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Psicopedagógica
às Dificuldades de
Aprendizagem
Pós-Graduação a Distância
Brasília-DF, 2010.
Produção:
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Sumário
Apresentação........................................................................................................................................ 4
Introdução ............................................................................................................................................ 7
Referências .......................................................................................................................................... 39
Pós-Graduação a Distância
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Apresentação
Caro aluno,
Este é o nosso Caderno de Estudos e Pesquisa, material elaborado com o objetivo de contribuir para a realização e o
desenvolvimento de seus estudos, assim como para a ampliação de seus conhecimentos.
Para que você se informe sobre o conteúdo a ser estudado nas próximas semanas, conheça os objetivos da disciplina, a
organização dos temas e o número aproximado de horas de estudo que devem ser dedicadas a cada unidade.
A carga horária desta disciplina é de 60 (sessenta) horas, cabendo a você administrar o tempo conforme a sua
disponibilidade. Mas, lembre-se, há uma data-limite para a conclusão do curso, incluindo a apresentação ao seu tutor
das atividades avaliativas indicadas.
Os conteúdos foram organizados em unidades de estudo, subdivididas em capítulos de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, que farão parte das atividades
avaliativas do curso; serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas
complementares.
Desejamos a você um trabalho proveitoso sobre os temas abordados nesta disciplina. Lembre-se de que, apesar de
distantes, podemos estar muito próximos.
A Coordenação do PosEAD
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
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Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa
Introdução: Contextualização do estudo a ser desenvolvido pelo aluno na disciplina, indicando a importância desta para
a sua formação acadêmica.
Provocação: Pensamentos inseridos no material didático para provocar a reflexão sobre sua prática
e seus sentimentos ao desenvolver os estudos em cada disciplina.
Para refletir: Questões inseridas durante o estudo da disciplina, para estimulá-lo a pensar a respeito do
assunto proposto. Registre aqui a sua visão, sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante
é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita
sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho.
Textos para leitura complementar: Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de
dicionários, exemplos e sugestões, para apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico.
Sintetizando e enriquecendo nossas informações: Espaço para você fazer uma síntese dos textos
e enriquecê-los com a sua contribuição pessoal.
Praticando: Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer
o processo de aprendizagem.
Pós-Graduação a Distância
Para (não) finalizar: Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir na reflexão.
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Organização da Disciplina
Ementa:
Dificuldades de aprendizagem: histórico, etiologia, toxonomia e características. As dificuldades no contexto escolar.
Sucesso e fracasso escolar.
Objetivos:
• Investigar o contexto das dificuldades de aprendizagem com ênfase em sua conceituação e construção histórica.
• Compreender o fracasso escolar como fenômeno histórico e social, gerador de atrasos desenvolvimentais,
tanto individuais como coletivos.
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Introdução
O objetivo desta disciplina é compreender as dificuldades de aprendizagem (DAs) como fenômeno situado em um contexto
histórico e cultural. A identificação dos problemas impeditivos à aprendizagem surgiu em decorrência das múltiplas
transformações vivenciadas pela humanidade nas últimas décadas e que alteraram significativamente o papel da escola
e da aprendizagem no contexto das sociedades modernas.
O mundo nunca experimentou tamanha transformação em seus tecidos social, econômico e cultural como vem ocorrendo nas
últimas décadas. O avanço indescritível do conhecimento e a proliferação das tecnologias têm modificado profundamente
a experiência humana de modo a exigir do sujeito frequentes condutas adaptativas. Essas transformações trazem, a
reboque, significativas mudanças nas crenças, valores e práticas sociais que são transmitidas culturalmente pelas
agências educacionais, com destaque para a família e a escola. Diante de um cenário sociocultural tão mutável e com
características tão complexas surgem enormes dificuldades por parte das famílias e instituições escolares em prover
processos educacionais adequados e de qualidade, que acompanhem tantas mudanças. Desse descompasso, dessa
fissura, emergem as dificuldades de aprendizagem. Elas surgem como sintomas que deflagram a dificuldade em articular
educação e vida e apontam para a necessidade de revisão das práticas educacionais diante de uma nova sociedade, que
se transforma cotidianamente.
Aprender é ato revestido de concepções e ideologias típicas de cada cultura. Uma criança que deixa de aprender não o
faz por incompetência individual, mas provavelmente porque, em algum momento, deixou de atender às exigências postas
por essa cultura com relação aos conteúdos que devem ser aprendidos e de que forma isso deve ocorrer. Apresentar
dificuldades para aprender pode ser uma reação saudável do sujeito, especialmente quando essa carga vem carregada de
valores e atitudes sem sentido ou significado para ele. A escola é uma instituição feita “para todos” e esquece que seres
humanos são únicos, em suas características personológicas assim como em seus anseios e desejos. Se os conteúdos
que a escola empurra “goela abaixo” a uma criança não interessam ou não fazem sentido para a sua existência é muito
provável que surja a recusa em aprender. Parece uma atitude correta, que vai privar o indivíduo de profundos dissabores.
É sob essa perspectiva que investigaremos as dificuldades de aprendizagem: a partir de uma leitura complexa que não
se reduz aos conceitos, tipos de DA´s e estratégias de intervenções pontuais.
Além das dificuldades de aprendizagem, este Caderno pretende também investigar o fracasso e o sucesso escolares como
ocorrências típicas das sociedades industrializadas, ou seja, como fenômenos deste momento histórico e social. Fracasso
escolar e dificuldades de aprendizagem são conceitos que se esbarram continuamente e necessitam ser compreendidos
em suas particularidades. Uma criança fracassa na escola porque apresenta dificuldades para aprender ou começa a
apresentar dificuldades de aprendizagem em decorrência de frequentes experiências de fracasso escolar? A princípio,
as duas proposições procedem, ou não. Compreender o fracasso escolar e suas inter-relações com as dificuldades de
Pós-Graduação a Distância
aprendizagem é tarefa que exige aprofundamento teórico e conceitual em distintas áreas do conhecimento, com destaque
para a educação, a psicologia e, em especial, a psicopedagogia. Pretende-se, também, neste Caderno, apresentar uma
discussão mais elaborada sobre esse tema.
Dessa forma, a abordagem psicopedagógica às dificuldades de aprendizagem busca o desafio de analisar essa temática
em íntima relação com o fracasso escolar, a partir de uma perspectiva ampla e complexa, porém sem desconsiderar
a relevância de uma leitura pontual acerca dessas dificuldades. Da mesma forma que é indispensável compreender o
fenômeno do não aprender em uma perspectiva sistêmica e abrangente é necessário apropriar-se das especificidades
contidas em cada situação de dificuldade de aprendizagem apresentada por diferentes crianças, em distintos contextos
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Introdução
sociais. Nossa proposta é olhar o todo sem perder as especificidades das partes. Essa abordagem prioriza uma perspectiva
dialética do fenômeno das dificuldades de aprendizagem, aqui compreendido como situação construída nas relações sociais
macrossistêmicas e interações microssistêmicas que dão origem e destino aos processos de ensino e aprendizagem.
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
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Unidade I
A Abordagem Psicopedagógica às
Dificuldades de Aprendizagem
João da Silva engrossa as estatísticas do fracasso escolar no Brasil. Como ele, milhares de brasileiros são rotulados,
diariamente, como incapazes de aprender por questões que rondam a esfera das competências individuais dos sujeitos.
Quando contestada sobre outras possíveis causas para que um aluno não aprenda, a escola amplia a causa do fracasso
escolar à família e à situação econômica do país. Raramente a instituição escolar se inclui no rol dos elementos causais
da aprendizagem fracassada de milhares de crianças.
O fracasso escolar é, sem dúvida, um dos mais graves problemas sociais e econômicos com o qual nos deparamos. Ele
se espalha por todos os níveis educacionais, penalizando desde crianças da Educação Infantil até adultos que sofrem em
programas de alfabetização, em busca de um mínimo de condições para o exercício de sua cidadania. Apesar de incidir
em quase todas as etapas de escolarização, é nas primeiras séries do Ensino Fundamental que o fracasso escolar faz o
grande “estrago”. Há décadas lidamos com dados que indicam a manutenção dos altos índices de retenção, evasão e
exclusão escolar. Ao longo das últimas décadas, as crianças brasileiras não conseguiram se libertar desse vaticínio que
as impele para uma vida escolar repleta de situações de frustração e insucesso. Afinal, por que essas crianças fracassam
Pós-Graduação a Distância
No Brasil, o número de sujeitos que não consegue aprender aumenta a cada ano. Diante de um quadro caracterizado por
crescente retenção em séries escolares, exclusão do aluno do sistema educacional ou encaminhamento para serviços
psicológicos, psicopedagógicos ou médicos, a escola sente-se perdida e repete, continuamente, o comportamento de
responsabilizar o sujeito e sua família pelo fracasso na aprendizagem. Surgem os rótulos, que atribuem ao aluno deficiências
de toda ordem e que em nada colaboram para a solução do problema. Em geral, esses rótulos legitimam uma suposta
“incompetência individual ou orgânica para a aprendizagem”, excluindo o aluno não só da vida escolar como do mundo
social e do trabalho.
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
Se a culpa pelo fracasso escolar é do aluno, as outras instâncias pertencentes ao sistema escolar não assumem
responsabilidade diante desse cenário. Sociedade, políticas públicas e sociais, ideologias educacionais, escola, educadores
e professores não são diretamente responsáveis por essa tragédia e, portanto, muito pouco têm a fazer.
Para compreender como se constitui um quadro de fracasso escolar é necessária uma análise minuciosa de suas origens
sem desconsiderar a participação ativa de distintas instâncias na estruturação desse processo. Por ser um fenômeno
de alta complexidade, sua construção vai espelhar essa natureza intrincada e vai exigir uma avaliação de todos os
aspectos que contribuem para o surgimento dessa situação, tanto no contexto escolar como também no do trabalho.
Hoje encontramos, com frequência, adultos que apresentam situações de fracasso no exercício laboral em decorrência de
contextos educacionais pregressos que não foram adequados o suficiente para promover nesses sujeitos as competências
exigidas pelo mercado de trabalho da atualidade, caracterizado por sua competitividade e alto grau de exigência.
Ao pensarmos sobre o papel social da educação e, concomitantemente, buscarmos respostas para os altos índices de
fracasso escolar nas escolas públicas brasileiras fica difícil não considerar a existência de uma dimensão perversa no
sistema escolar que parece excluir essas crianças quase que “de propósito”, como garantia de um projeto ideológico que
se beneficia dessa exclusão. Sociólogos franceses, investigaram exaustivamente as dimensões simbólicas presentes
nas propostas educacionais e que traduzem a ideologia dominante de um dado sistema de poder. Não há dúvida de
que a escola, em certa instância, atende ao poder dominante e reproduz, por meio de suas práticas, um contexto
sociocultural que garanta a manutenção das condições ideológicas desejáveis. Porém, também somos sabedores
de que o espaço escolar, apesar de sua função reprodutivista, é, ainda, um dos poucos contextos que favorecem o
surgimento de uma reação popular ao sistema ideológico dominante. Renomados educadores brasileiros, como Saviani
e Libâneo, vêm discutindo a possibilidade concreta de construção de uma pedagogia crítica, capaz de restituir ao
sujeito sua condição de cidadão, uma pedagogia a serviço do povo brasileiro e não das elites política e ideológica.
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
O fracasso escolar deve ser compreendido a partir dessa instância macrossistêmica, que delata um projeto ideológico que
exclui a população pobre não apenas da escola, mas, principalmente, da possibilidade de construção do seu conhecimento,
assim como do acesso ao mercado de trabalho em iguais condições de competição com os raros cidadãos formados nas elites.
Não é por acaso que uma criança fracassa na escola. O fracasso escolar tem uma missão, infelizmente mais perversa
do que imaginamos. Ele legitima a exclusão escolar e social, de modo sutil e quase imperceptível, ao culpabilizar o aluno
pelo seu insucesso. Uma vez que ainda se discute a não aprendizagem como oriunda de aspectos orgânicos, fisiológicos
e individuais não há porque duvidar das intenções democráticas do sistema educacional que provê a todos os sujeitos as
mesmas condições de ensino. Se o aluno não aprende, não é o sistema que tem “culpa”, nem o aluno, necessariamente.
Esse aluno não aprende porque, “infelizmente”, pertence a um contexto social e econômico desprivilegiado que termina
por minar suas possibilidades desenvolvimentais e suas condições de vida. Diante desse cenário tão precário é quase
impossível para o aluno passar pela escola sem apresentar uma quantidade enorme de dificuldades de aprendizagem que
vão legitimar o seu fracasso, ou seja, a sua participação ativa no seu insucesso escolar. Para revigorar a perversidade
do sistema, surge o discurso de que a solução para esse problema ultrapassa os muros da escola e deve ser objeto de
discussão de instâncias superiores. O sistema educacional deixa claro que a solução para esse intrincado problema diz
respeito a essas instâncias superiores, como se elas não pertencessem, também, ao sistema político dominante.
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
O sistema escolar ainda se solidariza com o aluno que fracassa ao inventar múltiplas formas de auxiliá-lo em sua
“recuperação”. Neste ínterim surgem ações como a implantação da progressão automática nas distintas etapas do Ensino
Básico, programas de aceleração da aprendizagem, entre outros artifícios que apenas prorrogam o veredicto final, que
sempre é a exclusão.
Enquanto o poder político se digladia em busca de soluções para a sofrível situação da educação brasileira, nas salas
de aula a construção do fracasso escolar toma corpo a cada dia, expresso pelos obstáculos criados pela própria escola
e que impedem o aluno de aprender. A burocratização do trabalho pedagógico, a obediência cega a uma carga curricular
excessiva e pouco formadora, a prioridade dada aos conteúdos quantitativos em detrimento da experiência qualitativa do
aluno, a má formação dos professores, as precárias condições físicas e materiais da escola, entre tantas outras mazelas
constituem barreiras presentes que os alunos das camadas pobres enfrentam e que, muito dificilmente, conseguirão
sobrepujar.
Diante de constatações tão sérias, a necessidade de investigar com maior profundidade esse fenômeno dissimulado que é
o fracasso escolar torna-se imperativa. Neste ponto partimos para a escola, com o propósito de compreender o que ocorre
em seus espaços, na tentativa de lançar luz sobre essa questão obscura. Ao chegarmos à escola nos deparamos com o
inevitável: a total apropriação do discurso dominante por parte dos educadores, de modo pouco explícito, demonstrando
em sua dimensão microssistêmica a existência das mesmas propostas evidenciadas na instância macrossistêmica já
discutida neste Caderno. Escutamos de educadores e professores que as causas do fracasso escolar têm origem no aluno
e em suas precárias condições de vida. Mais uma vez as outras dimensões são salvas “do julgamento” e permanecem
omissas em relação ao quadro do insucesso na escola. O ciclo se fecha e a escola legitima a ideologia dominante ao
assumir que o aluno e seu precário contexto socioeconômico são os elementos responsáveis pelo seu fracasso porque
dão origem às suas deficiências de aprendizagem.
O fracasso escolar é fenômeno complexo, multideterminado e condicionado por ideologias, políticas educacionais, sistemas
sociais e econômicos. É um fato concreto que preocupa pais, educadores e toda uma nação. Seus efeitos são nocivos
e geram exclusão escolar, social, econômica e cultural. Suas causas são, geralmente, imputadas às características do
sujeito que fracassa, seu contexto familiar, social e econômico. Ao situar a origem do problema no sujeito exime-se a
escola e todo o sistema restante da partilha da responsabilidade pelo insucesso escolar.
Antes de conceituar dificuldade de aprendizagem é de extrema relevância estabelecer alguns parâmetros que permitam
a articulação desse conceito com o de fracasso escolar. Esse cuidado é necessário, pois esses fenômenos não mantêm,
necessariamente, uma relação causal ou mesmo uma correlação. Eles refletem faces distintas de um grave problema,
que é a não aprendizagem, mas nem sempre estão juntos em sua construção.
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
Conceituar dificuldade de aprendizagem é tarefa complexa que assume tons distintos conforme o contexto cultural
onde ocorre essa análise. Nos EUA, surgem as primeiras considerações teóricas sobre o fenômeno das dificuldades de
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
aprendizagem. No início do século XX, os americanos debruçaram-se sobre esse conceito de modo a investigá-lo com os
aportes do método científico, alçando-o à categoria de objeto de estudo tanto da psicologia como da medicina. A leitura
americana acerca das dificuldades de aprendizagem é pioneira e reflete a visão prática dessa cultura ao buscar formas
de solucionar o não aprender por meio de estratégias prioritariamente médicas e psicológicas.
Na Europa, o enfoque se diferencia e surge uma leitura das dificuldades de aprendizagem matizada por uma ótica
psicopedagógica. A perspectiva psicopedagógica considera que há múltiplos fatores intervenientes na construção desse
fenômeno e destaca a necessidade de uma abordagem de intervenção que não exclua as contribuições da medicina e
da psicologia, mas que coloque a escola como espaço privilegiado no processo de busca de soluções para situações de
não aprendizagem.
No Brasil ainda não elaboramos uma visão própria sobre as dificuldades de aprendizagem que auxilie no enfrentamento
dos graves problemas educacionais e de fracasso escolar existentes. Essa “não elaboração” de uma leitura brasileira
acerca dos principais problemas de aprendizagem que assolam a nossa população em fase de escolarização relaciona-
se com a precária produção científica do país e com o pouco investimento do setor público nessa área. No Brasil,
pesquisa-se muito pouco ou quase nada. Na ausência de estudos que reflitam a nossa realidade o que resta é exportar
modelos teóricos na tentativa de compreender o fracasso escolar e intervir, de algum modo, no sentido de minimizar
o problema.
