões e
acompanharei a investigação pessoalmente, e dependendo do feito, eu punirei.
Os assuntos políticos, assim como financeiros e todos que eram distribuídos a
todos vocês, eu os esperarei em minha biblioteca pessoal. Aviso que o meu
pessoal os acompanhará até o lar de vocês e investigará seus pertences.
Exclamações de surpresa ecoaram por todo aposento.
— Isso é um exagero… — disse um que recebeu o olhar mortal de
Khalid.
— Mas vossa majestade, estamos aqui para auxiliá-lo a conseguir lidar
com tudo que possui… sua desconfiança em nós... — interveio um dos homens
que foi interrompido por Khalid:
— Uma vez que eu mate o último homem que teve a mínima
participação na morte de meu pai, ninguém dentro desses muros estará livre da
investigação — O clima se tornava mais e mais pesado a cada declaração
objetiva e até rude de Khalid — Assim encerro esta reunião.
(...)
Os dias se passaram um atrás do outro, as horas pareciam rápidas em
demasia, começando cedo e terminando tarde, tendo poucas horas de descanso.
Uma semana, duas e na terceira semana, os comentários se espalharam mesmo
fora do palácio. Khalid se empenhava mais que qualquer um, dedicado sempre a
um bem maior. Nunca antes fora visto um sultão andando tanto por todo o
palácio, cuidando de tantas coisas sozinho e ele mesmo executando traidores
descobertos. Um atrás do outro, sem o menor traço de piedade. Seu corpo estava
sempre em movimento, treinando entre seus próprios homens e até mesmo
domesticando um leão, que se fazia tradição entre os sultões.
Khalid expandiu o comércio, fazendo alianças com alguns povos e assim
fazendo o seu povo cada vez mais próspero. Os seus planos até o momento
estavam em sua perfeita execução e não poderia estar mais satisfeito, pois em
poucos dias de mandato, ele se tornou oficialmente um senhor amado pelo seu
povo, respeitado pelos seus servos e temido por todos os traidores.
Mesmo aqueles que se aproveitaram de seu pai para tomar mais ouro que
o necessário, foram expulsos e seus pertences tomados como punição.
Mortes e expulsões faziam dele um tirano e salvador. Cada um o via de
uma forma… Khalid pessoalmente não se importava. Aquilo que lhe bastava era
que tudo estava se encaminhando e logo ele poderia falar que todos os
infortúnios valeram a pena. Porém, quando descobriu que ainda havia os
rumores e maus dizeres, criados sobre sua Amira, ele ficou irado.
Entretanto Khalid não os podia negar... Diziam que ele a deixou de lado,
ocupado como era, mas que um homem encantado por uma mulher, jamais a
deixaria só por tanto tempo. Estivera tão absorto que realmente não a procurou.
Soube notícias dela por todo o tempo, assim não sentira sua falta tão fortemente.
Contudo, para ela era diferente, estava só e alheia a tudo que se passava,
escutando apenas o que lhe era dito.
Não sabia como faria com a sua rebelde e tempestuosa Ayla, que
provavelmente não estava muito feliz com ele. Tinha certeza de que poderia
conquistar a confiança de um leão, mas não tinha a certeza de acalmar aquela
que por vezes era feroz, por vezes frágil… Ayla era inconstante, como o céu, o
mar e principalmente as areias de onde veio.
Um dia, em meio às suas andanças, disfarçado de soldado, Khalid
escutou conversas que uma mulher vagava pela noite e por vezes no nascer do
dia pelo palácio. Os homens pareciam assombrados, pois falavam que quando se
aproximavam, ela simplesmente sumia.
Ele que não acreditava em algo do tipo, sabia que só tinha uma pessoa
teimosa o suficiente para sair dos seus aposentos e ficar vagando por aí, rápida o
suficiente para se esconder e não ser pega. Ela era inteligente e ardilosa, para que
sua liberdade não fosse privada.
Recordou-se ele de quando ela não era mais que uma criança e fugiu dos
pais para o oásis, quando tentou fugir da tenda na noite em que ele encontrara
seus homens e como quando já estava no palácio, em suas andanças encontrou
sozinha o jardim e assim acabou escutando a conversa de Kelebek.
Não podia deixá-la sozinha por muito tempo, Amira tendia a se
envolver em situações perigosas, refletiu.

Amira, logo após a partida de Nuray naquele dia, não fazia ideia de que
teria tantos deveres, assim como os deveres em relação à morte do Sultão, que
havia lhe tomado vários dias. Ela tinha dos mais diversos estudos para aprimorar
o que já sabia, assim como aprender coisas novas. Aprendia costumes diferentes
dos seus, mas que não faria uso ali.
Amira passava tardes entediantes dentro do aposento e recebia eventuais
visitas da sultana Nuray, que de fato tinha se apegado à Amira, assim como ela
pela mulher. Eventualmente a mulher lhe dava conselhos sábios. E a jovem
apreciava isso. Entretanto, ainda assim, não podia não responder ao seu ímpeto
de sair apenas por sair. Passara muito tempo trancada para aceitar esperar de
bom grado e silenciosamente a visita de alguém que não aparecia há dias. Não
era do seu feitio.
Sabia que Khalid estava ocupado, sabia de todas as responsabilidades
dele, mas sentia-se abandonada e esquecida. Magoava saber que por vezes ele
iria lutar com seus homens, mas nem sequer uma visita fez à ela, neste período
de tempo. Para piorar, escutara provocações das outras mulheres do harém,
quando estavam todas fazendo coisas juntas para doar. Escutava coisas como “O
sultão só a fez favorita por ter salvado a vida dele.”, “Que ela não era tão incrível
assim”, embora de fato e amargamente elas concordassem que Amira era muito
bonita. “Mas que beleza aparentemente não era tudo para se conquistar um
homem”, concluíam maliciosas.
Todos os dias ela usava o brinco que ele mandou usar, todos os dias ela
recebia notícias dele através das criadas, da criada chefe e até de Nuray. Grandes
eram os feitos de Khalid, não tinha como não saber. Todos só sabiam falar de
seus feitos e das mortes dos traidores.
Eram tantas as notícias que chegavam aos seus ouvidos, contadas sempre
com felicidade. Porém, enquanto isso, ela só conseguia imaginar Khalid com
uma espada banhada de sangue. A jovem se encontrava em uma luta interna.
Queria muito vê-lo, mas ao mesmo tempo, tinha medo.
Apenas ouvia o que falavam. Eles diziam “traidores”, mas ela sabia que
quem matou o pai foi ele próprio.
Diziam “justo”, mas ele estava manipulando tudo à sua vontade, para
poder derrubar aqueles com quem tinha desavenças. Amira não sabia quais eram
as desavenças, não sabia nada… Aos olhos dela, as atitudes de Khalid não eram
diferentes dos malignos que apenas matam e destroem aqueles que entram em
seu caminho.
Um tirano salvador? Um bom opressor? Havia lógica nisso?
Nuray visitou Amira no período da tarde. Como sempre, a mulher a
aconselhava sabiamente sempre como ser melhor e como algum dia ela viria se
tornar sultana. Por alto, Amira até contou o que lhe aconteceu. Contou que tinha
uma vida tranquila, que todos foram mortos e ela se tornou uma escrava. Não
dizia nomes, se não de Said, por exemplo, pois não era segredo.
A mulher confessou, em retribuição à conversa, que era uma escrava
também, mas que tinha sido enviada como um presente em troca de um acordo, e
que tinha sido enviada junto com Derya, por isso era tão ligada à ela. Eram não
mais que crianças quando chegaram ao palácio e por anos foram treinadas
severamente. Por sorte tinha cativado a atenção de Fahir e se empenhou em
conquistá-lo, junto com seu lugar no palácio. Ela não sabia o que era este amor
que Amira sentia por Khalid e admitiu até um pouco de inveja. Criada como ela
havia sido a devoção dada ao marido nada tinha com este sentimento de desejar
tê-lo apenas para si.
Amira entendeu neste momento o porquê que ela foi tão direta quando se
conheceram. Ela não fizera por mal, apenas era a sua realidade e a própria Amira
possuía a mesma, mas os seus sentimentos eram maiores que os seus
pensamentos lógicos.
Ela continuou e falou mais sobre a criada chefe. Derya viu a
oportunidade de se tornar a criada chefe quando a anterior faleceu sob as ordens
da falecida valide sultana. Parecia que as duas tinham alguma desavença, contou
em tom de segredo. E para concluir, como se não fosse nada demais, Nuray
finalizou:
— Então agarrou a oportunidade.
— Mas ela é tão… — começou Amira.
— Ranzinza? Mortalmente sincera? Sempre foi uma característica
dela… Por muitos foi odiada, mas Honde gostava dela e isso a salvou diversas
vezes. — disse com humor Nuray — A vida é como a vontade de Alá… apenas
dele.
Entretanto, mesmo após escutar a mulher e sua história de vida, Amira
ainda tinha aquelas três perguntas em mente, insistentes e desconfortáveis: “Um
tirano salvador? Um bom opressor? Havia lógica nisso?” Engolindo a
desconfiança que Amira tinha de todos, ela fez estas três perguntas à mulher
após dizer o seu incômodo.
A mulher a olhou e sorriu, terna e paciente. Levantou-se, foi ao lado
direito de Amira e a levou até a janela.
— O sol que nos ilumina, é tão necessário quanto a lua que traz a noite.
E a noite é a pausa, antes do novo nascer do dia. Pense que estamos por muitos
anos em uma noite eterna. Pois pessoas espertas fazem proveito daqueles que
estão tristes e sem luz, dizendo-lhes para preencher o vazio com coisas
supérfluas, como uma pequena chama de uma vela em meio à escuridão. Pessoas
espertas viram que dava certo e de alguma forma se espalharam. A corrupção
está na natureza do ser humano. Mas um sol chegou, com seus fortes raios
calorosos dizimando todos aqueles que traziam escuridão e trazendo luz para
quem tinha não mais que uma vela. O que o nosso jovem sultão está fazendo, é
necessário. Mesmo que no processo ele acabe banhado em sangue.
Amira ficou pensativa, a analogia podia fazer sentido, mas…
— Na prática a visão é horrível — deixou escapar, sentindo um enorme
aperto no coração.
— Na prática, minha menina, nada é bonito. Veja você, se um dia você
virou escrava, foi por que um dia mataram sua família. Você foi vendida, e foi
treinada. Tenho certeza de que passou por muitas coisas, viu muitas outras. Mas
tudo isso foi necessário para que você se tornasse a flor esplendorosa do deserto
que está diante de mim. O caminho sempre será feio para um resultado
maravilhoso — disse calma a sultana colocando a mão no topo da cabeça de
Amira.
— O mal e o maligno também são feios e não sai nada belo — insiste
Amira se sentindo infantil perto da mulher que a tratava com carinho e como se
fosse uma criança. Instintivamente ela respondia como tal, principalmente
quando pensou em tudo que passou e quanta força de vontade foi preciso para
que ela não se rendesse à dor que viveu.
— Saiba que Alá é justo e os pecadores cairão de uma forma ou outra.
Você está muito melancólica, não fique. Nem escute rumores, apenas ouça o que
o seu coração diz.
Amira ficou com isso na cabeça, mesmo após a sultana ter ido embora.
Permitiu-se dançar, algo que não fazia há muito tempo, deixando todos seus
pensamentos fluírem pelo seu corpo até que ela se sentisse liberta deles de
alguma maneira. Dançou incansavelmente, por vezes permitindo que lágrimas
rolassem e que todo o peso do seu corpo fosse extravasado.
Quando todos seus músculos doíam, ela chegou à conclusão que tinha
decidido confiar em Khalid, então assim o faria. Não adiantava ter dúvidas,
inseguranças e tentar encontrar as respostas, sozinha. E isso significava que não
deveria ficar ali parada, esperando-o a encontrar, pois isso não aconteceu antes e
tampouco aconteceria naquele instante.
Cansada, depois de tanto dançar, com ajuda das criadas, ela se trocou e
foi dormir cedo, pouco depois do sol se pôr. Acordou antes do sol nascer e como
das outras vezes, pela falta de sono, fora andar pelo palácio.
Queria o conhecer por completo para não se perder, antes de chegar ao
seu amado. Ela se vestiu sozinha e na ponta dos pés, saiu dos seus aposentos.
Amira conhecia as proximidades, então colocara na cabeça que iria um pouco
mais longe.
Corredores e mais corredores, salas e mais salas...
Mesmo com a luz fraca do nascer do dia, tudo parecia lindo. Por vezes
muito branco, cada detalhe muito decorado, cores lindas e apaixonantes. Às
vezes Amira parava apenas para tocar a parede ou o chão, era absolutamente
encantador.
Por horas se perguntava como em um lugar poderia ter tantas pessoas
ruins, já que parecia abençoado por Alá, com tamanha prosperidade para todos
os lados.
Tentou lembrar o caminho que fez para a área do sultão, mas como
sempre estava perdida demais em pensamentos para decorar o caminho. O único
ainda vívido em sua mente era para o jardim que Khalid plantou e lhe deu seu
nome, pois uma vez que fosse aos muros e fosse caminhando, eventualmente
chegaria nele. No entanto, como não tinha pressa, foi caminhando
tranquilamente, mas para a sua surpresa, no meio do caminho, alguém a abraçou
por trás, e seu coração errou a batida, o ar pareceu prender em sua garganta e
rapidamente, a pessoa tapou a sua boca, e a carregou com seus braços para
dentro de um dos aposentos.
Medo, terror e adrenalina. Seu corpo fora tomado pelo instinto e ela se
debateu, forte, desesperada. A porta que os separava do aposento para o corredor
fora fechada logo que entraram e ela viu sua vida por um fio. Não teria como
escapar.
A pessoa a imobilizou, contudo não a feria e não usava mais força do
que preciso. Usando apenas dos seus conhecimentos para contê-la, achando que
já era o suficiente o susto que estava lhe dando, o homem se aproximou dos seus
ouvidos e disse com uma voz saudosa e familiar:
— Pequena prometida, sabe que não é certo ficar vagando por aí ao
nascer do dia, certo?
Khalid!
CAPÍTULO 16

DO SUSTO AO SUSPIRO: QUANDO O CORAÇÃO FALA MAIS ALTO

A o escutar a voz de Khalid, o coração de Amira perdeu o seu compasso


em alguns tons. Como se fosse de uma música empolgante, para algo
mais calmo subitamente. O ar que estava preso em seu peito se soltou
num alívio imediato.
Era Khalid, o seu Khalid. Pensara ela.
Ela poderia ficar ainda mais brava, mas essa não foi a sua primeira
reação. Na verdade, seu primeiro pensamento, foi que estava salva. Ainda que
nunca estivesse em real perigo, pois aquele que a havia assustado era o mesmo
que lhe trazia paz. Poderia ser engraçado, Amira poderia até rir em outro
momento. Mas tamanho fora o seu susto, que ela apenas ficou ali assimilando
que não estaria em perigo por algum tempo, até que o alívio transformou-se em
ira, pensamentos tomavam-lhe a mente e assim, culminou em uma raiva
tremenda.
O seu amado Khalid, após tanto tempo, voltou! Mas o seu amado
Khalid, voltou quase a levando ao plano de seus antepassados, tamanho fora
seu susto! Amira pensou que morreria, ela pensou que seria o seu fim…
Ela queria encontrar Khalid.
No entanto, não assim.
Quanto mais ela pensava nisso, mais a raiva crescia dentro dela, nutrindo
um desejo superficial de vingança. Por isso abaixou a cabeça em silêncio,
deixando-o curioso e ansioso pela sua reação. Sim, a velha Amira estava ali. Ela
previa que essa seria a reação dele, pois esta era a reação da maior parte das
pessoas.
— Tolinha, sou eu... — murmurou Khalid, afrouxando o aperto e se
inclinando sobre ela em busca de fitá-la. E foi neste momento que Amira
colocou em prática sua vingança contra seu amado.
Amira, em um rápido movimento deu uma cabeçada em Khalid,
levantando bruscamente sua cabeça. A dor pulsante tomou o seu crânio, assim
como a dor que espalhava pela cabeça de Khalid. A garota acertou o nariz dele
em cheio, e embora ambos sentissem dor, ela sabia que a dele era a pior. Em uma
infantil satisfação, ela levantou o olhar para vê-lo com sua expressão de dor e
poder lhe falar umas verdades.
— Khalid, seu… — Amira nem sabia com o que ofendê-lo tamanha a
sua ira. Soltando faíscas pelos olhos, enquanto ia para cima dele empurrando e
socando o seu largo peitoral — Por Alá, Khalid! O que tinha na cabeça? Eu
pensei que morreria! Você não me procurou por dias, você me mandou usar esse
brinco todos os dias e eu malditamente usei! E nunca mais o vi! Você tinha
tempo de lutar entre seus homens, mas nenhum para a sua concubina?! Palavras
em vão naquela banheira, foram isso? Meu honroso sultão…
Khalid podia sentir a raiva e o veneno de Amira, não era por coisas
imperdoáveis e era compreensível. Contudo, ela era sua e ele não poderia
permitir que Ayla o odiasse, todos poderiam, mas ela não.
Amira sentia-se magoada, queria tanto vê-lo… Se ela pensou em algo,
por todos esses dias, era o quanto queria vê-lo, mas neste momento, queria o
mandar embora!
Porém, se ela o fizesse se sentiria abandonada de novo. Khalid fazia isso
com ela, deixava-a confusa, deixava-a insegura e tão frágil… Lamentou Amira.
— Ayla… — tentou aproximar-se ele.
— Não quero… — disse ela com ares de criança mimada e chateada,
cruzando os braços e virando o rosto para a parede.
Infantil, tolo, mas era isso que Amira sentia. Khalid vinha chamando-a
com um tom gentil de “Ayla”, ia dobrando-a… E depois de tê-la deixado por
tantos dias, ser chamada de Ayla… Causava uma fisgada no coração da jovem
garota.
— Minha pequena prometida… — disse Khalid, em um tom mais manso
e sedutor que fazia o coração de Amira tremer.
Khalid sabia disso.
Amira sabia disso.
A garota tentava não levantar seu olhar para ele, pois em sua mente,
Khalid deveria estar tão bonito quanto a sua voz aveludada chegava aos seus
ouvidos. O rapaz, tomando proveito, se aproximou e levou a mão à face dela,
virando-a gentilmente para ele.
— Me desculpa?
O olhar da garota levantou e encontrou a face do seu amado. Os olhos
escuros de Khalid estavam próximos, sua face pouco iluminada pela luz que
vinha da janela. Ela quase podia sentir o seu calor e enquanto se rendia, Amira
podia ver o sorriso lento e cafajeste de seu amado nascendo em seus lábios. Seu
sorriso natural e que desde sua primeira lembrança revirava o seu estômago em
borboletas.
Amira, ao ver aquele sorriso, tentou emburrar-se de novo, mas o riso
dele parecia mel escorrendo pela sua boca, mexendo com algo intimamente
dentro dela. Tão bom e envolvente de se ouvir, como um cântico que poderia ser
eterno.
Khalid queria provocá-la novamente, mas um som do lado de fora do
aposento lhe chamou a atenção e o deixou em alerta. Escutou passos pesados, o
que não era de costume neste horário, em um rápido movimento, Khalid passou
a mão pela cintura de Amira, enlaçando-a com apenas o braço direito. Com a
mão esquerda, ele tapou a boca dela e a empurrou contra a parede, para escondê-
la nas sombras dos grandes armários que tinha ali. Travou-a colocando a perna
dentre a sua, prendendo-a o mais firmemente possível.
O som da porta se abrindo, deixou Amira arrepiada e temerosa, Khalid
em contrapartida, sentiu-se mais em alerta ainda. Mas esperou qual seria a
reação do homem, assim aproveitou o móvel que os escondia naquele canto, em
que eles estavam para apenas observar.
Um homem adentrou o aposento, um que Khalid não conseguiu
reconhecer de imediato, estava coberto por um tecido branco e com um molho
de chaves em mãos. O que fazia pensar que poderia ser um eunuco, Khalid não
relaxou, uma vez que não sabia em quais criados poderia de fato confiar.
O homem de branco deu um passo à frente, apenas o suficiente para
observar o aposento. Tinha escutado um barulho aos arredores, olhou
procurando cuidadosamente, mas uma vez que não achava que tinha nada fora
do lugar, retornou para a entrada do aposento. Saindo e fechando a porta atrás de
si, trancando-a.
Khalid e Amira escutaram o trinco da porta. Voltaram a respirar e Khalid
tirou a mão da boca de Amira, voltou o seu olhar para ela que estava corada e
arfante. Seus olhares se perderam um no outro, mesmo em meio às sombras que
iam diminuindo gradativamente. O dia ia clareando cada vez mais o aposento,
assim como a chama que se acendia entre os dois. Como sempre, uma vez
juntos, o amor florescia e tudo parecia fazer parte de um só.
Som algum vinha mais dos arredores, ali naquele instante, existiam
apenas os dois.
— Estamos presos aqui — sibilou Khalid, olhando-a fascinado.
Ela que estava com o rosto corado, com seus lindos olhos com o azul
ainda mais destacado, fitavam-o. Seu hálito morno tocando a sua pele, seu cheiro
de flores, o seu corpo delgado contra o de Khalid. Os corações dos dois batiam
enlouquecidos.
Tentando se conter e simplesmente não a tomar ali mesmo, ele tentou
pensar em qualquer coisa para falar, mas a única coisa que viera à sua mente foi:
— Parece que vai ter que ficar um tempo comigo, pequena prometida —
comentou ele com a voz carregada e rouca que seu controle deixava escapar.
Amira não conseguia pensar em nada além de Khalid, não se importava
se era um minuto, uma hora, uma semana ou um ano. Estar com Khalid, o calor
que lhe tomava o corpo, todas as sensações que eram provocadas apenas por esse
sem vergonha de sorriso conquistador diante dela, era a melhor coisa do mundo.
Sendo assim, Amira ficou na ponta dos pés e levou os braços à altura do
ombro de Khalid. O envolveu docemente, ao mesmo tempo em que seus lábios
gentilmente tocaram os dele. Uma carícia, um toque quente, uma paixão ardente,
fora nisso que Khalid se viu à mercê. Envolveu-a em um abraço forte, com o
outro braço que até então estava livre, enquanto aprofundava o beijo que Amira
iniciou.
O beijo lento, doce e calmo fora deixado para trás, no segundo em que as
carícias de suas línguas se tocando, de forma sedenta, explorando as sensações
causadas em cada movimento e toques quentes decorreram de forma natural. O
desejo por mais, a necessidade do toque, do calor, do cheiro e do gosto. Tudo se
fazia imperioso. As mãos de Khalid serpenteavam pelas costas até a base da
coluna de Amira. Assim como as mãos de Amira, a cada pulso de prazer
dominava seu corpo, ela respondia com um arfar entre o beijo e pressionava
ainda mais seu corpo contra o dele, vez e outra acabando por fazer fricção em
suas partes íntimas na perna de Khalid que estava entre a sua.
O calor que aquecia a perna de Khalid deixava-o ainda mais similar à
uma fera, uma besta selvagem e irracional. No mais profundo de sua mente ele
sabia que tinha que ir vagarosamente com Amira, ela não era uma amante
experiente. Por isso, em busca de se conter, ele levou suas mãos à parede e se
impulsionou para trás.
— Ayla… — disse ele ofegante, olhando para o chão. Podendo ver o
volume que se fazia visível mesmo com sua roupa grossa. Ele sabia que Amira
merecia mais do que ser violada contra a parede de um lugar qualquer.
— Khalid… — disse ela em uma voz que mais parecia um gemido.
Khalid levantou o olhar, deparando-se com o inferno em pessoa, a cena
mais tentadora que viu. Com os lábios inchados do beijo, seus cabelos
bagunçados, os olhos nublados, o rosto corado com seus cabelos levemente
umedecidos de suor. Descendo vagamente o olhar, viu que suas roupas estavam
fora do lugar e as suas pernas, suas malditas pernas, ainda entreabertas no lugar
onde ele repousava a sua.
— Khalid… — repetiu Amira, alheia aos demônios internos com os
quais Khalid estava tentando lutar. E mais uma vez seu maior erro foi voltar a
encarar a sua face. Ela lhe estendeu os braços, com os olhos repletos de
expectativas, inebriada pelo desejo de mais prazer que eles poderiam alcançar
juntos.
Amira não sabia o que ele poderia fazer com ela, mas ainda sim se
oferecia a ele, e prendendo a respiração, Khalid sabia que não conseguia negar
nada à ela. Por esse motivo, voltou a se aproximar dela e tomar ferozmente sua
boca, ao mesmo tempo em que levava a mão aos seus quadris e a erguia do chão.
Com ela nos braços, caminhou até a mesa que usava para trabalhar e a sentou ali,
admirando por um momento toda a sua beleza rara no seu total esplendor.
Por ora Amira era fatalmente sedutora, outro momento era desastrada e
então tão inocente que o deixava completamente louco. Diante dele, ele via uma
expressão inocente e sedenta ao mesmo tempo. Khalid ajeitou-se entre as pernas
dela e se curvou sobre ela, mas no lugar de tomar sua boca, ele beijou o seu
pescoço.
Por instinto, Amira levantou a cabeça dando total acesso a ele, para
tomar seu pescoço livremente. Por ali, ele se demorou beijando, lambendo e
causando tantos arrepios em Amira que a deixava tímida, entre as suas pernas a
necessidade crescia e sentia-se tão úmida. Não sabia se era normal e de certa
forma receava que Khalid percebesse. Ao mesmo tempo, não queria que ele
parasse por isso, em meio aos sons abafados que escapava pelos seus lábios ela
chamava seu nome.
Incentivado pelas reações de Amira, Khalid desceu os seus beijos indo
até o colo dos seus seios, rendendo-se ao desejo de mordê-los de leve. Com suas
mãos livres, ele levantou o vestido de sua Ayla e encontrou o toque quente e
macio de suas pernas, o que o fez gemer no processo, a chamando. Sua
masculinidade doía, sua necessidade era tamanha, mas ele queria se deliciar na
mulher diante de si. Deslizando a mão pelas pernas dela, quando ele chegou
próximo à sua intimidade e Amira tentou se afastar, ficando ainda mais tímida,
levando suas mãos sobre o seu sexo como se pudesse tapá-lo, Khalid levantou o
olhar para ela, mais escuro do que o normal e apenas uma palavra saiu pelos seus
lábios:
— Por quê? — A voz de Khalid estava tão carregada que se assemelhava
a um rosnado.
— E-eu… — tentou Amira, mas sem coragem de falar.
— Por quê, Ayla? — repetiu ele — Alguém fez algo?
— N-não… fora a criada chefe quando cheguei…
— Hum… — manteve Khalid sério, olhando para ela fixamente
fazendo-a ter a sensação de que ele seria capaz de ver através de qualquer
mentira que lhe dissesse. Por isso a jovem optou por contar a verdade:
— De alguma forma, aí ficou… molhado — disse Amira fugindo do
olhar de Khalid.
Khalid se deitou um pouco mais sobre Amira e então ordenou ao pé de
seu ouvido, que tirasse a mão do caminho. Era uma ordem, mas o seu tom ao
contrário do anterior desta vez era sedutor, quase hipnótico.
Amira timidamente o fez e ele avançou com sua mão até sua entrada,
onde encontrou seu monte maravilhosamente úmido, fazendo-o ansiar por senti-
la cada vez mais molhada sob os seus toques. Ver mais das suas reações era o
seu maior desejo, tão bem como a sua mais doce tortura. Em movimentos gentis,
Khalid acariciou o seu sexo, fazendo com que Amira se contorcesse sob o seu
toque.
— Me beije, Ayla — murmurou ele lentamente.
Amira, a cada vez que escutava a voz de Khalid, em conjunto com seus
toques, seu corpo parecia se perder mais em sensações que ela até então
desconhecia. Como se o prazer pudesse pulsar por todo o seu interior. Ela sentia
vergonha de suas reações e sequer tinha forças para tentar evitá-las. E uma vez
que Khalid lhe pediu para que o beijasse, ela o obedeceu. Contudo, uma vez que
suas línguas se tocaram, Amira sentiu a maior corrente avassaladora de deleite
tomando seu corpo, e ele neste momento, aumentou as suas carícias.
Amira teria gritado seu prazer se não fosse por Khalid cobrir
completamente sua boca com a dele. Até que a sensação passasse ele ficou ali,
parado no mesmo lugar, beijando Amira, mas sem mover suas mãos. Uma vez
que ela separou a boca da dele, ambos abriram os olhos e se encararam.
— Tão linda… — disse Khalid a fitando com seus cabelos espalhados
pela sua mesa — Tão minha.
Contudo, antes que Amira tivesse tempo de responder qualquer coisa,
bateram na porta. E neste momento o coração dos dois parou.
— Vossa majestade? — perguntou alguém.
Khalid praguejou se afastando de Amira e de seu corpo tentador, o mais
rápido que pôde. Arrumou as roupas dela com alguma pressa e segurou a sua
mão, gentilmente, mas ainda sem perder a pressa que tinha, a tirou de cima da
mesa, para juntos darem a volta na mesma. Ele puxou a cadeira que se sentava e
falou baixinho para que ela se sentasse ali e ficasse bem quietinha escondida.
— Vossa majestade? — A pessoa atrás da porta repetiu a pergunta e
Khalid respondeu:
— Sim... ? — fingindo uma voz sonolenta, ao mesmo tempo em que
arrumava a própria roupa e se sentava na cadeira.
— Acabou adormecendo aí de novo? — falou a pessoa por detrás da
porta.
— Hum... Acho que sim.
A pessoa tentou abrir a porta, mas não conseguiu.
— Trancaram o senhor aí dentro, aguarde um momento! — exclamou a
voz e então se afastou.
Neste momento Amira tentou sair, mas Khalid impediu.
— Eu estou com tanta vergonha, eles vão saber o que fizemos e… vão
ficar me olhando — disse ela tímida — Fizemos coisas vergonhosas onde vossa
majestade trabalha.
Khalid deu uma risada baixa, se inclinou um pouco e falou:
— Por isso a escondi, tolinha. Vou provocar uma oportunidade para você
poder voltar aos seus aposentos.
— Obrigada… — respondeu ela encolhida e escondida ali.
— Nos veremos de novo logo… — deixou escapar Khalid.
— Não acredito em você… — Amira disse ainda rancorosa.
— Eu senti sua falta, isso não ficou claro? — indagou ele achando graça
na atitude infantil de Amira para com ele.
Ela fugiu do seu olhar e ainda teimosa disse:
— Não sei do que está falando…
— Talvez eu deva tirar você daí e provar do seu mel? — questionou-se
ele, abertamente. Contudo, logo se arrependeu, pela dor da sua necessidade não
atendida.
— Khalid!
Tentando disfarçar a sua dor, ele deu outra risada.
— Você não se sentirá mais sozinha, não cometerei o mesmo erro pela
segunda vez.
Ao mesmo tempo em que falava isso, faz mentalmente o plano de deixá-
la entrar livremente na biblioteca, para fazê-lo companhia e ele mesmo ensiná-la
sobre a política de Anatólia. Contudo, neste mesmo instante Amira exclama,
tirando Khalid de seus pensamentos.
— Veja Khalid, tem um livro que caiu aqui…
— Ah! Pegue-o para mim e irei guardá-lo mais tarde.
Entretanto, logo que Amira o pega uma carta cai de dentro do livro junto
com uma flor seca. Ela a pega, Khalid vislumbra a letra de seu pai na carta e
murmura sem pensar:
— A letra é do meu pai!
Alguém destranca a porta e Khalid pega o livro das mãos de Amira
rapidamente e se levanta, arrumando-se na cadeira.
— Majestade? — exclamou o seu mais novo chefe de guarda.
— Um livro caiu, estava pegando-o — exclamou ele mostrando o livro
brevemente e colocando-o sobre a mesa.
— Ah! Sim, entendo. Vim me apresentar e também como não o
encontrávamos em seus aposentos, me informaram que poderia estar aqui.
— Compreendo, vamos aos meus aposentos. Irei me banhar e mudar as
minhas vestimentas. No caminho, me informe o que deseja — falou calmamente
Khalid.
— Sim, senhor.
(...)
Pouco tempo depois que Khalid saiu, Amira escondeu a carta entre as
suas vestes e a flor que embora seca que estava cuidadosamente guardada junto.
E então, respirando fundo, saiu do seu esconderijo, para fugir de volta aos seus
aposentos. Por todo caminho, tomou cuidado para não ser pega por nenhum
guarda. O dia estava claro e agora tinham mais deles.
Quando enfim chegou em frente ao seu aposento, Amira avistou um
eunuco e ele perguntou aonde ela tinha ido, a menina respondeu que tivera
vontade de ir até o jardim quando perdeu o sono antes do dia nascer.
Independente de ele acreditar ou não no que disse, ela passou a dar passos
confiantes até chegar aos seus aposentos e trancou a porta.
Apressada, foi para o outro lado do cômodo, Amira queria abrir a carta,
mas ficara na dúvida se deveria ou não. Contudo, sua curiosidade foi maior e a
menina abriu.

“A minha maior devoção à Aysha.

Você é da mesma matéria em que fui criado


Você é aquela que amo, aquela que quero curar todas as feridas
Você é o sol que me ilumina, e o manto da noite que me cobre
Você é mais que a vida
Você está além da morte
Você é eterna em meu coração
Mesmo que proibida em minha vida
Seus olhos azuis me assombram e
dominam os meus sentimentos.

Já faz dias desde que a vi,


e que a tive em meus braços.

Sua falta se faz tão presente…

Guardo a recordação da nossa única noite.


Tão seu, Fahir”

Amira, emocionada desceu o olhar para a flor seca, que aparentemente


era a prova do amor que ele viveu com esta mulher. Ela ainda podia se recordar
da adoração que estava nos olhos de Fahir. Na carta dizia que era um amor
proibido, que os olhos dela o assombravam. Amira teve mais uma vez pena do
sultão.
Aysha era parecida com Amira, assim como seus nomes também eram
similares. Quais emoções tomaram o coração do sultão naquela noite? Será por
isso que nunca conseguiu sentir ódio daquele homem? Perguntava-se, pois viu
real emoção refletida naqueles olhos.
Ela sabe que o homem deixou o palácio sucumbir à maldade, entendeu
isso. Entendeu ao recordar o que ele disse a Khalid; para ser um sultão melhor
do que ele fora. Entretanto, ainda partia o coração de Amira. Porém, um estalo se
fez em sua mente; os cabelos vermelhos de Kelebek roubavam a atenção, mas
ela tinha os olhos similares aos dela.
Será que fora dessa forma que Kelebek conseguiu manipular o sultão?
Amira, com diversas perguntas em mente, procurou o seu baú em seu
aposento e guardou a carta lá. Uma vez que era boa em memorizar, podia falar a
Khalid e mostrar se necessário. Antes que as criadas chegassem, a jovem foi até
a porta e a destrancou, mas como se para testar o seu coração, bateram na porta e
seu coração dera um salto em tamanha surpresa e elas iam entrando apressadas,
mas quase caíram se assustando com a jovem Amira ali parada perto da porta.
— Senhorita? O que faz aqui próxima à porta?
— É… Eu? Hum… Estava estranhando que vocês ainda não tinham
chegado e ia espiar quando bateram na porta — disse Amira ao pensar rápido.
— Ah! Sim, já vejo porque sua roupa está mal colocada — comentou
uma delas.
— É… isso, eu não poderia aparecer no corredor com vestes de dormir,
certo? — Amira sentia-se aliviada, por aparentemente sua mentira estar sendo
mais conveniente do que ela mesma imaginava.
Amira saiu do caminho para que elas pudessem andar e fora se sentar em
sua poltrona, como era hábito toda manhã.
— Então, minha senhorita, demoramos pois Kelebek já voltou da
mesquita — O sangue de Amira gelou e ela sentiu um medo a tomar por dentro.
O que a mulher faria para se vingar? Contudo, para a sua total surpresa, ao ponto
que a criada nem sequer conseguiu esconder o espanto, continuou: — E então,
ela te chamou para tomar um chá. Dizem as criadas dela que ela está muito
arrependida da forma como a tratou.
Amira engoliu em seco e piscou algumas vezes encarando sua criada,
como se não tivesse escutado direito. Afinal, claro que Kelebek não a chamaria
para tomar chá. Isso seria perigoso e se qualquer coisa acontecesse com Amira,
imediatamente o feito recairia sobre a mulher maligna.
Para ter certeza do que seus ouvidos escutaram, Amira repetiu o que a
criada falou, torcendo para que tivesse escutado errado:
— Kelebek quer tomar chá comigo? — indagou Amira, mal acreditando
no que estava escutando.
— Sim, senhorita.
CAPÍTULO 17

KELEBEK: A COBRA DE VOZ SUAVE

A jovem Amira estava nervosa, engoliu em seco novamente. Ela não sabia
o que a esperava, não se encontrava confortável para ir ao encontro da
Sultana. Mas tampouco a jovem tinha escolha, uma vez que era
imperioso cumprir as regras de hierarquia e, além disto, uma vez que Amira não
passava de uma favorita do jovem Sultão, não era nada, ou melhor, ninguém,
para se negar a ir a um chá com a mulher que possuía em seu ventre um filho do
falecido sultão.
Um príncipe ou uma princesa, que poderia rivalizar o trono com Khalid.
Por tradição, Khalid tinha direito de se livrar de todos os seus rivais e se desfazer
de todo o harém do seu pai, contudo ele não desfez e os manteve aos seus
cuidados e responsabilidades, todas as mais de trinta mulheres que viviam no
harém do falecido sultão, juntando-as ao seu próprio harém e familiares que
moram no mesmo.
Amira pensava que Khalid tinha um coração bom, uma vez que alguém
cruel, se livraria de todo o peso que pudesse lhe trazer transtorno, por prudência
até mesmo poderia mandar a Sultana de volta à sua terra de origem, entretanto,
como o povo tinha uma boa visão da mesma, ele preferia desmascará-la. Amira
entendia isso, realmente entendia, porém, seu lado egoísta, mimado e por vezes
de índole duvidosa, fazia-se presente, através de uma voz maligna no fundo de
sua mente dizendo: Ele poderia apenas mandar matar, decapitar, assim como fez
com seu pai. Assim como fez com sua primeira esposa.
E ao recordar disso, Amira notou que ainda não tivera coragem de fazer
algumas perguntas a Khalid, então prometeu a si mesma que não deixaria de
perguntar e colocar tudo em pratos limpos. Khalid sabia o seu passado, todavia,
Amira não sabia nada sobre ele, no entanto, no momento não tinha nada a fazer.
Tinha que arrumar-se para começar suas atividades do dia e ir encontrar seu pior
pesadelo: A Ifrit Sultana Kelebek.
Amira rezou e em sua oração da manhã pediu que Alá trouxesse à sua
mente serenidade e sabedoria para que pudesse lidar da melhor forma com os
desafios que lhe eram impostos. E somente quando as criadas estavam testando
sua bebida com uma agulha de prata, Amira tivera um momento de iluminação.
Tendo ideia do que faria a seguir e assim sentindo-se mais confiante para o chá
com a sultana, agradeceu mentalmente a Alá.
Organizando o plano em sua mente, como afazeres, Amira se sentia mais
ela, mais controlada e menos emocional. E nestes momentos, ela entendia a
importância da solidão e de lutar os seus próprios desafios. Sentia-se naquele
instante mais calma e serena, surpreendendo as criadas que a olhavam com certa
curiosidade.
— Meninas, me tragam o baú em que estão as roupas que ganhei de
Khalid e que como estava chateada, sequer o abri para ver o que tinha dentro —
ordenou Amira, as criadas não entendiam a súbita calma, de quem até então
parecia que tinha recebido a pior das notícias.
— Perdoe a audácia, minha senhora. Poderia nos dizer qual o seu plano?
— indagou a astuta Nehir.
Nehir era o nome da criada mais rígida, que com alguma insistência
Amira conseguiu descobrir o seu nome. Amira disse que se sentia incomodada
em não saber como chamá-la e não a queria chamar de criada, uma vez que a via
como uma preciosa amiga.
— Desta vez, é imperioso que apenas me obedeçam, quando meu plano
estiver em andamento, tenho certeza que irão perceber. Vamos ao banho e nos
trocar, pois vocês irão comigo — disse Amira, misteriosa e a mulher obedeceu
silenciosamente.
As criadas abriram os baús com os presentes de Khalid e assim como ela
esperava haviam muitas roupas simples e extremamente luxuosas, com bordados
em fio de ouro e prata. Ao contrário dos presentes exagerados de Fahir, a grande
beleza das vestes estava em seus detalhes e era disso que a jovem precisava.
Amira revirou o baú, separando suas vestes ela mesma, sem esperar qualquer
movimento das criadas, o que as surpreendeu e uma vez que Amira encontrou o
tecido que queria se levantou segurou-o e revelou à elas com um grande sorriso.
Entretanto, as criadas ficaram surpresas.
Uma roupa em sua maioria branca, com detalhes bordados em prata e
ouro, com pequenas luas e estrelas. Um vestido leve, com alguns tecidos por
cima dele que eram translúcidos e uma longa manga também ornamentada com
esses detalhes em prata. Se forjasse um acidente e derrubasse um pouco de chá
em sua manga o veneno iria escurecer a prata e assim teria uma prova contra a
Sultana.
(...)
Chegada a hora do chá, devidamente banhadas, perfumadas e vestidas,
Amira, em conjunto de suas criadas, caminharam pelo interior do palácio ao
encontro de Kelebek tirando olhares admirados de todos que cruzavam seu
caminho. Amira tinha seus cabelos penteados e decorados com joias que eram
ornamentados com diamantes e em seu centro rubi. O brinco que Khalid lhe
mandara usar estava bem visível. O véu que a concubina usava preso ao seu
cabelo de tão leve parecia flutuar, assim como algumas das camadas de sua
roupa.
Por onde quer que ela andasse, parecia ganhar os olhos de todos com sua
beleza, fazendo justiça à sua fama de mulher mais bela. Por vezes, Amira jogava
olhares para as pessoas ao redor, usando de seu charme para enfatizar o seu
impacto sobre elas, assim como Nuray a instruiu alguns dias antes.
Uma vez que chegaram ao jardim pessoal da Sultana Kelebek, a viram
vestida de vermelho com detalhes claros. O extremo oposto de Amira, mas não
menos bela. Sua barriga começava já a fazer algum volume, mas não muito. O
Jardim da Sultana, ao contrário do que fora feito para Ayla, possuía uma grande
variedade de flores e cores, dando a sensação a quem entrasse nele de adentrar
no paraíso.
A mulher estava sentada perto de uma fonte, quase parecendo um
quadro, mas assim que viu Amira e as suas criadas, levantou segurando a barra
do seu vestido e caminhou rapidamente e completamente animada em direção a
Amira.
Seu comportamento assustava e deixava confusa a jovem garota, mas a
mesma fez o melhor para não transpassar isso em sua face, pois esta mulher
tinha um talento de acabar com a sua confiança.
Uma cobra astuta, que sorria para ela como se nunca antes tivesse feito
algo de ruim. Exatamente como se estivesse encontrando a melhor amiga, que há
muito não vira. Uma vez que perto o suficiente, as mãos frágeis e pequenas da
Sultana envolveram Amira em um caloroso abraço e o corpo de Amira se
arrepiou, como se o próprio corpo rechaçasse o toque da mulher.
Após envolver a jovem no abraço, Kelebek se afastou de Amira para
olhá-la bem, como se fosse uma amiga preocupada com o seu bem estar.
— Você está bem? E as suas feridas? Curaram-se completamente? Por
Alá! Estava tão preocupada com você! Perdoe-me por aquele dia — dizia
parecendo arrependida com os olhos marejados, e então desatou a falar sem
parar enquanto guiava Amira pelo jardim. — Eu não estava no meu estado
normal, não sei sinceramente que mal me acometeu… Eu estava tão triste com o
falecimento do meu marido e pai do meu filho. Apenas queria um culpado, por
isso lamento imenso o mal e as acusações que lhe fiz. Por isso que a convidei
para o chá, eu queria me desculpar enquanto o tomávamos, mas estava muito
ansiosa para te falar o que fazia morada no meu coração, você entende, certo?
Implorar seu perdão, afinal, você poderia estar morta se Khalid não fosse tão
centrado. Um bom homem, o Khalid, não é? Impediu que você fosse morta e eu
vivesse com um arrependimento.
Sua maldade não podia ser vista, suas intenções não eram fáceis de
serem lidas, mas uma vez que se tinha consciência da sua crueldade, era
assustador a forma como a mulher tinha capacidade de mentir e manipular.
Antes que Amira percebesse já estava sendo guiada à cadeira que se sentaria
para o chá. Novamente, assim como das demais vezes, a Sultana fazia com que
tudo fosse à sua forma, mesmo que a pessoa não percebesse, manipulando a
situação de uma maneira indireta, mas controlando-a por completo. Essa era sua
característica mais assustadora, parecendo que tudo ao seu redor estava sob o
domínio da mulher diante de si.
— Sente-se, descanse, por favor. E desculpe a minha agitação, estava
nervosa de sobre como falar tudo isso com você — disse puxando o ar e
parecendo se acalmar. Indo para o outro lado da mesinha e pegando um pouco
do chá para tomar, como se subitamente percebesse que parecia uma pessoa
louca, então optou por ir com calma: — Eu me arrependo verdadeiramente e por
isso quis imitar algo que me falaram dos países vizinhos, neste chá a céu aberto.
Quero ser sincera com você.
— Uma mulher de luto não deveria ser julgada pelos seus atos… —
Amira se viu dizendo sem querer dizer, mas é isso que ela diria a uma amiga. A
forma franca com que a sultana falava, parecia servir de influência para as
próprias falas de Amira.
Amira sentia-se afundando no jogo da mulher e ficou ainda mais em
alerta. Tinha dúvidas, se a mulher era uma cobra ou um uma aranha, tecendo a
sua teia, prendendo-a como se fosse a sua próxima vítima.
— Realmente, é como falam! Você é como um anjo… — comentou a
mulher olhando com alguma doçura para Amira, enquanto seu sorriso parecia
vacilar — Mesmo diante da pessoa que poderia ter te matado, se faz clemente.
— Não sou um anjo ou algo perto disso, sou alguém que segue o que
acredita… — respondeu sincera, uma vez que não tinha para que mentir.
— Jovem, doce e abençoada por Alá a olhos nus... Permita-me contar a
minha história e entenderá o meu amor ao sultão. Um dia fui uma pessoa
prometida a casar com o próximo rei de nosso reino, mesmo sendo filha de um
caso de meu pai, o conselheiro com uma estrangeira, e eu era muito grata.
Ninguém parecia gostar de mim — disse ela mostrando os seus cabelos —, fora
o meu prometido e Aysha, a irmã mais velha do futuro rei.
Amira sentiu uma pequena fisgada em seu coração, imaginando que esta
história não terminaria bem, ao mesmo tempo que se identificava com a
narração.
— Cresci, devotando o meu amor a eles, porém, um dia a irmã nosso
futuro líder se matou, pois foi descoberto que se negava a casar, ela se apaixonou
por um homem de um reino rival e seria forçada a se casar com outro. Éramos
novos e mantidos afastados dos adultos, não sabíamos o que havia acontecido, a
solidão e o sentimento de traição foi algo que tomou nossos pequenos corações
na época. Os anos passaram e acreditávamos que ficaríamos juntos para sempre,
pois apenas nós nos entendíamos. Ou eu era a única que acreditava nisto, pois
mais uma vez fui traída. Ele veio a se apaixonar por uma mulher de uma
pequena tribo e rechaçou-me. Humilhada, traída, magoada, meu pai não me
aceitou de volta, ninguém queria ajudar alguém com cabelos ruivos, por
acreditarem ser maligno. Tornei-me uma escrava quando tentei sair do reino. Fui
sequestrada, espancada e de alguma forma, vim parar aqui. Pensei que poderia
ser diferente, entretanto, da mesma forma ninguém se importava comigo ou
oferecia qualquer abrigo.
— As pessoas podem ser cruéis… — disse Amira em um reflexo dos
seus próprios pensamentos e vivências, se sentindo de alguma forma familiar à
mulher.
— Quando estava à beira da morte, o sultão estava retornando de uma
viagem e me viu, justamente pelos meus cabelos. Veio até mim e nossos olhares
se encontraram… Ele parecia emocionado. Me acolheu, fez de mim uma das
mulheres do seu harém, me tratou muito bem, dando a mim tudo o que eu não
tive. E eu pensava ter encontrado meu pequeno pedaço do paraíso. Mas os
infortúnios começaram e uma doença veio e levou o nosso filho logo depois.
Fahir se fez um bom amante consolando-me e o amei mais, contudo, no dia que
descobri a nova gravidez, fora o dia em que ele foi morto…
— Sinceramente eu lamento a morte do sultão Fahir, o pouco que o vi,
realmente parecia ser um bom homem… — falou Amira descendo o olhar para o
chá que agora estava frio.
Amira podia sentir verdade nas palavras e isso a assustava, sua confiança
absoluta e até mesmo seus planos fugiram a sua mente, não conseguia parar de
pensar na história. Não sabia, simplesmente até onde era verdade e o que era
mentira. A jovem também sentia seu coração se compadecer com a história, mas
a lembrança da mulher exigindo sua morte se fazia presente. Confusa, Amira não
conseguia falar mais nada. A Sultana também se silenciou e para a sua surpresa,
Kelebek exclamou pouco depois:
— Nuray! Há quanto tempo! Estava aqui tomando um chá com a nossa
querida favorita do Khalid! Tinha que me desculpar, não é? — Amira podia
sentir o sorriso da mulher em sua voz e algo mais que não conseguia definir, mas
seu maior foco era Nuray. Sua “mãe” de coração, que parecia ter chegado no
momento certo para salvar sua mente daquele turbilhão.
Neste momento, Amira levantou o olhar e foi em busca da mulher da
qual ela tinha confiança e apego. Nuray estava a alguns passos de distância de
Amira e parecia reluzente como sempre, com a sua calma e tranquilidade.
Trazendo conforto ao coração confuso de Amira.
Nuray...
— Kelebek, nem sequer pensou em me convidar? — questionou Nuray,
num tom calmo e então seu olhar focou em Amira — Amira, querida. Faz algum
tempo que não a vejo, está bem?
Nuray parecia tranquila, embora não fosse toda sorrisos ou gentil como
costumava ser, Amira podia quase sentir o gosto da antipatia que ela tinha por
Kelebek. Amira se levantou e fez sua reverência à sultana Nuray, torcendo que
sua ira não se voltasse para ela. Com um olhar ela tinha um poder aterrorizador.
— Sultana Nuray, que seja abençoada por Alá. Fui convidada
subitamente pela manhã pela Sultana Kelebek ao chá, não tive muito tempo para
lhe contar… — cumprimentou Amira, educadamente.
Kelebek também se levantou e era nítido que a inimizade das duas era
recíproca. E quando Amira disse que não teve tempo de contar, o olhar de
Kelebek escorregava entre Nuray e Amira, astuto e perigoso. Embora fosse
escondido, como sua típica face sorridente e simpática.
— Me desculpe, Nuray — falou sedosamente Kelebek — Eu realmente
estava tão nervosa em pedir desculpas que nem sequer... passou pela minha
cabeça.
— Entendo, a jovem é a primeira favorita de vossa majestade o Sultão.
Podendo se converter em uma Sultana também, imagino como seria
desconfortável a inimizade, uma vez que enquanto nós envelhecemos ela está na
flor da idade — nesta fala de Nuray, o canto do rosto de Kelebek tremeu e Amira
pôde perceber o quanto Nuray não se importava em envelhecer, mas Kelebek por
outro lado...
Nuray, sincera como sempre indo direto ao ponto sem dar volta alguma.
Isso a admirava e ao mesmo tempo trazia um choque de realidade, afastando de
Amira toda a sua confusão e insegurança que sentia a pouco devido à história de
Kelebek. Por pouco Amira não foi pega pelas palavras da víbora.
— Verdade, seria muito ruim! — exclamou Kelebek, como se fosse algo
terrível e então, se virou para a mesa de leve e pegou o chá — Eu deveria tê-la
convidado mais cedo, me desculpo por isso Nuray, mas aparentemente e
infelizmente, agora o nosso chá está frio. Falamos tanto, que nem sequer tivemos
tempo de tomá-lo, uma pena!
Nuray olha bem para Kelebek, silenciosamente a avaliando.
— Uma pena, acho que teremos que deixar para uma próxima. Uma vez
que Amira estava aqui e a tenho como uma filha querida no meu coração, vim
ver o que se passava. Mas como o chá está frio, me contento em um passeio
pelos jardins do castelo com a sua companhia.
— Sua filha do coração? Por isso ela tinha que te informar aonde ia? —
indagou Kelebek.
— Oh! Sim, em algumas semanas muitas coisas podem acontecer
Kelebek. Você sabe disso — respondeu com um sorriso Nuray e então o seu
olhar pousou em Amira — Vamos? Ou ficará aí?
— Oh! Sim. Se me permite… — disse Amira, se curvando levemente
para Kelebek. E então se voltou à Nuray e foi em sua direção caminhando sem
parecer tão desejosa de ficar longe da víbora, quanto estava realmente —
Perdoe-me por lhe fazer esperar, Sultana.
Nuray olhou a menina e sorriu, levando a mão gentilmente à face de
Amira. — Não existe motivo para se preocupar, em primeiro lugar vim aqui por
você, adorável flor do deserto.
Amira, como sempre, ficava levemente sob um efeito de encanto com o
afeto de Nuray. Ainda que Kelebek e Nuray, não usassem palavras hostis à ela, a
sensação que ambas causavam era totalmente antagônicas. Enquanto uma
passava desconforto, a outra parecia a salvação. Contudo, ainda que Nuray fosse
gentil com Amira, a jovem detestaria ser o alvo da ira da mesma, pois assim
como o apego, Nuray não esconde o desgosto.
Conforme andava para fora do jardim da Sultana Kelebek, Amira não
olhou nenhuma vez para trás. Sabia que suas criadas estavam próximas e acabou
por sorrir, quando a mais sincera delas suspirou de alívio. Ela também tinha esta
mesma sensação, a cada passo mais longe daquela pessoa uma onda de alívio a
tomava.
— Amira… — disse Nuray parando em frente a um dos jardins — O
que aconteceu? No momento em que te vi estava pálida.
— Nuray… — murmurou Amira e então sua voz sumiu.
A sultana, vendo o cansaço da menina, em silêncio apenas a
acompanhou até o seu aposento. Uma vez que chegaram nele, Nuray mandou
que as criadas trancassem a porta e se abaixou em frente à jovem que se sentava
em uma cadeira, para olhá-la nos olhos.
— Me diga, minha menina. O que aquela pessoa lhe disse?
Assim, Amira contou tudo à mulher. Como uma criança assumindo de
uma só vez as coisas erradas que ouviu, e os sentimentos que a deixavam
transtornada.
— Se apenas um lado da história foi contado, apenas um será o vilão…
— comentou Nuray — Minha menina, eu estava lá no retorno da viagem. Atrás
do sultão, assim como Honde, mãe de Khalid. Estávamos sim, voltando de
viagem, pois tínhamos ido ao túmulo de alguém. Mas isso não é o importante,
visto que não foi assim que a história aconteceu.
Amira olhava para Nuray com grande expectativa e a mulher suspirou,
mostrando uma humildade e despreocupação sem tamanho ao se sentar no chão
e se esticar para trás, olhando para a janela, relaxada voltando suas memórias a
um passado que para ela não parecia assim tão ruim.
— Kelebek não estava à beira da morte, por falta de cuidados ou algo do
tipo. Mas a primeira vez que a vimos, ela estava se apresentando perto de onde o
Sultão e a sua família passariam no retorno da viagem. Conveniente, não é? —
disse com sarcasmo — Não foi a primeira vez que alguém tentou chamar
atenção do sultão desta forma, mas em todo caso, um vento forte bateu e o véu
vermelho dela saiu de seus cabelos, descobrindo-os e acabou parando no
caminho do cavalo do sultão. Como um homem que não podia ver uma mulher
bonita, Fahir foi devolver o véu… E uma vez que seus olhos encontraram
Kelebek, ele a trouxe conosco. E pela primeira vez o truque da dançarina perto
do palácio deu certo. Kelebek estava saudável, bonita, atraente e com uma
história de estar trabalhando com a única coisa que sabia para poder sobreviver
já que não tinha mais família. E foi assim que nada de tão interessante na
chegada de Kelebek aconteceu.
Amira subitamente se sentiu uma idiota. Kelebek sempre foi
manipuladora, escolhendo as suas verdades e ela não sabia o que a levou à
acreditar na história da Sultana. Mas talvez seus pensamentos tenha ficado
evidente, pois uma vez que passos agitados no corredor se faziam presentes e
algumas pessoas chamando a sultana chegaram aos ouvidos de Amira, Nuray se
levantou, bateu suas roupas e com um sorriso disse:
— Menina, Kelebek é uma excelente mentirosa. Alá abençoou você com
um ótimo instinto para as pessoas e um lindo coração, não permita que as
pessoas turvem sua visão. E não se sinta mal por ter um bom coração e ter pena
de uma pessoa cruel, o erro está nela e não em você — Nuray foi até a porta, ela
mesma a destrancou, virou-se para Amira e disse: — Tenho que ir querida, fique
bem.
(...)
No final do dia, Amira já tinha se recolhido para dormir e suas criadas
ido para o harém. A garota estava sem sono, pensando em tudo que tinha
acontecido naquele dia desde que ele começou e encontrou Khalid até o último
evento com a sultana. Amira se virou e ficou olhando para a luz que entrava pela
janela, com a lua iluminando fortemente.
Entretanto, uma sombra parecia estar se formando em sua base. A
mulher engoliu em seco. Um assassino mandado por Kelebek? A própria vindo
para me matar pessoalmente? Pensou Amira. A sombra foi subindo, ao mesmo
tempo em que Amira virou o olhar em direção à janela. Ela viu a sombra ganhar
a forma de um homem. O coração da concubina estremeceu de medo, tentou
deslizar sem chamar atenção para o lado da cama e tentar se esconder, contudo,
viu que era tarde demais, ela escutou o farfalhar das vestes e quando escutou o
som do pé do homem descendo e entrando no aposento, Amira pensou que dessa
vez sim, seria o seu fim.
Amira estava a ponto de gritar pelos os guardas, quando conseguiu
reconhecer Khalid olhando pelo quarto à sua procura.
— Ay...la?
Irritada pelo segundo susto de morte no mesmo dia, a garota pegou um
sapato que estava ao lado da sua cama e o jogou em direção a Khalid. Pegou
tudo que encontrou próximo de si, e jogou em sua direção enquanto o maldizia
em um tom baixo.
— Qual é o seu problema? Você quer me matar de susto? Você esquece
quem é e acha que é um ladrão, assassino, mercenário ou algo do tipo? Por Alá!
Homem, você é o Sultão… — rosnava Amira para ele que o tempo todo ficou
entre se esquivar e se proteger.
— Isso é para você aprender a manter as janelas fechadas! — provocou
ele em um murmuro e um sorriso de canto.
— Khalid… — sibilou Amira, parando os seus movimentos e olhando
para ele com os olhos estreitados, sem palavras o suficiente para ofender o
jovem sultão.
Em pouco tempo alguns eunucos bateram à porta, perguntando o que
houve. Contendo sua ira, Amira olhou para Khalid e mandou ele se esconder. A
garota apenas falou falsamente num tom fraco aos eunucos que foi desastrada e
acabou tropeçando e caindo, levando algumas coisas consigo. E lamentou a
vergonha de chamar a atenção deles.
— A senhora está bem? Precisa que chame o médico? — questionaram
sem abrir as portas.
— Estou bem, foi apenas um acidente — respondeu Amira, já vendo as
más línguas no dia seguinte de como a garota era desastrada e no meio da
madrugada estava derrubando o quarto. Tudo por culpa de Khalid! Amira
pensou se virando para ele, que a espiava como um gato travesso, por de trás de
um baú que estava de pé.
Contudo, assim que se deu conta que era Khalid, o grande sultão tirano
dos traidores, escondido atrás dos seus baús de roupa, com uma cara de gatuno,
por que invadiu o seu quarto no meio da noite, Amira teve muita dificuldade
para se manter brava com ele e não rir de toda esta confusão feita em tão curto
tempo.
— Vossa majestade… — murmurou ela — Você não está tão majestoso
assim...
— Eu deveria pedir desculpas por isso? Um rei, imperador, sultão ou o
que for, conseguimos domar leões, conquistar territórios, mas uma mulher
jogando nele tudo que encontra pela frente é algo arriscado! — respondeu
Khalid, claramente segurando o riso, saindo do seu esconderijo e indo em sua
direção, com seus passos firmes e obstinados, com a mão estendida à Amira.
Parando a um pouco menos de dois passos dela.
— Sei… Em todo caso, por que veio pela minha janela? — indagou
curiosa, não se contendo e segurando a mão de Khalid.
— Queria falar com você sobre ter ido ao chá com a Kelebek, sobre
aquela carta também e principalmente, ver com os meus próprios olhos como
você está. Mas se eu mandasse você ir me encontrar, suas criadas te dariam outro
banho, te trocariam, arrumariam e isso levaria horas infinitas.
— Não sei se já te falaram, mas você é um sultão diferente... —
comentou a jovem.
— Ultimamente tenho escutado isso... Em todo caso, nada disso importa.
Como você está? Kelebek lhe fez algo?
Khalid estava muito preocupado com Amira, sua mãe ia à chás com a
víbora quando viva, assim como sua avó e outras mulheres do palácio, contudo,
nunca foi descoberto quando começou aquela doença, de onde veio ou até
mesmo o que causava. Apenas tiveram uma sequência de pessoas adoecendo e
morrendo sem respostas.
Se algo acontecesse à sua amada, Khalid não sabia o que faria, pois desta
vez, não iria deixar o palácio em pé se algo acontecesse sob aquele teto.
Por fim, Amira e Khalid se sentaram no sofá. Primeiro a menina contou
sobre o conteúdo da carta que encontraram, e que ela desconfiava que Kelebek
usou os olhos semelhantes à Aysha para manter o sultão cativo. E em
complemento, contou a história que a Sultana tinha dito, mais a verdade
esclarecida por Nuray.
— Kelebek, aquela víbora! — rosnou Khalid — Meu pai teve um amor
antes de minha mãe vim ao harém, escutei por aí que ele jamais superou, mesmo
quando legalizou minha mãe como esposa e a fez sultana. Quando jovem, meu
pai era um homem que queria viajar por todo o território que seria seu, era
naquela época o homem que fez uma boa fama. E foi esta fama que cresci
escutando do meu pai, por isso, quando criança o admirava. Mas ele mudou,
como bem sabe. Minha mãe sabia que o meu pai ainda era apaixonado pela
mulher que lhe foi proibida, mas parece que um tempo depois da legalização do
casamento deles, chegou a notícia que a tal mulher se matou. Não sei sobre o
passado de Kelebek, mas quando pequeno escutei isso sobre essa mulher. Talvez
Kelebek apenas juntasse informações que foi conseguido e montou esta história,
com algumas ocasiões verdadeiras.
Amira se recorda da imagem da mulher que se assemelhava à uma
pintura em frente à fonte com sua barriga já definida. E uma pergunta lhe
escapou pelos lábios.
— O que você fará com seu irmão no ventre dela, uma vez que consiga
desmascarar a todos?
Khalid desceu os olhos para a mão de Amira que segurava e a acariciou.
— Se ele não herdar os cabelos ruivos dela, pretendo criá-lo como nosso
filho — disse Khalid, então finalmente levantando os olhos, para olhar
fixamente para a jovem — Tudo bem para você?
— Claro que sim, ele é um ser inocente. Mas e se ele herdar? —
perguntou Amira sentindo um frio de temor subindo pela coluna.
— Acha que irei matar meu irmão? — falou em uma voz que passava
certo tom de mágoa e Amira se arrependeu da pergunta não feita — Não, não
farei. Mas pagarei à uma família para que o adote e o crie muito bem, uma
família com os cabelos da mesma cor, para que ele não se sinta diferente.
— Não teme que ele cresça e volte para se vingar? — era apenas uma
possibilidade e uma curiosidade.
— Não se pode vingar, por algo que não sabe, mas ainda que ele viesse
eu iria aceitar — respondeu Khalid dando de ombros, então deixou os braços
cair, encostou-se por completo no sofá e fechou os olhos, aparentemente cansado
— É justo, matei o meu pai pela sua ausência de atitude que causou a morte da
minha mãe. Se a criança vier me matar por ter executado a sua mãe, será justo.
— Entendo… — murmurou Amira ficando em silêncio pensativa e
assim, Khalid também ficou. Ambos estavam sentados próximos, muito
diferente do clima de sedução que tinha começado naquele dia. O ar agora estava
tenso, por motivos muito diferentes e palavras pareciam não ser boas o suficiente
para desfazer o clima pesado.
— Vossa majestade… — começou Amira.
— Khalid… — corrigiu ele.
— Khalid, eu tenho umas perguntas a te fazer… — disse a jovem sem
coragem de olhar para ele. Pousando o seu olhar fixamente para o seu próprio
colo.
— Sou todo ouvidos… — disse ele se ajeitando para se virar de frente
para ela.
— Por que você matou a sua primeira esposa?
CAPÍTULO 18

