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Sinopse

Sua máscara ocultava um segredo, mas seus braços ardentes


confessavam sua paixão.
Na Nova Inglaterra colonial, os britânicos perseguem um
destemido patriota mascarado, cujas façanhas zombam deles a cada
passo: O Corsário.
Jessica Taggert, mulher bonita e de temperamento orgulhoso,
vibra à meia-noite nos braços do Corsário, mas despreza Alexander
Montgomery, que todos na cidade consideram alcoólatra e bobo da
cidade.
Na verdade o astuto Alexander Montgomery leva uma vida dupla.
Se por um lado, é um tolo, gordo e alcoólatra, pelo outro é o admirado
Corsário... A razão para essa vida dupla é que em uma tentativa heróica
foi ferido, e para que não suspeitem dele se veste com roupas coloridas
e acolchoadas para parecer gordo.
Jessica Taggert despreza Alexander por acreditar que ele é um
covarde e, adora o Corsário. Por ironia do destino, Jessica é forçada a
casar-se, e por desgraça seu marido não é outro senão Alexander.
Entretanto, mesmo casada, ela continua adorando o Corsário.
Conseguirá Alexander que Jessica veja além da sua aparência
física e perceba quem ele é realmente?
Somente sua vitória contra os odiados ingleses permitirá,
finalmente, conhecer em sua plenitude o amor de Jessica.

A cidade fictícia de Warbrooke está localizada no que hoje é o estado de Maine. No entanto, durante
a década de 1760, quando ocorre a narrativa de O Corsário, essa área era parte do que hoje é
chamado Commonwealth. Mais tarde, foi separada de Massachusetts e entrou na União sob o nome
de Maine, vigésimo terceiro estado, em 15 de Março 1820. (Nota da Escritora)
O Corsário – Jude Deveraux

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1766

Alexander Montgomery se reclinou na cadeira, estirando suas


pernas largas e esbeltas sobre o tapete que cobria o piso do camarote
do capitão, a bordo do Grande Duquesa, enquanto Nicholas Ivanovitch
repreendia a um dos servos. Alex nunca tinha visto ninguém tão
arrogante como esse russo.

— Se voltar a guardar mal minhas fivelas te cortarei a cabeça. —


Assegurou Nick, com seu forte sotaque e sua voz rouca.

Alex se perguntou se os duques russos ainda tinham permissão


para decapitar a quem os desagradasse.

— Agora vai. Fora de minha vista — adicionou Nick, agitando um


punho envolto de rendas para o acovardado servo. E adicionou,
dirigindo-se a Alex, assim que ficaram sozinhos no camarote: — Veja
as coisas que devo suportar.

— É muito, reconheço-o — concordou o jovem.

Nicholas o olhou arqueando uma sobrancelha e voltou a


concentrar-se nos mapas navais desdobrados sobre a mesa.

— Atracaremos a uns duzentos e vinte quilômetros de seu


Warbrooke, pelo sul. Acredita que achará alguém disposto a te levar ao
norte?

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— Já arrumarei alguém — disse Alex, despreocupado, enquanto


se estirava um pouco mais, com as mãos sob a nuca. Seu longo corpo
ocupava quase todo o camarote.

Muito tempo atrás tinha treinado suas reações faciais para que
ocultassem seus pensamentos. Nicholas conhecia em parte suas
idéias, mas Alex não permitia a ninguém apreciar a profundidade de
sua preocupação.

Meses atrás, Alex estava na Itália, quando recebeu uma carta de


sua irmã Mariana, onde lhe rogava que voltasse para o lar. Dizia nela
que precisava dele desesperadamente, e contava o que seu pai a tinha
proibido de revelar: que ele, Sayer Montgomery, tinha caído gravemente
ferido em um acidente a bordo de um navio e tinha as pernas
destroçadas. Tinha sobrevivido, contra todos os prognósticos, e estava
agora condenado a viver em seu leito, inválido.

Mariana dizia também que ela se casara com um inglês, o inspetor


de alfândega da pequena cidade de Warbrooke e, quem ele era não
informava. Não entrava em detalhes sobre as atividades de seu marido,
provavelmente em um conflito entre a lealdade a seu marido e a
fidelidade a sua família e ao povo que conhecia desde que nascera, mas
Alex percebeu que ela calava muitas coisas.

Mariana tinha entregado a carta a um dos muitos marinheiros


que saíam Warbrooke, na esperança de que chegasse às mãos de Alex
e o fizesse voltar para casa. Seu irmão tinha recebido a carta pouco
depois de ancorar na Itália. O veleiro em que partira de Warbrooke,
mais de quatro anos atrás se afundara fazia já três semanas, ele

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esperava na ensolarada costa italiana, sem empenhar-se muito em


conseguir outro posto de oficial.

Foi na Itália que conheceu Nicholas Ivanovitch. Na Rússia, a


família de Nick tinha um estreito parentesco com a czarina, motivo pelo
qual Nick esperava que todo mundo o tratasse com respeito, admiração
e a submissão que ele considerava devido a sua posição.

Alex tinha intervindo para salvar seu gordo pescoço de um bando


de marinheiros que não gostaram do que Nick dizia deles. O jovem
Montgomery tinha tirado sua espada, tinha-a arrojado às mãos do
russo e tinha extraído de seu cinturão duas adagas, uma para cada
mão.

Os dois combateram juntos por uma hora. Ao terminarem


estavam cobertos de sangue e com as roupas feitos farrapos, mas eram
amigos. Alexander foi objeto da hospitalidade russa, tão generosa
quanto à arrogância desse povo. Nick o levou a bordo de seu navio
particular; era um lugre, um tipo de navio tão veloz que estava proibido
em quase todos os países, já que era capaz de deixar para trás a
qualquer outra embarcação. Mas ninguém incomodava aos
aristocratas russos, que não obedeciam nenhuma lei a não ser a sua
própria.

Alex se instalou no opulento navio e, por duas semanas desfrutou


de que o servissem. O exército de submissos servos que Nick havia
trazido da Rússia antecipava e satisfazia cada um de seus desejos.

— Na América não somos assim — havia dito Alex a Nick, depois


da quinta caneca de cerveja.

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Falou-lhe da independência dos norte-americanos, da capacidade


com que criavam um país próprio a partir do campo.

— Combatemos contra os franceses e os índios; combatemos


contra todo mundo. E sempre ganhamos! — gabou-se.

Quanto mais bebia, mais ponderava as glórias da América do


Norte. Depois que Nick e ele tiveram já consumido a maior parte de um
tonel, o russo tirou um líquido claro que chamou de vodca e ambos
começaram a beber dessa garrafa. "Embora não se diga outra coisa dos
russos", pensou Alex, "é preciso reconhecer que bebem o melhor”.

Na manhã seguinte, enquanto que para Alex parecia que a cabeça


se partia e sua língua dava a sensação de ter limpado a lambidas o
fundo do navio, chegou à carta. Nick estava na proa, descarregando
sua dor de barriga contra os acovardados servos. Quando Elias Downey
pediu permissão para subir a bordo e falar com Alexander. Nick deixou
de gritar e de queixar-se para acompanhar o homem ao camarote.
Morria de curiosidade por saber que mensagem de grande importância
trazia esse homem.

Nick serviu três copos de vodca e os pôs na mesa. Alex se limitou


a revirar olhos. Passando por cima dos zumbidos que sentia na cabeça,
escutou os relatos de Elias sobre tudo quanto se passava em
Warbrooke. Jogou uma olhada à carta de sua irmã, que não dizia
muitas coisas.

— Casou-se com um homem muito mau. Rouba a todos — estava


dizendo Elias. — Tirou o navio de Josiah, aduzindo que havia
contrabando a bordo. E como fez tudo parecer legalmente, ninguém

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pôde impedir-lhe Se Josiah pudesse reunir sessenta libras poderia


entrar com um pedido no tribunal para recuperar seu navio. Era tudo
que tinha no mundo e agora o perdeu.

— E o que fez meu pai? — perguntou Alex, inclinando-se para


frente. — Não o imagino deixando que seu genro roube o navio de outro
homem.

Elias começava a fechar os olhos por efeito da vodca.

— Sayer não tem pernas. É como se as tivessem cortado. Não pode


mover-se da cama. Todos pensavam que ia morrer, mas vive... se a isso
se pode chamar viver. Apenas come. Eleanor Taggert que cuida da casa.

— Os Taggert! — exclamou Alex. — Ainda vivem naquele abrigo,


tratando de dominar a seus filhos terríveis?

— James se afundou com seu navio, faz dois anos, e Nancy


morreu ao nascer seu filho caçula. Alguns dos moços foram embora,
mas ainda ficaram alguns. Eleanor trabalha para seu pai e Jess circula
com um bote pelo porto. Com isso mantêm a família. Você conhece os
Taggerts: não aceitam esmolas. Essa Jess vale a pena; foi à única que
enfrentou seu cunhado, senhor Montgomery. Claro que os Taggerts não
têm nada que perder se se inimizarem com ele. Não possuem nada que
alguém possa desejar.

Alex intercambiou um sorriso com Elias. Os Taggerts eram


verdadeiros personagens na cidade e, que se usava para medir a
própria má sorte. Por mais mal que fossem as coisas a uma pessoa,
sempre se encontrava a um deles que estivesse em condições pior.
Eram os mais pobres e os mais sujos... e dissimulavam sua miséria

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com orgulho.

— Continua Jessica tão temperamental como sempre? –


murmurou Alex, sorrindo ante a lembrança de uma moça fraca e suja
que, por motivos inescrutáveis, tinha-o eleito para complicar a vida. —
Agora deve ter, calculo, uns vinte anos.

— Mais ou menos. — Elias estava quase fechando os olhos.

— E não se casou?

— Ninguém quer a esses pirralhos — assegurou Elias, já grogue.


— Você tem muito tempo sem ver Jess. Essa moça mudou.

— Não sei por que, mas duvido — comentou Alex, no momento


em que Elias deixava cair à cabeça contra o peito. Vendo que seu
interlocutor estava dormindo, olhou para Nick. — Terei que ir ver do
que se trata. Mariana me pede que vá para casa para ajudá-los. Duvido
que as coisas estejam tão mal como eles as pintam. Meu pai sempre
acreditou que a cidade de Warbrooke era seu pequeno feudo pessoal;
agora tem que compartilhar a autoridade com outra pessoa e disso ele
não gosta. E se algum dos Taggert colocou o nariz para provocar
distúrbios, não estranho que tudo esteja alvoroçado. Irei ver do que se
trata. Há um navio que parte de volta a América do Norte dentro de seis
semanas. Talvez o capitão ainda não tenha tripulação.

Nick enfiou pela à garganta o resto da vodca.

— Levarei-te. Meus pais queriam que eu visitasse a América e lá


tenho primos. Levarei-te a essa cidade para que averigúe o que
acontece. Todo filho deve obedecer a seu pai.

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Alex sorriu para não demonstrar o muito que o preocupava a


ferida de seu pai. Não conseguia imaginar a esse homem corpulento,
estridente e exigente convertido em um inválido.

— Está bem — disse. — Será um prazer ir contigo.

Desde então tinham transcorrido várias semanas; agora faltavam


poucas horas para chegarem ao cais e Alex estava ansioso por ver outra
vez a sua pátria.