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
O corpo de conhecimento elaborado acerca das dificuldades de aprendizagem, suas origens, características e modos de
intervenção ainda vêm de fora, de outras culturas, de outros contextos sociais e escolares. Entretanto, esse saber muito
tem a colaborar no sentido de construirmos um quadro de compreensão desse fenômeno e adequar esses achados, na
medida do possível, à nossa realidade. A Psicopedagogia, como área de investigação da aprendizagem e seus impedimentos,
busca colaborar para que as situações de não aprendizagem e o surgimento dos impedimentos à aquisição do conhecimento
sejam compreendidos em sua complexidade, permitindo ações preventivas ou mesmo curativas, em consonância com o
nosso contexto sociocultural.
O conceito de dificuldades de aprendizagem ainda apresenta ambiguidade e falta de consenso. Entre os conceitos
existentes, destacamos:
Dificuldades de aprendizagem (DA) é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de desordens
manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e utilização da compreensão auditiva, da
fala, da leitura, da escrita e do raciocínio matemático. Tais desordens, consideradas intrínsecas ao
indivíduo, presumindo-se que sejam devidas a uma disfunção do sistema nervoso central, podem
ocorrer durante toda a vida. Problemas na autorregulação do comportamento, na percepção social
e na interação social podem existir com as DAs. Apesar das DAs ocorrerem com outras deficiências
(por exemplo, deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbios socioemocionais) ou com influências
extrínsecas (por exemplo, diferenças culturais, insuficiente ou inapropriada instrução etc...), elas não
são o resultado dessas condições (National Joint Committee of Learning Disabilities, em Fonseca,
1995, p.71).
(Reservamos o termo “dificuldades de aprendizagem) apenas para aqueles casos de crianças com
dificuldades de aprendizagem de causas desconhecidas, uma vez que essas crianças não apresentam
defeitos físicos, sensoriais, emocionais ou intelectuais de espécie alguma” (Kirk & Bateman, em
Drouet, 1995, p.92).
Um problema de aprendizagem é considerado como um sintoma que expressa algo e possui uma
mensagem. Assim o não aprender tem uma função tão integradora quanto o aprender (Parente &
Ranña, 1990, p.51).
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
A criança com dificuldade de aprendizagem é uma criança com problemas em seu desenvolvimento que
revelam uma disparidade no processo psicológico relacionado com a educação, disparidade tal (muitas
vezes de 2, 4 ou mais anos escolares) que requer programas adequados de evolução acadêmica, de
forma a adaptá-los à natureza e ao nível do desvio do seu processo de desenvolvimento (Gallagher,
1966, p.195, em Fonseca, 1995).
Ao analisarmos tantos conceitos sobre as DAs identificamos pontos de convergência e de divergência entre eles, além
de uma significativa confusão em relação ao que é, especificamente, uma dificuldade de aprendizagem. Vamos pensar
com um pouco mais de profundidade sobre essa questão.
Quais são as suas respostas para as questões elaboradas? O que de fato significa “apresentar dificuldades de
aprendizagem”?
Apesar de tantas definições ainda é difícil apontar para um conceito único de dificuldades de aprendizagem. O fenômeno é
muito mais complexo e necessita ser abordado por essa via. Por isso, optamos por discutir as dificuldades de aprendizagem
em íntima relação com o fracasso escolar, embora um fenômeno não ocasione o outro. Eles estão inter-relacionados,
mas não necessariamente por uma cadeia causal.
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
É indispensável que o professor compreenda que uma criança, a despeito de suas condições individuais, familiares,
sociais e econômicas, pode apresentar dificuldades de aprendizagem e fracassar na escola e, mesmo assim, ser
uma criança absolutamente normal. O professor deve entender também que crianças que não têm dificuldades de
aprendizagem podem fracassar na escola, por diferentes motivos. Ao se apropriar dos conhecimentos psicopedagógicos
e educacionais o professor tem maiores chances de construir saberes que permitam o enfrentamento de situações
de não aprendizagem, sejam elas derivadas da presença de dificuldades de aprendizagem ou outros fatores também
geradores do fracasso escolar.
Pós-Graduação a Distância
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
Neste capítulo vamos explorar os diferentes fatores que podem impedir a aprendizagem. Ao longo dessa discussão
esbarraremos, novamente, nos conceitos de fracasso escolar e de dificuldades de aprendizagem, pois os fatores impeditivos
da aprendizagem são múltiplos e se relacionam intimamente tanto com o insucesso escolar como com as dificuldades
para aprender.
Dizer que uma criança não aprende porque possui um distúrbio orgânico, fisiológico, cerebral ou semelhante é menos
complicado do que atribuir o seu fracasso escolar a outros fatores difíceis de serem mensurados ou mesmo diagnosticados
mediante exames. Por essa razão, há uma enorme tendência em medicalizar o fracasso escolar e tratá-lo como um
distúrbio passível de cura por uma terapêutica adequada ou medicação suficiente. Porém, mesmo quando cedemos a
essa tendência, somos cientes de que há outros aspectos presentes na construção das dificuldades de aprendizagem
que extrapolam as nomenclaturas médicas e psicológicas.
Há também situações nas quais a criança ingressa na escola em condições perfeitas para aprender e sai dela apresentando
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
limitações sérias à aquisição do conhecimento. Como explicamos tal fenômeno? Antes da escola a criança aprendia
perfeitamente. Depois da escola essa competência torna-se comprometida? A escola pode impedir a aprendizagem?
Quando evidenciamos quadros dessa natureza é impossível relacionar as causas da não aprendizagem somente a fatores
individuais, orgânicos ou fisiológicos. O sistema escolar é competente para gerar dificuldade de aprendizagem, por incrível
que pareça. Muitas vezes é isto o que a escola faz: “impede o sujeito de aprender”.
O foco de investigação das causas da não aprendizagem também pode mudar de rumo e apontar para a família, as
condições sociais e econômicas do aluno, as crenças e concepções do seu contexto social, os valores culturais, entre
tantos outros fatores. Compreender o fracasso escolar e o surgimento das dificuldades de aprendizagem em um sujeito
exige investigação minuciosa, detalhada, aprofundada. Diz respeito a um processo de pesquisa da história desse sujeito,
considerando suas inserções familiares, sociais e culturais. Os impedimentos à aprendizagem são múltiplos, derivam de
distintas fontes e demandam muita atenção e discernimento em sua identificação.
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
Essa leitura abrangente se recusa a compreender a não aprendizagem como oriunda de uma única fonte e considera
que só é possível identificar o que impede a aquisição do conhecimento ao considerarmos os pontos de partida dessa
situação, que são muitos.
O ser humano pertence a uma espécie e partilha com ela características desenvolvimentais comuns. Isso é fato biológico,
genético, fisiológico. Entretanto, sabemos que o homem não se torna “humano” por legado biológico ou genético. Uma
criança só se torna “humana” quando faz parte de uma cultura e conta com mediadores aptos a transmitir a ela os
significados dessa cultura. É por meio da mediação que a criança se torna “uma pessoa”, desenvolve suas funções
psicológicas, cresce, matura, aprende, passa a pertencer à humanidade.
A construção do ser humano se dá no palco cultural, no qual a família, a escola e diversas instituições atuam como poderosos
mediadores nesse processo. Considerando que hoje prevalece no planeta o modelo das sociedades industrializadas e que
nesse modelo as crianças passam um longo tempo na escola para “adquirirem conhecimentos”, imaginem o impacto da
instituição escolar na construção da personalidade do homem. Ele é imenso, incomensurável, definitivo, tanto para o
sucesso dessa criança como para o seu fracasso.
O processo de socialização do homem assim como sua experiência em instituições de ensino constituem vivências
repletas de desafios, situações-problema, escolhas e opções. Nem sempre esse sistema se apresenta para o sujeito
em concordância com seus desejos e aspirações. Muitas vezes, socializar-se e educar-se são experiências difíceis, que
demandam auxílio constante dos pares sociais mais experientes e nem sempre a escola ou a família estão prontas para
ofertar esse auxílio. Em situações desse gênero é muito provável o surgimento de dificuldades que podem se expressar
tanto no processo de desenvolvimento do sujeito como em sua aprendizagem.
No Quadro 1 identificamos as dimensões por meio das quais um ser humano se constitui como sujeito e que podem originar
distintos fatores impeditivos à aprendizagem, a saber: (a) biológicas/genéticas; (b) físicas/orgânicas; (c) psicológicas; (d)
escolares/institucionais; (e) socioeconômicas; (f) ideológicas; (g) ecológicas, (h) culturais/históricas. Uma breve investigação
de cada uma dessas dimensões é necessária para clarear o processo de construção desses fatores impeditivos da
aprendizagem e suas interações com todo o sistema que cerca o sujeito.
Pós-Graduação a Distância
1) Dimensões biológica e genética: dizem respeito à herança genética que cada ser humano recebe no momento da
concepção e que dá origem a um ser biológico, pertencente a uma espécie com a qual ele partilha inúmeras regularidades,
tanto desenvolvimentais como de aprendizagem. O homem é único, porém atende a regularidades desenvolvimentais
típicas de sua espécie. Seu processo de desenvolvimento tem aspectos definidos pelo seu código genético e sua biologia,
entretanto essas dimensões também são afetadas por contextos ambientais, sociais e culturais, promovendo mudanças
e transformações.
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
Diversos estudos mostram que transtornos biológicos ou mesmo genéticos podem gerar dificuldades de aprendizagem,
com destaque especial para os déficits neurológicos. Situações dessa natureza ocasionam comprometimentos no processo
desenvolvimental do sujeito, especialmente em sua cognição, promovendo alterações biológicas, comportamentais e
emocionais que podem impedir a aprendizagem.
Entre os transtornos relacionados às alterações biológicas identificamos: (a) lesões cerebrais; (b) paralisia cerebral; (c)
epilepsia: (d) deficiência mental; (e) deficiência sensorial e (f) deficiência visual, auditiva ou de fala. Os fatores genéticos
podem originar os seguintes quadros: (a) fibrose cística; (b) síndrome de Down; (c) hemofilia; (d) neurofibromatose; (e)
fenilcetonúria; (f) anemia falciforme; (g) síndrome de Turner, entre tantos outros.
É importante que o psicopedagogo saiba que necessita de auxílio especializado para elaborar um diagnóstico no qual os
fatores impeditivos à aprendizagem são, primariamente, de origem biológica ou genética. O trabalho interdisciplinar é
indispensável no momento da elaboração de um diagnóstico, seja ele no âmbito clínico ou no institucional.
2) Dimensões física e orgânica: relacionam-se ao desenvolvimento físico e orgânico do sujeito, incluindo os processos de
crescimento e maturação. Ao nascer, um bebê já traz registros genéticos que vão orientar seu processo de desenvolvimento.
Entretanto, o ambiente que o cerca vai dar cartas em pé de igualdade com suas determinações genéticas e biológicas,
tecendo uma trama complexa que engendrará a construção de suas rotas desenvolvimentais. O bebê vai crescer, vai
vivenciar processos de maturação e desenvolver-se a partir da interação dos seus fatores genéticos e ambientais. Portanto,
suas dimensões físicas e orgânicas podem ter suas trajetórias de desenvolvimento alteradas por fatores de outra ordem,
originando situações potencialmente capazes de impedir os seus processos de aprendizagem.
Entre os possíveis fatores físicos e orgânicos com potencial para impedir ou prejudicar os processos de aprendizagem,
destacamos: (a) desnutrição; (b) exposição a agentes teratogênicos, como drogas, infecções; (c) incompatibilidade de Rh;
(d) exposição à irradiação e/ou poluição; (d) déficits psicomotores; (e) déficit no crescimento e (f) baixo peso.
3) Dimensão psicológica: corresponde aos fatores psicológicos e seu desenvolvimento durante a vida do sujeito. Fatores
psicológicos incluem os seguintes processos: emoções, afeto, cognição, inteligência, memória, percepção, linguagem,
pensamento, criatividade, imaginação etc. As funções psicológicas determinam o surgimento do sujeito humano. A
nossa espécie se diferencia do reino animal por possuir funções psicológicas superiores e mediadas, que permitem a
construção da consciência e, consequentemente, a noção de “eu”. Somente os homens têm identidade, personalidade ou
subjetividade. Esta vida psíquica rica, complexa e subjetiva é construída ao longo do nosso desenvolvimento e depende
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
de todas as dimensões que cercam o ser humano. Necessitamos de condições físicas, biológicas, genéticas, ambientais,
sociais e históricas favoráveis para desenvolvermos uma personalidade saudável. Quando essas condições são abaladas
por qualquer circunstância, o desenvolvimento psicológico do sujeito pode apresentar comprometimentos, entre os quais
destacamos aqueles que vão impedir, especificamente, a aprendizagem.
Os fatores psicológicos impeditivos da aprendizagem são numerosos e atuam de modo conjunto. Uma criança com
baixa autoestima, por exemplo, pode apresentar dificuldades de aprendizagem que, por sua vez, vão gerar déficits na
aquisição da linguagem, que, também, por sua vez, se transformam em um outro fator psicológico originário do problema
de aprendizagem. Esse ciclo demonstra a relação sistêmica existente entre sintoma e situação, mostrando que muitas
vezes a dificuldade de aprendizagem tem poder de gerar um novo sintoma de não aprendizagem.
Há necessidade de análise minuciosa dos fatores psicológicos na composição dos quadros de não aprendizagem. O
psicopedagogo deve se apropriar de saberes da psicologia, da psicanálise e de outras linhas teóricas no sentido de
ampliar seus conhecimentos sobre a dinâmica e estrutura do funcionamento psicológico. Só assim será possível elaborar
diagnósticos ou avaliações precisas. Também é importante destacar, novamente, a necessidade do trabalho interdisciplinar.
Em alguns momentos, a melhor opção é contar com a participação de um psicólogo clínico experiente no momento de
fechar um processo de avaliação psicopedagógica.
Entre os fatores psicológicos intervenientes na aprendizagem destacamos: (a) baixa autoestima e autoconceito; (b) distúrbios
afetivos e emocionais; (c) distúrbios comportamentais; (d) neuroses e psicoses; (e) transtornos psicomotores etc.
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
Nas sociedades industrializadas, a escola é a instituição onde as crianças passam a maior parte do seu tempo. Ela
também é o local, por excelência, de transmissão do legado cultural da humanidade. Na escola, a criança constrói seu
conhecimento sobre o mundo e sobre si mesma. Ela também aprende a ser uma pessoa, por meio das diversas interações
com os pares, no espaço escolar. A sala de aula é muito mais do que um espaço de aprendizagem; ela é um espaço
privilegiado de desenvolvimento humano, onde crianças “tornam-se seres humanos” e aprendem a viver em coletividade.
Portanto, a escola assume papel de extrema importância na construção de bom ou mau processo de aprendizagem. A
intenção contida no processo educativo formal, em geral, é boa; os resultados nem sempre.
A escola impede a aprendizagem quando: (a) estrutura o mesmo tipo de ensino para diferentes crianças; (b) não prepara
seus professores de modo adequado; (c) não oferta metodologias de ensino modernas, sofisticadas e de qualidade; (d)
enfatiza a aquisição de conteúdos em detrimento da produção do conhecimento; (e) utiliza a avaliação como sistema
punitivo, ao invés de caracterizá-la como momento especial de aprendizagem; (f) elimina a dimensão lúdica da sala de
aula; (g) distancia conteúdos curriculares da vida do aluno; (h) constrói ambientes de aprendizagem opressivos, sem
destaque para a criatividade. As instituições familiares também não cooperam com o sucesso escolar quando: (a) não
valorizam a aprendizagem e o estudo; (b) não participam da vida escolar dos seus filhos; (c) não incentivam ou valorizam
a leitura; (d) não estimulam adequadamente as crianças; (e) negligenciam a educação de valores; (f) associam alto nível
de ansiedade ao processo escolar; (g) nutrem relações interfamiliares pouco ajustadas.
5) Dimensões Socioeconômicas: dizem respeito ao contexto social e econômico das crianças e suas famílias em etapa
de escolarização e refletem, diretamente, no desempenho dos alunos em sala de aula. Uma das causas mais representativas
do fracasso escolar é o baixo padrão social e econômico da maioria das crianças brasileiras. Desprovidos de moradia,
condições sanitárias, cuidados médicos, nutrição adequada, conforto familiar e emocional e recursos financeiros, as
crianças das classes sociais desfavorecidas encontram obstáculos instransponíveis quando chegam à escola. É impossível
aprender com qualidade quando não há cadernos, lápis, computadores, alimentação adequada, falta de apoio familiar,
trabalho precoce, descanso e lazer, todos os ingredientes que favorecem a aquisição do conhecimento com certo grau
de tranquilidade e prazer.
As crianças pertencentes às classes socioeconômicas desprivilegiadas apresentam, em geral: (a) condições habitacionais,
sanitárias, de higiene e nutrição deficientes; (b) pouca estimulação cognitiva; (c) fraca interação sociolinguística; (d)
privações lúdicas, simbólicas e culturais; (e) baixo desempenho na expressão linguística e no desenvolvimento do
vocabulário; (f) conhecimentos gerais inadequados; (g) pouca habilidade no uso de tecnologias; (h) acesso restrito aos
recursos físicos necessários à aprendizagem (livros, revistas, jornais, cadernos); (i) ausência de uma rede de apoio com
relação às etapas de aprendizagem por parte da família e mesmo dos professores.
Diante de tantos impedimentos torna-se quase impossível para uma criança pobre alcançar sucesso na escola. Se
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somarmos esse aspecto aos outros já relacionados veremos o fracasso escolar se constituindo, tornando-se um fenômeno
muito mais social do que pedagógico, urdido na perversidade da má distribuição de renda, fato ainda tão presente em
nosso país. Mesmo quando consegue ultrapassar todas as barreiras impostas pelo macrossistema, a criança pobre sai
da escola em condições precárias para competir em um mercado de trabalho delimitado pela alta especialização e pela
busca de excelência. Nesse contexto, parece que não há saída para essas crianças.
6) Dimensão Ideológica: toda sociedade ou grupo cultural constrói ideologias que sustentam suas crenças e valores.