OBSCURA VERDADE: E PARA O TORMENTO QUE O ASSOLAVA,


ELA ERA A LUZ QUE O SALVAVA

K halid podia lembrar-se nitidamente da face da garota: dos cabelos loiros,


das pequenas mãos que a princípio parecia tão inocente, mas que com o
tempo se mostrou diferente. Uma pessoa egoísta que pensava apenas em
si, não se importava em apenas fazer o que lhe era ordenado, contanto que ela
ficasse bem. Uma pessoa que não se importava em ser covarde, leviana e
traiçoeira. Diferente de Ayla, que desde o princípio se provou corajosa, sincera e
verdadeira.
— Por que a matei? Simples, porque ela não era você… — Khalid sorriu
para Amira, com um sorriso triste, ao mesmo tempo em que levantou a mão e
tocou a face da garota com delicadeza.
Amira sentiu seu corpo estremecer e certo calor transbordar dentro de si
sob efeito das palavras de Khalid, mas o seu sorriso triste parecia servir de banho
de água fria.
— Como assim?
— Seu nome real era Elena, contudo assim como todas as garotas que
foram deixadas no palácio por seus pais para serem criadas e servirem ao
sultanato, ela recebeu um novo nome e se tornou Samia. Seus pais eram
estrangeiros que se enfiaram em maus lençóis e por isso estavam vendendo os
filhos, a troco de quase nada. Samia foi aceita no palácio interno, pois era muito
bonita e prometia se tornar uma linda mulher. A sua irmã, que já não tinha tão
bela aparência, foi vendida a um mercador. A primeira vez que a encontrei, ela
estava chorando próximo ao jardim que possui o seu nome. Ela era um pouco
mais velha que você quando a vi pela primeira vez, senti alguma simpatia por
ela. Parecia tão fraca e vulnerável, e pessoalmente, eu também estava assim.
Pouco tempo depois fui à primeira vez à guerra, bravamente em conjunto com os
demais homens, conquistamos mais terras para os nossos domínios e então
retornamos vitoriosos. Não vi mais aquela menina por algum tempo, mas meu
pai um dia me chamou para informar que eu iria me casar. Eu me neguei, eu não
queria. Sempre que pensava em uma parceira, era você, a menina que deixei em
sua tribo, a única que vinha a minha mente. Mas meu pai não se importou, falou
firmemente que eu iria me casar com a escrava que foi acolhida como protegida
de Kelebek. Sempre foi comum o casamento com escravas, afinal, não dotavam
de poder político algum. E em breve, seria usado para mais alianças políticas,
formando o meu harém. Sabia disso, mas não me importava. Não queria me
casar. Não sabia quem era e somente, quando ela foi apresentada a mim
oficialmente, foi que a reconheci. A menina que eu havia visto antes. Ela ainda
tinha um aspecto vulnerável, que inspirava um senso de querer protegê-la.
Mesmo que vivesse grudada à barra do vestido de Kelebek, o que me deixava
desconfortável, contudo, ao menos não chorava mais. Antes de voltar ao campo
de batalha, teria que ficar no palácio. Fui obrigado a passar tempo com ela, que
parecia gostar de flores, de molhar os pés na fonte e que tinha sorrisos tímidos
para mim.
— Ela parecia uma menina doce… — disse Amira com a boca azeda e
Khalid percebeu, pois sorriu.
— Não se preocupe, você sempre foi única em meu coração... — dizia
com calma, levava a mão ao queixo da garota e acariciando-o docemente com o
polegar, para então deixar no ar um “mas” e a sua expressão endureceu, uma
sombra de culpa formou-se em sua face. Suspirando, com um ar cansado, Khalid
se levantou indo se sentar na beira da janela, colocando o pé sobre ela e o outro
esticado para tocar o chão — Eu tinha te perdido e aquela menina parecia
precisar ser protegida. Então… Me casei como foi ordenado, cumpri meus
deveres matrimoniais e continuei algum tempo em companhia da garota.
Entenda uma coisa, Ayla: você mudou algo em mim quando a conheci, eu não
confiava em ninguém além da minha mãe. Minha vida era boa, mas sempre tinha
pessoas ruins ao meu redor. Eu te perdi e encontrei naquela menina, uma voz de
esperança que falava em minha mente; já que eu não pude te proteger, eu faria
isso por ela.
Ainda que Khalid achasse que a pequena Ayla estivesse morta naquela
época, Amira sentiu um forte ciúme, ciúmes da Samia, ciúmes até mesmo de sua
versão criança que tinha tanto impacto e importância para ele. No entanto, em
conjunto com estes pesados sentimentos, vinha uma sensação de dor no peito,
pena de Khalid que parecia ter se perdido em seu caminho em meio a tantas
dores. Tantas que por mais calmo que contasse a história, eventualmente suas
ações o entregavam, assim como sua voz que por vezes vacilava.
— A cada tombo que ela levava, me olhava como se pedisse para ajudá-
la. Samia me trazia lanches, conversávamos sobre o dia, sobre o passado e
chegamos até a falar sobre você. Eu achei que podia confiar nela, até que um dia
eu senti uma vertigem enquanto tomava o chá e desconfiei. Testei sem que ela
percebesse, quando me trouxe mais um pouco de chá... ele estava envenenado.
Me neguei a acreditar que tinha sido ela e puni os servos que entregaram a
bebida para ela — O maxilar do homem se enrijeceu — Mas sob conselho de
Jaffar, continuei testando os chás que ela me entregava, não comia os lanches e
mesmo assim, todas às vezes estavam envenenados. Infelizmente para ela, meu
corpo estava acostumado a muitos tipos de venenos e uma dose fraca não teria
efeito sobre mim.
— Acostumado a venenos? E por Alá, como ela pode fazer isso com
você? Alguém se senta à sua mesa, diz os seus segredos, seu passado, sorri e
chora… E tenta te matar.
— Na família de minha mãe, era passado o conhecimento de que se você
consumisse venenos em pequenas quantidades e fosse aumentando
gradativamente, seu corpo se acostumaria e você se tornaria quase imune. Minha
mãe fez em segredo o mesmo que fizeram com ela, comigo. Contudo, os
venenos que tinham aqui em Anatolia, são diferentes dos de sua terra natal.
Assim, a quantidade de venenos que ingeri foram maiores... em todo caso, eu
não sei dizer o porquê Samia fazia aquilo, por todo tempo foi uma boa pessoa,
ou melhor, apenas uma boa mentirosa — disse com pesar — Talvez fosse como
sempre, culpa de Kelebek, eu pensei na época… Me apeguei a isso e então,
irado, voltei ao campo de batalha. Onde fiz muitas coisas em nome da raiva, que
não me orgulho. Decidi que levaria minha vida adiante e não tinha obrigação de
ficar voltando ao palácio, muito menos de fazer um herdeiro nela. A princípio
não queria outra mulher, se não, você. Pois mesmo conhecendo você nova e por
um curto tempo, sabia que mesmo se fosse ameaçada ou obrigada não daria
veneno a ninguém. Você preferiria apanhar e sofrer todos os males, mas faria
qualquer coisa para não fazer algo que fosse contra ao que você acha certo.
— Você é muito confiante em mim… — murmurou Amira, sem saber o
que faria se fosse obrigada ou sob alguma ameaça terrível a fazer algo assim. Se
ainda tivesse sua família, ela faria aquilo? Ela não sabia dizer.
Khalid voltou seu olhar fixo à Amira e ela se encolheu.
— Verdade, às vezes as pessoas têm seus motivos para fazer o que
fazem. Talvez, Samia tivesse bons motivos — disse pensativo, como se fosse a
primeira vez pensando nisso e ao mesmo tempo como pudesse ter lido os
pensamentos dela — Bom, se você me desse algo envenenado e por acaso ele
tivesse efeito, eu não me importaria de morrer pelas suas mãos.
Essa frase a impactou, seu olhar parecia estar gravado em sua alma, sua
visão ali perto da janela, aparentemente despreocupado em sua postura relaxada,
mas visivelmente transtornado em expressão, tocou mais profundamente Amira
do que qualquer pessoa já a tocou. O homem que ela amava, dizia que morreria
de bom grado pelas suas mãos. A jovem se levantou de imediato e o olhando,
sabia que mesmo se isso custasse a vida de toda sua família, ela não seria capaz
de envenenar Khalid.
— Eu não te envenenaria... — disse com toda convicção que conseguia
reunir. Amira, ao imaginá-lo desmaiado pelo veneno, se consumia de um ódio
sem alvo, e vendo sua expressão, Khalid riu baixinho.
— Eu sei. Fique tranquila. Bom, voltando aos fatos ocorridos.
Eventualmente me via obrigado a voltar do campo de batalha e eu criei o hábito
de retornar sem fazer alarde, pegando as pessoas desprevenidas. Isso me serviu
de muita utilidade, na época, peguei a ratinha Samia em um encontro secreto
com a cobra, Kelebek. A mulher manipulava a garota com histórias e ideias
distorcidas. Contudo, ela não parecia se importar com os absurdos e mentiras
descaradas da sultana. Quando Kelebek terminou tudo que tinha a dizer e
retornou para dentro do palácio, Samia esperou um pouco e então se encontrou
em extremo segredo, no jardim em que eu fiz para você, com um homem. E o
seu encontro, foi com um vizir.
— Não… — exclamou Amira surpresa.
— Sim! Lembro-me de ter me aproximado e escutado o que ele disse
claramente. “Você ainda se meterá em problemas. Está em tempo de Khalid
retornar e quanto mais você a obedece, mais se afunda…”
— Parecia sensato esse vizir… — comentou Amira, se acomodando
onde estava.
— Ah! Mas você viu este vizir! — disse com sarcasmo Khalid — Não
se recorda do primeiro homem a cair ao me tornar o sultão?
— Aquele vizir era esse…
— Sim! Ele mesmo, todos os traidores sempre estiveram por perto. O
motivo não foi pelo encontro secreto com Samia, mas pela conversa deles.
Samia se aproximou do vizir enquanto ele a aconselhava e ela disse: "Ora, se eu
não tivesse a escutado, ainda seria uma serva qualquer dentro do palácio,
lavando os pés. E eu jamais teria me aproximado de você, certo? Ela o queria
como aliado e o fez por intermédio de mim.” Ela se insinuava ao homem com
luxúria e parecia ter muita confiança em sua aparência. Ela mostrou outra face, e
até mesmo o seu tom de voz era diferente. Disse que ficaria ao lado da sultana
favorita do sultão, Kelebek, pois seria ali que ela estaria melhor e mais segura,
uma vez que foi abandonada, não tinha nada a perder e era a única que se
importava com a própria vida.
Amira, chocada ao escutar a narração de Khalid, nem sequer tinha
palavras para expressar a sensação de nojo e repulsa que sentia de Samia. E se
ela se sentia assim, não queria imaginar como foi que Khalid se sentiu na
época.
— O que você fez? — indagou Amira, num fio de voz e neste momento
não conseguia sentir ciúmes, por mais que quisesse, pois dentro dela a raiva
fervia, mesmo que soubesse que a mulher estava morta.
— Fui para guerra, eu poderia sobreviver lá — suspirou ele achando
graça na ira da garota — Uma vez que olhava olho a olho o meu inimigo, em
meio à batalha. Ali no palácio, poderia a matar, uma vez que traição era algo sob
pena de morte e eu estaria no meu direito. Contudo, Jaffar que me seguia como
uma sombra e viu tudo comigo, e sempre com a voz da razão, voltou a me
aconselhar dizendo que não era a melhor hora. E que dada à personalidade de
Kelebek, tinha certeza que ela mesma se desfaria de Samia. Quase como se
pudesse prever o que viria a acontecer num futuro próximo, quase todos os
homens que estavam comigo no campo de batalha, perderam suas vidas me
protegendo de uma cilada. Jaffar sobreviveu com graves ferimentos, eu fiquei
gravemente ferido e foi quando fiz aquela grande cicatriz no meu peito que uma
vez você andou reparando.
Amira ficou corada e escondeu seu rosto do de Khalid.
— Mas como assim, como se ele pudesse prever? Ele não falou de um
ataque… E pare de falar que te reparo. Você é bonito, isso é verdade... No
entanto, me constrange falando em voz alta assim… — admitiu mordendo os
lábios.
— Não tenha vergonha, admiro a sua sinceridade, além disso, eu te
disse. Cicatrizes são provas que sobrevivemos. No entanto, esta cicatriz ganhou
um sentido novo para mim na época. Pois os homens que me faziam companhia
na batalha e faleceram, foram o mais próximo de família que um dia eu já tive,
após a perda de minha mãe, agora eram eles que estavam mortos… Mortos por
me proteger. Alguns dias depois deste incidente, enquanto me recuperava, uma
carta chegou em minhas mãos, uma resposta à que mandei ao palácio. Nela
estava informando que a minha concubina, minha única concubina, foi
denunciada por estar mandando cartas aos nossos inimigos, foi descoberto que o
país de origem dela foi o responsável por aquele ataque, e que a condenação
dela, estava sob minha escolha. Tinha algo da Kelebek estar atordoada com a
notícia, que ignorei, mas o ponto principal era que enquanto não tivessem
resposta, ela estava aprisionada esperando a condenação.
— Acho que como você não estava voltando com frequência ao palácio,
Kelebek perdeu o interesse na menina — comentou Amira juntando as
informações. — E o Jaffar estava certo.
— Sim, acontecera como ele havia previsto. E eu, que estava cego pelo
ódio, voltei, ainda ferido, mas completamente irado — A voz de Khalid ficou
carregada pela ira mesmo apenas ao recordar do ocorrido.
— Khalid… — falou baixinho se contendo para não se aproximar e
fazer carinho no homem.
— Amira, me desculpe. Na época me vi completamente tomado pela
raiva e sim, não conseguia ouvir qualquer palavra por todo o caminho até que eu
sanasse a minha sede de sangue — Khalid engoliu em seco, parando sua fala
perdido nas recordações e então voltou a falar: — Fui onde ela estava
aprisionada, tinha cara de quem não comia há dias e que tinha apanhado, mesmo
assim a arrastei por todo o palácio pelos cabelos levando-a ao pátio. A imagem
dos meus companheiros mortos me atormentava, assim como a imagem dela
sorrindo enquanto me servia o chá envenenado. Minha chegada causou tumulto,
pois daquela vez, não tinha sido sorrateiro ou silencioso, todos acabaram se
reunindo ali, e diante de todos, a decapitei. Ela era um peão, um ardiloso e
impiedoso peão. As falas dela se repetiam em minha mente “Que faria tudo para
manter sua vida, já que ninguém faria isso por ela.”, mesmo após matá-la.
Ademais, quando levantei o olhar para todos, vi a imagem de Kelebek ao lado do
meu pai e parecia satisfeita. Isso me tirou de mim. Peguei a cabeça da mulher e
joguei aos seus pés. E foi assim que fui mal visto por todos no palácio por muito
tempo. Porque… sem perceber, fui manipulado por ela, assim como todos ao
redor e fiz exatamente o que ela queria.
Antes que pudesse pensar no que estava fazendo, Amira já tinha desfeito
a distância que os mantinham separados, quando diante do homem, cabisbaixo e
com um ar derrotado, ficou na ponta dos pés e o envolveu em um caloroso
abraço. Com a ponta dos dedos acariciou o topo da cabeça dele e falou baixo
perto do seu ouvido:
— Você é um bom homem, mesmo com qualquer atrocidade que você
tenha feito. Nunca pensei que diria isso, mas é assim que é. Não se veja menos
do que você é. Uma pessoa que pensou no seu povo, que mal viveu o seu luto,
que sobreviveu à lutas diárias, pois estava tentando ser forte por alguém desde a
sua infância. Ao mesmo tempo em que era assombrado pelos seus demônios,
dedicava-se em ser bom por alguém. Seja pela Samia, seja seguindo os
conselhos de Jaffar. Seja por seu desejo de vingança… Você é implacável com
aqueles que lhe fizeram mal, que fazem mal aos outros, a morte não é a justiça,
mas no seu caso, ganhou esse sentido.
Amira o abraçou ainda mais apertado, colocando para fora tudo que
sentia, mas não em sensações que a sufocavam como das outras vezes. Não em
curtos pensamentos que lhe escapavam com Nuray, mas em palavras que nunca
foram ditas.
— Eu entendo agora, a morte é para se proteger e proteger os outros…
Tola que sou, tive dúvidas do seu comportamento, tive medo e até o julguei sem
saber de nada… mas... Sabe Khalid, eu tenho muito que aprender com você. Por
todo o caminho, ainda que eu quisesse fazer algo por alguém, no final, eu estava
pensando apenas em mim e nos meus sentimentos. Não somos diferentes em
muitos aspectos, mas somos diferentes no resultado. Você se tornará o melhor e
o maior sultão que esse povo já viu, no final da sua vingança. No final da minha,
terei apenas a minha satisfação e o sangue em minhas mãos… Francamente...
Hoje não sei se eu quero matar o Said, mesmo com tudo que ele fez. É um
grande fardo matar alguém. Contudo, se ele não for morto, continuará fazendo
com outras pessoas o mesmo que fez comigo, o mesmo que fez com todas as
garotas que estavam lá o servindo. Ademais, pode de alguma forma voltar para
se vingar, se apenas tirar tudo dele. Ainda sou fraca, mas quero ser mais forte
para ser digna de ser a sua sultana — Amira não sabia o que tinha dado nela,
mas apenas sua voz saiu, a voz que vinha do seu coração.
Khalid se afastou de Amira para olhá-la nos olhos, ele estava
profundamente emocionado pelas palavras dela. Ele podia sentir o coração dela
em cada frase, de tal maneira que se sentia absolutamente amado. Sorrindo, mais
apaixonado que nunca. Ele queria olhar nos olhos dela a todo custo, queria beijá-
la e a aninhar em seus braços. Contudo, mesmo quando se afastou dela, ela
estava de olhos fechados, derramando silenciosas lágrimas, enquanto tremia
levemente.
Ele tocou o seu rosto com carinho e sentiu sua pele fria. Pensando que
ela poderia estar com frio, sem pensar e por puro instinto, Khalid apenas
subitamente colocou o outro pé no chão, se abaixou e a pegou nos braços, entre
as exclamações de surpresa dela, a levou para a cama, a deitou no meio e se
sentou ao seu lado, se arrumando para deitar-se também. Fazendo-a se sentar
num rompante e olhá-lo embasbacada. Mas antes que pudesse dizer algo ele
começou se acomodando na cama:
— Quem escolhe se você é digna ou não de estar ao meu lado como
sultana, sou eu. Eu te escolhi quando você tinha dez anos. Sequer sabia algo,
além da sua tranquila vida naquela tribo. Eu a escolhi, quando estávamos
naquela tenda e eu fui apresentado à sua nova versão de si. Com um novo nome,
sim, e inesperadamente me encantou novamente mesmo assim. Desta vez com
sua força, sua vontade de viver e com sua obstinação. Com a força contida neste
seu pequeno corpo bonito, com marcas das suas vitórias. Egoístas como você
disse ou não. E ainda sim, com um bonito coração piedoso. Acredito que seja eu
que não a mereça, mas mesmo assim é você quem eu quero… Vem deitar nos
meus braços, prometo ser um bom menino.
Khalid sorria, com os braços abertos e com o peito livre para que ela se
deitasse. Amira tinha vivido tantas emoções que simplesmente neste instante não
tinha palavras. Apenas um desejo. Deitar nos braços da pessoa que se apoderava
mais de cada pedaço dela, a cada encontro.
(...)
Eles dormiram abraçados, apenas isso. No tempo em que lhes era
permitido estar juntos, um no calor dos braços do outro. Ele sabia sobre ela e ela
sobre ele, desnudos de segredos e guardados na confiança um do outro. Ainda
que fosse um passado feio e horrendo, a sensação era que tudo ficaria bem no
futuro.
No período da manhã, como de costume, as criadas chegaram. Mas para
a total surpresa delas, encontraram na cama, com seus corpos entrelaçados,
Khalid e Amira. Seus rostos próximos e serenos, os cabelos de Amira espalhados
pelo travesseiro, as vestes de ambos meio abertas. A mão de Amira pousada sob
o peito desnudo de Khalid. As mulheres entraram em pavoroso, empolgadas,
mesmo que tentassem se conter. Tentaram sair, sem que fossem percebidas, mas
a mais agitada delas deixou o vaso de água cair e Khalid despertou em alerta
enquanto Amira, que estava cansada resmungou se levantando, mas ainda
dormindo sentada.
— Me deixem dormir mais um pouco… — resmungou ela. Uma vez que
nunca tinha tido um sono tão pesado e tão despreocupado antes.
E em seguida a voz de Khalid se faz ouvir e as mulheres, lentamente se
viraram de cabeça baixa.
— Mas aonde vocês vão? — indagou achando graça das criadas saindo
em passos leves até ele falar algo.
— Não sabíamos que a nossa senhora estava com o senhor, não
desejávamos incomodá-los. — disse Nehir, curvando-se e sem olhar Khalid nos
olhos.
— Não se incomodem comigo — falou Khalid, se virando para Amira
ainda adormecida, para tentar acordá-la — Pequena... Pequena, acorde. O dia
nasceu e suas criadas estão aqui.
Amira se sentia zonza e sonolenta, mesmo sentada, achava que a voz de
Khalid estava apenas dentro do seu sonho, contudo, quando a primeira coisa que
viu ao abrir os olhos foi o rosto de Khalid, sentiu seu sangue sumir do rosto,
tamanha a surpresa, despertando completamente.
— Kha-Khalid! — exclamou ela em um agudo.
— Mas por que este espanto? Sei que está cansada, mas… — disse
fazendo-se de ofendido — Depois de tudo que vivemos ontem, desde nosso
encontro às escondidas na biblioteca, até ficarmos desnudos no meio da noite…
Sem conseguirmos ficar um momento mais longe dos braços um do outro!
Amira desta vez sentiu o sangue do corpo todo ir à cabeça, ao ponto de
se sentir tonta. Recordou-se de tudo que aconteceu no dia anterior. De fato algo
aconteceu na biblioteca, mas não era suposto para as pessoas não saberem?
Indagou Amira perturbada em sua mente. E por quê ele estava contando as
coisas em alto tom?
Amira desejava apenas voltar a dormir neste instante. Entretanto,
parando de brincar com ela, a natural calmaria dele retornou, ao se aproximar e
dar-lhe um beijo em sua testa, se inclinando até próximo ao seu ouvido e
falando disfarçadamente:
— Enquanto eu estiver aqui, ninguém falará que te esqueci ou fará
pouco de você te chamando de desastrada. Mesmo que eu tenha que me passar
de tolo na frente dos outros, embora, não seja algo tão ruim brincar e ver as suas
reações.
Ele se levantou da cama, sem se importar em se arrumar e rumou até a
porta, passando direto pelas criadas. Deixando uma Amira desnorteada para trás
ainda em sua cama. Parando perto da porta do aposento e deixando-a aberta,
disse:
— Te vejo mais tarde, me encontre na biblioteca. Sabe como chegar lá,
certo? — E então fechou a porta atrás de si.
Ele reclama da Sultana, mas é um grande manipulador!!! Exclamou ela
em um pensamento rebelde.
CAPÍTULO 19

EFEITO BORBOLETA: O BATER DE ASAS DE UMA BORBOLETA


NUM EXTREMO DO GLOBO, PODE PROVOCAR UMA
TORMENTA NO OUTRO

A ssim que o olhar de Amira varreu o aposento lentamente, encontrou os


olhares curiosos de suas criadas, que sorriam disfarçadamente. Deixando
claro o que se passava por suas mentes, algo sobre uma noite rendida à
paixão tórrida e à luxúria. O rosto de Amira, que já se encontrava perdidamente
ruborizado, ficara ainda mais vermelho. A garota, infantilmente, teve o desejo de
voltar a se deitar, cobrir seu rosto e não olhar mais para ninguém. No entanto,
claramente não o fez, tossiu levemente e se prontificou a sair da cama.
A garota não podia evitar o rosto corado, mas ela podia tentar seguir
com os seus costumes matinais, fingindo que nada demais acontecera, afinal era
esperado que tivesse uma noite com o sultão. Era um feito de grande honra,
mesmo que não tivesse seguido a tradição ou que na verdade não tivesse sido
consumado. Ademais, uma vez que nada poderia ser feito e sem dizer quaisquer
palavras mais sobre o ocorrido, seguiu sua manhã.
As criadas, como todos os dias, comentavam amenidades, enquanto a
banharam, vestiram e cuidaram. Oraram e por fim se alimentaram. Somente
quando todos os deveres matinais foram concluídos, Amira não se sentia mais
perturbada. Mesmo que eventualmente sentisse olhares sobre si, escutava
murmúrios sobre o sultão ir passar a noite nos aposentos da concubina. Após
isso, ninguém duvidara de seu afeto por ela ou maldiziam algo sobre a mesma.
Amira era verdadeiramente grata, porém, também se preocupava.
Sem qualquer dúvida, a atitude de Khalid fora algo chocante, como se
ele ainda fosse um jovem príncipe impulsivo fazendo as coisas à sua maneira,
sem se importar como pareceria diante de todos. Amira se sentiu insegura que o
comportamento dele pudesse macular a sua imagem. Contudo, seus feitos eram
maiores que qualquer quebra de conduta e não o repudiaram por isso.
Para a surpresa de Amira, a garota foi detida no caminho aos seus
aposentos por um eunuco. Ele tinha uma mensagem de sua majestade, o sultão,
para ela.
“Venha o mais rapidamente possível. K.”
Curta e sem mais detalhes, em primeiro momento com estas palavras,
Amira não sabia o que estava acontecendo, o que poderia ter acontecido e todo
pior cenário possível se fez em sua mente. Apressada, segurou a barra do vestido
que usava e se apressou em direção à biblioteca. As criadas ficaram em alerta de
igual maneira, mas bastou um olhar do eunuco para que soubessem que nada
ruim de fato tinha acontecido e que isso era apenas uma ação de um homem
apaixonado.
(...)
O jovem sultão, já tinha trocado suas vestes, por roupas mais humildes e
estava encostado na sua mesa, batucando seus dedos no tampo com seus anéis.
Ele já estava pronto, com adagas escondidas, com suas espadas na cintura e
completamente desmontado da sua imagem de sultão. De forma simples, sendo
apenas o Khalid que ele realmente era.
Contando os segundos para que sua amada chegasse abrindo as portas
do aposento, preocupada com seu bem estar, Khalid nem sequer tirou os olhos
das portas duplas.
E assim como o esperado, lá estava ela, linda e levemente descabelada,
mas completamente ofegante. Sua Ayla abriu as portas à sua procura e no
instante em que seu olhar pousou em Khalid, absolutamente tranquilo, sorrindo,
enquanto a fitava, o sangue da garota ferveu em ira.
Amora entrou no aposento e fechou a porta atrás de si, dando mais
alguns passos à frente.
— Vejo que vê graça em me assustar, vossa majestade — comentou
ácida a garota.
Khalid refletiu e então simplesmente sorriu se afastando da mesa em que
estava apoiado. Caminhando tranquilamente na direção de Amira, como sempre
confiante, focado e com ar determinado.
— Acho doce como se preocupa comigo, sem pensar na sua imagem...
Amira se calou, engolindo em seco. Não pelo que Khalid lhe disse, mas
pela forma como sua fala acabou chegando aos seus ouvidos. Além disso, a cada
passo que ele dava em sua direção, o coração parecia bater mais forte contra o
peito da jovem. Quase podia sentir o calor dele na sua pele, mesmo a mais de um
metro de distância e quando esta distância não mais existia, ele já estando muito
próximo à ela, não diminuiu a velocidade da sua passada e não parecia que iria
diminuí-la. Por instinto, Amira deu alguns passos para trás, parando apenas
quando sentiu o frio da porta contra suas costas.
Khalid ergueu a mão para apoiá-la na porta, ao mesmo tempo em que se
inclinava levemente sobre Amira, a encurralando de forma sedutora, pois a
garota que não conseguia fugir do seu olhar, agora mesmo estava olhando para
seus olhos tão perto e Khalid se viu tentado em beijá-la, mas se o fizesse ambos
não sairiam tão cedo deste aposento e o plano de fazer Amira ter bons momentos
em Anatólia iria por água abaixo.
Khalid era uma fera, chama e tudo que poderia abalar qualquer coisa em
alguém, pensara Amira. Um homem que podia ser tão doce quanto o mel,
amargo como o fel e quente como o inferno. Fazendo justiça a todos os
predicados, silenciosamente como um grande felino, o seu hálito tocou Amira
numa carícia em sua pele pondo-a em alerta.
— Assustada, pequena prometida? — indagou com uma voz carregada e
então com a outra mão enlaçou a sua cintura.
— Assustada? Nã-não… — tentou falar ela, mas acabou por gaguejar
em meio a um arfar com o toque quente da mão de Khalid.
Tendo como reação no homem, uma gostosa risada que poderia ser
considerada um pecado, pois o som da mesma parecia pulsar por todo o corpo da
jovem garota.
— Tem certeza? Não é o que parece...
— Em todo caso... — voltou Amira a falar insistente, tentando não fazer
mais papel de tola e mudando de assunto — Que tipo de coisa para se fazer, sabe
como me preocupei com você! Pensei que algo...
— Tivesse me acometido? Bom, pequena prometida — falou Khalid em
um tom que fazia tremer o coração da jovem Amira, quando se aproximou de
sua orelha: — Você é muito valente, perigosa e eu… não daria oportunidade de
um inimigo ver essa sua expressão de delicada beleza bestial.
— Por vezes não sei se me elogia ou ofende — resmungou a garota.
— Precisamos seguir normas? Mesmo? Justo nós dois… — ele não
colocava claramente em palavras, mas era sem sombra de dúvidas sobre o fato
de que nenhum dos dois seguem obedientemente às normas que deveriam seguir.
— Certo, certo... não posso contestar sobre isso — falou rapidamente ela
fugindo do olhar do homem.
As reações de Amira eram tremendamente doces, e isso tentava o bravo
sultão. Por isso, ele prendera a sua respiração e se afastou de sua concubina,
deixando-a com uma leve sensação de frustração devido à tensão sexual que se
formara entre os dois. O homem foi até a sua mesa e então pegou o punhado de
roupas que estavam separadas para ela em conjunto com um par de sapatos. Com
eles nos braços, retornou à sua amada e então lhe estendeu para que ela pudesse
pegar as vestes.
Inconscientemente, assim como lhe foi entregue as roupas, ela apenas às
pegou sem pensar muito profundamente nisto.
— Imagino que saiba se despir e se vestir mesmo sem as suas criadas —
alfinetou ele, com um toque de humor para Amira.
— Por que destas vestes? — questionou Amira curiosa, ignorando a
provocação, ao mesmo tempo, em que as olhava.
— Pois não é uma aventureira? Que vaga pelos corredores do palácio
corajosamente, mesmo quando uma terrível cobra está em busca da sua
desgraça? — Khalid disse com certo nível de desdém carregado em mais uma
provocação deliberada — Não questione, apenas, se vista e venha comigo. Você
vai gostar e dependendo, acredito que possa vir até mesmo a me agradecer.
Amira olhou para Khalid, inconformada, mas sem poder negar uma
palavra sequer. Chateada, olhou para suas vestes e para o aposento ao redor,
questionando-se como iria se trocar. Khalid por sua vez, rapidamente interpretou
os seus pensamentos:
— Ficarei de costas e juro que não expiarei — disse bem humorado se
virando de costas para ela.
Mesmo sem ver a sua face, a jovem quase podia ver o seu sorriso de
quem se divertia às suas custas. Khalid era o homem que lhe roubava suspiros de
amor, que lhe passava confiança e proteção. Mas Amira jamais esqueceu o olhar
feroz e faminto de Khalid, seus toques fortes, seu desejo declarado através das
suas ações e o que ele lhe provocou na mesa pouco mais adiante. Amira sentia-
se constrangida, mas também ansiosa para voltar a estar nos braços de Khalid e
enfim consumar a paixão deles.
Diferente da primeira vez, ela não se sentiu mal, nem emoções ruins a
acometeram. O que a deixava com muitas expectativas.
Amira tirou suas vestes e quando estava vestindo, percebeu que eram
vestes masculinas e mais que isso, eram familiares. Mesmo sem Khalid dizer, ela
tinha certeza que eram dele. Dominador como era, duvidava fervorosamente que
ele permitiria que ela vestisse a roupa de algum outro homem se lhe fosse
permitida a escolha.
Alheio aos pensamentos de Amira, Khalid recordava-se do corpo
molhado da garota. Suas curvas perigosas para o seu juízo, tentadores para se
recordar. O banho que tomaram juntos, fora sem dúvida inesquecível, mas
parecia quase anos atrás se fosse comparar com a manhã do dia anterior em que
pôde sentir o gosto da amada e o toque quente de seu corpo.
A necessidade de estar com ela, quase lhe era vital e o homem sabia, que
não conseguiria se conter por muito mais tempo.
Tirando-o dos seus devaneios, Amira voltou a chamá-lo, mas desta vez
já vestida. Roupas que um dia foram de Khalid, não eram das mais elegantes,
afinal, nunca gostou de se vestir com muito requinte, fazendo-o atualmente por
obrigação.
As longas calças escondiam as curvas das pernas de Amira, e um
[11]
kaftan longo que não era o suficiente para esconder a curva dos seus seios
voluptuosos completamente. Ademais, seus longos cabelos e joias chamavam
atenção, Khalid, sem muito refletir, aproximou-se e levou a mão aos cabelos da
jovem, esta que se surpreendeu obviamente, já que quase todas as aproximações
do mesmo acabavam com seu coração batendo com força. Porém, a garota se
acalmou e sentiu-se uma tola, uma vez que sentiu seu toque em seus cabelos
tirando seus ornamentos e desfazendo o bonito penteado que as criadas fizeram.
Cuidadosamente, enrolando o cabelo da garota o enfiou dentro da Kaftan o
escondendo.
— O que está fazendo? Por que me fez vestir vestes masculinas? —
indagou ela, olhando levemente para cima com seus bonitos olhos.
— Pequena aventureira, tem muitas perguntas. Já disse, vamos nos
aventurar. Para isso, será melhor que se passe por um jovem rapaz. Não chamará
tanta atenção — explicou calmamente Khalid.
— Mas tem certeza? Parte de seu povo viu a minha face... — voltou ela
a questionar insegura.
— Eles não terão acesso à visão do seu rosto abertamente... — disse ele
novamente se afastando dela, para voltar em seguida, com um pesado manto que
cobria sua cabeça e sombreava parcialmente o seu rosto. Desfazendo assim,
parte da insegurança da garota.
Após Khalid vestir um manto, tomou a mão de Amira na sua e segurou-
a firmemente, a guiando em direção à porta, abrindo-a e saindo sem receio, os
soldados que ficavam à sua porta os olharam e Khalid apenas os olhou com
firmeza. Eles saíram apressados à frente deles e de alguma maneira o caminho
dos dois não recebera mais interferência de outros soldados.
— Infelizmente sou o sultão e estamos no meio do dia — explicou ele
— Tínhamos que ter algumas pessoas como aliadas para ajudar em nossa fuga.
Os guardas inventaram desculpas para afugentar as pessoas do nosso caminho
assim, não chegará aos ouvidos de ninguém que não confio em nossa escapulida.
Diante de todos, estamos na biblioteca românticos por todo o dia.
Amira ainda se surpreendia com a sagacidade e inteligência de Khalid.
Seu controle parecia ser absoluto e tudo era tão calculado que chegava a ser
assustador em alguns momentos. Mas e se tivesse mais de uma pessoa
responsável por todas as coisas que aconteceram? Questionou-se Amira. Mas
ela logo depois, colocou o pensamento de lado. Já que Khalid tinha planejado
tudo, não teria deixado passar que tivera outra pessoa, repreendeu-se em
pensamento.
(...)
Todo o caminho guiado por Khalid foi impressionante e carregava um ar
de aventura e desafio. Pois juntos eles passaram por passagens secretas, entradas
e caminhos que não pareciam serem feitos há muito tempo por alguém.
Mas para a surpresa de Amira, o caminho não se manteve em apenas
passagens e coisas do tipo. Pois quando realmente saíram em um aposento, na
extremidade do palácio, era um cômodo grande e que a garota quase gritou ao
ver um grande leão descansando.
Grande e mesmo deitado tranquilamente passava certo terror mediante
ao seu tamanho. O leão abriu os olhos, ergueu um pouco a cabeça e então seu
olhar descansou nos dois que estavam em seu aposento, o encarando cautelosos
e avaliativos. Khalid e Amira, atentos aos astutos olhares do leão, se viram
tranquilos apenas quando o animal resolveu ignorá-los e voltar a se deitar.
— Por que tem um leão aqui? — questionou Amira, em um murmúrio
assustado.
— Um líder que domina um leão, é um homem digno para liderar um
povo. Ele não é domesticado, por isso, se mantém preso à uma corrente. Espero
que em algum momento eu possa o deixar sem ela. Em todo caso, vamos… —
continuou Khalid a guiar Amira, que ainda tinha seu coração aos saltos,
mediante à visão do enorme felino.
Passando por uma pequena entrada de madeira, ambos chegaram a um
jardim, não tão bem cuidado, com a mata mais alta e densa. Tomando cuidado,
Khalid guiou Amira até os muros e puxou para o lado uma densa quantidade de
plantas.
— Oh! Por Alá! — exclamou ela e Khalid pediu silêncio.
— Minha mãe era uma mulher protetora, mas que sempre me permitiu
viver além dessas paredes. Pois segundo ela, eu deveria conhecer o povo que eu
talvez pudesse vir a governar — esclareceu Khalid, abrindo a pequena porta
com uma chave dourada.
— Mas e se alguém o sequestrasse e fizesse mal?
Khalid a olhou e sorriu.
— Quando eu lhe vi pela primeira vez eu tinha dezessete anos, lutei de
igual para igual com o homem que nos atacou. Acredita que eu aprendi
subitamente essas coisas?
Sim, Amira sentiu-se uma tola por ter se perguntado. Obviamente a
criança que tomava veneno, também deveria ser treinada para lutar. Afinal, tudo
era para o seu bem e para que ele pudesse sobreviver até a fase adulta.
Entretanto, ainda sentia pena da criança que Khalid foi. Mesmo que tenha se
tornado um homem acima do esperado quando adulto.
Khalid abriu a porta de vez, saindo primeiro e então ofertou a mão para
Amira passar. Assim que ela o fez, se viu diante de diversas árvores e alguns
rochedos. Khalid fechou a porta e a guiou entre as árvores, Amira se sentia
fascinada por tanta vegetação e árvores tão grandes, contudo, nada a preparou
para o que viria a seguir. Pela primeira vez na vida, Amira viu o mar.
Ela encarou o mar em toda sua imensidão. A luz batia na água e fazia
parecer que havia pequenas joias fazendo-a brilhar. Sentiu-se pequena, mas ao
mesmo tempo, grandiosa e livre. Khalid a olhava enquanto ela estava fascinada
pelo ritmo constante das ondas que quebravam contra as rochas. Ela estava sem
palavras, muda, completamente encantada pelo cheiro de maresia que inebriava
suas narinas. Tudo estava perfeito. Muito mais do que ela achou que um dia
estaria, sentia-se apaixonada. Naquele momento, ela respirou fundo como se
todas as bençãos de Alá pudessem percorrer o seu corpo, tamanha a
grandiosidade da sua criação.
Por um momento, relaxou, extasiada pela paz que a invadiu.
Amira soltou a mão de Khalid e abrira levemente os braços, sem pensar
muito nisso, pois no momento tudo que ela sabia fazer era sentir.
— Gostou? — indagou ele baixinho indo para trás dela e passando a
mão pela sua cintura para a manter segura.
— Muito mais do que já gostei de qualquer outra coisa que tenha
acontecido em minha vida — confessou em um tom baixo, porém, alto o
suficiente para que Khalid ouvisse.
— Vamos? Tem muito mais para você ver — falou gentilmente.
A jovem lamentou o fim do seu pequeno pedaço de paraíso, para que
pudesse acompanhar Khalid aonde quer que ele quisesse ir. Amira, sob a
companhia de Khalid, seguiram uma trilha, uma difícil, mas não impossível.
Dado momento, descendo a última rocha, Amira sentiu seu corpo vacilar e achou
que ia cair, contudo, fora acolhida nos braços fortes e calorosos de Khalid, que
tinha descido primeiro.
— Você tem que tomar cuidado, pequena prometida... Ou devo dizer,
primo? Sobrinho ou algo do tipo? — questionou ele achando graça que teria que
falar com ela como se fosse um homem.
— Acho… que primo, não somos muito parecidos — comentou ela
tentando sair dos braços de Khalid, em meio a risos — Um primo muito
distante.
Ambos começaram a inventar histórias das pessoas que teriam que ser
na cidade e estavam rindo quando começaram a escutar as vozes das pessoas, a
movimentação da cidade. Fazendo com que os dois jovens ansiosos voltassem a
se apressar para logo chegarem.
Amira se manteve em silêncio, admirada, pois desde a sua infância não
via algo próximo a isso. O sentimento de nostalgia tomava conta de Khalid de
forma similar. Por sua vez, olhando ao redor, para todas aquelas pessoas e
barracas, lembranças de sua infância surgiam lentamente, quantas vezes ele não
saiu escondido e andou por essas ruas? Ele não sabia, assim como não recordava
qual foi a última vez que pode fazê-lo.
Tudo que fora enviado do palácio estava devidamente entregue ao povo.
Khalid se sentia satisfeito com isso, agasalhados e com os seus rostos mais
saudáveis do que da última vez que os vira. Era perceptível até mesmo para
Amira, que se sentia aliviada de forma como se aquilo tivesse lhe roubado o
sono.
Khalid segurou o braço de Ayla, com mais firmeza e a puxou
lentamente. Apenas para guiá-la em direção à uma barraca de doces de caramelo,
comprou alguns e com um olhar brilhante entregou um para a jovem ao seu lado.
Um pouco hesitante, Ayla desembalou e colocou o doce em sua boca, ela não
conseguiu evitar fechar seus olhos em apreciação, quando sentiu o caramelo
derreter em sua boca, era uma sensação gostosa. Khalid observava com atenção
as expressões de sua amada, se deleitando com cada uma delas.
— Gostou? — podia-se notar a curiosidade em sua voz, esse era um dos
doces favoritos dele. Embora fosse nítido em sua face, Khalid infantilmente
desejava escutar isso dela.
Ayla apenas balançou a cabeça, pegando mais um doce de sua mão,
Khalid riu de sua ação, mas parou rapidamente quando viu o olhar lançado em
sua direção. Recordando-se de uma importante lição de quando estava domando
o leão, que enquanto ele se alimentava era imperioso que não mexesse com ele.
Neste ponto Amira era assim, com os seus doces.
Pacientemente, ele esperou que ela terminasse antes de guiá-la para a
próxima barraca, nessa possuía alguns objetos artesanais como grampos de
cabelo e colares.
— Olá meus jovens, gostariam de comprar algo? — O vendedor todo
sorridente os cumprimentou. Amira estava encantada observando os ornamentos,
totalmente alheia ao que Khalid estava fazendo ao seu lado. Mesmo que ela
tentasse conter suas ações femininas, era extremamente difícil para ela. No
entanto, sem se preocupar muito e aproveitando essa brecha, Khalid sorriu
pensando no que faria. Pegando um grampo com pedras azuis, ele virou para o
dono e perguntou:
— Preciso de um conselho, honroso senhor. Crê que esse é um bom
presente para se dar para alguém amado? — indagou Khalid.
O vendedor abriu um sorriso animado.
— Oh! Jovem, as mulheres gostam muito desse. É uma ótima escolha —
disse o senhor.
— Estão embrulhe para mim, tenho uma fera em casa, talvez um
presente a deixe mais mansa — disse Khalid e o senhor sorriu, recebendo o
pagamento e entregando o embrulho em seguida. Guardando o enfeite entre suas
vestes, Khalid olhou de soslaio para sua amada e desentendido perguntou:
— E você, primo. Gostou de algo? — questionou Khalid, falando com
Amira para que ela se lembrasse de que estava vestida como um homem.
A jovem desconsertada tossiu e engrossando a voz responde.
— Não, são lindas, mas não tenho uma amada para dar.
— Dê à sua mãe! — tentou insistente o vendedor, claro que ele iria
insistir em vender, e isso fez um sorriso nascer nos lábios de Amira, que queria
sua mãe viva para o fazer, mas não estava. E ela ficaria triste em outra situação,
mas depois que conheceu Nuray, a dor não lhe aplacava tão fortemente.
Ambos se afastaram da barraca após algum tempo, e Amira depara-se
com crianças de um orfanato, pedindo ajuda. Tinham aparentemente fome e
escassa quantidade de vestimentas. Ainda que houvesse tantas doações do
palácio, Amira lamentava que não fossem suficientes para todos, e mesmo que
fossem seria comida de apenas um dia e não de todos, como amargamente
aprendeu com aquelas pessoas famintas que outrora viu.
— Khal… — Amira não terminou de falar o nome, pois percebeu o seu
erro, mas ele sem se importar atendeu.
— Sim?
— Quero ajudar essas crianças… Eles precisam de comida, roupa… —
murmurou Amira.
Ela não sabia como pedir essas coisas a Khalid, mas ela queria tanto
ajudar que mesmo seu desconforto não era o suficiente para evitar. Khalid sorriu
para ela e levou a mão à cabeça de Amira. Rapidamente, com o olhar avaliou ao
redor, por hábito e também pela segurança de sua amada. Por fim, a permitiu se
aproximar dos pequenos enquanto ele se afastaria brevemente para ir atrás de
comida e vestes.
Como eram crianças que sofreram muito na vida, Amira se aproximou
lentamente. E ao menos para elas, a garota revelou o seu rosto. Homens tendiam
a ser mais assustadores que mulheres e talvez por ela ser mulher, eles não
temessem tanto. Eles, em sua maioria, olharam desconfiados, mas uma vez que
viram os olhos dela, pareciam fascinados.
Entre tantas pessoas com os olhos escuros, incluindo eles mesmos, os
olhos de Amira pareciam joias surreais para as crianças. Aos poucos terminou de
se aproximar e estava à beira de conseguir segurar a pequena mão de um deles
que estava muito magra. Mas uma menina saiu e o afastou, colocando seu frágil
corpo entre Amira e o menino. Amira vira fogo nos olhos da menina, órfã como
todos, mas um pouco mais velha e com um instinto protetor.
Amira reconheceu o brilho nos olhos da menina, o que existira dos seus
próprios há muito tempo atrás e sentiu uma grande dor no peito, junto com uma
tristeza, se viu tomada pelo desejo de abraçar a garota e não se conteve.
Levantou-se em um rompante, abraçou a menina que a princípio, lutou e
esperneou. Debateu-se, chutou e acabou por ferir levemente Amira, que
suportaria aquilo, pois ela entendia o sentimento que apavorava a garota. Não a
soltou, mesmo quando começaram a chamar atenção.
Amira tentou cantar, em busca de que a menina parasse para escutá-la e
se acalmasse, uma melodia serena que sua irmã cantou para ela uma vez. Sem
querer, o manto que cobria a cabeça de Amira revelou seus cabelos, que se
soltaram levemente e só então a menina se acalmou.
— A flor do deserto… — murmurou a menina surpresa, parando e
olhando Amira, esta que lhe sorria de volta. Delicadamente a soltando para
puxar de volta o manto.
— Olá?
Todos estavam distraídos, Khalid com tecidos e algumas comidas
próximo dali. Amira com a menina, nem sequer faziam ideia que pessoas os
cercavam de forma sorrateira. Não até estarem praticamente sobre eles. Em um
rompante eles atacaram e foram na direção de Amira e das crianças. Khalid
largou tudo que estava em suas mãos e rapidamente puxou sua espada, correndo
na direção do homem que estava mais próximo de Amira e felizmente, o
golpeando pelas costas antes mesmo de chegar à sua amada.
— Vão! — exclamou ele.
Porém, Amira não teve tempo de reagir, pois outro homem surgiu para
lutar com Khalid chamando sua atenção. E então logo depois outro ia o atacar
pelas costas, Amira gritou, e Jaffar e mais alguns homens, apareceram surgindo
das extremidades da feira.
Amira viu nesta ocasião a oportunidade de tirar as crianças daquele
local, mas muito espertas se esconderam, o que foi um alívio, e ela agradeceu
imensamente a Alá. Contudo, nem todas se foram, a jovem menina ainda estava
ali. Amira abraçou-a e a pegou nos braços para fugir e acabou por esbarrar em
outro homem.
O ar pareceu fugir por um breve momento do pulmão de Amira, aflita e
angustiada. Tudo acontecia intensamente naquele momento, tudo ao mesmo
tempo e tão rápido. Ela sequer tivera tempo suficiente para assimilar, quanto
mais encontrar uma saída, a cada lugar que olhava tinham pessoas e ela não
sabia se poderia confiar ou não. Sua visão ficou levemente turva devido ao
nervosismo, a cada momento parecia que tinham mais homens e dentre eles, o
que ela esbarrou, a olhou como se fosse um lobo faminto tendo encontrado a sua
presa e sorriu. Amira não teve tempo de tentar correr com a garotinha, pois o
grande homem as segurou com firmeza, pegando as duas de uma vez e as
levantou do chão.
Amira nunca se sentiu mais impotente, mas pela benção de Alá, a
jovem menininha era mais parecida com a velha Ayla, do que se supunha. Pois
mesmo quando Amira estava se sentindo tão aturdida, a menina não parava de
espernear e por acaso, conseguiu o golpear entre as pernas. O homem as soltou e
ambas acabaram caindo no chão e se separando. A garota se recuperou mais
rápido do tombo e se afastou do homem, ele deu as costas para Amira. Ainda
com as mãos entre as pernas, mantendo-as separadas enquanto maldizia a
menina.
Amira tomou sua coragem de volta, pois não permitiria que o homem
fizesse algo para a garotinha valente; se levantando, tirou forças de onde não
tinha e o chutou por trás mesmo, acertando-o entre as pernas novamente. O
homem tombou para o lado em agonia e dor.
Apressada, Amira correu em direção à menina e quando segurou a mão
dela, sentiu as mãos de um desconhecido a pegando pelos ombros. Ela se
debateu e lutou, mas não via saída. Gritou para que a menina fosse embora
soltando sua mão, mas ao contrário disso, a menina pulou no homem e mordeu-
lhe o braço. Em um movimento ele acabou jogando a menina para longe, mas
para isso ele teve que soltar parcialmente Amira e ela não deixou essa chance
escapar, dando uma cotovelada no mesmo, golpeando-o no estômago. Quando
conseguiu se soltar, o empurrou em sentido à uma barraca que estava repleta de
coisas de vidro. Em seguida, se apressou para ir até a menina.
Amira instintivamente procurou por Khalid quando se virou de frente
para onde ele estava lutando anteriormente.
Neste mesmo instante coincidentemente, Khalid encontrou o olhar com
o dela e ambos sentiram um leve alívio por uma fração de segundo. Mas nada
tinha acabado, Amira escutou os resmungos dos dois homens que estavam à sua
frente, como quem iriam se levantar. Amira não podia mais ficar ali, ela se virou
agarrando fortemente a mão da menina para ir, quando palmas pegaram as suas
vestes revelando seu rosto e cabelos, impedindo-a de ir. O homem que estava no
chão era mais rápido do que esperava e já tinha se levantado.
Mas o assombro fora maior quando, o mesmo homem que segurava suas
vestes vacilou pendendo para frente, ele acabou virando de lado para Amira
enquanto tentava tirar uma adaga fincada em suas costas.
— CORRE, EU VOU TE ACHAR, APENAS CORRA! — gritou
Khalid.
CAPÍTULO 20