A cidade de Nova Sussex estava florescendo. Ouvia-se o ruído dos


navios ao atracar, os gritos das pessoas que vendiam sua mercadoria,
discussões e regateios. E o ar puro do mar se mesclava com o aroma
de peixe e de pessoas sujas.

Nick estirou seu grande corpo e bocejou, o sol arrancava reflexos


dos fios de ouro que bordava sua jaqueta.

— Meu primo te receberá de bom gosto. Não tem quase nada que
fazer e lhe servirá de distração.

— Agradeço-lhe, mas prefiro iniciar o trajeto para minha casa -


respondeu Alex. — Tenho muito desejo de ver outra vez meu pai e de
averiguar em que problemas se colocou minha irmã.

Separaram-se no cais. Alex carregava só um saco no ombro.


Acima de tudo pensava comprar um cavalo, depois, roupas novas. Tudo

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quanto possuía se perdera no naufrágio, na Itália; no navio do Nick


tinha usado somente as cômodas e folgadas roupas dos marinheiros
comuns.

— Eh! Olhe! — gritou um soldado britânico, que formava parte de


um grupo de seis. — Ouça, você! A escória como você deve olhar com
respeito a seus superiores.

Alex não teve tempo de defender-se, um dos homens o empurrou


por trás, fazendo cair o saco, e voltou a empurrá-lo. O jovem caiu de
bruços no chão. Enquanto cuspia terra e calhaus, as gargalhadas lhe
ressoaram nos ouvidos.

Em questão de segundos estava em pé, disposto a jogar-se contra


os soldados, que já haviam dado as costas, mas uma mão forte o deteve.

— Em seu lugar não faria isso.

Alex estava tão furioso que demorou em distinguir o marinheiro


que se deteve a seu lado.

— Eles estão em seu direito. Se os atacar não fará mais nada não
ser se colocar em mais problemas.

— Como que estão em seu direito? — Perguntou Alex, com os


dentes apertados.

Agora que estava de pé começava a recuperar o bom senso. Eles


eram seis. Ele, só um.

— São soldados de Sua Majestade e têm o direito de fazer o que


lhes agrade. Se cometer tolices com pessoa como essa, terminará no

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cárcere.

Como Alex não respondeu, o marinheiro encolheu os ombros e


seguiu seu caminho. Alex, depois de jogar uma olhada fulminante nas
costas dos soldados que se retiravam, voltou a pegar seu saco e
continuou caminhando. Tratou de voltar a pensar em roupa limpa e
um bom cavalo entre as pernas.

Ao passar de frente a uma taberna sentiu o aroma de guisado de


peixe e percebeu de que estava faminto. Poucos minutos depois estava
sentado em uma suja mesa, comendo um saboroso guisado em um
prato de madeira, enquanto recordava as comidas que tinha
compartilhado com Nick, utilizando talheres de ouro e pratos de
porcelana tão fina que eram quase translúcidos.

Não estava alerta e a ponta de uma espada no pescoço o pegou de


surpresa. Ao levantar a vista se encontrou com o mesmo soldado que
o tinha arrojado na terra, momentos antes.

— Então aqui está outra vez nosso pequeno marinheiro —


provocou o homem. — Imaginava-te muito longe daqui. — A cara do
jovem soldado perdeu seu ar de brincadeira. — Se levante. Esta mesa
é nossa.

As mãos de Alex saíram lentamente de abaixo da mesa. Não levava


armas, mas tinha destreza e celeridade. Antes que os soldados se
dessem conta de nada, arrojou a mesa contra eles, derrubando ao
primeiro, aplicando-lhe um golpe tão forte na perna que o fez gritar de
dor. Os outros cinco atacaram Alex imediatamente.

Conseguiu derrubar os outros dois. Logo tomou pelo cabo o

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pesado caldeirão que pendia sobre o fogo. Queimou suas mãos, mas
também queimou todo o ventre do homem contra o qual o arrojou.
Estava por quebrar uma cadeira contra a cabeça do quinto quando o
estalajadeiro o golpeou na cabeça com uma caneca de cerveja.

Alex caiu graciosamente no chão.

Um cântaro de água fria e suja foi jogado contra seu rosto. Alex
se levantou penosamente. Doía-lhe a cabeça e tinha muita dificuldade
para abrir os olhos. A julgar pelo aroma desse lugar, teve certeza de
estar no inferno.

— Se levante. Está em liberdade — disse uma voz resmungona


enquanto ele tratava de levantar-se.

Conseguiu abrir um olho, mas certos fulgores o fizeram fechar


outra vez.

— Alex, — disse uma voz, que ele reconheceu como a de Nick —


vim te tirar deste lugar imundo, mas que me matem se pensa em levá-
lo no ombro. Levante-se e venha comigo.

O fulgor provinha de um ou dois quilos de ouro incluídos no


bordado do uniforme russo. Alex percebeu que seu amigo usava um
dos trajes que estava acostumado a colocar para impressionar a
alguém e obter tudo quanto desejava. E compreendeu que seu amigo
não sujaria essa jaqueta por ajudá-lo a caminhar.

Embora tivesse a impressão de que ia cair sua cabeça, conseguiu


segurá-la e manter-se em pé. Começava a dar-se conta de que estava
em um cárcere, àquilo era um calabouço repulsivo, com palha muito

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velha no chão e quem sabe o que mais nos cantos. A parede que tocou
estava fria e viscosa; aquela viscosidade ficou na sua mão.

De algum modo se recompôs para seguir Nick, que saiu do edifício


com as costas perfeitamente retas. Fora os esperava a luz do dia, já
mortiça, uma carruagem magnífica, com cavalos que não iriam deixá-
los na retaguarda de ninguém. Um dos criados de Nick o ajudou a subir
na carruagem.

Apenas tinha se sentado quando Nick iniciou seu discurso.

— Sabia que planejavam te enforcar pela manhã? Inteirei-me por


acaso. Um velho marinheiro te viu descer de meu navio e presenciou
sua briga. Tem consciência de que fraturou a perna de um deles? É
possível que a perca. Queimou o outro e o terceiro ainda não reagiu de
seu golpe. Olhe, Alex: uma pessoa de tua condição social não pode fazer
esse tipo de coisas.

Essa afirmação fez com que Alex arqueasse uma sobrancelha.


Sem dúvida alguma, Nick estava em uma condição social que lhe
permitia fazer o que muito desejasse.

Reclinou-se no assento para olhar pela janelinha, enquanto seu


amigo continuava lhe dizendo que não podia fazer o que tinha feito. De
repente, Alex viu que um soldado inglês tomava a uma jovem pelo braço
e a levava a puxões para trás de um edifício.

— Detenha — pediu.

Nick, que também tinha visto a cena, negou-se a dar a ordem de


que o cocheiro detivesse os cavalos. Como Alex tratasse de descer

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igualmente, empurrou-o com força contra os almofadões. Alex apertou


a cabeça dolorida.

— São só camponeses — observou Nick, como se custasse a


acreditar nessa reação.

— Sim, mas são meus camponeses — sussurrou o jovem.

— Ah, sim, começo a compreender. De qualquer modo sempre terá


outros. Reproduzem-se com celeridade.

Alex não se incomodou em responder a esses absurdos. A cabeça


doía tanto pelo golpe recebido, como pelo que acabava de ver. Tinha
ouvido rumores sobre as coisas horrendas que aconteciam na América,
mas sem acreditar de tudo. Na Inglaterra se falava dos ingratos colonos
como se fossem meninos delinqüentes que precisavam de uma mão
firme. Até tinha visto que se descarregava e inspecionava os navios
norte-americanos antes de lhes permitir retornarem. Mas por algum
motivo não chegava a convencer-se de que isso fosse certo.

Recostou-se contra os almofadões, em silêncio, e não quis voltar


a olhar pela janelinha.

Quando chegaram à casa grande, edificada nos subúrbios da


cidade, Nick desceu de um salto, deixando que Alex se virasse sozinho.
Estava obviamente encolerizado com seu amigo e não tinha intenções
de continuar ajudando-o.

Alex desceu. O ajudante de câmara do russo o precedeu até um


quarto aonde o esperava uma tina cheia de água quente. Alex tirou a
roupa e se banhou; a água quente lhe acalmou a dor de cabeça. Mas

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ao banhar-se começou a pensar na carta de sua irmã. Ele a tinha


descartado, tomando-a por reação emotiva de mulher; agora se
perguntava se por acaso ela se referiu a esse tipo de coisas ao dizer que
Warbrooke precisava de ajuda. Segundo Elias, tinham tirado o navio
de Josiah por se suspeitar que vendesse mercadoria de contrabando.
Se os soldados se sentiam tão superiores para atacar a um indefeso
marinheiro na rua e incomodar a uma moça sem temor de castigo: o
que fariam os oficiais, os homens que detinham o poder?

— Vejo que segue pensando no que ocorreu hoje — comentou


Nick, ao entrar. — O que esperava, considerando que tinha saído do
cais vestido dessa maneira?

— Todo homem tem o direito de se vestir como desejar sem correr


perigo por isso.

— Essa é a doutrina de todos os camponeses — disse Nick,


suspirando, enquanto fazia gestos a um servo para que começasse a
abrir seus numerosos baús. — Por esta noite pode usar as roupas de
meu primo. Amanhã nos encarregaremos de vestí-lo adequadamente.
Então poderá viajar a casa de seu pai sem temor.

Como de costume, Nick fez que suas palavras soassem como uma
ordem, não sugestão. Passou a vida dando ordens que todos
obedeciam.

Quando Nick partiu, Alex dispensou o criado que lhe oferecia uma
das toalhas com o monograma de seu amigo, com intenção de secá-lo.
Envolveu o tecido na cintura e se aproximou da janela. Fora já tinha
escurecido por completo, mas as luminárias já estavam acesas e se via

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os soldados vagando pelas ruas. Como se alojavam nas casas dos


habitantes, iam e vinham a seu bel prazer. A pouca distancia se ouviam
gargalhadas estrondosas e ruído de vidros quebrados.

Esses homens não temiam a nada. Contavam com a proteção do


rei da Inglaterra. Se alguém se opunha, como tinha feito Alex, tinham
todo o direito de enforcá-lo. Eram ingleses; os norte-americanos
também eram ingleses, mas os consideravam selvagens e ignorantes,
necessitados de disciplina.

Alex se afastou da janela, aborrecido, e jogou uma olhada no baú


entreaberto de Nick. Em cima de tudo havia uma camisa negra.

E se alguém pagasse a esses homens com a mesma moeda? E se


um homem, vestido de negro, saísse à noite para deixar claro a esses
arrogantes soldados, que não podiam fazer mal aos colonos sem medo
de castigo?

Revolveu o baú de Nick até achar uma calça negra.

— Posso perguntar o que está fazendo? – inquiriu Nick, da porta.


— Se buscas jóias, asseguro-te que estão bem ocultas.

— Cale-se Nick, e me ajude a encontrar um lenço negro.

O russo cruzou o quarto e apoiou uma mão no braço de seu


amigo.

— Quero saber o que está fazendo.

— Me ocorreu dar uma dor de cabeça a esses ingleses.


Possivelmente como um fantasma negro saído da noite.

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— Ah, sim... começo a entender. — Os olhos de Nick brilhavam.


Essa ocorrência era atrativa a seu temperamento russo. Abriu um
segundo baú. — Alguma vez te falei de meu primo, que desceu a cavalo
a escadaria de nossa casa de campo? O animal fraturou as duas patas
dianteiras, é obvio, mas foi um momento magnífico.