Por ideologia compreendemos “um conjunto articulado de ideias, valores, opiniões, crenças que expressam e reforçam
as relações que conferem unidade a determinado grupo social, seja qual for o grau de consciência que disso tenham seus
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
portadores”. As ideologias surgem a partir de ideias disseminadas como dominantes e representativas do desejo de uma
sociedade. Ela é incutida mediante distintas práticas, entre as quais se destaca a escolar. A escola é uma das instâncias
transmissoras da ideologia de um povo. Ela dissemina, de modo subentendido, sistemas de ideias dogmaticamente
organizadas e as transforma em instrumento de manipulação, domínio ou, até mesmo, de luta de classes. Não percebemos
o processo de apropriação da ideologia que domina o nosso contexto social, histórico e cultural. Quando percebemos já
somos portadores desses valores e, muitas vezes, lutamos para preservá-los.
De que modo uma ideologia pode gerar dificuldades de aprendizagem ou mesmo fracasso escolar? Quando ela, por exemplo,
dissemina para os membros de uma sociedade que o ingresso no trabalho se dará por meio do preparo do sujeito, no
ambiente escolar, para o exercício de uma profissão e, ao mesmo tempo, não oferta condições democráticas de acesso
a uma escolarização de qualidade. Ao partilhar esse ideário, o sujeito considera que o fracasso escolar e profissional de
muitos dos seus pares se justifica por esse conjunto de valores, ou seja, não há lugar para todos, portanto nada mais
natural do que o fracasso de uma boa parcela.
A escola faz isso com muita competência e, como boa reprodutora da ideologia dominante, lança a responsabilidade do
fracasso nas mãos do aluno, eximindo o contexto social de sua enorme parcela de culpa. O aluno apresenta dificuldades
para aprender porque “já espera” esse quadro. Afinal, ele é pobre, não tem condições financeiras nem culturais de alcançar
o topo da pirâmide social, já disseram a ele que nem todos chegarão lá e que o melhor a fazer é aceitar sua condição
subalterna sem reclamar. A família também legitima o problema ao assumir que seu filho “não dá para os estudos”, “não
é muito inteligente”, “deve ter a mesma profissão do pai”, entre outras crenças semelhantes que só fortalecem o sistema
ideológico vigente. O psicopedagogo tem a obrigação de investigar essa dimensão que sempre surge como componente
em quadros de dificuldades de aprendizagem e fracasso escolar.
7) Dimensão Ecológica: esta dimensão compreende a criança inserida em distintos contextos que são formados pelos
vários ambiente em que ela habita no seu cotidiano. Esses microssistemas se relacionam uns com os outros de distintas
maneiras, formando mesossistemas que, por sua vez, interagem com ambientes e espaços institucionais (exossistemas)
em que a criança não necessariamente está presente, mas que influenciam seus processos de desenvolvimento e
aprendizagem de modo significativo. Todos esses sistemas encontram ressonância no macrossistema que representa as
crenças, ideologias e padrões culturais de cada criança.
A abordagem ecológica é de extrema relevância na análise dos processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança,
pois desnuda as intricadas relações entres os diferentes sistemas e suas interferências positivas ou negativas nos
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
resultados desenvolvimentais. Quando compreendemos a criança como sujeito inserido em uma teia de relações que se
amplia progressivamente, passamos a percebê-la de modo mais complexo e ampliamos as possibilidades de identificar
possíveis pontos nodais de situações problemas, o que permite a intervenção.
Para a Psicopedagogia é fundamental a adoção de uma visão ecológica do desenvolvimento e da aprendizagem. Ela nos
permite identificar, por exemplo, quando uma dificuldade de aprendizagem é originária de: (a) relações familiares nucleares
(pai, mãe e filhos); (b) relações familiares ampliadas (avós, primos, tias); (c) conflitos ideológicos entre membros da mesma
família; (d) discrepância de valores entre família nuclear e família ampliada; (e) expectativas disfuncionais com relação
à criança; (f) expectativas disfuncionais com relação à escola, entre outros fatores.
8) Dimensões históricas e culturais: para finalizar, vamos analisar o contexto histórico e cultural e suas interferências no
contexto da aprendizagem e seus impedimentos. Já discutimos bastante sobre a natureza dos processos de desenvolvimento
humano e aprendizagem. Somos sabedores de que o filhote do homem só se torna “humano” pela mediação da cultura,
ou seja, de significados simbólicos que damos às coisas e ao mundo e que são transmitidos aos nossos descendentes
mediante os processos educacionais. O homem se torna homem por meio de outros homens. Esse processo depende da
cultura e de seu contexto histórico.
A escola é a instituição responsável pela transmissão do legado cultural da humanidade. A ela cabe a tarefa de ensinar
aos mais novos os significados construídos pela cultura que representa. Por isso, a escola necessita de tempo longo e
contínuo para formar um habitus no aluno, ou seja, para incutir-lhe os valores, crenças e saberes escolhidos pela dimensão
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A Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem Unidade I
histórica e cultural. Espera-se que esse aluno seja o guardião e também reprodutor dos padrões históricos e culturais
herdados. Deseja-se que ele, como futuro da sociedade, garanta a sobrevivência dela. A escola treina o aluno para manter
o status quo, para garantir a continuidade do grupo social, para reproduzir crenças e valores. Ao se estruturar para tal
tarefa, a escola termina por eliminar de suas práticas a produção de novos valores culturais, a renovação do legado
histórico, a transformação do tecido social tão imprescindível para nossa subsistência. Portanto, é nesse aspecto que as
dimensões históricas e culturais podem atuar no sentido de gerarem dificuldades de aprendizagem, ao ceifarem no aluno
o seu ímpeto criativo e inovador. Parece um contrassenso, mas tal fato ocorre com uma infeliz frequência.
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Unidade II
Neste capítulo, vamos abordar, especificamente, as dificuldades de aprendizagem em seus aspectos de classificação
e identificação. É importante ressaltar que a leitura aqui adotada é de natureza psicopedagógica, o que significa uma
opção por analisar esses impedimentos à aprendizagem com ênfase em suas dimensões pedagógicas e escolares. Não
vamos estudar as dificuldades de aprendizagem com olhos médicos ou mesmo estritamente psicológicos. Nosso foco
será, prioritariamente, a compreensão das DA´s inseridas em um cenário educacional, o que não impede uma investigação
precisa, complexa e com maior grau de profundidade de cada uma delas.
A importância de uma taxonomia das dificuldades de aprendizagem se expressa no conhecimento de como um fenômeno
de natureza difusa pode individualizar-se em um conjunto de sintomas e/ou características a ponto de comprometer
o processo de aprendizagem de um sujeito. Estudar o sistema de classificação das DA´s também orienta sobre suas
etiologias diferenciadas, provenientes de distintas dimensões, como já evidenciado em capítulo anterior. Nessa perspectiva,
é importante compreender de que forma se constrói um quadro de impedimentos ao ato de aprender e como este evolui
até alcançar os processos gerais de aprendizagem, prejudicando-os.
Retomando Fonseca (1995), identificamos uma classificação das dificuldades de aprendizagem em dois níveis, a saber:
a) as dificuldades de aprendizagem primárias e b) as dificuldades de aprendizagem secundárias. O quadro comparativo a
seguir apresentará as principais diferenças entre os dois tipos:
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Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
(4) Se há perturbações, elas dependem de alterações mínimas, (4) Se há perturbações, elas dependem secundariamente de deficiências
tão mínimas que não são detectadas pelos exames médicos sensoriais, neurológicas, psíquicas ou ambientais como, por
pediátricos, neurológicos, psiquiátricos, psicológicos porque exemplo: privação cultural, desvantagem socioeconômica, má
são insuficientes para identificar distúrbios e problemas no nutrição, envolvimento afetivo, facilidades de estimulação precoce,
processamento da informação. expectativas etc.
(5) As aquisições da linguagem falada, da linguagem escrita e da (5) As aquisições da linguagem falada, da linguagem escrita e da
linguagem quantitativa estão primariamente perturbadas. linguagem quantitativa estão secundariamente perturbadas.
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Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
Por motivos que são plurais, uma criança normal começa a apresentar
dificuldades para ler, escrever e raciocinar matematicamente.
No caso das DA´s primárias é muito comum a criança manter um padrão intelectual, motor e social aproximado do normal.
O desvio da conduta normal é pouco evidenciado nas DA´s primárias, mas em caso de persistências das irregularidades
na aprendizagem é possível que o quadro evolua a ponto de incluir problemas de comportamento.
Em sua maioria, as DA´s representam respostas que as crianças normais dão quando se encontram em situações adversas
de ensino. É muito comum, no atendimento clínico e mesmo institucional, verificar o surgimento de impedimentos à
aprendizagem quando os alunos são expostos a metodologias de ensino pouco criativas e conteudistas, a professores
com dificuldades de interação em sala de aula ou mesmo situações de constrangimento ou violência vividas com os
colegas. Nem sempre as delicadezas presentes nas relações em sala de aula são percebidas pelo professor ou por outros
educadores, mas elas podem atuam fortemente no sentido de promover sentimentos negativos no aluno a ponto dele
optar por não aprender, como uma forma de se defender de uma possível ameaça emocional. Infelizmente tal realidade
é muito mais comum nas escolas do que imaginamos.
Hoje em dia é comum observar a escola rotulando alunos como portadores de hiperatividade, déficit de atenção ou
mesmo deficiência mental por desconhecer a etiologia e desenvolvimento desses transtornos e por desejar medicalizar a
dificuldade para aprender, medida que a exime de sua responsabilidade diante do problema. A escola não percebe que ela
é a construtora da maioria dos quadros de não aprendizagem e, assim como se recusa a perceber o seu papel, também
se omite na reconstrução do vínculo da aprendizagem, deixando o aluno nas mãos de médicos e psicólogos que nem
sempre conseguem ajudar. Para piorar o quadro, a rotulação de uma pessoa como portadora de um déficit ou transtorno
em nada auxilia em sua recuperação, muito pelo contrário. Essa medida gera discriminação e agrega valores negativos
ao sujeito, implicando em baixa autoestima e percepção de si mesmo como incompetente.
A escola deve se preparar para lidar com as dificuldades de aprendizagem e com o fracasso escolar e o psicopedagogo é um
profissional apto a auxiliar a instituição escolar nesse sentido. É importante que o trabalho psicopedagógico institucional
atue no sentido de evitar a rotulação precoce de crianças com problemas de aprendizagem, mas também não negligencie
aquela pequena parcela de alunos que podem, de fato, apresentar transtornos que vão demandar ajuda especializada.
Atuar nos extremos, em se tratando de avaliação psicopedagógica, não é medida segura.
Ampliando a taxonomia proposta por Fonseca (1995) e assumindo uma leitura psicopedagógica das dificuldades de
aprendizagem, apontamos as principais irregularidades que caracterizam as DA´s primárias:
• Disnomia: é a incapacidade para recordar nomes próprios. Consiste em uma anomalia que é mais presente em
quadros neurológicos. Uma criança com disnomia apresenta dificuldade para recordar substantivos e nomes
próprios podendo chegar a uma alteração grave da fluidez da fala. Para diagnosticar precisamente um quadro
de disnomia é recomendável o auxílio de fonoaudiólogos e neurologistas.
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Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
apresentam dificuldades na construção da fala. O nível mental das crianças com disfasia é considerado normal.
A disfasia, em geral, se associa à dislalia (gagueira). Um exemplo de disfasia: a criança escuta um comando
simples da professora e não consegue interpretar o que deve ser feito, assim como não consegue reproduzir
a fala da professora.
• Disartria: caracteriza-se pela articulação defeituosa dos sons da fala sem comprometer, entretanto, o processo
linguístico. Em geral, essa dificuldade tem origem em distúrbios motores dos órgãos da fonação (língua e lábios)
e necessita de apoio fonoaudiológico para ser diagnosticada. Um exemplo de disartria: troca fonética dos sons
“f” e “v”, “p” e “b” como faz o personagem Cebolinha, dos quadrinhos do Maurício de Souza.
• Dislalia: é a famosa gagueira. Consiste em uma irregularidade no desenvolvimento da fala caracterizada por
hesitação repetitiva e demora na emissão das palavras. Muitas vezes inclui o prolongamento atípico dos sons.
Surge na infância, mas pode prolongar-se na vida adulta, se não for tratada adequadamente.
O psicopedagogo também deve incluir, em sua avaliação psicopedagógica, os seguintes aspectos da linguagem falada:
(a) fluência e riqueza do vocabulário; (b) pronúncia dos fonemas, sílabas e palavras; (c) sequência lógica na construção
das frases, entre outros aspectos relacionados.
• Disortografia: caracteriza-se pela presença de aglutinações, omissões, contaminações, alterações nas palavras,
gerando desorganização na estrutura das frases e sentenças. Não é fruto da falta de coordenação motora e
reflete distorções nos processos cognitivos responsáveis pela linguagem escrita. A criança com disortografia
apresenta muitos erros de ortografia que não são oriundos do desconhecimento do código gramatical e
ortográfico. Processos de letramento de pouca qualidade geram disortografia com frequência.
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
b) Discalculia Practognóstica – dificuldade para enumerar, comparar e manipular objetos reais ou em imagens
matematicamente.
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Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
• Conservar a noção de quantidade, ou seja, ela não compreende que 1 quilo corresponde a quatro pacotes de
250 gramas.
• Sequenciar números, estabelecendo relações entre antecessor e sucessor, como, por exemplo: qual é o número
que vem antes do 9 e depois do 19?
• Classificar números.
• Compreender os sinais matemáticos de soma, subtração, multiplicação, divisão, inclusão, pertença etc.
(...) um distúrbio ou transtorno de aprendizagem na área da leitura, escrita e soletração (...) sendo
um dos transtornos de maior incidência nas salas de aula. Pesquisas realizadas em vários países
mostram que entre 05% e 17% da população mundial é disléxica.
Por esses múltiplos fatores é que a dislexia deve ser diagnosticada por uma equipe multidisciplinar.
Esse tipo de avaliação dá condições de um acompanhamento mais efetivo das dificuldades após o
diagnóstico, direcionando-o às particularidades de cada indivíduo, levando a resultados mais concretos
(http://www.dislexia.org.br/, acesso em 2/05/07)
Dislexia traz em sua grafia a sua definição. O prefixo “dis”, que tem origem no termo grego “dys”, significa
“estado imperfeito ou disfunção”. O radical “lexia”, também originado do grego “léxikos”, representa o
termo “palavra, léxico, linguagem” em sua expressão mais ampla. Dislexia, portanto, é um estado imperfeito
da linguagem, uma disfunção no funcionamento do sistema léxico e que atinge a linguagem escrita como a
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linguagem falada.
A identificação de uma criança disléxica consiste em um processo minucioso que demanda avaliação cuidadosa.
É muito comum encontrar em crianças com dislexia uma nítida dificuldade na linguagem falada, na linguagem
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Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
escrita, na ortografia, além da evidência de lentidão na aprendizagem da leitura. Também são notados episódios
de disgrafia, discalculia, déficits de memória, dificuldade em aprender uma segunda língua, percepção espacial
comprometida e confusão na orientação espacial. Em decorrência desses sintomas, a criança costuma apresentar
dispersão, baixa atenção, dificuldades motoras e falta de interesse generalizado. Entretanto, para a finalização
de um diagnóstico preciso é importante uma avaliação completa e composta por vários profissionais.
Uma criança que apresenta quadro de TDAH tem enorme dificuldade em selecionar estímulos e manter o seu foco de
atenção. A desatenção, inquietude e impulsividade demandam auxílio constante de outra pessoa, pois o TDAH impede a
criança de agir sozinha para controlar o próprio comportamento. Em várias situações, essa criança é vista como mal-educada
ou sem limites, quando na verdade ela não tem condições de impedir o fluxo de hiperatividade que a acomete.
São várias as causas do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Entre o elenco de aspectos que podem
gerar esse problema destacamos: (a) a dimensão biológica, que inclui a predisposição genética; (b) a dimensão psicológica,
que compreende o desenvolvimento das funções psicológicas e do repertório comportamental e (c) a dimensão social,
expressa nos problemas de ensino e aprendizagem assim como nas crenças e valores que permeiam a educação. O TDAH
surge do entrelaçamento desses fatores e a eles está condicionado. Qualquer tentativa de identificação do TDAH e de
possíveis intervenções deve considerar sua natureza biopsicossocial.
A escola e seus profissionais, especialmente o psicopedagogo, devem conhecer com propriedade esse transtorno para
não consolidarem a prática de rotular a criança ativa e bagunceira ou mesmo a criança dispersa e pouco interessada nas
aulas como hiperativa ou portadora de déficit de atenção. Na atualidade, essa disfunção caiu no gosto popular e, junto
com a dislexia, tem sido vítima de diagnósticos equivocados, o que maximiza o problema enfrentado pelo aluno e, mais
uma vez, medicaliza a dificuldade de aprendizagem, eximindo a escola por sua parcela de responsabilidade no processo
de ensinar corretamente para que o aluno aprenda adequadamente.
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
O TDAH é caracterizado pela presença marcante de duas disfunções, que são: a desatenção e a hiperatividade/
impulsividade. Esses dois fatores se combinam e atuam de modo a potencializar um ao outro, formando um sistema
disfuncional complexo e comprometedor das funções psicológicas e sociais do sujeito. Essa composição de sintomas resulta
em uma criança “avoada”, “ligada em um motor”, “que não para nunca”, “estabanada”, “inquieta”, entre tantos outros
adjetivos pouco interessantes. Os meninos apresentam sintomas de hiperatividade em maior grau quando comparados
às meninas. Estas costumam expressar a falta de atenção com maior vigor. Apesar das diferenças de gênero ainda é
comum encontrar, tanto em meninos como em meninas, uma composição desses dois fatores.
A literatura destaca que há uma tendência de manutenção do TDAH na adolescência e na idade adulta. Se a criança que
possui essa disfunção recebe tratamento adequado na infância, a possibilidade de minimizar os efeitos da hiperatividade e
do déficit de atenção na vida adulta é bem menor. Caso não haja intervenção na infância, a probabilidade de manutenção
do transtorno na vida adulta aumenta, gerando dificuldades no trabalho, impulsividade, excesso de energia e tendência
ao uso de drogas e álcool, assim como predisposição a quadros de ansiedade e depressão.