A LINHA: SEMPRE HAVERÁ UMA LINHA TÊNUE ENTRE O CÉU


E O INFERNO

udo mudou de um momento para o outro, o som pesado de gritos e o

T cheiro de sangue. A feira estava cheia de homens feridos e destruição por


onde quer que se olhasse, as pessoas que anteriormente estavam felizes na
feira, tentando vender as suas mercadorias, corriam fugindo para não serem
pegas entre a luta.
O inferno havia definitivamente descido sobre esta terra. Os homens que
chegaram para ajudar Khalid, o auxiliavam em defender a jovem garota que
seria a sua futura sultana. Fazendo com que a jovem Amira se visse sem
alternativas.
Quanto mais tempo ficasse ali, mais os atrapalhava, então, sentindo-se o
pior dos seres vivos e com seus olhos marejados por ter de deixar Khalid em
meio àquela luta, se virou, observando rapidamente ao redor. Viu de lampejo,
mais homens vindo em sua direção, nervosa, tinha que sair dali o mais rápido
que pudesse. Olhou em outras direções rapidamente, sabia que a feira possuía
muitas pessoas e que era uma desvantagem, porém, avistou um beco ao longe.
Se corresse o suficiente, passando pelas barracas, seria sua chance de
fugir com a menina. Pensou ela.
Amira não tinha tempo a perder, por isso segurou a mão da menina e
saiu desembalada em direção às barracas, mas não percebeu que tinham
brinquedos de madeira espalhados ao seu redor, que eram dos órfãos, pisou em
um deles e torceu o pé. Quase foi de encontro ao chão, mas conseguiu evitar a
queda de última instância, voltando assim a se equilibrar e retomar a sua
corrida.
Quando enfim, conseguiu enfiar-se entre as barracas e passar por entre
elas, fora puxando o tecido de algumas e derrubando o que estava por cima, vez
e outra parando só para chutar o pé de algumas barracas e desmontá-las atrás de
si para voltar a correr. Um grande alvoroço se formou pelo caminho. Vendedores
ficaram revoltados com sua proeza, mas no momento, ela já não tinha mais nada
para esconder, tirara o tecido que cobrira seus cabelos e olhou diretamente aos
homens.
Eles a reconheciam, mesmo vestida como um homem. Exclamaram seu
nome e abriram espaço para ela. Nunca tinham visto o seu rosto antes, mas sua
aparência por muitas vezes fora descrita. Os vendedores não eram jovens, mas
tentaram atrasar os homens que a seguiam, atrapalhando assim a perseguição.
Quando ela olhou de relance para trás, viu que estava com certa margem
de vantagem, ademais, estava quase na entrada do beco. No entanto, seu pulmão
estava queimando por causa da respiração irregular e forçada, ela olhou a
pequenina que estava da mesma forma. Amira subitamente teve uma ideia, com
os vendedores no meio do caminho não estavam prestando atenção nela, então se
jogou entre o vão de uma das barracas. Os homens possivelmente passariam
direto. Era arriscado, mas necessário, pois precisava recuperar o fôlego.
Uma vez que teve tempo para refletir, sentada ao chão, parecia ouvir a
própria voz dizendo: “Amado pelo seu povo e temido pelos traidores.” Afinal,
não eram os súditos de Khalid revoltos com algo, eram pessoas ruins querendo
se livrar dele.
Mas por que envolver as crianças? Questionava Amira.
Ofegante, tentando acalmar sua respiração, Amira percebeu que a
menina que estava com ela, estava tremendo e chorosa. A sua pequena valente,
finalmente mostrou a sua vulnerabilidade. Amira a puxou para perto e a abraçou.
Por coincidência, os homens que as perseguiam passaram por elas, assim como
tinha previsto.
Amira se inclinou para espiar, ainda estavam correndo e procurando-as
com os olhos, parecendo confusos. Entretanto, para maior infelicidade de Amira,
um deles parou e se virou, retornando. Amira recolheu-se sentada e se
escondendo, olhando para o chão pensava aflita que precisava de solução rápida.
Olhou para o seu pé doendo em uma dor lancinante, começando a inchar. A
menina fazia barulho chorando e Amira pediu silêncio, para poder pensar no que
fazer. A pequena, com um esforço tremendo, engoliu o choro e se manteve em
silêncio, mesmo diante do monstro chamado medo.
Amira não conseguiria seguir no mesmo ritmo com os homens que a
perseguiam tão de perto, de um lado para o outro. Muito menos a menina que
não tinha resistência para tanto.
Precisava de algo… Mas o quê? Pensava Amira, olhando ao redor.
Não podia chamar atenção e tinha que aproveitar que o terrível homem
ainda não sabia onde elas estavam. Juntou as mãos pedindo que Alá a ajudasse,
então olhou para o alto e acabou vendo sobre a mesa da barraca à sua frente, um
pedaço de madeira que parecia resistente o suficiente para desferir um golpe
forte. Uma tora retangular e razoavelmente grande, pouco maior do que o seu
braço, prendendo algumas folhas de papel. Amira se levantou suavemente, mas
não completamente, pegou a tora sem fazer muito alarde e então, espiou onde o
homem estava.
Muito mais perto que antes, mas ainda tinha algum tempo.
Amira respirou fundo, se virou para a menina e disse:
— Vamos precisar voltar a correr… Quando eu falar, você corre comigo.
Entendeu? — murmurou Amira.
A menina confirmou bravamente com a cabeça, limpando as lágrimas
com a mão livre e ficando levemente levantada também.
— Boa menina, prometo recompensar você — Amira voltou a se virar
para frente, preparando-se e com a audição aguçada, tentando escutar mesmo em
meio a tanto barulho a aproximação do homem.
Com seu pé reclamando da dor profunda, era mais difícil manter a
concentração, ela respirou fundo, tentou espantar a dor segurando firme a
madeira em suas mãos suadas e trêmulas. Amira pedia força a si mesma, fechou
os olhos e contou:
Um...
Dois...
Três…
A concubina se levantou em um rompante e atingiu o homem na boca do
estômago com toda a força que tinha. Ele arfou e caiu para trás, tomado pela dor.
Amira o golpeou mais duas vezes na cabeça, fazendo com que perdesse a
consciência. Olhou ao redor procurando os outros homens e não os viu. Soltou a
tora e usurpou a espada do homem caído e se aproximou dos seus pés, fazendo
cortes na altura do calcanhar e tornozelo dele.
Respirando rápido, se virou para a menina levantando-se e estendendo a
mão para ela. Embora estivesse pálida com a ação de Amira, a criança ainda
segurou sua mão. Suando e se sentindo lenta, correu com o máximo de
velocidade que a dor lhe permitia.
Entrando no beco tinha menos iluminação, era mais apertado do que
Amira supunha e sombrio. Sabia que não poderia evitar o que fez, ele iria entrar
no beco logo atrás dela se não tivesse o ferido com a espada. Ela precisava de
uma distância segura para que pudesse se esconder com a menina. Sentia-se mal,
mas sabia que era matar ou morrer. Não teria coragem de matar, achava ela. No
entanto, talvez não existisse um meio termo, ela só era covarde.
Com a sua respiração totalmente descompassada, percebia o quanto
estava em desvantagem. Homens que iam à guerra e voltavam meses depois, não
se feriam nem a metade do que ela se feriu em apenas uma fuga. O medo a
abraçou e por um momento a lâmina tornou-se pesada, mas não podia parar. Se
ela parasse, logo eles poderiam as achar, sua vida estaria sob perigo e a da
garotinha também e se isso acontecesse por ela não ter dado tudo de si, não se
perdoaria por essa falha.
O beco era profundo e possuíam outros corredores, Amira parou indecisa
por onde seguir. As paredes amarelas pareciam todas iguais, Amira não sentia
cheiro, de tanto que estava ofegante e cansada, apenas queria ir para o mais
longe possível. E para o seu maior desespero, começou a escutar passos atrás de
si, simplesmente voltou a correr em frente. Saindo do outro lado, onde parecia
também ser outra rua.
A menina, cansada, tropeçou no momento em que saíram do beco,
caindo e quase levando Amira junto, contudo, isso não aconteceu, pois, as mãos
de Amira estavam suadas e, assim como o restante do seu corpo, literalmente a
menina escapou dentre seus dedos.
Amira se abaixou para ajudar a garotinha, ela chorava falando que tinha
medo, mas se calou horrorizada quando olhou para trás e viu um homem vindo
em sua direção. Não havia saída naquele momento, ponderou se tentasse correr
abaixada como estava, podia cair e na distância que estava dela, a pegariam
também. Então fez tudo que lhe restou naquela situação: se levantou e ergueu a
espada que estava em suas mãos em uma posição de defesa.
Porém, antes mesmo do homem chegar a enfrentar Amira, Khalid
chegara a tempo. Surpreendeu o homem pelo pescoço o puxando para trás e o
enforcando, até que caísse no chão, aproveitando que o homem estava aturdido e
surpreso para degolá-lo rapidamente.
O som do gritinho de surpresa da criança ao lado de Amira chamou a
atenção de Khalid. Este que virou em direção à Amira e quando os olhares dos
dois se encontraram, uma sensação de alívio os acometeu fortemente. Antes de
dizer quaisquer palavras, um olhou o outro de cima a baixo rapidamente,
olhando cada ferida, cada gota de sangue, cada detalhe. Khalid, ao perceber que
Amira estava pálida, deu um passo em sua direção preocupado e Amira sentiu
suas lágrimas se formando tamanho era o alívio de vê-lo bem, estendeu os
braços para ele como se fosse o abraçar dando passos cambaleantes pela dor.
Porém, quando estavam prestes a se abraçar, Khalid viu um movimento
atrás dela e segurou Amira de forma bruta, jogando-a para trás em direção ao
Jaffar que ele sabia que estava a poucos passos dele. Ela sentia-se como uma
boneca, e sequer tinha percebido a presença de Jaffar ali, se ele não tivesse
segurando-a. Confusa, tentou entender o que aconteceu e porque fora jogada
daquela forma, mas fora neste instante, que ela viu Khalid defendendo-se de um
golpe de um desconhecido com uma adaga.
Um desconhecido que surgiu subitamente, completamente limpo e
parecendo descansado. Livre da fadiga de luta, ao contrário de todos ali. Em um
movimento rápido, Khalid se afastou, pois não conseguiria manter-se firme
apenas com uma adaga por muito tempo e o homem também se afastou, apenas
para vir com outro golpe, movimentando o corpo para que seu movimento com a
espada tivesse mais impulso. Deixando parte do corpo exposto.
Khalid aproveitou a abertura do ataque do homem, para jogar nele uma
adaga que empunhava em suas mãos, fincando em meio aos músculos. Em um
movimento rápido desviou do ataque do homem, enquanto sacava sua espada
sendo golpeado no braço. No entanto, para Khalid isso não importava, era uma
grande vantagem o ferimento que causara e assim podia equilibrar um tanto a
diferença de fadiga. Seu braço predominante teria ataques mais lentos, o homem
parou tentando tirar a adaga do braço, abrindo alguma distância entre os dois.
Khalid sacou a sua espada, pronto para continuar a luta.
Contudo, neste momento, Amira reconheceu o rosto do homem que
estava enfrentando Khalid. O homem que lhe entregara a carta mais cedo, sobre
o encontro com o Sultão na biblioteca. Quando Amira refletiu minimamente,
recordou que em momento algum usavam espadas contra ela e as crianças,
apenas as pegavam.
Ela foi uma isca! Pensou horrorizada. Amira levou o olhar para a
menininha, enquanto os sons de espadas se chocando ecoavam pelos seus
ouvidos por culpa dos dois homens que voltaram a se enfrentar. As crianças
foram uma isca para atraí-la e ela foi uma isca para atacarem Khalid!
Lágrimas se formaram no rosto de Amira que se debatia nos braços de
Jaffar.
— Khalid! — exclamou ela, enquanto tentava se desfazer dos braços de
Jaffar que eram muito fortes — Ele é o eunuco que me entregou a sua carta!
Amira sabia muito pouco de espadas, o que sabia aprendeu para dança e
o que espiava vez e outra, graças aos homens lutando, porém, de longe nunca
conseguiria ganhar de um homem devidamente preparado. Mas naquele
momento queria ela mesma cravar uma espada no coração do homem que lutava
com Khalid.
Os dois homens se afastaram em meio à luta acirrada, entre ataque e
defesa que os equiparavam. Khalid e o Eunuco se entreolharam, Khalid ofegante
devido à fadiga e o Eunuco suando devido à luta árdua e com o braço ferido
profundamente. Khalid não se recordava de ter entregado a carta para aquele
homem, o que significava que este homem conseguiu invadir o palácio e se
passar por um dos seus servos. Sentindo a fúria o consumir, pensando que mais
uma vez estava revivendo a situação de usarem as pessoas ao seu redor para
atingi-lo.
E só podia ser obra de uma pessoa… pensou culpando Kelebek.
Contudo, ele não poderia estar mais errado, ela poderia estar envolvida nisso,
mas não era um plano dela e isso se fez claro quando escutaram o riso do
homem.
— A promíscua flor do deserto, que tanto admiram está certa! — disse o
homem, parecendo carregar nojo e repulsa pela garota — Estou aqui para o seu
fim, pela glória de um bem maior e o fim do império militar!
Ele parecia orgulhoso e até meio louco, em seu fanatismo pelo que
empregava nas suas palavras, como se aquela ideia fosse a sua única motivação
de existir.
— Isso se você sair vivo deste lugar! — exclamou Khalid.
Uma facção religiosa?! Pensaram Amira e Khalid, ao mesmo tempo,
com raiva. Não tinha sido um ataque planejado pela sultana e sim por alguém
maior. Amira sentiu seu corpo todo tremer, pensando em mais um inimigo
realmente assustador e com poder de mover as coisas sem que fosse notado. Um
inimigo que não tinha rosto e que não poderia ser facilmente derrubado, não sem
provas ou um delato.
Mas quem? Poderia ser um líder ou um membro mais abaixo querendo
fazer uma revolução. Ou pode ser apenas uma forma de culpar outra pessoa e
confundi-los. Pensava a jovem rapidamente, tentando encontrar lógica em tudo
isso. Não tinha um caminho certo a seguir. Apenas restava uma coisa: Khalid
tinha que manter esse homem vivo para tentar tirar qualquer informação dele e
saber se realmente tinham coerência.
Khalid estava irado e mortal, sua frustração revelava-se em sua face de
forma aterrorizante como a própria ira encarnada. Havia sangue salpicado em
seu rosto e em suas vestes era escondido pela cor preta do tecido, acentuando a
imagem perigosa que o compunha. Khalid, sem prolongar mais a luta, mesmo
estando fatigado, deveria ser rápido. Em um raciocínio estratégico, se apressou
em colocar em prática o que já tinha aprendido com o inimigo diante de si.
Khalid respirou fundo controlando seus impulsos impensados e voltou a
ir contra o Eunuco, focando-se nele como um animal obstinado em sua presa.
Após tantos ataques e defesas nos movimentos da luta, Khalid encontrou uma
falha nos movimentos do homem e tirou proveito disto. Seus movimentos eram
bons, mas suas pernas eram muito lentas. Diante disso, encenou um ataque
direto e se esquivou no último instante, agachando-se no chão e golpeando suas
duas pernas com a espada.
O homem arfou, dando uma pequena distância, mas não o suficiente
para se safar do segundo movimento em sequência de Khalid, levantando a
espada em um ataque da esquerda para a direita em uma meia lua, decepando a
mão do homem que segurava a espada.
Khalid se levantou e disse olhando para o homem que urrava de dor
segurando o cotoco de sua mão e bambeando devido ao ferimento das pernas.
— A morte é algo muito bom, para alguém como você. Farei da sua vida
miserável, e útil, para mim.
Caiu no chão, Khalid o golpeou no rosto e então o homem desmaiou.
Amira estava estupefata com os movimentos ágeis de Khalid, sem fala,
pensamentos ou ações. Apenas encarando-o quando voltou a se levantar, embora
exausto ele parecia bem, mas Amira sentiu algo puxando suas calças e quando
desceu o olhar, vira a pequena menina agarrando suas pernas com medo.
Ela estava pálida, tremendo, em sinal de puro desespero. Amira soube
que Khalid virou o olhar em sua direção no instante seguinte devido ao encolher
do pequeno corpo da menina. Sentindo um instinto que desconhecia até então,
tudo se silenciou e apenas a menina parecia existir naquele momento, finalmente
se viu livre de Jaffar e se abaixou para a órfã. Com calma tocou a cabeça da
menina que tremia e falou baixinho:
— Se acalme, acabou. Tudo acabou. Este é o seu sultão, o homem que
nos defendeu e tudo ficará bem.
— Ele parece à própria morte… — murmurou a menina, Amira virou
seu olhar a Khalid que realmente estava assustador. Irado, irritado e dando
ordens aos seus homens que somente agora chegavam parecendo os encontrar
depois de todo o tumulto.
— Está tudo bem, às vezes, as pessoas fazem o que têm que fazer —
dizia Amira com uma calma que não sabia de onde vinha.
— Ele não é o meu senhor… — por fim, admitiu a menina escondendo
o rosto.
— Como assim? — questionou Amira e isso também chamou atenção
de Jaffar que se abaixou.
— Não somos daqui, minha senhora. Viemos de longe, de alguns
lugares diferentes. Os homens que estavam nos seguindo, eram mercadores de
crianças e chegamos à cidade apenas há alguns dias. Disseram hoje... mais cedo
que se fossemos bons, ganharíamos comida... Apenas tínhamos que ficar na
frente de um orfanato como se pertencêssemos a ele — falou timidamente a
menina chorosa.
Khalid viu seus outros servos chegando e deu-lhes rapidamente ordens e
instruções para conseguir seguir e resolver tudo ali da melhor maneira possível,
e também para levar o homem ao médico e que fizessem de tudo para que ele
continuasse vivo. Mas logo em seguida, viu Amira e Jaffar se encolherem ali e
falarem aos murmúrios com a criança, chegando a tempo de ouvir a última fala
da garotinha, por este motivo se juntou a eles. No entanto, pareciam tão absortos
no que ela falava que nem sequer prestaram atenção na sua aproximação.
— Você escutou algo daqueles homens? — questionou Khalid
aparecendo na frente deles abaixados.
A menina deu um leve salto, assim como os dois adultos, se
surpreendendo com o Sultão, enquanto a garotinha mantinha o olhar assombrado
em Khalid. Com o rosto coberto de sangue, os lábios cortados e o cheiro de
morte. Realmente Khalid passava uma imagem tenebrosa. O jovem sultão não
parecia se importar com o próprio estado, como se fosse habitual, enquanto
Amira e a menina olhavam para ele pálidas.
— Meu sultão, creio que o senhor esteja as apavorando — comentou
Jaffar, dando voz aos sentimentos das duas.
Dando-se enfim conta de seu estado, usando suas vestes superiores,
limpou-se e as tirou, jogando-as despreocupadamente no chão a alguma
distância. A menina que outrora era tão valente, por ora apenas chorava olhando
para Khalid, que voltou a abaixar-se e falou com a sua voz calma habitual:
— Criança, é de suma importância. Diga-me, você escutou aqueles
homens falando mais alguma coisa? Tudo que você puder falar, eu vou tentar
tirar o melhor proveito para fazer com que eles paguem. Aliás, você sabe para
onde as demais crianças podem ter ido?
Khalid não cansava de surpreender Amira, que nem sequer lembrava-se
das demais crianças com tantas coisas que aconteceram, mas ele não deixava
nada passar, mesmo não tendo o menor tato em situações como essa. Ainda que
ele fosse dócil com Amira na maior parte das vezes, naquele instante ele não era
o Khalid da Amira, era o Khalid o guerreiro, vingador… sultão e senhor de todo
seu povo.
A menina entre soluços meneou a cabeça.
— Não sei muito, só que aquele homem de branco, — apontou para o
homem caído no chão —, falou com os homens que nos sequestraram.
Um forte soluço a tomou e um choro muito sonoro ecoou, todavia, ela
continuou:
— Não sei onde os pequenos estão, estou com medo! Eles podem…
podem estar mortos!!! — A menina chorava muito, desconsolada.
Amira então entendeu, não era o medo de Khalid que atormentava a
criança, ao menos não apenas isso. Mas o fato é que estava preocupada com os
demais que ela protegeu mais cedo.
— Não iremos sair daqui da cidade até encontrarmos todos os órfãos,
está bem? Certo, Khalid? — disse Amira, consolando a menina levantou o olhar
para ele.
Khalid olhou Amira sério, mas por fim concordou. Amira se levantou,
no entanto, com seu tornozelo machucado como estava, assim que o fez tombou
para frente, caindo nos braços de Khalid. Amira sentiu seu coração disparar com
o susto e um grande alívio ao sentir o toque quente da mão dele que segurou-lhe
firmemente pela cintura, mas a surpresa foi maior quando, subitamente Khalid se
abaixou, pegou rapidamente nas pernas de Amira e levantou-se carregando-a nos
braços.
— Vamos, pequena prometida? — disse ele sorrindo, parecendo um
pouco mais com o Khalid que ela tanto amava.
CAPÍTULO 21

EXEMPLO: É A FORÇA MAIS PODEROSA DO SER HUMANO

O sorriso de Khalid era resplandecente, ao ver o rosto da sua amada tomado pela
cor avermelhada. E por aquele instante, a mente de Amira foi tomada apenas
pela existência de Khalid que, como sempre, causou agitação em seu coração
pela surpresa de sua atitude. Amira se sentia tímida e sabia que ele tinha
consciência disso. No entanto, Khalid sempre sentia um prazer infantil em
provocá-la e mimá-la. Porém, daquela vez, ele recorreu a este sorriso, para não
deixar transparecer a sua preocupação.
Era perceptível a olhos nus, que Amira estava com muita dor, com seu
rosto pálido e coberto de suor, mãos tremendo, olhos sem tanta vida, enquanto
fingia estar bem só para acalmar a menina e Khalid.
O jovem sultão quase pôde vislumbrar naquele instante em sua mente,
Ayla com uma miniatura dos dois em seus braços, sendo uma boa e zelosa mãe.
Por ora, ele não poderia ofertar aquilo a ela, e isso o deixava mal-humorado.
Contudo, longe daquele devaneio emocional, ele tinha que tratar os
ferimentos de sua Ayla, pois quando ela tropeçou, soube que eram seus pés que
estavam machucados. Mas quem a conhecia minimamente, sabia que a garota
não se permitiria ser cuidada, enquanto os seus homens procuravam pelas
crianças.
Com ela em seus braços, ao menos a dor seria mais tolerável.
— Khalid! Me coloque no chão… — sibilou ela, constrangida.
Amira mal o olhava nos olhos, constrangida com a sua fraqueza. Khalid
percorria com os olhos cada pequeno detalhe dela e ela em resposta, parecia
estar totalmente consciente que não era alvo apenas dos olhares de Khalid, mas
de todos ao redor. Fazendo-a sentir- se pequena, não por tamanho, mas por
existência.
Khalid a manipulou para o seu próprio bem, sabendo como estava sendo
teimosa mesmo ferida, trazendo-a para mais perto de si e aproximou a boca de
seu ouvido:
— Pequena prometida, veja a criança na qual você se apegou… —
murmurou Khalid, sabendo que assim ela não se forçaria por ora a andar.
Amira sentiu um arrepio percorrer fortemente o seu corpo, ao sentir a
respiração de Khalid próximo à sua pele. Ela prendeu a respiração, mas fez
exatamente o que ele ordenou e virou lentamente o olhar, em sentido à menina
que estava parada perto de Jaffar. Contudo, ela não esperava ver o brilho de algo
mais, a esperança que se revelava nos olhos da menina. Como se observasse algo
além de um homem com uma mulher nos braços, algo que transcende as
palavras existentes.
A menina não parecia mais assustada, na verdade, em meio aos seus
olhos brilhantes a pequena valente abriu um sorriso que aqueceu o coração de
Amira. Fazendo-a esquecer da sua timidez ou qualquer outra coisa menos
relevante. Algo como “Ele realmente é bom. Ele realmente se preocupa.”
Amira sentiu seu próprio sorriso se abrir também, não era a esperança
que brilhava, mas algo mais próximo de um futuro, algo além do que ela
imaginava existir. Um futuro que contrastava aos olhos dela de antes, onde só
existiam homens ruins.
— Viu? Ele não é malvado. Não comigo. Mesmo “eu” uma escrava, não
tão diferente de você... mas continue sempre alerta...— Amira disse à menina,
piscando em seguida — Está bem, você ganhou dessa vez...
— Não gosta de ser vista nos meus braços? — Khalid não resistiu em
provocá-la.
— Khalid! — Amira repreendeu-o em tom severo.
(...)
Com Ayla em seus braços, Khalid se virou de frente para os seus
homens. Seguindo com naturalidade, arrastou o olhar por eles e encontrou um
que não estava tão ferido. Ordenou a ele que retornasse ao palácio com as
seguintes palavras:
— Informe à sultana Nuray o que ocorreu, ela saberá o que fazer e
mande-a se encontrar conosco no retorno na parte da frente do pátio do palácio.
Ademais, encontre o médico, que deverá estar garantindo que o traidor não
morra, para que mande sua filha para cá — Khalid parou reflexivo, em um
silêncio misterioso e continuou num tom mais baixo e severo: — Me informe
rapidamente retornando, se algo estiver errado no palácio.
— Sim, vossa majestade! Irei agora mesmo! — respondeu o soldado, se
virando para partir rapidamente em direção ao palácio.
Khalid se virou para outro homem que estava menos ferido e ordenou:
— Procure por todos os médicos e pessoas com conhecimento sobre.
Reúna as mulheres do povo, toda ajuda será necessária. Vendedores e moradores
que estavam na área devem estar feridos. Leve alguns homens com você e
levantem uma tenda para poder separar os feridos dos demais. Além disso, os
corpos deverão ser recolhidos. O restante…
Amira não deixou Khalid terminar de falar, pois viu saindo do beco de
que saíra, os vendedores que se fizeram de escudo para que ela pudesse fugir
com a menina. Eles carregavam olhares preocupados, estavam feridos e como
não eram mais tão jovens, Amira sentiu o seu coração se apertar.
Amira ergueu a mão apertando um pouco as vestes de Khalid para
chamar sua atenção.
— Khalid, espere só um instante, por favor. Graças a aqueles senhores
pudemos fugir — confidenciou Amira, mostrando os senhores que tinham
chegado.
Entendendo a situação, Khalid foi em direção a eles em passos largos,
passando por Jaffar e os seus homens remanescentes. Os senhores, surpreendidos
ao reconhecer o seu sultão, baixaram o olhar e curvaram-se.
— Oh! Grandioso sultão, abençoado seja!
— Abençoados sejam os senhores… — disse Khalid colocando
cuidadosamente Amira no chão diante deles.
— Vieram, pois estavam preocupados conosco, certo? — disse Amira
bondosamente, se abaixando para pegar a mão de dois dos senhores — Honrados
senhores, lhes devo imensamente! Não existem palavras para agradecer.
Humildemente, Amira curvou-se respeitosamente a eles. Ela podia sentir
suas mãos ásperas pelo trabalho duro e sujas pelo próprio sangue. Eles soltaram
suas mãos da dela, dizendo que estavam com as mãos sujas.
— O que são mãos sujas, senhores, senão a prova de que são fiéis servos
de Alá, trabalhadores e honrosos? Que a benção de Alá recaia sobre vocês...
Lamento imensamente que se feriram no processo...
Eles pareciam maravilhados e ao mesmo tempo emocionados, com o
agradecimento humilde da garota, que agora tinha grande parte dos seus longos
cabelos negros caídos para fora da vestimenta masculina. Dando-lhe um ar
desleixado, mas incrivelmente belo e surpreendentemente delicado.
— A flor do deserto, Amira! É a concubina do nosso sultão, não deve
nos agradecer! — respondeu o mais velho dentre eles.
— Tocou-me profundamente a ação dos senhores. Não é o suficiente,
mas… — disse Khalid que tomou a frente, tirando de suas vestes dois sacos de
ouro e lhes entregando — Com essa humilde oferta, poderão restaurar suas
barracas e suas mercadorias. Se necessitarem de mais alguma coisa, podem falar
diretamente com o Grão Vizir Jaffar… Estamos em débito.
Enquanto Khalid dizia, segurou Amira, lhe dando suporte para continuar
em pé e deu visão a Jaffar, que estava com a menininha e os cumprimentou em
silêncio.
— A menininha… — comentou um dos vendedores, reparando-a.
— Sim, ela e outras crianças estavam com mercadores. Elas foram
usadas em uma emboscada — disse abertamente Amira, surpreendendo os
homens. Afinal, politicamente falando, quando ocorriam coisas desse tipo, a
situação era abafada para que o povo não ficasse admirado e inseguro — No
momento da luta as demais crianças que vieram com ela, se espalharam e
estamos procurando-as. Se os senhores puderem nos ajudar a procurá-las
também. Conhecendo tão bem a cidade…
Compadecendo da sinceridade e preocupação de Amira, viram-se
motivados a ajudar. Enquanto murmuravam que era um absurdo, uma
emboscada para líderes e senhores tão bons, preocupados com seu povo. Que os
traidores mereceram suas mortes. De boca em boca a conversa foi se espalhando
e o povo de cada canto da cidade logo saberia que “o seu senhor apaixonado por
sua senhora, tinham saído em um passeio e pessoas ruins que não suportavam o
bom sultão e sua bondosa favorita, fizeram uma emboscada envolvendo até
mesmo crianças.” Assim como todos, procuraram as crianças em cada canto,
dentro de suas casas, nas ruínas que um dia foram suas tendas e até mesmo nos
galhos das árvores. E surpreendentemente, cada criança foi encontrada com não
mais que alguns arranhões e assustados.
Quando todas as crianças foram reunidas na tenda erguida anteriormente
para os cuidados médicos, Jaffar soltou a menininha que foi correndo ao
encontro das demais. As abraçando, virando um bolo de crianças chorando.
Assim, Khalid foi forçado a permitir que Amira, mesmo mancando, fosse até
elas para tranquilizá-las.
Todos conseguiram ser cuidados, inclusive Amira, esta que era tratada
pela filha do médico do palácio que já estava ali há algum tempo. Amira teve
uma torção agravada pela corrida e esforço. Por este motivo estava com o
tornozelo inchado e dolorido, mas tranquilizou-se sendo informada que logo
estaria melhor. Khalid também teve que ser tratado, mas só o aceitou após que
todos, até mesmo os humildes moradores, tivessem terminado de serem
cuidados.
Quando todos estavam bem, Khalid subiu em uma caixa de madeira.
— Silêncio todos, o seu sultão irá falar! — exclamou um dos soldados.
— Meus honrosos súditos! Irei me responsabilizar por toda a ajuda para
restaurar tudo que foi perdido. No entanto, visto que todos passaram por
cuidados médicos, irei retirar-me por hoje, com a minha favorita e levarei as
crianças conosco. Mas meus servos que não estão feridos continuarão aqui, sob o
meu nome para auxiliá-los em tudo que for preciso. Sinto muitíssimo, que por
infortúnio sofreram pelos corrompidos pela ganância, que ainda existem por
estas terras. Juro pela honra de minha família, que eliminarei esta peste que
atormenta as nossas terras.
Tão logo que ele terminou de se pronunciar, um dos seus servos se
aproximou com um cavalo. Ele desceu de sua caixa e se encaminhou para
Amira, passando pelas pessoas. No entanto, sem aviso prévio, se abaixou e
inesperadamente a pegou nos braços. Erguendo-a com facilidade, causando uma
exclamação de surpresa em todos.
— Crianças, sigam-nos — informou Khalid a elas, que se levantaram
rapidamente sob a ordem, obedientemente.
Caminhou com Amira em seus braços até o cavalo e a colocou sobre ele,
sentada. Ela não sabia o que falar a Khalid, tamanha a sua surpresa. Não sabia se
ele achava que era uma boneca para manipular seu corpo como fosse sua
vontade, ou se ele a achava incompetente até mesmo para simplesmente andar.
Ela queria brigar com ele, mas não poderia fazê-lo neste momento.
Contudo, se viu em um conflito de emoções, quando ergueu o olhar ao
povo e viu sorrisos. Mais que isso, Amira tinha certeza que todos os homens da
cidade, moradores ou estrangeiros, queriam maridos para as suas filhas que as
tratassem com tanto zelo quanto Amira era tratada pelo homem mais poderoso
do império.
As mulheres não esperariam menos que isso de seus parceiros.
Amira até queria se sentir tímida, mas ao mesmo tempo, sentia até um
tanto de graça. Pois com o honroso exemplo de homem que Khalid era, Amira
pôde ver por cima algumas mulheres olhando de soslaio seus maridos.
(...)
As crianças foram levadas ao palácio, em carruagens junto com Jaffar
que os seguia a cavalo enquanto Khalid estava com Amira em um único cavalo.
Rapidamente chegaram à entrada do palácio e foram recebidos por Nuray junto
com vários criados. Ela que veio ao encontro deles, preocupada como se fosse
realmente a mãe de ambos.
— Por Alá! O que se passava na cabeça de vocês para saírem às
escondidas?! — reclamou ela — Mas fico aliviada que retornaram com apenas
alguns ferimentos…
Khalid desceu do animal e então ajudou Amira a descer também, mas
quase imediatamente, um criado se aproximou e murmurou algo a Khalid que
pareceu ficar furioso imediatamente — Terei que ir imediatamente, sinto muito
não poder ficar mais. Nuray, confio Amira e as crianças a você.
— Sim, meu sultão — confirmou ela se curvando.
Khalid virou-se para Amira, se aproximou e tocou levemente com os
lábios na testa dela. Então em um rompante furioso, se virou para ir para dentro
do palácio interno. Parecendo uma tempestade de areia no deserto, vestido em
fúria, com seus passos largos e rápidos, sumindo rapidamente da vista. Amira
apenas seguia-o com os olhos, preocupada com o que quer que viesse a ter
acontecido e Nuray seguiu o olhar da jovem. Achando agradável ver o elo que
eles tinham.
— Então… — começou Nuray — Onde estão as crianças?
— Oh! Sim — disse Amira, despertando do devaneio — Estão na
carruagem.
Amira foi mancando até a carruagem, enquanto os criados abriram o
caminho e parou diante das crianças às oferecendo a mão. A primeira a sair, foi a
pequena valente, arrancando um sorriso de Amira ao segurar sua mão e chamar
as demais.
Jovens meninas e meninos, muito pequenos. Com seus cinco, seis e até
sete anos encheram os olhos de Nuray que se viu encantada com as crianças.
Uma vez que fazia muito tempo que não via uma. Apressadamente se juntou a
Amira e se apresentou às crianças, mas ao ver que a menina não desgrudava de
Amira, Nuray sorriu e perguntou:
— Pretende adotá-la? — falou baixo Nuray, enquanto caminhavam junto
com as crianças e os criados em direção ao palácio.
A menina estava próxima o suficiente para ouvir e abriu um largo
sorriso, chamando a atenção das duas. Mas surpreendentemente, tão rápido
quando o seu sorriso veio, a pequena olhou para trás e então seu sorriso morreu.
— Não gostaria que eu lhe adotasse? — perguntou Amira.
— Não é que eu não gostaria, mas… por tanto tempo estive com as
outras crianças. Estou em um lugar em que te conheço, mas eles só conhecem a
mim… Não me sentiria bem, em uma vida confortável longe deles.
Amira se lembrou das vezes que apanhou, das chibatadas e das imagens
das meninas encolhidas chorando e como elas se recuperaram rápido, e foram
ingratas, em silêncio, Amira se sentiu amarga. Mas admirava o bom coração da
menina, não queria que aquelas outras crianças se tornassem aquelas que lhe
viraram as costas...
Já sei! Pensou ela de súbito.
— Podemos fazer assim, vocês ficarão aqui no palácio por um tempo no
harém. Podem, Sultana Nuray?— questionou Amira.
— Claro, querida. Isso foi planejado — respondeu tranquilamente.
— Mas... Não quero que sejam forçados a se tornarem escravos ou
servos por falta de opção. Darei a todos a chance que me foi dada. Estudo. Não
preciso de todo o ouro e tantas vestes que tenho. Quero eu mesma custear isso…
— disse Amira parando e olhando para a pequena, se abaixando e ficando da sua
altura — Construirei um lugar onde vocês poderão viver, poderão estudar, e se
tornar servos do palácio se desejarem, mas que se quiserem se tornar
mercadores, viajantes… poderão. Terão que estudar outras línguas, etiqueta,
política, dança, música, modos, se alimentar bem. Além disso, rezar bastante
para ter a certeza que Alá abençoará o caminho de vocês. Acha que você e as
demais crianças podem fazer isso?
— Sim!!! — respondeu ela animada pulando feliz, exatamente como
uma criança deveria ser.
Nuray em silêncio, olhava Amira, abaixada olhando para a menina, uma
futura sultana. Humilde e de coração bom. Nuray via neste momento, um futuro
brilhante e grandioso, que ela gostaria de ver com seus próprios olhos. Por isso
tossiu para chamar alguma atenção e disse:
— Se me permitirem, também quero participar disso. Posso doar mais
ouro, conseguir professores e organizar tudo isso. Em um futuro, não terei mais
muitas funções e encargos aqui no palácio.
Amira se sentiu ansiosa com a perspectiva de ter uma pessoa tão boa,
responsável e com tanta sabedoria para ajudar. Era empolgante ter uma
perspectiva mais sólida de um bom futuro para essas crianças. Entretanto, no
momento em que ela levantou o olhar para a sultana Nuray no intuito de
agradecer empolgada, viu um rosto lamentavelmente familiar.
Said!
Surpresa com a súbita mudança de expressão de Amira, Nuray se virou
para ver o que tinha feito o rosto de sua querida menina perder a cor tão
subitamente e ganhar um brilho de raiva. Por infelicidade, o homem entrou no
palácio antes que Nuray pudesse ver quem era e ela retornou o seu olhar à jovem
Amira para perguntar abertamente:
— O que houve?
— O homem que me criou…
— Ah! Diz sobre essa pessoa? — parecia sem graça — Ele chegou um
tempo depois que vocês "fugiram". E bom, o Khalid mandou chamá-lo, dizendo
que estava muito feliz com você e que pretendia dar uma esposa a Jaffar. Queria
que ele viesse e trouxesse as mulheres disponíveis...
O rosto de Amira perdeu ainda mais a cor se isso era possível.
— Khalid fez o quê?!
A pequena menina ficou surpresa, mas Amira respirou fundo, tentando
conter-se. Virou para a pequena e falou calmamente:
— Pode ficar com a Nuray um pouco? Ela cuidará bem de você assim
como cuida de mim, a tomo como uma mãe querida que Alá me trouxe após ter
perdido a minha… — A menina movimentou a cabeça.
Amira se levantou de um rompante e até mesmo esqueceu sua dor no pé,
ela tinha que encontrar Khalid e saber o que ele estava planejando com essa ideia
absurda. Negando-se a acreditar que o que a Sultana disse era verdade. Khalid
sabia a verdade, ela tinha lhe contato e ele compraria outras como ela?
Por um segundo o pensamento lhe passou pela cabeça. E se ele estivera
mentindo? E se ela não fosse o bastante? Ele já tinha enjoado dela? Mesmo com
todo cuidado que tinha com ela? Eles ainda não consumaram a união, será que
não a via como mulher e apenas como Ayla?
Pensamentos inconstantes e rápidos vinham à mente de Amira,
buscando uma resposta razoável pelo comportamento de Khalid.

Horas antes...
Said, quando chegou ao palácio com suas mulheres, esperou ser muito
bem recebido. Afinal, tinha vendido ao sultão a sua melhor obra prima. Tamanha
a sua perfeição que o falecido sultão se dedicou a salvá-la e o seu herdeiro a
tomou para ele. Mas o jovem sultão parecia ocupado, suas mulheres foram
levadas a um lugar mais confortável do outro lado do palácio enquanto ele ficou
em um aposento à espera do encontro com o homem.
A princípio, disseram que ele e o grão vizir estavam ocupados
resolvendo algumas coisas por isso da demora em recebê-lo. Contudo,
aparentemente um Imã também estava à espera de encontrar o sultão e fora
pedido para ele aguardar na mesma sala que Said. O que instigava Said era o que
o sultão poderia estar fazendo, uma vez que o grande vizir geralmente se
encarregava de fazer.
O Imã foi respeitoso com Said e o cumprimentou, conforme entrava e se
sentava. O Imã era um homem idoso, mas que carregava consigo uma grande
confiança, sem tremer seu corpo ou mostrar fragilidade que os idosos geralmente
traziam consigo, ao mesmo tempo em que portava uma grande tranquilidade.
Eventualmente, como qualquer pessoa de sua idade, acabou puxando
alguma conversa com Said. Falando do dia, do tempo e até mesmo que estava
muito feliz pelo novo sultão, mesmo que por todos ele fosse conhecido como um
grande tirano por eliminar os traidores, maus e corruptos. E bondoso senhor
preocupado com o seu povo a todo custo.
Com as palavras do Imã, Said sentiu o seu sangue gelar em suas veias.
Pois o jovem era diferente de seu pai, o antigo sultão. Onde uma bela mulher
perfeitamente decorada e famosa seria o suficiente. Com a sua sede por justiça,
poderia ele apenas ter o chamado aqui para poder condená-lo à morte?
Questionou mentalmente. Afinal, marcas fazem-se visíveis no corpo de Amira.
No entanto, a fala do imã não passou alheia às preocupações de Said.
— O único lamento é que o sultão se viu apegado a uma única mulher
— confidenciou, lamentando um tanto — Ele deveria ter um grande harém de
mulheres férteis, para poder ter muitos herdeiros. Dentre todas as mulheres, ele
escolheu a “flor do deserto”, no qual ele é devoto. Mas é inegável, ela é muito
querida por aqui, pelos criados, pelo povo e por todos com o seu bom coração.
Said não conseguia assimilar a jovem Amira à uma bondosa mulher.
Não aquela mulher com fogo nos olhos de gelo. Tempestuosa e geniosa, teimosa
e absolutamente orgulhosa. A criança mais forte que um dia Said já viu e que
inclusive o seduziu na sua força contida em seu pequeno corpo. Mas de tudo que
o velho senhor dizia sobre ela, deixava claro que tinha algo de errado naquele
local. Se Khalid era o sultão, apenas poderia ordenar a sua execução. Não
precisaria chamá-lo aqui. A não ser que o que o esperava fosse pior do que a
morte. Em todo caso, Said não se sentia seguro ali.
O homem deu uma desculpa que precisava urinar e chamou um criado
para que pudesse o levar até lá. Despediu-se do Imã, que apenas o cumprimentou
com um sorriso gentil. Said não tinha percebido, mas no instante em que ele se
levantou para sair agitado se fez um brilho satisfeito nos olhos do velho homem.
O Sheik seguiu o criado, que o instruiu, fingiu ouvir até ver a sua
oportunidade de fugir. Em meio às suas andanças, viu que tinham poucos
soldados ao longo do palácio e os que estavam pareciam todos agitados, os
criados falavam rápido e caminhavam para o outro lado do palácio.
— Sua majestade o Sultão e a sua favorita fugiram do palácio... — foi o
grupo de palavras que Said escutou de alguém falando em uma sala.
— Sim, e de todos os momentos, eles foram atacados neste passeio!
Parece que logo retornarão com visitas, foi o que a sultana Nuray disse.
Devemos nos apressar, parece que crianças estão envolvidas.
E nesta curta conversa Said soube que era mentira sobre o sultão estar
ocupado com seus deveres do sultanato. E ele não parecia diferente de Amira, se
ambos fugiram de dentro do palácio, já que aquela garota não era facilmente
contida, sempre fazendo o que queria e desafiando-o arrogantemente.
Said teve certeza de que o seu chamado ao palácio, foi para encontrar a
sua morte. Sentindo a raiva fluir por todo o seu corpo, o anseio de pegar Amira
pelo seu fino pescoço e a enforcar até ver a vida deixar seus belos olhos, fora
imenso. Se ela malditamente mantivesse aquela língua parada e obediente, Said
não teria tantas dores de cabeça. Se ele soubesse que o antigo sultão faleceria tão
logo a chegada dela ao palácio, as coisas seriam diferentes.
Maldição! Pensou Said refletindo para que lado iria, como fugiria e que
teria que abandonar todas as mulheres que trouxera, o que lhe renderia o
suficiente para uma vida confortável. Ao mesmo tempo em que tinha certeza que
antes de fugir, encontraria a oportunidade de fazer aquela que ele tão
rigorosamente criou, pagar.
Conseguiu descobrir o caminho à frente do palácio seguindo os criados e
em dado momento, acabou andando mais do que deveria. Pois assim que estava
caminhando, seus olhos encontraram os de Amira. E ele viu em seu rosto o
espanto se converter em uma latente raiva. E Said voltou a se esconder. Havia
muitas pessoas ali, e ele tinha que pegá-la separada deles. Contudo, conhecendo-
a, sabia que logo ela viria atrás dele.
(...)
Amira rapidamente andava pelo primeiro e segundo aposentos que ela
entrou, passando por alguns guardas remanescentes. Ordenando que queria falar
com o sultão imediatamente e que fossem o informar. Sentindo o calor emanar
por todo o seu corpo, a jovem seguiu andando sem nem sequer olhar para os
lados.
Said estava aqui! E estava vagando pelo palácio confortavelmente!
Como no mundo Khalid permitiria algo do tipo? Pensava Amira rapidamente e
furiosa, com sua cabeça pulsando de dor devido tamanha a raiva. No entanto, em
uma das curvas que ela tomou para ir ao corredor, sentiu a mão de alguém
subitamente a puxando para a penumbra de um canto escondido. Seu coração
refreou suas batidas, seu ar lhe faltou, o sangue gelou e embora estivesse
acostumada com os sustos de Khalid, se fosse ele novamente ela o chutaria entre
as pernas. Porém, quem a tinha puxado não fora Khalid, mas Said!
Amira arfou surpresa, mas se debateu, lutou mesmo que a dor voltasse,
mesmo com os músculos cansados. Olhar Said tão de perto a enchia de uma
energia vinda da raiva e da ira crescente. As mãos do homem a seguravam com
firmeza e força, erguendo-a levemente do chão.
— Said! Maldito! Tire as mãos de mim imediatamente! — exclamou
ela, raivosamente.
— Todos estão ocupados com o seu senhor, o Sultão! Ademais tem as
tais crianças que você trouxe. Parece que continua se preocupando com pessoas
que nunca vão valorizar nada que faça. Mas disto, acha mesmo que alguém vai
reparar o seu desaparecimento em meio a todos os problemas que estão
acontecendo aqui? Fui os ouvidos desse palácio por um curto tempo, e acha
mesmo que alguém ouvirá e virá ao seu socorro?!— disse Said um tanto louco,
sorrindo.
Amira ouviu a lógica em suas palavras e um medo enorme se formou em
suas entranhas em uma bola crescente e esmagadora. Como um animal
encurralado, tentou chutar e lutar com as pernas, no entanto, não tinha
sustentação suficiente para isso. Uma vez que ele a deixou levemente na ponta
dos pés.
Se divertindo como um gato encurralando um rato, Said a olhou
descendo o olhar por seu corpo, notando que ela vestia vestes masculinas e
sorriu achando graça.
— O seu sultão é diferente, vestindo sua concubina de homem. Mas
inesperadamente não ficou menos bonita, só é lamentável que suas curvas todas
estejam escondidas por esses tecidos... — falou lascivamente Said, como sempre
fazendo Amira sentir ânsia e mal estar com as suas palavras asquerosas.
No entanto, o humor cessou quando ele estreitou os olhos raivosamente
para Amira.
— O que você disse ao Sultão, vagabunda?! Parece que não lhe causei
dor suficiente enquanto se tornava quem você é hoje! Devo lhe lembrar, que
quem você é, foi graças a mim? Deveria ter arrancado a sua língua e dizer que
quando a encontrei já estava sem!
Amira estava aterrorizada, mas não conseguiu evitar a ironia. O homem
que por toda a vida dela se achava o dono do mundo, inteligente e intocável, não
era tão seguro de si assim. Perto de Khalid, ele parecia não mais que um
covarde.
Amira, com os lábios trêmulos sorriu, mesmo que a vontade de chorar
fosse igualmente grande.
— Claro, está com medo de Khalid! Este é o seu desespero! Ele é um
homem melhor que o sultão anterior. Se me machucar, ele irá atrás de você…
Deveria ter pensado nisto antes de me vender — disse Amira em um riso
nervoso, um misto de emoções que a fazia sentir-se louca.
— Maldita! Ele não poderá fazer nada comigo, se não descobrir que fui
eu que fiz. Até onde eu percebi parece que vocês recebem ataques… Para
acreditar que foi só mais um e se eu quisesse, inclusive poderia deflorar-te
agora… Amira.
Trêmula, Amira via desejo nos olhos do homem. Desejo carnal e o claro
desejo de matá-la. As emoções que isso provocava eram atormentadoras. A mera
existência deste homem a assustava e enraivecia. Quanto mais ele falava, mais
perto dela ele ficava e ela, num ato desesperado, tomou proveito disso, para lhe
dar uma cabeçada em seu rosto. Atordoando-o, ao ponto de soltá-la.
Amira ficou levemente zonza, mas ainda assim se esforçou para se
manter em pé apoiada na parede. Precisava achar um soldado, achar Khalid e
pedir por ajuda, mas sendo tocada por Said daquela forma ela não poderia ser
vista. Seria mal interpretada.
Ela tinha que fugir para sair do campo de vista de Said e assim que seus
pés tocaram o chão, ela se virou e saiu correndo pelo saguão freneticamente.
Said começou a correr atrás dela e Amira ofegante, viu por um instante uma
entrada que reconheceu por um momento ter passado por ela junto com Khalid.
Virando a sua corrida e indo em direção à ela, Said não estava ferido ou
fadigado, corria mais rapidamente e o desespero de Amira crescia. Ele quase a
alcançou e pegou pelos longos cabelos para derrubá-la, no entanto, o mesmo
pegou poucos dos fios de seus cabelos estourando facilmente.
Assim que estava quase alcançando a passagem secreta localizada atrás
do tapete que estava pendurado, Amira sabia que se estivesse certa, pouco depois
dali havia uma bifurcação e assim ela poderia ganhar algum tempo para fugir
antes que Said soubesse para qual lado ela tinha ido. Mas ela teria que passar
pelo pesado tapete, para poder entrar na porta, precisava de tempo e o este era
curto.
Então ela teve uma ideia, lembrando-se dos senhores da cidade, parou de
correr e se abaixou. Fazendo com que Said tropeçasse sobre ela e fosse de cara
ao chão, machucando-se no processo. Antes que ele levantasse a cabeça, Amira
se esforçou e levantou em um impulso pulando sobre Said e fazendo com que ele
voltasse novamente, com outro golpe ao chão.
No calor do medo e do desespero, o sangue de Amira pulsava rápido.
Sem sentir tanto o impacto do que fazia, ela se sentiu satisfeita por segundos
antes de sair de cima dele e para ir à entrada da passagem. No entanto, o golpe
não foi tão forte quanto ela esperava. Pois quando saiu de cima dele, ele
conseguiu segurar seu tornozelo ferido.
Só com a pressão Amira quase gritou a plenos pulmões, tamanha fora a
dor e o seu reflexo foi simplesmente chutar o rosto do homem para se livrar da
sua mão, golpeando o seu nariz e quebrando-o. Mancando devido ao ferimento,
com o sangue já não tão quente e sem conseguir ignorar a dor, foi em direção ao
tapete puxando-o e abrindo-o para entrar na passagem. Seguindo o breu do lugar,
tocando as paredes, até chegar à bifurcação. Pensando que o homem apenas
seguiria as paredes, sem saber da bifurcação, ela tomou o outro caminho.
Percebendo que ele levava à uma parte alta, subindo degraus. Com a respiração
oscilante, cansada e ofegante.
Amira estava erguendo o pé para subir mais um degrau quando seu pé
fraquejou e ela foi de encontro ao chão fazendo barulho e se machucando ainda
mais. A jovem sentiu suas lágrimas quentes de desespero rolar pela sua face,
pouco antes de voltar a tentar se levantar.
Fugir, ela tinha que fugir. Ele provavelmente sabia onde ela estava
agora.
CAPÍTULO 22