Alex afastou a vista da camisa que tinha nas mãos.

— E o que aconteceu com seu primo?

— Morreu. Todos os bons morrem jovens. Em outra oportunidade,


estando ébrio, decidiu sair com seu cavalo por uma janela do primeiro
andar. Tanto ele como o cavalo morreram. Era um bom homem.

Alex silenciou seus comentários sobre o primo de Nick e vestiu a


apertada calça de montar negra. Seu amigo era mais baixo e mais
robusto que ele, mas Alex tinha as pernas grossas por ter passado
vários anos se exercitando pelo balanço dos navios; por isso usava
calças, que deveriam ficar folgadas, mas esta o envolvia como uma
segunda pele. A camisa de amplas mangas caia solta sobre ela.

— Toma isto — disse Nick, oferecendo botas de cano alto. — E


aqui tem um lenço. — Abriu a porta. — Me tragam uma pena negra! —
Uivou para o corredor.

— Não tem por que divulgar a notícia — observou Alex, enquanto


colocava as botas.

Nick encolheu os ombros.

— Aqui não há ninguém, exceto meu primo e sua esposa.

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— E uma centena de criados.

— Eles não contam. — O russo levantou a vista para o servo que


lhe oferecia uma pena de avestruz grande, de cor negra.

— A condessa envia seus cumprimentos — disse o criado, antes


de retirar-se.

Em poucos minutos Nick vestiu Alex de negro. Abriu buracos no


lenço e cobriu com ele a metade superior da cara de seu amigo. Depois
colocou um grande tricórnio na sua cabeça. A pena se enrolava ao redor
da aba, deixando cair algumas mechas sobre a testa.

— Sim — aprovou Nick, retrocedendo alguns passos para admirar


sua obra. — E agora o que pensa fazer? Cavalgar pelas ruas,
assustando aos homens e beijando as moças?

— Algo assim.

Agora que estava vestido, Alex não tinha certeza do que tinha
pensado no princípio.

— Nos estábulos há um bonito cavalo negro. Está na última baia.


Quando voltar brindaremos pelo... Corsário. Sim, isso, brindaremos
pelo Corsário. Agora saia, se divirta e não demore, pois tenho fome.

Alex, sorrindo, seguiu as indicações de seu amigo para chegar aos


estábulos. A vestimenta negra o confundia com a escuridão. Enquanto
avançava começou a adquirir certa decisão. Pensou nos soldados que
tinha visto arrastar aquela moça até o beco; pensou em Josiah, que
tinha perdido seu navio. Josiah havia ensinado aos três moços
Montgomery a atar nós de marinheiros.

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O cavalo que Nick tinha recomendado era um demônio furioso que


não estava disposto a deixar montá-lo. Alex o tirou do estábulo e o
montou. Teve que lutar bastante para dominá-lo, mas por fim saíram
a todo galope para as ruas.

Alex conduziu silenciosamente o animal pelos arredores da rua


principal, em busca de um lugar onde pudesse ser útil. Não demorou
em se apresentar a ocasião. Diante de uma taberna havia uma bonita
jovem, com os braços carregados de pequenos barris de cerveja rodeada
por sete soldados ébrios.

— Nos dê um beijo — disse um deles. — Só um beijinho.

Alex não perdeu tempo em esporear sua montaria para sair de


entre as sombras e atacar o grupo. Seu cavalo, se lançando a todo
galope, teria bastado para que os homens se sobressaltassem, mas o
cavaleiro vestido de negro, cuja cabeça se recortava ante a luz da
luminária do sistema de iluminação pública, fez que retrocedessem,
atemorizados.

O jovem não se deteve a pensar como dissimularia sua voz, mas


ao falar o fez com o sotaque de inglês da classe alta e não com vogais
fechadas que se impuseram na América do Norte nos últimos cem anos.

— Se metam com homens, não com mulheres — disse.

E tirou a espada, avançando até dois dos homens, que estavam


recuando com a aparição e o nervosismo do cavalo.

Com um movimento hábil, cortou os botões ao uniforme do


primeiro homem, depois o do outro. Os pedaços de metal polido caíram

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tamborilando nos paralelepípedos. O cavalo esmagou um sob sua


ferradura. Alex o fez retroceder, já se perdendo nas sombras. Sabia que
a surpresa contava em seu favor, mas assim que esses homens
recuperassem o senso comum o atacaria ou pediriam ajuda aos gritos.

Cortou o ar com a espada sibilante e apoiou a ponta sob o queixo


de outro soldado.

— Antes de incomodar outra vez a um americano, pensem bem,


se não quiserem que o Corsário os encontre.

E moveu a ponta da espada para baixo, cortando o uniforme do


homem até próximo à pele, mas sem sequer arranhá-lo. Após soltou
uma gargalhada. Era uma gargalhada de puro prazer, nascido do
triunfo que o alagava por haver submetido a esses caipiras autoritários,
que só tinham coragem quando estavam em grupos. Ainda sorridente
sob a máscara, fez virar a seu cavalo e galopou rua abaixo, veloz como
o vento.

Mas mesmo toda sua velocidade não lhe permitiu se esquivar da


bala que dispararam contra suas costas. Sentiu que algo quente lhe
rasgava o ombro. Sua cabeça caiu para trás e o cavalo se elevou
empinando, mas ele conseguiu sustentar-se.

Então girou para a mulher e os soldados que ainda permaneciam


diante da taberna; um dos homens tinha na mão uma pistola
fumegante.

— Jamais apanharão o Corsário — disse, com voz triunfal. — Os


perseguirá dia e noite, sem que possam se livrar dele.

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Teve a prudência de não abusar de sua sorte: mudou de direção


e seguiu galopando pela rua abaixo, levemente inclinado. Nas casas
começavam a abrir as persianas. Os que apareceram puderam ver um
homem de negro que voava sob suas janelas. Alex ouviu em suas costas
os gritos de uma mulher, provavelmente a empregada que acabava de
resgatar, mas estava muito preocupado pela ferida de seu ombro e não
chegou a entender o que ela dizia.

Ao chegar aos limites da cidade compreendeu que devia se


desfazer do animal. No lombo desse demônio negro era muito visível.
Desmontou perto dos cais, protegido pela confusão de navios e cordas.
Deu no cavalo uma palmada na garupa e o viu afastar-se para voltar
aos estábulos.

Embora não pudesse ver a ferida, sentia que estava perdendo


muito sangue e que se debilitava com celeridade. O refúgio mais
próximo era o navio de Nick, ancorado a pouca distância e vigiado pela
tripulação do russo.

Enquanto abria caminho entre os navios, sempre oculto, escutou


a gritaria crescente das pessoas nas ruas. Ao que parecia, todos os
habitantes da cidade tinham saído de suas casas para participarem da
busca.

Ao chegar ao lugre de Nick rezou por que a tripulação russa lhe


permitisse subir a bordo. Esse povo era tão ciumento em sua ferocidade
como em seu amor.

Mas sua preocupação era injustificada. Um dos tripulantes o viu


e desceu ao cais para ajudá-lo a subir a bordo. Possivelmente estavam

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habituados que os amigos de seu amo chegassem no meio da noite,


com a camisa ensangüentada. Alex não recordou nada mais, a partir
do momento em que os marinheiros o ajudaram a subir a bordo e o
levaram a adega, meio suspenso no ar, perdeu os sentidos.

Ao abrir os olhos viu o vaivém familiar de um abajur balançado


pelo ritmo do mar.

— Bom, parece que vai sobreviver.

Alex moveu um pouco a cabeça. Nick estava sentado junto dele,


sem jaqueta e com a camisa manchada de sangue no peito.

— Que horas são? — perguntou Alex, tratando de levantar-se. O


esforço provocou enjôos e o obrigou a deitar-se outra vez.

— Está por amanhecer — replicou seu amigo, se levantando para


lavar as mãos em uma bacia de água. — Ontem à noite esteve a ponto
de morrer. Custou bastante extrair a bala.

Alex fechou os olhos por um momento, pensando naquela tolice


de apresentar-se como o Corsário.

— Oxalá não o incomode que abuse um pouco mais de sua


hospitalidade, mas por dois dias não estarei em condições de viajar a
Warbrooke.

Nick secou as mãos com uma toalha.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Acredito que nem você e nem eu tínhamos idéia das


consequências do que fez ontem à noite. Ao que parece, esta cidade
estava procurando um herói e te escolheu como tal. Não se pode sair à
rua sem ouvir falar das façanhas do Corsário. Atribuem-lhe todas as
ações que se perpetraram contra os ingleses nos últimos dez anos.

Alex emitiu um grunhido de desgosto.

— E isso é o de menos. Os ingleses enviaram a todos os soldados


disponíveis em sua busca. Já há cartazes pedindo sua detenção.
Ordena-se matá-lo a primeira vista. É esta amanhã vieram duas vezes,
pedindo para revistar meu navio.

— Então partirei — resolveu Alex.

Tratou de sentar-se, mas estava muito fraco pela perda de sangue


e o ombro doía abominavelmente.

— Mantive-os fora de minha cobertura ameaçando que meu país


lhes declararia a guerra. Se pisar na prancha, Alex, o matarão em
segundos. Procuram a alguém alto e esbelto, de cabelo negro. — Os
olhos do russo se fixaram nos de seu amigo, ardentes de febre. — E
sabem que está ferido.

— Compreendo.

Alex, ainda sentado na borda da cama, compreendendo a


situação. Sabia que enfrentava à morte, mas não podia permanecer a
bordo e arriscar a de seu amigo. Tratou de levantar-se, apoiando-se
com força na cadeira que tinha ante si.

— Tenho um plano — disse Nick. — Como não quero que me

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

persiga a marinha inglesa, eu gostaria de permitir que revistassem meu


navio...

— Sim, é obvio. — Alex tratou de sorrir. — Ao menos isso me


evitará ter que caminhar pela prancha. Essa idéia eu não gosto nada.

Nicholas passou por cima desse toque de humor.

— Mandei procurar alguma roupa na casa de meu primo, que é


homem obeso e afeiçoado às roupas vistosas.

Ouvindo isso, Alex arqueou uma sobrancelha. A seu modo de ver,


a vestimenta de Nick teria envergonhado um pavão. Como seriam as de
seu primo?

O russo continuou:

— Acredito que, se lhe acolchoarmos para que preencha as


roupas, fizermos exalar um pouco de whisky e colocarmos uma peruca
com pó nessa massa de cabelo negro, pode passar pela inspeção dos
soldados.

— Não basta com que me ponha o disfarce e saia caminhando do


navio?

— E depois, o que faria? Precisa ajuda, mas quem quer que lhe dê
arriscará sua vida. Além disso, quantos destes norte-americanos
pobres poderão resistir à recompensa de quinhentas libras que
oferecem por sua cabeça? Não, permanecerá a bordo de meu navio,
comigo, e depois navegaremos até sua cidade. Haverá ali alguém que
te atenda?

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O Corsário – Jude Deveraux

Alex se recostou contra a parede, sentindo-se até mais fraco que


ao despertar. Pensava na cidade de Warbrooke, estabelecida por seu
avô, que seu pai era agora quase proprietário. Estava habitada por
amigos deles, pessoas que o conheciam de sempre... e ele era um
produto desse povo. Se ele era corajoso, eles o eram em dobro. Nenhum
soldado inglês assustaria a cidade de Warbrooke.