6. Irregularidades Perceptivas
• Discriminação auditiva: caracteriza-se pela dificuldade ou mesmo incapacidade de discriminação de sons,
fonemas, sílabas e palavras acusticamente parecidas. Desenvolver um processamento auditivo eficiente é de
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Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
extrema relevância para a criança, uma vez que as deficiências que podem ocorrer no desenvolvimento do
processamento frequentemente levam a problemas na aprendizagem da leitura.
• Discriminação visual: diz respeito à habilidade em utilizar o sentido da visão para perceber e comparar as
características de itens diferentes e para distinguir um do outro. A criança com dificuldade em discriminar
visualmente objetos, figuras ou coisas pode ter seu processo de aprendizagem prejudicado.
• Figura-fundo: este tipo de discriminação relaciona-se à habilidade em separar uma forma impressa no seu
fundo. Todos os cenários visuais contêm objetos que compõe o fundo e outros que constituem elementos
sobrepostos ao fundo. Essa percepção, quando prejudicada, impede o andamento regular do processo de
aprendizagem. Existe também a discriminação auditiva de figura-fundo, que representa a habilidade em distinguir
sons relevantes em um contexto de ruídos de fundo. Exemplo: uma criança pode apresentar dificuldade para
perceber figuras definidas sob um fundo indefinido e ambíguo, confundindo-se do ponto de vista perceptivo. Essa
não discriminação pode gerar dificuldades na aquisição da linguagem, pois tudo o que está escrito sobrepõe-se
a um fundo.
• Posição e relação espacial: diz respeito à posição que os objetos ocupam no espaço e as relações existentes
entre eles: quem está à direita, quem está à esquerda, quem está acima, quem está abaixo etc. A criança
precisa construir sólidas percepções de posição e relação espacial. Seu aprendizado depende muito desta
competência. Até para escrever é necessário discriminar a ordem da escrita, das palavras e das letras.
• Estruturação espaço-temporal: é uma conservação que permite à criança construir a sua realidade em uma
dimensão espacial e temporal. Ocorre depois dos 7 anos, quando a criança começa a operar mentalmente e
domina os conceitos de tempo e espaço.
• Praxia fina (visuomotricidade): é a habilidade em usar de forma eficiente os pequenos músculos, produzindo
movimentos delicados e específicos. Este tipo de coordenação permite dominar o ambiente, pois especializa
o movimento da pinça (ato de pegar com os dedos) propiciando o manuseio de diferentes objetos, a saber:
recortar, rasgar, escrever, acertar em um alvo, costurar, incluindo todos os movimentos que necessitam de
precisão.
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Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
As dificuldades de aprendizagem de ordem secundária apresentam alterações biológicas e orgânicas específicas, assim
como transtornos comportamentais e emocionais evidentes. No rol das alterações biológicas e orgânicas podem surgir
lesões cerebrais, paralisia cerebral, epilepsia e deficiência mental em distintos graus. O sistema sensorial também pode ser
afetado gerando deficiência auditiva, hipoacusia, deficiência visual e ambliopia. Como consequência das causas biológicas,
há também as DA’s que afetam a habilidade de discriminação, a síntese mental e verbal e as competências de memória.
a propriedades ou bens; (c) roubo, acompanhado ou não de sérias violações de regras; (d) comportamento provocativo,
de ameaça ou intimidação, podendo incluir intimidação, luta ou uso de armas; (e) atos fisicamente cruéis com pessoas
ou animais e (f) violência física e sexual.
Os padrões emocionais das crianças com DA’s secundárias também sofrem alterações e refletem condições intrínsecas
que originam os impedimentos à aprendizagem, como, por exemplo, os quadros ansiosos da personalidade, transtornos
obsessivo-compulsivos, neuroses e psicoses, como a esquizofrenia, o autismo infantil, entre outras. Pode ocorrer, também,
a depressão infantil ou da adolescência, patologias que demandam um diagnóstico preciso e intervenção terapêutica.
As crianças estão sujeitas a disfunções emocionais tanto quanto os adultos, mas em geral alimenta-se a crença de que
na infância não existe “quadro nervoso” e os comportamentos atípicos que surgem tendem a ser compreendidos muito
mais como falhas no sistema educacional parental do que um possível distúrbio emocional. A falta de informação, tanto
da família quanto da escola, acerca dos problemas emocionais que podem acometer uma criança termina por favorecer
uma situação de diagnóstico pobre e baixa incidência de intervenção terapêutica e médica. Em decorrência desse tipo de
conduta, abre-se campo fértil para a proliferação das dificuldades de aprendizagem de ordem secundária e também para
o surgimento de problemas de relacionamento e interação escolar e social de um grande número de crianças.
A sala de aula é um espaço de interações sociais bastante propício ao surgimento de situações psíquicas significativas
que podem ser trabalhadas adequadamente, ou não, pelo professor. Se houver preparo docente de qualidade há chances
de o professor minimizar conflitos e buscar ajuda especializada para auxiliar seus alunos que emitem comportamentos
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Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
desviantes. Se não há preparo docente para lidar com situações do gênero certamente haverá agravamento significativo
das condições emocionais problemáticas dos indivíduos. Esse cenário pode potencializar o quadro de dificuldades
emocionais, intrínsecas ou extrínsecas, ocasionando consequências que podem perdurar na vivência familiar e social do
aluno. O psicopedagogo tem grandes contribuições a prestar em contextos desse tipo, mas também necessita estar apto
e deter conhecimento consistente sobre o desenvolvimento emocional da criança para poder auxiliar.
Quando falamos de dificuldades de aprendizagem secundárias é interessante trocar o termo irregularidades de condutas
por padrões de comportamentos desviantes. Esse cuidado é importante, pois os quadros que evidenciamos nas DA´s
secundárias é, em geral, bem mais comprometedor da saúde emocional e mental da criança do que nas DA´s primárias.
Sendo assim, as principais categorias de comportamentos desviantes que caracterizam as DA´s secundárias são:
1. Condutas desviantes causadas por afecções biológicas: incluem patologias do sistema nervoso central, como
as lesões cerebrais, a paralisia cerebral e a epilepsia. Também incluem deficiências sensoriais, como a auditiva, visual,
hipoacusia etc. Esses padrões de comportamentos desviantes são originados por danos biológicos de natureza difusa e
que comprometem gravemente o desempenho do sujeito nos processos de ensino e aprendizagem.
2. Problemas de comportamento: caracterizam-se por uma série de transtornos de conduta que têm sua origem em
conflitos relacionais e interativos, além da presença de componentes genéticos e biológicos. Com relação aos problemas
de comportamento destacamos:
• Comportamento Reativo: corresponde a padrões de comportamentos atípico e desviante que surgem como
reação a situações diversas, como stress, vivência de um trauma, quadro médico, forte impacto emocional,
entre outros. O sujeito desenvolve comportamento reativo como forma de se proteger ou mesmo lidar com a
carga emocional vivenciada, podendo retornar ao estado anterior ou não.
• Psicoses: transtorno psicológico cujo aspecto central é a perda do contato com a realidade, dependendo da
intensidade da psicose. Quando não estão em crise, os psicóticos conseguem estabelecer padrões de interações
regulares com o mundo real. Quando essa característica é alterada, o sujeito começa a relacionar-se com objetos
e coisas inexistentes no “mundo real”, criando sua realidade paralela. Em geral, surgem os quadros de delírio,
considerado pelos especialistas como um dos principais sintomas das psicoses. Um delírio psicótico consiste
em uma convicção inabalável, incompreensível e absurda da realidade que o sujeito adota para si. Também
estão presentes em quadros psicóticos as alucinações, o discurso desorganizado e comportamento catatônico.
Entre as psicoses encontramos quadros de: (a) paranoia; (b) esquizofrenia; (c) autismo e (d) psicoses reativas.
( ) os transtornos (específicos do desenvolvimento das habilidades escolares) são aqueles nos quais as
modalidades habituais de aprendizado estão alteradas desde as primeiras etapas do desenvolvimento.
O comprometimento não é somente a consequência da falta de oportunidade de aprendizagem ou de
um retardo mental, e ele não é devido a um traumatismo ou doença cerebral (p. 365).
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Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
Fazem parte da categoria “Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares (F81)”, de acordo
com o CID, as seguintes subcategorias:
F81.3 – Transtorno misto das habilidades escolares: alteração significativa tanto do cálculo quando da leitura ou
da ortografia, não atribuíveis a retardo mental global ou a escolarização inadequada (p.366).
F81.8 – Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares: são incapacidades que surgem na
aquisição da linguagem escrita e falada (p.366).
F81.9 – Transtornos não especificados do desenvolvimento das habilidades escolares não especificado:
incapacidades de aprendizagem sem origem específica, aquisição de conhecimentos sem origem específica e transtorno
de aprendizagem sem origem específica (p.366).
Já o DSM.IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) define a dificuldade de aprendizagem como
“transtornos da aprendizagem que são diagnosticados quando os resultados do indivíduo em testes padronizados e
individualmente administrados de leitura, matemática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado
para sua idade, escolarização e nível de inteligência” (http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php, acesso em 05/05/07).
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
De acordo com o DSM IV, há evidência de que as taxas de evasão escolar de crianças e adolescentes com Transtornos da
Aprendizagem são de, aproximadamente, 40%. Já os adultos com Transtornos da Aprendizagem podem ter dificuldades
significativas no emprego ou no ajustamento social.
Os Transtornos de Aprendizagem não podem ser considerados como variações normais na vida acadêmica do sujeito, em
que encontramos quadros transitórios de dificuldades escolares. Fatores exógenos, como a baixa qualidade de ensino,
situação de privação social e econômica, ausência de oportunidades de ensino e trabalho podem gerar dificuldades
no processo de aprendizagem; entretanto, esses impedimentos não são considerados “transtornos de aprendizagem”,
segundo o DSM IV. Estes últimos são sempre originários de déficits sensoriais, funcionamento intelectual comprometido
e patologias diversas.
De acordo com o DSM IV, os Transtornos de Aprendizagem (F81) incluem as seguintes subcategorias:
34
Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
individualmente) substancialmente inferior ao esperado para a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade
do indivíduo (Critério A). A perturbação da leitura interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades
da vida cotidiana que exigem habilidades de leitura (Critério B). Na presença de um déficit sensorial, as dificuldades de
leitura excedem aquelas habitualmente associadas (Critério C). Caso esteja presente uma condição neurológica, outra
condição médica geral ou outro déficit sensorial, estes devem ser codificados. Em indivíduos com Transtorno da Leitura
(também chamado dislexia), a leitura oral caracteriza-se por distorções, substituições ou omissões.
[...]
F81.2 – 315.1 Transtorno da Matemática: A característica essencial do Transtorno da Matemática consiste em uma
capacidade para a realização de operações aritméticas (medida por testes padronizados, individualmente administrados,
de cálculo e raciocínio matemático) acentuadamente abaixo da esperada para a idade cronológica, a inteligência medida
e a escolaridade do indivíduo (Critério A). A perturbação na matemática interfere significativamente no rendimento
escolar ou em atividades da vida diária que exigem habilidades matemáticas (Critério B). Em presença de um déficit
sensorial, as dificuldades na capacidade matemática excedem aquelas geralmente a este associadas (Critério C). Caso
esteja presente uma condição neurológica, outra condição médica geral ou déficit sensorial, isto deve ser codificado.
Diferentes habilidades podem estar prejudicadas no Transtorno da Matemática, incluindo habilidades “linguísticas” (por
ex., compreender ou nomear termos, operações ou conceitos matemáticos e transpor problemas escritos em símbolos
matemáticos), habilidades “perceptuais” (por ex,. reconhecer ou ler símbolos numéricos ou aritméticos e agrupar objetos
em conjuntos), habilidades de “atenção” (por ex., copiar corretamente números ou cifras, lembrar de somar os números
“levados” e observar sinais de operações) e habilidades “matemáticas” (por ex., seguir sequências de etapas matemáticas,
contar objetos e aprender tabuadas de multiplicação).
[...]
F81.8 – 315.2 – Transtorno da Expressão Escrita: A característica diagnóstica essencial do Transtorno da Expressão
Escrita consiste de habilidades de escrita (medidas por um teste padronizado individualmente administrado ou avaliação
funcional das habilidades de escrita) acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a
inteligência medida e a escolaridade apropriada à idade do indivíduo (Critério A). A perturbação na expressão escrita
interfere significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária que exigem habilidades de escrita
(Critério B). Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades nas habilidades de escrita excedem aquelas geralmente
a este associadas (Critério C). Caso esteja presente uma condição neurológica, outra condição médica geral ou déficit
sensorial, isto deve ser codificado. Geralmente existe uma combinação de dificuldades na capacidade do indivíduo de
compor textos escritos, evidenciada por erros de gramática e pontuação dentro das frases, má organização dos parágrafos,
múltiplos erros ortográficos e caligrafia excessivamente ruim. Este diagnóstico em geral não é dado quando existem
apenas erros ortográficos ou fraca caligrafia, na ausência de outros prejuízos na expressão escrita. Em comparação
com outros Transtornos da Aprendizagem, sabe-se relativamente menos acerca dos Transtornos da Expressão Escrita e
sobre seu tratamento, particularmente quando ocorrem na ausência de Transtorno da Leitura. À exceção da ortografia,
os testes padronizados nesta área são menos acuradamente desenvolvidos do que os testes de leitura ou capacidade
matemática, podendo a avaliação do prejuízo nas habilidades escritas exigir uma comparação entre amostras amplas
do trabalho escolar escrito do indivíduo e o desempenho esperado para sua idade e QI. Este é especialmente o caso de
crianças pequenas, das séries escolares iniciais. Tarefas nas quais a criança é solicitada a copiar, escrever um ditado
e escrever espontaneamente podem ser necessárias para o estabelecimento da presença e extensão deste transtorno.
Pós-Graduação a Distância
[...]
F81.9 – 315.9 – Transtorno da Aprendizagem Sem Outra Especificação: Esta categoria envolve os transtornos
da aprendizagem que não satisfazem os critérios para qualquer Transtorno da Aprendizagem específico, podendo incluir
problemas em todas as três áreas (leitura, matemática, expressão escrita) que, juntos, interferem significativamente no
rendimento escolar, embora o desempenho nos testes que medem cada habilidade isoladamente não esteja acentuadamente
abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade apropriada à idade do
indivíduo (http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php, acesso em 05/05/07).
35
Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem Unidade II
Para finalizar este capítulo é importante sinalizar a opção aqui feita por compreender as dificuldades de aprendizagem
sob a ótica psicopedagógica, ou seja, enfatizando os aspectos escolares como eixos de entendimento dos impedimentos à
aprendizagem. Entretanto, o psicopedagogo que pretende atuar em instituições escolares, além de uma forte e consistente
visão psicopedagógica das DA´s, deve possuir também conhecimentos abrangentes sobre esse tema, o que inclui a
perspectiva psicológica e médica destacada pelas classificações do CID e do DSM IV.
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
36
Unidade III
O Sucesso Escolar
Neste capítulo vamos abordar o trabalho psicopedagógico como ferramenta de promoção do sucesso escolar. Ao longo deste
Caderno de Estudos discutimos com propriedade sobre o fracasso escolar e seus efeitos danosos, tanto para o indivíduo quanto
para o tecido social e econômico de um país. Esmiuçamos as dificuldades de aprendizagem em suas dimensões taxonômicas
e componenciais com o propósito de compreender a dinâmica e a estrutura de seu funcionamento. Todos esses saberes são
indispensáveis para uma prática psicopedagógica de qualidade e capaz de promover transformações no cenário escolar e de
aprendizagem. Entretanto, prevenir ou tratar dificuldades de aprendizagem não representam as preocupações centrais de
um profissional de psicopedagogia. Este profissional não só pode como deve se comprometer, especialmente, com o cultivo
do sucesso escolar, aspecto fundamental da experiência educacional de todo sujeito e tão pouco abordado na literatura.
Segundo Perrenoud (2003), a medida do sucesso escolar ainda é vista como a composição de dois fatores, a saber: (a) o
grau de desempenho acadêmico do aluno, ou seja, suas notas e índices de aprovação e (b) a classificação das instituições
de ensino por meio de diferentes sistemas de avaliação dos cursos. Este sistema tem seus méritos e estabelece relações
diretas entre desempenho dos alunos e desempenho das instituições de ensino nos sistemas de avaliação, mas há
problemas que necessitam de esclarecimentos, pois mascaram as possibilidades de promoção do sucesso escolar, que
não pode ser confundido com alto desempenho acadêmico apenas.
Uma instituição de ensino, ao alcançar médias elevadas em sistemas de avaliação, tende a construir uma reputação
bastante favorável. Muitas vezes, em nome da manutenção dessa reputação, essas instituições estabelecem padrões
de exigência tão altos que terminam por expulsar de seus quadros os alunos que apresentam dificuldades relacionadas
Pós-Graduação a Distância
ao processo de ensino e aprendizagem. O sucesso, neste caso, surge pela exclusão do aluno necessitado de auxílio e
pela valorização do aluno que se adaptou ao sistema didático e pedagógico do estabelecimento de ensino. Podemos
caracterizar esse contexto como favorável ao sucesso escolar? Parece que não.
A tendência em compensar grandes índices de reprovação e evasão com a supervalorização de bons desempenhos
acadêmicos individuais também é medida adotada por muitas escolas e que mascaram um legítimo processo de promoção
do sucesso escolar. É muito comum ver em outdoors, espalhados pelas cidades, propagandas que destacam os primeiros
colocados em vestibulares e processos de seleção e ingresso em universidades ou mesmo cargos profissionais como um
indicativo de que aquela instituição tem qualidade de ensino e seus alunos obtêm sucesso em suas trajetórias escolares.