HERÓIS: NEM SEMPRE SÃO AQUELES QUE SALVAM O DIA,


POR VEZES ELES CHEGAM ANTES DO PIOR

A mira sentia sua coragem como cacos de porcelana espalhados pelo chão.
Sentia-se fraca e machucada, com ódio e com vergonha de sua própria
incapacidade de lutar com o homem que tanto repudiava. Socou o chão,
estressada e cansada, ponderando aceitar a morte lamentável que a esperava.
— Alá... — murmurou ela, num tom baixo.
Pouco antes de um soluço frustrado escapar pelos seus lábios, enquanto
ela se levantava, apoiando com o seu pé bom no chão, retornando a subir os
degraus. Recordou tudo que já viveu, o quanto sobreviveu e que era imperioso
que ela sobrevivesse. Seria vergonhoso morrer de forma tão tosca nas mãos de
Said.
Queria ao menos viver até ver esse homem que a perseguia morto e
sentir-se vingada.
Até Khalid concluir seus planos e expurgar o mal desse lugar.
Ao menos ver aquelas crianças em segurança e…
Dizer que amava Khalid.
Passo ante passo, degrau após degrau, Amira seguiu andando até
encontrar uma pesada porta e a empurrou, com dificuldade, forçando ainda mais
seus músculos já doloridos e esgotados, e então, quando conseguiu abrir a porta,
uma lufada de ar a golpeou. Não era o vento fresco do lado de fora, mas era de
um lugar familiar. No entanto, fatigada como estava, apenas entrou e tentou
fechar a porta atrás de si. Porém, uma mão na porta a impediu que conseguisse
concluir a sua ação.
Said tinha aparecido, enfiando a sua cara feia na parte aberta da porta,
com a sua enorme cicatriz em seu rosto causada por ela. Ele estava tão próximo
de Amira que a surpreendeu.
— Maldição! — exclamou ela, ao se afastar da porta, assustada.
Observou ao redor para tentar fugir, mas o espaço era pequeno, parecia
algum tipo de sacada e existia apenas uma saída: uma escada à sua direita.
Tentou descer, mas o homem não permitiu. Agarrando-a pelos seus
longos cabelos soltos, fez com um solavanco que ela se inclinasse para trás. Ele
a puxou mais para perto de si, aproximou sua boca de sua orelha e disse:
— Acreditou mesmo que poderia fugir de mim? — indagou ele ao
colar seu corpo já excitado no dela, descendo a cabeça ao ombro de Amira e o
cheirando. Deslizou a face lentamente até chegar ao vão entre seu ombro e
pescoço, pousando um beijo ali.
Amira sentiu um arrepio tomar seu corpo de puro asco e nojo, quando
ele inclinou o rosto dela em sua direção, como se fosse tomar-lhe os lábios.
Amira, desesperada por safar-se das garras do homem, lhe deu outra cabeçada no
nariz, e dessa vez, o sangue dele escorreu quase que instantaneamente, fazendo-o
soltá-la, ao mesmo tempo em que exclamava a sua dor.
A garota gritou e viu-se caindo, pois além de soltá-la, ele a empurrou
para longe de si. Por segundos sua cabeça parecia ver a cena lentamente, indo ao
encontro da quina do degrau com o seu rosto, para então rolar pelo resto da
escada até a sua base. Seu coração doía no peito, diante da perspectiva de tal
coisa. No entanto, por sorte, ela conseguiu evitar ao se segurar no corrimão.
Suspirou, mas o seu alívio durou pouco, pois em sequência, ouviu
grunhidos animalescos acompanhados pelo som de correntes sendo arrastadas
pesadamente, que fizeram seu sangue gelar em suas veias.
O tempo pareceu ficar lendo novamente, seu olhar se virou para o lado e
encontrou o do grande felino. Agora desperto, de pé e a olhando diretamente nos
olhos. Ela se viu submetida a um terror sem igual, como se sua vida pudesse ser
perdida em um único movimento. Ele deu um passo em sua direção e as
correntes voltaram a fazer barulho, chamando a sua atenção.
Com seu corpo ainda enrijecido pelo pavor, Amira só se deu conta que
Said tinha se recuperado, ao ponto de voltar a atacá-la, quando sentiu sua mão
tocar o ombro dela, despertando-a do seu torpor e a trazendo a realidade, ainda
que sua primeira reação houvesse sido se impulsionar para trás, a fim de ficar
longe o máximo possível do leão. Ao lançar o seu corpo para trás, porém, ela
acabou se jogando em Said, que sofreu um golpe que não esperava, batendo suas
costas e cabeça na parede atrás deles.
Said estava confuso e desnorteado por causa da pancada. Em seguida,
seus olhos se arregalaram ao se dar conta do leão. Naquele instante, Amira viu
uma chance de sair daquele local, voltando a correr em direção à porta.
Mas o insistente homem, não desistiria tão fácil de sua presa. Said
recuperou-se rapidamente do choque ao ver as correntes presas ao animal,
apressou-se atrás da moça ferida. Ela mal tinha adentrado no breu, e então
bastou um esticar de braços para ele conseguir alcançá-la, agarrando-a pela
roupa.
Amira se debatia, e impaciente Said a puxou em um solavanco, trazendo
o corpo dela contra o seu novamente. Porém, ela não parou de lutar contra ele,
completamente inquieta, fazendo-o desequilibrar-se e encostar-se à sacada que
estava a alguns metros de altura do leão.
— ME SOLTE! BASTARDO, NOJENTO E INFELIZ! DEMÔNIO! —
exclamava a garota.
E ele a soltou, sim, apenas o suficiente para girá-la em um rompante e
colocá-la de frente a ele. Assim que o olhar de Amira encontrou com o do Said,
sua raiva e pavor, tudo o que sentia ao mesmo tempo, fizeram com que ela o
atacasse com as unhas na face. O arranhando, batendo e socando
desesperadamente. Dando vazão aos seus instintos mais primitivos, até mesmo,
chegando ao ponto de abaixar a cabeça para morder a mão do homem.
Said arfou com a dor da mordida da garota. Furioso, ele segurou com
mais firmeza o braço da mesma, torcendo-o e a sacudiu.
— PARE DE LUTAR! — exclamou tão alto que a garota estremeceu —
OU EU VOU REALMENTE TE MOSTRAR O QUE É DOR!
Amira engoliu em seco, mediante o olhar macabro do homem. Contudo,
era nítido no rosto dele, que independente do que ela fizesse a sua intenção era
apenas uma.
— A quem você quer enganar?! — indagou ela, se recuperando do grito
que ele deu. Com a mão livre, o empurrou para longe de si. Fazendo-o se
inclinar no peitoril da sacada, chamando mais a atenção do leão que grunhia
mais alto — Você vai me matar de qualquer forma, o motivo de você estar aqui
foi esse, não é? Seu bastardo nojento!
Amira cuspiu no rosto do homem, o olhando com escárnio. Said em
resposta, a soltou, estapeou com força o seu rosto, fazendo-a inclinar-se para o
lado e a empurrou contra a porta em sequência. Onde ela bateu as costas com
força, arfando e ele impiedosamente foi para cima dela, pegando-a pelo pescoço
e então, rosnou enquanto falava:
— Você continua selvagem, animalesca e com instinto tolo de um
animal acuado. Tentando se fazer de valente diante de alguém maior que você.
Mas, desta vez tem mais confiança do que antes… e acho que é por que tem a
ilusão que será salva por Khalid…
E então o sorriso de Said fora cruel.
— Você vai morrer na ponta da espada de Khalid! — disse Amira com
dificuldade, tentando soltar a mão de Said de seu pescoço, debatendo-se.
— Eu morrer? Até posso… — disse ele se aproximando dela e
murmurou: — Mas antes vou me divertir com você. Além disso, você realmente
acha que ele vai te salvar? Quando seu sultão encontrar seu corpo devorado por
esse leão, ele apenas vai colocar outra no lugar.
As palavras de Said foram mordazes e acertaram Amira como um golpe
forte no rosto. Com esforço, ela parou de tentar tirar a mão de Said do seu
pescoço e ergueu as mãos, se agarrando à porta cheia de ornamentos, sustentou o
seu corpo e o levantou o suficiente para encolher as pernas e chutar com força a
barriga de Said.
Este que a soltou de imediato, enquanto cambaleava para trás. Dessa
vez, tomada pela ira, avançou empurrando-o com força para o peitoril, fazendo
com que ele se inclinasse perigosamente, quase caindo. Apesar disso, por
instinto Said agarrou Amira para não cair, levando-a junto.
Ao mesmo tempo, o leão ainda insistindo em se soltar das correntes,
atiçado de um lado para o outro, rugindo e fazendo força, acabou por afrouxar a
corrente da parede a cada investida. Até que, o animal conseguiu se soltar e de
imediato, foi correndo na direção deles. Embalado e em alta velocidade, para
então saltar e tentar alcançá-los. Por pouco quase os alcançou, quando desferiu
uma patada forte e feroz no peitoril. Os assustando e os desequilibrando.
Said caiu e a puxou, levando-a consigo. Amira, como se previsse o que
iria acontecer e como iriam morrer, apenas fechou os olhos como se pudesse
evitar ver o seu próprio fim. No entanto, por desejo do destino, sua morte não
aconteceria naquele instante, pois uma mão forte a agarrou pela cintura,
surpreendendo-a.
Amira ficou parcialmente caída para fora do peitoril, de cabeça para
baixo, enquanto Said que estava completamente fora se segurava em seu braço.
Seus olhares se encontraram surpresos, antes mesmo dela se dar conta que era
Khalid a segurando pela cintura, impedindo que a outra parte do corpo dela
passasse para o lado de fora do peitoril.
Ela virou seu olhar para cima e viu Khalid.
— Socorro!!! Me salva! — exclamou, com os olhos marejados,
desesperada vendo em Khalid uma chance de sair dali.
Arfante, claramente cansado e com o seu suor gotejando pela sua face.
— Ayla, vou te tirar daí! — gritou Khalid tentando a puxar, mas com
Said segurando o braço dela, era muito pesado.
Ela gritou de dor, pois o seu braço foi deslocado na queda do infeliz que
a arrastou junto.
— Não te soltarei! — insistiu Khalid — Eu estou aqui com você.
Com o leão lá embaixo, pulando tentando alcançá-los, Amira queria
apenas se sentir aliviada, mas não conseguia. Ademais, ela quase estava
perdendo a consciência devido à dor de seu braço, quando viu um punhal na
parte interna da roupa de Khalid, próximo ao seu peito.
Se ao menos pudesse, se conseguisse... Pensou, com o corpo ficando
esmorecido, esticando o braço livre na direção de Khalid, quando o que parecia
ter demorado horas, conseguiu segurar o cabo da adaga e a puxou. Deixou o
peso do seu braço fazer o trabalho, junto com a vontade de sobreviver, quando
ela virou a adaga e deixou o braço cair em direção ao outro onde Said se
segurava.
A adaga perfurou Said, mas também um pouco dela, em sua falha de
precisão. Porém, o objetivo foi concluído, pois Said a soltou. O leão que saltava
tentando pegá-lo, naquele instante conseguiu dar uma patada no homem, com
suas garras enormes. Acelerando o processo da queda do Sheik ao chão. Amira,
ouvindo o baque, junto ao gemido de dor, estremeceu.
Said, ainda com forças, mesmo atordoado e cuspindo sangue, tentou se
levantar, buscando uma saída. Entretanto, o leão não parecia satisfeito. Abaixou-
se próximo ao homem o observando, astuto, com o foco que apenas um felino
consegue fazer com uma presa.
Divertindo-se com o cheiro de medo. Quando percebeu que sua presa
cogitava fugir, pulou em sua direção, acuando Said, pegando em seu ombro,
dando alguns trancos, dilacerando sua carne, revelando ainda mais terror nos
olhos do homem.
Amira não viu mais que isso, pois Khalid a puxou para cima, fazendo
com que ambos caíssem no chão, com ela, sobre ele. O som dos rugidos e gritos
ecoava pelo aposento e Khalid tampou com as mãos os ouvidos de Amira,
abafando os ecos da dor lancinante de Said.
A jovem, ainda impactada com a visão do leão com Said, ficou em
silêncio, sem ouvir claramente os sons do que estava acontecendo, olhando o
teto, se acalmou um pouco embora seu coração ainda batesse loucamente.
Lágrimas quentes rolaram e de seus lábios, saíram palavras fracas, antes
que ela desmaiasse:
— Eu sabia que você viria… meu amor… — murmurou.
Khalid sentiu o corpo de Amira relaxando sobre si e soube que ela tinha
perdido a consciência. Levantou-se com ela desacordada em seus braços
choramingando de dor, mas sem acordar. Infelizmente, ele não tinha outro jeito
de carregá-la. Abaixou sua cabeça e beijou a sua testa murmurando contra a sua
pele:
— Eu vou até mesmo ao inferno por você, minha pequena prometida.
(...)
Khalid olhou rapidamente sobre o peitoril, o leão acabara de atacar com
precisão a jugular do algoz de Amira. Este deu seu último grito de pavor, e o
leão começou a devorar Said.
Khalid se virou voltando para dentro da passagem, agradecendo a Alá
que sua amada estava desacordada e não escutaria e não veria mais aquele
homem, fazendo também uma nota mental, ao mesmo tempo em que andava
rapidamente, para alguém vir fechar esta porta, antes que a distração do leão
chegasse ao fim. Sabia que teria poucas opções do que fazer com o animal após
o mesmo sentir o gosto da carne humana, mas ao mesmo tempo, sentia-se grato.
Pois o animal realizou a vingança merecida que Amira precisava para ter paz em
seu coração.
Com Amira nos braços, assim que passou pelo tapete, Khalid encontrou
alguns de seus servos que ainda estavam procurando Amira e Said, que até então
estavam desaparecidos. Começando, desde aquele instante, a distribuir suas
ordens e chamar o médico com urgência, informando que estava indo
diretamente aos seus aposentos.
Pelo caminho também encontrou uma das mulheres que provavelmente
tinha vindo junto com Said, pois a pequena e delicada com adornos cor de rosa,
assim que viu Amira nos braços de Khalid, o seu rosto perdeu a cor, ignorando
Khalid, apenas vindo em sua direção preocupada com a garota.
— Ayla… — disse ela quase imediatamente, mas se corrigiu o mais
rápido possível — O que aconteceu com a Amira? Me diga! Ela vai ficar bem?
Por que ela está assim?
Os olhos da garota se encheram de lágrimas, olhando Amira. Nem
sequer reconhecendo o seu sultão, apenas preocupada com a garota em seus
braços. Isso foi motivo para que Khalid simpatizasse com a garota, mesmo que
tenha imediatamente percebido que era uma garota sobrevivente da tribo de
Amira.
— Está permitida a nos seguir, acompanhe-nos — disse Khalid, ao
mesmo tempo em que virou para um dos eunucos que estava ali por perto —
Informe às criadas pessoais de Amira para que vão ao nosso encontro.
Após isso Khalid silenciou, apenas apressou ainda mais os passos,
atravessando os corredores, com os criados abrindo as portas pelo caminho até
que ele chegasse aos seus aposentos e pudesse a colocar deitada sobre a sua
cama.
Assim que o fez, ainda com os olhos fechados, Amira arfou de dor. O
médico e sua filha chegaram logo em seguida, assim como Nuray e as criadas
pessoais da jovem. O aposento do Sultão jamais esteve tão cheio, mas isso
tampouco importava naquele momento. Khalid apenas queria que sua prometida
ficasse bem. O que não era diferente de todas as demais pessoas que enchiam o
quarto, afinal, Amira era uma pessoa muito querida por elas.
Após o médico ter as primeiras impressões do que tinha acontecido com
ela após o relato de Khalid, o senhor engoliu em seco e pediu:
— Todos aqui somente atrapalharam tudo que temos que fazer para
tratá-la. Ela ficará bem, logo vocês serão informados — O senhor olhou para
Khalid, já supondo sua reação, mas mesmo assim, insistiu: — Até mesmo o
senhor, meu sultão. Apenas minha filha e alguns poucos criados, por favor.
No entanto, assim como o velho senhor já supunha, o jovem sultão
cruzou os braços o encarando firmemente, como se o desafiasse a tirá-lo de lá. O
velho preocupado e impaciente, não discutiu e apenas suspirou.
— Certo, a vossa majestade fica. Pegue um pano e, por favor, sente-se
ao lado dela na cama — concluiu o médico, enquanto obedientemente Khalid se
pôs em ação.
As criadas pessoais de Amira ficaram assim como algumas que já
trabalhavam antes com o médico. A correria fora sem tamanho, não que fosse de
perigo mortal para a vida da jovem, mas eram muitos ferimentos e devido a eles,
as vestes de Amira foram tiradas e sua pele branca estava coberta de manchas
roxas devido aos machucados. O velho senhor mandou que Khalid colocasse o
pano na boca de Amira e as criadas segurassem-na na cama parada, pois ele teria
que pôr o braço deslocado dela no lugar.
Amira acordou após a dor e voltou a desmaiar em seguida. E o restante,
foi um trabalho em conjunto que até mesmo acabou de forma rápida. O corpo da
jovem foi banhado com panos úmidos. Seus ferimentos foram tratados, o
inchaço em seu pé estava maior e em suas mãos, também precisaram ser
tratadas, pois algumas de suas unhas tinham se quebrado.
Khalid não saiu do seu lado um momento sequer, pouco tempo depois
que o médico partiu, Nuray entrou. Queria saber o que tinha acontecido, mas ela
encontrou apenas um Khalid parcialmente sentado, dando apoio à Amira e com a
cabeça encostada na dela de olhos fechados. Pé ante pé, Nuray se virou para sair
do aposento, mas antes de sair ele disse:
— Contarei o que sei mais tarde, mas tudo que aconteceu de fato, só
quando ela acordar.
CAPÍTULO 23

AMOR: POR VEZES UM PEQUENO GESTO DIZ MAIS QUE MIL


PALAVRAS

A cena era como de um bonito quadro, quando Khalid abriu os olhos,


levantou brevemente a cabeça e observou o rosto de sua amada,
carinhosamente acariciando-o. Recordando de si mesmo, correndo por
todo o palácio. Não tinha encontrado Said no aposento indicado, teve um mau
pressentimento e voltou pelos mesmos passos que foi, mas Amira já não estava
mais com Nuray. Desesperado, sabia que provavelmente Said tinha feito algo à
ela.
Ele havia gritado aos quatro cantos do palácio, para procurarem-na e
para seu maior pavor, quase chegou tarde demais...
Khalid então, voltou a abaixar a cabeça, encostando-se em Amira,
fechou os olhos, pensando enquanto escutava a respiração calma de sua amada:
Por pouco teria perdido a pessoa mais preciosa...
— Falhei novamente com você — murmurou ele lamentando-se.
A sua Ayla, mesmo sob o corpo de uma mulher, era pequena, delicada e
estava muito machucada, a consciência disso o atormentava. Khalid tinha visto
homens morrer, tinha visto mulheres serem cruelmente brutalizadas. No entanto,
quando falava de sua Ayla, era diferente, o grito de dor dela, assombrava-o por
toda a sua vida. Causando uma dor visceral em seu peito.
Ele desejava ser diferente de seu pai, mas a vida desta mulher lhe valia
mais que a sua própria e mesmo o seu sultanato. Seu povo… Sua vingança...
Tudo.
Para piorar, Khalid acreditava que Ayla não passaria por essas coisas, se
tivesse ido verificar se realmente estava morta... Ela não passaria por tudo, se
fosse apenas mais uma concubina esquecida em um harém. A Amira atual não
passaria por nada disso, se ele não tivesse a trazido para o seu lado. Mas… Ao
mesmo tempo, ele possuía um desejo de tê-la mais e mais para si, que causava
repúdio de si mesmo.
Sentia-se envergonhado pelo desejo que crescia dentro de seu coração,
na mesma medida e força na qual se culpava. Um desejo de trancá-la em seu
aposento e mantê-la ali, em completo silêncio e sigilo.
Dizer a todos que ela havia morrido! Fingir que não estava ali! Arrumar
qualquer outra mulher e dizer que ela sim, era a pessoa que estaria desposando.
Somente e tão somente, para poder ter a certeza que eles não a procurariam mais.
Que assim ela ficaria segura… ela não seria pega nessas brigas sem sentido,
dentro deste antro de demônios disfarçados de pessoas.
Tolo como Khalid era, esquecia que sua prometida era uma pessoa de
espírito livre e dificilmente seria obediente, a ideia de ser trancada ou decidirem
o seu destino certamente não seria bem aceita por sua amada. Ela não
concordaria com isso, sem antes lhe puxar uma espada. Além do mais, ele já
tinha percebido o quanto era possessiva sobre ele. Coisa que, aliás, o fazia
imensamente feliz.
No entanto, Khalid mesmo disperso em seus pensamentos tolos,
ponderou cumprir o seu acordo com a jovem: Faria dela sua Sultana, ajudaria-a
a encontrar a sua vingança e então… ela estaria livre para partir.
Ela havia tido a sua vingança, estava tão livre quanto queria de Said,
mas agora estava amarrada ao perigo das garras de Kelebek. Por alguns minutos,
Khalid ficou ali preso em seus devaneios barulhentos. Até que se recordou do
enfeite que lhe comprou.
O sorriso da garota, ainda era vivo em sua mente na recordação da feira
antes de tudo ter acontecido. Tomando sem querer sua face, um sorriso nos
lábios de Khalid, afastou toda a tormenta que o deixava cabisbaixo. A doçura
dos olhos brilhantes dela, a bondade que existia em seu coração.
— Queria ter lhe dado este presente de forma diferente… — disse ele
rindo suavemente.
O enfeite que comprara para ela, ainda estava entre as suas vestes.
Afastou-se o suficiente para poder pegar o grampo e logo após pegá-lo, colocou
com cuidado e delicadeza nela, deixando os dedos deslizarem suavemente sobre
seus cabelos.
— Tão linda, minha prometida — disse com um olhar triste — Minha
humanidade em meio ao caos.
(...)
Com o tempo, o cheiro de incenso predominava pelo aposento, ervas
que foram passadas no corpo de ambos, para aliviar as feridas. Khalid voltou a
encostar sua cabeça na dela e sentiu seus olhos ficarem pesados e uma vez que
estava quase dormindo, sentiu seu corpo mais leve.
No entanto, fora trazido em sequência de volta à sua realidade quando
Jaffar foi anunciado pelos guardas em sua porta e entrou rapidamente.
— Meu senhor, me perdoe. Mas tenho algo a relatar... — disse
apressadamente Jaffar adentrando o aposento.
Khalid abriu os olhos e olhou fixamente para Jaffar. Este, por sua vez,
teve a mesma impressão que teve quando viu o leão de Khalid chegando pela
primeira vez ao palácio e engoliu em seco.
— Estou vindo atualizá-lo das minhas investigações. O eunuco traidor,
com a sua procura por Amira e Said, ficou sozinho. Foi por um curto tempo e…
— E? Diga sem demora! — insistiu Khalid, já prevendo o pior cenário
possível.
— O homem foi encontrado morto, mas conseguimos uma pista de
quem pode ser responsável. Justamente por todos no palácio terem ficado em
polvorosa. E não só por detrás do eunuco, majestade.
Khalid sentiu a sua respiração travar na mesma velocidade em que seu
maxilar. Irritado, sua voz ficou mais grave dois tons antes de conseguir falar:
— Quem?
— O Imã… Antes da sua saída ao palácio, fui informado que ele estava
próximo à biblioteca à sua procura. Porém, não foi chamado pelo senhor ou
tinha qualquer dever por lá. E então, não foi mais visto pelo palácio até a pouco
— Jaffar pausou a sua fala — Quando falo um pouco, é porque ele disse ter uma
reunião com o senhor, novamente dizendo ter combinado com o jovem sultão.
Um dos criados o deixou em um aposento, para esperá-lo. No entanto, foi
deixado no mesmo aposento onde estava Said, antes dele fugir. Quando o senhor
chegou a este aposento, não tinha ninguém no cômodo, correto?
— Sim… — respondeu Khalid, quase em um rosnado.
Era possível ver o brilho da fúria nos olhos do homem, tamanha a sua
raiva. Mas respirou fundo, tentando se conter, ao sentir Amira mexendo-se um
pouco durante o sono. Jaffar, após Khalid se acalmar, continuou:
— A meu ver, meu senhor, Amira chegou com as crianças abandonadas.
O comum seria o Imã ir lá, mas ele não foi. Pelo contrário, ele foi visto andando
calmamente pelos jardins e voltando à Mesquita na direção contrária. Logo que
os senhores voltaram e o tratamento de Amira começou, suponho que deve ter
sido o momento que o Eunuco fora morto. Mas não posso afirmar que foi o Imã,
infelizmente...
— Maldição! — Khalid exclamou com uma fúria mordaz — E como
sempre, nenhuma prova concreta...
— Sim, meu sultão — respondeu, lastimando-se.
— Certo, grato pelas informações, pode ir — disse Khalid, voltando o
seu olhar para Amira. Tentando se forçar a focar nela, para manter sua ira
contida.
— Mas majestade…
— Me dê algum tempo, minha presença por ora não fará diferença, —
suspirou Khalid, se sentindo cansado e frustrado —, só me deixe aqui com ela.

Um dia e meio depois...


Gritos e rugidos eram os sons que chegavam aos seus ouvidos.
Lembranças de sorrisos. Memórias de roupas ornamentadas. Um olhar
repulsivo familiar e por último, um homem de branco.
Said estava atrás de Amira, então ela se viu correndo desesperada por
corredores infinitos. Virou na primeira entrada que tivera oportunidade, mas
caiu para trás ao deparar-se com um homem vestido de branco... sem as mãos.
Horrorizada, se arrastando pelo chão, Amira tentava gritar, pedir
ajuda, qualquer coisa. Mas… sua voz não saia.
Afastando-se conforme se arrastava miseravelmente pelo chão, seu
corpo todo doía, partes de si, pareciam estar sendo desmembradas e então ela
se viu caindo em um vão.
Como se o chão tivesse desaparecido, para aparecer novamente em
seguida. Mas era um chão diferente, de terra e grama verde, por um segundo, se
sentiu aliviada. Pois finalmente havia saído daqueles corredores, para chegar a
um bonito jardim, das mais diversas flores… No entanto, tinha alguém entre
elas, uma mulher com seus cabelos cobertos por um grande véu.
Talvez ela pudesse ajudar. Amira que, com dificuldade, se levantou e foi
em sua direção. Mas ao chegar à mulher, a mesma se virou.
Amira viu primeiro os finos fios rubros, voando com o vento. E antes
mesmo da mulher terminar de se virar e os seus olhos chegarem a encontrarem
os de Amira, a garota caiu com o traseiro no chão.
Despertando assustada, debatendo-se, ao mesmo tempo que seu corpo
todo pulsava de dor. O grito escapou pelos seus lábios, junto às suas lágrimas
quentes. Braços gentis a seguraram, com firmeza e a levaram de volta para cama.
Colocaram um pano fresco e molhado sobre o seu rosto, falando algo
que ela simplesmente não entendia, como se as vozes estivessem longe,
incompreensíveis. Ela queria tirar o tecido, mas não conseguia. Amira não
conseguia ver muito, o pano atrapalhava a sua visão. Balançava a cabeça, tinha
algo com cheiro forte de ervas.
Não conseguiu em primeiro instante reconhecer a voz de ninguém.
Ela parou de gritar somente para chorar, assustada e apavorada demais
para o que lhe aguardava. Uma parte do pano saiu de seus olhos, mas sua visão
ainda estava levemente sensível e embaçada, causando incômodo, fazendo-a
choramingar de dor um pouco mais.
Mas ao menos Amira percebeu algo, não estava mais naquele jardim,
não tinha ninguém vestido de branco, naqueles borrões que ela via. Um pouco
mais controlada, viu vestes coloridas a fazendo acreditar que eram mulheres ao
seu redor. Amira não entendia o porquê do seu corpo doer daquela maneira.
Por um segundo compreendeu, que o que ela estava vivendo antes, era
um sonho, mas talvez mesmo tendo acordado, o pesadelo não tinha acabado.
— Vossa majestade, que bom que chegou! A temperatura dela diminuiu,
mas acordou muito agitada. Chamem o... — disse alguém com a voz levemente
familiar.
— Não! Não é necessário chamar ninguém — exclamou a voz alta, mas
controlada e marcante de Khalid. Que fez o corpo de Amira relaxar
visivelmente, se sentindo mais tranquila — Saiam todos, me deixem a sós com
ela.
— Mas senhor… — insistiu uma delas, mas logo se calou. Como todos
os demais do aposento que se encolheram diante do olhar feroz de Khalid para
eles.
— Como nosso sultão desejar — disseram, antes de rapidamente saírem
do aposento. Khalid não esperou escutar a porta se fechar para caminhar até
Amira.
Ele a viu ali deitada na cama, com poucas vestes, frágil e suada. Amira
ainda parecia assustada e absurdamente linda. Ele queria ajudar... Ao mesmo
tempo em que seu olhar se via tentado a deslizar pelo seu corpo. Em meio à sua
preocupação, a poucos passos da cama, ele teve uma súbita ideia de como mudar
o foco dos pensamentos e acalmá-la. De sua expressão carregada, a mudança
fora drástica, quando nasceu um sorriso matreiro.
Alheia totalmente aos planos mirabolantes de Khalid, Amira tirou o
resto do pano do seu rosto, tentando se levantar em seguida, mas sem sucesso,
pois sentiu fraqueza por um momento. Porém, nada disso importou quando
Khalid se sentou ao seu lado na cama que estava com roupas simples, finas e
seus cabelos molhados. O seu perfume chegava à ela de forma gentil. Ele passou
o braço sobre o corpo dela e apoiou-se na cama, inclinando-se sedutoramente
sobre ela.
Os olhos surpreendidos e cativos de Amira, que antes estavam
levemente nublados pelo medo, não mais existiam presos nos olhos dele.
Encarando-o de forma tão inocente que Khalid não conseguiu seguir a
traquinagem que planejava, de simplesmente brincar com a libido da garota.
Khalid engoliu em seco, pego no seu próprio jogo, quando ela entreabriu os
lábios lentamente e murmurou o seu nome.
Embriagado pela delicadeza dela, ergueu uma mão para tocar sua face e
ela descansou seu rosto enquanto fechava os olhos na palma de sua mão.
— Minha pequena Ayla, parece mais calma...
— É que… quando escutei sua voz, sabia que tudo ficaria bem… —
respondeu docemente, abrindo os olhos e o encarando.
Levemente corada, com seus olhos brilhantes, ela parecia tão tentadora
que Khalid, não conseguiu se conter. Esquecendo todo o resto e agindo por
impulso, tomando os seus lábios, ao mesmo tempo em que deslizava a mão para
a nuca de Amira, trazendo o seu rosto mais para si.
Amira se surpreendeu em um primeiro momento, mas então
rapidamente se sentiu embriagada pelas sensações e sentimentos que
transbordavam dentro dela, correspondendo ao beijo completamente entregue.
Os corpos se acenderam como nenhum dos dois esperava, abrindo mais
os lábios necessitados, aprofundando o beijo com volúpia sem igual. As línguas
se tocando, acariciando lentamente, causavam arrepios involuntários por todo o
corpo da garota, como se nunca fosse o bastante. Gemidos suaves de prazer
escaparam sedutoramente de ambos. Apaixonados, entregues em um misto de
saudade, preocupação, alívio e desejo contido.
A mente de Khalid estava tão repleta de cada pequeno detalhe do sabor
de Amira que quase esquecera de todo o resto, principalmente quando ela tomou
o seu lábio inferior entre os dela, chupando-o, enquanto fazia sons de se deliciar
com o feito não o deixando parar com o beijo.
Khalid nunca pensou que seus lábios fossem saborosos, o que o fez rir
internamente e sorrir excitado com o som da entrega tão receptiva de Amira.
Fazendo-o desejar fazer o mesmo com ela, mas ele não podia. Não agora, por
isso, custou muito para Khalid conseguir se afastar dela.
Novamente ele se via quase perdendo a sua pouca prudência.
— Você é a minha perdição, sabia? — Khalid disse num tom baixo e
íntimo.
Com o rosto ainda próximo ao dela, que ainda estava um pouco
desnorteada, o rapaz ergueu um pouco a cabeça, mas apenas o suficiente para
mordiscar a ponta do nariz dela, que se surpreendeu imediatamente.
— Me preocupa, enquanto se debate e então me instiga com sua doçura,
tentando me devorar. Me diga, estava sonhando com o que agora a pouco?
— Eu… tive um sonho ruim… — admitiu ela, fazendo careta pela
mordida e completamente sem jeito.
— Quer me falar sobre o sonho ruim? — Khalid falou baixinho em tom
de segredo.
Amira suspirou, não queria, mas já que ele perguntou, ela contou o
sonho. Bagunçado, conturbado e sinistro. Khalid a ouviu, ao mesmo tempo em
que se afastava e a ajudava a se sentar, acomodando-se ao seu lado, deixando ela
apoiar a cabeça em seu peito, sem deixar passar nenhum detalhe da sua narração.
Com o sentimento de culpa retornando, corroendo-o, fazendo trincar o
maxilar, enquanto via os reflexos de tudo que ela vivera, em seus pesadelos.
Com grande pesar, ele viu também nos olhos dela, quando ela se afastou, o
suficiente para lhe olhar, o quanto estava assustada quando começou a se
lembrar dos eventos. E que o sonho era só um resumo de tudo que aconteceu.
— Não foi um sonho…
Khalid meneou a cabeça.
— Infelizmente, não. Aconteceu há um dia e meio atrás. Você desmaiou,
passou por cuidados e então acordou agora. Todos estavam preocupados com
você... — explicou ele, fazendo carinho na cabeça dela, mas então, segurou com
firmeza para que ela o olhasse: —… me escute com atenção, é imperioso que se
mantenha por aqui. Está machucada e é perigoso… Não quero que saia por aí no
palácio.
— Um dia e meio? Onde é aqui? — indagou surpresa, ignorando todo o
resto, se afastando um pouco da mão dele, para olhar ao redor, perdendo o foco
dos pensamentos sombrios anteriores.
Um enorme aposento, com quadros e pinturas. Alguns tesouros
empilhados em alguns cantos. Muitos baús, espadas espalhadas, decorativas ou
não. Peles de animais, transformadas em roupas. Os mais diversos tapetes
espalhados por todo o chão. O aposento mais masculino que um dia ela
imaginaria. Traços de guerra, morte e absoluto luxo.
— Tudo que é importante, você não escuta?— ele bufou, cansado — Em
todo caso, estamos no nosso aposento.
— Nosso? — perguntou confusa.
— Do momento que te trouxe nos braços e passei por aquela porta, eu
decidi que este seria nosso. Assim poderei te vigiar todas as noites e te proteger
— respondeu, achando graça no espanto dela.
Amira entendia o medo dele, e tinha sim, o ouvido, inclusive ela sentia
muito medo. Medo de tudo, de todos, menos de alguns poucos que conseguiria
contar nos dedos, mas mesmo assim a jovem não conseguiu deixar de pensar que
o único bandido que adentrou seus aposentos, fora o próprio Khalid.
— Parece que assim você não poderá mais me assustar no meio da noite,
entrando pela janela como um ladino — comentou Amira, contendo um
sorrisinho.
Khalid parou reflexivo e então riu baixo. Desfazendo assim por
completo toda tensão anterior, enquanto se permitia relaxar um pouco.
— Eu tenho outras formas de te surpreender e agitar as suas emoções.
Tal como agora… — disse ele pegando a mão de Amira, como se a fosse beijar,
porém a levantou um pouco mais, para pousar um beijo no pulso que ainda tinha
marcas roxas.
Amira se viu surpreendida pelas palavras de Khalid, que se virou como
quem não havia criado expectativas alguma nela e puxou de uma mesinha perto
da cama, uma bacia com água e panos perto da cabeceira. Apressou-se e
começou a desenrolar os tecidos que enrolavam a sua mão. Sangue e dor se
resumiam a esse processo com Amira choramingando baixo com leves “Ai”.
Mas ele com todo cuidado limpou as feridas, colocou algumas ervas e então
voltou a enrolar suas mãos com tecidos novos e limpos que também estavam
próximos da cama, amontoados.
Amira olhou com curiosidade sobre como ele fez isso facilmente e
Khalid percebeu.
— Vi por algumas vezes, elas cuidando de você, trocando as coisas.
Mesmo em meio à dor e admiração com o cuidado dele para com ela,
era nítido a expressão de frustração de Amira. Isso divertiu Khalid.
— O que foi agora, minha pequena prometida? — questinou o rapaz,
com um sorriso travesso, enquanto se levantava e ia se sentar aos seus pés na
cama, repetindo os cuidados com eles — Esperava algo mais?
CAPÍTULO 24

ENTREGA: NO TOQUE E NO BEIJO, NO OLHAR E NO SEU


SABOR

A mira balbuciou, abrindo e fechando a boca. Mas não saiu nada frente à
pergunta descarada de Khalid. Podia ver nos olhos dele, o brilho, um que
não dava espaço para dúvidas da provocação iminente. O rosto dela,
agora completamente corado, fez com que o homem não conseguisse conter um
ligeiro movimento com a face, formando um sorriso sacana de vitória.
Amira queria se esconder e não mais olhá-lo, mas isso seria o mesmo
que admitir que ele havia acertado, mesmo ambos sabendo que Khalid já tinha a
resposta, não admitiria isso em voz alta, nem para si mesma.
Chateada, Amira bufou e estreitou os olhos. Ele era mal, por vezes
demais, brincava com as reações dela e nem sequer escondia isso. Ademais, o
que mais queria que pensasse? Após beijar tão intimamente o seu pulso e a fitar
com aquele olhar? Resmungava ela em pensamento, enquanto o reprovava com
os olhos.
Acima de tudo, ainda existe orgulho em sua Ayla. Refletiu Khalid e
sabia disso, por isso desmanchou aos poucoso seu sorriso. Claro, foi de
propósito a provocação, ele não perderia a oportunidade, a achava graciosa
quando sem graça. Amira empinou aquele pequeno nariz, fazendo com que ele
tivesse vontade de voltar a mordê-lo.
A jovem, chateada, apertou os lábios antes de voltar a falar:
— Me diga, você se diverte com isso, não?
Khalid sentiu outro sorriso se formar no canto dos seus lábios, mas o
conteve, porém, não antes dela ter reparado e o acusar ainda mais com o olhar.
— Eu? — alfinetou Khalid se fazendo de injustiçado.
Por um segundo, enquanto Amira queria apenas o estapear, para que ele
deixasse de ser cínico, passou pela mente da garota quantas vezes que Khalid
deliberadamente a provocou...
— Khalid, por que você me provoca tanto? — A pergunta escapou pelos
lábios dela, antes que conseguisse se refrear.
— Te provocando? — desta vez gracejando e sorrindo despreocupado.
Khalid levantou-se da cama, sem respondê-la. Devolveu a bacia para a
mesa em passos lentos e felinos, para em seguida retornar com uma cesta de
frutas consigo, sentando-se novamente, calmamente. Durante todo o percurso,
Amira o seguiu com os olhos e impacientemente esperava uma conclusão da sua
fala, mas o homem via a expectativa dela em seus olhos e estava sinceramente se
divertindo em fazer algum mistério. Ele pegou uma uva, a mordeu, comendo
metade dela. Amira, chegando ao fim de sua paciência, ameaçou falar e então,
Khalid simplesmente colocou na boca dela obrigando-a a comer também.
— Uhmm… — soltou uma interjeição enquanto comia a fruta. Tão logo
que terminou, falou vociferando: — Sim, por vezes você está normal e então...
se torna bestial, de maneira que faz meu coração saltar! Seja por medo,
preocupação ou expectativa. Então, do nada, só se afasta… E então, você...
Ela estava realmente reclamando das investidas de charme e das
manipulações dele? Khalid pensou e ficou em silêncio, encarando a garota
irritada, falando e falando, coisas que ela provavelmente morreria de vergonha
mais tarde. Então a imagem dela escondendo o rosto na cama, formou-se em sua
mente e sem conseguir se conter, subitamente jogou a cabeça para trás, em uma
gargalhada gostosa e sonora.
Amira, ofendida com o homem que ria dela, enquanto ela elucidava as
coisas que não gostava, fechou a boca enquanto fazia um arco para baixo,
chateada. Assim, mesmo com as mãos machucadas o bateu, mas se arrependeu
quase imediatamente, puxando de volta contra si a mão dolorida e a cobrindo
com a outra. Observou-o rancorosa, com os olhos marejados pela dor.
Khalid não deveria, mas sim, se divertia até mesmo com a raiva dela,
ademais vê-la impulsiva assim, o deixava aliviado, afinal era sinal que havia
melhorado.
— Viu! Mesmo agora, faz pouco de mim! — reclamou Amira,
fulminando-o.
Khalid pegou outra fruta, ainda com vestígios do riso, com algumas
lágrimas umedecendo seus olhos. Silenciosamente, repetiu todo o processo antes
de colocar na boca dela. E então, finalmente a respondeu:
— A meu ver, não são provocações, Ayla — declarou Khalid, com sua
voz grave, enquanto colocava a cesta ao seu lado da cama, tirando-a de seu colo
para focar toda a sua atenção na garota— Sim, admito, nem tão pesarosamente
quando você gostaria, que por vezes a manipulei. Não mal intencionado, é claro.
Mas para mudar seu foco, para algo mais controlável, como o seu desejo
irrefreável por mim. Assim estaria preocupada demais comigo, para que se
entregasse a tormenta e ao caos que nos cercam: Kelebek, Said… e o resto.
Sua confiança era assombrosa, entre convencido e autoconfiança, Amira
não sabia dizer qual delas mais gritava em Khalid naquele momento. Ela nem
sequer conseguiu dizer mais que um murmúrio de “Tsc... Você não tem
vergonha?” entre indignada e tímida, dado que de fato, ele estava certo. Um
Khalid despreocupado voltou sua atenção às frutas para pegar mais uma e
colocá-la na boca da garota.
— Entenda Ayla, o que você chama de provocação, torna-se por vezes
uma faca de dois gumes, assim como agora pouco. Bastou um pequeno toque,
para te querer completamente. Vejo-me escravo dos desejos que sinto por você…
— E desta vez, a voz dele ficou dois tons mais grave, íntima e sensual.
Amira sentiu sua respiração parar na garganta, com apenas uma
exclamação escapando em um som mesclado que oscilava entre surpresa e
excitação. O som, fez com que o olhar de Khalid pousasse nos lábios dela,
macios e saborosos, umedecidos pelo sumo das frutas. Antes de pensar muito
profundamente sobre, cedeu aos seus instintos e ergueu a mão, para passar o
polegar pelos lábios dela. Capturando o suco com o polegar, um pouco mais que
uma gota e então, levou o dedo à boca onde sorveu o seu doce sabor.
Amira suspirou em expectativa, sendo atingida por uma excitação nem
um pouco velada e ainda menos sutil, sentindo o que nunca antes pensou que
sentiria. Inveja... Inveja do polegar de Khalid. Não conseguindo tirar os olhos
dos lábios dele, estes que sorriam gatunamente para ela, roubando algumas
batidas de seu coração enquanto revelavam lentamente um tipo de sorriso que
mostrava com clareza seus caninos bem definidos.
Ela ergueu os olhos e o viu como se dissesse à ela: Não disse? Não
precisa muito... A garota fugiu do seu olhar, sentindo-se brutalmente tímida, mas
o homem manteve o olhar fixo nela.
— Pare já de me olhar assim! — esbravejou ela, quando o olhou de
soslaio e encontrou o seu olhar fixado em si.
— Estamos conversando, para onde mais eu olharia? — indagou em
contrapartida, fechando a boca e olhando ao redor para enfatizar que estavam
sozinhos.
Amira sabia que estava certo, mas fora pega cobiçando os lábios dele,
descaradamente! Era perturbador e tudo piorava quando o libertino do Khalid
sorria consciente dos desejos dela.
Khalid se ajeitou na cama, ao mesmo tempo em que a cabeça dela estava
em um pandemônio de emoções antagônicas. Aproximou-se à medida que ficou
a poucos centímetros dela, ainda distraída. Tão próximo, que quase podia ouvir
seus pensamentos, levantou a mão direita encaixando a palma em sua face, ao
lado esquerdo da garota. Tão carinhosamente, que ela se sobressaltou e se virou
de frente para ele. O que fez o polegar dele voltar a tocar os lábios dela.
Fascinado pela maciez, Khalid o acariciou e deixou que o seu polegar entrasse
um pouco dentro da boca da garota, tocando gentilmente seus dentes e até
mesmo a ponta de sua língua.
— Adorável… — murmurou ele, mordendo o lábio inferior, para conter
o seu desejo, mas como acreditava que não sofreria sozinho, se inclinou como se
fosse a beijar, ao ponto que ela ergueu um pouco mais de sua face e então virou
o rosto para beijar a bochecha dela, quase ao pé de sua orelha. Amira sentiu seu
corpo todo arrepiar e um gemido escorregou pelos seus lábios.
Khalid se afastou, encontrando o olhar aturdido dela, sua face rosada e a
sua respiração pesada, tão sensual que a resposta vinha diretamente do seu
membro pulsando dolorosamente sob suas vestes. Suspirando, Khalid se
arrependia de provocá-la, pois sempre parecia pior para ele. Era apaixonado por
sua entrega abandonada, e teve que abaixar um pouco a cabeça e fechar os olhos
para tentar tirar as imagens sensuais que se formavam deliberadamente em sua
mente.
Depois de um breve momento, voltou a levantar o olhar, ainda afetado,
intenso e faminto. Este que enviou uma onda de prazer totalmente erótico pela
espinha dela.
— Gosto da sua sinceridade incontida, assim dedicarei igualmente a
minha.
Amira tentou falar, mas com um negar de cabeça dele, ela se calou.
— Temo por você, ficará em risco se a engravidar… Ao mesmo tempo,
cada vez que a vejo, a desejo como uma besta que anseia pela sua presa. Tocar
suas curvas, cada uma delas. Ouvir os seus gemidos, sentir sua pele contra a
minha. Saborear o seu gosto, bebendo do seu prazer, direto da fonte. Me perder
em sensações no seu corpo, enquanto me afundo até o fundo em você e a faço
gritar, pedindo por mais — com a voz carregada de desejo, Khalid falou
diretamente seus pensamentos. Amira arfou, com as imagens formando-se em
sua mente — Entretanto, não quero apenas sua carne. Quero gravar a minha
existência em você, para que mesmo na minha ausência, ninguém tome o meu
lugar na sua mente e coração. Quero te fazer cativa, dos mesmos sentimentos
desenfreados que sinto por você. Eu quero que seu corpo anseie e até mesmo que
sofra do mesmo jeito que o meu. Não sou uma pessoa boa como acredita que
sou, pois acho justo que vivencie da mesma dor que eu.
Amira não tinha palavras para expressar tudo que ela estava sentindo
diante daquelas palavras. Seu ritmo cardíaco zumbia em seus ouvidos. Seu corpo
estava quente, vibrando e pulsando sob a súbita necessidade de tocá-lo. Tomando
como referência, a recordação do prazer que Khalid já havia lhe proporcionado.
Obstinada e apaixonada, por puro instinto e regado ao desejo, Amira se
inclinou e tomou de assalto os lábios macios de Khalid, o surpreendendo, mas
não por muito tempo, pois logo ele se recuperou correspondendo ao beijo. A
garota poderia se sentir insegura, sobre a arte do prazer, mas ainda sim, sabia
muito bem quem queria e sempre quis.
Khalid abriu a boca, para receber a tímida língua travessa dela, que
curiosa explorava a sua. A mão dele, que ainda estava em seu rosto, deslizou até
a nuca entrelaçando seus dedos nos fios sedosos do cabelo dela. E assim, ele
esqueceu-se de todos os motivos pelos quais não deveria ceder mais uma vez a
tentação.
O homem atiçado pelo desejo, a puxou mais para si em um abraço firme,
beijando-a lenta e profundamente, tomando o controle do beijo e deslizando a
língua para dentro da boca da garota, serpenteando deliciosamente, ao mesmo
tempo em que sentia o sabor das frutas que comera a pouco.
Amira gemeu contra a sua boca, e a mesma podia jurar que ouviu Khalid
rugir, assim como um leão fazia, antes de um movimento rápido, no qual o
próprio virou seus corpos e os deitou sobre a cama. Ela exclamou em surpresa e
seus olhos se encontraram, quando ele cobriu o corpo dela com o dele, antes de
se ver afundando o rosto na curva do seu pescoço.
— Desta vez, não conseguirei parar…
— E quem disse que eu quero que você pare? — respondeu
automaticamente com sua sinceridade, vindo antes mesmo do seu raciocínio.
Quando ela se deu conta do que havia verbalizado, apenas se calou subitamente
e ele riu contra a pele dela, o que causou uma leve cócega.
Khalid escutou o riso contido dela e se sentiu o homem mais sortudo do
mundo. Agradecendo por ela ser sua e de mais ninguém. Com ambos vestidos e
os corpos tão colados quanto possível, Amira pôde sentir o calor e toda a
extensão do membro enrijecido de Khalid. Grande, firme, de maneira que a fez
até mesmo tremer com um tanto de receio.
Khalid se moveu para beijar a sua pele, formando uma trilha de beijos e
suaves mordidas, até o colo de seu seio, fazendo-a arfar. Amira sentiu o seu
receio se desfazer, a cada beijo molhado que recebia, arrepios tomavam todo o
seu corpo, afastando o receio e dando lugar a um desejo irrefreável.
No percurso, de seus beijos e carícias, Khalid sentiu o seu membro
pressionar-se mais contra ela, gemeu inquieto e sedento, para sentir mais ondas
de prazer com este contato, levou uma das mãos à perna da garota, a levantou,
para que conseguisse se acomodar melhor entre suas pernas. A necessidade que
o tomava era enlouquecedora, o sexo quente dela contra o dele, perfeitamente
acomodado, o deixou ainda mais faminto.
Deslizou a mão pelo joelho dela, passando pela coxa, até chegar ao seu
traseiro, o apertando com força e matando ao menos vontade de afundar os
dedos na carne macia. Amira arqueou, e deslizou os braços ao redor dele,
abrindo ainda mais suas pernas para sentir a totalidade daquela pressão da sua
excitação contra sua parte mais sensível.
No entanto, em meio às carícias pelas costas fortes dele, ela sentiu um
toque gelado de algo de metal. O que a surpreendeu, refreando-se
instantaneamente. Khalid assim que percebeu que ela se retraiu, saiu de sobre
sua Ayla que murmurou sobre algo gelado, então ele se recordou de sua adaga
que tinha como hábito, mantê-la ali.
Apoiando-se em um dos seus braços, levou a mão livre às suas costas e
tirou uma adaga ainda embainhada. Os olhos dela se abriram muito em surpresa,
como se pudesse ver a mente de Khalid maquinando alguma peripécia, Amira
percebeu o olhar dele entre a adaga e sua roupa.
O que ele estaria tramando? Era a pergunta que Amira se fazia.
— Ayla, segure para mim a bainha? — disse ofertando à ela.
A garota ergueu a mão e segurou à bainha, ele puxou a adaga para fora,
que ressoou seu som característico. Amira sabia que ele iria aprontar, mas o que
exatamente, não conseguia imaginar. Medo e excitação se misturavam como ela
jamais imaginou que poderiam. O rapaz eliminou qualquer uma de suas dúvidas,
quando aproximou a lâmina dela, esse ato fez o estômago de Amira gelar. Com a
ponta da adaga, Khalid fez um pequeno rasgo na fina vestimenta na altura da
barriga de sua prometida. Rasgo este que aprofundou a ponta da lâmina apenas o
suficiente para poder tomar um pouco mais do tecido e o rasgar por completo.
Quando terminou o último pedaço de tecido, o vale dos seios se revelou,
a boca de Khalid salivou e então, ele jogou a adaga para longe, rendendo-se ao
fervor do seu prazer de passar a mão em uma carícia entre os montes recém-
revelados, ato este que fez Amira fazer uma expressão deliciosa de prazer.
— Mesmo aqui, tem manchas roxas… — constatou ele, irritado e ela se
encolheu um pouco, Khalid lamentou logo em seguida. Tentou não pensar muito
sobre e admirou a bela visão dos montes carnudos e voluptuosos de sua amada,
tão lindos como todo o resto dela — Me permite tirar de sua mente essas
lembranças ruins?
Ela se surpreendeu, e por um segundo perguntou-se como Khalid faria
isso. Mas para a sua total surpresa, ele não esperou a sua resposta. No instante
seguinte, desceu a cabeça em direção aos seus seios, pousando beijos molhados e
subindo lentamente até chegar onde estava o resto remanescente do tecido. O
afastou com a ponta do nariz, para revelar a visão das areolas rosadas e
intumescidas, de sua amada.
Amira sentiu a respiração retesar em sua garganta em expectativa,
olhando o que ele estava fazendo, e foi neste momento, que os lábios dele se
abriram sobre os picos, colocando-os dentro do fogo úmido de sua boca. Khalid
sugou e sugou com força, fazendo-a exclamar de prazer, chamando seu nome
com uma voz que quase não parecia a dela. Junto com os movimentos de Khalid
sugando, ela se arqueou instintivamente.
Khalid queria ser cuidadoso, no entanto, não tinha um lugar em sua
amada que ele não tomasse com força: o beijo mais violento, o sugar nos seus
seios que lhe dariam mais algumas marcas. Talvez viesse a se arrepender depois,
talvez ela o odiasse por isso. Mas cego pela luxúria, não poderia ser de outra
forma. Khalid se via no paraíso, com ela em seus braços.
Mas queria sentir o seu sabor e era isso que ele iria fazer, não teria
ninguém que iria o impedir. A mão de Khalid deslizou pela lateral do corpo dela,
vindo do quadril de Ayla até alcançar seu seio ainda coberto, apertando-o sobre o
fino tecido. Massageou o mesmo, apertando e soltando algumas vezes, até que
em dado momento, o bico endurecido ficou entre seus dedos e ele o beliscou
fechando a mão. Um “ai” mesclado ao gemido de Ayla, quase o fez chegar ao
seu clímax, sem nem sequer tirar a roupa.
Khalid levantou os olhos, para admirar a expressão de prazer dela,
soltando o seio então a viu de olhos fechados, com o rosto corado e a boca
entreaberta. Era linda, pecaminosamente sedutora, ele queria ver o fogo de pura
luxúria em seu olhar.
— Ayla… — chamou ele com a voz forte que a fez abrir os olhos
imediatamente — Não feche os olhos, quero que veja tudo que faço com você.
Assim que a Amira abriu os olhos, Khalid viu exatamente o que
buscava. O azul límpido, estava nublado como uma tempestade de fogo e prazer.
Era igualmente clara a sua necessidade, assim como a expectativa que as
palavras de Khalid formaram.
Sob o olhar dela, ele começou a descer sobre o corpo da mesma, usando
as mãos para terminar de rasgar o que faltava da roupa que ela usava. Até
mesmo saiu da cama para terminar de fazê-lo e, uma vez que concluiu sua tarefa,
ficou em pé à beira da cama, atordoado por um breve momento de contemplação
dela belamente exposta para ele. Cada curva delicada do corpo de Amira parecia
ter sido feita com extremo cuidado e tão perfeita para ele. Ele deslizou o olhar do
rosto dela até o monte de pelos negros que cobriam o seu sexo.
Khalid abaixou seu corpo em direção ao dela, ao mesmo tempo em que
levava as mãos às pernas dela, pousando em suas coxas suas palmas grandes e
fortes, forçando levemente que ela as abrisse para ele.
Presumindo o que ele iria fazer, ela arregalou os olhos e então tentou
fechar as pernas, porém, sem êxito. Por segunda opção, ela cobriu com ambas as
mãos o seu sexo. Agitada, perguntou:
— O que você pretende fazer?
— A beijar… Abra as pernas para mim, Ayla — ordenou ele com voz
rouca e firme.
No lugar de responder, Amira se apavorou ainda mais, levantou uma
perna e a usou para empurrar Khalid, ganhando tempo de se virar na cama.
Levantou-se ficando de gatinha, para tentar se afastar dele, no entanto, ele fora
mais rápido, a segurou pelos quadris impedindo-a de se afastar. A manteve
naquela posição constrangedora, totalmente perturbadora, mais exposta para ele
do que antes.
Amira sabia que ele não faria nada que a machucasse, mas tentou ao
menos, se jogar na cama, para ficar menos vulnerável, enquanto se mantivesse
de bruço. Porém, como as mãos fortes dele a seguravam pelos quadris, ao
desapoiar-se de suas mãos, serviu apenas para que seu rosto fosse contra a cama
e seu quadril continuasse erguido.
— Não fuja de mim, Ayla — disse ele achando algum divertimento nela
se atrapalhando em fugir dele — Vou apenas beijá-la onde nunca sonhou que
poderia ser beijada.
— Não faz isso, ai não é lugar... — ordenou Amira, mas Khalid parecia
faminto como um predador, completamente obcecado pelo seu sexo,
silenciando-a de espanto quando aproximou o rosto e tomou o seu sexo com a
boca. Ela arfou, ao sentir a língua quente dele passando pelas suas dobras,
enviando a todo o corpo dela ondas de prazer que nunca antes imaginara. Em
meio a estas sensações, Amira sequer conseguiu formar uma frase coerente —
Não… Oh! Não é... Hm... lugar.
O mel de sua excitação centralizou na parte mais sensível dela. Khalid,
enfeitiçado pela seda úmida, que era a pele do seu sexo, seguiu a atormentando
até que suas reclamações morressem em seus lábios, dando lugar apenas a
gemidos e palavras balbuciadas, incompreensíveis. E então, perversamente se
afastou apenas o suficiente para fitá-la, divertido.
— Tarde demais, já beijei... — em seguida ele soprou de leve a pele
quente, de maneira que a fez arquear e arfar — Quer que eu pare?
Amira virou a cabeça para olhá-lo, em uma forte reprimenda, mas antes
dela proferir quaisquer palavras, ele retornou os beijos em seu sexo. Ele afastou
uma de suas mãos que a segurava, apenas para abrir suas dobras com dois dedos
e poder passar a língua em quase toda a sua extensão, deslizando até onde
alcançava deleitando-se em seu sabor. Intercalou com carícias que fazia ao longo
dela, sem jamais tocar a sua protuberância mais sensível. Levando-a em um
extremo de excitação, mas sem permiti-la chegar ao ápice do seu prazer.
Ela estremecia, conforme a sua necessidade crescia. Sentia-se tão bem,
mas precisava de mais, todas as vezes que ele chegava perto do botão onde mais
se sentia sensível, seu corpo doía em expectativa, para se ver frustrada em
seguida. Suspirando de desaponto, concluiu que mais uma vez Khalid estava
brincando com ela, testando seus limites e vendo as reações.
Amira, não aguentando o fervor que a envolvia, por instinto moveu o
seu quadril contra o rosto do homem que foi ainda mais voraz em seus beijos
ávidos, levando as mãos ao seu traseiro, o apertando, ao mesmo tempo em que o
abria para afundar seu rosto ainda mais ali.
Em resposta ela gemeu, se contorceu, enquanto ele mantinha-se a
beijando tão intensamente que seu sexo parecia pulsar contra a sua língua.
Khalid sabia que ela estava muito perto de chegar ao clímax e quanto mais perto
ela estava, mais selvagem ficava. Khalid tirou o rosto e ela resmungou frustrada.
Mais do que se afastar, Amira percebeu que ele tinha se levantado e que
tinha ficado de pé, fora da cama. Amira estava pronta para brigar, uma vez que
acreditava que Khalid estava passando dos limites com suas brincadeiras,
quando então, o sentiu passando a mão na cintura dela para fazê-la se levantar.
Erguendo apenas a parte do tronco dela, fazendo com que suas costas tocassem o
peito quente e duro dele, mas não tão duro quanto estava seu membro que batia
contra seu traseiro. Parecendo se encaixar perfeitamente e as suas alturas
emparelhando-se.
Ela não compreendia o que ele estava tramando desta vez, enquanto
tentava entender, a mão que estava pousada em sua cintura, deslizou pela sua
barriga, até passar pelo seu monte de vênus, descendo um pouco mais entre suas
pernas até onde ela mais queria ser tocada. Amira arquejou e gemeu em puro
deleite. Khalid começou a acariciá-la lentamente e com a outra mão, deslizou até
chegar ao seu seio e o apertou. O homem ficou ali a estimulando nos dois
pontos, enquanto murmurava ao pé do ouvido dela:
— Tão pecaminosamente linda, minha flor. Abra-se mais para mim —
murmurou ele ao pé do ouvido dela, fazendo-a estremecer sob suas palavras com
seu hálito quente contra a pele.
Khalid apertou com um pouco mais de força seu seio e beliscou a
protuberância sensível dela, quando Ayla jogou a cabeça para trás, apoiando-se
completamente nele, deliciosamente rendida às sensações, ele voltou a falar com
a voz tão rouca que potencializou ainda mais o clímax dela:
— Venha em meus dedos e se desfaça no seu prazer, quero sentir o seu
corpo apertando meus dedos, enquanto os afundo em você — sussurrou ele.
Em seguida, deslizou a mão ainda mais para baixo, escorregando seus
dedos para dentro dela. Suas paredes pressionavam seus dedos, ao mesmo tempo
em que sua deliciosa prometida, começou a tremer chegando ao clímax.
— Oh!!! Khalid! — exclamou ela, enquanto uma poderosa onda de
prazer se alastrava por todo o seu corpo. Desnorteado-a e a relaxando ao mesmo
tempo. Sentia-se imoral e satisfeita.
Antes dos tremores dela se acalmarem, ele a soltou e deu um passo para
trás. Atordoada, ela se sentou na cama e virou o seu olhar para ele, sua visão
estava nublada, mas logo que voltou ao normal, percebeu que ele já tinha tirado
a parte superior das suas vestes e agora estava tirando a parte inferior.
Assim que ele terminou de se despir, e corrigiu sua postura, a olhando
com uma fome tremenda, ela sentiu-se aquecer. Rapidamente, pôde ver seu torso
poderoso, elegante e rigidamente trabalhado por músculos definidos, seu peito
levemente coberto com pelos escuros como os seus cabelos. Amira o olhou
fascinada, queria percorrer seus dedos pelo seu corpo e até mesmo passar a
língua em seu peito, pois se perguntava que gosto ele teria. As cicatrizes, que há
tanto tempo ela não via, mostravam quantas vezes já tinha sobrevivido às lutas
de vida ou morte. Conforme ela desceu o olhar, pela sua barriga, viu surpresa e
chocada a sua masculinidade viril. Excitado, com veias dilatadas apontando
diretamente para ela.
Amira engoliu em seco, pois parecia ainda maior do que ela tinha
sentido. Ele deu o primeiro passo em sua direção e ela encolheu as pernas, como
para se proteger. Com mais cuidado ele deu outro passo e se abaixou levando a
mão ao queixo dela.
— Eu poderia passar uma vida aqui, deixando-a me observar até se
acostumar. Mas não consigo mais, eu preciso estar dentro de você… — Khalid
estava com o rosto vermelho e algumas veias de sua testa estavam bem
definidas, mas Amira não viu mais nada, uma vez que ele reivindicou seus
lábios.
Sua fome era exagerada, atordoando-a de maneira que nem sequer
percebeu o momento em que Khalid inclinou seu corpo, fazendo-a deitar-se e
cobrindo-lhe o corpo com o dele.
O beijo de Khalid era feroz e sensual. Sua boca a possuía com longos
beijos profundos de língua e a surpreendia com mordidas ocasionais, causando
arrepios que respondiam diretamente entre as pernas dela, fazendo-a esquecer
que já havia chegado ao clímax uma vez e o bolo de prazer recomeçar a se fazer
dentro dela. Ele enfiou os dedos em seus cabelos grossos, perto do couro
cabeludo e se apossando de todo controle, segurando sua cabeça com firmeza.
A cada vez que ele se afastava da boca dela, parando o beijo, para
recomeçar. As trocas de olhares eram sensuais, ao ponto de voltarem a se beijar.
Arfavam entre as trocas de carícias, porque ambos se entregaram tanto às
sensações que se esqueciam de respirar. Amira suspirou tremulamente, ao sentir
a pressão íntima dele, dura como rocha. Khalid estremeceu ao contato e
começou a mover quadril, até que ela estivesse selvagem novamente, devido à
fricção.
— Khalid! — exclamou ela, implorando por mais com os olhos.
Khalid ergueu o seu troco e apoiou-se sobre os joelhos. Agarrou os
quadris dela e a posicionou, deslizou suas mãos até a coxa, fez suas pernas
enlaçar sua cintura e posicionou o membro em sua entrada, antes de voltar-se
sobre ela. Ao fazê-lo, deslizou a mão até seu traseiro, para mantê-la naquela
posição.
— Me perdoe, amor. Isso irá doer — disse ele com uma expressão de
quem estava sofrendo. Uma gota de suor do rosto de Khalid escorreu e caiu
sobre o rosto dela. Amira sorriu, levantando os braços, passando-o pelos ombros
fortes de Khalid até chegar ao seu pescoço.
— Se for com você, acho que posso suportar.
Khalid não tinha controle, todo o seu corpo doía pela necessidade e a
aprovação dela, foi o estopim que faltava. Não tinha forças para resistir por mais
tempo, começou a pressionar a ponta do seu pênis contra ela. Ayla estava tão
estreita, mesmo que ele tivesse usado os dedos e tivesse a estimulado, seus
músculos apertados quase não permitiam a sua entrada. Empurrou de novo e
Ayla ofegou de dor.
Ele olhou a sua face e ela estava se fazendo de forte, com o rosto muito
vermelho, olhos brilhantes pelas lágrimas contidas, enquanto, ao mesmo tempo,
mordia os lábios.
— Tenha um pouco de paciência, vai passar… — Khalid consolou-a,
vendo uma lágrima rolar pelo canto do olho — Me perdoe, me perdoe.
Ele se moveu para trás suavemente e então para frente, indo mais fundo.
Para tentar possuí-la em toda sua plenitude, ele a beijou, lentamente, acariciando
o interior de sua boca com a língua, enquanto vagarosamente continuava a forçar
a penetração. Estava tenso sobre ela, lutando com o esforço para ser cuidadoso,
enquanto cada poro do seu instinto urrava para que empurrasse duro e fundo no
calor delicioso que Amira possuía.
E então, de uma forma única, seus músculos cederam e aceitaram a
invasão do seu sultão no seu corpo. Ela gemia de dor, mas também havia algum
prazer remanescente de tudo que havia sido instigado por ele lá longe, em sua
mente e suas sensações. Mas dado o momento, parecia que sua mente estava
paralisada no pensamento de dor.
Khalid, interrompeu o beijo, não conseguindo controlar a sensação
deliciosa que tomou seu corpo. Grunhindo, em meio a um gemido longo de
prazer alucinante. Ao abrir os olhos e olhá-la, ele se sentiu mal, pois ela estava
com o rosto vermelho, paralizado pela dor, com os olhos muito abertos,
petrificada e então encheu o rosto dela de beijos, enquanto mantinha seu quadril
parado, engatado nela, usando toda sua força de vontade, esperando-a se
acostumar ao seu tamanho e a sua entrada.
— Passou, passou, meu amor... — murmurou ele.
— Eu sinto que meu corpo se partiu por dentro… — admitiu ela em
meio a um soluço de choro.
— É só uma sensação momentânea, só dessa vez. Nunca mais vai
sentir... — explicou ele, consolando-a.
— Promete?
Em meio à doçura dela, ele sorriu e pousou um beijo suave na ponta do
nariz vermelho da garota.
— Sim, prometo.
Uma vez que sentiu que Ayla estava começando a relaxar, Khalid
começou a se mover lentamente, saindo para voltar a entrar em seu sexo quente.
Os músculos dela o apertavam, maltratando seu controle. Mas o prazer de estar
dentro de seu interior era indescritível. Aos poucos, começou a se mover mais
rápido, retomou seus lábios entre os seus, mantendo-se controlado e no mesmo
ritmo, até que ela voltasse sentir algum prazer, onde momento depois surgiu em
um gemido, quase um ronronar saindo pelos seus lábios.
Receptiva como era a dor, fora passando, dando lugar a uma ardência
que estava sendo subjugada pela excitação. Ela precisava que tudo acontecesse
mais rápido, conforme sua necessidade crescia, mas a disciplina de Khalid era
absoluta. Ele trabalhou mais para dentro, sem alterar o seu ritmo. Amira
escorregou as mãos aos ombros de Khalid e arqueou o quadril, desejosa. E era
apenas este sinal que ele precisava para aumentar as suas investidas. Amira
gemia, agora completamente enlouquecida, sentindo-se tão preenchida quanto
podia e Khalid não estava diferente, a cada estocada que ia até o mais profundo
dela. Quando então, teve uma liberação violenta tomando-os, simultaneamente,
tremendo com espasmos ferozes do forte clímax que os apoderou.
Khalid, derramando sua semente dentro dela, se sentia com os pés no
paraíso. Ofegante e atordoado. Ele a abraçou, negando-se a separar seus corpos.
Tomando um tempo para recuperar o fôlego.
Enquanto Khalid se recuperava, Amira se viu subitamente emocionada.
Ao perder-se em uma reflexão momentânea. Que a consumação só fora assim,
pois estava com Khalid. Qualquer outro, teria sido apenas dor e nada mais.
— Obrigada, Khalid — murmurou ela contra o vão do pescoço dele.
— Pelo quê?
— Por tudo… Eu que me tornei uma escrava, estava destinada a ser um
adorno. Somente isso, o que penso, sinto ou qualquer coisa, não importaria. Mas
você faz com que tudo seja tão maravilhoso.
Um sentimento de excessiva ternura se estendeu por ele, soltando-a do
seu abraço e saiu cuidadosamente de dentro dela. Ela sentiu falta do calor do
corpo dele e percebeu o vazio que o afastamento deixou em si, sentindo o
liquido viscoso, saindo de seu sexo. Ele saiu da cama e com cuidado pegou um
pano limpo e úmido, a limpou sem qualquer cerimônia. Se vestiu, pegou um
grosso manto em mãos, voltou seu olhar atento à ela e estendeu a mão para
Amira.
— Vamos tomar banho juntos, minha prometida? — Os olhos de Khalid
brilhavam felizes.
Amira recordou-se de quando chegou, do banho que tomou com ele e
como parecia ser em quase outra vida depois de tudo que viveram. Sorriu para
Khalid, arrastando-se para fora da cama, ainda sensível e segurou a sua mão,
assim que se aproximou dele e permitiu que ele a cobrisse com o manto.
Ele pediu um momento e a deixou ali de pé, curiosa, para ir até a porta
do seu aposento. Sibilou ordens para seus guardas do lado de fora e então voltou
para ela. Khalid puxou a manta até a cabeça dela, cobrindo-a inteira sem deixar
nenhuma pele exposta, pegou-a nos braços e se apressou para sair do aposento.
Amira deu risada com todos os cuidados dele e não viu ninguém em
todo o trajeto, com a manta que lhe cobria, ela conseguia ver no máximo o
pescoço de Khalid. Enquanto perguntava-se o que o jovem sultão tinha dito aos
seus homens, entraram no aposento de banho e ela pôde ouvir o barulho da água.
Ele a colocou no chão, com delicadeza, permitindo que ela descobrisse a
cabeça, Amira arfou, podendo respirar o ar fresco. A manta era grossa e pesada,
e era difícil de respirar. Ela olhou o aposento, reconhecendo-o, ele era tão grande
e bonito que não tinha como não se encantar. Na primeira vez, não tinha prestado
atenção, mas era tão bonito que poderia passar horas naquele lugar. O som de
farfalhar chamou sua atenção, tirando os olhos dela da bonita decoração. E
então, viu Khalid se despindo novamente e vindo em sua direção, rápido e com
passos silenciosos, no entanto, o que mais chamava a sua atenção era a sua
masculinidade novamente ereta.
— Por Alá, Khalid! O que está fazendo? Não íamos tomar banho? —
perguntou Amira surpreendida, cobrindo-se com as mãos enquanto o homem
puxava o manto de seu corpo.
— Vamos tomar banho... depois — respondeu com uma calma que
Amira chegou a se perguntar, o porquê fizera uma pergunta dessas. Mas com o
resto da resposta de Khalid, sabia que este sim, era o seu real plano desde o
começo — Além disso, quero olhar a beleza do seu corpo por mais tempo.
E mais uma vez, sobre a manta grossa que uma vez cobriu Amira,
Khalid voltou a reivindicar o corpo dela.
(...)
Depois de tudo, eles tomaram banho. Khalid pegou do lado de fora dos
aposentos, pertences que tinham sido deixados pelas criadas, enquanto eles se
banhavam. Ele refez seus curativos, ajudou Amira a se vestir, e inclusive,
fizeram suas orações de purificação antes de irem ao seu aposento.
Finalmente ela era dele, havia consumado a união. Ela estava feliz, leve
e também muito cansada. As emoções foram tantas, que bocejou logo que se
sentou na cama. Ela olhou para Khalid, vendo alguns cabelos ainda úmidos
colados em sua testa.
— O que foi? — ele perguntou.
— Percebi que seus cabelos estão maiores…
Os cantos da boca de Khalid se levantaram, mas não chegaram a mostrar
seus dentes, enquanto ele se sentava na cama ao lado dela.
— Sabia que você sempre joga olhares para a minha cabeça? —
comentou achando graça — Não foi difícil saber que sentia falta dos meus
cabelos grandes, de quando jovem. Por isso não os cortei mais.
Ela se surpreendeu sobre como ele reparava os pequenos detalhes e
sentiu vergonha de si, por só ter reparado em seus cabelos naquele momento.
Khalid, despreocupado, se deitou e a puxou para deitar em seu peito, ela se
sentia tão amada, que apenas fechou os olhos enquanto pousava a mão sobre o
peito dele sentindo o pulsar do coração do seu amado.
— Eu te amo… — murmurou ela pouco antes de cair no sono
completamente exausta.
— Eu te amo mais… — disse ele baixinho beijando o topo da cabeça
dela.
CAPÍTULO 25