— Sim, ali há pessoa que me ajudará — disse, por fim.

— Nesse caso, devemos te vestir.

Nick abriu a porta do camarote e chamou um servo para que


trouxesse as roupas necessárias.

— Chegamos, Alex — disse Nick, com suavidade.

Olhou para seu amigo com simpatia. Alex tinha tido alta
temperatura durante toda a semana; seu aspecto era o de quem tinha
passado vários dias em estado de embriaguez: olhos fundos, pele seca
e avermelhada, músculos débeis e lentos.

— Teremos que voltar a te vestir com as roupas de meu primo. Os


soldados continuam procurando o Corsário e temo que chegaram até
aqui. Compreende-me?

— Sim — murmurou Alex. — Em Warbrooke me cuidarão. Já verá.

— Espero que não se equivoque e que eles possam acreditar no

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

que verão.

Referia-se ao ridículo espetáculo que representava o jovem, com


seus acolchoados de gordura, a jaqueta de brocado e a peruca coberta
de pó. Não se parecia em nada ao bonito moço que deveria voltar para
sua cidade natal para salvá-la de um malvado parente.

— Já verá — repetiu Alex, grogue pelo conhaque que Nick lhe


tinha dado para ajudá-lo a suportar o esforço iminente. — Me
conhecem. Quando me virem assim começaram a rir, pois
compreenderão que aconteceu algo. Eles me cuidarão até que cicatrize
este maldito ombro. Só rogo que não me delatem frente aos soldados.
Porque nunca se viu a um Montgomery vestido de pavão, compreende?
Imediatamente se darão conta de que há um motivo.

— Sim, Alexander — disse Nicholas, mais tranqüilo. — Espero que


tenha razão.

— Tenho. Já verá. Conheço estas pessoas.

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O Corsário – Jude Deveraux

02
—Não sei por que tenho que ir espera-lo, justamente eu — alegou
Jessica Taggert pela milésima vez, com sua irmã Eleanor. — Alexander
nunca representou nada para mim... pelo menos, nada bom.

Eleanor ajustou os cordões do espartilho de sua irmã. Embora


fosse bastante bonita, em presença de Jessica ninguém olhava nela, e
o mesmo ocorria com todas as mulheres da cidade.

— Deve estar presente porque a família Montgomery sempre se


comportou muito bem conosco. Desça daí, Sally! — ordenou dirigindo-
se a irmãzinha de quatro anos.

A casa dos Taggert era um pouco mais que um barracão, de


reduzido espaço, que só recebia a atenção de duas mulheres cujo uso
completo de tempo era dividido e dedicado a casa, trabalho e com sete
irmãos menores para cuidarem. Estava no limite da cidade, oculta em
uma diminuta enseada, sem vizinhos próximos... não porque à família
gostasse de viver no isolamento, mas sim porque dezoito anos atrás, ao
chegar ao mundo o quinto dos meninos, tão ruidoso e sujo como os
anteriores, sem que a multiplicação parecesse não ter fim, os vizinhos
tinham deixado de construir nas proximidades.

— Nathaniel! — gritou Jessica ao de nove anos, que balançava


três gordas aranhas frente à cara de sua irmãzinha.

— Fica quieta, Jess — protestou Eleanor. — Como quer que feche

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O Corsário – Jude Deveraux

este vestido se te sacode assim?

— É que não quero que me feche. Na verdade, não vejo nenhuma


necessidade de que eu vá. Não preciso da esmola de pessoas como
Alexander Montgomery.

Eleanor soltou um sincero suspiro.

— Não o vê desde que eram meninos. Talvez tenha mudado.

— Ahahah! — riu Jess, afastando-se de sua irmã para levantar


Samuel, o bebê, que estava tratando de comer alguma substância
impossível de identificar, recolhida do chão. Uma das aranhas de
Nathaniel tinha ido parar na sua mãozinha suja e gordinha. — Quando
se é mau como Alexander não se muda. Faz dez anos era um sabichão
pomposo, e tenho certeza de que não mudou. Se Mariana tinha que
chamar um de seus irmãos para que a ajudasse a livrar-se desse
homem com quem cometeu a estupidez de casar-se, por que não
chamou um dos mais velhos, a um dos Montgomery bons?

— Acredito que escreveu a cada um deles, mas Alex foi o que


primeiro recebeu a carta. Fica quieta, que vou desembaraçar um pouco
seu cabelo.

Eleanor tomou com as mãos a cabelos de sua irmã, sem poder


dominar certa inveja. Outras mulheres passavam muitas horas
tratando de fazer o possível por seus cabelos. Jessica, em troca,
expunha o seu ao sol, ao ar salgado das águas do mar e a seu próprio
suor; entretanto o tinha mais bonito que ninguém. Era uma densa
massa loira e suave que brilhava a luz.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Oh, Jess, se te esforçasse um pouco poderia ter a qualquer


homem...

A irmã a interrompeu:

— Não comecemos outra vez, por favor. Por que não busca você
marido? Um marido rico, que mantenha aos dois e a todos os meninos.

— Nesta cidade? — soprou Eleanor. — Uma cidade que tem medo


de um só homem? Uma cidade que se deixa dominar por um tipo como
Pitman?

Jessica se levantou, afastando a cabelos de seu rosto. Havia muito


poucas mulheres que pudessem recolher o cabelo tão apertado e
continuar sendo bonitas, mas ela conseguia.

— Se você não quiser a nenhum destes covardes, eu tampouco.


— Deixou outra vez no chão o pequeno Samuel. — Mas pelo menos não
cometo a tolice de confiar em um só homem para que nos salve, sobre
tudo se esse homem é Alexander. Acredito que todos vocês recordam
os Montgomery como um grupo, não como indivíduos. Estou de acordo
que nunca existiu um grupo de homens mais estupendo que Sayer e
seus dois filhos mais velhos; chorei tanto como qualquer um de vocês
quando os moços embarcaram... mas não quando se foi Alexander.

— Parece-me que é injusta, Jessica. O que te fez Alex, em nome


de Deus, para que lhe tenha tanta antipatia? Não pode ter em conta as
travessuras que fazia quando era moço. Se assim for, teriam enforcado
Nathaniel faz quatro anos.

— É por sua atitude. Sempre se acreditou ser muito melhor que

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O Corsário – Jude Deveraux

qualquer um de nós. Seus irmãos e seu pai trabalhavam por todo


mundo, mas Alexander se considerava muito acima dos outros. Sua
família era a mais rica da cidade, mas só ele percebia isso.

— Está falando das esmolas? Da vez em que lhe jogou na cara as


lagostas que nos trazia? Nunca pude compreendê-la. Se todos da
cidade nos davam coisas!

— Bom, pois agora não o fazem! — respondeu-lhe Jessica,


zangada. — Sim, refiro às esmolas, a viver sem saber o que comeríamos
no dia seguinte, sempre sem ter nada, sempre necessitados. E papai,
que voltava para casa a cada nove meses, bem a tempo para deixar a
mamãe... — Fez uma pausa para acalmar-se. — Alexander era o pior.
Que ar tinha cada vez que nos trazia um saco de cereal! Com que
superioridade nos olhava! Cada vez que um bebê de nossa família lhe
aproximava, sacudia suas calças.

Eleanor sorriu.

— Pois era necessário sacudir as calças ou as saias, Jess, cada


vez que se aproxima de um bebê de nossa família. Parece-me que é
injusta. Alexander não era melhor nem pior que os outros dessa
família. O que ocorre é que só tinha dois anos e, portanto, tinha mais
afinidade com ele.

— Pois preferiria ter afinidade com um tubarão.

Eleanor revirou os olhos.

— Recorda que ajudou Patrick para que o empregassem como


grumete no Donzela Loira.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Faria qualquer coisa para ter um Taggert a menos na cidade.


Está pronto?

— Mais um momento. Farei um trato contigo: se Alexander for


mais vaidoso que você diz, amassarei e farei três tortas de maçã na
semana que vem.

— Ganharei sem o menor esforço. Arrogante como é,


provavelmente pretenda que lhe beijemos a mão. Dizem que esteve na
Itália. Provavelmente conheceu o Papa e aprendeu alguns costumes
dele. Usará roupa interior de renda perfumada?

Eleanor não prestou atenção.

— Mas se ganhar eu — continuou — você terá que usar vestido


toda a semana e ser amável com o senhor Clymer.

— Esse velho com hálito de peixe? Oh, bom, não importa, porque
de qualquer modo vou ganhar. Esta cidade terá que vê-lo: quando
Alexander está sozinho, sem seus irmãos e seu pai, é um pirralho
preguiçoso, cheio de vaidade e condescendência...

Interrompeu-se porque Eleanor a empurrava para a rua.

— E você, Nathaniel, cuida desses meninos ou se verá comigo -


ameaçou o mais velho, por sobre o ombro.

Quando chegaram ao cais, Jessica já ia de arrastão, enumerando


tudo o que era preciso fazer: remendar as velas, reparar as redes de
pesca...

— Bom, Jessica, — comentou Abigail Wentworth, assim que as

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O Corsário – Jude Deveraux

irmãs Taggert pisaram no cais — vejo que não suportou a ansiedade de


ver novamente Alexander.

Jessica vacilou entre o desejo de dar uma bofetada na moça e o


de abandonar o porto. Abigail era a segunda entre as jovens bonitas da
cidade e odiava Jessica por ser a primeira. Por isso adorava recordar
que ela, com seus dezesseis anos, estava na flor da idade, enquanto
que Jess podia considerar uma solteirona de vinte e dois anos.

Dedicou a Abby seu mais doce sorriso, disposta a dizer-lhe o que


dela pensava, mas Eleanor a puxou pelo braço para afastá-la.

— Não quero que hoje entre em uma rixa. Quero que os


Montgomery passem bem o dia, sem que Sayer tenha que te tirar do
tronco. Bom dia, senhora Goody — adicionou, com doçura. —Ali está o
navio onde viaja Alex.

Ao ver a nave, Jessica ficou boquiaberta.

— Esse cais é muito estreito! Tenho certeza de que isso vai contra
os estatutos. Terá visto Pitman? Provavelmente confiscará o navio. E
então o que fará seu precioso Alexander?

— Não é meu. Se fosse de alguém, Abigail não estaria esperando


aqui.

— Muito certo — suspirou Jess. — Verdade que o encantaria


lançar mão dos dois mil e quatrocentos metros de ancoragem que têm
os Montgomery? Ouça, o que olham todos para ali?

Eleanor se voltou nessa direção. Um grupo de pessoas olhavam


algo, petrificadas e boquiabertas. Começaram a abrir caminho, mas

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

sem pronunciarem uma palavra.

Um homem caminhava para as moças. Vestia uma jaqueta de cor


amarelo canário, com uma larga borda de flores e folhas bordadas na
bainha. A jaqueta cobria uma barriga enorme, e o sol se refletia nas
múltiplas cores do bordado de seda. As calças que cobriam suas gordas
pernas eram de cor verde esmeralda; usava também uma peruca cujos
cachos cobriam seus ombros. Caminhava pelo cais cambaleando de vez
em quando, pelo evidente efeito da bebida.

Os habitantes pareciam tomá-lo por outro funcionário enviado da


Inglaterra, mas Jessica o reconheceu de imediato. Nem a obesidade,
nem a peruca podiam dissimular por completo essa imperiosa
expressão dos Montgomery. Apesar dos quilos em excesso ainda se
viam os maçãs do rosto que Alexander tinha herdado de seu avô.