37
O Sucesso Escolar Unidade III
E os alunos que não obtiveram os primeiros lugares ou mesmo não foram classificados em vestibulares ou processos
seletivos? O que fazer com eles? Esquecê-los? Deixá-los à margem do sucesso, com a sensação de que quase chegaram
lá? Esse enfrentamento deve ser feito por todas as instituições de ensino que pretendem promover o sucesso escolar
para todos os alunos, não somente para uma elite que obtêm desempenho favorável.
Há aspectos relacionados ao sucesso escolar que fogem do domínio da escola, mas que podem e devem ser considerados
por ela como parte de um programa que objetive o sucesso escolar de todos os alunos. As condições socioeconômicas
do aluno, possíveis privações vivenciada por ele, contextos familiares disfuncionais, presença de doenças físicas ou
psicológicas, enfim, distintos fatores impeditivos do sucesso na escola vão surgir no espaço escolar e não podem ser
ignorados por ele.
Uma boa escola, portanto, não é aquela que tem os melhores alunos.
Uma boa escola é aquela que promove sucesso escolar para todos
os seus alunos.
Há muita coisa a ser trabalhada na escola no sentido da promoção do sucesso e da realização escolar. Perrenoud (2003)
comenta:
A escola deve, sob o risco de ser fortemente questionada, assegurar o sucesso do maior número
de alunos, não importa em que classe e em que tipo de estabelecimento: a sociedade não pode
hoje tolerar que três quartos dos alunos repitam de ano. A avaliação, inscrita no funcionamento
“normal” do sistema escolar é, pois, modulada em função dos contextos locais e dos contratos
didáticos, de modo que se mantenha psicologicamente sustentável e socialmente aceitável. Mas
as avaliações de sistema, que permitem comparar dados, não possuem tais restrições e podem
“levar a sério os objetivos de formação”, o que supõe não somente construir um outro quadro
das desigualdades em razão da padronização das provas, como também estimar de modo menos
favorável a eficácia do sistema (p. 3).
Mas, afinal, o que é o sucesso escolar? É ter boas notas? É passar de ano? É não ser reprovado? Será que é isso?
Passar de ano, ter boas notas e não sofrer reprovações definem o sucesso escolar de uma pessoa? Esses critérios são
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
suficientes para que ela tenha sucesso ao longo de sua vida? Esta é uma questão que não permite respostas simplistas.
O conceito de sucesso encerra uma dimensão subjetiva relevante. Ter sucesso é algo que se relaciona aos valores e
às crenças de uma sociedade. Além desse condicionante sociocultural, “ter sucesso” é algo que se transforma com o
tempo, com a evolução do conhecimento, das tecnologias, dos costumes. Entretanto, quando falamos de sucesso escolar
parece que o grande elemento definidor é o desempenho acadêmico, o histórico escolar com notas altas, a ausência de
reprovações. O sucesso, assim como o fracasso escolar, é definido pela escola, a ela está submetido e, muitas vezes,
exclui a dimensão subjetiva contida no conceito de êxito. Não interessa o que o aluno pensa acerca do sucesso. Para
que ele obtenha sucesso “na escola” deve atender aos critérios definidos pela instituição escolar.
38
O Sucesso Escolar Unidade III
Observamos dois aspectos relacionados ao sucesso escolar e que não podem ser considerados isoladamente. O primeiro
diz respeito ao que o sujeito compreende como obter sucesso na escola. Muitas vezes, o aluno se dá por satisfeito e se
sente vitorioso com um desempenho bom, porém não excelente. Seu conceito de sucesso é permeado por seus valores,
desejos e aspirações. O segundo aspecto diz respeito às concepções da escola sobre o que é o sucesso escolar. Em geral,
a instituição de ensino condiciona uma trajetória escolar bem sucedida à aquisição de excelentes notas e evitação de
situações de fracasso. O aluno pode, apesar do rígido padrão institucional, sentir-se realizado academicamente. Pode
contar com o apoio de sua família nesse sentido, mas de nada adiantará porque o rótulo de bem ou mal sucedido será,
em última instância, atribuído pela escola.
Essa predominância dos valores escolares sobre os valores individuais é, por si só, fator de promoção de fracasso
escolar, não de sucesso. A escola conhece a complexidade que permeia o processo de ensino e aprendizagem, sabe (pelo
menos teoricamente) que os sujeitos têm estilos cognitivos diferenciados, expectativas particulares com relação ao seu
desempenho, desejos singulares de aprender determinados conteúdos em detrimento de outros. A instituição escolar
também reconhece que o ato de ensinar e aprender é sensível a inúmeras variáveis, a saber: o aluno, o professor, as
crenças e valores de ambos, a organização curricular, as metodologias de ensino, as estratégias pedagógicas, os recursos
disponíveis, os processos interativos e relacionais, entre tantas outras.
Ensinar não é via de mão única, assim como aprender. São processos
dialeticamente relacionados e que dependem da mediação adequada
e dos processos interativos em sala de aula. Ensinar e aprender
dependem, acima de tudo, das relações entre as pessoas, além de
inúmeras outras competências docentes.
A promoção do sucesso escolar permeia todos esses aspectos e só acontecerá quando houver ciência de que múltiplos
fatores participam dessa empreitada e necessitam ser considerados em conjunto no momento de elaboração das estratégias
de construção de um ensino que favoreça o sucesso na aprendizagem, na vida escolar e na vida pessoal.
Algumas sugestões favorecedoras do sucesso escolar podem ser deduzidas dessa discussão. Vamos tratá-las como pontos
de reflexão que podem desencadear políticas de sucesso escolar. O psicopedagogo que atua no âmbito institucional
necessita dominar essa discussão com profundidade. Um dos seus papéis na escola é lutar por um ensino de qualidade e
ser promotor de sucesso e realização para o aluno; portanto, ele deve prestar muita atenção aos argumentos elencados
a seguir:
• Uma escola que pretende promover sucesso no processo de ensino e aprendizagem deve abrir mão de padrões
e valores quantitativos que consideram apenas o bom desempenho como indicador de realização do aluno.
• Todas as dimensões que estruturam o ato de ensinar e aprender devem ser consideradas como ferramentas
promotoras de sucesso na escola. Portanto, muita atenção para com valores, crenças, métodos, estratégias
pedagógicas, relação professor-aluno, interações em sala de aula e tantos outros aspectos que precisam se
Pós-Graduação a Distância
adequar às demandas do aluno, da sua família, da comunidade e do contexto social na busca do sucesso
escolar.
• As pesquisas mostram que alunos estimulados e que contam com apoio familiar apresentam melhor desempenho
escolar. Trabalhar com a família do aluno é fator decisivo na busca do sucesso na escola. Criar ambientes
culturais e educacionais ricos e desafiadores, que se estendam para além do momento didático da sala de
aula, também é medida aconselhável.
39
O Sucesso Escolar Unidade III
• Não esquecer que uma escola promotora de sucesso escolar não é aquela que recebe o bom aluno e agrega
aos seus conhecimentos certa quantidade de saberes a mais. A boa escola é aquela que recebe todo tipo de
aluno e que trabalha no sentido de promover ensino de qualidade, favorecendo o sucesso de todos.
E, finalmente, a escola promotora de sucesso escolar é aquela que entende que as pessoas aprendem de modos diferentes,
em ritmos distintos. Ela respeita as individualidades, potencializa os talentos de seus alunos, polindo as arestas das
dificuldades, apostando no sucesso de cada criança e sabendo que esse sucesso não atende apenas ao padrão da boa
nota, mas, especialmente, às crenças e desejos de cada aluno de se sentir pleno e realizado. Se a escola faz diferença
na vida do aluno para o bem, então ela é capaz de promover o sucesso escolar.
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
40
Referências
CATARINO, Maria Cristina. Ferramentas estatísticas básicas para o gerenciamento de processos. Belo Horizonte:
Fundação Cristiano Otoni, Escola de Engenharia da UFMG, 1995. (série Ferramentas da qualidade)
CID-10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Décima Revisão –
Volume I, 2000, <http://www.datasus.gov.br/cid10/webhelp/cid10.htm>, acesso em 5/5/2007.
PERRENOUD, P. Sucesso na escola: só o currículo, nada mais que o currículo! Cadernos de Pesquisa, 2003, n.119,
pp. 9-27.
ZORZI, J. L. Dificuldades na leitura e escrita. Contribuições da fonoaudiologia. Psicopedagogia, 13 (29), 15-23, 1994.
WERNECK, Hamilton. Como encantar alunos da matrícula ao diploma. 3.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
XAVIER, Antonio C. da R.; AMARAL SOBRINHO, José. Como elaborar o Plano de Desenvolvimento da Escola:
aumentando o desempenho da escola por meio do planejamento eficaz. 2.ed. Brasília: Programa FUNDESCOLA, 2006.
XAVIER, Antônio Carlos Ressurreição et al. Gestão escolar: desafios e tendências. Brasília: IPEA, 1994.
Pós-Graduação a Distância
41
Textos Complementares
Referência:
Santos, L. C.; Marturano, E. M. (1999). Crianças com dificuldade de aprendizagem: um estudo de seguimento.
Psicologia Reflexão e Crítica, vol. 12, 2, pp. 377-394.
Luciana Carla dos Santo
Edna Maria Marturano
Universidade de São Paulo/Ribeirão Preto
Resumo
Considerando que dificuldades de aprendizagem são fator de vulnerabilidade no desenvolvimento, intensificadas quando
presentes outras condições adversas, buscou-se verificar a associação entre condições antecedentes e ajustamento
atual, em adolescentes que, quando crianças, foram atendidos em um ambulatório de psicologia por dificuldades de
aprendizagem. Os adolescentes e suas mães foram entrevistados. Dados referentes às condições de vida na época do
atendimento foram obtidos em prontuários. Avaliados 41 adolescentes de ambos os sexos, com idade média de 13 anos
e nove meses, foram constituídos dois grupos: G1, com nove adolescentes encaminhados a serviços de Saúde Mental
por apresentarem atualmente dificuldades severas de ajustamento; G2, com dez adolescentes apresentando dificuldades
mínimas de ajustamento. Comparando os grupos, observou-se maior acúmulo de fatores negativos antecedentes, familiares
e pessoais, no grupo de adolescentes com pior ajustamento atual. Torna-se clara a necessidade de acompanhamento
psicológico das crianças com dificuldade de aprendizagem associada a outras condições de vulnerabilidade.
Abstract
Considering that learning problems are a vulnerability factor throughout child development, mainly when other adversities
are present, this research investigated the association between past conditions and present adjustment in adolescents
who have attended a child guidance clinic because of their learning difficulties. The adolescents and their mothers
were interviewed and data related to past life conditions were taken from their files. We assessed 41 adolescents of
both sexes, with an age mean of 13,8 years. Of those, two groups were constituted. The first had nine adolescents
referred to mental health services because of severe adjustment problems. The second, ten adolescents with minimal
adjustment difficulties. The comparison between groups showed more personal and familiar negative past conditions
among adolescents with poorer present adjustment. These results point to the need for psychological follow-up of children
presenting learning problems associated with other vulnerability conditions.
42
Textos Complementares
Dificuldades de aprendizagem são vistas como uma condição de vulnerabilidade psicossocial (RUTTER, 1987). A criança
com dificuldade na aprendizagem pode desenvolver sentimentos de baixa autoestima e inferioridade (ERIKSON, 1971).
Dificuldades na aprendizagem escolar frequentemente são acompanhadas de déficits em habilidades sociais e problemas
emocionais ou de comportamento; essas associações se verificam, tanto quando se empregam critérios mais restritivos
de identificação das dificuldades de aprendizagem (KAVALE & FORNESS, 1996), como em abordagens genéricas do
insucesso escolar (HINSHAW, 1992). Assim, essa condição, quando persistente e associada a fatores de risco presentes
no ambiente familiar e social mais amplo, podem afetar negativamente o desenvolvimento do indivíduo e seu ajustamento
em etapas subsequentes.
Na adolescência, o fracasso escolar persistente traz o risco de desadaptação psicossocial associado à evasão. O
abandono da escola pode levar ao subemprego, à probabilidade aumentada de afiliar-se a grupos marginalizados e a
outras circunstâncias que restringem o acesso a oportunidades favoráveis e aumentam a probabilidade de desadaptação
(MAUGHAN, GRAY & RUTTER, 1985).
Estudos de seguimento confirmam a condição de vulnerabilidade de adolescentes que apresentaram e/ou apresentam
dificuldades de aprendizagem. A maior parte dos estudos disponíveis trata de dificuldades de aprendizagem diagnosticadas.
Os adolescentes afetados mostram mais sinais de mau ajustamento pessoal e mais comportamentos antissociais (SPREEN,
1982), e apenas uma minoria se relaciona satisfatoriamente com seus companheiros (MCKINNEY,1989). Um estudo de
seguimento, realizado em nosso meio, indicou que uma em cada cinco crianças referidas para atendimento psicológico
em virtude de baixo rendimento escolar apresentou problemas sérios de adaptação na adolescência, como envolvimento
com drogas, incidentes criminais e conflitos intensos nos relacionamentos (MARTURANO, 1997).
A dificuldade de relacionamento é uma variável que aumenta a vulnerabilidade do adolescente com problemas na
aprendizagem, dada a importância dos relacionamentos com os pares nessa fase do desenvolvimento. Por outro lado, a
família e as relações parentais também afetam a vida dos adolescentes, pois os sentimentos de apego, nesta fase, devem
estar seguros para promover a competência social com os pares, ajustamento emocional, autoestima e menor dependência
do suporte externo. A forma como os pais encaram a paternidade e as práticas educativas que utilizam fazem parte deste
processo, que sofre a influência de diversas variáveis como características dos próprios pais, características dos filhos,
contexto social, expectativas de pais e filhos, história prévia dos pais enquanto filhos, entre outras. A interação destes
fatores leva a práticas parentais que agem, direta ou indiretamente, nos comportamentos, sentimentos e habilidades
dos filhos (HART, LADD & BULERSON, 1990).
Pesquisas de seguimento realizadas entre a meninice e a adolescência apontam que crianças que apresentaram
comportamentos agressivos, mesmo que controlados, naquela fase, continuavam a apresentar tais comportamentos
na adolescência, sendo estes comportamentos mais intensos quando comparados com adolescentes que não haviam
apresentado tais características na meninice. Parece existir ainda alta correlação entre a estabilidade de comportamentos
agressivos, no período que vai da meninice à adolescência, por um lado, e, por outro, maiores adversidades familiares e
práticas educativas autoritárias. Indivíduos que apresentavam maior estabilidade da agressividade entre a meninice e a
adolescência pertenciam a famílias que haviam passado por maiores adversidades ambientais e/ou famílias que aplicavam
práticas educativas mais autoritárias, não promovendo o autocontrole em seus filhos (FELDMAN & WEINBERGER, 1994;
TREMBLAY & HAAPASALO, 1994). Adolescentes que vêm de ambientes familiares inadequados, com práticas inafetivas,
aparecem como menos populares, menos aceitos pelos pares e com maior probabilidade de dificuldades no ajustamento
socioemocional e acadêmico (HART e COLS., 1990).
Pós-Graduação a Distância
Acresce que, com o passar dos anos de escolaridade dos filhos, os pais passam a monitorá-los menos. O envolvimento
adequado dos pais com a escolaridade dos filhos promove não só o envolvimento dos filhos com esta, como também um
melhor rendimento escolar e bom nível de autoestima (DEBARYSHE, PATTERSON & CAPALDI, 1993). A valorização, o
engajamento e o encorajamento dos pais com relação à escolaridade dos filhos promovem nos filhos a motivação intrínseca
para o aprendizado, e parecem associados ao maior grau de iniciativa dos filhos em sala de aula. Em contrapartida, pais
que não se envolvem, não se engajam com a escolaridade dos filhos, ou cobram de maneira excessiva, geram um baixo
nível de motivação intrínseca e um alto nível de motivação extrínseca, sendo que estes adolescentes têm baixa iniciativa
em sala de aula (GINSBURG & BRONSTEIN, 1993).
43
Textos Complementares
O ambiente familiar sofre influências de diferentes variáveis, advindas de contextos com os quais pais e filhos interagem. A
influência dessas variáveis sobre os pais parece associada a alterações em suas práticas educativas e, consequentemente, ao
seu envolvimento com a escolaridade dos filhos. Entre as variáveis que parecem interferir diretamente nas práticas educativas
temos: dificuldades econômicas, dificuldades conjugais, psicopatologias parentais, estressores do dia a dia, entre outras. Estas
variáveis, que agem como pressões na vida familiar, influenciam de diferentes maneiras em cada fase do desenvolvimento
dos filhos (DODGE, 1990; FAUBER, FOREHAND, MCTHOMAS & WIERSON, 1990; GRYCH & FINCHAM, 1990).
Diferentes variáveis influenciam no risco de desajuste socioemocional e acadêmico dos adolescentes. Parece difícil uma
relação direta entre uma dada variável e um problema de desajuste específico. No entanto, tem-se de forma bastante
clara que, quanto maior o número de variáveis que agem de forma negativa sobre o ambiente familiar, práticas educativas
e filhos, maior a vulnerabilidade dos filhos e probabilidade de apresentarem problemas de ajustamento e desempenho
(FERGUSSON, HORWOOD & LAWTON, 1990; SAMEROFF, SEIFER, BALDWIN & BALDWIN, 1993). Assim, ao se pensar
no ajustamento atual de adolescentes que, quando crianças, apresentaram dificuldades de aprendizagem, temos que
considerar as variáveis ligadas à família e ao adolescente, além das novas características deste período do desenvolvimento.
Diante desse contexto, o presente trabalho teve como objetivo verificar como se encontram, quanto a condições
adaptativas, ex-clientes de uma clínica-escola de Psicologia, que foram atendidos em razão de dificuldades de aprendizagem
e receberam alta clínica. Buscou-se verificar a situação atual desses clientes, atualmente adolescentes, quanto à
escolaridade e aos relacionamentos familiares e sociais mais amplos. Procurou-se alcançar esse objetivo através de
um estudo de seguimento, em que a situação pessoal atual do adolescente foi associada com variáveis presentes em
dois momentos de seu percurso de vida: a) características pessoais (recursos e dificuldades) e ambientais (recursos e
adversidades) relatadas por ocasião do atendimento; b) características do ambiente atual, relatadas no seguimento.