SOL E TORMENTA

N a manhã do novo dia, o calor e as luzes começaram a entrar no aposento,


aquecendo-o. Ela sentiu o cheiro de Khalid invadindo as suas narinas,
sentia-se envolta a ele, como se estivesse a abraçando. Ainda de olhos
fechados, ela inalou antes de preguiçosamente abrir os olhos. Viu primeiramente
o rosto de Khalid próximo à ela, com seus olhos fechados, com pestanas
espessas, longas e negras. Seu nariz, levemente torto, denunciando que algum
dia fora quebrado. Seus lábios bem definidos, em meio à uma barba volumosa,
perguntava-se como ele ficaria sem ela.
Amira sorriu e suspirou, observando-o. Sereno e até mesmo com um ar
infantil. Ele tinha uma feição tão tranquila, diferente daquele rosto impassível e
severo do seu dia a dia. Khalid ficava ainda mais bonito aos olhos de Amira. Se
é que isso era possível.
Os olhos dela fixaram em seus lábios, entreabertos, levemente rosados
em seu centro. Sua mente fora tomada pelas lembranças do que ele havia feito
com esses mesmos lábios e sentiu seu rosto perdido em chamas. Se virou,
escondendo o rosto no travesseiro que estava sob sua cabeça, exclamando
abafadamente sua vergonha.
Amira mal podia acreditar, além de tudo, as suas reações, sua entrega, os
sons que saíram de sua boca na explosão de prazer que tinha a invadido no dia
anterior. Seu corpo estava quente, havia desejo ali, ela precisava do toque do seu
amado, mas morria de medo de admiti-lo em voz alta.
Ela sentia um nó de necessidade se formando dentro de si, mas ele
estava dormindo e merecia o seu descanso. Ah! Khalid… pensou ela em um
suspiro apaixonado. Ele a amou na noite anterior, em cada toque, cada beijo e
sussurro.
A garota não se cabia de felicidade, quase se sentia indigna de receber
tamanha dádiva. Alguém que a amava com esse amor. Ela que desde a infância,
não sabia o que era isso. Tendo a companhia do seu amigo imaginário com a
forma de um Khalid mais novo. O verdadeiro, a princípio a chocou, mas ele era
muito, muito melhor do que o imaginário. Então, se levantou apoiando-se nos
braços e aproximou-se do rosto do seu amado, tocou gentilmente os seus lábios
nos dele, com medo de despertá-lo e ia se afastar, se não fossem pelos braços
ágeis e fortes que a impediram.
A garota, por instinto e surpresa se debateu, mas o riso de Khalid chegou
aos ouvidos dela.
— Você estava acordado?! — exclamou ela espantada e constrangida, o
que fez o riso de Khalid ficar ainda mais alto.
— Verdade, tem um tempo que eu acordei — Amira debateu-se mais,
tentando se safar do abraço dele. Visto que ela não desistiria, ele a segurou com
mais firmeza, a tempo de virar seus corpos e ficar sobre ela em um rompante —
Mas quem diria que a minha prometida seria tão ousada? Pensei que a minha
maior surpresa fora quando roubou um beijo ontem. Mas parece que essa minha
doce flor do deserto, é cheia de artimanhas para me seduzir. Até mesmo, atacar
um pobre homem desacordado...
O brilho de diversão nos olhos de Khalid e a sua voz arrastada,
tranquila... Transmitia a felicidade do homem e, diante disto, Amira não pôde
evitar de sorrir em retorno.
— De fato, meu sultão não perde a oportunidade de me provocar… —
disse a garota, em seu tom satírico, conformada que não poderia fazer nada a
respeito sobre a personalidade do homem.
— Já lhe disse, pequena. Suas reações me encantam… — disse ele
levando uma das mãos à face dela, acariciando a curva do seu maxilar.
— Não devemos mentir, meu sultão. Você disse que minhas reações o
divertem — ela deu uma reprimenda divertida nele, que não se importou, apenas
riu baixo, antes de abaixar-se sobre ela.
— É isso também… — murmurou Khalid contra os lábios dela, pouco
antes de beijá-la.
Seduzida pela carícia sensual da língua de Khalid, facilmente a garota se
viu em chamas. Retribuindo o toque quente, envolveu-o com seus braços,
trazendo-o mais para si, sentindo-se devassa, quando ele sorriu contra a sua
boca. Amira abriu as pernas e o envolveu, e a pressão do seu sexo muito rígido
pela manhã, tocou a sua entrada e ela arfou, enquanto ele soltou um baixo e
sensual gemido, vindo do mais profundo de sua garganta em aprovação.
— Ayla… — sussurrou Khalid, seu tom era da mais crua necessidade.
— Khalid… — choramingou ela fechando os olhos, movendo o seu
quadril gostando da sensação que a fricção lhe causava.
E quando abriu os olhos, gostou de ver a expressão de sofrimento de
Khalid. Começando a entender uma parte específica da declaração dele sobre
“querer que ela sentisse o mesmo sofrimento que ele”, a garota até se sentiu um
pouco má, mas o fez sofrer mais conforme se movia. Entretanto, todos os planos
da garota foram arruinados quando o som do chamado para a oração se fez
ouvir.
A realidade e os deveres de Khalid vieram à sua mente, pois depois da
oração, tinha reuniões e coisas importantes a fazer. Afinal, ele era o maldito
sultão de todo um império.
Khalid deixou a cabeça cair sobre o ombro dela, suspirando dolorido e
frustrado.
— Tenho que ir… — falou em um tom de reclamação.
Amira também não estava muito feliz, mas não tinha nada que pudesse
fazer. Ele se levantou, dando uma última olhada nela e então foi se trocar para
cumprir seus deveres. Tão logo, ela também deveria se levantar e fazer suas
orações, mas não tinha vontade de ir a qualquer lugar.
Em todo caso, após concluir todos seus afazeres da manhã, Amira já
tinha se banhado e alimentado. Tranquilizara suas criadas que estavam
preocupadas e aflitas. Elas saíram para levar o resto da sua comida e trocar a
água das bacias, quando Amira colocou a cabeça para fora do aposento, ela viu
dois guardas na porta e mais dois ficando a postos para acompanhá-la caso fosse
sair.
Não muito tempo após voltar para dentro do aposento, Amira sentia-se
trancada em uma gaiola, ainda que não estivesse. Seus pés doloridos a impediam
de andar muito, a ponta de seus dedos incomodavam quando ela segurava algo.
E dependendo do movimento, seu corpo exclamava a dor.
Amira estava chateada, como um animal preso, ferido e sozinho, e em
busca de alguma liberdade, ela foi à janela onde se sentou e deixou o vento
fresco a receber. O aposento de Khalid era alto, o vento era mais forte e dava
uma maior sensação de liberdade.
(...)
Algumas horas antes do sol nascer...
Em algum lugar não muito distante dali do quarto de Khalid, tinham
pessoas se encontrando em segredo em um canto escuro do palácio. Alguém
novo, trazido enquanto o casal estava dormindo tranquilo.
— Tome isso, vista — disse Kelebek, entregando um amontoado de
roupas para um jovem rapaz — Se passará por eunuco e assim poderá ficar
andando pelo harém. Escureça com isto aqui as suas sobrancelhas.
— Mas… — começou o jovem rapaz.
— Nada mais. Me chame aqui de Sultana, não pode olhar nos olhos das
pessoas, mantenha a formalidade, um eunuco é um servo. Você está destinado a
ser um sultão, mas até lá, deverá ser humilde, está entendendo? — disse ela
alertando-o.
— Sim… — disse ele amuado descendo o olhar.
Ela o olhou com carinho e então levou a mão ao seu rosto, fazendo-o
levantar o olhar.
— Você sabe que tudo que eu faço é por você, não é? As pessoas são
ruins aqui, Khalid é um terrível tirano e assassino. Não consegui provar ainda,
mas foi ele que matou Fahir. Amira é uma pessoa ruim também, não se esqueça
disso, querido. Juntos, iremos conquistar nosso lugar de direito, meu filho.
Ela o puxou num abraço apertado, um dos raros que ele já recebeu e se
sentiu acolhido e amado e faria tudo que fosse por ela, pois tudo que ela fazia era
por ele.
— Sim, mamãe. Farei de você a Valide Sultana.
— Bom garoto, é por essa bondade em seu coração que apenas você
deveria se tornar sultão. O povo que vive na miséria e todos mais vão te amar, só
precisamos tirar Khalid do seu lugar atual e colocá-lo no lugar que deveria
estar… morto — disse ela se afastando e passando o polegar pelo rosto do
menino.
O Imã apareceu vindo das sombras com as suas vestes claras, Kelebek
arrumou sua postura afastando-se do seu filho.
— Por Alá. Vocês terão todo o tempo do mundo depois, quando se tornar
o grande sultão. Já informei aos meus aliados para dizerem que você é um novo
criado. Você é um bom menino, meu garoto. Sei que fará tudo certo. Vá!
E o garoto foi seguindo pelos jardins do palácio, que era muito grande,
diferente de onde ele crescera escondido nas paredes da mesquita, aos cuidados
do Imã. O sol já estava nascendo, iluminando melhor o caminho, quando virou o
seu olhar ao palácio, onde o sol estava iluminando, viu uma linda garota sentada
à beira da janela, com seus olhos fechados enquanto o vento batia contra ela.
Uma visão tão bela que ele se viu fascinado. Seus cabelos longos e
negros ondulavam, sua pele muito clara, seus lábios rosados, suas curvas sendo
reveladas pelo vento, o seduziam. E quando ela abriu os olhos, ele deu alguns
passos para trás, escondendo-se em meio à vegetação. Seu coração estava
disparado, quando se deu conta sobre quem era ela.
A mulher mais bela do império, a famosa flor do deserto. E também a
mulher que sua mãe disse para não confiar.
O garoto engoliu em seco, voltando seu olhar ao chão, mas logo depois
ele voltou o olhar para ela.
— Como alguém tão bonita, poderia ser má? — murmurou para si
mesmo.
Ela levantou a mão para afastar alguns fios bagunçados de seu rosto e
viu suas mãos enroladas em tiras de tecido. Ela está machucada! Exclamou em
pensamento e por um segundo, imaginou um pássaro engaiolado. Um canário.
Khalid deveria ter feito isso com ela, como ele pôde machucar alguém tão bela,
pensou o inocente rapaz enquanto prometia a si mesmo que iria ajudá-la a fugir,
mesmo que fosse contra as ordens de sua mãe.
(...)
Amira, totalmente alheia aos olhares surdinos que recebia de um
desconhecido, escutou alguém batendo na porta e então ouviu a voz de Nuray.
Amira ordenou que ela entrasse, enquanto saia empolgada da janela abrindo um
largo sorriso. Todavia o seu sorriso morreu quando viu aquela “garota de rosa”
da sua tribo, entrando no aposento junto.
Antes de Amira falar qualquer coisa, como “O que ela está fazendo
aqui?”, Nuray se apressou a falar:
— Se acalme pequena. Uma coisa por vez, minha querida — disse ela
dando alguns passos mais à frente, tampando o seu campo de visão — Primeiro,
eu preciso saber, você está bem? Fiquei tão preocupada com você! Por Alá, você
estava comigo e então saiu, quando voltei a vê-la estava toda machucada!
Nuray leva a mão ao braço de Amira e a fez sentar com cuidado em um
sofá perto dali.
— Foi Said, ele me interceptou no meio do caminho. Eu tive que fugir,
quase não consegui. Eu pensei ser forte, mas não fui o suficiente — admitiu
Amira, esquecendo-se da menina — Ele pretendia me violar e me jogar ao leão...
Ele disse que falei tudo que ele fez comigo ao Khalid e queria se vingar.
— Quer falar? — indagou cuidadosamente Nuray.
Amira levantou o olhar e viu a menina de rosa, mas a mulher mais velha
se aproximou de seu ouvido e sussurrou:
— Também será bom que ela lhe escute, querida.
Falar sobre isso era algo que a faria reviver tudo aquilo que era doloroso.
Repetindo em um ciclo infinito as suas recordações, mas agora que Said estava
morto, pensava que seria mais fácil. Entretanto, ela se enganou. Assim que
começou a falar, se viu mergulhada nas recordações como se revivesse cada um
dos detalhes.
Entretanto, a garota de rosa chorou silenciosamente, sentando-se aos pés
de Amira. Então, começou a falar desenfreadamente:
— Na época em que fomos chamadas ao seu aposento, eramos tolas... A
invejamos por que você sempre fora privilegiada. Você era prometida ao
príncipe que possivelmente tornaria-se o novo sultão. Sempre tinha as melhores
roupas e cuidados. Até morarmos com o sheik, vestíamos trapos. Restos.
Tínhamos rancor, não vou mentir. Mesmo na desgraça, todas às vezes, era você a
se destacar.
A mulher abaixou o olhar arrependida, até que o levantou outra vez em
busca de se justificar.
— Você sempre foi inalcançável! E você nem fez nada para isso… Nós
erramos. Na nossa mente, era como se você estivesse nos chamando ao seu
aposento para mostrar como mesmo após perder tudo, você ainda era superior a
nós. — disse com amargor a garota e Amira recordou-se do seu comportamento,
envolto na hostilidade delas. E de fato, de um jeito ou de outro, foi exatamente o
que ela fez — Admito… Eu percebi que você perdera o brilho de vida de seus
olhos, que o seu sorriso feliz tinha se transformado em desgosto e dor. Sua força
se tornou tudo o que você era e sua personalidade vivaz não mais existiam. Me
perdoe, Ayla.
Amira se arrepiou ao ouvir seu nome através de outra boca que não era
de Khalid, ao mesmo tempo, se sentiu compelida a ser igualmente franca. Tinha
que concordar que a vida sempre lhe foi favorável, parecia que as coisas “boas”
e as “ruins” aconteciam em sua vida de forma linear.
— Eu não era forte, na verdade, mesmo agora não sou forte. Apenas usei
minha persistência e insistência… Precisava de uma motivação, algum motivo
para ainda estar viva quando todo mundo que amava morreu. E então vocês
estavam chorando, queria impedir isso e proteger vocês. No entanto, depois que
vi que vocês não se importavam comigo, senti meu mundo ruir, pois, não tinha
mais ninguém por quem tentar me manter forte. — Amira meneou arrependida,
dando-se conta do que fez e do que tinha a motivado, somente quando disse em
voz alta — Só tinha apenas “eu” e isso, não era o bastante. Said me atacou e eu
queria me vingar. Depois disso nada mais importava e essa se tornara a minha
única ambição. Não peça perdão, se eu fui uma pessoa ruim.
Amira levou a mão ao ombro da garota e ela meneou a cabeça.
— Todas nós tínhamos mudado, eu pensei… bom, o que eu pensei não
importa. Independente da sua motivação, você o fez para o bem enquanto
devolvemos em ódio — disse entristecida a menina, derrubando algumas
lágrimas desta vez, orgulhosa — Ele costumava falar para nós quando
errávamos: “Oh! Que pena, Amira consegue com tanta facilidade, esperava o
mesmo de vocês.”, “Como podem ser da mesma tribo e a diferença entre vocês
ser tão grande?”, “Deixarei vocês agora, vou visitar a nossa princesa no topo da
torre, como ela já está avançada nas lições.”...
— Entendo, acabaram se sentindo competitivas, também aconteceria
comigo. — Amira deixou-se jogar para trás, pensando em como um homem
poderia criar tantos problemas. Sozinho a fez odiá-lo, com elas as fez a odiarem
e assim o único apoio que teriam, umas das outras, ele separou. Amira odiava o
fazer, mas admitia que Said era inteligente, assustadoramente inteligente.
— Assim que você foi embora e ele estava com aquela cicatriz, ele
mudou. Ele se tornou mais agressivo. Quanto mais as notícias se espalhavam
sobre você, mais homens se interessavam por nós. Eu fui a primeira a ser
vendida, mas eu descobri que não posso ser mãe… — disse ela com pesar — O
homem que me comprou, me bateu e me devolveu. Apanhei de Said, mas ele
resolveu me manter, para tentar me vender a alguém que não quisesse mais uma
virgem ou ter filhos. Ele planejava fazer com que alguém aqui do palácio se
interessasse por mim, ou me levaria daqui para o porto e me daria a quem
achasse conveniente.
— E as outras? — perguntou Amira num fio de voz, com medo da
resposta.
— Tive notícias de que algumas foram mortas. Algumas foram
transformadas em prostitutas, outras já têm algum filho a caminho… Uma das
que estava comigo e que foi a última a ser vendida, Raíssa, fugiu. Não sei se
lembra dela, mas era a mais irritadiça. De toda forma, descobrimos da pior forma
que você sempre esteve certa sobre Said.
Amira queria se sentir vingada, satisfeita ou feliz. Realmente foram
injustas com ela, mas não conseguia. Ela escorregou do sofá e foi à frente, se
ajoelhando na frente da garota e a abraçou. As duas não falaram mais nada, até
que Nuray tossiu chamando a atenção.
— Fico feliz que vocês tenham se resolvido, mas precisamos resolver
sobre as crianças. Temos muito a fazer e este será o seu primeiro feito em seu
nome, Amira — explicou ela, sorrindo calmamente.
Amira sabia que ela tinha razão, assim voltou a se sentar no sofá e fez a
garota se sentar também, mas como não sabia seu nome então, naquele
momento perguntou “Qual seu nome?”. Nuray paralisou e então achou tanta
graça nisso que surpreendeu as duas.
— Você não sabe o nome dela?
— Não… — disse sem graça Amira — Eu cresci afastada de quase todo
mundo. De fato, o tratamento que eu recebi foi muito diferente do que elas
receberam.
— Mas o surpreendente não é isso. É que você realmente apanhou,
tantas vezes, por pessoas que você nem sequer sabia o nome?!
Amira sentiu seu rosto queimar, mas concordou com a cabeça. Nuray
jogou a cabeça para trás e riu sonoramente.
— Realmente, você tem um bom coração. Tanto que chega a ser um
coração tolo.
— Hana… — disse a menina de rosa, tímida e sem graça.
Amira olhou para ela e Nuray fez a mesma coisa, feliz. No entanto, o
assunto sério não poderia ser ignorado. Nuray explicou todas as coisas que
Amira poderia fazer, todas que ela teria que fazer e as coisas que seriam
esperadas que ela fizesse. Entre elas estava o fato de quem iria cuidar das
crianças, professores, cuidadores, cozinheiros e afins. Neste momento Hana,
tomou a frente e disse:
— Se for a vossa vontade, e aceitarem… Boa parte das mulheres que
restaram de Said, têm medo de voltar a casar. Por isso, poderíamos juntar o útil
ao agradável, sabemos cozinhar, dançar, cantar, recitar e o que não soubermos
podemos aprender e passar adiante para as crianças.
— Gostei muito da ideia! — exclamou Amira empolgada que se virou
para a sultana com grande expectativa.
A mulher mais madura se viu surpresa pelo olhar empolgado e repleto de
expectativa de Amira e por fim concordou.
(...)
Mais algumas horas se passaram e elas partiram. A refeição veio e se foi,
o restante do dia também. Amira se via muito feliz nas idas e vindas de Khalid, a
cada tempo vago. Caso quisesse sair do aposento, somente acompanhada de dois
dos seus servos mais fiéis, que haviam retornado dos líderes políticos, segundo a
informaram, mas ainda sim, foram escolhidos para a sua segurança. Os dias
seguiram um após o outro, até que não se faziam mais necessidade de faixas. No
entanto, o extremo zelo de Khalid não mudou e Amira queria esganá-lo por isso.
Amira não estava mais feliz de estar no aposento de seu amado. Adorava
estar com Khalid, mas as paredes e tudo mais que tinha no cômodo a perturbava.
Sentia-se engaiolada. Ela queria estapeá-lo, brigar, gritar e exclamar a sua fúria.
Não era um pássaro para estar em uma gaiola, mas se continha em uma raiva
silenciosa. Sabia haver preocupação nos atos dele.
Khalid, por sua vez, estava sobrecarregado de trabalho, entre coisas que
já fazia, com o fato de que ele queria provas para derrubar seus inimigos.
Quando estava com Amira, falava sobre o seu dia, do cargo novo dos seus
aliados e decomo ele estava reformando tudo. Lamentando apenas que ainda não
tinha provas contra o Imã ou Kelebek. E que enquanto eles estivessem vivos, ela
não estava segura. A cada saída dela, queria ser informado, mesmo com seus
homens, não estava confiante no bem-estar dela depois de tudo, tornando-se
inseguro e exageradamente zeloso.
Para mudar o clima, ele escutava-a falar incansavelmente do seu projeto
e a incentivava a falar mais sobre suas ideias. A forma como estava sendo
construído, o local que seria morada das crianças e como elas eram adoráveis.
Escutou pacientemente o que Ayla falou sobre a garota de sua tribo. Ela parecia
revigorada com as coisas claras entre as duas, até melhor com ela mesma. Sua
prometida disse empolgada como as garotas pareciam ter sidas enviadas por Alá
e que tudo ia tão bem que tinha medo de que qualquer coisa ruim acontecesse.
Ela sempre esperava o pior e nesse ponto, Khalid não podia tirar sua
razão, ele era igual. Mas ele adorava o brilho de felicidade de sua amada ao falar
sobre as coisas boas, elas costumavam ser tão raras que, por isso, sempre que ela
ia para um caminho triste, ele a trazia de volta ao caminho da felicidade,
sutilmente entre uma pergunta e outra. Mais que tudo, ele desejava uma vida
feliz à sua Ayla.
CAPÍTULO 26

UM MINUTO: APENAS UM DESCUIDO EM MEIO O SORRISO

Uma semana após estar completamente recuperada...

A mira estava no harém, perto da janela sentindo o sol batendo em suas


costas, um agradável calor a preenchia ao observar as crianças pequenas
brincando sentadas aos seus pés. O harém parecia muito mais feliz e
tranquilo. Tudo devido à influência das crianças, que roubavam os corações das
mulheres. Como naquele instante, uma das meninas imitava Amira e um dos
meninos falava de uma forma muito similar ao Khalid. Outro fingia ser um
inimigo e pulou sobre a pequena cópia de Khalid, que revidou girando os seus
corpos, travando-o abaixo de si e gritando: “venci”.
Nuray, a esquerda riu e Hana à direita, levantou-se e foi até eles e os
colocou em pé de novo, pois o “inimigo” chorava, já que o mini “Khalid”
sempre vencia. Assim as criadas sorriam achando graça e fofura, inclusive,
Nehir! Sim, ela estava sorrindo! O seu sorriso foi uma grande surpresa para
todas as pessoas ao seu redor, que tiveram que disfarçar o espanto o mais rápido
possível antes que a mulher se desse conta.
Um riso nasceu em Amira pelo momento, um sorriso de felicidade
diante da contemplação daquela cena. Um pequeno pedaço do paraíso, que fazia
Amira sentir que fizera as escolhas certas. As garotas de Said ficaram
empolgadas com a perspectiva de não serem obrigadas a casar. Elas temiam seus
futuros incertos anteriormente, mas agora, não mais, pois tinham um propósito
bom de vida. Sentiam-se inspiradas por Amira a fazer o bem e mudando o
destino daquelas crianças.
Um vento forte bateu contra a janela e entrou pelas brechas,
surpreendendo Amira que sentiu seu corpo arrepiar com o vento frio. Ela se
virou e viu algumas pétalas de flores dos jardins voarem do lado de fora e
entrando pelo vão, ela esticou a mão e pegou uma pétala, o coração da garota por
algum motivo se apertou contra o peito e ela fechou a mão em que segurava a
pétala e levou próximo ao coração, aflita, ao pensar que uma tempestade estava
chegando mesmo com a luz do sol ainda presente. Parecia um mau presságio.
— Você está bem? — perguntou Nuray preocupada com o rosto
subitamente pálido de Amira.
Amira levantou o olhar para Nuray e forçou um sorriso doce e
controlado.
— Acredito que ainda não me acostumei com a calmaria de alguma
forma — respondeu, achando graça no próprio susto, virando o corpo para
mostrar a janela agora aberta pelo vento.
Mas da mesma forma que o vento forte chegou, se foi, além disso,
parecia que apenas ela percebera a mudança de tempo. Voltou o olhar para
Nuray e percebeu que ela parecia preocupada e tinha até alguma pena, devido a
tantas coisas ruins que aconteceram. Amira sentiu uma pequena fisgada em seu
orgulho e aumentou mais o sorriso.
— Acredito que fora apenas uma brincadeira da minha cabeça pregando-
me peças. Não precisa se preocupar.
Nuray a olhou atentamente e sabiamente, Amira desviou o olhar e voltou
a olhar para frente. A jovem sentia-se mais controlada que antes, era mais fácil
fingir estar bem sem tanta pressão diária, mas seria uma mentira não admitir que
se sentia alerta esperando algo acontecer que nem sequer imaginaria o que
pudesse ser. Sentia-se como um animal bebendo água no oásis, sendo observado
pelo predador que o devoraria num pequeno descuido.
Ponderou em contar à Nuray sobre seus pressentimentos ruins, dado a
sabedoria dela, esperava que a mulher dissesse ser algo de sua cabeça. No
entanto, uma criada atravessou o harém, chamando a atenção de Amira a
impedindo de seguir o seu pensamento.
— Minha senhora… — disse a criada fazendo uma mesura sem seu
olhar alcançar Amira.
— Sim?
— O grande vizir, está lhe esperando do lado de fora do harém. O sultão
a aguarda imediatamente — explicou ela.
— O que houve? — questionou Amira, insegura nesta súbita chamada.
— Não sei, minha senhora, não me compete — admitiu a mulher.
Amira levou seu olhar de soslaio para Nuray e Hana, que pareciam
cuidadosas. Amira quase podia ler seus rostos e seus pensamentos que não eram
tão diferentes dos dela. Kelebek anda muito silenciosa.
No final, Nuray esmoreceu dizendo com o olhar que não tinha nada a ser
feito. No entanto, Hana se levantou.
— A acompanharei! — anunciou Hana.
Amira abriu bem os olhos, espantada com a súbita atitude da garota que
era geralmente ponderada e calma. Acreditava que o motivo disto era que a
garota desejava compensar. Mas...
— Não é preciso… — concluiu o seu pensamento em voz alta.
Levantando-se e se voltando para a criada — Quem é que está lá fora, criada?
— O grand vizir Jaffar, minha senhora.
— Viu? — tranquilizou tanto a garota quanto a si mesma.
Se tinha uma pessoa que não iria trair Khalid, este era Jaffar.
— Mesmo assim, prefiro ir junto... — insistiu Hana com o rosto
levemente ruborizado. Abaixando o olhar, virou a face evitando o olhar de
Amira.
Hum?! Estou perdendo algo aqui? Amira questionou-se em pensamento,
observando Hana de forma bastante perspicaz.
— Bom, se é assim... Vamos — falou Amira, perguntando-se o que
poderia ser, caminhou em direção à saída do harém com Hana em seu encalço.
Porém, tão logo que a porta se abriu Amira entendeu o porquê do
comportamento da jovem garota.
Jaffar corrigiu sua postura, revelando sua roupa bem alinhada e
aparentemente nova, incluindo seu turbante negro com um adorno. Amira sorriu,
ao mesmo tempo em que ele a cumprimentava cordialmente e para Hana fazia
uma mesura tímida.
Assim que o olhar dele recaiu sobre Amira novamente, sentiu um arrepio
o percorrer, temeroso. A expressão alegre da garota lembrava muito uma
expressão que ele via com frequência no rosto de Khalid quando mais novo.
Uma expressão que ele tinha certeza de que problemas logo chegariam.
Engolindo em seco ele fez um gesto educado de cortesia, indicando o caminho
para seguirem.
— Onde ele está? — questionou Amira, realmente feliz com a
perspectiva das pessoas ao seu redor vivenciarem o amor também e torcia muito
para isso.
— Na biblioteca, minha senhora.
Sem esperar mais nenhuma palavra sequer, Amira pegou a barra de sua
roupa levantando um pouco para passar na frente deles, animada e satisfeita com
o suposto romance dos dois. Empolgada para contar a Khalid sobre as
novidades, pois sabia que ele ajudaria a juntá-los, ela caminhou apressada,
deixando Jaffar, Hana e o seu guarda que fazia a sua escolta levemente para trás.
(...)
Logo que chegaram à biblioteca, Amira passou direto pelos guardas,
estes que quando a viram desembalada em sua direção, abriram as portas. No
entanto, a jovem se refreou no seu ímpeto mal-educado, ao deparar-se com
Khalid acompanhado de um homem, ambos parecendo muito sérios.
Amira sentiu seu sorriso esmorecer com a vergonha que estava tomando-
a. Embora estivesse apenas movida pela alegria, não era o comportamento digno
de uma das esposas do sultão. Corrigiu a postura, soltando a barra do seu vestido
e fez uma mesura educada. Desculpando-se pelo mau comportamento.
Khalid abriu um sorriso para ela e gesticulou.
— Amira, este é o Tunç. Ele é um aliado meu, embora da última vez que
você o viu não parecia ser — explicou, levemente bem-humorado.
Amira tentou puxar na memória quem era ele e recordou-se dos
primeiros dias no palácio. O homem que teve a audácia de repreender Khalid. E
ao se lembrar disso, se retraiu. Não falou, apenas fez uma reverência sutil. O
astuto senhor, sorriu vendo a educação de Amira e depositou na mesa de Khalid
alguns papéis que estavam em sua mão.
— Meu sultão, fiz o que tinha que fazer. Se me permite…
— Sim, vá Tunç… — disse enquanto fazia um suave gesto com a
cabeça.
Amira estava confusa, mas logo que o homem saiu, Khalid mandou
Jaffar fechar a porta. Prontamente o homem obedeceu e o som da porta fechando
atrás dela parecia um prelúdio de problemas. O coração de Amira saltou forte no
peito, conforme ela engoliu em seco, a sua respiração ficou mais pesada com sua
mente formulando os mais diversos e aterradores cenários.
— O que está acontecendo, Khalid? — perguntou ela num fio de voz,
inquieta demais para ficar parada, se aproximou dele e pegou a barra do tecido
de suas vestes — Algo ruim? Me diga, o que aconteceu…
Neste ponto a garota sentia como se o chão estivesse lhe faltando. Khalid
não costumava esconder as coisas dela, dado que quase todas as noites
conversavam sobre tudo.
— Ruim? — indagou ele pensativo e misterioso, afastando o seu olhar
do dela — Talvez para mim…
Ela o olhou atenta, ele tinha aquela sua expressão impassível de sempre.
Não conseguia saber o que se passava ali. Com o nervoso tomando o lugar do
medo, a ansiedade em saber o que estava acontecendo, ela puxou o tecido que
segurava com alguma força.
— Como assim? Não é hora de brincar! Rogo que seja claro!
— Certo, certo… — disse Khalid não aguentando ouvir a angústia na
voz dela. Voltou sua atenção para sua amada, mais gentil, colocou sua mão sobre
a mão dela e com a cabeça, gesticulou para a mesa — Pegue estes papéis e leia.
Amira seguiu o olhar para a mesa. Observou o papel que Tunç colocou
ali, era amarelado, maior que uma folha normal e tinha letras pequenas,
carimbos e selos. Não dava para ler de antemão coisas aleatórias àquela distância
ou mesmo tentar supor do que se tratava. E embora neles tivessem a resposta
para as suas perguntas, tinha medo do que iria encontrar. A jovem engoliu em
seco e olhou receosa para Khalid antes de voltar sua atenção aos escritos.
Com seu coração batendo forte, Amira se inclinou e pegou o papel ao
mesmo tempo em que prendia a respiração. Começou a ler:
Sob a benção de Alá, o magnífico monarca da dinastia descendente de
Osman I, do império otomano. Khalid, “O justo”, filho do honrado sultão Fahir,
“O afortunado” e da Sultana Honde, “A majestosa”, neste documento declara
que Amira, a escrava nomeada como flor do deserto…
Seus olhos encheram-se de lágrimas, mas sem escorrer, apenas turvando
a sua visão, suas pernas fraquejaram conforme lia e se apoiou na mesa diante
dela, com as mãos trêmulas, suando frio. A garota virou o seu olhar para Khalid,
este que sorriu para ela em retorno, mas ela continuava fitando-o como se não
pudesse acreditar, respirando pesadamente. Retornou sua atenção ao papel e
recomeçou a leitura. Ela precisava ter certeza e assim que a verdade realmente
entrou em suas entranhas, algumas lágrimas caíram no papel.
Khalid tirou o manuscrito das mãos dela, que relutou, se levantando e
esticando para agarrá-lo de volta, mas Khalid o levantou como um menino
provocando a garota que gosta.
— Opa! Se molhar este documento, teremos que fazer outro… — disse
ele abrindo aquele sorriso tão característico que o fazia parecer um sem
vergonha.
Amira parou de se esticar para o papel, viu o rosto de Khalid, suspirou e
sorriu com um largo sorriso entre as lágrimas, abaixou o rosto e o tapou.
— Seu… Seu… Obrigada… — falava ela em murmúrios e soluços entre
as mãos. Seu choro era alto, nada delicado, mas vinha de sua alma que sofreu
por tanto tempo. Khalid a puxou para um abraço a envolvendo com carinho.
— Seu Sultão… E não a de quê — respondeu Khalid perto do ouvido
dela em um tom provocativo.
Amira com o rosto afundado no peito de Khalid, quase podia ver a
expressão dele a provocando, mesmo sem ver o seu rosto. Ela riu entre as
lágrimas, e deu um tapinha leve no braço dele. Ela mal podia acreditar neste
homem maravilhoso.
— Amira? — Hana sussurrou apreensiva, dando um passo à frente
esticando a mão — Está bem? Não estou entendendo nada.
Jaffar estendeu a mão impedindo Hana de dar um passo mais e
esclareceu:
— Não se preocupe… Aquele manuscrito é um documento que diz que
ela está livre, não é mais uma escrava — disse Jaffar dando um sorriso sem
revelar os dentes — Assim como o restante de vocês.
Hana se calou, refreando seus movimentos e então olhou para o Jaffar.
Seu olhar escorregou para Amira ainda chorando nos braços de Khalid. Ela só
poderia ter entendido errado, pensou Hana. E então se virou para o seu sultão,
este que encontrou o olhar aturdido da jovem e sorriu, confirmando com a
cabeça.
Por alguns segundos, Hana ficou sem reação. Seus joelhos fraquejaram e
como não tinha onde se apoiar foi ao encontro do chão. Suas lágrimas rolaram
soltas e quentes por sua face, levou as mãos trêmulas a boca e chorou tão
abertamente quando Amira.
— Livre… — sussurrou mais para si do que para qualquer um.
A jovem Hana mal podia acreditar, extasiada em uma felicidade
indescritível. Nunca pensara que isso pudesse acontecer, pensava até mesmo em
seguir o resto da sua vida como uma criada servindo Amira e até se sentia feliz
por isso. Mas a perspectiva de ser livre… era surreal.
O choro das duas mulheres ecoava por toda a biblioteca, entre eles, um
riso de pura felicidade em meio ao choro. Jaffar colocou a mão no ombro da
Hana em respeito à sua alegria. Sentindo orgulho do garoto que ele viu crescer e
que parcialmente criou. Hoje ele faria muitas mulheres chorarem, mas de
felicidade. Seu feito seria conhecido e histórias seriam contadas por gerações.
— Você… — Khalid disse a Hana, assim que ela se acalmou — Vá
informar às demais garotas. E você…
Ele levantou a mão até o queixo de Amira, tocou a suave pele macia e
ergueu a sua face.
— Vá se preparar, temos algumas coisas para comemorar.
Amira não sabia sobre o que ele estava falando, mas concordou com a
cabeça. Khalid abaixou a cabeça e em um roçar de lábios ele sussurrou para que
apenas ela pudesse ouvir.
“Eu te amo, pequena prometida.”

Pisando em nuvens, Amira e Hana saíram da biblioteca. Seus sorrisos


eram enormes, seus olhos estavam inchados de tanto chorar, elas se abraçaram
em uma cumplicidade que só podia ser sentida. As duas suspiraram mais calmas
e se afastaram, entraram em comum acordo de Hana ir para o harém falar para as
demais e Amira em direção dos seus aposentos para esperar suas criadas.
Andando pelos corredores, viu o jardim. Muito florido com a fonte de água,
então, apenas mudou o seu caminho com o seu guarda como uma sombra logo
atrás de si.
Sentou-se na beira da fonte e passou a mão pelas flores. Era apenas um
papel que segurava há pouco tempo, mas o seu significado era tão tamanho que
mesmo sentada naquela fonte que nunca saiu do lugar e das flores do jardim que
estiveram sempre lá, ela sentia-se leve e a liberdade tinha um doce sabor em sua
boca. Fechou os olhos, sorrindo e se permitiu sentir o frescor do jardim.
Livre… E nesse pensamento ela abriu um largo sorriso que lhe chegaria
aos olhos, com uma vontade de começar a dançar por aí.

O guarda viu que a sua senhora ficaria ali por um tempo, visto que não
lhe faria bem a observar por muito tempo, ainda que fosse uma bela vista,
priorizava a sua vida. Levantou o olhar e ficou olhando ao redor. Porém, o que
ele não contava era sentir a ponta de uma adaga sendo encravada pela sua lateral.
A exclamação de dor veio tão rápido, quanto um braço que passou diante do seu
rosto, descendo o suficiente para travar o seu pescoço, travando os seus
movimentos e forçando-o a se inclinar para trás.
A dor era lancinante devido ao golpe desferido da adaga, mas ele
precisava salvar a vida de sua futura sultana. No ímpeto de adrenalina, fechou a
boca com força e reuniu sua força em um movimento rápido, levou a mão direita
ao braço do seu atacante e a esquerda à cabeça dele, esta que se encontrava logo
atrás da sua. Usou de toda sua força para se inclinar para frente em um rompante
forte, ao ponto de usar-se de alavanca e jogá-lo no chão. Mesmo que o preço
fosse agravar o seu ferimento.
Puxou a sua espada e curvou-se para frente. Pronto para desferir um
golpe no homem. Quando percebeu que ele era o Imã, o mestre religioso do
palácio e, em simultâneo ouviu o grito de sua senhora, levantando assim o olhar
e a vendo sendo arrastada para longe por um homem com as vestes de eunuco.
Infelizmente, isto foi o suficiente para o homem mais velho que não soltara a
adaga e levando-a consigo na queda, se levantar e desferir mais um golpe.
A adaga estava banhada de veneno na sua lâmina, a visão do guarda fora
escurecendo com essa segunda ferida e o seu corpo fraquejando. Ele pôde
escutar os guardas se aproximando assim como escutou do Imã que ele estava
defendendo Amira do traidor.
Eu morrerei como traidor? Pensou com ódio o homem, tendo força o
suficiente para golpear o Imã nas pernas com sua espada.
•••
Amira, que estava sentada na fonte, mal viu como tudo começou.
Apenas escutou a exclamação de dor vindo do seu guarda. Abriu os olhos,
assustada e viu o Ímã sendo jogado contra o chão com uma força violenta. Ela se
levantou assustada e deu um passo à frente, quando ainda estava tentando
entender o que aconteceu, foi surpreendida pela pegada firme de alguém a
puxando para trás. A garota gritou e se debateu, porém, nada disso funcionou. O
homem tapou a sua boca e seguiu a puxando, afastando-a do palácio. A pegada
do homem sobre seu corpo era forte demais, ela sentiu seus olhos encherem de
lágrimas. Amira focou o olhar no guarda como se pedisse ajuda, mas seus olhos
se encontraram por uma fração de segundos antes do homem receber um golpe
vindo do Ímã.
Os olhos do homem se arregalaram, ele fez uma expressão de susto e
assombro que ficaria gravada para sempre na mente dela. Ele deu um passo à
frente, mas ela não conseguiu ver mais nada. Pois o homem que estava a levando
tapou inclusive o seu nariz, a jovem não conseguia respirar e a sua visão foi
escurecendo e quanto mais se debatia parecia que pior e mais difícil ficava.
Eles já estavam ficando distantes, ela sentia seu corpo ficando fraco.
Mas ainda estava consciente, quando escutou o homem murmurando ao pé do
seu ouvido:
— Tenha calma, eu vou te ajudar a fugir, meu pequeno canário. Não te
farei mal como eles fizeram…
A voz dele era gentil, porém para ela não fazia sentido um sequestrador
falar com uma voz tão calma. Entretanto, Amira não conseguiu ouvir mais nada.
Pois de tanto lutar e sem conseguir respirar, sua visão escureceu e seu corpo todo
amoleceu nos braços dele.
Ele não tinha se dado conta de que tapou o nariz e a boca dela, até que a
garota desmaiou em seus braços, o deixando assustado. A pegou nos braços o
mais rápido que pôde e a carregou até o esconderijo onde foi instruído a ir com
ela.
(...)
Algum tempo passara e logo depois do rapaz a colocar na cadeira e
terminar de prendê-la ali como o Ímã instruiu, ela despertou desnorteada. O
rapaz sentiu o ar preencher seus pulmões assim como o alívio que o preencheu.
Como um bom rapaz que na verdade era, ele se abaixou e passou a mão pela
face dela, limpando um pouco de sujeira que tinha se alojado ali.
Amira estava com sua visão turva, sentindo a mão áspera contra seu
rosto e o pó do lugar em que se encontrava a fez espirrar. Ela olhou a pessoa
abaixada ali diante dela e viu olhos tão azuis quanto os seus, que perdiam parte
do seu grande destaque, pois as sardas em sua face tomavam sua atenção
também. Sua barba rala e seus cabelos eram ruivos. Seus traços eram familiares.
E Amira por um segundo perguntou-se com quem ele se parecia.
— Quem é você? — perguntou ela num fio de voz.
— Halis, pequena canária — ele lhe deu um sorriso, um sorriso que
Amira vira em outra pessoa, um sorriso, que ela não se confundiria jamais. Um
sorriso parecido com o de Khalid.
Sua mente que estava lenta veio de volta em um rápido rompante, tudo o
que aconteceu e a sua adrenalina deixou-a agitada. Ela abriu muito os olhos,
tentou se mover, mas suas mãos estavam presas, assim como seus pés.
Assustada, ela deixou o seu olhar vagar pelo aposento em que se encontrava,
tinha poucas entradas de luz do sol, muita sujeira e parecia que há muito tempo
não havia ninguém ali. Muitas redes e cordas por todo lado, além de uma cama
ao seu lado direito que parecia ser o único lugar sem pó.
Ela voltou o seu olhar a Halis, assustada e perguntou:
— Por Alá… O que está acontecendo? Por que você me sequestrou?
— Eu fui ordenado, mas não se preocupe, eu vou libertá-la e salvá-la
mesmo que seja punido por isso — disse ele em um tom bagunçado de emoções,
entre culpa e esperança.
— Quem te mandou me levar? Me solte, por favor. Deixe-me ir! —
pediu, visto que ela não conseguia por algum motivo sentir raiva do rapaz. Mas
aterrorizava o pensamento de quem pudesse aparecer a seguir.
— Eu vou te deixar, mas ele precisa te ver antes que eu possa te ajudar
— lamentou o rapaz — Entenda, você será mais feliz longe daquele lugar. Eu sei
que você quer, sei como gosta da liberdade, posso ver nos seus olhos assim
como quando estava no jardim.
Amira sentiu lágrimas rolarem pela sua face.
— Eu só queria sentar um pouco no jardim, sentindo a brisa perto das
flores. Por quê?! Por que você me sequestrou?! Por que não param com isso?! —
disse num desabafo frustrado que escapou pelos seus lábios. Foram dias de paz,
e quando ela simplesmente foi ao jardim… Amira sentia raiva, frustração e uma
imensa tristeza.
O rapaz ficou sem reação com a súbita explosão da garota.
— Me perdoe! Me perdoe! As pessoas são cruéis naquele lugar, eu sei!
O sultão estava te mantendo presa, eu vim para te libertar. Para salvar todo
mundo da tirania dele! Mas não se preocupe, o Ímã vai resolver tudo! Ele tem
ajudado a minha mãe, eles disseram que falta pouco!
— Como? O Ímã? Sua mãe? O sultão tirano? — aquelas palavras nunca
foram tão estranhas aos ouvidos de Amira. Não fazia sentido, não estava
entendendo.
Halis abriu os olhos ao perceber haver falado demais. Afastou-se de
Amira, ela se debateu na cadeira e o objeto virou com ela no chão, machucando-
a no ombro, braço e mão por causa da sua queda. Ele voltou apressado,
arrependido de ter se afastado dela. Ela era tão frágil e delicada, ele levantou a
cadeira com ela e pegou um pequeno lenço para limpá-la com cuidado.
— Eu não posso falar muito, você ficará em perigo.
— Se você não percebeu, eu já estou em perigo. Um salvador que prende
alguém num lugar assim? Isso parece salvação para você? — indagou ela.
— Não, mas isso é temporário. Acredite em mim… — pediu ele.
Ela viu um rosto que ainda tinha traços infantis, o que a fazia saber que
ele não era um completo adulto embora tivesse força. Ele era uma pessoa boa e
tinha informações. Ele era um inocente em meio a tudo isso, assim como em
dado momento ela também era. Assim como as crianças que estavam agora no
palácio e até mesmo como a criança que perdeu a mãe como o Khalid. A jovem
se sentiu uma péssima pessoa pelo que ela tinha que fazer.
Ela mordeu o lábio e suspirou.
— Eu acredito em você… Na verdade, eu quero acreditar... — sussurrou
ela, nem tão confiante assim da sua mentira — Mas tenho que saber toda a
verdade. Se você não me contar… Não consigo. Fora que meu corpo dói, ainda
não terminei de me recuperar dos meus ferimentos. Diz que se preocupa comigo,
mas não se importa com minhas dores.
Amira usou dos ensinamentos que lhe foram dados, ensinamentos que
neste ponto até hoje ela não usara. O charme feminino usado propositalmente
para sua vantagem. Olhou-o com piedade, mas lhe deu um suave e gentil sorriso
de canto no final, quando ele parecia ter baixa resistência a este olhar em
conjunto de uma mulher com lágrimas nos olhos.
O rapaz engoliu em seco e então se abaixou e afrouxou um pouco suas
amarras. Amira ficou satisfeita, pois conseguiria escapar. Mas antes de fazê-lo,
precisava tirar as informações do rapaz.
— Me diga, o Ímã ajuda a sua mãe? Quem é sua mãe? Não vou contar a
ninguém, prometo — se apressou em dizer, visto que ele estava receoso.
— Não posso dizer… — disse Halis e ela não precisou pensar muito em
quem era sua mãe, os cabelos ruivos falavam por si só. No entanto, insistiu:
— Posso saber quem é seu pai? — perguntou cuidadosa.
— Já falei, não posso… — ela o interrompeu já impaciente. Não poderia
ficar muito tempo ali. Ainda teria que descobrir onde estava para poder voltar ao
palácio.
— Não posso confiar em você… — disse em tom de lamento — Eu vou
o odiar, assim como todos os sequestrados odeiam seus carrascos…
O rapaz olhou para ela e enrijeceu.
— Não sou seu carrasco… Eu te vi por todos esses dias e vi o quanto
você estava ansiando a liberdade… Eu queria te ajudar a fugir e hoje era a
oportunidade — ele suspirou e passou a mão pelos seus cabelos curtos ruivos —
Eu sou filho do falecido sultão Fahir. Minha mãe teve que me manter escondido
e forjar a minha morte para poder me manter seguro, longe dos muros daquele
palácio. Ela disse que a mãe do Khalid foi a culpada por uma doença que se
espalhou por todo o palácio, mas a verdade é que nunca teve doença, ela matou
todos. O próximo alvo dela era minha mãe que era a favorita… Minha mãe foi
obrigada a envenenar ela! Você não entende! As pessoas são ruins! Naquele
lugar as pessoas são horríveis! O Khalid não difere da mãe e diariamente mata
várias pessoas inocentes! Eu mesmo vi os corpos.
O rapaz estava agitado e assustado, falando aquelas coisas absurdas e tão
distorcidas.
— O Ímã me manteve sendo alimentado e cuidado às escondidas. Mas o
Khalid voltou! E sempre trás a desgraça com ele! Você não entende! — disse ele
levando as mãos aos braços de Amira e segurando-os com firmeza — Ele matou
a menina que era prometida para ele! Ela era só uma criança! Ele matou a esposa
dele! Ele é cruel! Ele te mantém presa e te maltrata! Ele logo vai te matar
também! E você é tão frágil e delicada… tão bonita.
Enquanto o rapaz dizia aquilo tudo, Amira jamais se sentiu tão incrédula.
Sua descrença era tamanha que se viu rindo, como uma louca. Tinha pena e
sentia um desespero sem igual, olhando aquele menino. Ela não conseguiria
manter a farsa de dócil e sedutora vítima após escutar tantas coisas ridículas
como aquelas. A base era real, mas tinham tantos papéis invertidos que ela nem
sequer sabia por onde começar.
O rapaz olhava-a aturdido com sua súbita mudança de comportamento.
Era como se ela fosse louca.
— Halis, é esse o seu nome, não é? — perguntou Amira — Kelebek e o
Ímã, são as únicas pessoas que você teve algum contato na sua vida? —
perguntou ela ainda com vestígios do seu riso ensandecido.
Ele não respondeu, apenas a olhou assustado.
— A verdade que você tem consigo está tão deturpada que chega a ser
hilária. Me perdoe pelo riso. Halis, foi a sua mãe que trouxe a doença para o
palácio! Foi ela que fez tudo de ruim no palácio! E se o Ímã está a ajudando, ele
é tão ruim e cruel quanto ela. Você é tão vítima aqui, quanto eu nessa cadeira.
— Eu sou vítima do Khalid! Eu não teria vivido excluído e sozinho aqui,
se não fosse por todas as pessoas ruins do palácio! Eu sei, eu não tenho dúvidas!
Até matar o meu pai ele deve ter matado! Foi logo que ele chegou! Eu tenho
certeza!
Isto Amira não podia negar, visto que ela foi prova ocular de Khalid
matando o próprio pai.
— Você foi enganado a sua vida inteira, Halis — disse ela simplesmente
— Eu estava naquele jardim, feliz. Feliz porque eu não era mais uma escrava.
Feliz, pois encontrei o amor em meio a todas as trevas. Feliz porque o que restou
do meu povo também não seriam mais escravos. E isso tudo foi graças ao
Khalid. Ele me trata com respeito, amor e paciência. É um grande sultão e um
exemplo de líder.
Desta vez foi a vez do rapaz, olhá-la como se ela fosse uma pobre
coitada iludida por toda a vida. O que era estranhamente cômico e irônico.
— Você é louca! — disse ele, voltando a prendê-la com força. Ela
tentou lutar e se negar àquilo, mas embora ele fosse puro, inocente e com uma
visão insana das coisas, sabia fazer bons nós e tinha bastante força.
— A verdade sempre vem! — exclamou Amira, antes de levar um
sobressalto pela porta atrás do rapaz sendo aberta em um rompante.
Seu coração parou, sua língua afiada se calou. O Ímã se revelou através
das luzes que vinham de fora, entrando calmamente no aposento. Mancando,
mas sem parar de andar em sua direção. Controlado, suave e aparentemente
bondoso. No entanto, todos os sentidos e instintos de Amira gritavam ao ponto
de causar-lhe dor física.
Diferente das sensações de medo que ela teve com o Sheik, quando não
confiou nele. Diferente do que sentia com Kelebek. Até mesmo diferente de
quando viu o leão. Terror, puro terror a dominou por inteiro. Amira sentiu o suor
frio brotar em suas têmporas, a cada passo em sua direção que o homem dava.
Sua respiração estava tão pesada que ela já se sentia ofegante.
O rapaz curvou a cabeça em respeito ao Ímã, mas quando olhou de
soslaio o terror implantado na face da jovem, ele se sentiu confuso.
— Amira, a doce flor do deserto. Conhecida como “A bondosa” ou “O
anjo enviado por Alá” — um sorriso perverso se formou nos lábios dele e devido
à pouca iluminação seu rosto revelou-se ainda mais tenebroso para ela —
Rapaz, saia. Deixe-me a sós com ela.
Amira olhou para o menino que a pouco estava enfrentando, como a sua
única salvação. Estava verdadeiramente apavorada, como se fosse a própria
morte diante de si, vinda para levá-la. O rapaz era louco, mas bom no fundo. O
Ímã era apenas mal.
CAPÍTULO 27