Jessica se adiantou, balançando suas saias para que todos a


vissem. Sempre tinha sabido com segurança de que Alexander
Montgomery era um dejeto e ali estava a prova. Nisso se converteu
assim que escapou do comando paterno.

— Bom dia, Alexander — disse, em voz alta e rindo. — Bem-vindo


ao lar. Não mudou nem um pouco.

Ele se deteve para olhá-la, piscando, sem compreender. Tinha os


olhos avermelhados pelo álcool, cambaleava tanto que seu
acompanhante, um homem moreno e corpulento, teve que sustentá-lo.

Jessica deu um passo atrás para olhá-lo dos pés a cabeça. Logo
pôs as mãos na cintura e pôs-se a rir. Momentos depois, as pessoas da
cidade começaram a imitá-la.

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O Corsário – Jude Deveraux

Não puderam deixar de rir nem sequer quando Mariana


Montgomery chegou correndo ao cais. Ao ver seu irmão se deteve em
seco.

— Olá, Mary, tesouro — disse Alex, com um sorriso torcido.

Uma vez mais, o homem da camisa suja teve que segurá-lo.


Mariana olhou seu irmão, incrédula. A multidão deixou de rir.

Alex não deixava de sorrir, mas a boca da mulher ia se abrindo


mais e mais. Por fim jogou o avental sobre o rosto e começou a chorar.
Fugiu a toda carreira dos cais, com os calcanhares aparecendo por
debaixo de suas saias e os soluços arrebatados pelo vento.

Diante disso, a multidão ficou em quietude. Todos jogaram um


olhar depreciativo para Alex, com sua vistosa jaqueta, e começaram a
retomar aos seus trabalhos. No vento ressonavam as palavras:

— Pobre Sayer...

— E os irmãos, tão boa gente!

Em poucos minutos só ficaram quatro pessoas no cais: Jessica,


que desfrutava extremamente de todo aquilo, pois havia dito a todos
que Alex não servia de nada; Eleanor, com o cenho franzido; o aturdido
Alexander e o homem corpulento de camisa suja.

Jessica se limitava a sorrir triunfalmente, enquanto Alex tratava


de limpar-se. Por fim se voltou a olhá-la.

— Tudo isto é tua culpa — sussurrou.

Jess alargou seu sorriso.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Oh, não, Alexander. A culpa é tua, por mostrar finalmente sua


verdadeira personalidade. Enganou a todos por muitos anos, mas a
mim não. Oh, agradeceria que me desse o endereço de seu alfaiate. —
Voltou-se para sua irmã. — Você não adoraria ter uma anágua dessa
cor?

Eleanor a olhou entortando os olhos.

— Basta já, Jessica.

Jess dilatou os olhos com ar inocente.

— Não sei do que está falando. Não faço mais que admirar suas
roupas... e sua peruca. Faz anos que ninguém usa peruca aqui, em
Warbrooke. — Dedicou ao viajante o mais doce de seus sorrisos. — Oh,
caramba, estou te atrasando quando deve estar faminto. — Olhou
maldosamente para o ventre enorme. — Uma coisa como essa tem que
requerer um esforço constante.

Alexander quis jogar-se contra ela, mas Nick o impediu.

— Bom Deus — zombou Jessica. — O leitãozinho tem garras.

— Já me pagará por isso, Jessica Taggert – assegurou Alexander,


em voz baixa.

— Com o que? Com tortas de nata?

Eleanor se interpôs antes que Alex pudesse dizer uma palavra a


mais.

— Bom, Alexander, é hora que volte para sua casa. Deixe-me ver,
você — ordenou, dirigindo-se a Nicholas — se encarregue de trazer sua

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O Corsário – Jude Deveraux

bagagem. Uma vez que estejamos na casa, ocupar-te-ás de atender a


seu amo. E você, Jessica, vai procurar algo para o jantar.

— Sim, senhorita — disse Jess. — Não sabe como me alegro de


não ser parente dos Montgomery. Posso alimentar a seis ou sete
meninos, mas a isso... — e olhou a enorme barriga de Alex.

— Vai! —ordenou Eleanor.

Jessica abandonou o cais, assoviando alegremente e falando das


tortas que comeria essa semana. Eleanor tomou Alex pelo braço, sem
mencionar o fato de que estava obviamente ébrio e não podia caminhar
sem ajuda. O suposto servo de Alex permaneceu no cais.

— Como se chama? — perguntou a moça a Alex.

— Nicholas — disse o jovem, com os dentes apertados. A irritação


ruborizava seu rosto e fazia mais negros seus olhos.

Eleanor se deteve, sempre segurando o braço de Alex.

— Faça o que te digo, Nicholas. Traga os pertences de seu amo e


me acompanhe. E faça-o agora mesmo.

Nick esperou um momento. Depois olhou para Eleanor dos pés a


cabeça, lascivo. Sorrindo apenas, inclinou-se para recolher a pequena
bolsa com roupas emprestadas por seu primo.

— Sim, senhorita — disse com suavidade, enquanto se punha a


andar atrás deles, observando o vaivém das saias dela.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Cento e vinte quilos, no mínimo — ria Jessica, sentada à


cabeceira da mesa. Eleanor ocupava o outro lado. Entre ambas se
sentavam sete pequenos Taggerts, de distintos tamanhos e idades e
com diversos graus de sujeira. Cada um tinha um prato de madeira,
cheio de fumegante guisado de peixe, e uma colher de madeira. Eram
utensílios preciosos, tratados com tanta delicadeza como se se tratasse
de prata fina. O guisado era muito singelo, sem nenhum condimento:
só peixe cozido por um longo momento. Já tinham se acabado as
poucas hortaliças restantes do verão e o novo pomar ainda não rendia
frutos.

— O que disse Sayer? — perguntou Jessica, sempre rindo.

Eleanor a fulminou com o olhar. Estava a quatro anos


trabalhando na casa dos Montgomery; ao morrer a mãe de Alex, dois
anos atrás, havia assumido a direção domestica da casa. Mariana, a
mais velha dos filhos, ficou solteirona, por sua corpulência ou por seus
ares dominantes, embora fosse ela quem estivesse no comando da
enorme casa e encarregada de cuidar do pai inválido, tinha esquecido
tudo ao chegar o novo funcionário da alfândega, John Pitman.
Naturalmente, meia cidade tratou de lhe explicar que o inglês só a
cortejava pelo dinheiro de seu pai, mas Mariana, arrogante, negou-se
a escutar. Nas primeiras duas semanas de casada compreendeu que
as pessoas tinham razão, agora carregava o remorso de saber ser a

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O Corsário – Jude Deveraux

responsável por muitos dos problemas de Warbrooke. Entregou a


manutenção da casa a Eleanor e se encerrou em seu quarto, onde agora
passava a maior parte de suas horas, bordando um trabalho atrás de
outro. Se não podia curar a enfermidade que tinha provocado, pelo
menos queria dissociar-se dela por completo.

— Parece-me que não é o momento para falar disso. — Eleanor


jogou um olhar expressivo aos meninos, que estudavam atentamente
seus pratos de guisado, mas em realidade, escutavam com tanta
atenção que quase os via mover as orelhas.

— O senhor Montgomery disse que sua esposa sempre malcriou


ao mais novo dos filhos e que já tinha previsto algo assim — interveio
Nathaniel. — Acredito que se referia à roupa de lorde Alex e pelo gordo
que está. Milady Mariana chorou muitíssimo. Quem é esse tal Nicholas,
Eleanor?

A irmã mais velha fulminou com o olhar ao jovem Taggert.

— Nathaniel, quantas vezes te disse que não deve se entremeter


nas conversas dos mais velhos? E que não escute atrás das portas?
Além disso, havia te encarregado de cuidar de Sally.

— Eu também fui — esclareceu à pequena. — Nos escondemos


no...

Nathaniel tampou sua boca.

— Sim, eu estava cuidando dela! Mas queria me inteirar. E quem


é esse Nicholas?

— O servo de Alex, suponho — disse Eleanor. — E não trate de

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O Corsário – Jude Deveraux

mudar o assunto. Disse-te mil vezes...

— Não há torta de maçã nesta casa? — preguntou Jessica. — Não


quero ouvir uma palavra a mais sobre Alexander Montgomery. É uma
baleia velha que se tornou encalhada e, finalmente, mostra os fiapos.
Amanhã, Nate, quero que vá à enseada com uma bolsa e recolha
algumas lagostas.

— Outra vez! — grunhiu ele.

— Você, Henry — continuou a moça, dirigindo-se ao de doze anos


— irá ver se já amadureceram as amoras, leve contigo Sam. Philip e
Israel terão que vir manhã comigo, faremos uma inspeção pela costa
juntando lenha.

— Lenha? — estranhou Eleanor. — Acha que Mary Catherine pode


carregar tanto peso?

Jessica ergueu as costas, como sempre que alguém fazia


comentários sobre seu navio. A embarcação não era grande coisa,
talvez Jahleel Simpson tivesse razão quando dizia: 'O Mary Catherine
pode flutuar, mas é óbvio que não gosta'. De qualquer modo era seu
barco, única herança que tinha deixado seu pai, além de várias bocas
que alimentar, e ela estava orgulhosa de tê-lo.

— Pode. Além disso, precisamos de dinheiro. Alguém terá que


pagar tantas maçãs.

Eleanor baixou a vista a seu prato, aonde havia agora uma porção
de torta de maçãs. Às vezes 'tomava emprestados' algumas provisões
da cozinha de Sayer Montgomery. Fazia raras vezes, sempre em

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pequenas quantidades, e invariavelmente as devolvia assim que era


possível, mas mesmo assim se sentia culpada. Sem dúvida alguma,
Sayer ou Mariana lhe teriam dito que pegasse todo o necessário se
tivesse pensado em pedir. Mas Sayer estava muito ocupado em
compadecer-se de si mesmo, como Mariana estava em lamentar os
males que acarretou sobre seus vizinhos, e nenhum dos dois tinham
em conta os problemas particulares de outros.

Samuel, o de dois anos, decidiu envolver a colher pegajosa no


cabelo de Molly e puxou com todas as suas forças. Isso pôs fim a
qualquer conversa adulta.

Na manhã seguinte, Alexander despertou com a mandíbula


dolorida de tanto apertar os dentes durante a noite. A irritação lhe
durou até adormecer. No dia anterior tinha sofrido o que parecia ser
insuportável. Depois de desembarcar, preocupado pela possibilidade
de que voltasse a sangrar a ferida, vendo o cais rodeado de soldados
ingleses montados a cavalos, obviamente em busca de alguém, ter tido
que enfrentar a essa malcriada Jessica Taggert, que ria abertamente
dele. Com que facilidade se convenceram seus vizinhos de que ele era
um covarde como a moça afirmara! Com quanta celeridade se
esqueceram do que ele tinha sido!

Ao chegar à casa de seu pai, a notícia já tinha se pulverizado.


Mariana tinha a cabeça apoiada na cama de seu pai e chorava

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O Corsário – Jude Deveraux

ruidosamente. Sayer se limitou a lançar uma olhada a seu filho e fez


um gesto de que se retirasse, como se ao vê-lo assim, o mais novo de
sua prole o desgostasse ao ponto de deixá-lo sem palavras.