Esse delineamento se baseou em dois pressupostos: o primeiro era que adolescentes com melhor adaptação atual teriam
contado com condições mais favoráveis, quer pessoais, quer familiares, em seu percurso da meninice à adolescência; o
segundo, que tais condições se refletiriam nas medidas obtidas em dois momentos desse percurso.
Método
Participantes
A amostra deste estudo foi composta de 41 adolescentes (26 meninos), com média de idade de treze anos e nove meses, e
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
suas respectivas mães ou responsáveis. Esses adolescentes, quando crianças, haviam passado por avaliação e atendimento
psicopedagógico de no mínimo seis meses, em uma clínica-escola de Psicologia, por dificuldade na aprendizagem escolar,
e haviam recebido alta clínica há pelo menos dois anos (média três anos).
Instrumentos e Procedimentos
Primeira Fase: Início do Atendimento
Para a identificação dos recursos e adversidades na família e recursos e dificuldades da criança no início do atendimento,
foram consultados os registros referentes às entrevistas de anamnese, realizadas durante o processo diagnóstico, de acordo
com um roteiro padronizado que inclui os seguintes tópicos: queixa, história escolar, trajetória de desenvolvimento, ambiente
de desenvolvimento e aprendizagem, dinâmica familiar e relacionamentos sociais. As informações foram classificadas
quanto a recursos e adversidades apresentados pela família e recursos e dificuldades apresentados pela criança no início
do atendimento, utilizando-se o Guia para Classificação de Recursos e Adversidades, previamente elaborado e testado por
Marturano, Alves e Santa Maria (1996). Esse guia inclui as seguintes classes de recursos e adversidades na família: condições
pré-natais, condições duradouras, eventos desestabilizadores, relacionamento pais-criança, sentimentos e crenças dos pais
sobre a criança, práticas educativas, condições incidindo sobre a mãe, aspectos ligados ao desenvolvimento e aprendizagem,
ambiente social mais amplo. Quanto às classes relacionadas aos recursos e dificuldades da criança são incluídas as seguintes
áreas: funcionamento cognitivo, área escolar, humor e afetos, sociabilidade, habilidades da vida diária, comportamento
44
Textos Complementares
funcional. Esta classificação, como as demais que utilizaram o mesmo guia, foi feita por uma auxiliar de pesquisa, psicóloga,
que não participou das entrevistas e desconhecia as informações sobre os adolescentes.
Os instrumentos utilizados nessa fase foram um Roteiro de Entrevista de Seguimento, a Escala Comportamental Infantil
A2 de Rutter e o Questionário de Monitoramento Parental. O Roteiro de Entrevista de Seguimento, aplicado às mães,
incluía itens referentes a evolução clínica, história escolar, novas queixas, dinâmica familiar e relacionamentos sociais.
Foi testado quanto à estabilidade em duas aplicações, com vinte dias de intervalo, realizadas com duas mães. Após as
entrevistas, os relatos foram classificados quanto aos recursos e adversidades em diferentes áreas da vida e funcionamento
da família e do adolescente. Verificada a equivalência das duas classificações, item por item, os índices de estabilidade
obtidos foram de 84% e 68%.
A Escala Comportamental Infantil A2 de Rutter, traduzida e adaptada por Graminha (1994), inclui 36 itens, fornecendo
um escore global, assim como escores relativos a problemas de saúde, hábitos e de comportamento.
O Questionário de Monitoramento Parental focaliza a supervisão fornecida pelos pais aos filhos, relatada pelos filhos.
Foi elaborado para esta investigação, a partir dos estudos de Goodyer, Wright e Altham (1990) e McNally, Einsenberg e
Harris (1991). O questionário é composto de 32 questões fechadas. Dessas, 14 são dirigidas ao tipo de monitoramento
fornecido pelo pai, 14 são dirigidas ao tipo de monitoramento fornecido pela mãe e quatro dirigidas ao tipo de monitoramento
fornecido pelos pais em conjunto. O índice médio de estabilidade, alcançado em duas aplicações, com duas semanas de
intervalo, feitas com três adolescentes, foi de 95%.
Foram enviadas cartas e/ou feitos telefonemas convidando os ex-clientes para uma entrevista de seguimento. Todas
as famílias solicitadas concordaram, com exceção de um adolescente, tendo sido realizada a entrevista, neste caso,
somente com sua mãe.
As entrevistas de seguimento foram conduzidas pela primeira autora, psicóloga com treinamento clínico, e prosseguiram
da seguinte forma: inicialmente entravam na sala mãe ou responsável e adolescente; os objetivos da pesquisa eram
explicados e, caso concordassem, a mãe assinava o Termo de Consentimento Informado. Os instrumentos eram aplicados
em entrevistas individuais, separadamente, com o adolescente e sua mãe. Em seguida, era feita uma devolução conjunta,
propondo-se, quando julgado necessário, os encaminhamentos cabíveis. Em virtude de dificuldades adaptativas detectadas
durante as entrevistas de seguimento, onze adolescentes foram encaminhados para serviços de psiquiatria ou psicologia
da comunidade.
Para investigar a associação entre a situação atual do adolescente e as condições pessoais/ambientais atuais, bem como
entre sua situação atual e as condições pessoais e ambientais anteriores, foram constituídos dois grupos, a partir dos
dados obtidos no seguimento com as mães/responsáveis e adolescentes: Grupo 1, formado pelos onze adolescentes que,
por apresentarem problemas adaptativos sérios, haviam sido encaminhados a serviços de psicologia/psiquiatria; Grupo 2,
composto pelos onze sujeitos que, na avaliação da entrevistadora, apresentavam os melhores indicadores de adaptação
escolar e social. Para verificar a adequação desse procedimento de composição dos grupos, pediu-se a uma psicóloga
com formação em Psicopedagogia Clínica que classificasse os 41 sujeitos, a partir das transcrições das entrevistas de
seguimento com a mãe/responsável e com o adolescente, em três grupos, de acordo com o grau de adaptação escolar e
Pós-Graduação a Distância
social, forçando a classificação para que cada grupo tivesse no mínimo dez sujeitos.
Comparados os dois grupos extremos resultantes dessa segunda classificação com aqueles resultantes da classificação
da entrevistadora, houve três desacordos, sendo dois no grupo dos adolescentes mais prejudicados e um no grupo
considerado mais bem adaptado. Excluídos esses casos, o Grupo 1 (G1) ficou com nove sujeitos e o Grupo 2 (G2), com dez.
A Tabela 1 apresenta uma caracterização dos dois grupos e da amostra total quanto a idade, escolaridade, atraso
escolar dos adolescentes, escolaridade dos pais, pais e adolescentes que trabalham, tempo decorrido entre a alta clínica
e seguimento e composição familiar.
45
Textos Complementares
9 anos ou mais 3 2 9
escolaridade do pai não consta 1 1 4
analfabeto 1 0 1
1 a 4 anos 3 5 14
5 a 8 anos 2 2 16
9 anos ou mais 2 2 6
Os resultados obtidos nos dois grupos foram comparados através do Teste U de Mann-Whitney (p£ 0,05).
Resultados
Primeiramente serão apresentados os resultados referentes às características das crianças e das famílias no início do
atendimento, obtidos pela classificação dos registros das entrevistas de anamnese. A Tabela 2 apresenta os resultados
da análise estatística. Nesta tabela, como nas demais, foram incluídas médias e valores de p£ 0,10 a fim de permitir não
apenas a identificação das diferenças significativas entre os grupos, mas também a visualização de tendências nos dados.
46
Textos Complementares
Tabela 2 – Diferenças entre o Grupo G1 e o Grupo G2, no ínicio do atendimento, nos itens Recursos
e Adversidades da Família e Recursos e Dificuldades da Criança.
Variável Médias G1 G2 p
Adversidades da Família
Condições pré-natais 1,2 1,0 n. s.
Adversidades crônicas 1,1 0,7 0,021
Eventos desestabilizadores 0,9 0,6 n. s.
Relacionamentos pais-criança 2,1 0,5 0,029
Sentimentos e crenças dos pais 0,3 0,0 n. s.
Sobre os filhos
Condições adversas incidindo sobre a mãe 0,9 0,0 0,008
Práticas educativas 1,2 0,8 n. s.
Falha apoio desenvolvimento e aprendizagem 1,0 0,7 n. s.
Outras dificuldades 0,4 0,3 n. s.
Ambiente social mais amplo 0,3 0,0 n. s.
Total de adversidades no ambiente 10,0 4,0 0,004
Recursos da família
Condições estáveis 0,7 0,7 n. s.
Relacionamentos pais-criança 1,4 1,9 n. s.
Práticas educativas 1,1 1,1 n. s.
Apoio para desenvolvimento e aprendizagem 4,1 2,5 0,090
Outros recursos 0,1 0,2 n. s.
Total de recursos no ambiente 7,4 6,3 n. s.
Dificuldades de criança
Funcionamento cognitivo 0,8 1,2 n. s.
Área escolar 3,9 2,8 n. s.
Humor e afetos 2,6 1,5 0,098
Sociabilidade 3,8 1,7 0,042
Habilidades de vida diária 1,2 0,5 n. s.
Comportamento funcional 2,4 1,3 0,052
Outras dificuldades 1,0 1,4 n. s.
Total de dificuldades da criança 15,7 10,4 0,012
Recursos da criança
Funcionamento cognitivo 0,6 0,3 0,071
Área escolar 1,7 0,8 n. s.
Humor e afetos 1,1 1,0 n. s.
Sociabilidade 1,7 2,7 0,052
Habilidades de vida diária 2,2 2,5 n. s.
Total de recursos da criança 8,3 7,3 n. s.
Observa-se na Tabela 2 que, nas variáveis onde se detectou diferença significativa, os escores referentes às adversidades
das famílias e dificuldades das crianças no início são sempre maiores em G1, o grupo mais prejudicado no seguimento.
Pós-Graduação a Distância
Tabela 2. Diferenças entre o Grupo G1 e o Grupo G2, no Início do Atendimento, nos Itens Recursos e Adversidades da
Família e Recursos e Dificuldades da Criança
Duas variáveis mostraram resultados próximos ao nível de significância considerado no trabalho (0,05). Essas variáveis
foram: dificuldade da criança quanto ao comportamento funcional, na qual G1 apresentou média maior que G2, e recursos
da criança quanto à sociabilidade, na qual G1 apresentou média menor que G2.
47
Textos Complementares
As Tabelas 3 a 5 apresentam os resultados referentes às condições dos adolescentes e das famílias no seguimento.
Esses dados foram obtidos do Roteiro de Entrevista de Seguimento com mãe/responsável, da ECI e do Questionário de
Monitoramento Parental. Observa-se na Tabela 3 que G1 apresenta um número significativamente maior de adversidades
relacionadas à família e dificuldades relacionadas ao adolescente. Essas adversidades e dificuldades estão ligadas a
aprendizagem, sociabilidade e relacionamentos. Quanto aos recursos dos adolescentes no seguimento, os adolescentes
de G2 apresentam mais recursos relacionados à escolaridade e um maior número total de recursos.
Novamente duas variáveis atingiram um nível de significância próximo ao aceito pelo trabalho; estas variáveis foram:
condições adversas incidindo sobre a mãe e dificuldades da criança nas habilidades de vida diária. Em ambas, G1
apresentou média maior que G2.
48
Textos Complementares
A Tabela 4 mostra as diferenças entre os grupos, no seguimento, em itens relativos a problemas de comportamentos
da ECI. Pode-se constatar que todas diferenças significativas dão vantagem a G2, inclusive no escore global. Segundo a
padronização de Graminha (1994), quando o escore global na ECI é maior que 16, isto sinaliza necessidade de atendimento
psicológico ou psiquiátrico na percepção dos pais. Uma inspeção dos dados mostrou que, dos nove sujeitos de G1, oito
ultrapassaram o escore 16, enquanto apenas três dos dez sujeitos de G2 ultrapassaram este escore.
A Tabela 5 mostra os dados referentes ao monitoramento que os pais individualmente ou em conjunto prestam aos filhos,
na percepção dos adolescentes. Observa-se que pais e mães de G2 aparecem como incentivando mais seus filhos a serem
49
Textos Complementares
independentes, além de conjuntamente conversarem mais com eles. Uma variável que apareceu como tendo índice de
significância próximo ao considerado pelo trabalho foi o total de monitoramento das mães, no qual G2 apresenta média
maior que G1.
Tabela 3. Diferenças dos Itens Recursos e Adversidades da Família e Recursos e Dificuldades da criança entre G1 e G2,
no Seguimento
Tabela 4. Diferenças entre os grupos G1 e G2, no seguimento, em Itens Relativos a Problemas de Comportamento da ECI
Tabela 5. Diferenças entre os Grupos G1 e G2, no Seguimento, em Itens do Questionário de Monitoramento Parental
50
Textos Complementares
Discussão
O presente trabalho teve como objetivo verificar como se encontram, quanto a condições adaptativas, ex-clientes de uma
clínica-escola de Psicologia que foram atendidos por dificuldades de aprendizagem e receberam alta clínica. Procurou-se
alcançar esse objetivo de um estudo de seguimento, em que a situação pessoal do adolescente é relacionada com variáveis
ambientais e características pessoais, relatadas na ocasião do atendimento e no seguimento.
A avaliação clínica dos adolescentes, no seguimento, mostrou que pelo menos um em cada cinco apresentava problemas
adaptativos sérios, requerendo ajuda especializada. Esse resultado coincide com o do estudo de seguimento relatado por
Marturano (1997). Comparando-se o grupo que apresentava maiores dificuldades adaptativas no seguimento, necessitando
de encaminhamentos a serviços de saúde mental, ao grupo com melhores condições adaptativas no seguimento, os
resultados encontrados confirmaram dados da literatura, indicando a persistência da associação entre dificuldades de
aprendizagem e de sociabilidade entre a meninice e a adolescência (KAVALE, 1988; MCKINNEY, 1989).
Somando-se à condição antecedente de maior vulnerabilidade pessoal na meninice, os adolescentes mais prejudicados
parecem ter sofrido maior acúmulo de adversidade familiar naquela fase. Algumas condições se repetem nos dois momentos,
sugerindo estabilidade em fatores negativos como adversidade crônica e problemas de relacionamento pais-criança.
Sendo o contexto familiar a principal fonte externa de recursos de que a criança dispõe para lidar com a adversidade,
pode-se supor que a sobrecarga de situações adversas tenha tornado menos potente o suporte oferecido pela família.
Uma variável que merece atenção especial no seguimento é a relacionada às dificuldades de relacionamento pais-filhos,
que neste período da adolescência tem uma implicação ainda maior no ajustamento do adolescente. As dificuldades de
relacionamento pais-filhos reforçam nos filhos a busca de companheiros que nem sempre são adequados. Existe ainda a
tendência dos filhos a repetir com os pares os modelos de relacionamento que aprendem com os pais, passando muitas
vezes a serem discriminados, visto que não apresentam condutas esperadas pelo grupo de pares (HART e COLS., 1990).
Enquanto as características pessoais e familiares vinculadas às relações interpessoais parecem estáveis, diferenciando
os grupos desde a meninice, as diferenças na esfera da escolaridade só aparecem no seguimento, afetando tanto os
adolescentes como suas famílias. No momento atual, em relação à escolaridade, não só as dificuldades familiares e
pessoais do grupo mais vulnerável são maiores, como também seus recursos são mais reduzidos. Por outro lado, o grupo
mais adaptado apresenta maior diversidade de recursos, que podem estar atuando como agentes protetores. Pode-se
supor que, ao longo do tempo, efeitos interacionais cumulativos entre características pessoais e ambientais tenham
conduzido as crianças dos dois grupos a diferentes trajetórias escolares. As crianças com menos dificuldades pessoais/
familiares puderam superar a dificuldade escolar precoce, ao passo que, naquelas com maiores dificuldades, os problemas
escolares persistiram.
Os resultados fornecidos pela ECI mostram que os adolescentes mais prejudicados efetivamente apresentaram escore
bem acima do ponto de corte estabelecido por Graminha (1994) como sendo indicador de problemas de comportamento.
Esse grupo também apresentou maiores escores em itens como: impaciência, medo ou receio de situações novas, mentira
e insegurança, que de certa forma estão relacionados a dificuldades de autocontrole e baixa autoestima. As diferentes
formas de os pais educarem e interagirem com seus filhos influem no desenvolvimento do autocontrole e de uma boa
autoestima (BROWN, MOUNTS, LAMBORN & STEINBERG, 1993; FELDMAN & WEINBERGER, 1994; FULIGNI & ECCLES,
1993; STEINBERG, LAMBORN, DORNBUSH & DARLIN, 1992; TREMBLAY & HAAPASALO, 1994; VUCHINICH, BANK
Pós-Graduação a Distância
& PATTERSON, 1992). Este fato parece claro ao observarmos os resultados do grupo mais vulnerável, em que a família,
tanto no início como no seguimento, apresentou maiores dificuldades ligadas ao relacionamento pais-filhos, ficando difícil
proporcionar o desenvolvimento destes sentimentos nos filhos. Esses dados parecem ainda diretamente ligados ao fato
de as famílias deste grupo, desde o início, apresentarem um maior número de adversidades. Diferentes situações de
stress interferem sobre as práticas educativas dos pais, fazendo com que estas se tornem menos efetivas, parecendo
ter efeitos diretos no ajustamento dos filhos (FERGUSSON e COLS., 1990).