A FACE DO MAL: O VERDADEIRO CÉREBRO DO CAOS

O jovem rapaz não quis sair do aposento na primeira ordem do Imã. Não
queria a deixar sozinha, sentia uma necessidade de protegê-la, mas o Imã
voltou a sua atenção para Halis e no seu olhar existia uma reprimenda e
promessa de problemas. Se o rapaz queria ajudá-la a fugir, tinha que esperar o
Imã partir. Ele saiu de cabeça baixa, envergonhado de si, enquanto deixava para
trás a garota sozinha, com o único consolo que o Imã não a mataria.
Sua retirada foi como um soco na boca do estômago de Amira, uma
raiva borbulhou por dentro dela. Abaixou a cabeça, traída e abandonada. Sentia-
se sozinha, desamparada e não sabia o que esperar do Imã. O homem matou seu
guarda, com destreza e facilidade que denunciava o quanto era capaz.
Perguntava-se se ele faria o mesmo com ela.
A simples suposição a aterrorizava.
Ele caminhou até ela com dificuldade, podia ouvir os seus passos
ecoando mais fortes. Perguntava-se se isso era feito do seu guarda, se o fosse, era
muito bem feito. Questionava-se em pensamento se o guarda estava vivo.
Esperava que sim, pois o sentimento de culpa a corroía. Porém, nada disso
importava naquele momento, não quando o Ímã, em seus passos calmos, parou
diante dela e ela pôde ver os seus pés. Perto demais, assustadoramente perto, ao
ponto de sentir o seu cheiro, suor e especiarias usadas em incenso da mesquita.
A jovem engoliu em seco ao mesmo tempo em que escutou o homem
fazer um som como “Tsc...”.
— Levante a cabeça, garota. Deixe-me ver os seus famosos olhos direito
— ordenou a voz sibilando, calma e serenamente, que parecia agora familiar à
ela. Mas Amira não obedeceu, tentando recordar de onde o conhecia.
Mordeu o lábio inferior com tanta força que sabia que tinha se
machucado quando o gosto de ferrugem chegou à sua língua. Odiava-o e temia,
não precisava de muito, ele exalava o mal e, o infortúnio, parecia um prelúdio da
sua chegada.
Amira sentia-se em um assombro tortuoso, quando um pensamento
rápido lhe passou pela cabeça. Essa voz… sibilada. Mortal e controlada! O Imã
era quem estava por detrás de tudo, todo o caos, todo o mal. Ele estava lá no
palácio antes da chegada de Kelebek, e quando toda doença atingiu a família de
Khalid. Ele estava lá na morte de Samia, e quando tudo aconteceu. Era ele o
motivo de tudo, não sabia a profundidade dos seus feitos. Era ele que falava com
Kelebek... Não era Kelebek, ela era exibicionista demais para isso e a
constatação disso fez todo o corpo de Amira gelar.
E neste instante, ela se recordou do eunuco que Khalid lutou e que
desejava matá-la. Ele disse estar fazendo aquilo por algo maior e ela pensara
com Khalid sobre uma facção religiosa, mas jamais pensaram vir do Imã.
Khalid não tinha lhe contado das suspeitas contra o Imã. Amira mal
sabia, mas ela era a chave que Khalid precisava contra o Imã!
— Eu mandei levantar a cabeça, vadia! — exclamou ele no mesmo
momento em que o coração de Amira parou de bater, de puro medo da sua
constatação.
O homem se inclinou sobre ela para pegar seus cabelos e prendê-los com
força entre seus dedos, puxando-os de forma brutal para trás, para ela manter
seu olhar no rosto dele. Ele parecia ter um imenso ódio dela e ela nem sequer
sabia o que havia feito. No entanto, agora ela sabia o que ele fizera. Ainda que
estivesse tomada pelo terror, seus olhos se mantiveram firmes, o observando
com raiva.
O núcleo do mal no palácio.
— Você de fato se parece muito com ela… — disse ele aproximando seu
rosto perigosamente na direção dela e recitou — Acautela-te das mulheres, pois
nenhuma das armadilhas que montei para as criaturas é tão eficiente quanto
elas. Conhece? Foi uma frase dita pelo demônio Iblis. E devo concordar. Se eu
mesmo não tivesse a matado, teria pensado que ela teria retornado dos mortos
em busca de vingança.
Ela quem? Perguntou-se Amira engolindo em seco. Novamente, estava
sendo comparada a alguém, mas quem? Será que ele também veio a conhecer
Aysha? Aysha do sultão Fahir?
— Tenho planos para você, garota. Se tentar fugir daqui, mandarei
decepar seus pés. Se fizer barulho pedindo ajuda, deixei ordens de cortarem a
sua língua. Se levantar estes seus finos dedos contra mim, eu mesmo os
quebrarei — Os olhos de Amira se estreitaram em rancor ao homem e ele
pareceu gostar da audácia dela — E se nenhuma dessas ameaças funcionar
lembre-se que eu posso sempre torcer o pescoço de uma ou duas das suas
preciosas crianças. Pode me obedecer e ficar aqui quieta, sem ou com dor.
Amira estremeceu diante da perspectiva, mas ele não havia terminado.
Levou a mão livre ao rosto dela e apertou-o com mais força que o necessário.
— Te olhar me faz querer arrancar cada uma das pétalas que te fazem tão
bela, corrompendo os homens e levando-os ao pecado — ele parecia
insanamente fascinado, perdido em um tempo que não era o presente. Mas ao se
dar conta de que não estava no passado, seu rosto mudou de expressão — Mas
não tenho tempo para desperdiçar com você.
Ao terminar de falar, ele afastou a sua mão de Amira como se sentisse
repulsa ou nojo. O homem não fazia sentido, atordoada com a ferocidade dele
nas ameaças e, na verdade, que brilhava nos seus olhos, a garota conseguiu
perguntar:
— Por que está fazendo isso? Por que destila seu ódio a mim? Como o
irritei? — A pergunta teve um som pesado no aposento, não conseguindo
esconder o tremor do medo, tampouco da raiva. Ela sentia raiva deste homem
hediondo que a ameaçava tão ferozmente ao mesmo tempo em que tinha um
tremendo pavor mediante a certeza que ele concretizaria suas promessas.
Ele só estava perguntando se eu ia preferir uma morte rápida ou lenta.
Concluiu Amira.
— Como me irritou? Você não o fez, mas por sua causa estou mancando.
Aquele seu guarda foi o responsável — O sujeito a respondeu com uma
sinceridade e calma assombrosa, quase a fazendo se perguntar se havia
enlouquecido.
— E, por que… Por quê me sequestrou? — insistiu ela.
Precisava saber o que fazer e falar para fugir dali, pois parecia que ele
não a mataria, ao menos não naquele momento. Ainda que a tivesse ameaçado,
um minuto mais de vida era uma oportunidade a mais de fugir, mesmo com
todos os riscos.
O Ímã a olhou por um segundo. Amira parecia ter retomado um pouco
mais da sua calma, ela era veloz em se habituar e pensar rápido. Ela não tivera
sorte nas tentativas de morte, de fato, os homens estavam certos. Ela era algo.
Pensou o homem asqueroso. Sempre com uma feição inabalável, seja no seu
sorriso ou na sua dor. Ela lembrava Aysha, seu rosto parecia o de uma boneca
enquanto as suas emoções transpareciam em seus olhos e voz. Por um segundo
ele recordou de sua juventude, da garota cheia de vida que o cativou e o traiu.
Um ódio insano o tomou de assalto novamente, fazendo-o voltar para
perto de Amira de maneira feroz.
— Você sabe qual o destino dos heróis, menina?
Amira não entendeu a pergunta e meneou a cabeça.
— Eles morrem, sacrificando suas vidas por uma causa — Amira
engoliu em seco, com sua visão tremendo de terror mediante à perspectiva do
que ele estava falando. Mas ele não terminou, pois não era sobre ela que estava
falando — Você será a isca para fazermos história. Não é incrível? Você teve
muita sorte até agora, mas a sua sorte acabou. Você ficará aqui, até que o seu
amado herói venha para a morte. E irei trazer a cabeça dele para você, antes de te
matar. Lamentarei sobre os corpos de vocês e farei orações com todo o povo que
os adora, enquanto lhes provo que o domínio militar é frágil e corrupto. Então,
todos virão a mim.
— Você vai ser pego! Alá fará justiça! — cuspiu ela em puro ódio
sentindo as lágrimas rolarem pela sua face.
— Eu? Antes de me encontrarem terão que passar por um problema. Eu
só fiz até hoje uma única coisa com as minhas mãos e a culpa recairá na sultana.
Acredita que alguém chegará a mim? Todos que poderiam me acusar estão
mortos — disse ele achando graça, mas sem concluir o pensamento.
— Penso que você é asqueroso! Manipulando as pessoas. Um fraco,
incapaz de fazer as coisas com as próprias mãos! Penso que… — Amira sabia
que deveria calar a boca, mas o ódio era tamanho que ela não conseguia deixar
de chorar, brigar e exclamar a sua raiva.
O Imã a olhou com fúria e virou sua mão em um forte tapa na cara dela a
fazendo cair com a cadeira e tudo no chão fazendo-a cuspir sangue. Ainda
furioso, ele ameaçou dar um chute nas costelas dela, mas se reprimiu. Retomou
sua razão e respirou fundo.
Agachou-se à altura dela, inclinando a cabeça para o lado com um
sorriso tenebroso e falou com a voz mordaz:
— O fruto da pressa é o arrependimento. Não apresse sua morte, Amira.
No entanto, você tem razão. Não sou tão bom com uma espada, quanto o seu
sultão. Porém, não preciso de nada disso para destruir o seu império. É mais fácil
destruir um império do que o reconstruir. — concluiu ele com um sorriso e se
levantou, limpando a mão nas vestimentas — Agora eu tenho que ir, não posso
ficar longe da mesquita por muito tempo — disse saindo impetuoso do cativeiro
dela.

Halis, preocupado com a garota, não conseguiu apenas sair. O rapaz,


coberto pela culpa e preocupação, olhou de um lado para o outro, vendo se havia
alguém por perto. Então, deu a volta na construção mal acabada que fora por
anos sua morada, esta que possuía muitas árvores ao seu redor e principalmente
atrás. E entre as sombras, contra a parede gasta e velha, existiam alguns barris de
alimentos vazios. Ele segurou com firmeza um deles, e o afastou, rolando-o para
o lado. Revelando uma abertura grande o suficiente para ele passar.
A entrada dava a um canto muito escuro do aposento onde se
encontravam muitas coisas acumuladas. Assim, conseguiu omitir sua presença e
escondido entre elas, viu e ouviu toda aquela conversa.
Ferido, traído, enganado e desiludido. Ele sentiu seu corpo fraquejar e
uma onda de ira o tomou. Seu maxilar trincou, e a cada palavra proferida pelo
Imã, sua descrença e fúria aumentava. O requinte de crueldade voltado contra
Amira, era assombroso.
O Imã estava sendo qualquer coisa, menos o homem que ele conhecera.
Mas algum dia chegou de fato a conhecer este homem? Será que essa sempre foi
sua verdadeira face que ele tolamente desconhecia? Refletiu ele.
“Todo aquele que mata será morto.”, foi a frase que lhe veio à mente,
proveniente dos seus estudos. Mas outra frase veio à tona para ele poder se
conter, “Quem observa o silêncio se salva.” Por isso, respirou fundo e se
controlou, transformando sua ira controlada em algo focado em uma única
pessoa.
Halis refletiu, ela riu dele, afirmou que o Imã e sua mãe, eram os
verdadeiros ímpios. E que a verdade estava distorcida. Amira estava certa…
Halis sentiu sua respiração pesar em desgosto.
Tudo que sua mãe lhe falou, fora, na verdade, ela mesma e o Imã que
fizeram.
Como se não fosse o bastante, o homem mais velho estapeou tão forte
Amira ao ponto dela cair ao chão com a cadeira e tudo. Tirando-o das suas
reflexões.
O homem que disse “Mulheres eram para respeitar e valorizar. Assim
como um dia queria que uma filha sua fosse tratada pelo marido, pois sua futura
mulher também era filha de alguém.”
Halis quase saíra de seu esconderijo, a fim de defendê-la. No entanto,
um dilema se formou em sua mente. Sua mãe. Se o Imã fizesse mal à sua mãe?
Independente do quê, era sua mãe.
Frustrado e irritado, balançou a cabeça e se concentrou em um único
objetivo: ajudar a garota a sair daquele lugar e mesmo contra sua vontade,
entregá-la a Khalid. Humildemente pedir perdão, lamentava em imenso por tê-la
trazido a este lugar para sofrer. Que como prova do seu arrependimento serviria
de testemunha para incriminar o Imã.
O seu único pedido egoísta, seria para não matarem sua mãe, por mais
cruel que ela fosse.

Assim que o asqueroso Imã partiu, Amira caiu no choro. Movia suas
mãos e os seus pés. Forçando e se machucando, em sua tentativa frustrada de se
soltar. Tinha que fazer algo, tinha que sair dali. O garoto saiu do seu esconderijo
e caminhou até ela. Esta que se sobressaltou com os sons de passos que vinham
de trás dela. Ela virou a cabeça rapidamente, sentindo uma dor muscular se
alastrar pelo seu pescoço, enquanto Halis dava a volta nela.
Tinha o visto sair pela porta, como ele estava surgindo por detrás
dela?! Pensou surpresa.
— Ha...
— Shiii… Não chame atenção. Ele acabou de sair — murmurou o
rapaz.
Amira franziu o cenho para ele, vendo-o agachando-se e soltando-a com
facilidade.
— Por que… — começou ela, mas foi interrompida novamente e estava
começando a ficar irritada:
— Porque eu disse que iria te ajudar a fugir… — começou ele, mas
refreou suas palavras e levantou o olhar para ela pesaroso. Para a total surpresa
de Amira, parecia até um pouco mais maduro. — Eu errei, você estava certa e eu
vou te ajudar. Me perdoe.
Assim que ele terminou de desamarrá-la, colocou-a de pé. Amira ainda
estava atônita olhando-o, quando chegou enfim a uma conclusão de que ele
ouvira a conversa. Ela lamentou pelo garoto e até mesmo sentiu vergonha de si
mesma, pois quando tudo que acreditava desfez diante dela, caiu aos prantos,
desolada. O menino era mais forte do que supunha. Por isso, ela sorriu e levou a
mão dela a dele.
— Você é um bom rapaz.
— Obrigado... — disse desnorteado após o sorriso e a afeição dela,
sendo esta, a primeira vez que recebera algo assim. Halis tossiu, soltou a mão
dela e virou-se ao redor — Bom, temos que ir, tenho que te devolver ao meu
irmão.
O jovem se encaminhou em direção à porta com ela seguindo-o, porém,
sentiu um mau presságio ao se aproximar. O silêncio estava estranho e ele
esticou as mãos para o lado, tomando uma posição defensora, refreando os
passos de Amira. Ela ficou confusa, mas ele levou a mão à boca, fazendo sinal
de silêncio. Em passos controlados para trás, levando-a junto, pouco antes de se
virar, pegou firmemente o braço dela e a guiou rapidamente, até onde ele estava
escondido anteriormente.
Amira, não conseguindo acompanhar os movimentos dele, quase
tropeçou, o rapaz pacientemente seguiu a guiando, mesmo se tropeçasse
novamente, até fazê-la ficar sentada no chão escondida. Uma vez que ele
também se abaixou, levou a mão à boca dela para tapar. Amira afastou a mão
dele, e ficou atenta para escutar o que poderia ser, então ambos esperaram.
Como o esperado, um som forte de porta se abrindo ecoou. Amira tomou
um sobressaltou e ela mesma levou as mãos à boca. Halis gesticulou para ela que
saísse do depósito em que eles se encontravam. Cuidadosamente, após saírem,
ele colocou o barril no lugar, para não chamar atenção que tinha algo fora do
lugar.
Escutaram a cadeira sendo jogada contra uma das paredes e quebrando,
algumas exclamações que eles haviam fugido, em um conjunto com ofensas.
Halis, ainda agachado, caminhou em direção às árvores gesticulando
para ela o seguir logo. Ela obedeceu e quando já estavam alguns bons metros de
distância, olhou para trás e reconheceu o depósito pela construção um pouco
mais à frente. O local em que estava era o galpão abandonado de depósito de
alimentos do velho orfanato.
Ela viu mais que isso, homens armados ao redor do mesmo. Ela se virou
para frente apressada para focar sua atenção no caminho que Halis estava
seguindo. Se ela fosse pela cidade, sabia voltar ao palácio, embora em sua última
experiência, o resultado da sua fuga desenfreada não fora boa.
Este caminho em que Halis a guiava, era desconhecido. O rapaz a
levava em direção ao mar. Uma vez que, passaram por uma grossa vegetação,
deixando vozes exasperadas para trás. Pôde ver claramente a extensão do mar e,
assim como da última vez, parecia haver um despenhadeiro entre o mar e ela.
Halis se virou para ela em um rompante, e o sangue dela gelou, como se
adivinhasse o que teriam que fazer.
Ele percebeu o medo dela e então se virou para ela e segurou em seus
braços.
— Você terá que confiar em mim, estamos indo por um caminho
perigoso entre as rochas. Não vou mentir, é perigoso. Eles sabem que eu conheço
a área, visto que fui criado aqui, mas independente do que, é arriscado. Eu quero
te fazer voltar para o seu lugar, o lugar que eu não tinha direito de tê-la tirado.
Acredite em mim — ele disse firme olhando nos olhos, e ela sentia a verdade
neles. Ademais, não tinham escolha.
— Certo — disse ela após deixar o ar pesado que parecia encher seus
pulmões de receio.
Ele desceu a mão até a dela e a guiou para a beirada. A jovem sentiu o
vento frio do mar batendo contra o seu rosto, o medo a invadiu e ela deu um
passo para trás, por puro instinto e então deu dois passos para frente recuperando
sua coragem ao ouvir as vozes dos homens novamente.
— Vou descer e você siga exatamente os meus passos.
Amira afirmou, mesmo que suas mãos tremessem. O seguiu, passo a
passo. Sentia que o vento que batia contra ela a derrubaria a qualquer momento,
ainda que as rochas sob seus pés fossem grandes o suficiente para acomodar seus
pés e sobrar. Era alto e bastaria uma olhada para baixo ou para o mar, que ela se
sentiria entregue ao medo, por isso, ela colocou sua atenção para onde segurava
e estava pisando.
Eles estavam em um lugar realmente perigoso, muito provavelmente
ninguém os encontrariam ali, já que ficava abaixo da linha de visão. Passo a
passo, eles passaram os próximos metros, abraçados à parede de rochas. E tudo
parecia estar indo bem, até que escutaram o som de plantas sendo cortadas, e
seus passos tiveram que se apressar.
Por sorte, Halis viu logo à frente uma rocha que poderia escondê-los.
Servindo como algo próximo a um telhado, devido sua estranha curvatura.
Cutucou-a e gesticulou com a cabeça para a rocha mais à frente e antes
que Amira viesse a entender, sentiu a mão dele se fechando ao redor do seu
braço, a puxando e pressionando-a contra a parede com seu próprio corpo.
— Eu tinha certeza que os vi vindo por esta direção, senhor — disse uma
voz desconhecida.
— Ainda que eles viessem por aqui, não teriam muitos lugares para ir, e
não estou vendo corpo algum lá embaixo — disse mal-humorado — Anda,
vamos continuar procurando-os. Não temos tempo a perder.
Os sons de seus passos se afastaram, mas ele sibilou ser imperioso que
ficassem um pouco mais de tempo onde estavam por segurança. Faltava pouco
para poder sair deste lugar de perigo para poder caminhar normalmente, pensou
ele.
(...)
Poucos minutos se passaram e ambos puderam respirar mais aliviados,
Halis se afastou da garota, focado demais em salvá-la. Era uma questão de
honra, antes de qualquer outro pensamento.
— Vamos — murmurou.
O caminho ficou estreito, mas logo à frente parecia que as rochas
formavam uma escada, o que aliviou o coração de Amira grandemente. Quando
conseguiram enfim sair da área de risco rochosa, ela pode ver os altos muros do
palácio e seus olhos quase se encheram de lágrimas. Porém, nenhum dos dois
estava em segurança ainda, por este motivo, mantiveram-se em movimento,
andando pela mata. Porém, ela tinha que falar para ele da entrada secreta. Não
precisariam dar a volta, desde que a achassem.
— Halis, eu tenho que te falar… — O chamou, em um tom de voz baixa.
Contudo, a fala dela foi interrompida, quando o rapaz que tinha se virado
para vê-la a puxou com força para frente, a fazendo cair de cara na terra. Uma
lâmina passou na altura da cintura dela, e se ela estivesse de pé poderia, na pior
das hipóteses, quase a partir no meio, mas apenas acabou fazendo um corte
superficial no braço dele.
— Armadilhas… — disse ele levando a mão ao braço, contudo, mal
pôde terminar de falar. Pois a exclamação de um homem não muito distante dali,
chamou a atenção dos dois.
— Achamo-os! Venham!
— Vá à frente, eu vou tentar conter eles. Você precisa voltar para o meu
irmão! — exclamou o rapaz puxando a sua espada.
— Mas e você? — perguntou Amira e quase pôde ver o Khalid com seu
espírito heroico no rapaz, inegavelmente eram irmãos. Amira sentiu seu coração
ficar pequeno em agonia, mas foi no grito dele que ela se virou para partir.
— Vá!!! — exclamou o rapaz antes de parar um golpe de espada de um
dos atacantes.
Ela pôde ver de relance seus atacantes e tentou a todo custo, gravar seus
rostos enquanto corria em direção ao palácio.
Os movimentos de Halis não eram bem feitos, uma vez que seguia seu
instinto como em tudo que precisou fazer para sobreviver. Na verdade, ele teve
um tutor, sim, embora se negasse a falar dele, mas o velho apenas o atacava, e
ele se vira obrigado a se defender. Era um velho desagradável, mas que ensinou
Halis a sobreviver. Sim, era verdade, refletiu, entre um golpe e outro de espada
que defendia. O tutor ensinou quase tudo que sabia, no entanto, não fora forte o
suficiente para evitar a própria morte e abandoná-lo sozinho. E o orfanato que
foi o mais perto de casa que teve, acabou.
O jovem príncipe seguiu vivendo ali isolado, nada parecido com a vida
de um príncipe de fato, foram raras as visitas do Imã e sua mãe. Aprendeu a
ser feliz com as pequenas afeições que recebera, mas dessa vez ele tinha um
propósito importante de fato. E se tinha um momento para colocar em prática os
ensinamentos do seu mestre, era aquele...
Amira não quis o deixar ali, mas ela tinha que levar ao Khalid tudo que
descobriu para acabar com o ser diabólico responsável por tudo. Enquanto o Imã
não fosse morto, nada acabaria.
Odiando-se por deixar o rapaz, que não parecia ser muito mais velho ou
mais novo que ela, sentia que seus olhos arderam pelas lágrimas e sujeira.
Entretanto, independente do que, correu o máximo que pôde, por sorte,
conseguiu desviar de algumas linhas e quando passava perto demais de uma
árvore podia ver as armadilhas. Por isso ela seguiu o caminho todo correndo
próxima à elas. Coisa esta que deu quase errado, quando perto de uma, havia
uma corda na sua raiz e por pouco não pisou nela.
Suspirou de alívio, mas escutou o grito de dor de Halis e um soluço de
choro escapou de sua garganta. Amira quase podia tocar o muro do palácio e
inclusive, por sorte, saiu onde Khalid mostrou o mar para ela. Assim fora fácil
achar a passagem. Ela escutava os passos de pessoas atrás dela, cada vez mais
próximos. Então ela se apressou para tentar passar pela passagem que por sorte,
depois de toda a confusão Khalid não voltara a trancá-la.
Amira se apressou em fechar a passagem logo em seguida e escutou
gritos e vozes agitadas. Entre elas, ouviu o som da voz de Khalid. Arfando de
cansaço e adrenalina, ela correu em sentido ao pátio que provavelmente era de
onde vinham todas as vozes.
Ao avistar os primeiros homens de Khalid em forma, olhando adiante,
Amira gritou com toda a força.
— Khalid!!!
Khalid que estava sobre um cavalo, com uma expressão pálida, apareceu
no campo de visão dela. O rosto dele era de espanto, e quando um sorriso
começou a nascer no rosto dele de felicidade, um grande alívio acometeu-se
sobre a garota.
Ele estava indo em sua direção, porém, na sua visão periférica, vira uma
sombra sobre os muros. Levantou a cabeça e viu a sombra de alguém, escurecido
pela luz do sol, mas que era nítido ver um arco e flecha em suas mãos,
apontando... Para Amira!
O sangue fugiu da face de Khalid e Amira pôde ver sua mudança
drástica de emoções, confusa ela olhou ao redor e voltou a olhá-lo. O tempo
pareceu ficar lento para Khalid, estendendo o seu pavor. Ele bateu os pés com
força no cavalo, para ir mais rápido e empinou o animal antes de saltar dele
sobre Amira.
Um grito explodiu de Khalid, gritando “Não”. Amira congelou de
horror, fechando os olhos enquanto se protegia com os braços. Em segundos, foi
derrubada contra o chão por Khalid. Ele era pesado, e por um momento pareceu
arquear seu corpo ainda mais sobre o dela. Quando ela abriu os olhos, Khalid
estava esparramado, cobrindo o corpo dela com o seu. O jovem sultão arrastou-
se mais para cobri-la melhor, retorcendo o seu corpo para se colocar entre ela e a
fonte do ataque.
Seus braços a envolveram, ele se levantou o suficiente para obrigá-la a
recolher suas pernas e ficar em posição fetal dentro de seus braços. Correu como
conseguia, segurando-a firmemente, para levá-la a um lugar seguro. Estavam na
lateral do palácio, por isso, para encontrar realmente um local seguro ele tivera
que dar a volta. Seu aperto sobre o pequeno corpo de sua amada afrouxava,
devido à fadiga e então Khalid voltava a apertá-la com força. Agarrando-a como
se fosse sua última esperança de vida.
Gritos ecoaram, de agitação e pânico chegavam aos ouvidos de Amira,
e tudo parecia estar lento para ela. Por todos os lados e exclamações dos
soldados. Mesmo em meio a toda desordem, Khalid teve a voz de gritar em um
tom tão furioso que ela jamais pensara ouvir dele:
— Ele está nos muros! Peguem-no imediatamente! E quero ele vivo,
para eu mesmo matá-lo!
Amira não conseguia ver muito, do jeito que ele a segurava. Mas assim
que os pés de Khalid, passaram pelas portas; apenas desabou sobre os joelhos,
gemendo alto, mediante a dor que ele sentia, seu aperto aliviou.
CAPÍTULO 28

O AMOR : É A FONTE DE FORÇA MOTRIZ

T udo fora muito rápido. Passos apressados, gritos exasperados dos


soldados correndo armados atrás do culpado. Algumas pessoas estavam
ao redor e outras pareciam gritar ainda mais. Amira ainda se sentia
atordoada, buscando a compreensão de todo alvoroço que instalou ao redor de
si.
Sofreram um ataque… Khalid a salvou.
Amira exclamou a sua dor, com o jovem sultão pesado sobre ela,
espremendo-a contra o chão. Por costume, procurou o seu rosto, para perguntar o
que havia acontecido olhando nos seus olhos, mas quando levantou a cabeça, viu
a dor impressa no rosto de seu amado.
O raciocínio enfim chegou, ele estava ferido, o sangue fugiu da face de
Amira. A mesma sentiu-se surda mediante o pavor, ignorando tudo e todos ao
seu redor, focando-se apenas em Khalid.
— Khalid?! — exclamou contorcendo-se em seu abraço, preocupada.
Ele gemeu em resposta e então rolou para o lado. Deixou seu corpo cair
pesadamente no chão, ofegou e então desmaiou. Amira petrificou, seu corpo
começou a tremer por inteiro. Tateou-o em busca do que lhe causava dor, até que
sentiu sobre o tecido de suas vestes, algo molhado e viscoso. Imediatamente, ela
levantou a mão e viu: sangue. Aquilo era sangue! Sangue do seu amado sultão!
Sua mente entrou em um turbilhão tão forte, por um segundo de puro
inferno, mostrando a perspectiva do pior cenário possível, e isso, a aterrorizou.
Seus olhos marejaram e então, fechou a mão, em um punho, molhado pelo
sangue de Khalid. Eu desisto de qualquer desejo egoísta, mas por favor, Alá, não
o leve! Implorou em pensamento.
Uma lágrima dolorosa rolou pela sua face, frustrada, Alá não a
responderia e tampouco faria ele se recuperar imediatamente. Se fosse sua
vontade… Ele levaria o Khalid.
Ela puxou o ar e sem conseguir conter a dor lancinante em seu peito,
sentiu sua voz sair forte e alta, assim como o sentimento que ardia e a consumia
por dentro.
— KHALID!!! — exclamou agarrando-se às vestes dele, abaixou a
cabeça e a encostou nele.
Começou a recitar orações, clamando, implorando a Alá para Khalid
responder ao seu chamado, para não o levar. Ansiosa, levantou-se e levou as
mãos ao rosto dele, deu leves tapas chamando-o incansavelmente. Olhou bem a
sua face e viu que ele estava respirando. Numa onda de adrenalina, pensou:
Tenho... tenho que parar o sangramento!
Com as mãos trêmulas, ficou de joelhos e se curvou sobre Khalid.
Procurou a fonte do sangramento e quando o encontrou, um grito quase escapou
pelos seus lábios. Havia um corte profundo e feio na lateral de seu corpo, na
altura do seu abdômen. Um sangue espesso começava a se espalhar pelo chão.
Sem pensar muito, num ato desesperado, levou as mãos ao ferimento, tentando
conter o sangramento.
— Pare, por favor, pare! — murmurava ela enquanto pressionava.
Khalid arfou, devido ao seu toque e aquilo a fez soluçar, enquanto
continha o choro. Como conforto, a flecha não havia o perfurado, mas rasgou a
carne. Contudo… Ponderou por um instante de lucidez e lógica. Khalid se feriu
diversas vezes e devido a um corte deste desmaiou?
Mãos tentavam afastá-la de Khalid, mas Amira se negava.
— Tem algo errado! Rápido! Alguém! — gritava ela sem olhar para
cima, apenas com a atenção dos seus olhos fixos na ferida.
Não demorou para o médico, que já havia sido chamado pelos criados,
chegar e ajoelhar-se ao lado oposto de Amira, em frente ao homem. O velho
senhor tirou as mãos de Amira do lugar, e com uma pequena adaga rasgou as
vestes do Sultão. Começou a verificar o ferimento, limpando para poder olhar
melhor. Amira aproximou seu rosto até o de Khalid, acariciando-o.
— Por favor, acorda meu amor — implorou ela baixinho, encostando
sua testa na dele, enquanto sua voz se quebrava em outro soluço.
O médico se retraiu e exclamou após terminar de analisar o ferimento:
— Precisamos levá-lo aos seus aposentos!
Amira levantou o olhar para ele, chocada e preocupada devido ao súbito
grito do médico.
— Ele levou uma flechada, os danos dela não são graves, mas devido à
forma que está ao redor da ferida, acredito que em conjunto, tenha sido
envenenado! — Amira sentiu-se petrificar, horrorizada. Ela percebeu algo
errado, mas não pensou que fosse veneno. O médico, impaciente, exigiu
novamente irritado e apressado para as pessoas ao redor: — Agora!
As pessoas se apressaram em tentar chegar a Khalid, e neste momento
Amira levantou o olhar, dando-se conta de quantas estavam ali assistindo. Ao
tentarem o colocar em uma estrutura para poder carregá-lo, Amira sentiu-se
subitamente amedrontada e protetora em relação a Khalid, não permitindo que
ninguém mais tocasse nele, quando se debruçou sobre ele. Levantou o olhar
molhado pelas lágrimas para todos ao redor de forma raivosa.
— Dê ao Khalid um antídoto! — ordenou em uma exclamação, assim
que seu olhar pousou no médico.
Eles podiam estar mentindo e nenhum deles iria salvá-lo! Ela não sabia
em quem confiar. O médico a observou e saiu do torpor de susto que levou pela
súbita atitude dela, porém o seu olhar ficou pesaroso.
— Ainda não sei qual veneno foi usado… Por isso precisamos levá-lo o
quanto antes, minha senhora.
Raiva e dor eram nítidas na face de Amira, pouco antes de sua expressão
mudar para espanto, quando alguém a agarrou por trás, afastando-a para longe.
Ela obviamente lutou, gritando o nome de Khalid, enquanto as pessoas se
apressaram em pegá-lo e levá-lo dela. Não importava o quanto ela lutava, o
desconhecido parecia inabalável. O homem que a segurava apertado enquanto o
médico gritava ordens e os olhos de Amira mantinham-se focados em Khalid,
disse:
— Jovem, precisam tratá-lo! Você está no caminho, precisa se acalmar e
deixá-los fazer o que têm que fazer. Entendo que não confie em mais ninguém,
mas você não tem a capacidade de curá-lo. Eles sim — O homem falou em seu
ouvido e ela reconheceu com amargor a verdade assim como o dono dos braços
que a segurava — Isso não está o ajudando, quanto mais tempo demorar, pior
será. Eu te entendo, malditamente, como entendo a sua dor! Mas você precisa se
controlar.
Amira com dificuldade parou de gritar e lutar. Engolindo o choro se
silenciou, ainda soluçando contida. Jaffar mantinha-a para o alto e seus pés nem
sequer tocavam o chão. Manteve-se dizendo coisas tranquilizadoras em seu
ouvido, na mesma medida que a repreendera, enquanto a levava aos aposentos
de Khalid.
O homem ponderou por um segundo como controlar os pensamentos da
garota para que conseguisse a levar sem mais problemas. Quando então, teve
uma ideia.
— Vou te contar uma história, então preste atenção…
“Duas crianças, jovens e de futuros tão distintos. Uma menina destinada
a ser uma grande mulher do império e um menino destinado a ser um líder
militar. Contudo, ainda eram apenas isso, crianças. Eles fugiam para brincar,
quando ninguém podia os ver. Anos se passaram e quando ela fora convocada
ao seu dever, o tolo rapaz se deu conta dos seus sentimentos.
Era tarde demais, ele não poderia fazer nada. Ele trabalhou arduamente
para ser o melhor no que fazia para poder chegar perto dela e ao menos vê-la
ocasionalmente. Porém, ela tinha se tornado uma Sultana e esposa legal do seu
senhor, não demoraria muito, depois do casamento teve um filho.
Dado a época da educação militar do jovem herdeiro, ela indicou
aquele rapaz do seu passado, para o cargo de tutor de seu filho. Ele que a amou
em silêncio a uma boa distância, dedicou-se ao menino, como se fosse seu
próprio filho. Porém, como uma tempestade triste, enquanto ele acompanhava o
rapaz ao encontro de sua prometida, no seu retorno, descobrira que sua amada
fora morta. E ela morreu sem saber que ele a amou, furioso, ele deu a ideia ao
jovem rapaz de fazer o que ele não poderia.
Se vingar.
Ele se arrependeu, o rapaz era muito novo, mas nada podia ser feito
após a ideia plantada.”
— Você era o rapaz… Você amava a mãe do Khalid. A sultana Honde.
Por isso você sempre está com ele... — murmurou Amira, compreendendo a
fidelidade do homem, mais calma enquanto ouvia a voz suave de Jaffar. Nem
sequer percebeu, quando já estava no aposento de Khalid e estava sentada no
sofá.
— Sim, eu fui aquele tolo rapaz… Eu deveria ao menos ter dito-lhe. E se
eu estivesse no palácio quando ela se fora, provavelmente estaria assim como
você. Embora não houvesse um conhecimento em mim de como a salvar —
Jaffar olhou a mulher diante de si e ela estava inconsolável, voltando seus
pensamentos ao Khalid. Sabia que sua história teria seu foco por um curto
tempo, mas não mais que isso — Ele não está morto! Enquanto existir vida nele,
você poderá tê-lo de volta. Você é a sua única concubina, Amira. É duro, mas
você precisa se controlar.
— O médico… — começou ela olhando para ele.
— Esse garoto sobreviveu a muitas coisas, sou prova disso. Se mantenha
firme, ele vai passar por isso também — afirmou ele, passando uma confiança
que não sentia — Você confia nele?
Amira se lembrou da primeira vez que o encontrou, estava ferido e muito
fraco em meio ao deserto e no mesmo dia ele teve uma reação extremamente boa
para o seu estado, pronto para lutar. Então...
— Sim, eu confio no Khalid.
— Isso basta. Fique aqui um pouco, os deixe fazer o que tem que ser
feito e então você logo poderá ficar ao lado dele. Ninguém te impedirá — Jaffar
olhou rapidamente para trás enquanto o médico terminava de tirar as vestes de
Khalid e começou a costurá-lo. Com os sons de dor do jovem senhor ecoando
pelo aposento, voltou a sua atenção para Amira, que se encolhia tentando se
segurar para não ir correndo até seu amado — Me diga, eu preciso saber. O que
aconteceu?
— Fui sequestrada por um rapaz, que estava sob as ordens do Imã… —
E então, ela abriu os olhos e lembrou ter que falar dele, se levantando e pegando-
o pelas vestes, ao mesmo tempo em que o sacudia. — Foi ele Jaffar, foi ele!
Jaffar segurou a mão dela e a afastou, tentando contê-la.
— Minha jovem, explique isso para mim — perguntou em alerta.
— Foi o Imã que arquitetou toda a desgraça do palácio! Do passado ao
presente, ele é o centro do mal. Provavelmente o ataque que sofremos, era
alguém sob as ordens dele ou até ele mesmo. A Kelebek é uma peça chamativa
que usava, enquanto ele fez tudo ou ao menos planejou tudo! Você tem que
pegá-lo, Jaffar! — Amira falava rápido sem parar para respirar, pegou as vestes
do homem logo após se levantar — Você tem… tem que pegá-lo! Ele foi a
pessoa que fez tudo! Ele! Eu não sei a profundidade dos seus atos, mas foi ele! O
rapaz que me sequestrou, foi enganado. Ele é filho da Sultana. E… morreu! Ou
eu penso que morreu!... Não sei! Mas ele me ajudou a fugir! E quando eu
finalmente entrei no castelo eu… não sei como tudo aconteceu. Eu só estava
tão… aliviada de ver o Khalid…
E então Amira quase voltou a cair no choro, quando voltou a se jogar
sentada no estofado, olhou para as suas mãos ensanguentadas, desolada. Jaffar
ficou rígido mediante todas aquelas informações, mas tentou controlar a ira
crescente dentro de si.
— Quando você chegou, Sua Majestade viu uma ameaça nos muros com
arco e flecha, correu ao seu socorro. A flecha pegou de raspão o cavalo de
Khalid e ainda assim, o acertou — explicou Jaffar — Foi isso que aconteceu,
mas agora eu tenho que ir antes que o Imã fuja.
— Vá! O pegue Jaffar, não o deixe escapar… Mas acho que o Khalid vai
querer matá-lo.
Jaffar, que estava com seu instinto assassino expresso em sua face,
parou, olhou para Amira e concordou por fim.
— Sim, senhora.
— Jaffar… — chamou num fio de voz.
— Sim? — indagou impaciente.
— Você é um bom homem.
Ele parou e olhou para Amira por um momento, numa mesura singela e
saiu do aposento. Pouco depois, Amira escutou os passos apressados da filha do
médico vindos em sua direção, dizendo que Khalid acordara e que estava fraco,
mas que chamava por ela.
Amira num rompante se levantou e correu até Khalid, passando direto
pela jovem mulher e se jogou de joelhos ao lado da cama, onde ele estava.
— Khalid! — exclamou ela. Ele lhe sorriu fraco, tentou se levantar,
porém, foi impedido pelo médico e por Amira — Não se levante!
Ele suspirou irritado por estar debilitado na cama, mas concordou por
ora. Amira levou a mão à testa dele, notou que agora, sua pele estava muito seca
e quente. Febre.
— Doutor, ele está… — ela se virou em direção ao velho homem.
— Sim, menina. Com febre. O corpo dele está lutando… — disse ele
relutante, evitando o seu olhar por algum motivo que Amira não entendia.
— O que você está escondendo? — questionou-o astutamente.
Porém, não foi o médico que respondeu à pergunta, fora o próprio
Khalid.
— Os efeitos que estou sentindo, são os mesmo que minha mãe sentiu, e
todos mais, na peste que trouxe tantos mortos dentro deste palácio.
Um silêncio se instalou pelo aposento, ao mesmo tempo em que a cor
sumia do rosto de Amira. Seus olhos se abriram imenso, seu coração parecia ter
despencado do lugar. Ela não conseguia sequer se mover direito, frente à
informação.
— Há melhoras e pioras, mas o tempo é algo precioso — concluiu com
pesar o médico — Porém, o jovem sultão é um homem forte e saudável, existe a
possibilidade de cura. Creio...
Amira fechou os olhos, sentindo o ar fugir de seus pulmões, enquanto
abaixava a cabeça e a apoiava na cama sem segurar as lágrimas. Este fora o
plano do Imã desde o princípio. Um nó se formava em sua garganta. A dor que a
preenchia era ainda maior do que a anterior, de quando viu a ferida.
— Saiam todos, quero falar com ela — ordenou Khalid aos criados e
médicos. À Amira, ele disse: — E você, saia do chão e deite-se ao meu lado.
Ela engoliu em seco ao mesmo tempo em que se levantava e deitava-se
ao seu lado. No entanto, não deitou sobre o seu peito, como geralmente o fazia,
por medo de machucá-lo.
— Ayla, ainda não estou no meu último suspiro de vida! Venha para
perto de mim... — disse ele a puxando ainda mais para perto e a colocou deitada
sobre o seu braço — Este é o seu lugar, ao meu lado, onde em um esticar de
braços posso tê-la. Não sei o que o futuro me reserva, se sairei curado ou morto,
mas estou surpreendentemente tranquilo… Porém, tenho algumas coisas para lhe
falar, por isso, preste bem atenção.
Olhando o teto da cama, ele se empenhou para a sua voz sair o mais
normal possível para que sua mentira se mantivesse, pois ele definitivamente não
queria morrer.
— Infelizmente, nossa estrada tem sido árdua, mas fico feliz em ter-te ao
meu lado no caminho que seguimos. Seja no meu coração, na lembrança ou no
dia a dia — disse de todo o coração e então suspirou frustrado — Te libertei,
para provar que não era inferior a mim e fiz um casamento surpresa por
procuração[12], o que te faz minha esposa legal.
Com a informação de que não era apenas uma concubina... Uma sultana
e sua esposa legal, Amira levantou muito rápido, ao ponto de sentir uma leve
tontura, muito espantada. Uma vez que a queda de pressão passou e ela
conseguiu focar seu olhar nele, balbuciou palavras desconexas. A forma causal
de ele dizer isso, não a preparou para o que era de fato. O tamanho das coisas
que ele lhe fez. Eles estavam casados, seu coração explodia de felicidade e ela
daria um sorriso torto e dolorido, se não o visse com uma expressão tão cansada.
— Era isso que comemoraríamos mais tarde, por isso, tinha-a mandado
se preparar. Eu reuni ouro, mandei fazer uma coroa apenas sua, iria expressar
meu amor e a extensão do valor que você tem para mim, ou ao menos, parte
dele… Um começo, talvez? Se apenas tudo não tivesse se tornado uma grande
balbúrdia... Teria sido incrível.
Ele levou a mão ao rosto dela e tirou uma mecha de cabelo que lhe
escapava e cobria a sua face, enquanto sorria amargo.
— Infelizmente, não pude te dar a notícia como queria e eu sei que não
está feliz agora… E eu sinto muito. Me empenharei em melhorar, orarei a Alá
para me deixar viver mais, para estar ao seu lado. Eu te juro.
— Você… — começou ela e ele a interrompeu, levando o indicador aos
lábios dela.
— Hoje não será meu último dia, isso é uma coisa que posso afirmar a
você. Talvez, neste exato momento, tenha meu herdeiro em seu ventre… Que te
faça uma Valide Sultana, mas talvez não... — ele falava vagamente sobre cada
um dos seus pensamentos que omitia em seu comportamento normal. Desceu a
mão até a barriga dela e uma lágrima rolou pelo canto do seu olho — Eu sinto
que deveria ter te amado mais… E lamento demorar tanto para cumprir meus
deveres e o nosso acordo. A verdade é que temia que viesse a me deixar, uma
vez que concluíssemos nosso acordo.
Lágrimas rolavam soltas na face de Amira, ao mesmo tempo em que
sorria de coração partido.
— Seu tolo! Desde que eu soube que “você” era você. Desde aquela
barraca, o acordo não me importou, Khalid. Antes disso, talvez, era a vingança o
que eu buscava. Mas não mais, pois quero estar com você e isso me basta. Você
sempre foi o herói da minha imaginação, da minha vida e do meu coração. Não
te pedirei mais nada, desde que derrotes este vilão que está te prendendo à essa
cama — disse enfaticamente ela, com os olhos marejados.
— Farei isso, pequena prometida. Eu melhorarei e a tomarei nos meus
braços, para que suas próximas lágrimas sejam de felicidade. Para podermos
festejar quando nosso herdeiro nascer, cada um dos vários que teremos. Mas por
ora, estou com muito sono. Irei descansar um pouco. Fique aqui… Lá fora é
perigoso.
Ele lhe presenteou com seu rotineiro sorriso doce e lentamente fechou os
olhos, se entregando ao sono que sentia.
— Não irei a lugar algum… — falou ela, baixinho.
Engolindo em seco, se abaixou e pousou um beijo nos lábios dele. Os
sentiu quentes, se levantou rapidamente chamando o médico, para de alguma
maneira diminuir a temperatura do corpo de Khalid. O médico tentava o melhor
que podia, enquanto Amira retornava ao seu lado.
Amira queria ser forte, mas se sentia tão destroçada por dentro.
Sentou-se em uma cadeira próxima à cama e ficou olhando-o. O médico
entrou e saiu do aposento, a sua filha também, os criados e ninguém conseguia
tirar Amira do lugar. Minutos depois, o corpo dele começou a suar e o médico
disse ser uma coisa boa, pois a febre iria abaixar. Amira continuou levantando-se
apenas para colocar a cabeça no chão orando, pedindo a Alá por uma cura. Suas
criadas vieram trazer-lhe roupas, limpar todo o sangue que a sujava. A fizeram se
trocar, deram-lhe comida na boca e ela não se importava com nada disso, desde
que não tirasse os olhos de Khalid. Nada lhe importava mais que ele e mesmo
que o palácio pegasse fogo, se não fosse para sair com ele, não se moveria um
único centímetro.
(...)
Já era noite, quando escutou ao longe muita confusão pelo palácio, mas
ignorou. Seus olhos estavam cansados e permitiu-os vagarem pelo aposento. Até
encontrar aquele seu pequeno baú com seus maiores tesouros, lançou um olhar
de esgueira a Khalid, mas se confortou que não ficaria muito tempo longe.
Sentia-se desconectada com seu corpo àquela altura, caminhou, sentindo seus
passos leves, e o coração pesado. Quando ela enfim chegou ao baú, pegou-o e
abraçou, mas de alguma forma os itens caíram no chão.
Com seu raciocínio lento, viu o anel, a carta e levou a mão ao brinco em
sua orelha. Saudosa de quando apenas segurá-los lhe trazia paz, se abaixou para
pegá-los, mas percebeu que a carta caíra meio aberta e pôde ver seu nome
escrito.
Sempre pensara que poderia ser algo da tribo, passado entre gerações
devido os papéis serem velhos, mas por ter o seu nome, pela primeira vez,
realmente sentiu a vontade de ler. Pegou-a ainda ali abaixada e a desdobrou para
começar a ler:
"Ayla, estou escrevendo enquanto tenho coragem, hoje você não é mais
que um bebê. Espero que em algum momento da minha vida tenha coragem de
lhe entregar isso. Mas caso isso chegue em suas mãos após a minha morte, peço
perdão pela minha covardia.
A verdade é algo que precisa ser direta. Eu sou sua mãe. Não pedirei
que me perdoe. Mas esta é a mais crua verdade. Meu pai mentiu, todos
mentiram e aqui vou te contar a verdade.
Quando fui ao palácio com meu pai conversar com o sultão, uma das
diversas vezes, na verdade, como de costume, fui ao harém, passava horas
tomando chá e conversando com a sultana Honde que gostava muito de mim.
Uma mulher maravilhosa, espero que algum dia possa conhecê-la. Mas em todo
caso, este não é esse o motivo dessa carta.
Numa destas idas, nós fugimos por uma pequena passagem e fomos à
cidade, acompanhei-a, ambas disfarçadas, é claro. Meu pai e o sultão estavam
ocupados demais conversando. No entanto, em meio às nossas andanças,
encontrei o homem mais bonito que um dia eu sonhei que poderia existir. O mais
surpreendente é que ele reparou em mim. Uma garota como tantas quaisquer.
Ele tinha cabelos lisos e negros como a noite, pele clara como a areia
do deserto e olhos profundamente azuis. Porventura, separei-me de Honde e o
segui, fascinada.
Era um dia de comemoração na cidade e eu nem sequer me lembro do
quê, por um instante, o perdi em meio às pessoas. Porém, quando menos esperei,
alguém segurou o meu braço e para minha surpresa, era ele. Mais de perto ele
era ainda mais bonito. Nós jovens e inconsequentes, nos apaixonamos
perdidamente sem nos conhecermos direito. Em uma noite, quebrei todas as
regras possíveis e me entreguei a ele de corpo e alma.
Ele me disse para encontrá-lo na noite seguinte, mas não pude. Pois,
assim que voltei a encontrar Honde, ela estava desesperada. A consolei, pedi
perdão, e contei o que aconteceu. Ela me repreendeu, sim, mas então sorriu feliz
por mim. Uma vez que para nós mulheres era difícil encontrar o amor. Juramos
um dia casar nossos filhos, quando o pequeno filho dela, Khalid, se aproximou
de nós. Porém, meu pai descobriu sobre a minha fuga. Eu soube que aquele
homem que amei era um 'atfal 'iifrit, meu pai furioso nos fez ir embora mais
cedo.
Não pude o encontrar no dia seguinte como queria e os meses se
passaram. Minha barriga cresceu e meu pai me bateu fortemente, ao ponto de
um dos seus homens me proteger com seu próprio corpo. Não fui expulsa da
família ou o homem renegado, pois teria que explicar o porquê. Por este motivo,
para me castigar, meu pai me fez casar com o homem que me protegeu e me
roubou você dos braços assim que nasceu. Disse que ninguém saberia que era
minha filha e se alguém soubesse, ele mesmo mataria.”
Nesta parte da carta tinham palavras borradas, dando para saber o quanto
Safirah sofria. Amira, que estava sentindo-se desligada do seu corpo, sentia uma
dor no coração que parecia se espalhar por todo o corpo. Respirou fundo,
fungando e então soltou lentamente o ar, para voltar a ler. A letra parecia
diferente, como se após muito tempo retomasse a escrita.
“Ninguém nunca me explicou por que era tão proibido a nossa relação
além de tudo de errado que fizemos. Mas quando você nasceu e abriu os olhos,
minha mãe contou-me enquanto eu chorava. Os 'atfal 'iifrit[13], a tribo do seu
pai, são chamados filhos de ifrit. Assassinos e mercenários. Na minha opinião,
pessoas que por muito tempo sofreram sem a bênção de Alá e fizeram o
necessário para sobreviver. Porém, um povo mal visto por todos com suas
características surpreendentemente belas, os anciões acreditavam que para
sobreviverem fizeram acordos com ifrits. Fora um conhecimento passado e
aumentado a cada geração.
Você era uma linda miniatura do seu pai, eu chorei de felicidade e
tristeza, de saudade daquele que amei. Ironicamente, ainda com todas as
adversidades, fora você a escolhida para ser noiva de Khalid, assim como
Honde e eu desejamos. Seu avô a escondeu, e a manteve longe o suficiente para
ninguém reparar muito nas suas características.
Me desculpe, pela vida que você viverá. Saiba que você foi fruto do mais
puro amor. Me perdoe por pecar, saiba que eu te amo, minha mais linda
lembrança e herança de amor.
Safirah"
Com a carta ainda em mãos, a mão de Amira caiu ao lado de seu corpo e
ela se permitiu sentar desleixadamente no chão. Sentia uma profunda falta de ar
que rivalizava com a dor em seu coração.
Safirah era sua mãe, seu pai era um homem de família supostamente
ruim. Mal podia acreditar, nem sequer tinha palavras para qualquer coisa. Queria
que Khalid estivesse bem, a pegasse nos braços e toda sensação ruim, tristeza e
luto a deixasse, enquanto o calor dos seus beijos afugentava todas as coisas
ruins.
Mas Khalid estava dormindo, envenenado e ela talvez ficasse só.