Alexander estava muito fraco pela perda de sangue e tão furioso


pelo ocorrido no cais que nem sequer tentou defender-se. Seguiu
Nicholas até seu próprio quarto e se deixou cair na cama.

Nem sequer se animou ao ver Nicholas Ivanovitch, duque da


Rússia, carregando sua bagagem. Caiu em um sono leve, no que se
imaginou estrangulando Jessica Taggert, mas em outra parte do sonho
fazia-lhe amor como um louco. Quando havia se tornado tão linda? O
espanto de ver-se tentado por uma mulher bonita não o deixava em
paz.

E agora, com a cabeça dolorida e o ombro palpitante, seguia


deitado na cama, olhando o teto. Uma parte de seu cérebro, o único
que não tinha sido invadido pela fúria, começava a funcionar. Talvez
fosse melhor que todos tivessem engolido seu disfarce. Ele já tinha visto
o que acontecia em Nova Sussex e o modo que os soldados governavam
a cidade. Tinha ouvido falar das atrocidades cometidas contra os
americanos, que eram tratados como meninos maus. Também tinha
visto os preços das mercadorias que na Inglaterra vendiam pela metade
do valor... embora fossem produtos da América.

Possivelmente em Warbrooke também ocorriam esse tipo de


coisas.

Sua primeira idéia, ao despertar, tinha sido chamar Mariana para


mostrar a ferida e revelar sua identidade de Corsário. Sabia que sua

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O Corsário – Jude Deveraux

irmã o ajudaria até que se recuperasse e o protegeria da cólera


britânica. Além disso, teria gostado de ver seu rosto quando se
inteirasse de que ele não era um gordo alcoólatra. Mas agora
compreendia que com isso podia pô-la em perigo.

Nick, sonolento, entrou no quarto e se deixou cair em uma


cadeira.

— Essa mulher me fez levantar antes do amanhecer para que


cortasse lenha — disse, triste e com certa estranheza na voz. — Graças
ao que observei atentamente de meus próprios peões, tive alguma idéia
do que devia fazer. Entretanto, essa mulher não tolera a menor
vacilação.

— Jessica? — Perguntou Alexander, com ar bastante zombador.


Era só pensar nela que despertava muita vontade de aferrá-la pelo
pescoço.

— Não, a outra. Eleanor. — Nick deixou pender a cabeça entre as


mãos.

Alex já tinha visto as mudanças de humor de seu amigo e sabia


que o melhor era não lhe permitir se autocompadecer. Tentou levantar-
se. O lençol, ao cair, deixou a descoberto a bandagem que rodeava seus
ombros fortes e largos.

— Acredito que não devo revelar a ninguém meu verdadeiro


aspecto — começou. — O melhor será continuar usando estas roupas
chamativas até que me cicatrize o ombro e tenha passado o interesse
pelo Corsário. Poderia me emprestar um criado? Alguém discreto, que
não tema o perigo.

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O Corsário – Jude Deveraux

Nick levantou asperamente a cabeça.

— Todos meus homens são russos e os russos não temem a


ninguém. Pensa voltar a se apresentar como Corsário?

— Talvez.

Em realidade, Alex só pensava em ajustar contas com Jessica por


haver rido dele. Imaginava-se vestido do negro, subindo até a janela da
moça para lhe atar as brancas mãos aos postes da cama e...

— Está me escutando? — acusou Nick. — Não conheço pessoas


mais insolentes que seus americanos. Deveria zarpar agora mesmo
para minha pátria, antes de conhecer só mais um. Mas este assunto
do Corsário me entusiasma. Enviarei meu navio ao sul, em busca de
mais roupas de meu primo e uma peruca nova.

— Me deixará um desses criados dos quais você abusa, suponho.

— Não — retrucou Nick, pensativo. — Este jogo me diverte.


Ficarei, desempenhando o papel de teu servo, e guardarei seu segredo.
— Entrecerrou os olhos. — E farei com que essa Eleanor Taggert
lamente haver dito de mim as coisas que disse esta manhã.

— Trato feito — aceitou Alex. — Continuaremos juntos. Eu serei


o mais delicado dos jovens americanos. E você ensinará a trabalhar
nosso povo.

Isso fez com que Nick franzisse o cenho.

— Se alguém me mandar trabalhar nos campos, renunciarei. Ah,


mas que coisas poderei contar a minha família! – Disse Nick

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O Corsário – Jude Deveraux

— Espero que sua família te dê mais crédito que a minha.


Comecemos a luta com esta roupa? Começo a odiar essa peruca.

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O Corsário – Jude Deveraux

03
Alexander levou bastante tempo para vestir-se. Depois de
examinar a ferida, Nick o ajudou a acolchoar as coxas até preencher as
calças de cetim; aplicaram camadas e mais camadas de tecido e
algodão a sua cintura, até que sua barriga sobressaiu em quase trinta
centímetros, e por fim cobriram seu cabelo negro com a grande peruca
coberta de pó. Quando terminaram, usava tantas camadas que a testa
estava se cobrindo de suor.

— Não sei se estas pessoas valem a pena — comentou o jovem,


amargurado.

— É seu povo — aduziu Nicholas, encolhendo-se os ombros.

— Mas se voltaram contra mim.

Alex imaginou Jessica Taggert, rindo dele no cais. Se ela não


tivesse estado ali, talvez às pessoas do povoado não tivessem acreditado
com tanta facilidade em seu disfarce.

As onze em ponto entrou no salão da casa. Ali lhe esperavam


muita pessoa. Embora fingissem terem coisas que fazer na casa dos
Montgomery, Alex percebeu, pela forma em que o olhavam, de que
aguardavam só para vê-lo. Por um momento conteve o fôlego, seguro
de que alguém começaria a rir e lhe diria que tirasse o disfarce, já que
estava em sua casa e entre amigos.

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O Corsário – Jude Deveraux

Um a um, todos baixaram a vista às taças que tinham na mão.

Alex jogou uma olhar para Eleanor, que dirigia às duas mulheres
encarregadas de cozinhar na lareira aberta. O salão era uma
combinação de cozinha, salão e sala de reuniões. Devido ao fato que a
família Montgomery fosse proprietária da maior parte de Warbrooke,
também, a maior parte dos negócios corriam por conta da família.
Durante o dia, quase todos os vizinhos da cidade se apresentavam
nesse salão por um motivo ou outro. Sayer Montgomery sempre tinha
cuidado de que houvesse mantimentos e bebida preparada para todos
que vinham a sua casa.

Em um canto havia dois homens sentados na ponta de uma das


duas mesas largas, um deles começou a falar em voz bastante alta.

— Meu genro cultivou pessoalmente esse trigo, mas antes que eu


pudesse levá-lo a Espanha tive que me deter na Inglaterra e descarregá-
lo para sua inspeção.

— E me obrigaram a levar a Inglaterra o cacau do Brasil antes de


desembarcá-lo em Boston.

Os homens olhavam para Alexander por sobre a borda das taças,


mas o jovem fingia não ouvir. Se não se incomodavam em lhe dirigir
diretamente a palavra, por que demonstrar interesse? E o que podia
fazer ele com essa lei inglesa? Pelo que parecia, eles ainda viviam nos
tempos medievais, onde o suserano podia apresentar suas queixa
pessoalmente diante do rei.

— E eu perdi meu navio por sessenta libras — disse Josiah


Greene.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Alexander contemplou o enorme prato de comida que Eleanor


tinha posto diante ele. Era como se fosse um único espectador diante
uma obra que já tinha visto. Enquanto comia escutava o relato de
Josiah. Sem dúvida, seu vizinho já tinha contado mil vezes, mas os
presentes repetiam tudo em benefício de Alexander.

Entre todos, descreveram o belo navio de Josiah, que estava tão


orgulhoso dele. Mas o homem tinha aborrecido John Pitman por uma
parcela de terreno que se negava a vender ao inglês. Pitman assegurou
que Josiah tinha a adega cheia de tinta verde, artigo de contrabando.
Mas ao seqüestrar e revistar o navio de Josiah não achou tinta alguma,
apresentou-se em sua casa com dez ou doze soldados para inspecioná-
la no meio da noite. No transcurso dessa "inspeção" destruiu um porão
cheio de provisões, a roupa de cama foi rasgada, os móveis destroçados
e suas filhas, aterrorizadas. Josiah tratou de recuperar seu navio, mas
lhe disseram que devia pagar uma fiança de sessenta libras. Como todo
seu dinheiro estava investido na fiança que devia pagar a Pitman cada
vez que zarpava de Warbrooke, não podia abonar sessenta libras a
mais. Seus amigos reuniram esse dinheiro, mas o proprietário do navio
deveria apresentar as provas de sua inocência. Ele dizia que nunca
tinha tido tinta verde a bordo; o inglês dizia que sim. Apresentaram o
caso diante da Corte Colonial do Almirantado - a cargo de um juiz, não
de um jurado - e o navio foi entregue à alfândega, já que Josiah não
podia provar a inexistência da tinta.

Almirantado - Comando supremo da marinha: o almirantado britânico.

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O Corsário – Jude Deveraux

Alexander logo esqueceu suas próprias angústias ao observar


Josiah, que tinha sido aniquilado com toda legalidade por um inglês
ambicioso. Pitman queria as terras de Josiah; não só tinha conseguido
essa parcela, mas também tudo que pertencera antes à família Greene.

Alex mantinha a cabeça encurvada e o olhar fixo na comida para


dissimular a fúria que fervia nele. Se quisesse manter seu disfarce não
podia deixar entrever o efeito que lhe provocavam esses relatos. Sentia
que todos os olhares estavam fixos nele, tratando de comprovar se
continuava sendo o homem de antes. Eram como meninos,
convencidos de que quem quer que tivesse o sobrenome Montgomery
poderia solucionar seus problemas e fazer que tudo voltasse a está
bem.

Alex se salvou de revelar suas sensações quando a porta se abriu,


dando entrada a Jessica Taggert, que trazia duas grandes cestas cheias
de ostras.

A moça lançou uma só olhada aos presentes, que permaneciam


muito quietos, como se esperassem o estouro de uma tormenta, e
compreendeu imediatamente o que acontecia.

— Ainda conservam as esperanças? — riu, passando a vista entre


os homens. — Ainda pensam que este Montgomery vai ajudar? Deus
só fez três Montgomery: Sayer, Adam e Kit. Este não merece o
sobrenome. Toma, Eleanor — adicionou, entregando as cestas a sua
irmã. — Parece que irão faltar mais, se este desfile se mantiver por todo
o dia. — Jogou a Alex um olhar zombador, embora ele não tivesse
levantado os olhos do prato. — Com esse aqui, todo mundo tem

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bastante o que olhar.

Muito lentamente, Alex levantou a cabeça. Tratou de dissimular


sua cólera, mas o conseguiu só em parte.

— Bom dia, senhorita Jessica — saudou, em voz baixa. — Você


vende ostras? Não tem marido que a mantenha?

Os homens sentados à mesa começaram a rir entre dentes. Sendo


Jessica tão bonita, não havia um entre os presentes que não tivessem
tido algum tipo de contato com ela. Alguns tinham proposto casamento
ao morrer suas esposas, esgotadas pela procriação; outros tinham um
filho que aspirava a sua mão; a maioria sonhava, simplesmente, em
possui-la. Mas ali havia um homem disposto a insinuar que ninguém
a queria.

— Posso me manter sozinha — assegurou Jessica, erguendo-se


em toda sua estatura. — Não quero ter um homem que me diga o que
fazer e como fazê-lo.

