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A “GESTÃO BASEADA EM EVIDÊNCIAS”: UMA TÉCNICA PARA

AUMENTAR A ASSERTIVIDADE DAS DECISÕES NAS EMPRESAS

É cediço que grande parte dos gestores tomam decisões baseadas apenas na intuição e
autoconfiança, derivada dos seus hábitos e experiências práticas vivenciadas e, muitas vezes, de
improviso e bate-pronto, sem se deterem numa busca mais objetiva e minuciosa por evidências, que
possam lhes assegurar uma tomada de decisão mais bem fundamentada (Sarfati, 2022). As
consequências para a sociedade, advindas de decisões superficiais, irrefletidas ou mal fundamentadas,
são o desperdício, os prejuízos, as frustações e o aproveitamento ineficiente de recursos, mal
explorados e aquém dos seus potenciais.

A questão que aqui se coloca, então, é a seguinte: Como podemos melhorar a qualidade das
decisões de negócios, trazendo a metodologia científica para apoiar o processo decisório nas empresas
onde eu atuo?

A teoria da Gestão Baseada em Evidências propõe que os gestores devem ter uma visão ampla
e estar abertos a considerar e agregar informações de múltiplas fontes, donde, abrir o leque de
pesquisa, representa uma abertura a uma maior diversidade de ideias e multidisciplinaridade. Ao
mesmo tempo, é necessário que o gestor tenha um aguçado senso crítico para avaliar e identificar as
melhores evidências disponíveis, a partir de critérios objetivos, e tomando cuidado para não impor
cegamente sua própria convicção e seus julgamentos, baseados em experiências passadas, em outros
contextos; ou seja, evitar os vieses e o excesso de autoconfiança, reconhecendo as suas próprias
limitações. (Sarfati, 2022)

Em geral, a formulação de um problema e as suas possíveis soluções envolvem hipóteses, e a


Gestão Baseada em Evidências recomenda que, preferencialmente, as hipóteses devem ser testadas a
partir de experimentos, ou seja, na construção de uma base empírica, cientificamente estruturada, que
envolve a pesquisa pelas evidências, a partir de dados consistentes. No âmbito digital, com o
desenvolvimento da ciência de dados e das tecnologias digitais de big data e analytics, existe uma
tendência para a automação de certas decisões, com base exclusivamente em dados (evidências),
utilizando a inteligência artificial. Todavia, na prática, o uso crescente de dados tem o objetivo de nos
possibilitar a tomada de decisões mais bem informadas, mas, não substitui a capacidade humana de
julgar e decidir (inclusive na curadoria dos dados de entrada, na forma de “educar” os algoritmos, na
tradução dos dados de saída e interpretação de resultados matemáticos conversíveis em ações práticas
ou “actionable results”) e, especialmente, nas questões cruciais de negócios (Brynjolfsson e
McElheren, 2016; Brynjolfsson e McAfee, 2020).
Sabemos que a grande maioria das empresas brasileiras são de origem familiar, onde a estrutura
organizacional ainda é do tipo piramidal, cujas decisões são tomadas por níveis de alçada e,
essencialmente, com base na experiência e julgamento crítico dos gestores. Muitas delas, mesmo
contando com uma estrutura de governança aparentemente moderna, com um Conselho de
Administração ou Consultivo e uma Diretoria Executiva, na prática, têm as suas principais decisões
concentradas nos sócios proprietários, que são também executivos e conselheiros, e nem sempre
dispondo de comitês especialistas para assessoramento técnico dessas decisões. A princípio, caberia
aos comitês um importante papel de avaliar as alternativas de decisão estratégica da empresa,
conforme sua área de especialidade e podendo contar com o apoio da ciência de dados, buscando
identificar e eleger as melhores evidências para justificar suas pautas e propostas para deliberação a
serem submetidas ao Conselho ou Diretoria.