Enquanto isso, horas antes...


Haidar, que havia chegado a pouco ao território em que fazia muito anos
que não pisava, um que lhe trazia imensa dor e que porventura, jurara nunca
mais pisar. No entanto, aqui estava ele, recordando de cada detalhe nitidamente,
sofrendo por um passado que não poderia ser reparado. Por anos, se tornou o que
precisava ser para seu povo: um líder. Forte, bravo e o pilar para eles. No
entanto, jamais esqueceu o sorriso, o cheiro ou cada coisa da sua amada, aquela
que conhecera naquele lugar.
No mesmo lugar, outra lembrança tão dolorosa quanto a anterior era
doce e saudosa, o local em que fora a última vez que vira sua irmã com vida.
Mas agora ela parecia ter retornado e ele precisava ver com seus próprios olhos.
Segurou com firmeza o desenho que lhe fora entregue da famosa flor do
deserto. Seu rosto, cada detalhe. Quando chegou ao palácio, pediu para falar
diretamente com o sultão. De um líder para o outro, honraria todas as normas
precisas, mas precisava vê-la.
Ele fora permitido no palácio, porém, logo que entrara e fora colocado
em um aposento para esperar, tudo no palácio se preencheu de caos. Não
permitiram que ele saísse em momento algum do aposento. Como não queria
piorar a fama de seu povo, se comportou. Por horas escutou a agitação, e então,
por acaso no auge da sua curiosidade, escutou através das portas os criados
falando sobre a concubina do sultão sendo sequestrada, sobre ela retornar e então
uma flechada. Que o sultão já estava a algum tempo desacordado e a mulher fora
vista coberta de sangue.
Se preocupou se chegaria a encontrar o homem ainda com vida, como
poderia o encontrar? Quando lembraram que ele estava lá pediram para retornar
outro dia, quando por acaso escutou um grupo de criadas falando de “Amira” e
se ele não estivesse errado, aquele era o nome da “Flor do Deserto”.
Haidar se virou e então caminhou até elas, empurrando os homens e
tirando-os do caminho com facilidade. Era maior que os homens normais, vivera
muito tempo lutando, para que ficassem no seu caminho, se tivesse algo que
realmente queria, ele conquistaria. Chegou até as mulheres e parou diante delas,
as assustando. E uma vez que seus olhos chegaram à face dele, elas ficaram
petrificadas, assim como era de costume.
— Vocês falaram “Amira”, o que se passa?
— Amira? — perguntou a criada como se sua mente tivesse dado um
terrível branco.
— Não me façam perder tempo. E não me irritem — avisou ele num tom
mais baixo que as fez olhar para o chão imediatamente.
— Porém, meu senhor... — começou uma delas.
— Falem apenas o quero saber.
— A Sultana Amira está ao lado do sultão que não está disposto no
momento, meu senhor.
— Ela não era uma concubina?
— Sim, ela foi libertada e agora é esposa legal de vossa majestade, o
sultão — disse uma delas ainda com a cabeça baixa.
Ele desceu o olhar pelas mãos delas e vira vestes manchadas de sangue.
Seu coração se acelerou em um rompante e ele, simplesmente, começou a andar
pelo palácio em busca da jovem e do aposento do sultão.
Ele era grande e assustador, um homem que colocaria terror em muitas
pessoas, seja pela sua aparência ou pelo misticismo implicado em seu povo. Foi
passando por algumas pessoas que se afastaram e outras, ainda com um fio de
coragem, tomaram o lugar tentando barrá-lo. Ele não desejava começar uma
guerra, por isso, tirou sua espada do lugar ainda com a bainha e usou-a para
golpear aqueles que quisessem entrar em seu caminho.
Em dado momento, alguns se reuniram para atacá-lo e cada vez que
entravam em seu caminho mais irritado ele ficava, pegou um dos soldados pelo
pescoço e o arremessou para longe, rosnando furioso. Este soldado bateu contra
uma porta e ela se abriu.
Dentro do aposento ele viu uma mulher baixa, de longos cabelos negros
que em um instante virou a cabeça para trás para o local que ele estava e quando
os seus olhos se encontraram, o espanto viera de ambos, que pareciam ter se
reconhecido.
— Aysha?
— Pai...
CAPÍTULO 29

DESVENDANDO: A VERDADE

H aidar e Amira, por alguns segundos, se mantiveram na mesma posição.


Um olhando o outro, fixamente. Na troca de olhares, era como se ela o
reconhecesse, mesmo sem jamais tê-lo encontrado. A garota não tinha
dúvidas de quem era ele. Os cabelos negros, pele clara e seus olhos terrivelmente
azuis, como o céu em um dia bom. Por diversas vezes essa descrição fora usada
para descrevê-la, e era como se ela estivesse vendo o seu reflexo em uma versão
masculina. Mas muito alto, mais velho, forte e másculo.
Seu pai — que na verdade era o seu avô — Faruk foi quem a criou. Ele
fora um homem cruel com Safirah, mas para Amira foi um homem amoroso, e
em seu íntimo, aquele homem por toda a sua infância era o seu pai.
No entanto, este homem diante de si que era tão parecido com ela, não...
Aquele homem que Amira viu morto próximo à sua mãe a caminho de sua tenda,
quando não tinha muito mais que dez anos, fora o único pai que ela conheceu.
Agora, ali diante de si… O homem que fora a paixão de Safirah e o seu
verdadeiro pai a observava aturdido.
Amira sentia-se aturdida de igual maneira, pois conseguia sentir a
ligação que os unia. Porém, assim como todos os outros, ele a chamara por outro
nome: Aysha.
A garota engoliu em seco. Inevitavelmente entristecida de uma forma
indireta, pois, no fundo, queria que ele a reconhecesse, assim como ela o
reconheceu. Mas isso não aconteceu. Entretanto, sabia através da carta de
Safirah, que ele nunca sequer teve oportunidade de saber que era pai. Será que
ele foi tentar a encontrar no dia seguinte?
Será que ele guardava mágoa de Safirah, que tanto o amou?
Sons de passos chegaram aos seus ouvidos, pela visão periférica pôde
ver olhares aborrecidos de pessoas que estavam assim como ela; tentando
entender a situação, mas com muito menos informações e muito mais
julgamentos.
Amira, com o vestígio de orgulho que lhe sobrou, sabendo que o homem
não fazia ideia de quem era ela, levantou-se, limpando e arrumando suas vestes.
Nem sequer queria saber qual era a forma que estava estampada em seu rosto,
cansado e até pouco tempo atrás, choroso. Homens da guarda, meio machucados
e ainda atordoados, insistiram em dar alguns passos a mais em direção ao seu
pai, para tirá-lo dali. Mas ela se lembrou de Jaffar falando que “era a única
esposa de Khalid, e que na sua ausência, ela deveria ser forte.”.
Então à risca, ela se conteve, escondeu a sua agitação, e levantou a mão
soberanamente. E como a sultana que agora era, os ordenou a pararem, sem
sequer precisar de uma única palavra.
— Meu senhor, este é o aposento do sultão. Não deve invadi-lo, além do
mais, se busca uma Aysha, procura no lugar errado. Uma vez que…
Mas o homem não a deixou terminar, ele eliminou a distância que os
dividiam em rápidas passadas e a envolveu num abraço. Um forte e apertado.
Por um segundo, ela podia jurar que o escutou soluçar. Amira sentiu seu corpo
todo congelar.
— Aysha… Me perdoe, me perdoe, pois errei. Eu a deixei só — dizia
repetidamente ele, bem baixo num tom claro de sofrimento.
Ele não via Amira de toda forma. Preso em sua própria mente, revivendo
aquele dia, revivendo a sua própria culpa. Culpa de algo que para Amira era um
mistério.
Amira estava chocada, sua mente simplesmente esvaziou-se na atitude
inesperada do homem, ficando inerte, pois definitivamente jamais esperava tal
reação. Mas, uma vez que o susto começara a passar, percebeu que ele parecia
estar padecendo em tristeza. Ela se compadeceu da sua dor, mesmo sem que ele
a conhecesse, permitindo que ele a abraçasse mais um pouco.
Fosse quem fosse a tal mulher, ele estava realmente assombrado pela
amargura de perdê-la. Ela deveria ser uma mulher incrível, essa Aysha. Pensou
Amira, sentindo um pesar profundo encher seu coração, e uma saudade que ela
não sabia o porquê de existir. Ele não estava fazendo aquilo por mal, era
realmente genuína a sua dor, ela podia entender.
Os passos dos guardas chegaram novamente aos ouvidos da garota, a
confusão fora formada no aposento do Khalid e ela voltou àquela realidade. Um
homem que não era o sultão a tinha nos braços, independente de qual fosse o
motivo, era inadmissível. Ela não poderia se mostrar fraca agora, por isso,
levantou a mão em meio ao abraço do grande homem. Para sinalizar que
parassem e assim que os sons de passos dos guardas cessaram, ela com cuidado,
levou a mão ao homem e o empurrou gentilmente.
Desnorteado, ele a encarou. Ela deu um passo para trás e viu o rosto
marejado do grande homem, com o arrependimento expresso em sua face.
Partia-lhe o coração, desenganá-lo, mas tinha que fazê-lo.
— Me perdoe… — disse Amira, lamentando-se.
Podendo observar a expressão de remorso do homem se transformar em
choque, visto que, despertara do seu devaneio intenso.
— Eu não sou a Aysha. Sinto-me honrada em ser comparada com uma
pessoa que você tanto estima. No entanto, sou Amira, a atual esposa do Sultão e
atual imperador otomano, Khalid Alev Volkan. O senhor invadiu o aposento do
sultão, portanto, deve se retirar.
Haidar engoliu em seco, deixou-se ser tomado pelas emoções e de forma
impensável, apenas se moveu. Ele nunca fizera nada do tipo antes e a sua
expressão endureceu, de uma forma que por um momento, Amira temeu a reação
dele e quase buscou com o olhar os guardas, em um pedido de socorro
silencioso. Mas quando enfim, ele respondeu, ela sentiu que poderia voltar a
respirar tranquila.
— Me perdoe, sultana — disse ele com a voz rouca e carregada.
O homem puxou o ar com certa força, com as imagens de Aysha ainda
em sua mente, por ver a personificação dela diante de si. Cada sorriso,
brincadeira e companheirismo. Cada pequena recordação de quando cresciam,
dilacerava o seu coração. Tanto quanto a imagem do corpo dela que encontrou
mais tarde naquele fatídico dia.
— Você é tão parecida com a minha falecida irmã, que pedi a razão... —
explicou ele com dificuldade e com os seus lábios parecendo estarem rígidos
enquanto continha a expressão de dor que brilhava em seus olhos — Minha
atitude foi imperdoável e aceito qualquer punição, desde que ela seja desferida
apenas em mim e não no meu povo.
Suas mãos estavam caídas ao lado de seu corpo em punhos, seu maxilar
tensionado, mas nada disso importava à Amira. A única coisa que saiu dos seus
lábios fora:
— Falecida irmã? — exclamou Amira sem pensar.
Sua respiração ficou agitada conforme ela abrira muito os olhos. Sim,
agora tudo fazia sentido para ela. Tia… Aysha era a sua tia, por isso ele a
confundiu com ela. Era sua irmã. Amira não era parecida com seu pai, era
parecida com a irmã dele. Esta seria uma confusão totalmente aceitável. Por isso,
cada uma das pessoas que ela encontrou, a confundiu. Se até mesmo este homem
diante dela a confundiu, deviam ser realmente muito parecidas.
Amira sentiu suas pernas vacilarem, mal acreditando. Seu corpo quase
fora ao encontro do chão, mas ela se apoiou em uma cadeira próxima dali.
Preocupado, ele dera um passo adiante, estendendo a mão para ela justificando,
preocupado:
— Sim, este foi o motivo de ter vindo para cá — ele levantou um pedaço
de papel com o seu desenho — Me entregaram um retrato seu, sultana. E era tão
parecida com a minha irmã que eu precisava vê-la...
Porém, assim que Haidar estava terminando de falar sua frase, Amira
ouviu Khalid tossindo fortemente. Sua mente se focou unicamente em Khalid,
corrigindo rapidamente seu corpo e num impulso, largou tudo que estava se
desenrolando diante de si, correndo na direção do Sultão. Passando apressada
por seu pai com a mão ainda estendida para ela como se não fosse nada.
Deixando-o aturdido e confuso.
Amira, assim que chegou ao Khalid, começou a gritar chamando pelo
médico. Khalid estava com o rosto muito vermelho, contorcendo-se na cama, ao
mesmo tempo em que balbuciava palavras desconexas. Além disso, começou a
se debater e se contorcer. A febre parecia ter retornado, já que sua pele estava
seca e suas veias saltadas. Amira, com dificuldade, conseguiu colocar a mão na
testa de seu amado e sentiu como se ardesse em brasas.
Subitamente o homem parecia desesperado, arranhando-se tentando
arrancar suas vestes, passando a mão pelo seu pescoço como se lhe faltasse o
ar.
Khalid sentia-se em chamas, num calor desesperado. Sentia como se
tivesse sido jogado em meio à chamas de uma fogueira. Preocupava-se com a
sua Ayla, não queria que ela estivesse em perigo. Mas ele sentia tanto calor, que
apenas tentava desesperadamente acabar com esta sensação, mas, ao mesmo
tempo, seguia na busca de sua amada. Chamava seu nome, mas sua voz em
retorno, não estava conseguindo ouvir.
O ar parecia pouco e ele sentia-se aflito, agoniado e sufocado. Precisava
respirar, mas o ar não lhe parecia o suficiente.
— Ayla! Ayla! — chamava desesperado, debatendo-se. Tirou a mão do
seu pescoço, rolando pela cama, tateando, parecendo não conseguir ver nada ao
seu redor com nitidez.
— Estou aqui, meu amor. Eu estou aqui com você. Estou bem aqui com
você! — ela tentava controlá-lo, Khalid continuava delirando e balbuciando. Se
debatia e Amira encontrava dificuldade em contê-lo, para que não se
machucasse. Porém, ainda que estivesse debilitado, ele conseguiu safar-se da
pegada firme dela, fazendo-a se afastar dele.
— Eu quero a Ayla! Cadê ela?! — rosnou ele enraivecido.
Haidar se aproximou, sem pedir licença, buscando ajudar a jovem garota
com o rapaz doente. Escutara que o sultão era loucamente apaixonado pela sua
concubina, mas não acreditara, até este momento. E por ela ser parecida com a
sua irmã, ele sentiu-se satisfeito com o valor que o homem, mesmo doente, dava-
lhe. Haidar segurou os braços de Khalid e o virou de barriga para cima, mas
congelou ao ver marcas aparecendo na pele do jovem rapaz, ele sabia o que
podia causar estes sintomas e simplesmente não fazia sentido que o sultão
estivesse assim, com isso.
Haidar soltou subitamente o sultão e deu alguns passos para trás.
— Eu estou aqui, meu amor. Estou aqui… — insistiu ela voltando a se
aproximar dele, lançando um olhar de estranhamento a Haidar, uma vez que,
parecia que iria ajudar e simplesmente se afastou.
Khalid sentiu por um tempo, mãos realmente fortes o segurando, o
deixando em mais alerta ainda, sentia que Ayla estava em perigo, ele tinha que a
salvar. Ele preferia perder sua vida, a seguir vivo sem ela.
Podia ouvir uma voz distante parecida com a dela, no entanto, não
conseguia ter certeza. A falta de ar, o calor ofuscava o seu raciocínio. Seu corpo
não parecia lhe pertencer, tinha um desejo intenso de sair daquelas vestes e com
desespero em busca de algum alívio, chegou ao ponto de rasgar suas roupas e
arranhar a sua carne. Mas, para a sua surpresa, seu corpo pareceu mudar, o calor
intenso que sentia, converteu-se em um frio absurdo e ele parou de se debater,
pois apenas conseguia tremer. O toque do tecido seja da cama ou remanescente
de suas vestes causavam dor à pele sensível.
O médico finalmente chegou e saiu empurrando Haidar, para poder
chegar a Khalid. Amira lhe disse rapidamente o que estava acontecendo com o
Sultão que até pouco tempo estava dormindo tranquilamente.
— Infelizmente eu ainda estou em busca de descobrir qual veneno foi
usado. Estava vasculhando a biblioteca em busca de algo, mas até agora nada —
esclareceu ele.
Haidar se aproximou, após ouvir o médico e engoliu em seco.
— Eu sei com o que ele foi envenenado, mas não sei como este veneno
chegou aqui.
Todos os olhares se focaram nele, então ele levou a mão à uma corrente
que ia para dentro de suas vestes, o grande homem a puxou e um pequeno saco
de couro surgiu. O olhar de Amira pousou no saco, imobilizada na possibilidade
de ser...
— O antídoto… — falou ele inseguro, parecendo completar o
pensamento dela. Haidar estava alheio ao olhar da garota, segurava receoso
mostrando, pois poderiam vir a culpá-lo por algo que não fez, e isso prejudicaria
seu povo.
— Quem é você? O que faz aqui?! Guardas! — interrompeu o médico,
após um segundo de choque com a palavra “antídoto”.
Porém, para o maior desespero de Amira, Khalid começou a balbuciar
coisas sem sentido, com medo de ele voltar a se debater, a garota em um
rompante se levantou da cama, intervindo na ação dos guardas que já tinham
suas mãos sobre seu pai e apressada exclamou:
— Ele é meu pai! Tirem as mãos dele! — anunciou simplesmente e sem
mais, nem menos.
Parecia que um estalo dera em sua mente, o desespero ficava de forma
interna, enquanto no seu exterior via-se apenas uma mulher determinada a fazer
algo, no lugar de ficar parada.
A sua ação foi vista com grande choque e surpresa. Ignorando-os, tomou
da mão do seu pai o pequeno saco de couro, estourando a corrente no processo.
Tateou com a mão trêmula o couro e sentiu um pequeno frasco dentro dele.
Abriu apressada e o virou na palma de sua mão, o pegou e levantou contra a luz
de uma das lamparinas e viu um brilho âmbar no líquido agitado. Um frasco
pequeno, do tamanho do seu polegar.
O antídoto… Repetira ela em pensamento.
Ela o trouxe para perto, tirou a rolha e o cheirou. Não tinha um cheiro
que ela conseguisse comparar com algo. No fundo, tinha dúvidas se aquilo
realmente era um antídoto, mas sentiu tamanha verdade em seu pai, ademais, seu
instinto nunca lhe falhou, então impulsiva, optou pela confiança na palavra dele.
Virou-se para ir em direção ao sultão, decidida em lhe dar o antídoto.
Não tinha tempo a perder. Porém o médico se colocou entre ela e o Khalid.
Haidar, que ainda estava confuso, colocou-se atrás dela. Sentindo-se angustiada
e encurralada, seu mau-humor chegou ao extremo.
— Saia do meu caminho! — ordenou em alto e bom-tom.
— Minha sultana, mas… — começou o médico, tentando impedi-la de
fazer qualquer coisa imprudente.
— Sultana… — começou Haidar querendo respostas.
Pareciam vozes demais em sua cabeça, ainda que fossem apenas duas.
Furiosa, Amira passou a mão nervosa pelo seu rosto, pois queria apenas chegar o
mais rápido possível em Khalid, visto não saber mais o que fazer, já que a cada
minuto parecia ser mais difícil para ele.
— Saia da frente! — rosnou ela para o médico.
— Não, minha senhora! Isso pode ser mais um veneno, pode ser uma
mentira dele e está aproveitando este momento — tentou ser lúcido, mas a sua
conclusão servira apenas para piorar as coisas ainda mais — Vossa alteza, ele
pode estar conspirando... Ele é um filho de Ifrit, como pode confiar nele?!
Amira sentiu mais um golpe de fúria borbulhar dentro de si. Realmente
Safirah estava certa, eles alimentavam uma perseguição de geração em geração e
por bem ou mal. E ele era seu pai, o que a fazia se doer pelo preconceito
implícito no argumento do velho homem.
Amira puxou o ar com força, sentindo seu temperamento quase
explodir.
— Lhe disse que ele é o meu pai, é surdo? E se ele é filho de Ifrit e não
confiável, também não sou, e ofender-me será um erro que não vai gostar de
cometer — disse pausadamente, controlando sua ira — Lembre-se que não sou
mais uma escrava.
Nenhum dos criados tiveram oportunidade de realmente ver seu
verdadeiro temperamento, nem mesmo Khalid, mediante a tudo que passou
desde que chegou no palácio, ao ser aterrorizada tão frequentemente. Mas agora
diferia, o único medo que lhe fazia morada não era sobre ela mesma, era sobre
Khalid e o seu medo de perdê-lo.
— Gostaria de recordar-lhe que sou sua sultana e, no mínimo, estou
acima do senhor. Devo-lhe respeito, pelo cargo que tem e o conhecimento em
salvar vidas. Mas se o senhor não me dar o mesmo respeito e tampouco
conseguiu a cura até agora, não irei esperar um minuto mais. Decidi que vou dar
isso ao meu marido e não será você que me impedirá.
Motivada pela raiva e ansiedade, olhou para trás vendo seu pai e a
espada que portava com ele. Virou-se em um rompante e a puxou,
desembainhando-a de forma que fez o homem se curvar para trás e não arriscar
ser golpeado conforme ela puxava a espada. Amira direcionou a ponta da
espada, à altura do pescoço do velho homem e voltou a andar em direção a
Khalid.
O médico empalidecido saiu do seu caminho e logo que ela terminou de
passar pelo médico, Khalid voltou a se debater, fazendo a cama ranger, a atenção
de Amira fora chamada, e ela jogou a espada no chão e correu em sua direção.
— Khalid!
Ao chegar nele, tentou o conter, mas ele quase golpeou a sua mão que
segurava o frasco. Por um segundo o coração de Amira errou a batida com
medo, ela tinha que o acalmar, mas ele estava se debatendo muito. Suspirou, não
vendo brecha para poder colocar o frasco em sua boca e fazê-lo tomar de uma
vez. Entrementes, em um pensamento rápido, seu olhar percorreu o frasco em
sua mão e o seu amado.
Somente ela podia salvá-lo e o faria!
Amira abriu o frasco e despejou o líquido em sua boca, com cuidado
para não o engolir. Pôde escutar ao fundo os arfar surpresos e sem esperar mais,
ela subiu sobre o corpo de Khalid, montando-o. Ela o sentiu arfar e percebeu ter
pressionado a ferida costurada, mas não tinha tempo, pois ele começou a se
debater com mais ferocidade. Amira se inclinou para a frente, para segurar seus
braços para cima com firmeza, usando como suporte o peso do próprio corpo.
Abaixou-se e ligou as suas bocas, fazendo-o beber o antídoto à força.
Por favor, tome tudo. Por favor, meu amor. Implorava ela em
pensamento.
— Sultana?! — exclamou horrorizado o médico ao fundo, em conjunto
com alguns criados.
Mais exclamações seguiram e ela não se importava, nem com o que ela
parecia, seja uma mulher vulgar, uma louca, seja o que for. Se Khalid vivesse,
Amira não se importava com o que pensassem dela. Khalid, uma vez que sentiu
os lábios e um líquido descer pela sua boca, se sobressaltou, mas quando ele
conseguiu reconhecer o toque de sua amada. Parou de lutar, mesmo que sentisse
sua pele toda queimando e uma dor terrível em sua lateral.
O toque quente dos lábios dela, o suave toque da sua língua conforme
permitia o líquido passar pelas suas bocas lentamente, mesmo naquele momento
mexeu com sua libido e ele não conseguiu se conter e a beijou, enquanto
acabava terminando de beber o líquido.
Lágrimas de alívio rolaram pela face de Amira, pois ele estava lúcido o
suficiente para fazê-lo, grata pelo sopro de esperança se encher em seu coração,
lhe retribuiu o beijo. Com um suspiro, se afastou dele, desfazendo o beijo e
murmurou:
— Só fique bem primeiro, meu sultão.
— Fique aqui comigo… — sibilou ele apenas para ela escutar, enquanto
fazia uma careta de dor.
— Já te disse. Não irei a lugar algum, não sem você — ela deu um beijo
na ponta do seu nariz, recordando-se de algo similar que ele fez com ela e saiu
de cima dele, enquanto Khalid ria fracamente. Cansado voltou a dormir em um
sono pesado, mas desta vez mais tranquilo, pois sabia que ela estava ali.
O coração de Amira apertou, preocupada se tivera feito a escolha certa,
mas ela confiava em Alá e em seu pai, que Khalid logo melhoraria.
Porém, com o alívio de todas as sensações que maltratavam seu corpo, a
abateram de uma só vez. Estava dolorida, cansada física e emocionalmente. Uma
vez que podia dar atenção a tudo que rondava sua mente, as coisas que tinha que
resolver, sobre o Imã e sobre Kelebek, até mesmo sobre Halis…
Halis a ajudou e se estivesse morto, merecia uma cerimônia digna.
Amira levantou o olhar e viu em seus olhos pedidos de respostas e ela suspirou.
Virando-se para dois dos criados, instruiu o caminho que fizera para
chegar ao palácio, e os ordenou que seguissem o caminho para encontrar o
jovem rapaz que a salvou. Não deu mais explicações que isso, além de que ele
era ruivo. Mesmo sem entender bem, eles apenas a obedeceram, diminuindo
assim parte das pessoas no aposento.
Passando o olhar pelos demais, afugentou os soldados que estavam no
aposento, falando para irem se recuperar. Fadigada, a garota bocejou, mesmo
com sua mente agitada. Independente do quê, não poderia ficar em paz. Não
sabendo que a qualquer momento algo novo de ruim poderia acontecer e dessa
vez Khalid estava muito vulnerável. Ela sentia-se no dever de ser forte pelos
dois.
Jaffar estava atrás do Imã e ainda nenhuma notícia ou seu retorno,
embora, seus pensamentos frequentes, não impediram a garota de reparar o
homem que era seu verdadeiro pai se aproximando, para pegar com cuidado a
sua espada.
Haidar por sua vez acreditava que a sultana o chamara de pai apenas
como desculpa para mantê-lo ali, dado que ele falara do antídoto. Ele não
mentira, mas não podia julgar o médico. Guardou sua espada na bainha com
cuidado e quando voltou a corrigir a sua postura, encontrou o olhar da garota que
era quase como rever Aysha diante de si. Os olhos penetrantes, sempre
pensativos e preocupados demais… Sua irmã sempre fora uma boa pessoa, com
um ótimo instinto.
— “Eu sei com o que ele foi envenenado, mas não sei como este veneno
chegou aqui.” — repetira ela simplesmente, tirando-o do devaneio. Era como se
tivesse se recordando daquilo, naquele instante — O que você quis dizer?
Haidar, no entanto, não teve oportunidade de responder, pois os homens
que seguiam Khalid e que eram de sua confiança, com o Jaffar, entraram no
aposento, fazendo um grande barulho com o Imã amarrado, amordaçado e muito
ferido. Os olhares dos criados eram de extrema surpresa e o maxilar de Amira se
contraiu, e ela ordenou que apenas o médico e a sua filha, seu pai e os servos
fiéis de Khalid, continuassem no aposento.
Logo que os criados saíram, Amira não estava disposta a ser educada ou
qualquer coisa, então apenas foi direto ao ponto.
— Vamos por partes, garantam que este homem asqueroso não possa
fugir ou chegar próximo de Khalid — disse Amira, dado que vendo o Imã tão
ferido, não parecia tão assustador. Em conjunto com as lembranças, de crueldade
e ódio incitado sobre ela, fizera sua voz ficar ainda mais fria em meio à sua
ordem e então se voltou ao seu pai — Você, pai. Me informe sobre este veneno e
como sabia sobre ele?
Sob a palavra pai, os olhos de Imã ficaram muito abertos olhando em
direção ao homem e isso não passou despercebido por Amira.
— A fabricação dele é ensinada apenas para os herdeiros dos líderes de
nossa linhagem — respondeu com cautela, mas acabou por terminar de explicar
para não causar mais mal entendidos — Este veneno é um misto de diversas
coisas e demora dias para ficar pronto, seu antídoto é igualmente trabalhoso de
ser feito, mas em todo caso, ele causa manchas e efeitos como você mesma viu.
Amira, assim como todos os outros, o ouviu atenta.
— Não sei como este veneno veio a estas terras, visto que tanto eu
quanto meu povo não temos mais o costume de vir para cá — disse
completamente sincero.
— Por que você carrega o antídoto com você?
— Porque é tradição de nosso povo, andar com nossas armas embebidas
neste veneno — explicou ele ao pegar sua espada, que antes estivera em posse
de Amira. Mostrou a lâmina de sua espada, fosca devido a um líquido viscoso
que Amira não percebera antes. — Acidentes podem ocorrer, e nós podemos por
algum motivo nos cortar com elas ou sermos cortados.
Amira entendeu a lógica e vira verdade no homem, agora ela deveria
encontrar as respostas para as perguntas, afinal de alguma forma sabia ser o Imã
que fora o culpado por tudo. O médico disse que fora a mesma coisa que matou
muitos no palácio… Ponderou ela.
— Se bebido? — perguntou em um rompante.
— A pessoa pode morrer com excesso, obviamente. Em pequenas doses,
adoecerá gravemente e morrerá em dias — disse ele franzindo o cenho.
A cabeça da garota funcionava agitada procurando um jeito de juntar as
peças… Sabia que fora Kelebek, ou sempre pensara que fora ela que fora a
responsável. Mesmo se não fosse a agente de tudo, tinha certeza que estivera
envolvida.
Mas como poderia provar que fora ela?
O Imã conseguiu o veneno?
Ela conseguiu com alguém?
Além disso, Aysha era sua tia… Amira virou o olhar ao Imã.
Recordando-se das suas palavras, “Se eu mesmo não tivesse a matado, teria
pensado que ela teria retornado dos mortos em busca de vingança.”.
O Sultão Fahir me confundiu com a minha tia.
Meu pai me confundiu com minha tia.
Amira sentia ter todas as respostas, mas não conseguia verbalizá-las.
Sentia-se aflita com seus pensamentos. Qual a ligação entre tudo isso?
Questionava-se em silêncio.
Apenas a tribo… Ponderava. A marca mais visível da tribo eram os
olhos… Em um estalo ela se recordou. Kelebek.
É isso! Kelebek e Halis tinham os mesmos olhos! Apenas não se
destacavam tanto quanto os dela devido à coloração forte de seus cabelos!
Concluiu ela. Por isso o Imã se aliou a ela! Agitada, ela pousou seu olhar e se
focou nos olhos de seu pai.
— Existia uma mulher de cabelos ruivos, muito bonita em sua tribo? De
fala mansa e tranquila, mas perigosamente mortal? — perguntou Amira.
Haidar perdeu a cor por um momento. Parecendo lembrar imediatamente
de alguém com essa descrição.
— Sim, minha prima… Khadijah — disse quase horrorizado, ao pensar
que ela poderia ser a causadora de todo mal — Um dia foi destinada a ser minha
esposa… Mas ela descobriu que me apaixonei por outra mulher… E que não me
uniria a mais ninguém, se não, a tal mulher... Khadijah jurou a matar, ameaçou-
me e consegui provar ao meu pai na época que ela não era digna para ser minha
esposa e que casar-me com ela iria dar força ao mal. Ela fugiu, e desde então não
tivemos notícias.
O homem ficou em silêncio, tentando compreender como esta garota
poderia saber sobre sua prima. Vendo o rosto da menina mudar de cor
rapidamente.
Amira, assim que conseguiu juntar a última peça que lhe faltava, gritou
aos homens de Khalid:
— Vão e tragam Kelebek aqui! Imediatamente! — gritou Amira furiosa.
CAPÍTULO 30

COLHEITA: SEMPRE COLHEMOS O QUE PLANTAMOS

O grito dela ecoou tão forte, que dois dos homens de Khalid se apressaram
para obedecer às suas ordens. Amira levou a mão à cabeça, com a
certeza de que Khadijah era a Kelebek.
Recordou-se com alguma dificuldade, do dia em que a Sultana lhe disse
sua história. A mulher tentou manipulá-la e, infelizmente, quase conseguiu.
Kelebek dissera algo sobre a irmã de seu prometido e que esta irmã estava em
um romance proibido com um homem de outro reino. Se fosse, tinha certeza que
estava falando de Aysha. E se tinha alguma verdade no que ela dissera, talvez,
esta fosse ela. No entanto, não era o próximo rei propriamente dito, embora seu
pai fosse o líder de todo um povo e poderia ser chamado assim, caso tivessem
um reino.
Kelebek sabia que ambas eram parentes, desde o início. Sabia de quem
Amira era filha? Não poderia ter certeza. Mas ela dava indícios e sentia-se tola
por não interpretar melhor as informações que lhe foram dadas. Ademais, Aysha
não se entregou à morte, ela foi levada à morte, pelas mãos do Imã. Por que
disso? Não entendia, ainda.
A jovem sultana Amira, amaldiçoou Kelebek e o Imã, enraivecida.
Encaminhou seu olhar ao seu pai, não como se ele tivesse culpa de algo, afinal o
seu maior erro foi deixar Kelebek livre. A raiva fazia Amira estremecer, e a cada
murmúrio do Imã tentando se soltar da mordaça, a enervava mais. O Imã e
Kelebek, não mereciam o dom da vida que haviam recebido de Alá.
Amira respirava pesadamente, contendo-se, sua fúria parecia concentrar-
se e aumentar a cada segundo de forma exponencial. Contudo, percebeu ter
sobre si, o olhar de seu pai; Haidar e ele portava uma expressão impassível.
Amira o tinha olhado e então se manteve em silêncio, o que o deixou confuso. E
mesmo assim, ela se manteve por segundos da mesma forma, antes de suspirar
pesadamente.
A jovem garota tivera as respostas de suas perguntas. Enquanto ele
parecia perdido em meio ao caos. Deslocado e sem ideia do quanto fazia parte de
tudo. Ele parecia um homem calmo e objetivo, embora pudesse se tornar
impulsivo e perigoso, assim como provou em sua entrada naquele aposento. Será
um traço de líderes? Pensou ela, mas tampouco importava naquele momento.
Devia-lhe respostas e as daria.
— Senhor meu pai, te tomei respostas e não lhe dei uma sequer. Acredito
que o melhor que posso fazer pelo senhor é… — disse Amira levantando o
braço e apontando para a carta esquecida, caída no canto do aposento, dando um
sorriso fraco — lhe permitir a leitura da carta da… Da minha mãe.
Reflexivo tentando compreender o intuito de fazê-lo ler uma carta,
Haidar duvidou se de fato suas perguntas seriam respondidas. Mas por fim, via
nos olhos da garota a ligação inegável com seu povo e assim acatou a instrução
dela. Caminhou até à carta e viu um nome escrito em uma letra bonita: “Ayla”.
Um nome tão parecido com o de sua irmã que além da sua aparência, poderia ser
confundida igualmente pelo nome.
Haidar voltou o seu olhar para Amira, esta que havia voltado sua atenção
ao seu senhor acariciando seus cabelos. E então retornou a sua atenção ao papel
em suas mãos e logo no primeiro parágrafo, se chocou. Ficou perdido em seu
próprio silêncio e recordações, de uma noite que parecia ter sido destinada ao
mais belo amor e a mais terrível desgraça.
(...)
Amira sabia que ele sofreria e que não demoraria a entender o que
acontecera à Safirah. Por isso, tirou seu olhar de seu pai. Dando-lhe alguma
privacidade. Deu atenção a Khalid que já não parecia estar em um sono tão
pesado. Virou-se para o médico e pediu que voltasse a examiná-lo, ansiosa pela
sua melhora.
Enquanto o velho homem se atentava ao seu Sultão, a garota fitava o
rosto de seu amado. Ainda parecia frágil e a garota por um segundo pensou
como seria sua vida se tivessem tido a oportunidade de ficarem juntos
tranquilamente.
Lembrava-se que não tinha muito mais de dez anos, quando o viu pela
primeira vez. E se tudo tivesse dado certo? Se Safirah tivesse tido a oportunidade
de ficar com seu pai?
Ela seria a “menina dos olhos” daquele homem em pé lendo a última
coisa que lhe fora entregue da sua antiga vida? Teria sido mais livre ou teria uma
vida comum?
Todos os envolvidos teriam sofrido menos?
Recordou das demais pessoas que sofreram por todo esse percurso, de
Aysha e o Sultão, o próprio Khalid e a sua mãe Honde… Os irmãos do homem
que amava, a falecida Valide Sultana, a avó dele. Mesmo Halis, que fora
manipulado por toda a sua vida… Enganado por sua própria mãe. Lamentava
tristemente pelo bebê que estava no ventre de Kelebek, este que poderia ter o
mesmo destino de Halis.
Tudo parecia ter sido forjado em caos.
Vidas foram perdidas pela ganância, tamanhas desgraças e infortúnios...
A raiva que Amira sentiu borbulhar dentro dela anteriormente retornou como um
açoite em sua face. Tudo era culpa do Imã… dele e de Kelebek. A frase repetia-
se em sua mente, num eco de fúria. Alimentando a sua ira. E como estopim, o
Imã que se debatia para soltar-se, lamentavelmente conseguiu soltar a mordaça,
que estava em sua boca.
— Me soltem! Isso é um engano! — exclamou ele, irritado. E nem
sequer tinha a hombridade de assumir os seus erros, visto que fora
desmascarado.
O soar da voz do homem, fez com que a jovem sultana recordasse das
suas ameaças e de todo o ódio voltado à ela. Ele era o próprio mal, mas este mal
estava amarrado e jogado contra o chão, nem tão assustador assim. Amira se
levantou e caminhou até o meio do aposento, diminuindo seus passos e permitiu
seu olhar pousar pesadamente sobre ele. Nem sequer conseguia ter o gosto da
satisfação de vê-lo daquela forma.
Era deplorável, com um dos seus olhos inchados, sua boca cortada e um
tanto de sangue o sujando.
— Você não engana mais ninguém… — Amira se abaixou lentamente
para olhar nos seus olhos e disse num tom tão frio que não parecia ser ela
mesma: — Minha pergunta é por que ser tão cruel? Por que chegar tão longe?
Por Alá… você de fato é o pior demônio que já tive o desprazer de encontrar em
minha vida.
Antes que os guardas pudessem fazer algo, o Imã tentou se levantar e
avançar sobre ela, mas num movimento rápido de sorte, antes que ele
conseguisse, Amira gritou e por reflexo de fuga, ela caiu com o traseiro no chão
um pouco mais longe dele. Ele parecia ainda querer ir para cima dela, quando
Amira levantou seus pés e o golpeou, bem no meio da sua face. O golpe fora
certeiro, pois o atordoou fazendo-o cair para o lado oposto ao dela que o fez
cuspir um dente em meio ao sangue.
Os homens que faziam a guarda seguraram-no, para que não tentasse
mais atacar a jovem sultana. Amira se levantou do chão, batendo suas vestes,
com o coração agitado pelo susto e olhou fixamente para o homem contido.
— Imundo... — Amira cuspiu a palavra enraivecida — Desejo que os
ratos devorem suas entranhas, com você estando ainda vivo. Você envenenou
todos deste lugar, seja com suas palavras ou com veneno. Você arquitetou toda a
desgraça que levou a vida das pessoas dentro e fora do palácio, recorrendo ao
veneno de minha família. Usou Kelebek como intermédio de suas ações e
conspirou contra o seu senhor. Não me surpreenderia se você fosse a pessoa que
disparou a flecha contra o Sultão.
O homem sorriu e ela se arrepiou de terror.
— O anjo do povo, desejando o meu mal… Ora, ora... O que pensaria o
seu amado povo? Minha senhora, sou inocente… Acusa-me sem uma prova
sequer. Mas claro que com seu novo cargo, você pode ser uma tirana e apenas
me matar... — O Imã teve a audácia de dizer e então continuou num tom mais
baixo: — Não sou nada, mas se eu puder mostrar a todos o quão podre é essa
dinastia, todos vocês cairão e terá valido a pena.
A expressão de ultraje de Amira fora impagável para o Imã, que o fez
sorrir mais alucinado, mas isso foi um pouco antes da garota avançar sobre ele,
com um olhar tão insano quanto o dele próprio. Embevecida pela ganância de
matá-lo.
— Então, serei uma tirana, mas você não mais existirá neste mundo…
— rosnou ela.
Deleite, esta era a expressão do homem sendo esganado, enquanto
pensava: suas pequenas mãos apertando com força o meu pescoço, pequenas
como as de Aysha. Seus olhos, sua boca, seu olhar… tudo parecia tanto com ela.
Recordou de sua própria mão no pescoço de Aysha e de como era irônico, que
uma garota com a mesma feição tentasse o matar da mesma forma. O Imã
começou a rir histericamente, ao mesmo tempo em que tentavam afastar Amira
dele.
— Vamos, mostre para todos a criatura maligna que você é… — disse
com dificuldade o Imã.
Mas alguém enfim os separou. Mãos fortes afastaram os homens que
estavam próximos dela, pouco antes de envolvê-la em seus braços, puxando-a
para trás. Amira se sobressaltou e ela demorou uns instantes antes de ouvir uma
voz ao pé do seu ouvido e parar de se debater. Khalid.
— Não suje suas mãos… Ayla… Me escute.
Amira sentiu seu corpo enrijecer e virou a cabeça o suficiente para ver o
rosto de Khalid de perfil. Ele parecia abatido e pálido. Sentiu subitamente sua
raiva se esvair, na mesma velocidade em que sua preocupação retornara, girando
nos braços do homem para ficarem frente a frente.
— Khalid! — repreendeu ela — Deveria estar na cama, ainda não está
recuperado o suficiente para se levantar…
— Pequena... — disse ele com a voz grave — Ele está fazendo você se
tornar como ele. Não se deixe manipular.
Amira engoliu em seco e soube ser verdade, sentindo-se ainda mais tola.
Mas quando estava começando a se martirizar, Haidar falou surpreendendo a
ambos.
— Vocês precisam de uma prova? Eu posso conseguir. Ainda sou um
mercenário, mas no caso deste homem talvez não precise recorrer a muitos dos
meus conhecimentos — disse Haidar, e quando Amira seguiu o som da voz, o
viu atrás do Imã o pegando com brusquidão e o colocando de pé.
Ela não viu quando seu pai dera a volta, ou em que momento fora parar
ali, mas via um brilho em seus olhos sérios que a deixava em expectativa do que
seguiria. Haidar desceu o olhar até a bochecha do rosto dela, mancha arroxeada
que antes ele deixara passar despercebido.
Khalid e Amira mantiveram seu olhar fixo nele por alguns segundos em
silêncio, como se apenas nisto fossem ter alguma resposta. Em todo caso,
Haidar, com uma das mãos segurou o Imã de pé que ficava perguntando quem
era ele, como ousava fazer isso e que era para soltá-lo. Contudo, Haidar
ignorava-o.
— Quem lhe causou isso? — indagou apontando para a mancha no
rosto da jovem sultana.
Amira, sem precisar responder em palavras, em um ato involuntário
apenas virou o seu olhar para Imã, lembrando-se do acontecido. Entendendo
tudo muito rapidamente, Haidar fechou a mão e golpeou o Imã com muita força
no rosto, ao ponto de deixá-lo mole. Mas não o deixou ficar desacordado, apenas
muito desnorteado.
— Maldito bastardo! Quem é você?!— perguntou, logo após balançar a
cabeça e ter um pouco mais de foco.
— Eu me chamo Haidar, chefe da tribo Allayl[14]. Mas você deve
conhecer como 'atfal 'iifrit...— disse ele abrindo um lento sorriso enquanto
abaixava a sua cabeça ao ponto de sua boca ficar à altura da orelha do Imã — E
aquela garota ali é minha filha…
O rosto do Imã perdeu a cor, engolindo em seco, pouco antes de ser
arremessado contra uma parede por Haidar. As costas do Imã bateram
fortemente contra a parede próxima dali, ao lado da porta, e então escorregou até
o chão caindo sentado. Ninguém ousou ficar em seu caminho para impedir,
mesmo Amira olhava-o embasbacada com a força que seu pai possuía.
Haidar focou toda a sua atenção no homem amarrado e voltou a colocá-
lo de pé, o apoiando contra a porta. O manteve no lugar com apenas uma mão e
com a outra puxou um pouco da sua espada e passou o polegar sobre a parte não
cortante.
— E sou o chefe da tribo originária do veneno que você usou e para os
seus fins. Mas talvez você não tenha reparado em algo. Este veneno deixa
vestígios de uso, a tinta dos ingredientes mancha a pele... — por fim Haidar
abriu a sua mão mostrando-a manchada.
O sangue fugiu do rosto do Imã, mas não durou muito tempo. Salvo
engano de Amira assistindo aquilo, quando a revelação de um falso pavor se
provou na expressão do Imã modificando-se para fria e cruel, tão e só, como era
de fato a sua verdadeira face. Mesmo com seus punhos amarrados, ele levantou
as mãos mostrando seus dedos, suavemente manchados por onde a flecha
passara.
— Acha que este menino vai expurgar o mal do palácio? Acredita que
me arrependo? — indagou ele satirizando as palavras que um dia Khalid disse,
antes de abaixar a mão — O mal estará lá, mesmo muito tempo depois que eu
me for. O mal estará em você que derruba meu sangue, pois sirvo a Alá. E ele
me fará justiça. Você, “famosa flor do deserto”, suponho que foi muito bem feito
para Halis ter morrido, aquele inútil!
Os próximos minutos poderiam ter acontecido em horas e ainda seria tão
rápido que demoraria a entender o ocorrido.
No momento em que o Imã abriu a boca para falar de Halis. Amira
estremeceu de ódio. Virou-se de frente para ele e tentou se desvencilhar do
abraço de Khalid, este que apertou o braço envolto dela com ainda mais firmeza.
Porém, neste mesmo instante, Kelebek tivera acabado de chegar, acompanhada
dos guardas.
Fora bem a tempo de ouvir as palavras do velho mestre religioso, o
sangue fugiu de sua face e suas pernas fraquejaram, fazendo-a apoiar-se na
porta, enquanto recebera a notícia que seu filho estava morto.
Ofegou, faltou-lhe o ar e a mulher que nunca cometera um grande ato
como mãe, sentiu seu coração dilacerar como se o rasgassem. Ela tivera uma
epifania, em segundos, lembrou-se da última vez que o vira, e ordenou-o para
que não a chamasse “mãe”. Seu filho, aquele pequeno bebê que um dia ela
pegou nos braços, que amamentou e cuidou na sua primeira infância, e que
desejou que se tornasse um homem grandioso, estava morto.
Uma dor excruciante cresceu dentro de si e converteu-se em ódio que a
preencheu de forma descomunal e irracional. Quando se viu com uma força e
destreza nunca sentida anteriormente, mesmo grávida e acima do seu peso, a
mulher conseguira desvencilhar-se das mãos firmes que a seguravam e num
rompante tirou Haidar do caminho, fazendo-o cambalear para trás pela surpresa,
atirando-se em direção ao Imã e o pegou pela roupa com firmeza,
completamente alucinada.
— Você jurou que não fariam mal a ele! Você jurou pela sua vida, seu
bastardo! — gritou Kelebek, sacudindo e batendo o homem violentamente
contra a parede.
— Ele foi um inútil sendo corrompido pela menina. Ele se voltou contra
nós!— exclamou o Imã em retorno.
Kelebek bateu-o com mais força contra a parede extravasando a sua
fúria.
— Ele era meu filho!!! — esbravejou Kelebek, tremendo com lágrimas
molhando sua face.
Ela soltou as vestes do imã para segurar seu rosto e encravar as unhas na
carne macia de suas bochechas, mas se afastou num rompante, apenas para puxar
uma adaga que portava escondida.
Num único ataque, com os homens exclamando para não o fazer ao
fundo, ela encravou-a na altura da clavícula do Imã. Ele, surpreso, abriu muito
os olhos, antes de gritar arfando a sua dor. No primeiro momento, quase
ninguém se recordou do que Haidar havia falado que todos da sua tribo
carregavam armas embebidas em veneno, exceto, o Imã.
E Kelebek conseguiu torcer a adaga, antes que com muita força, o Imã
conseguisse se soltar das amarras, ferindo seus pulsos, para inclinar-se
violentamente para cima dela, com as mãos esticadas para pegar a corrente que
estava no pescoço da sultana. Assim que segurou a corrente e empurrou Kelebek
violentamente, rompendo a corrente e ficando com o antídoto em mãos.
Cambaleante, Kelebek fora para trás e bateu contra uma lamparina
acesa, que se chocou com força contra a parede e o óleo que portava, espirrou,
espalhando-o pelo chão e por toda vestimenta de Kelebek, alguns respingos
acertaram seus membros desnudos que a fizeram levar o olhar para os próprios
braços. A mulher parou por um segundo, tentando compreender o que ocorrera,
quando a sensação da queimadura começou a causar uma terrível dor lancinante,
causando bolhas em sua pele onde os respingos acertaram. Em seguida, a chama
que estava acesa na lamparina, começou a se alastrar subindo pelas suas vestes.
O olhar dela levantou e seus olhos conseguiram por uma fracção de
segundos enxergar do outro lado das chamas, uma pessoa que ela não esperava
voltar a ver. Haidar…
O tempo parecia ter parado para Kelebek naquele momento, lembrando-
se de outra vida, de quando era ainda Khadijah. E então olhou para o homem
com toda a sua mágoa e rancor, como se fosse culpa dele todo o seu sofrimento.
No entanto, independente do seu devaneio, as labaredas das chamas
continuavam a se alastrar e se espalhar por ela e pelos tapetes ao seu redor.
Desespero a tomou e então ela gritou com força exclamando a sua dor, e no
momento que puxou o ar, a fumaça quente lhe queimou as narinas, descendo da
mesma forma até os seus pulmões, queimando-os.
Kelebek tentou ferozmente apagar as chamas, porém, óleo de baleia era
muito difícil de ser apagado e suas vestes alimentavam ainda mais o fogo.
Desesperada até chegar às paredes, tentando inutilmente se afastar das chamas
ao seu redor, pedia socorro aos berros, mas suas pernas começavam a falhar de
dor, fazia muito calor sob os tecidos em chamas, seu peito doía e ela tossia
muito.
Lágrimas rolavam por sua face, no momento que se sentiu curvando para
frente, segurando sua barriga. Parte do seu cabelo e vestes foi completamente
tomada pelas chamas, fazendo da visão, algo terrivelmente horripilante. Parte da
tapeçaria que estava no chão, queimava também.
As pessoas, que olhavam horrorizadas demais para reagirem,
pareceram despertar do seu torpor, devido ao cheiro forte de carne queimada,
óleo e fumaça. Amira arfou, levando a mão à boca para conter o grito. Khalid,
em busca de protegê-la das chamas que se espalhavam por onde escorria o óleo,
a puxou para trás e protegeu o corpo dela com o seu. Conforme tentava dar a
volta no aposento para poder sair dele, levando-a com ele, mas não conseguiram,
pois tudo ocorrera próximo à porta.
Haidar e alguns dos homens tentaram se aproximar para apagar o fogo,
mas as chamas estavam altas. Era inútil. Tosse se espalhou por todos do aposento
devido o ar carregado. O Imã tentou fugir após tomar o antidoto, enquanto todos
estavam atordoados, mas sua fuga fora impedida pelo jovem Halis que chegou
acompanhado de outros rapazes. Seu olhar saiu do Imã e percorreu todo
aposento até chegar à fonte do fogo e reconhecer a sua mãe.
— Mãe!!! — um grito ecoou vindo da porta e Amira reconheceu a voz.
Halis.
O rapaz escandalizado ficara horrorizado com o que vira. Em um
rompante, correu em direção à sua mãe. Mesmo com as chamas ao seu redor e
nela mesma estando altas, ele não se importou com a dor causada pelas
queimaduras. Amira gritou ao fundo chamando-o, mas ele ignorou,
desesperadamente tentando salvá-la. Halis conseguiu por poucos segundos, ver a
face de sua mãe, ver o espanto e o alívio antes de ser puxado para trás, por
Haidar.
— Não se aproxime! — exclamou ela com a voz rouca entre de muita
tosse.
Kelebek reuniu toda a sua força, mesmo que seu corpo inteiro estivesse
dando a sensação de se rasgar a cada movimento e ela saiu apressada do
aposento, fugindo do filho. Para que assim ele não tentasse se jogar entre as
chamas. O garoto independente do que a mãe falara, tentou chegar-lhe, mas
neste ponto ela já estava fora do aposento e se arrastava pelos corredores de
pedra, parecendo a visão do próprio inferno. Deixando os criados que lá estavam
em polvoroso.
— Você também irá queimar, rapaz! — exclamou.
— Mãe! Não, me solte! Mãe! — continuava gritando Halis, o rapaz
chorava, como um menino, com os braços estendidos para sua mãe e uma
expressão de fúria em sua face. Mas Haidar era mais forte, jogando o rapaz que
era relativamente mais fraco que ele para o outro lado.
— É tarde demais para Khadijah — afirmava Haidar para Halis — É
simplesmente… tarde.
O jovem príncipe ruivo debateu-se ferozmente exclamando a dor que
preenchia seu coração, lutando contra Haidar. Sua respiração estava tensa devido
à fumaça, assim o cansaço não demorou a chegar, mas mesmo assim tentou
veemente se desvencilhar das mãos fortes do pai de Amira. No fim, derrotado,
ele caiu de joelhos, chorando a morte de sua mãe e de seu irmão no ventre dela.
Dor o dilacerava, e era compreensível, pois mesmo que sua mãe fosse uma
víbora, ele sempre ansiou o seu afeto e sua atenção. E isso não seria mais
possível de forma alguma. Haidar o soltou, visto que o rapaz desistiu.
O Imã que já havia perdido muito sangue, em conjunto de estar próximo
demais das chamas, tossia e caiu sentado contra o chão. Ofegante, murmurando
fraco por ajuda. Ainda que tivesse tomado o antídoto, a fumaça queimava seu
peito. Do ferimento no ombro feito pela Sultana saia muito sangue e nem sequer
tinha forças para se mover muito, mas mesmo assim tentou se levantar, mas seu
pé vacilou, o que o fez voltar ao chão. Caindo e resmungando a dor que em uma
forte pulsação se espalhou pelo seu corpo.
O som do resmungo do Imã chegou aos ouvidos do Halis, e o rapaz
levantou o olhar em direção ao velho homem. Por um breve segundo, os ferozes
olhos azuis encontraram os negros do religioso. O jovem rapaz se moveu
rapidamente, levantando-se o suficiente para se impulsionar com o pé e puxar
sua espada que estivera outrora em sua cintura, enquanto correu na direção do
Imã. Halis desejava com todas as suas forças, vingar-se pela sua mãe e naquele
momento, tudo o levava àquele homem velho, que por tantas vezes falou de Alá
enquanto conseguia provocar tanto mal.
Ninguém conseguira entrar na frente a tempo, não antes de Halis chegar
ao Ímã e fazer um corte de uma ponta a outra no peito do homem caído ao chão.
Levando-o à morte.
Ofegante, o rapaz não se dera conta que o matara, quando girou a espada
para cravá-la no peito do homem. Então, diante do morto, o rapaz chorou alto,
caindo de joelhos no chão, frustrado, sentindo que sua dor não diminuía com o
feito. Ao mesmo tempo, fora tomado por uma sensação de vazio, sem propósito,
sem família... sem nada. Dado que as duas pessoas que ele amou, estavam
mortas. Deixou a espada cair no chão e olhou suas mãos, antes da sua visão
começar a turvar e sentir que ia desmaiar.
Quantas pessoas eu matei? Quanto sangue havia em suas mãos? Pensou
ele. Já não se diferia do homem que matou e de tantos outros ímpios cruéis.
Toda perspectiva de ter um lugar a qual pertencia, se foi, tudo em um
único dia.
Mas antes do rapaz desmaiar, Khalid soltara Amira e ambos exclamaram
juntos, ao irem em direção ao rapaz. Segurando-o cada um, de um lado,
inclinando o rapaz para trás, para que não fosse com seu rosto no chão. Halis se
surpreendeu ao ver o rosto dos dois.
As duas das pessoas que estariam mortas, se sua mãe e o Imã tivessem
conseguido concluir os seus planos.
O choro do rapaz dessa vez fora silencioso, não sabia a que lugar
pertencer ou que sentimento sentir.
Khalid olhava o rapaz que nem sequer sabia o nome, mas que era sua
clara versão mais jovem, com a diferença que era ruivo e tinha olhos azuis. Os
traços herdados por seu pai eram bem marcantes, assim como os traços de
Kelebek. No entanto, aquele rapaz parecia ainda mais com ele, no dia que
perdera sua própria mãe. Khalid se compadecia do rapaz, queria ele mesmo
matar o Imã, mas visto que seu irmão o matara em justiça de sua mãe, o jovem
sultão se daria por satisfeito.
— Está tudo bem, agora, Halis — quem disse isso fora Amira, ao tocar
o ombro do rapaz com um pouco mais de força do outro lado — Você vai ficar
bem.
Halis observou a moça bonita que cobiçou enquanto ela estava sentada
em uma janela, e sentiu vergonha de si mesmo. Enquanto, Amira, assim como
Khalid, sabia o que o rapaz sentia. O mesmo que ambos sentiram quando se
tornaram órfãos.
— E o que farei agora? — indagou ele sinceramente.
Amira e Khalid se entreolharam e então voltaram a sua atenção ao
rapaz.
— Ficará conosco. Uma família que vai te aceitar e estar com você —
disse Amira com um sorriso doce — Um irmão mais velho que pode ser um
tirano por vezes. Um primo que é mercenário, o meu pai. Uma cunhada/prima,
que sou eu... Todos nós sabemos o peso da dor da perda, da solidão, mas, se nós
nos tornarmos a força um do outro, no final de uma cadeia de tantos
acontecimentos ruins, pode se tornar algo bom.
— Pode mesmo ser algo bom? Mesmo depois disso tudo? — perguntou
o jovem rapaz num fio de voz.
— Sim... — disse Khalid, antes de sorrir um pouco travesso olhando
para Amira — E se algo der errado, voltaremos a expurgar o mal.
Amira sorriu, achando graça de como o discurso dele parecia ter se
transformado em piada. Logo em seguida que eles se resolveram, diversos
criados chegaram com bacias cheias de terra e panos molhados, de modo à
extinguir o fogo e um apoiando o outro, com seus verdadeiros aliados saindo
logo atrás deles dos aposentos, enquanto os criados resolviam toda bagunça
deixada para trás.
E naquele momento em diante a paz imperaria sobre o palácio.
EPÍLOGO

ENQUANTO ISSO, DO OUTRO LADO DO PALÁCIO, ALGUNS MOMENTOS ANTES...