— Compreendo. — Olhou-a de cima a baixo. Jess tinha


descoberto, tempo atrás, que não podia pilotar seu pequeno barco se
usava saias largas, por isso tinha adaptado para seu uso as roupas de
marinheiro. Usava botas altas sob as calças folgadas, que chegavam ao
joelho, e completava o traje com uma blusa folgada e um colete sem
botões. Vestia como quase todos os homens de Warbrooke, embora sua
cintura fosse muito estreita e devia ajustar muito o cinturão para
sustentar as calças.

— Me diga você — continuou Alex, serenamente: — ainda quer o


endereço de meu alfaiate?

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O Corsário – Jude Deveraux

Os homens riram com mais expressividade do que a piada


merecia. Muitos deles tinham observado o bambolear dos seus quadris
quando Jessica caminhava pelo cais. Até com roupas masculinas tinha
todas as curvas que uma mulher poderia desejar.

Eleanor interveio antes que brotasse outro sarcasmo.

— Obrigada pelas ostras. Poderia trazer um pouco de arenque


pela tarde?

Sua irmã assentiu sem dizer uma palavra, ainda furiosa com Alex
por ter feito que rissem dela. O fulminou com o olhar, sem se incomodar
em saudar os que gozavam com sua humilhação, e saiu da casa sem
voltar à cabeça.

Eleanor retirou o prato de Alexander, ainda meio cheio, e lhe


cravou um olhar duro, embora sem dizer nada. Depois de tudo, ele era
o filho do patrão. Em troca se voltou para Nicholas, que vadiava diante
da porta.

— Leve isto aos porcos. E se apresse!

Nick abriu a boca para dizer algo, mas a fechou, os olhos


faiscantes.

— Sim, senhorita — disse. — Eu não sou dos que contradizem às


mulheres.

Diante disso explodiram novas gargalhadas. Por um momento,


Alex voltou a sentir-se parte da cidade e não um desconhecido.

Mas as risadas cessaram um momento depois, quando Alex ficou

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O Corsário – Jude Deveraux

de pé... melhor dizendo, quando tentou fazê-lo. Não estava acostumado


à protuberância do ventre e se chocou contra a ponta da mesa. Ao
mesmo tempo girou o ombro, forçando a carne da ferida que estava
meio sarada. Entre a dor e a confusão, demorou um momento em se
desembaraçar da cadeira.

Para ele, a cena foi quase divertida. Para seus vizinhos era
patética.

Ao levantar a vista, Alex viu piedade em todos os olhos. Saiu do


salão afastando o rosto para dissimular sua irritação. Era hora de
apresentar-se diante de John Pitman.

Estava exato onde Alex tinha suposto: no escritório que os


Montgomery usavam há três gerações. Era um homem baixo e
musculoso, calvo até a metade da cabeça. Alex não pôde ver-lhe o rosto,
porque estava concentrado nos livros contábeis abertos sobre o
escritório. Antes que Pitman levantasse a vista, o jovem teve tempo de
estudar o quarto. Viu que os dois retratos de seus antepassados tinham
sido retirados das paredes. Certo armário que tinha pertencido a sua
mãe estava provido de um forte cadeado. Pelo que parecia, o homem se
instalou ali com intenções de ficar.

— Ahamm! — pigarreou Alex.

Pitman levantou a vista.

A primeira impressão de Alex foi de olhos penetrantes: grandes,


fortes, reluzentes como diamantes negros. "Este homem é capaz de
tudo", pensou o jovem: "de bom e de mau."

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O Corsário – Jude Deveraux

John Pitman olhou seu cunhado de cima a baixo, avaliando-o com


seu duro olhar, como se tratasse de recordar o que lhe tinham contado
dele e o comparasse com o que tinha diante si.

Alex disse a si mesmo que, se desejava enganar esse homem, teria


que esforçar-se muito. Extraiu um lenço de seda branca com borda de
renda.

— Que calor faz hoje! Verdade? Estou quase desmaiando. — E


entrou com passinhos curtos, deixando que seus quadris o levassem
para a janela. Recostou-se contra o marco, secando delicadamente a
transpiração do pescoço.

Pitman, reclinado em sua cadeira, estudava-o em silêncio.

Alex olhou pela janela, com os olhos entrecerrados em um gesto


de preguiça. Nicholas estava arrojando comida aos frangos, mas o fazia
de tal modo que a brisa levava a metade das sementes. Eleanor correu
para ele, com o avental revoando, com dois de seus irmãozinhos presos
a seus calcanhares.

O jovem se voltou para o intruso.

— Tenho entendido que é meu novo cunhado.

Pitman levou um momento para responder.

— Em efeito.

Alex se afastou da janela para sentar-se delicadamente, cruzando


as pernas até onde permitia o acolchoado nas panturrilhas, coxas e
cintura.

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— E o que é isso que está roubando o povo de Warbrooke?

Deixou passar um instante antes de levantar a vista. Os olhos


desse homem refletiam sua alma. Quase se via fazer cálculos mentais.

— Não faço nada ilegal. — A voz de Pitman soava contida.

Alex retirou uma imaginária penugem de seus punhos de renda.

— Eu adoro a renda fina — comentou, melancólico. — Suponho


que se casou com minha irmã, a solteirona, para ter acesso aos dois
mil e quatrocentos metros de cais que os Montgomery possuem.

Pitman não respondeu, mas seus olhos cintilavam e sua mão se


moveu para uma gaveta. Alex se perguntou se guardaria ali uma
pistola.

Com sua voz mais fatigada, prosseguiu:

— Possivelmente nos convenha tratar de nos entendermos


mutuamente. Dir-te-ei: nunca estive a gosto entre os Montgomery.
Minha família é um monte de caipiras agressivos e ferozes. Eu prefiro
a música, a cultura e a arte de comer bem, antes que estar na cobertura
de um navio que se balança, lançando impropérios a uma manada de
marinheiros fedorentos. — Fingiu um leve estremecimento. — Mas meu
pai decidiu "fazer de mim um homem" segundo suas próprias palavras,
e me afastou de casa. O dinheiro que me deu se foi então me vi obrigado
a retornar.

Sorriu, mas o outro não dizia nada.

— Se eu fosse um de meus irmãos, acredito que teria todo o direito

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de te expulsar deste escritório. – Assinalou com a cabeça o armário


fechado. — Suponho que isso está cheio de documentos, talvez até
contenha algumas escritura de propriedades. E até adivinho que usou
recursos dos Montgomery para comprar os bens que possui, portanto,
legalmente esses bens são dos Montgomery.

Os olhos do Pitman eram como duas brasas. Parecia a ponto de


saltar.

—Façamos um trato. Eu não tenho nenhum desejo de passar


minha vida neste escritório, dirigindo papéis, nem confinado em um
navio, obrigado a cumprir atos heróicos como os que realizam meus
irmãos por pura rotina. Se você se comprometer em não vender
nenhuma parte de nossas terras, porque nós jamais vendemos terras,
e a pagar-me... vinte e cinco por cento de seus lucros, digamos, eu não
me intrometerei em suas atividades.

Pitman ficou boquiaberto. Seus olhos passaram de perigosos a


desconfiados.

— Por quê? — foi tudo o que disse.

— E por que não? Não vejo a necessidade de me esforçar pelas


pessoas desta cidade. Minha própria irmã não se incomodou em me
dar as boas-vindas, só porque não correspondo ao ideal de todo
Montgomery. Além disso, é mais fácil deixar que você trabalhe e me
limitar a receber parte das utilidades.

Seu cunhado começava a relaxar. A mão se afastou da gaveta,


mas ainda havia cautela em seus olhos.

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— Por que voltou? — perguntou.

Alex deixou escapar uma risada.

— Querido amigo, voltei porque todos esperavam que me


encarregasse de você.

Pitman esteve quase a ponto de sorrir e se tranqüilizou um pouco


mais.

— Possivelmente possamos trabalhar juntos.

— Oh, sim, acredito que sim.

Alex começou a conversar de uma maneira preguiçosa, para dar


a impressão de que não se interessava muito por nada. Precisava saber
até que ponto estava comprometido o patrimônio dos Montgomery
pelos atos desse homem e, se era possível, quais eram seus planos. O
fato de ser funcionário da alfândega lhe outorgava muito poder,
deixando a seu livre arbítrio e integridade se abusava ou não dele.

Enquanto o jovem tratava de obter essa informação, viu aparecer


uma cabeça na parte alta da janela, era o rosto travesso de um dos
Taggert. Desapareceu quase imediatamente, mas Alex compreendeu
que o pequeno tinha estado escutando. Então saudou Pitman com um
leve bamboleio da mão.

— Já estou cansado. Mais tarde continuaremos conversando, mas


acredito que agora vou dar um passeio e depois dormirei até a hora de
jantar.

Bocejou atrás do lenço e se retirou sem dizer uma palavra mais.

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— Se chego a colocar a mão nesse menino — murmurou em voz


baixa — atar-lhe-ei as orelhas ao pescoço.

Não podia apressar o passo para não arruinar sua imagem diante
de quem pudesse vê-lo. E não era fácil se apressar sem estragar seu ar
lânguido. Tinha que alcançar essa criança e averiguar o que tinha
ouvido.

Quando esteve fora se deteve, tratando de adivinhar para onde


correria o menino se o surpreendia fazendo o que não devia. Recordou
que, sendo menino, tinha escapado muitas vezes para o bosque.

Seguiu um velho atalho índio para o interior silencioso e escuro


do bosque que crescia detrás de sua casa. Uns oitocentos metros mais
à frente havia um ravina que descia até uma pequena praia rochosa,
chamada Enseada Farrier. Para lá se encaminhou.

Desceu agilmente pela ravina e se encontrou cara a cara com o


menino que tinha visto escutando. Estava com Jessica.

— Pode ir, Nathaniel — indicou ela, altiva, com os olhos cravados


em Alexander. Neles se refletia todo seu ódio.

— Mas Jess, ainda não te contei...

— Nathaniel! — exclamou ela, asperamente.

O menino subiu pela ravina. Ouviu-se o ruído de seus passos ao


retroceder.

Alex não disse uma palavra. Queria averiguar o quanto tinha se


informado o moço.

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O Corsário – Jude Deveraux

— E bem: agora sabemos por que voltou para Warbrooke. Esses


pobres tolos pensavam que fosse ajudar, mas com vinte e cinco por
cento poderá se encher de rendas, verdade?

Alex tentou de que seu rosto não revelasse suas emoções. Pelo
que parecia, esse pirralho tinha contado tudo. E que memória
surpreendente, para não mencionar a acuidade de seu ouvido! Voltou-
se de costas para que Jess não visse seu rosto. Devia achar o modo de
lhe impedir de falar. Se tudo isso chegasse aos ouvidos do povo...
Pensou em seu pai, que já estava inválido. Esse golpe poderia matá-lo.

Quando se voltou para ela estava sorridente.

— Quanto me cobrará por não abrir a boca?

— Não me vendo por dinheiro.

Ele a percorreu dos pés a cabeça com um olhar zombador. Depois


levou o lenço ao nariz, para evitar o fedor de peixe das suas roupas.

— Já percebi.

Jess avançou para ele. Alex era mais alto, mas a postura
encurvada que mantinha o reduzia à estatura da moça.

— Não há palavras bastante baixas para te aplicar. É capaz de


aceitar dinheiro de um homem que arruína seus vizinhos, e só para
continuar comprando roupa de seda.

