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Referencial teórico

A pesquisa tomará como suporte teórico principal as obras póstumas de Wittgenstein intituladas
O Livro Azul (1992), O Livro Castanho (1992), Zettel (2007) e Investigações Filosóficas (1999).
Igualmente, tomará como subsidiárias as obras de filósofos renomados no campo da educação,
como John Dewey e Paulo Freire. Não obstante, alguns pensadores de crucial relevância serão
abordados para uma reflexão acentuada do ensino inclusivo no contexto moçambicano, tais como
Brazão Mazula, Severino Ngoenha e José Castiano.

De modo geral, a educação é tida como um direito humano fundamental e uma ferramenta crítica
para o desenvolvimento pessoal e social, permitindo que os indivíduos adquiram conhecimentos,
habilidades e valores que os capacitem a participar plenamente da sociedade. No entanto, nem
todos os indivíduos têm igual acesso à educação, e a educação inclusiva visa resolver isso criando
um ambiente de aprendizagem que acolhe e acomoda alunos de diversas origens e habilidades. E,
contexto moçambicano é onde mais podemos ver essa diversidade de origens e habilidades,
oportunidades e valores. Neste referencial teórico, exploraremos os conceitos de educação e
educação inclusiva, e sua inter-relação com o conceito de jogo de linguagem proposto por
Wittgenstein, valendo-se de várias perspectivas e obras filosóficas.

A educação pode ser definida, a grosso modo, como um processo de aquisição de conhecimento,
habilidades e valores que capacitam os indivíduos a funcionar de forma eficaz na sociedade.
Todavia, na obra Democracia e Educação, Dewey (2007, p. 49) contrapõe que a educação não é
apenas sobre a aquisição de conhecimento, mas também sobre o desenvolvimento da capacidade
de pensar de forma crítica e criativa, para resolver problemas e para se comunicar de forma eficaz
com os outros.

Westbrook (2010, p. 27) interpretando o conceito de educação em Dewey, explica que

A educação constitui uma espécie de caldo de cultura que pode influenciar eficazmente
o curso de sua evolução. Se os educadores desempenharem realmente bem seu
trabalho, apenas se necessitaria de reforma: da classe poderia surgir uma comunidade
democrática e cooperativa (WESTBROOK, 2010: 21).

A expressão ‘caldo da cultura’ referente à educação demonstra um aspecto que lhe é


imprescindível: a educação dá vida e move a cultura; ela impulsiona a evolução da cultura. Ora,
como poderíamos advogar uma educação descontextualizada de nosso meio e de nossa
sociedade? Como poderíamos sustentar uma educação que exclui os menos favorecidos de
diversos modos? Em Dewey (2007, p. 203) percebe-se que devemos reconhecer que a educação
pode assumir várias formas, incluindo educação formal, não formal e informal, e que ela pode
ocorrer em diferentes ambientes, como escolas, locais de trabalho e comunidades. A educação é
um processo que dura toda a vida e abrange não apenas a aquisição de conhecimentos
acadêmicos, mas também o desenvolvimento de competências sociais e emocionais.

A educação enquanto o despertar de uma atitude reflexiva e crítica também foi desenvolvida por
Paulo Freire. Na obra Educação e Mudança, Freire (1983, p. 58) argumenta que a educação é um
acto político que pode reproduzir ou transformar as desigualdades sociais. No entanto, ela não
ocorre de forma ‘bancária’, ou seja, do mero bombardeio de informações descontextualizadas ao
aluno. Para Freire, o professor não deve se impor ao aluno, muito menos o conteúdo lecionado
deve ser imposto ao aluno, pois isso “[...] mata o poder criador não só dos educandos, mas
também do educador” (FREIRE, 1983, p. 69).

A educação bancária não só mata a capacidade criativa e crítica do aluno e do professor, como
também impede o progresso da inclusão no ensino. A educação inclusiva é uma abordagem que
busca criar um ambiente de aprendizagem acolhedor para todos os alunos, independentemente de
suas origens, habilidades ou diferenças. A educação inclusiva reconhece que os alunos têm
diferentes necessidades e estilos de aprendizagem, e visa fornecer apoio individualizado e
acomodações para garantir que todos os alunos possam participar plenamente no processo de
aprendizagem. Ela dá liberdade criativa ao aluno, para que ele possa se expressar e se descobrir, à
medida em que vai descobrindo novos conhecimentos.

A educação inclusiva é fundamentada em princípios de justiça social e equidade, e procura


abordar a marginalização e exclusão de alunos que historicamente foram excluídos da educação.
A educação inclusiva reconhece que os alunos vêm de diversas origens e têm diferentes
experiências, culturas e idiomas, e visa criar um ambiente de aprendizagem que valorize e
respeite essas diferenças. Segundo o Relatório de Revisão de Subeducação: Educação Inclusiva,
da UNESCO (2021, p. 1), a educação inclusiva não é apenas fornecer acesso à educação, mas
também garantir que os alunos se sintam valorizados, respeitados e apoiados em seu aprendizado.
Uma das melhores formas de compreender a educação inclusiva é por meio da teoria dos jogos de
linguagem, de Wittgenstein. O conceito de jogos de linguagem é uma estrutura importante para
entender o papel da linguagem na educação. Nas Investigações Filosóficas, Wittgenstein (1999,
p. 56-57) aponta que a linguagem não é um sistema fixo e estável, mas sim uma prática dinâmica
e fluida que é moldada pelo contexto em que é usada.