N uray estava tentando acalmar os criados. Estes que falavam


algo sobre “um filho de Ifrit ter invadido o palácio em direção
aos aposentos do sultão” e “várias pessoas feridas”... Sentiu
o ar lhe fugir, levada pela agitação dos criados que falavam
insistentemente. Ainda que simplesmente não conseguisse entender de
fato tudo que estava acontecendo, apenas captou a informação que o
seu senhor e a sua esposa estavam em perigo e então entrou em ação.
A mulher segurou com força as suas vestes e correu apressada
para fora do aposento, com os seus criados em seu encalço como suas
sombras. Enquanto estava a caminho do aposento de vossa majestade
Khalid, Nuray fora surpreendida da pior forma possível, ao encontrar
um corpo queimado e deformado, era Kelebek. Reconhecera, devido
às joias em suas mãos.
O seu estômago embrulhou, e então arrastou o seu olhar para o
lado, de modo a evitar o mal-estar que causava fitar o cadáver. Por
acaso, encontrara encostadas em um pilar, algumas criadas. Vira as
suas mãos queimadas e as notou encolhidas, enquanto choravam
apavoradas. Nuray não teve que pensar muito para, enfim,
compreender que foram elas as responsáveis por apagar as chamas.
Ordenou que a sultana Kelebek fosse coberta e levada do
corredor. As criadas que antes choravam se sobressaltaram em
surpresa, ao dar-se conta de sua chegada. Arrastaram-se até ela e
agarraram as suas vestes, dizendo que o aposento do sultão estava em
chamas.
O coração de Nuray dera um grande salto, antes de apertar-se
em preocupação, pensando nos dois jovens que estavam sempre em
meio às confusões. Rapidamente a mulher contornara o corpo,
evitando-o rapidamente, para correr ao aposento. Ao mesmo tempo,
ordenando que os criados não a seguissem e sim, que buscassem água,
panos e terra, para apagar as chamas.
Nuray implorava por Alá em pensamento, clemencia ao seu
senhor e a Amira. Em seu coração, os tinha como filhos e logo que ela
finalmente chegou ao aposento, vira que não havia passagem, e que os
guardas simplesmente não estavam conseguindo conter as chamas.
Desejando os tirar de lá o mais rápido possível, no ímpeto do
seu desespero, ela se pendurou em uma das bandeiras grossas de
tapeçaria, de modo a derrubar ou rasgá-la. Com algum empenho, a
mulher com enorme instinto maternal, conseguiu rasgar a tapeçaria e
se voltou às chamas, tentando apagá-las. Mas não tinha força o
suficiente para ficar levantando e descendo a pesada bandeira. Assim,
o guarda que apareceu de repente, tentou domar as chamas, tomou das
mãos dela a tapeçaria e, fez os movimentos com mais agilidade do
que ela tentara realizar.
Momentos depois, mais criados apressados chegaram e ambos
lhes deram espaço, para apagarem as chamas. Com a graça de Alá, o
fogo diminuiu rapidamente e Khalid, Amira e um rapaz ruivo saíram,
um ajudando o outro.
Seu alívio fora tamanho, que Nuray quase sentiu suas pernas
fraquejarem de alívio, mas como não tinha onde se apoiar deu apenas
passos cambaleantes até as suas crianças, os abraçando assim que
chegou próximo o suficiente.
Ao sentir o abraço da mulher, Amira fora pega de surpresa e
como naquele palácio a tinha como uma mãe, permitiu-se chorar em
meio a um sorriso, murmurando ao ouvido da sultana:
— Acabou, finalmente acabou... — porém, assim que falou,
Amira sentiu-se enjoada. A adrenalina estava passando, e quase
vomitou ali mesmo. Fechou a boca na tentativa de conter a sensação
incômoda.
Nuray ficou em alerta com a jovem sultana se retraindo e
apenas tentou encontrar seu rosto, quando Khalid, que estava do outro
lado do abraço de Halis e nem sequer soubera do mal-estar de sua
amada, sentiu sua perna fraquejar, o que fez todos os três inclinar-se
para o lado com ele. Roubando a atenção da sultana.
Nuray se afastou num rompante e desceu o olhar para Khalid,
então, viu o sangue escorrendo da ferida. Buscou pelo médico,
apressada, este que também saía daquele aposento em chamas.
Tamanha preocupação, apenas foi até ele e apontou para o sultão.
Halis sentiu-se simplesmente perdido e quando viu a ferida de Khalid,
simplesmente perdera o sangue do rosto.
— A ferida do sultão! — exclamou, mas logo o médico passou
apressado pelo rapaz, para examinar o ferimento de Khalid.
Devido às fortes emoções, o mal-estar de Amira também não
estava passando, ainda que ela tentasse ir até o seu amado. Nuray, que
já estava em alerta também com Amira, fora em sua direção e ficara
ao seu lado lhe servindo como suporte de sustentação. O casal fora
levado às pressas a outro aposento, enquanto os demais foram
encaminhados para uma sala de descanso.
Khalid fora levado para cama e teve o seu ferimento tratado,
enquanto Nuray levou Amira até um estofado próximo no quarto e se
sentou ao lado da jovem. A filha do médico correu para a sultana, em
simultâneo em que seu pai foi ao sultão.
Fazendo movimentos circulares nas costas de Amira, a mulher
lhe perguntava o que estava sentindo, e assim que Amira lhe disse,
seus olhos astutos encontraram os de Nuray.
— Minha pequena flor, quanto tempo faz que está com este
mal-estar? — perguntou carinhosamente Nuray.
— Há algum tempo… — conseguiu falar Amira num fio de
voz.
— Hum… — disse a mulher, abrindo um sorriso seguindo a
linha de pensamento de Nuray — Creio que está gravida…
— Eu? Grávida? — se surpreendeu Amira.
A médica levou a mão ao baixo ventre da jovem o apertando
gentilmente, Amira sentiu um incômodo no momento e se esquivou
da mão da mulher.
— Sim…
Nuray levou a mão à barriga da jovem sultana, acariciando-a
com um sorriso resplandecente. Amira sentiu uma felicidade nunca
sentida antes, e abriu um largo sorriso ao virar seu olhar a Khalid, que
estava sério, enquanto discutia com Jaffar ao lado da cama, enquanto
o médico o tratava. Pensou que Khalid ficaria feliz com a notícia,
mas…
— Acho melhor esperar o momento certo para dar a notícia…
— Amira deixou escapar-lhe o pensamento.
— Mas… — começou Nuray.
Amira não sabia se algo poderia acontecer, se teria uma
reviravolta final... em seu íntimo, mal acreditava que tudo acabara de
fato. Mesmo que tivera usado estas palavras para consolar o jovem
príncipe e mesmo Nuray… Além disto, não se via no direito de
comemorar um bebê, quando um jovem rapaz acabou de perder a sua
mãe e o seu irmão no ventre dela. Sentira, por uma fração de
segundos, culpa.
Mas vendo o rosto sombrio de Amira, Nuray colocou a mão
sobre os ombros da jovem sultana como se pudesse ler a sua
expressão facilmente.
— Quem desembainha a espada da injustiça acaba se matando
com ela, Amira. As pedras, espinhos, os cacos e estilhaços que os
atingiram foram um pouco mais duros na vida de vocês — disse de
forma carinhosa e gentil — Mas o importante é que no final, o amor
prevaleceu. E sobreviveram a cada desafio e adversidade. Sorriram,
odiaram, riram e choraram. Numa eterna onda de emoções, como o
mar batendo nas rochas e as moldando… Vocês merecem esta
felicidade. Não se martirize por aqueles que pagaram com o mesmo
mal que provocaram, tiveram o fim que eles mesmos buscaram.
Amira sentindo-se emocionada com as palavras de Nuray, a
abraçou em um ímpeto, a surpreendendo. E a jovem agradeceu em
pensamento, do fundo do seu coração, por conhecer a sultana. Mas
ainda sim, Amira estava decidida que deixaria para outro momento e
que todos pudessem de fato sentir-se livres para poder comemorar a
vinda do bebê.
Khalid, por sua vez, deitado na cama, decidiu com Jaffar que
haveria uma reunião a ser feita, diante de todos os vizires, paxás e os
demais envolvidos no assunto. Para informarem todo o ocorrido para
melhor resolução de tudo. Visto que mesmo Khalid, não sabia de
todos os pormenores.
O médico terminou por fim, disse que ele teria que repousar e
com isso segurara o braço de Jaffar e chamou todos no aposento a sair
em sua companhia. Deixando Amira e Khalid sozinhos. Khalid
charmosamente estendeu a mão para Amira, chamando-a para cama e
com o seu olhar dócil, ela se viu encantada caminhando em sua
direção, como uma mariposa atraída para as chamas.
Deitou-se na cama e o abraçou, fazendo questão de colocar a
cabeça sobre o peito dele para ouvir o seu coração batendo. Isso
parecia estranhamente reconfortante à ela. Ambos ficaram em silêncio
por um curto período e então Khalid o rompeu.
— Mal dá para acreditar, não é?
— Sim… — disse ela mordendo os lábios. Sentindo ter que
falar a verdade para ele — Khalid…
— Sim?
— Eu sou uma filha de Ifrit… Meu pai é o Haidar — falou ela
apenas, tão diretamente que por um segundo Khalid ficara chocado,
antes de voltar a respirar mais tranquilo, após refletir um pouco sobre
isso.
— Você é minha pequena prometida, minha sultana e esposa.
Mas ser da tribo de Haidar, me faz entender muitas coisas… —
admitiu ele — Quer me contar sobre tudo que essa sua cabecinha
inteligente descobriu?
Ela sorriu antes de bocejar e disse:
— Suponho que sim, mas talvez nós dormiremos antes de
chegar ao fim…
— Não tem problema, recomeçamos amanhã… Agora temos
todo o tempo do mundo.

Um pouco mais de três dias depois…


Khalid estava devidamente vestido para o pronunciamento que
faria ao seu povo, assim como Amira. No entanto, fora decidido que a
reunião seria antes… Colocaram todas as informações na mesa
claramente, desde a primeira vez que Amira ouviu a sultana Kelebek
falando com alguém, assim como tudo que o Imã lhe disse e o que ela
descobriu com isso. Ouviu reprimendas sobre seu comportamento
indevido, mas seguiu falando. Halis confirmou tudo dando a versão
dele. Jaffar e Khalid, disseram suas suspeitas e atos do Imã.
Haidar, que fora chamado também à reunião, disse o que
ocorreu sobre a sua irmã. E que jamais imaginara que tivera sido
alguém do palácio, pois ela ia à cidade para comprar alimentos com
frequência. Naquele dia, ele a acompanhara, mas em dado momento
se separaram e quando voltara para reencontrá-la, estava morta e
nunca soube quem fora o culpado. Ou a sua motivação.
Admitiu sentir-se frustrado, por olhar nos olhos do homem e
não ter vingado Aysha.
— Infelizmente ainda existem muitas perguntas que não
poderão ser respondidas, pois os únicos que as poderiam esclarecer,
agora estão mortos... — disse Khalid frustrado assim como Haidar.
Halis ainda sofria pela sua mãe, mas não era cego sobre as
crueldades dela, apenas lamentava. Porém, vendo o rapaz de cabeça
baixa, Haidar tomou a decisão em que estava ponderando desde que
soube que o rapaz era um membro do seu povo e seu primo.
Deu um passo adiante e colocou a mão sobre o ombro do
rapaz.
— Em todo caso, tudo foi resolvido. Restando apenas uma
ressalva, quero que Amira se torne legalmente minha filha, assim
como desejo adotar este jovem rapaz como meu herdeiro — anunciou
Haidar.
Khalid olhou o homem espantado, afinal mercenários não eram
conhecidos pelo grande coração e ficou em silêncio por alguns
segundos, mas por fim sorriu.
Sabia agora de onde viera o temperamento impetuoso de sua
amada.
— Se ambos concordarem — respondeu solene o jovem Sultão
— Não vejo mal, firmamos uma aliança entre nossos povos, já que
Halis é meu meio-irmão e ela minha esposa legal.
Todos mostraram concordância, e então o olhar de Haidar
voltou-se a Halis e Amira. Que sorriram timidamente e confirmaram
com a cabeça. E dentre todos os momentos, o rosto da jovem sultana
embranqueceu, em uma súbita queda de pressão, precisando sentar-se.
Desta vez ela não pôde esconder o seu mal-estar. Todos ficaram em
polvoroso e Khalid fora o primeiro a ir ao seu encontro.
Logo que sua pressão voltou a normalizar, o primeiro rosto que
ela viu perto do seu, fora do seu amado. Ela sorriu e levou a mão à
face dele, acariciando-a com o polegar. Afinal, nunca cansava de
admirá-lo ou se apaixonar um pouco mais por ele a cada ação.
— Tudo bem... Foi só um súbito mal-estar. Lembra que não
estava com fome na primeira refeição do dia? — esclareceu Amira em
uma voz suave.
— Chamem o médico! — ordenou Khalid, mesmo vendo um
doce sorriso na face de sua amada, ignorando o fato que ela se fizera
de forte — Não precisa vir comigo hoje.
— Mas eu quero estar ao seu lado… É só um mal-estar, logo
que me alimentar corretamente, melhorarei — alegou ela, insistente e
levemente chateada.
Amira queria falar para ele o porquê das suas fraquezas, mas
deslizando o olhar para os demais homens presentes, não sentiu ser o
momento certo. Ele tinha deveres, era acima do homem que ela
amava, era também o líder de um povo, o soberano de um império. E
ela sabia disso. Khalid parecia contrariado, embora soubesse sobre os
seus deveres.
Tinha que concluir o desfecho de todo aquele problema, antes
de focar-se apenas em sua amada e terminar de se recuperar. Pensou
ele, irritado.
Mas para o alívio de Amira, o médico logo chegou. E a jovem
sultana pediu para que ele a acompanhasse até o aposento em que
antecedia a sacada em que Khalid e ela se apresentariam ao seu povo,
e se fosse a examinar, que o fizesse lá.
Khalid os olhou de extremo mau-humor, mas por fim cedeu.
— Vá com o velho médico, e Jaffar, os acompanhe. Logo irei
ao encontro de vocês… — disse Khalid revoltado, voltando-se aos
demais homens em busca de resolver tudo o mais rápido possível.
Amira tinha orgulho do seu sultão e agradeceu internamente
que lhe desse um pouco de ar para respirar, pois, desde o dia em que
quase o perdera, ele evitava ficar longe dela por muito tempo.
Quando chegaram à antessala, Amira sentou-se em um dos
sofás, permitindo-se descansar. Ela estava se cansando com facilidade,
com fraquezas contínuas caso não se alimentasse com alguma
regularidade. Enquanto estivera sozinha com Khalid, não teve este
mal, pois ele parecia empenhado em engordá-la.
— Minha senhora, deve informá-lo logo. Ele se sentirá traído
se for o último a saber — alertou o Jaffar, lhe servindo um copo de
água.
Amira olhou-o e sorriu, sabia disso, e Khalid poderia até
suspeitar, mas era seu dever como Sultana também pensar no bem
maior, assim como seu amado.
— Uma coisa por vez. Apenas mais um pouco e logo tudo
estará resolvido… — começara a falar ela, quando foi surpreendida,
com as pesadas portas duplas sendo abertas em um rompante.
Khalid!
Ele parecia satisfeito consigo mesmo enquanto Amira sentia-se
chocada com a velocidade dele em resolver os seus assuntos de
estado. Khalid caminhou apressado até ela e perguntou ao médico o
que se passava com a sua esposa. Porém, antes mesmo do médico lhe
responder, Amira intercedeu:
— Meu sultão, disse-me que ganharia uma coroa única… Por
acaso mentiu?
Khalid olhou Amira e então estreitou os olhos astutos, antes de
suspirar.
— Não sei o que me esconde, mas não vai me esconder por
muito mais tempo. Assim que terminarmos nossos afazeres, me dirá
tudo que quero saber.
Embora para qualquer um no aposento suas palavras fossem
assustadoras, Amira se viu rindo, completamente corada. Pois sabia
que ele era incapaz de lhe fazer mal, sobrando apenas uma opção, uma
prazerosa e um pouco constrangedora opção. Khalid se virou e fora
em direção à uma caixa de madeira em uma mesa próxima a ele e a
abriu.
Virando-se momentos depois, a tempo de Amira ver em suas
mãos a coroa mais bela que um dia ela já viu. Com pequenos rubis em
torno de pedras de diamantes, formando flores delicadas. Ele
calmamente caminhou até ela e com delicadeza, colocou em sua
cabeça a coroa.
— Melhor? — indagou ele, com a sombra de um sorriso.
— Muito melhor… — disse ela abrindo um largo sorriso em
retorno.
A visão de ambos era digna de uma pintura. Amira, observando
Khalid, imponente, orgulhoso e tão bonito como sempre. Parecendo
pronto para conquistar todo o mundo. Recordando-se do menino que
um dia debochou dela que caiu na água. Questinou-se por um
momento, o que ela faria se soubesse que chegaria a este instante?
Enquanto Khalid a olhava, sentada, lindamente apaixonada, fitando-o
com aqueles lindos e puros olhos azuis que um dia o conquistaram,
quando ela ainda era não mais que uma menina.
Com o seu sorriso tão característico, ele estendeu a mão para
ela, assim como naquela época, e ela desta vez não pensara em
derrubá-lo junto consigo, numa tola vingança.
Juntos, um ao lado do outro, foram à sacada, onde o povo se
focou neles e quando finalmente se acalmaram Khalid declarou:
— Tempos sombrios assolaram nosso povo, com doenças,
mortes, ataques e fome… Nosso maior inimigo fora a ganância do
homem e o seu egoísmo. No entanto, assim como um dia jurei a
vocês, o fiz. Não sozinho, mas com meus aliados, expurguei o mal
que um dia nos fez tão mal e que infelizmente, estava enraizado e
escondido entre nós, como um aliado. Todavia, assim como fora a
vontade de Alá, aqueles que fizeram o mal, com o mesmo pagaram. A
ganância os destruiu, e de hoje em diante, tempos de paz nos esperam.
Fazendo deste tempo, apenas uma recordação sombria e distante.
Novas Alianças foram feitas para trazer-nos prosperidade e os
inimigos, temerão nos fazer mal. E se caso insistam… Estaremos
prontos para lutar, como sempre estivemos! — disse com firmeza, em
uma expressão severa.
Resultando em exclamações, enquanto era ovacionado pelo seu
povo. Mas, um sorriso suavizou suas feições, quando ele levantou a
mão para silenciá-los e poder continuar a falar. Virou-se para Amira.
— Esta mulher ao meu lado, conhecida como “ A Flor do
Deserto” — disse com um sorriso, e então se voltou a olhar o seu
povo — Um dia fora minha prometida, a jovem garota que eu pensei
ter perdido, última herdeira viva da tribo Gün [15]. E que recentemente
descobri ser também, filha da tribo Allayl. A aliança fora formada
entre nós, quando a converti em minha esposa legal. Ademais, deste
dia em diante, devolvo seu nome dado por seus pais de “Ayla” e
desfaço meu harém, pois a terei como a minha única mulher.
As palavras foram tomadas de Amira, que não as tinha para
expressar a sua felicidade. Levando as mãos à própria boca, enquanto
sentia lágrimas quentes molharem sua face. Primeiro ele lhe dera a sua
liberdade, para então devolver seu nome tomado, tão bem como a
honra de seu povo. Mesmo que a família do seu pai fosse mal vista,
ele assumira todos os riscos e um soluço escapou pelos lábios da
jovem sultana.
Em um movimento irracional, ela estendeu os braços e o
abraçou mesmo de lado, ficando na ponta dos pés para pousar um
beijo delicado em sua face. Alguns homens exclamavam perplexos,
seu povo estava surpreso, mas devido ao carinho que Khalid
conquistara, devido à confiança em Ayla e em seu bom coração, o
povo se dobrou de seus preconceitos, e festejou. Visto que viam seu
sultão generoso ao lado de sua sultana de coração bondoso.
O povo comemorou e em meio à comemoração deles, Amira
criara coragem de dizer-lhe bem baixinho que ela estava grávida do
seu primeiro filho.
— Meu amor, creio que tem mais um motivo para sorrir… —
disse ela baixo, se afastando dele o suficiente, para segurar a sua mão
e silenciosamente, à levar ao seu ventre — Sua semente, nosso
primeiro bebê…
Amira chorava e soluçava emocionada, atrapalhando-se nas
palavras, fazendo com que Khalid demorasse um pouco mais para
entendê-la. Mas, de um instante para o outro o seu rosto iluminou,
com uma luz que faria inveja ao sol. Ele a tomou nos braços e sem dar
fim ao seu discurso, entrou com ela para dentro do palácio, sorrindo e
rindo feliz.
Esbarrando no processo, em uma pilha de livros recuperados
do antigo aposento que pegou fogo. E de dentro de um dos livros, uma
pequena carta antiga escorregou.
Jaffar vira a carta cair, sem que o casal visse, pois passaram
mergulhados em sua própria felicidade, para pensar em quaisquer
coisas mais. O homem se aproximou do pequeno pedaço de papel
dobrado, enquanto sorria da afobação do jovem casal, por acaso vira a
letra de Khalid, quando fora a guardar de volta e porventura, resolveu
abrir.

"Minha querida mãe,


Hoje conheci a minha prometida e ela é tão pequena, que cabe
em meus braços tão facilmente! A garota não tem equilíbrio algum e
penso que nunca poderá se virar muito bem sozinha. É uma
desastrada nata e tem uma tendência a se envolver em situações
perigosas, já percebi que terei trabalho! Mas parece inesperadamente
divertido. Ela é facilmente influenciada por suas emoções... E, na
verdade, isso é tão doce nela.
É divertido a provocar e eu me sinto estranhamente bem-
humorado quando estou com ela por perto. Mas mãe, acredito que
estou me tornando alguém ruim. Quando a provoquei, vi nos bonitos
olhos dela, raiva, e me senti tão revigorado! Como se não tivesse
passado por um inferno de calor até chegar à ela.
Os olhos dela portam uma luz que causaria inveja ao mais
puro diamante. O seu olhar é tão expressivo, que me fez cativo. Seu
sorriso tímido faz sua beleza transcender, dei à ela um dos brincos
que uso sempre. Ela parecia solitária, mesmo em meio à sua própria
família, cheguei até a me perguntar se era bem tratada. Então meu
brinco seria a prova que porta uma parte do meu coração para si e
não estava mais só.
Acredito que ela será a minha futura esposa legal, mãe.
A senhora estava certa.
Espero que ela cresça mais depressa, coma bastante e se torne
minha. Para proteger, cuidar e amar.
Seu filho, Khalid Alev Volkan."

Jaffar pôde lembrar-se do dia em que o jovem príncipe


escreveu, estavam em meio à viagem de volta e um sorriso nasceu em
seus lábios. Mas com uma pitada de tristeza, pois seu olhar deslizou
para o livro de onde saiu a carta e era o Diário de Honde. Recordou-se
da face dela e então, pôde imaginar nitidamente que ela partiu
sorrindo após ler aquela carta.
E hoje, enfim, Ayla de fato, era de Khalid, tanto quanto ele era
dela.

FIM
EXTRA 1

6 ANOS DEPOIS ...

O dia estava ensolarado, no entanto, não estava muito quente e sim


agradável. O vento batia suave trazendo o perfume das flores para Ayla.
Esta que estava sentada, sobre um manto no gramado, tranquilamente
tomando chá, enquanto se via observando as suas crianças correndo pelo jardim,
que eram a mistura perfeita de Khalid e dela.
Seus sorrisos se faziam enormes com seus olhos brilhantes. Algumas
crianças novas do orfanato estavam alegremente brincando também. Pareciam
muito mais saudáveis do que suas versões desnutridas de outrora, o que trazia
muita felicidade à jovem sultana toda vez que os via.
— Cuidado! Você pode se machucar! — exclamou ela quando vira que
um deles estava correndo sem olhar para frente, indo na direção de um punhado
de pedras.
A sultana com um sorriso genuíno, vez e outra exclamava para que eles
tomassem cuidado. Porém, não podia fazer muito mais que isso. Tamanha era
sua barriga da gravidez atual, cansava-se com facilidade e suas costas doíam.
Parando um pouco de tomar o seu chá, colocou-o no chão, para poder acariciar a
sua barriga, pois o seu bebê estava inquieto.
Ele queria brincar também, supunha ela.
Naquele dia em especial, completara seis anos desde que se tornou a
única esposa do seu sultão. Seis anos em que tudo de ruim que acontecera em
suas vidas, não eram mais do que lembranças. Com os olhos procurou o seu
amado, este que ainda não havia chegado para o seu descanso. Khalid demoraria
para chegar ao seu encontro um tanto mais, certamente estava resolvendo
algumas coisas, afinal, nunca seria fácil ser um sultão.
Um movimento de Ilkay, a sua filha mais velha, chamou a atenção da
jovem sultana, que a viu pegando a mão do seu amigo e saindo correndo. O
menino sempre era um tanto mais fechado, enquanto Ilkay sempre era uma
versão mais nova e agitada de Khalid. Aliás, se o Sultão os visse teria mais uma
onda de ciúmes com a sua pequena princesa.
Porém, na ausência de Khalid, tínhamos Rait. O seu segundo filho, que
era tão ciumento quanto o pai. Metendo-se entre eles, cada vez que sentia que
estavam muito perto, no entanto, havia uma bonita menininha que acabava
sempre interferindo em seus planos infantis e ciumentos, o pegando pela mão
para ir brincar com ela no outro lado.
E se Ayla não se enganava, o nome dela era Arzu.
Haidar, o nome do terceiro filho, fora dado em homenagem ao pai de
Ayla, portava os mesmos traços do velho Haidar, parecendo não ter herdado
nada de Ayla e Khalid. Mesmo na personalidade. Haidar estava tentando
inútilmente escalar uma rocha, aventurando-se e querendo ir mais longe,
ignorando as demais crianças.
Seus filhos e as outras crianças tinham seus próprios modos de lidar com
as coisas, e Ayla achava isso incrível. Além do fato de adorar a liberdade segura
que eles podiam desfrutar. A mais diferente de todas que ela conhecera, era uma
que já não era mais tão criança assim, ainda sim, ela não se importava com
brincar e liberdade. Ao seu lado no manto sentada no jardim, estava a garota que
no passado havia salvo, sempre que ia ao palácio. Extremamente fiel a Ayla,
dizendo querer aprender o máximo possível, para poder se tornar algum dia a sua
criada pessoal. Por este motivo, vivia estudando e por onde ia, tinha livros
consigo. Khalid lhe deu a chave da biblioteca e ela ficou emocionada ao ponto
de chorar.
(...)
Ayla estava tão absorta em seus pensamentos que não percebeu a
aproximação de Khalid, este que gatunamente se aproximou, e sentou atrás dela.
Ela se surpreendeu e se sobressaltou, ao mesmo tempo em que ele abria as
pernas para se encaixar atrás dela da melhor forma possível e poder puxá-la
contra si. Fazendo com que suas costas encostassem-se a seu peito, enquanto
suas mãos iam diretas à sua barriga.
— Acho que não estava com saudades de mim, parece tão tranquila… —
murmurou ele ao pé do ouvido de Ayla.
Ela sentiu seu coração batendo mais forte, com o calor do corpo de
Khalid contra o seu, seus músculos fortes contra as suas costas e a envolvendo
com os braços, a fazia sentir-se protegida e acolhida.
— Sabia que logo que terminasse seus deveres, viria ao meu encontro —
respondeu ela abrindo ainda mais o sorriso, ao se acomodar perfeitamente entre
os seus braços fechando brevemente os olhos para aproveitar a sensação.
— E se eu não viesse? — questionou fazendo graça, enquanto acariciava
a protuberância que se formava na barriga de sua esposa, devido ao bebê
agitado.
— Então… meu sultão… — disse ela se acomodando para o lado, para
poder lhe olhar na face — Eu iria atrás de você.
O coração de Khalid bateu forte, frente aqueles olhos azuis decididos e
tão bonitos o fitando. Sorriu e curvou a cabeça em direção à sua amada,
tomando-lhe os lábios com extremo amor e paixão. Cativos pelo sentimento
mútuo, eles esqueceram que ao seu redor tinham crianças e Ayla suspirou. Como
o corpo dele estava atrás dela, moldando-se no seu, ela pôde sentir o membro
enrijecendo, a fazendo arder em desejo por ele.
As crianças, ao perceberem a presença dele, se animaram, mas ao vê-los
se beijando fizeram caretas tão engraçadas, que se eles olhassem por um minuto,
cairiam aos risos. Nuray surgiu ao longe as chamando para comer, e elas foram
correndo tão empolgadas que se esqueceram dos adultos presentes ali.
O casal deixado sozinho aprofundou ainda mais o beijo e antes que
Amira desse conta, estava deitada sobre o manto, com Khalid ao seu lado, sem
colocar peso em sua barriga. Em meio à pausa que deram entre o beijo para
enfim respirar, Khalid levou a mão à face da mulher e acariciou com o polegar.
— Queria não ter tantos deveres e ficar mais tempo com você… — disse
ele lamentando-se.
— Você é o sultão, meu amado. Se você simplesmente abdicasse dos
seus deveres, eu me perguntaria se não está doente — respondeu Ayla com
humor.
— Não posso dizer que está mentindo.
— Eu nunca minto — rebateu ela.
Ele deu risada da resposta imediata dela, pensou em falar mais alguma
coisa, mas fora surpreendido pelos seus filhos, estes que vieram correndo e
pularam sobre os dois. Risos rolavam soltos enquanto Khalid fingia sentir dor
nas costas.
Todos tinham um desejo em comum de querer se manter sempre perto,
por este motivo, os anos poderiam passar e a cada momento em que não
estivesse trabalhando, Khalid estava com sua amada. A cada momento que seus
filhos podiam, queriam estar presentes e mesmo na vida adulta, isso não
mudara.
Mesmo as pessoas que não moravam por perto, a cada oportunidade, seu
pai e seu primo, iam ao palácio para uma visita ocasional. Nuray parecia uma
grande avó, feliz em meio à todas as crianças. Hana estava esperando o primeiro
filho de Jaffar. E assim finalmente, a paz reinou para todos.
EXTRA 2

PASSADO: O QUE É QUE PODERIA SER CONTADO APENAS PELOS MORTOS ?

AYSHA

A ysha era filha mais velha da tribo Allayl, era a mais bela de toda a tribo,
mas também a mais prestativa. Por vezes demais, ela fora mandada para
conseguir mantimentos, já que com seu charme as pessoas apenas a
ajudavam de bom grado e em certo dia, no território de Anatólia por acaso ela
encontrou o sultão, caminhando entre o povo, fazendo-se de pobre. Ele possuía
um brinco em sua orelha que provava exatamente o contrário, de ouro e uma joia
brilhante que a fizera rir.
Porém, para a sua infelicidade, ele percebeu o seu sorriso quando seus
olhos se encontraram e o jovem rapaz fora até ela. Ele ficara perseguindo-a pela
comemoração da cidade, jogando seu charme e ela o maltratava com sua
indiferença, pois odiava nobres. Mas em meio à sua insistência, Aysha acabou
rindo de uma de suas provocações. Fahir lhe dera um sorriso gatuno e soubera
que seria vitorioso em conquistar seu coração.
Alheios aos olhares maldosos em suas direções, fora assim que nasceu o
romance entre um jovem homem destinado a um grande futuro e uma garota, de
uma tribo que não era bem vista.
No retorno ao seu povo, parecia que Alá desejava algo mais ao seu
relacionamento proibido. Pois os pais de Aysha decidiram passar alguns meses
parados no mesmo lugar, alegando ser devido à fartura da terra.
Assim, de alguma forma, a cada ida à cidade, ela o encontrava. Nos
momentos mais inesperados e nas horas mais surpreendentes, ela se viu cativa
pela alegria que o homem lhe passava. Além de ser doce, parecia querer fugir
diariamente, na esperança de encontrá-la.
No entanto, em um destes encontros, a informou que não poderia ir vê-la
da próxima vez, pois tinha deveres. E ela entendeu. Realmente se perguntava
como ele tinha tanto tempo livre para ficar atrás dela.
No dia em que não o encontraria e estava pronta para ir comprar os
alimentos, o seu irmão mais novo; o valente e ousado Haidar, pedira para ir
junto, pois queria aventurar-se. A jovem sorriu e concordou, afinal Aysha não
viu motivo para se negar.
Os irmãos compraram metade das coisas na metade do tempo, e ela o viu
encantado olhando ao longe uma garota que se vestia de menino, mas que se
esquecera de cobrir o rosto delicado. Embora não fosse uma pessoa que
demonstrasse abertamente o seu romantismo, disse-lhe que fosse aproveitar um
pouco o evento que estava acontecendo. Que, como sempre, poderia terminar de
comprar os mantimentos sozinha.
Empolgado, jovem e impulsivo, ele a puxou num abraço e acariciou seus
cabelos. Aysha riu, achando graça na alegria dele e o assistiu se afastar.
O que a jovem não sabia é que alguém estava obcecado por ela, desde o
seu primeiro encontro com o sultão. E ao vê-la com outro homem sorrindo
intimamente, o fez sucumbir à ira.

HONDE

Dias antes…

H onde havia sido informada que o seu sultão estava escapando do palácio
por quase todos os dias, o que não seria escondido por muito mais
tempo. Ela sabia que ele nunca a amou, tampouco ela o amara
verdadeiramente. Estavam ligados por algo que os obrigava: seus deveres. Mas
as fugas dele estavam rondando por todo o palácio, e as pessoas passaram a
olhar com pena como se dissessem com seus olhos que logo seria substituída.
Por este motivo, ela se vestira pela primeira vez como homem e o
seguiu, mas se viu encantada com a sensação de liberdade que encontrara fora do
palácio. E esquecera completamente do que fora fazer ali, falando com o povo,
comprando itens dos mais pobres e brincando com as crianças. Ela se sentira tão
feliz, que fez disso um hábito.
(...)
Na visita em que Safirah, a filha da tribo Gün fora a ver, a incentivou a
acompanhá-la. Ainda mais sabendo que o seu sultão não iria sair. Porém, em
dado momento, Honde perdera de vista a jovem garota e ficara desesperada atrás
dela. Fora nesse momento, que de relance viu um rosto familiar, um que assim
como ela não deveria jamais estar entre o povo. O jovem que iria se tornar o
próximo Imã, que estava sendo doutrinado pelo atual.
Perguntando-se por que o rapaz estava gatunamente esgueirando-se para
fora do palácio. E minutos mais tarde, cansada de segui-lo, vira ele parado no
meio do caminho olhando fixamente um casal sorrindo antes de cada um tomar o
seu caminho. Eles tinham os mesmos cabelos negros e vestes. Ponderou Honde.
Mas para o seu espanto total, ela viu o jovem rapaz indo até à mocinha
que fora deixada sozinha e a raptou. Honde não sabia o que pensar, aturdida
demais diante da visão. Pensou em segui-lo, mas seu coração apertava e algo
dentro dela sabia que a morte era o único destino que esperava a menina. Tentou
chamar um dos guardas da cidade, mas quando ele perguntou quem era, já que
nunca a vira antes, ela se viu obrigada a fugir dele.
Honde pensou em Safirah e a procurou por todo evento, para somente no
final dele, quando já estava supondo que Safirah tivera o mesmo destino que a
desconhecida garota, foi que a encontrou. Com um rosto corado e um sorriso
estampado em sua face, completamente apaixonado.
Brigara, mas como poderia desfazer os sonhos de uma jovem com a rara
chance de ser amada? No entanto, Honde nunca mais confiou naquele jovem
Imã.
(...)
Anos depois, quando uma mulher de cabelos vermelhos apareceu
dançando e encantando o seu senhor, ela não tivera que pensar muito sobre isso,
mas dado momento em sua vida, já não importava mais. Não até que fora à
mesquita e escutara por acidente a conversa entre o Imã, a jovem ruiva e um
menino. Ficara horrorizada com as coisas que lhe falavam e então ela saiu em
disparada, antes que pudesse ser vista.
Voltando ao seu aposento, andara de um lado para o outro. Até que o seu
jovem filho se aproximou dela. Ele já estava crescendo, logo teria que ter um
tutor. Então uma ideia viera à sua cabeça, ela pediu que conseguissem um tutor
para seu filho. O único homem em que ela realmente confiava; Jaffar.
Honde tentou descobrir mais coisas, e por vezes conseguira. Descobriu,
por exemplo, que em uma das viagens distantes de Fahir, o sultão, encontrara a
mulher em meio ao deserto que alegava estar abandonada. Divertida sorria
quando o Imã dizia à ela para levar as coisas mais a sério, que não era uma
brincadeira. Honde fora as anotando em pedaços de papéis que carregava até os
colocar em livros conseguidos de outros países nas conquistas do seu Sultão.
Um dia vira algo parecido com um livro, mas sem nada escrito, então
passou todas as informações a ele, e fora atear fogo enquanto seu filho estava
empolgado apressando-se para se encontrar com a prometida nas próximas
semanas. No entanto, por sua infelicidade, fora vista se escondendo no palácio
onde julgou que ninguém iria a ver, na área dos criados próximo à cozinha. Além
de ser vista, fora justamente por quem mais odiava.
O Imã.
Um dos papéis que estavam em sua mão, fora levado pelo vento. Ela
exclamou, mas o papel caiu próximo aos pés do homem que se abaixou e o
pegou. Porém, com a sorte dela, foi apenas uma anotação da desconfiança do
caráter dele e se ele realmente estava rezando pelas pessoas que estavam doentes
pelo palácio.
Ele se fez de inocente, prometendo conseguir conquistar a confiança
dela. E é claro que ela não confiou nele.
E assim como esperado, ela não tardou a ficar doente. Assim como
tantas outras pessoas do palácio que adoeceram, chamavam de praga, mas ela
sabia ter algo o envolvendo. Contudo, tudo que Honde tinha eram notas,
observações e nenhuma prova concreta. Seu filho já tinha partido em viagem e
ao menos isso a tranquilizava. Tentara escrever o máximo que podia em seu
caderno, deixando suas memórias e quando estava sozinha em seus aposentos,
fantasiava com um futuro bom e tão improvável, para no fim esconder atrás de
uma madeira solta de sua cama.
Os dias passavam e não tinha nada que o médico conseguisse fazer, em
certo momento, quando ela sentiu que não viveria por muito mais tempo, pegou
o seu caderno e escreveu na última folha:

“Querido Jaffar,
Não estarei aqui por muito mais tempo e confio em você para cuidar do
meu filho. Tenho alguns segredos escritos aqui, espero que você consiga
continuar o que eu não consegui para que nada de mal aconteça ao meu
pequeno Khalid. Ele é um bom menino, com uma visão bonita da vida. Não o
deixe sofrer muito após a minha partida. Lhe dê um propósito…
Sinto muito… Já pedi tanto a você. Mas meu último pedido é este, cuide
do menino que com amor eu trouxe a este mundo.
Jaffar… tem algo que também não lhe disse. Embora fosse o meu dever,
pelo bem do meu povo, estar onde estou, nunca me permiti dizer a verdade a
ninguém, entretanto, agora já não faz mais diferença, então você pode saber.
Eu sempre amei apenas você, queria que tudo diferisse, mas não poderia
mudar o meu destino. Então, te peço, lembre-se de mim com o mesmo sorriso de
quando éramos pequenos.
Cuide do pequeno pedaço de mim que sobrou e que com o conteúdo
dessas anotações, consiga proteger o meu filho.
Honde.”

Seriamente, ela não sabia como entregaria isso ao Jaffar, mas sentia-se
mais aliviada em ter falado a verdade em algum lugar.
Momentos depois de ela voltar a guardar seu diário, a ave que fazia
sempre companhia a Khalid entrou pela janela e pousou sobre sua cama. Tinha
uma carta de seu filho e a mulher sorriu apressada, pegando-a para ler. Enquanto
ela se deitava na cama novamente, sem deixar de ler a carta, tampouco de sorrir
com o seu conteúdo, seu corpo parecia mais cansado, suas pálpebras mais
pesadas.
Desejava a felicidade ao seu filho, por isso soubera que ele estaria bem.
Mas em seu último pedido, pediu a Alá que o fizesse forte o suficiente. E então,
a sultana partiu.

JAFFAR

Logo depois de Khalid descobrir que seria pai...


om a carta do jovem adolescente Khalid em mãos, sorrindo feliz, ele
pegara escondido o que restara da mulher que amou. Escondeu entre suas

C vestes e esperou chegar aos seus aposentos, para que durante a noite
pudesse ler o conteúdo. Mas o que ele não esperava era saber o quanto a mulher
sabia e como ela agiu diante disso.
Ficou chocado com a quantidade de relatos, observações e anotações da
mulher. Pois se ela tivesse um pouco mais de tempo naquela época, teria
conseguido evitar todas as coisas. Jaffar suspirou frustrado, passando a mão na
cabeça e então fora até um canto do seu quarto e pegou o desenho que ele
mesmo fizera dela em um papel velho e desgastado.
O Imã foi o responsável pela sua morte, e uma dor forte no peito o
corroeu. Porém, esperava que a justiça tivesse sido feita, uma vez que o homem
encontrou o seu fim por aquele que ele mesmo criou. Olhou a imagem de Honde
e então voltou ao seu diário, entristecido.
Quando chegou à última página do diário, já era o nascer de um novo
dia.
As luzes do sol iluminaram melhor a frágil chama que ele tinha próximo
à cama e então leu o que mais desejou em toda sua vida. Saber os sentimentos
dela. Seu coração se encheu e transbordou de felicidade, assim como uma
inevitável tristeza. Contudo, ainda que não estivesse presente, ele havia feito o
que ela mandou, porém fora seu filho e a prometida dele que ela adorava mesmo
sem conhecer, os responsáveis pelas provas. Sentia-se feliz, pois se estivesse
viva, teria tanto orgulho do filho que não caberia em si.

KELEBEK – KHADIJAH

F oi sua prometida desde o nascimento, e por isso fora o consolar pela morte
de Aysha. Mas não perdera a oportunidade de alfinetá-lo por ir atrás muito
provavelmente de alguma mulher. E ela acertara em cheio a sua ferida,
então, furioso, Haidar concordou e disse que não se casaria com ninguém mais
senão aquela mulher que ele encontrara. Ela jurara que a mulher pagaria por
tomar o que lhe pertencia e que ele se arrependeria das palavras que dissera.
Sem permitir que ele pudesse viver o seu luto e sem saber como
encontrar a mulher que ele tivera por apenas uma noite, Khadijah o atormentou
diariamente, até que Haidar arquitetou uma forma de fazer seu pai vê-la como de
fato era. Com o seu plano em ação, não muito depois, chamando-o para ver o
comportamento da mulher, longe dos olhos de todos, batendo e falando coisas
absurdas aos criados, que tal mulher não deveria ser a esposa de um líder. Seu
pai ficara de fato irado com ela e desfez o compromisso.
Humilhada pelo fim do compromisso, Khadijah no nascer do novo dia,
não estava mais com seus pais. Ela fugira. E desde então Haidar nunca mais
ouvira falar dela.
(...)
Khadijah havia roubado pertences de ouro de seus pais, pedras com
algum valor e então fugira. Por dias vagou, até encontrar uma tenda muito
elegante em meio à uma noite fria em que ela teve que fugir para não ser pega
por alguns ladrões. Ela sabia pelos guardas que não seria ninguém de poucas
posses, visando conseguir usar do seu charme para conquistar o homem que
possuísse tanto dinheiro, tentou se aproximar, fazendo-se de uma jovem mulher
fraca e abandonada por seu mestre em meio ao deserto. Que apenas queria um
trabalho digno.
Um jovem homem e futuro Imã fora o primeiro a perceber a
aproximação dela, além dos guardas e foram até ela. Ele a olhava com repulsa e
nojo. Mas, uma voz forte e vigorosa, falou logo atrás dele sobre quem poderia
ser que estava se aproximando. Khadijah deu um passo ao lado, para poder ver o
rosto do dono daquela voz, mas o homem diante de si, não permitira. No entanto,
Fahir vira de relance os cabelos ruivos da mulher.
Ordenou que o jovem rapaz saísse da sua frente e seus olhos
encontraram uma bela mulher de curvas sensuais. O sultão não resistia à jovens
mulheres bonitas, mas o que o fez decidir mesmo a aproximação dela foram seus
bonitos olhos que pareciam daquela que tomara seu coração.
Fahir, não sabia que aquilo seria o começo do seu declínio, quando a
pediu para dançar e que a pagaria por isso.
Aquele jovem rapaz e futuro Imã via um sultão fraco, seduzido pela
beleza suja de uma pecadora.
O império não deveria ficar nas mãos de um homem tão fraco! Pensava
ele.
E seu plano fora iniciado naquela noite, enquanto o sultão deflorava a
mulher ruiva momentos depois em sua tenda, ele se convenceu em colocá-lo em
prática.
Mais tarde, enquanto Fahir dormira, ela fez exatamente o que o rapaz
imaginava que iria fazer: roubar o sultão enquanto ele dormia. Ao meio da noite,
a jovem estava saindo da tenda na ponta dos pés, quando ele a interceptou,
tampando a sua boca e murmurou uma proposta a ela:
Ela seria sua ferramenta e ele lhe daria o império, como sultana do seu
senhor. Então poderia fazer o que quisesse com este poder.
(...)
A mulher nunca conseguira se esquecer que fora trocada por uma mulher
desconhecida, crescendo e sendo preparada para tornar-se esposa do líder de sua
tribo. Para no fim ser descartada. E como se o passado voltasse a assombrar,
Kelebek vira na mesa do seu sultão, um desenho de uma menina, uma menina
tão parecida com Aysha, a irmã de Haidar que lhe era assombroso.
Nunca conseguira descobrir quem tivera tomado o coração dele, mas
parecia que a sua traição deixara frutos. Pensou ela.
Honde estava doente há dias, Khalid havia saído para encontrar sua
prometida. A mente de Kelebek estava trabalhando perversamente até conseguir
uma ave para mandar uma mensagem ao seu povo, após longos anos. Pedindo a
alguns aliados remanescentes que acabasse com todas as pessoas da tribo.
Porém, o que ela não contava era que eles seriam gananciosos o suficiente para
manter algumas meninas de modo a vendê-las. E este foi o início da queda dela e
ela nem sequer imaginava.
AGRADECIMENTOS

Como ser humano falho que sou, ainda que tenha me


empenhado bravamente para fazer essa história.
Eu não seria nada sem aqueles que me amam e se importam
comigo. O apoio e confiança do meu marido e amigos na minha
capacidade.
A cada dificuldade e betagem tive ajudas dos mais diversos
tipos, as quais eu sou imensamente grata. As minhas betas (Amélia,
Viviane, Hellen e Nina, que foi a revisora sensível e detalhista da
história) me ajudaram em todo processo, corrigindo minhas falhas de
escrita, por vezes dando ideias de situações e me corrigindo
abertamente quando extrapolei.
Autoras e amigas, betaram especialmente trechos. Alguns
dando suas opiniões, seus pontos de vista, até ideias de reconstruções
de cena em que eram seu ponto forte. Por exemplo: Romance contei
com a betagem especial da Jéssica Larissa, Christine King e C S
Pepper. Qualidade e traços de vilania, contei com a opinião
novamente da Jéssica Larissa, Eduarda Gomes e Caroline Andrade.
Em cenas de ação a Taciane Albonico.
Pontos de vista diferentes e opiniões que me ajudaram a
deixar essa história ainda melhor e por isso sou imensamente grata.
Um agradecimento em especial, para um leitor que chegou
neste livro pela indicação da Taciane: O Samuel, muito obrigada por
apoiar o meu trabalho.
LIVRO FÍSICO

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OUTROS LIVROS DA AUTORA

O improvável pode até parecer impossível, mas não é.


Nina é uma mulher de vinte e nove anos e solteira desde que se tem notícia. Boa
filha, irmã, amiga, aluna e funcionária. Não possui uma beleza surreal, nem uma
pele perfeita e muito menos homens aos seus pés. Ela é uma mulher normal,
como você e eu. Mas sua vida tranquila se vê posta à prova pela curiosidade, e,
entre seguir o caminho já conhecido e se render ao novo, a mulher não resiste e
ganha o poder de uma novidade arrebatadora. O que Nina não sabia é que isso
mudaria a sua vida.
Luke, com seus vinte e seis anos, diferente dela, sempre foi um garoto descolado
desde a adolescência. O bonitão favorito das mocinhas, com seus cabelos loiros
e porte forte, que, quando se encontra em um dia de cão, vai ao bar beber. E
quando menos espera, lá encontra o que até então tinha perdido: a sorte.
Ele é a sorte dela. Ela é a sorte que ele perdeu.

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Um acaso do destino, um rapaz que mais parece um jornal de rock dá a Diana o


que ela mais quer, não apenas um bicho de pelúcia, Adrian oferece muito mais a
ela. Com seus sorrisos maliciosos, ele aparece na vida da moça, no limite da
sanidade, encarando-a de frente. Caótico, safado e sempre inesperado. Sendo
mais do que supunha, muito mais do que se mostra. Quente, libertino e tão
interessante, desmoronando cada muralha de rochas que ela construiu.
Para Adrian, Diana era apenas uma garota como qualquer outra. Mas ele se
surpreende, sendo cativado pelos seus olhos felinos, sorriso perverso e uma
personalidade endiabrada. A mulher que consegue instigá-lo e desafiá-lo como
ninguém. Com a sua boca nervosa, aquece o que já não se aquecia: seu coração.
Leva consigo mais que uma razão para viver, torna-se um motivo para não
morrer.
Ser louco não é um defeito, um livro nunca deve ser julgado pela capa. Um
romance nem tão romântico assim.

“Algo no seu jeito de ser me faz acreditar que não posso viver sem você.”

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Lion sempre viveu seguindo tudo que acreditava ser correto, mas foi afastado de
sua carreira militar, passando a aceitar trabalhos temporários de diversos tipos,
para poder sobreviver. Após reencontrar um velho amigo de infância, não sabia
que sua vida ia virar de pernas para o ar.
Ele então aceita uma proposta que parecia ser a solução dos seus problemas e
que julgou ser moleza, pois ser segurança pessoal não deveria ser um desafio,
exceto se sua cliente for a italiana Jéssica Vincenzo : a linda, rica e mimada filha
do mafioso Andrea Di Rizzo.
Lion se verá em um conflito interno, pois Jéssica é uma mulher que o irrita, mas
também o instiga. Nesta linha tênue entre o ódio e o amor, eles vivem em uma
turbulência de emoções.
Um militar pondo rédeas numa menina rebelde que o leva à loucura e lhe mostra
que mesmo um homem duro como ele, pode ter em uma orgulhosa e desafiadora
menina como o seu ponto mais vulnerável.

Um romance hot delicioso com paixão e muita tempestade

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O que deveria ser nada além do que mais um evento corriqueiro, mais um baile
beneficente dentre tantos que Safira Rollins organiza, sempre à sombra do
grande e influente homem que seu pai é, torna-se um dia inesquecível na vida da
garota que sempre foi invisível aos olhos de todos.
A loira por muito tempo sentiu que o interesse que despertava restringia-se às
vantagens do luxo que acompanhavam a sua vida. Até que um desconhecido,
bonito e sedutor, faz com que se canse de esperar ser notada por si mesma. Seus
olhos não se cruzam, mas apenas a presença do homem é o suficiente para fazê-
la ansiar receber seu olhar.
Um feiticeiro, é como poderia chamá-lo. Sedutor e evolvente. Uma noite e nada
mais, envolvida com destreza em uma aura de paixão carnal. Ou ao menos é essa
a mentira que Safira decide contar a si mesma.

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Ninguém quer estar à sombra de outra pessoa. No entanto, é o lugar em que


Alice sempre viveu.
Sua irmã, sempre foi popular, bonita, confiante, gentil e madura. Tão perfeita
que ela seria incapaz de odiar. Anabel é a irmã que sempre admirou e de quem,
secretamente, desejou herdar algumas inúmeras qualidades que não encontrou
em si. Em determinado momento, ao apaixonar-se, um novo sentimento lhe é
despertado e surge a necessidade de perseguir a própria identidade.
Alice, que sempre se sentiu desprezada e odiada por todos, viu o jogo virar ao
conhecer Jonathan e logo depois Miguel. Ambos lindos, mas totalmente opostos
em personalidade. É nos belos rapazes que a jovem insegura enxerga o amor
onde seus olhos — ofuscados pelo apego à irmã — jamais haviam visto.
Crescer não é fácil, mas a agora "rebelde" Alice decide andar com os próprios
pés e conhece a dor de amadurecer ao mesmo tempo em que encontra um amor
extasiante em sua alma gêmea.

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Pode existir um milagre de natal?

Para o Bilionário Vincent Blackwell, sim.


No passado, o sorriso de uma menina no natal lhe deu forças quando ele mais
precisava.
De forma inesperada, um anjo doce o salvou de todas formas que um homem
pode ser salvo.
Agora, um homem duro de negócios, ele nunca deixou de se lembrar de quando
era um garoto ferido que uma certa menina encantou.
Até que um novo milagre de natal acontece, e aquela menina agora em forma de
uma linda mulher novamente reaparece em seu caminho, e ele não vai descansar
até conquistá- la.

Escrito por Mellody Ryu, Christine King e Jéssica Larissa

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SOBRE A AUTORA

Mellody Ryu é um pseud. Referência: melodia e dragões.


Descendente de japoneses e portugueses, nascida em São Paulo capital
em 1993. Mãe, esposa, escritora, designer e dona de casa. Escreve romances
desde 2013 e as primeiras histórias publicadas foram na plataforma do Wattpad.
Em 2016 concluiu a primeira história, contudo, apenas em "Perfeito Azarado"
foi incentivada a publicar em formato de ebook na Amazon.com.br. Passou a
trabalhar com os livros desde então, mas somente em 2020 conheceu a Editora
Uiclap, uma editora de auto publicação que fez possível ter os 6 de seus 7
trabalhos finalizados em sua versão física.

Wattpad: @MellodyRyu
Facebook: Mellody Ryu
Instagram: @Mellody.ryu
Tiktok: @Mellody.ryu
Fã clube: @Diabasdamellody
E-mail para contato: Mohkimiryu@gmail.com

[1]
Anatólia, ou península anatoliana, também conhecida como Ásia Menor, denota a protrusão
ocidental da Ásia, que compõe a maior parte da República da Turquia. A região é banhada pelo mar Negro
ao norte, o mar Mediterrâneo ao sul, e do mar Egeu, a oeste.

[2]
A zarabatana (originária da palavra árabe zarabatan) é uma arma que consiste num tubo
originalmente de madeira (caule oco), e hoje de metal ou plástico, pelo qual são soprados pequenos dardos,
setas ou projéteis.
[3]
é uma arma branca corto-perfurante, também dita, tradicionalmente, uma arma de estocada
e de corte. A arma tradicional mulçumana e turca correta seria cimitarra, porém para maior entendimento
fora usado no texto: Sabre. Já que ambas armas são similares.
[4]
substantivo feminino
1. 1.no Império Otomano, empregada escrava a serviço das mulheres num harém.
2. 2.mulher do harém de um sultão, paxá etc.
[5]
Ifrite[1][2] (masculino) (em árabe: ‫ ;ﻋﻔﺮﻳﺖ‬romaniz.: Ifrit ; pl. ‫ )ﻋﻔﺎرﻳﺖ‬e Ifrita (Ifritah;
feminino), na mitologia árabe, são os gênios maléficos da classe dos djins, são notórios por sua grande força
e astúcia.
[6]
1. governador ou ministro nomeado por soberano de um reino
muçulmano.
[7]
Paxá ou Pasha (turco otomano: ‫ﭘﺎﺷﺎ‬, paşa; persa: ‫ )ﭘﺎﺷﺎ‬é a denominação dada entre os
turcos aos governadores de províncias do Império Otomano dado a generais e governadores dignitários, e
correspondia ao título de "Excelência" usado no Ocidente.
[8]

Eunuco é um homem castrado, que teve os testículos e/ou o pênis removidos. ... No Oriente Médio e na
China, o eunuco era o guarda encarregado de cuidar dos haréns, local da casa reservado às esposas e
odaliscas.
[9]
Durante o Império Otomano, o grão-vizir era a mais alta autoridade
depois do sultão, sendo considerado representante deste e atuando em seu nome.
Estava hierarquicamente acima de outros vizires de menor rango que se reuniam
na Sublime Porta do Palácio de Topkapı, em Istambul.
[10]
é um título muçulmano que designa o sacerdote encarregado de
dirigir as preces na mesquita. Historicamente foi um título dado aos professores
de direito e teologia islâmicas.
[11]
Roupa turca masculina
[12]
Um casamento por procuração é um tipo de matrimônio em que um ou ambos os indivíduos
que estão sendo unidos não está fisicamente presente, geralmente representado em vez por outra pessoa,
nomeada e qualificada. O casamento por procuração era, na verdade, a norma para a realeza na maioria dos
países daquela época. Totalmente legal e válido.

[13]
Filhos de Ifrit - Crianças de Ifrit ( Ifrit: é uma classe de gênios infernais, espíritos abaixo
do nível de anjos e demônios, conhecidos por sua força e astúcia. Um ifrit é uma enorme criatura alada de
fogo, masculino ou feminino.. Tal como acontece com os gênios, um ifrit pode ser um crente ou descrente,
bem ou mal, mas ele é mais frequentemente descrito como um ser perverso e cruel. )

[14]
Tradução livre: “a noite” tribo fictícia.
[15] Tradução livre: o sol, tribo fictícia.

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