Quanto aos itens relativos ao monitoramento dos pais aos filhos, relatado pelos adolescentes, pode-se observar que os
itens com diferenças significativas entre os grupos foram o incentivo da mãe para o filho ser independente, incentivo do
51
Textos Complementares
pai para o filho ser independente e a prática de os pais conversarem conjuntamente com seus filhos. Estes itens parecem
também diretamente ligados a formas de práticas educativas. Práticas educativas assertivas são aquelas que respeitam
as novas necessidades do adolescente, colocam limites claros, deixam que os filhos participem das decisões da família
e comunicam a estes o porquê de suas atitudes, ou seja, uma prática com autoridade e não autoritária ou permissiva.
Pais que usam de práticas mais assertivas costumam ter filhos melhor ajustados socioemocionalmente (BROWN e COLS.,
1993; FULIGNI & ECCLES, 1993; STEINBERG e COLS., 1992; VUCHINICH e COLS., 1992).
Observou-se que os resultados encontrados estão coerentes com a literatura, enfatizando a necessidade de seguimento
dos ex-clientes e suas famílias, pois uma parte deles apresentou dificuldades posteriores de adaptação, sinalizando
vivenciar adversidades familiares e problemas pessoais.
Nota-se, dos resultados obtidos, que as inter-relações existentes entre o indivíduo e sua família afetam o nível de
ajustamento psicossocial. A família deveria constituir a principal fonte de suporte aos filhos, já que quanto mais íntimas
forem as relações, maior a probabilidade de o suporte ser efetivo. No entanto, sabe-se que muitas vezes a família torna-se
a principal fonte de stress do filho (HOBFOLL, FREEDY, LANE & GELLER, 1990). Tem-se, assim, que indivíduos que
contam com mais condições favoráveis ao longo de seu desenvolvimento tornam-se melhor adaptados. Em consonância
com um dos pressupostos adotados neste trabalho, verificou-se que adolescentes com melhor adaptação atual contaram
efetivamente com condições mais favoráveis, pessoais e familiares, na meninice e na adolescência.
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Sobre as Autoras:
Luciana Carla dos Santos é Psicóloga, Especialista em Problemas de Aprendizagem e Psicopedagogia, Mestre em Saúde
Mental pela Universidade de São Paulo e Doutoranda em Psicologia, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto/USP. Desenvolve pesquisas sobre intervenção preventiva, orientada para o fortalecimento de habilidades de
solução de problemas interpessoais em crianças com dificuldades escolares associadas a problemas de comportamento.
Edna Maria Marturano é Psicóloga, Professora Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP e Docente
nos Cursos de Pós-Graduação em Ciências Médicas (área de Saúde Mental) e Psicologia, na Universidade de São Paulo/
Ribeirão Preto. Coordena o Ambulatório de Psicologia Infantil do Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto, onde mantém
atividades de pesquisa, formação de recursos humanos e desenvolvimento de intervenções preventivas, focalizando
crianças que vivem em situação de risco psicossocial e suas famílias.
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
54
Textos Complementares
Referência:
ALMEIDA, Leandro S. Facilitar a aprendizagem: ajudar aos alunos a aprender e a pensar. Psicologia escolar e educacional,
dez. 2002, vol. 6, n. 2, p. 155-165.
Leandro S. Almeida
Universidade do Minho – Portugal
Resumo
Teorias recentes da aprendizagem salientam o papel ativo do aluno e, logicamente, a sua capacitação prévia para assumir
essa responsabilidade. Assumindo aprender como construir conhecimento estável e com significado pessoal, importa,
então, que a escola e o professor estejam capazes de desenvolver nos alunos capacidades, atitudes e comportamentos
de maior autonomia na regulação dos seus comportamentos escolares. Tal regulação, por um lado, pressupõe o
autoconhecimento dos alunos em termos das suas características e capacidades, e por outro, uma análise atenta das
especificidades de cada tarefa escolar a realizar. Os programas de treino cognitivo e de desenvolvimento de estratégias
de estudo ou de aprendizagem, na sua grande maioria fundamentados nos autores da psicologia educacional, são hoje
assumidos como ferramentas de ação tendo em vista aqueles objetivos. A formação dos professores e a entrada mais
sistemática dos psicólogos nas escolas emergem, então, como requisitos para uma escola de sucesso para todos ou a
generalidade dos alunos.
Abstract
Recent learning theories point out active student’s role and, logically, his previous training for assuming this responsability.
Assuming learning as stable and personal meaning knowledge, it is important that school and teachers develop capacities,
attitudes and behaviours of higher autonomy and self-regulation in the students. Such regulation presupposes, on one side,
students’ self-knowledge in terms of personal characteristics and capacities, and in the other side an attentive analysis
of the specificities of each school task. Cognitive training and learning strategies development programs, most of them
based in Educational Psychology theories, are assumed today as instruments to attend these objectives. In order to have
a successful school to all or for the generality of students, the teachers’ training and the existence of psychologists in
the schools are the most important requirements.
Pós-Graduação a Distância
Introdução
Várias funções sociais são usualmente atribuídas à escola. Embora tais funções não assumam estatuto de exclusividade,
certo que a presença e a importância de cada uma delas varia no tempo e no espaço, sobretudo em função do modelo
educativo de cada país. Tais funções, por exemplo, podem apresentar-se claramente contrastadas, indo desde as mais
genuinamente ligadas ao desenvolvimento psicossocial dos indivíduos até as mais ligadas à sua seriação social (Spady,
1974). Assim, podemos falar em funções instrucionais, precisamente a imagem mais frequente da escola por parte da
55
Textos Complementares
sociedade e das famílias (incremento da informação dos sujeitos, aquisição de conhecimentos curriculares), funções de
desenvolvimento e de socialização (desenvolvimento de atitudes e competências, integração social), funções de custódia
(suporte a uma família de número reduzido de elementos na qual ambos os pais trabalham, controle social), funções de
certificação (empresas e outras instituições tomam os créditos, diplomas e certificados escolares na seleção dos seus
quadros) e funções de estratificação social (toda a escolaridade, por níveis sucessivos de exigência e de seleção, é
também uma forma de se estratificar uma sociedade).
A valorização excessiva da função instrucional da escola, ou da sua dimensão curricular, tem dado origem a discursos
clamando por uma escola que proporcione aos alunos os conhecimentos científicos e técnicos necessários à sua integração
profissional. Para Patrício (1989), a perspectiva tecnocrática da nossa sociedade, ao sobrevalorizar tais saberes e fazeres
técnicos no homem, e ao colocá-los “a governar, em última instância, o seu ser” (p. 115), incentiva uma escola a serviço
da produção e não a serviço do homem e da cultura. Essa perspectiva tem sido responsável por um ensino centrado
na transmissão de saberes ou por uma aprendizagem reduzida à sua apreensão e memorização. Logicamente que, num
ensino tão despersonalizado, grupos numericamente expressivos de alunos vão sentindo a escola como compulsiva (mais
que um direito), e vão diminuindo a sua frequência e a sua motivação face às dificuldades acumuladas de aprendizagem.
Mudanças e inovações são esperadas da escola. Mais e melhores espaços, melhores instalações, atualizações de
conteúdos, programas e manuais, melhores equipamentos, laboratórios e material didático ou maiores verbas e melhor
gestão, exemplificam mudanças num sistema já mais preocupado com a qualidade do que com a quantidade. A gestão
flexível do currículo é uma aposta recente dos vários sistemas educativos. Uma escola e um currículo que tomem em
conta as características e projetos dos alunos não são preocupações de hoje. A sua prossecução pressupõe a capacidade
de iniciativa da escola e a necessária formação dos professores. Como espaço de crescimento e de vida, a escola tem
de saber ser, sobretudo, uma instituição pedagogicamente organizada e isso não se compadece com qualquer postura
“massificante”. O seu objetivo central deve ter em vista a transformação e o desenvolvimento pessoal dos intervenientes.
Isso dificilmente é conseguido numa “escola de massas” sem espaços de individualização, de diferenciação, de respeito e
de cooperação. Nessa altura, a escola estará, sobretudo, ao serviço dos educandos e, nesse sentido, proporcionar-lhes-á
tempos e espaços para o seu desenvolvimento psicossocial e realização pessoal.
Neste texto analisamos uma das transformações que nos parece de urgente prossecução nas escolas: ajudar os alunos
a pensar e a estudar. Valorizando o papel do aluno na aprendizagem, importa proporcionar-lhe os meios para o sucesso
nessa sua responsabilidade. Nem todas as dificuldades de aprendizagem se confinam a essa perspectiva explicativa.
Mesmo assim, um número significativo de alunos – com classificações positivas ou negativas – sairia beneficiado se a
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
escola assumisse de forma mais deliberada, nos seus objetivos e práticas, a capacitação dos alunos para a aprendizagem.
Afirmam os teóricos mais recentes do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem que nada aprendemos por
“colagem” e tudo o que é retido por mera justaposição, substituição ou memorização mais tarde ou mais cedo acabará
por desaparecer, sem nunca ter sido devidamente integrado na estrutura do conhecimento do indivíduo (Elkind, 1982).
Colocando em paralelo um ensino estritamente instrucional e um ensino mobilizador do sentido de descoberta, da atividade,
dos conhecimentos anteriores e das capacidades dos alunos, esse segundo apresenta claras vantagens na profundidade
com que a informação é apreendida. Essas condições, no entanto, pressupõem alunos motivados e habilitados para um
trabalho mais ativo na sua aprendizagem.
56
Textos Complementares
Entre tais habilidades ou competências importa destacar o ser capaz de pensar e o ser capaz de aprender. São habilidades
fundamentais ao trabalho e sucesso escolar dos alunos. Por esse fato, defende-se que deve haver um maior investimento,
e para isso os professores teriam de estar preparados no treino dos alunos no aprender, pensar, conhecer e resolver
problemas. Socialmente existe a consciência que a escola deve, cada vez mais, favorecer a aquisição e a destreza de
tais competências cognitivas. Elas são requeridas para as próprias aprendizagens e são, ainda, o que pode restar de mais
perdurável em face da curta validade temporal dos conteúdos curriculares. Mais ainda, se o insucesso na escolaridade
básica desapareceu administrativamente sob o lema de uma “escola de sucesso para todos”, importa que os alunos saiam
da escola sabendo pensar e ler a realidade que os cerca, capazes de assumir com alguma autonomia os seus direitos e
deveres de cidadania, dominando as novas tecnologias de informação e comunicação.
Em consonância com essas preocupações, tem-se apontado à escola a tarefa de ensinar o aluno a aprender e a pensar.
Numa lógica da sua autonomia, da sua necessidade de formação contínua, do melhor exercício da cidadania, da sua
reconversão profissional futura. A aprendizagem mais básica e essencial a realizar na escola confunde- se com a
motivação e as ferramentas cognitivas para aprender (Almeida, 1993). Quando a escola não é capaz de estimular essas
duas componentes básicas da aprendizagem (motivação e cognição), dizemos que ela exige do aluno aquilo que não lhe
dá. O aluno que não aprende a aprender na escola vê-se impossibilitado de nela obter sucesso. A sua aprendizagem,
em consonância, é na maioria das vezes bastante debilitada, acentuando- se as suas dificuldades com o evoluir na
escolaridade: o aluno vai funcionando de forma menos correta, estruturando tais deficiências nos seus hábitos de estudo
e de aprendizagem. No Quadro 1 listamos algumas pistas ou áreas de atuação dos professores tendo em vista esses
objetivos educativos mais latos.
Nesse sentido importa ajudar o aluno a atender, a perceber e a organizar a informação. Alguma ajuda deve ser prestada
nessa área quando o aluno apresenta deficiências: salta palavras num texto, não atende a um gráfico, tem dificuldade
em perceber os elementos singulares numa gravura ou não aplica uma regra conhecida num cálculo. Se o fracasso
está na recepção, então o treino deve começar pela atenção seletiva (por exemplo, tentar contrariar as inferências ou
Pós-Graduação a Distância
Por seu turno, se o problema está na retenção e na disponibilidade da informação, então deve sugerir-se o treino em
estratégias de memorização. Tais estratégias cobrem quer a fase de retenção quer a fase de evocação, sugerindo uma
interdependência entre ambas. Algumas pistas podem ser trabalhadas com os alunos a esse propósito (por exemplo,
57
Textos Complementares
recorrer a pistas de reconhecimento, ordenar a informação, sequencializar os eventos ou os elementos num esquema, criar
mnemônicas, organizar a informação de acordo com os seus pormenores, fazer esquemas organizadores da informação).
Finalmente, se o problema se situa na ativação e manuseio da informação possuída, então, o treino pode incidir no
desenvolvimento de estratégias condizentes à sua representação, à sua organização superior e à integração da nova
informação nas redes conceptuais e de conhecimento possuídas (por exemplo, identificar semelhanças estruturais ou
mais profundas entre segmentos ou unidades de informação, não ficar pelos conhecimentos soltos ou superficiais, buscar
uma representação sempre mais abstrata, generalizar a informação para diferentes contextos, ensaiar a aplicação dessa
informação em áreas diversas, formar sistemas holísticos, cruzar informação de diferentes disciplinas sobre um mesmo
assunto). As referências a esse terceiro nível, e à sua importância, podem buscar-se em alguns estudos a propósito da
organização do conhecimento na memória a longo prazo, por exemplo quando se fala em “representação do conhecimento”.
Referimo-nos aos processos de superordenação, subordenação ou inter-relacionamento da informação em estruturas de
conhecimento. Numa tarefa simples, por exemplo, pedir aos professores que em três minutos escrevam o nome de capitais
de países, podemos observar que o número e a diversidade de cidades evocadas seguem de perto uma dada estratégia de
reconhecimento que, sendo diferente de indivíduo para indivíduo, traduzirá, de algum modo, a forma como essa informação
se encontra organizada na sua memória a longo prazo e a estratégia seguida na sua evocação/reconhecimento.
De acordo com a teoria de processamento da informação, a aprendizagem envolve que o sujeito integre a nova informação
nos conhecimentos já possuídos, ou seja, na sua memória a longo prazo (Borkowski & Muthukrishna, 1992). Nessa altura
estamos face a uma aprendizagem significativa e de tipo construtivista, na qual o conhecimento anterior, mesmo quando
esse conhecimento prévio se apresenta como “menos” científico, joga um papel importante.
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
Esse conhecimento anterior pode ser de ordem diversa (Alexander & Judy, 1988). Nele se inclui o conhecimento declarativo
ou factual, formado pelos fatos, princípios ou pormenores, o conhecimento procedimental ou estratégico, formado pelas
estratégias e destrezas no lidar e resolver de situações com alguma especificidade, e o conhecimento condicional ou a
aplicabilidade dos conhecimentos anteriores de acordo com a natureza dos problemas e circunstâncias. Por exemplo,
analisando o desempenho de bons e fracos alunos na disciplina de Física, Chi, Glaser e Rees (1982) observaram que
enquanto os bons alunos planificam a tarefa ou o problema globalmente e autorregulam a sua prestação, distribuindo as
suas capacidades de atenção de acordo com as exigências da situação ou definindo uma estratégia prévia de resolução a
seguir, os alunos mais fracos ficam “presos” a aspectos superficiais do problema e, de uma forma mais rápida, avançam
para a “testagem de fórmulas” esperando, no fim, obter um valor que lhes pareça plausível para o problema em questão.
O sistema educativo português, como provavelmente o sistema educativo em vários outros países, tem a esse propósito
particulares responsabilidades. Nem sempre se assume que a aprendizagem prévia é decisiva para as novas aprendizagens,
o que não deixa de ser grave, por um lado, e caricato, por outro, face ao contexto em que emerge. Não podemos esquecer
que o conhecimento que o sujeito possui, e o grau com que o pode ativar nas novas aprendizagens, determina a qualidade
das suas novas aquisições (Siegler, 1983). O processamento da informação e a construção do conhecimento não se podem
dar no vazio. Contudo, e infelizmente, em Portugal os alunos vão transitando de ano, por vezes sem os conhecimentos
curriculares mínimos adquiridos em determinadas matérias escolares. Essa transição “automática” nos deixa mais
perplexos, ainda, quando no ano letivo seguinte esse aluno é confrontado com manuais e conhecimentos do ano escolar
para que transitou. Essa situação é seguramente corresponsável pela carência de alunos nas áreas da Matemática e das
ciências nos ensinos secundário e superior na generalidade dos países.
58
Textos Complementares
Algumas crenças generalizadas apostam na maior eficácia da aprendizagem a partir do interesse e iniciativa do aluno
do que de tais atributos por parte do professor. Evidentemente que os processos de aprendizagem não estão desligados
dos processos de ensino implementados pelos professores. Por isso mesmo, podemos antecipar que aprendizagens mais
profundas ou significativas se conseguem por meio de métodos de ensino-aprendizagem que possibilitem e reforcem a
iniciativa do aluno, o seu sentido de descoberta e uma construção de conhecimento a partir da análise e resolução de
problemas concretos.
Uma progressiva atenção vem sendo dada às leituras construtivistas de caráter social na explicação do desenvolvimento
cognitivo e da aprendizagem. Fala-se, então, em processos de coconstrução social, muito ausentes na dinâmica e no
impacto das relações interindividuais. Tais processos podem passar, por exemplo, pela “aprendizagem cooperativa” e pelo
“conflito sociocognitivo”. Nesse último caso, fala-se em confronto ou discussão entre companheiros com diferentes pontos
de vista na resolução de uma tarefa, discussão essa susceptível de gerar confronto de centrações pessoais diferentes
a propósito da resolução da tarefa e reestruturação intelectual e progresso cognitivo a nível de capa participante. No
fundo, falamos em “conflito sociocognitivo” quando existe o confronto – não mera imitação – dos sistemas individuais
de organização da realidade com os dos seus pares (Mugny & Doise, 1978).
Alguns outros conceitos encontram-se associados ao conflito sociocognitivo. Referimo-nos, por exemplo, aos conceitos
de Vygotsky (1962) de “zona de desenvolvimento próximo ou potencial” e ao conceito de “mediadores de aprendizagem”.