Terá para mim o nome ‘Moisés’ um determinado uso, sólido e sem equívoco em todos
os casos possíveis? – Não é como se eu, por assim dizer, tivesse à mão toda uma série
de suportes e que me apoio em um deles quando os outros me são retirados e vice-
versa? […]. Deve-se dizer que eu uso uma palavra cuja significação não conheço, e
que digo, pois, um absurdo? – Diga o que quiser dizer, contanto que isto não o impeça
de ver o que ocorre (WITTGENSTEIN, 1999, p. 57).

Do supracitado, nota-se que a linguagem não é um meio de representar a realidade, mas sim um
meio de participar de actividades e práticas contextuais, demarcadas pelo uso da própria
linguagem. A linguagem não é uma ferramenta para comunicar ideias, mas sim um meio de criar
e manter relações sociais.

No Livro Azul, Wittgenstein (1992, p. 41) mostra como os jogos de linguagem estão relacionados
ao ensino e à educação:

Suponhamos que eu ensino a alguém o uso da palavra «amarelo», apontando


repetidamente para uma mancha amarela e pronunciando a palavra. Numa outra
ocasião faço-o aplicar o que aprendeu dando-lhe a seguinte ordem: «escolhe de dentro
deste saco uma bola amarela». O que se passou quando ele obedeceu à minha ordem?
Direi que «possivelmente passou-se apenas isto: ele ouviu as minhas palavras e tirou
uma bola amarela do saco». Podem imediatamente sentir-se inclinados a pensar que
isto não pode ter sido tudo o que se passou; e o tipo de coisa que sugeririam é a de que
ele imaginou algo amarelo quando compreendeu a ordem, tendo em seguida escolhido
a bola de acordo com a sua imagem […]. Se o sentido da palavra «amarelo» nos for
ensinado por recurso a uma qualquer espécie de definição ostensiva (uma regra para o
uso da palavra) este ensino pode ser considerado de duas maneiras diferentes. (A) O
ensino é uma repetição. Esta repetição leva-nos a associar uma imagem amarela, coisas
amarelas, com a palavra «amarelo». (B) O ensino pode ter-nos proporcionado uma
regra que está envolvida nos processos de compreensão, execução de uma ordem, etc.;
«envolvida» significando, contudo, que a expressão desta regra faz parte destes
processos (WITTGENSTEIN, 1992, p. 40-41).

Do texto supracitado, percebe-se a Wittgenstein compreende a preocupação central dos jogos de


linguagem como sendo a de ensinar ou educar dentro de determinado contexto. O que a pessoa
aprende como ‘amarelo’, aprendeu em um contexto específico, onde se associava a palavra
‘amarelo’ a objectos da cor comumente conhecida como ‘amarelo’. Todavia, em um contexto
diferente, poderia ter-se ensinado que a palavra ‘amarelo’ refere-se a objectos com quatro patas,
peludos e que possuem a capacidade de miar, e a palavra ‘gato’ poderia ter-se ensinado referindo
a objectos com superfície de coloração similar a do sol ao meio dia. Deste modo, compreende-se
que os jogos de linguagem são diferentes formas de linguagem usadas em diferentes práticas e
actividades sociais, onde cada uma possui seu próprio conjunto de regras e convenções (o uso da
palavra).

O conceito de jogos de linguagem de Wittgenstein tem implicações importantes para a educação,


particularmente no contexto da educação inclusiva em Moçambique. No país, reconhece-se que
os alunos vêm de diversas origens linguísticas, económicas e culturais. Por esse motivo, o sistema
educativo tem procurado, nos últimos anos, criar um ambiente de aprendizagem que valorize e
respeite essas diferenças. No entanto, as abordagens tradicionais para o ensino muitas vezes
priorizam uma forma padronizada de linguagem e ignoram a rica diversidade linguística e
cultural que os alunos trazem para a sala de aula. A educação inclusiva, por outro lado, reconhece
que a linguagem é uma prática social moldada pelo contexto e procura criar um ambiente de
aprendizagem que valorize e apoie as diversas práticas linguísticas dos alunos.

Em Moçambique, a educação inclusiva deve ter como objectivo desenvolver a competência


comunicativa dos alunos, o que inclui não apenas sua capacidade de usar uma forma padronizada
de linguagem, mas também sua capacidade de usar sua língua materna e navegar por diferentes
práticas linguísticas em diferentes contextos. Temos visto, recentemente, a adopção do ensino
bilingue no país, o que é, até certo ponto, louvável. A educação inclusiva reconhece a
importância do ensino bilingue e os benefícios que ele pode trazer para os alunos (Cf.
CUMMINS, 2001, p. 118). O bilinguismo (até mesmo o multilinguismo) pode fornecer aos
alunos uma perspectiva mais ampla sobre o mundo, uma compreensão mais profunda de
diferentes culturas e habilidades cognitivas e linguísticas aprimoradas (Cf. BAKER, 2011).
Bibliografia

BAKER, Colin. (2011). Foundations of bilingual education and bilingualism. Clevedon-Toronto-


Sydney: Multilingual Matters.

CUMMINS, Jim. (2001). Bilingual children's mother tongue: Why is it important for education?
Toronto: Sprogforum, n. 19, p. 15-20.

DEWEY, John. (2007). Democracia e Educação. São Paulo: Ática.

FREIRE, Paulo. (1983). Educação e Mudança. 11ªed., Rio de Janeiro: Paz e Terra.

WITTGENSTEIN, Ludwig. (1992). O Livro Azul. Lisboa: 70.

__________. (1992). O Livro Castanho. Lisboa: 70.

__________.(1999). Investigações Filosóficas. São Paulo: Nova Cultural.

UNESCO. (2021). Sub-Education Policy Review Report: Inclusive Education. Paris: UNESCO.

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