Na minha atuação como conselheiro e consultor, lidando com temas de governança, estratégia
e inovação, tenho procurado influir nas decisões, para melhorar os padrões de governança, com vistas
a desenvolver mecanismos de avaliação de alternativas estratégicas, promovendo a criação dos
comitês técnicos ou criando grupos de trabalho, ou forças-tarefa multidisciplinares ad hoc, para
realizar estudos e experimentos como “projetos-piloto”, especialmente para os casos de maior
impacto estratégico das iniciativas em vista.

E é com base nos ensinamentos de Pfeffer e Sutton (2006) sobre a Gestão Baseada em
Evidências, que podemos melhorar a assertividade e aumentar a confiança para o enfrentamento das
questões estratégicas do negócio, com essa nova abordagem, destacando os seguintes princípios a
serem observados, quando você faz parte da decisão a ser tomada: i) Reconhecer que nem todas as
velhas ideias são totalmente obsoletas ou descartáveis; elas podem ser sempre úteis e, inclusive,
recombinadas entre si para produzir novos efeitos; ii) Suspeitar de ideias mirabolantes ou soluções
mágicas; iii) Apreciar a colaboração e celebrar as conquistas do trabalho coletivo; iv) Enfatizar não
apenas as virtudes, mas, também, reconhecer os aspectos negativos; v) Contar histórias de sucesso e
fracasso serve para ilustrar boas práticas, mas nunca para substituir uma boa pesquisa; vi) Procurar
sempre adotar uma posição neutra em relação a qualquer teoria ou ideologia.

Na minha reflexão sobre a introdução da metodologia científica ao processo decisório das


organizações, eu percebo que os princípios da teoria da Gestão Baseada em Evidências se aplicam
em qualquer estágio de maturidade de cada organização, mas que são especialmente propícios para o
caso das empresas familiares, quando estas vivenciam o seu processo de sucessão, da primeira para a
segunda geração, ou desta para a terceira. Isto se justifica, porque a geração mais jovem tem se
mostrado mais aberta ao acolhimento de novas formas de pensar, com uma visão alinhada com os
preceitos modernos de uma gestão mais tecnológica e científica, incluindo o processo decisório dos
principais órgãos de governança da empresa.

Nesse sentido, o aprendizado no meu mestrado, em especial ao cursar a disciplina de


Metodologia de Problemas Científicos, no âmbito do MPGC-TI da FGV EAESP, tem sido de
inestimável valor, na medida em que tenho tido a oportunidade de disseminar esses conhecimentos
onde atuo, inclusive na revisão dos materiais de apoio à governança corporativa, como, por exemplo,
o Código de Conduta e Melhores Práticas, que consubstancia os princípios e valores, políticas e
diretrizes de gestão. Certamente, como se espera, a adesão da alta administração à prática da Gestão
Baseada em Evidências, como artefato cultural, pelo exemplo que vem de cima, contribuirá, também,
para uma maior assertividade e qualidade das decisões em todos os níveis da organização,
promovendo a sua maior competitividade e melhores resultados.

Referências

Baleeiro, Mauro G. Reflexão individual sobre o uso da “Gestão Baseada em Evidências” no ambiente
de trabalho. Disciplina: Metodologia de Problemas Científicos. Curso de Mestrado Profissional em
TI aplicada à Gestão para Competitividade, FGV EAESP, 2022.

Brynjolfsson, Erik; McAfee, Andrew. Data-driven Decision Making. In Digital Business Strategies:
Harnessing our Digital Future. MIT course materials, Module1-Unit2. 2020.

Brynjolfsson, Erik; McElheren, Kristina. The Rapid Adoption of Data-driven Decision Making.
American Economic Review 106, nr. 5 (May). 2016. https://dspace.mit.edu/handle/1721.1/108650

Pfeffer, Jeffrey; Sutton, Robert I. Evidence Based Management. Harvard Business Review. Jan2006.

Sarfati, Gilberto. Gestão Baseada em Evidências. In Metodologia de Problemas Científicos. Material


de Apoio (hand-out) do Curso de Mestrado Profissional em Gestão para Competitividade, FGV
EAESP, 2022.

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