Este último conceito descreve a natureza da interação da criança com o “outro”, particularmente quando adulto, enquanto
o primeiro se reporta à interiorização progressiva e estável de novas aquisições e estruturas cognitivas por parte da
criança. Rogoff (1986) descreve essa interação como “participação guiada” comportando cinco princípios gerais: (i) o
adulto serve de ponte entre a informação familiar (conhecida) e a nova informação que a criança necessita para resolver
um novo problema, por exemplo, ajuda a criança a encontrar ligações entre o que conhece e o que é necessário para lidar
com uma nova situação; (ii) o adulto estrutura a tarefa em subtarefas ajustando o ensino às necessidades do aprendiz;
(iii) o adulto vai transferindo gradualmente a responsabilidade para o aluno para que esse vá assumindo maior autonomia;
(iv) o aluno joga um papel ativo na sua aprendizagem; (v) o adulto vai guiando tacitamente, ajustando as tarefas e os
materiais às competências e necessidades do aluno.
A aposta em métodos ativos de aprendizagem cooperativa vai também nesse sentido, aproveitando-se as interações
entre alunos ou díades de alunos (Coll, 1984; Webb, 1984). A discussão em grupo (Novack, 1985) ajuda os alunos a
identificarem lacunas nos seus conhecimentos e a entenderem como a nova informação se relaciona com conceitos mais
amplos e inclusivos.
A respeito da “zona de desenvolvimento próximo”, Palacios (1987) menciona a “zona de desenvolvimento próximo
percebido”, ou seja, a distância que existe entre as capacidades da criança percebidas pelos adultos num dado momento
e as expectativas de capacidades que percepcionam na criança a curto prazo. Em sua opinião, quanto mais otimistas
forem as expectativas dos pais e dos professores em torno das capacidades de realização a curto prazo da criança,
tanto mais frequentes são as interações voltadas para esse objetivo. As possibilidades de desenvolvimento da criança
requerem, para serem efetivas, que o adulto as perceba e atue com apoios eficazes.
Pós-Graduação a Distância
Por sua vez, Bruner (1986) fala na participação guiada, na qual mestre e aluno participam numa negociação de significado
compartido, ou sequência de respostas mútuas contingentes. Partindo-se da atividade do aluno, não mero espectador
ou receptor, os adultos podem ter uma atitude de continuar os segmentos de conduta realizados pela criança (que essa
não pode realizar ou finalizar só): o adulto assume e regula a ação, aproveitando e organizando as competências não
específicas da criança. Poderíamos falar aqui numa aprendizagem tutelar, seja feita com a ajuda do adulto ou de colegas
mais experientes.
59
Textos Complementares
O objetivo é dotar o aluno de um leque diversificado de procedimentos que implementará de acordo com as características
das situações e as exigências das tarefas, ou seja, comportamentos autorregulados de estudo (Rosário, 1999). Por
exemplo, eles conhecem o que sabem e não sabem, predizem o resultado da própria realização, planejam antecipadamente,
geram tempo e recursos, monitoram e adaptam os seus esforços. Importa que tais competências sejam usadas em todas
as áreas e disciplinas, o que nem sempre acontece (problema da generalização). Algumas estratégias de aprendizagem
autorregulada podem ser ensinadas e exigidas aos alunos: comportamentos de estruturação do ambiente de trabalho
e dos materiais requeridos, atitudes de autoavaliação dos procedimentos, esforço e rendimento, incluindo por exemplo
esquemas de autoatribuição de prêmios e penalizações, competências de organização e transformação da informação.
Por vezes, integram-se no treino das competências de estudo algumas estratégias de realização dos testes/ exames,
sobretudo para alunos que exibem comportamentos pouco adequados à situação de avaliação. O acompanhamento
atempado das matérias por alternativa ao seu estudo nas vésperas do teste, a atenção às instruções dadas pelo professor
antes do teste, a leitura atenta do enunciado do teste e das questões, a sistematização prévia dos tópicos a dar na resposta,
a revisão no fim do teste, o aspecto gráfico e a apresentação são apenas algumas das áreas trabalhadas nesse treino.
Aliás, interessa referir que, algumas vezes, se procura que o aluno desenvolva competências metacognitivas rentabilizando
as situações de avaliação escolar, por exemplo, confronto entre os resultados obtidos e o tempo e esforço colocados na
preparação da avaliação, análise das observações que o professor redigiu no teste, ou procura de justificação para as
baixas pontuações recebidas em alguns exercícios.
Finalmente, uma atenção progressiva vem sendo dada, nos estudos cognitivistas da aprendizagem e da inteligência, às
componentes metacognitivas, também chamadas metacomponentes, do pensamento (Flavell, 1979; Almeida, 1996).
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
Duas ideias essenciais na definição desses comportamentos: (i) o recurso a estratégias ditas superiores de planificação
e decisão das demais componentes cognitivas de resolução dos problemas; (ii) o recurso a um pensamento de ordem
superior ou uma espécie de monitorização do próprio pensamento. Entendidas como estratégias superiores de controle
ou como monitorização do pensamento, os componentes metacognitivos são decisivos para uma aprendizagem como
construção de conhecimento.
Não são frequentes essas competências na aprendizagem e no pensamento dos alunos. Alguns programas ilustram a
possibilidade do seu treino, por exemplo, por meio da discussão dos processos cognitivos requeridos na atenção, percepção
e codificação de informação, na planificação e avaliação monitorizada do desempenho (fixar objetivos e passos nas
aprendizagens, inventar estratégias e definir critérios de sucesso). Esse treino pode ocorrer, ainda, por meio do confronto
de pontos de vista diferentes e alternativos na resolução dos problemas (Almeida & Morais, 2001). Se uma criança pensa
que memória é informação memorizada, e que para memorizar deve ir repetindo a informação, então, tenderá a seguir
esse comportamento nas suas aprendizagens. Essa concepção e conduta são diferentes quando o adulto relaciona a
memória e a memorização com os processos de organização e retenção de informação compreendida.
Uma segunda via para desenvolver nos alunos estratégias metacognitivas de aprendizagem e de pensamento passa pela
construção e desenvolvimento de um discurso interno e reflexivo, assente nas heurísticas de resolução dos problemas.
Nessa altura, os alunos aprendem a sequencializar e a gerir as atividades, os momentos, os espaços, os materiais e os
apoios mais adequados à sua aprendizagem, o que em termos de literatura descrevem uma “aprendizagem autorregulada”
por parte dos alunos (Rosário, 1999).
60
Textos Complementares
A concluir esse ponto, importa destacar que o treino de competências de estudo não pode ser entendido como mero
exercício técnico de instrução ou ensino, muito menos um receituário aplicado a todo e qualquer tipo de alunos. Diz-nos,
a experiência de contatos com alunos, que estes diferem substancialmente nos métodos de estudo usados. Por exemplo,
alguns alunos precisam ter alguns distratores (objetos pessoais) no seu quarto enquanto estudam para se sentirem bem e
concentrados, enquanto outros apenas conseguem se concentrar no estudo estando “isolados”. Por tudo isso, a questão
principal nesse treino é habilitar o aluno a escolher, entre várias estratégias disponíveis, aquelas que melhor se adequam
às suas características pessoais e às exigências das tarefas escolares. Muitos programas de treino, quando aplicados,
surtem pouco efeito, pois fica-se mais no “adestramento”, do que em uma real capacitação dos alunos. Essa última
implica do aluno um maior autoconhecimento, o reforço da sua autonomia, a apropriação de um leque de estratégias
disponíveis e de um discurso interno sobre a sua funcionalidade, uma capacidade de análise e de escolha do seu repertório
de estratégias de acordo com as exigências de cada situação.
A investigação tem mostrado que sentimentos de fracasso ou atitudes de falta de investimento na realização podem
ser induzidos por práticas frequentes, mesmo que não intencionais, dos professores na sala de aula (Faria, 1995). Um
feedback negativo ou situações de aprendizagem marcadas por emoções desagradáveis podem eliminar toda a curiosidade
ou entusiasmo subjacente a qualquer nova aprendizagem. O aluno de quem se espera mais consegue resultados mais
elevados, e vice-versa (Good & Brophy, 1983). Por tudo isso, os professores devem contribuir para a mudança das
motivações extrínsecas em intrínsecas, substituir atribuições externas de sucesso por internas ou fazer diminuir a
incidência do medo de fracasso em alguns alunos.
A investigação sobre o contributo dessas variáveis sociocognitivo-motivacionais para a aprendizagem e cognição salienta
o seu peso efetivo nos níveis de rendimento e de desempenho (Barros & Almeida, 1991). Uma preocupação clara por parte
dos professores e demais técnicos de educação deve existir, tendo em vista a eliminação de situações pautadas pela
insegurança de sentimentos, medo do fracasso, cristalização de percepções pessoais negativas ou colocação em ridículo
de comportamentos e dificuldades. Climas de aprendizagem pautados por aceitação social, autoestima e consideração
positiva por parte dos outros (sejam os pares, sejam os adultos) podem potencializar positivamente os ambientes escolares,
tornando-os condicionantes positivos da aprendizagem e da realização. A carga afetiva e motivacional desses dois polos
opostos pode explicar a existência de alunos com padrões de realização orientados para a mestria ou para o fracasso,
claramente diferenciados em termos de persistência e envolvimento nas tarefas de aprendizagem (Faria, 1995).
Pós-Graduação a Distância
Segundo Bandura (1982), as percepções de autoeficácia influenciam o confronto do sujeito com as situações aversivas
e a sua persistência nas situações de dificuldade. Esses julgamentos podem afetar a escolha de determinadas tarefas
ou atividades, o esforço e a persistência na realização de tarefas, os padrões de pensamento e as reações afetivas dos
sujeitos (Barros, 1992). A esse propósito, um dos fenômenos mais estudados pelo seu impacto negativo designa-se pelo
“desânimo aprendido”, associado à percepção de incapacidade pelo sujeito em controlar os acontecimentos desagradáveis
do meio e à consequente instituição de uma atitude de fuga face a tais dificuldades (a partir daí reforçada pelo evitamento
do desprazer). Nas situações escolares em que se salienta mais o desempenho (níveis, graus, classificações) do que a
aprendizagem (saber, aprender, conhecer, partilhar), o aluno com percepções de baixa capacidade tende a reagir aos
61
Textos Complementares
obstáculos por meio de um discurso de falta de capacidade, por meio de reações afetivas negativas, e por meio de
condutas de evitamento das situações em que antecipa dificuldades.
Vários programas encontram-se hoje difundidos em alguns países, tendo em vista o treino cognitivo dos alunos. As análises
componenciais da inteligência (Sternberg, 1986), os estudos sobre os mediadores na aprendizagem e desenvolvimento
intelectual (Vygotsky, 1962) ou sobre o papel do conflito sociocognitivo no desencadear de novas e mais evoluídas
equilibrações cognitivas (Mugny & Doise, 1978) são as principais fontes de fundamentação de tais programas.
De uma maneira geral, tais programas centram-se no treino das funções cognitivas (atenção, percepção, codificação,
memória, raciocínio, criatividade). Igualmente, de forma implícita, eles procuram trabalhar as percepções e imagens
pessoais dos alunos (motivação, controle da impulsividade, perseverança no comportamento, autoconfiança – Sternberg &
Wagner, 1986). No Quadro 2, listamos alguns dos programas de treino cognitivo elaborados com alguma fundamentação
da Psicologia educacional.
A nossa participação nesse “movimento” tem sido feita por meio da (re)formulação sucessiva do programa “Promoção
Cognitiva”, integrando sugestões de psicólogos e professores. No Quadro 3, descrevemos a estrutura atual do programa
“Promoção Cognitiva” ( Almeida & Morais, 2001), sendo possível antecipar por meio dos temas das sessões as áreas em
que incidem as atividades de treino. Acrescente-se que o programa é formado por 15 sessões, cada uma com a duração
aproximada de 90 minutos. A generalidade das 15 sessões repartem-se pelos três momentos do processamento da
informação: (i) recepção e organização da informação; (ii) relacionamento da informação e (ii) elaboração das respostas.
Importa referir que apenas as duas primeiras sessões e a última, por razões óbvias, não se enquadram nesses três módulos.
62
Textos Complementares
O treino da inteligência por meio de programas próprios parece surtir alguns efeitos positivos, sugerindo uma
“modificabilidade cognitiva” (Feuerstein, Rand, Hoffman & Miller, 1980; Nickerson, Perkins & Smith,, 1985; Arias,
Alonso Pardo, Aguilera, Berruguete, Gorrosari, Pico & Ditano, 1989). Mesmo assim, os resultados até o presente
momento suscintam muitas reservas em termos de interpretação e, de uma maneira geral, temos que reconhecer que os
efeitos ou produtos finais ficam aquém das expectativas (Rios, Callazo & Bocelo, 1991; Morais, 1994). Não é terreno de
fácil investigação, e só isso explica que apareçam estudos sugerindo ganhos claros, a par de outros apontando ganhos
insignificantes da aplicação de tais programas (Sternberg & Bhana, 1986).
A nossa experiência nessa área não tem ultrapassado, antes confirmado, essas dificuldades. O treino das habilidades
cognitivas não é tarefa fácil, pior ainda quando não suficientemente contextualizado e generalizado às diferentes
situações de aprendizagem e de realização escolar dos alunos. Alguns ganhos observados em termos de motivação pela
aprendizagem e pela resolução de tarefas não refletem alterações substanciais nos desempenhos em testes de inteligência,
quando esses são usados como critério externo de apreciação da eficácia do treino. Por outro lado, os efeitos positivos
do programa em termos motivacionais não parecem generalizar-se à realização escolar e às classificações dos alunos.
Este último aspecto tem, aliás, justificado uma certa discussão a propósito das vantagens e desvantagens da infusão
desse tipo de programa nas atividades letivas das diversas matérias escolares ou da salvaguarda de alguma autonomia
e especificidade para o programa, mesmo aproveitando tarefas curriculares. Mais investigação em torno dos processos
de mudança cognitiva, a par de melhorias substanciais na metodologia de investigação usada nesses estudos, aparece
hoje reclamada para uma melhor clarificação da controvérsia em que o assunto se encontra. Por exemplo, num estudo
nosso diferenciando os resultados na avaliação de pós-teste, segundo subgrupos de alunos em função da sua assiduidade
Pós-Graduação a Distância
e envolvimento nas atividades do programa, os valores obtidos foram bastante animadores e sugerem que a avaliação
da eficácia desses programas terá de ultrapassar a genérica consideração de um grupo experimental e de um grupo de
controle (Almeida & Balão, 1996).
Considerações Finais
A concluir, as leituras construtivistas do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem enfatizam o papel ativo do aluno.
Retomamos, assim, que a aprendizagem está mais do lado do aluno do que do lado do professor. No entanto, como
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Textos Complementares
instrutores e mediadores, podemos e devemos reconhecer que os professores “marcam” bastante o processo e o produto
desse desenvolvimento e aprendizagem. Não podemos substituir o aluno, mas isso não nos retira a responsabilidade
social de sermos promotores da sua aprendizagem e do seu desenvolvimento. Aliás, acabamos sempre por influenciar
esse dever, por mais conscientes ou inconscientes que estivermos.
Logicamente que o aluno acaba por assumir um papel relevante no processo de ensino-aprendizagem, não surtindo grande
efeito quando se pretende ensinar alunos “à força”. À medida que avançamos na escolaridade diminui o nosso peso direto
naquilo que os alunos aprendem. O importante será descobrir e ensaiar formas de, com os alunos, construirmos contextos
de facilitação da aprendizagem. Nessa altura, o aluno aprecia a ajuda e encontra-se em condições de fazer a primeira e
mais importante aprendizagem: “aprender a aprender”.
Com esse objetivo, importa que os professores conheçam formas concretas de ajudar os alunos a pensar e a aprender. Os
programas de treino cognitivo e de facilitação dos métodos de estudo nunca entendidos como receitas” têm, assim, toda
a pertinência. Eles permitem referenciais e modos de agir na sala de aula, assegurando- se, aos alunos, oportunidades de
conhecimento de várias estratégias de aprendizagem e de estudo que coexistem em alternativa. Esse conhecimento inclui,
obviamente, uma apreciação do quando e como podem ser usadas, ou porque são úteis e diferenciadas na sua eficácia
nas diferentes situações. Essa aprendizagem, mais ainda quando centrada no aprender e no pensar, é, sobretudo, uma
construção do próprio aluno. Na linha quer do conhecimento procedimental quer do conhecimento condicional a que já
fizemos referência, o melhor treino nas estratégias de aprender e de pensar passa por favorecer a autonomia do aluno
no uso seletivo das estratégias, de acordo com as suas características pessoais e as exigências das situações. Talvez
esteja aqui uma das causas do relativo insucesso com a aplicação “massiva” dos programas de competências de estudo
e de competências cognitivas nos contextos escolares. Exige-se maior individualização e maior diversidade nas respostas
aos problemas por parte da escola.
À diversidade de alunos e de situações, a escola tende a responder por meio de atitudes e práticas uniformes. Se é verdade
que a autonomia do aluno se enquadra hoje num conceito mais abrangente e atual de educação, não é menos verdade que
isso está mais presente nos discursos do que nas práticas. Temos, ainda, uma escola com poucas capacidades de intervir
e de ajudar os alunos a estudar, a aprender e a pensar. Acreditamos, no entanto, que a crença atual na modificabilidade
cognitiva e a consciência reinante de que a escola se deve preocupar com o ensinar a aprender e a pensar acabarão por
introduzir mudanças significativas na lógica funcional e nas práticas escolares.
A escola não pode encerrar nas suas atividades tipicamente letivas nem essas se reduzirem a métodos passivos de
Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem
ensino-aprendizagem. Sem uma alteração substancial dessa postura torna-se difícil entender o sentido educacional e
desenvolvimental da escola no presente. Tudo isso, no entanto, carece de professores preparados e munidos de algumas
ferramentas nesse sentido. Da mesma forma, importa que a escola diversifique os seus profissionais, passando a incluir
mais sistematicamente os psicólogos escolares. Não teremos escola sem professores, mas ela estará empobrecida e
comprometida se o seu quadro profissional for composto apenas por professores.
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