Nesse momento Alex esqueceu as contas que devia ajustar com


ela, só teve consciência do fogo que ardia naqueles olhos, nos seios que
palpitavam tão perto de seu torso. Ela começou a gritar insultos como

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O Corsário – Jude Deveraux

nunca os tinha ouvido na boca de uma mulher, mas ele não escutou
uma palavra. Os lábios de Jess chegaram a está muito perto dos seus.
A moça se deteve abruptamente e retrocedeu. Alex respirava quase
ofegando.

Jessica ergueu as costas e o olhou piscando, como se estivesse


confundida.

Alex se recuperou. Lançou um olhar nostálgico ao mar, com


vontade de jogar-se na água, que poderia esfriar seu ânimo.

— E a quem pensa contar tudo isto? — perguntou, por fim, sem


olhá-la. Sentia-se muito a sós com ela e já não confiava em si mesmo.

— Os habitantes de Warbrooke têm medo de Pitman porque


representa o rei... para não mencionar à Marinha Inglesa. Mas não
temem a você. Se soubessem o que Nate ouviu esta manhã, o
emplumariam antes de te enforcar. Jamais perdoariam sua vida.
Querem alguém a quem culpar pelo que ocorreu a Josiah.

— E o que vai fazer com sua informação?

— Seu pai morreria se se inteirasse.

Jess contemplou a praia rochosa. A pouca distância havia um


cesto meio cheio de mariscos. Obviamente ela tinha estado buscando
na areia.

— Possivelmente eu possa te facilitar essa decisão.

Alex tratou de manter seu ar desenvolto e de dissimular o enérgico


desejo que corria pelo corpo.

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— Se contar isso as outras pessoas, — ameaçou — mesmo que


seja a sua irmã, sua família pagará as conseqüências. Agora têm um
teto e algo que comer. — Estudou as unhas. — E todos seus pirralhos
estão vivos e sãs.

Olhou-a de frente. Algo o apertou no peito ao comprovar que ela


acreditava em suas ameaças. Essas pessoas o conheciam desde seu
nascimento. Ninguém era capaz de levantar-se e dizer que Alexander
Montgomery não era capaz de semelhante coisa?

— Se... seria capaz?

Alex se limitou a olhá-la sem fazer comentários.

— Comparado com você, Pitman parece um anjo do Senhor. Pelo


menos ele atua em parte para beneficiar a seu país. Você só o faz por
cobiça.

Girou sobre seus calcanhares para deixá-lo sozinho, mas um


impulso a obrigou a voltar-se para lhe dar uma bofetada em pleno
rosto. A peruca desprendeu uma nuvem de pó.

Alex tinha visto chegar o golpe, mas não fez nada para impedi-lo.
Quem tivesse ouvido o que ele falara naquela manhã, entenderia que
ela tinha o direito de esbofeteá-lo à causa de suas dores. Afundou as
mãos no acolchoado de suas coxas para não estreitá-la entre seus
braços e lhe dar um beijo.

— Tenho pena de você — sussurrou ela. — Tenho pena de todos


nós.

E se afastou dele, muito ereta com seu belo corpo, para subir pelo

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o bosque.

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04
— Se lembre do que te digo: Ben Sampson vai perder tudo quanto
possui — estava dizendo Eleanor.

Ambas estavam na cozinha dos Taggert: Jess, terminando de


comer. Eleanor, limpando.

— Pode ser — replicou Jessica, brandamente. — Mas também


pode ser que obtenha lucros.

A noite anterior tinha amarrado seu barquinho junto ao de Ben,


que acabava de voltar da Jamaica. Enquanto dava as boas-vindas ao
proprietário, um dos membros da tripulação tinha deixado cair um
caixote, cujo fundo falso estava cheio de chá de contrabando.

— Basta armazená-lo durante vinte e quatro horas — adicionou.


— Depois poderá levá-lo furtivamente a Boston.

— Se você viu esse caixote quebrado, muitos outros puderam vê-


la também.

— Não, ninguém. — A moça envolveu com as mãos sua tigela de


madeira. — Não viu sequer seu precioso Alexander.

— O que significa isso? Só disse que não come tanto como para
ser tão gordo e que foi muito cortês e respeitoso. Não nos deu nem um
pouco de trabalho a mais — afirmou a irmã mais velha, enquanto
cortava a cabeça de um peixe grande.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Você não sabe nada dele — disse Jess, pensando no que Nate
tinha ouvido. Se apanharem ao Ben e confiscavam sua propriedade,
Alexander sairia beneficiado. — Eu gostaria que Adam ou Kit voltassem
para casa. Eles tirariam Pitman daqui a chutes.

— A seu cunhado, um homem designado pelo rei? Seja realista,


Jessica. Pensa ficar sentada aí toda a noite vadiando? Tenho que voltar
para casa dos Montgomery e você deve levar estes peixes à senhora
Wentworth.

Jess jogou uma olhada ao cesto de peixe limpo.

— Que mulheres preguiçosas as dessa família — zombou. — A


senhorita Abigail teme que os homens não gostem do aroma de peixe
em suas brancas mãozinhas.

Eleanor colocou o cesto na mesa.

— Pois não seria mal pensar um pouco em como você mesma


cheira. Bom, anda, toma isto e não pense em brigar com Abigail.

Jessica ia defender-se, mas Eleanor não se incomodou em escutá-


la. Como sua irmã saiu da casinha, Jess tomou o cesto, contra sua
vontade, e iniciou o trajeto para a grande casa dos Wentworth.

Depois de entregar o peixe à proprietária de casa, acreditou poder


escapar sem se ver obrigada a falar com Abigail, mas sua boa sorte
acabou no momento em que abria a porta traseira para sair ao
alpendre.

— Jessica! — saudou Abigail. — Quanto me alegro em vê-la!

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O Corsário – Jude Deveraux

Sem dúvida, a moça mentia descaradamente.

— Boa noite. Vamos ter uma noite muito clara, não acha?

Abby se inclinou para ela, com ar de conspiração.

— Soube do senhor Sampson? Hoje trouxe chá sem passar pela


inspeção da Inglaterra. Acha que o senhor Pitman descobrirá?

Jessica, atônita, não pôde responder. Se Abigail estava informada,


Pitman não deixaria de estar.

— Tenho que advertir ao Bem — foi tudo quanto pôde balbuciar.

Caminhou para os degraus com Abby, que não tinha intenções de


perder a oportunidade de desfrutar com a novidade. Ao chegar à
entrada, ambas estiveram quase a ser atropeladas por um homem
vestido de negro, que montava um grande cavalo da mesma cor.

As duas se detiveram. Jess cruzou um braço diante do peito de


Abigail, em um gesto protetor.

— Jess — exclamou a jovem, sem fôlego — esse homem tinha


colocada uma máscara, verdade?

Em vez de responder, Jessica pôs-se a correr, seguindo o rastro


de pó levantado pelo mascarado. Abigail recolheu as saias até os
joelhos, rezando para que sua mãe não a vissem e nem os diáconos da
igreja, e seguiu sua companheira.

Detiveram-se diante da casa de Ben Sampson. Ali havia seis


soldados britânicos, que apontavam para Ben com seus mosquetes.

— Não sei do que estão falando — mentiu Ben.

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O Corsário – Jude Deveraux

O suor jorrava pelo seu rosto, apesar do ar fresco da noite, e isso


o delatava.

— Você abra, em nome de John Pitman, o agente do rei — disse


um dos soldados, levantando um pouco mais seu mosquete.

— Onde está o homem de negro? — sussurrou Abigail.

Jessica prestou atenção aos sons e sombras da cidade.

— Ali — murmurou, assinalando com a vista as árvores que


cresciam depois da casa de Ben.

Divisou algum movimento que a impulsionou a tomar pelo braço


à gordinha Abby, para arrastá-la até a segurança de um alpendre, na
calçada em frente. Assim que conseguiram se ocultar ali explodiu o
inferno.

O mascarado galopou para os soldados, levando atrás de si uma


rede de pescar com pequenos pesos. O elemento surpresa estava a seu
favor, pois os soldados e Ben ficaram boquiabertos. O cavaleiro arrojou
a rede sobre quatro dos soldados e tirou uma pistola para mirar aos
outros dois. Na cintura levava um verdadeiro arsenal. Os homens que
não tinham ficado presos sob a rede deixaram cair seus mosquetes por
instinto. Os apanhados na rede ainda tinham suas armas, mas
preferiam lutar contra a rede em vez de apertar os gatilhos.

O homem a cavalo disse:

— Nenhum homem de Warbrooke tem chá que já não tenha sido


declarado.

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O Corsário – Jude Deveraux

Seu sotaque era estranho, diferenciava-se do dos ingleses, mas


também do das famílias que tinham várias gerações instaladas na
América.

Abigail olhou para Jess para protestar, mas sua companheira


sacudiu a cabeça.

— Voltem diante seu amo e lhe digam que, se voltar a fazer falsas
acusações, terá que responder diante do Corsário. — Arrojou a linha
da rede a um dos soldados e ordenou: — Leve-os.

O Corsário passou diante de Ben e dos soldados; os cascos de seu


cavalo golpeavam o chão muito perto de seus pés. Quando chegou ao
alpendre onde estavam Abigail e Jessica, de pé na alta galeria, puxou
as rédeas de seu cavalo e as olhou. Embora a máscara cobrisse a parte
superior do seu rosto e tinha o tricórnio muito baixo sobre suas feições,
o viam belo. Seus penetrantes olhos negros brilhavam com ferocidade
atrás da seda; abaixo dela se perfilava uma boca cheia, sensual, de
lábios bem modelados. A camisa negra, as calças e as botas da mesma
cor, cobriam seu corpo musculoso e de ombros largos.

Abigail emitiu um sincero suspiro e esteve a ponto de desmaiar


diante do olhar do Corsário. Teria caído na varanda, se Jess não a
tivesse segurado por debaixo dos braços.

Os lábios do Corsário se estiraram em um sorriso, tão doce e


reconhecendo que Jess era obrigada a sustentar sua companheira com
redobradas forças.

Sempre sorridente, o Corsário se inclinou para frente, pôs sua


mão grande na nuca de Abby e a beijou longamente, com sensualidade.

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O Corsário – Jude Deveraux

Os soldados e Ben haviam quase se esquecido do motivo daquela


aparição. Esse homem despertava neles o senso do romantismo; além
disso, para os soldados nostálgicos de sua pátria tinha muito pouca
importância se achassem ou não esse chá no porão de Ben Sampson.
O que concentrava sua atenção era esse mascarado vestido de negro,
que galopava pelo país e beijava as moças bonitas.

Quando o Corsário beijou a senhorita Abigail, todos aplaudiram.


Logo, contendo o fôlego, viram-no voltar-se para a senhorita Jessica, a
mulher que assolava os sonhos de todos, mas que ela ria no rosto de
quem quisesse abordadá-la.

Jessica ficou atônita diante da expressão de quem se apresentava


com o nome de Corsário. Acaso a achava tão tola como Abigail, que
desmaiava diante de qualquer homem, que lhe fizesse um elogio?

No momento em que o Corsário se inclinava para frente, como se


pensasse em beijá-la também, Jessica retrocedeu. Não pôde se afastar
muito, pois ainda tinha entre os braços Abby, mas gritou:

— Não me toque.

Não estava preparada para apreciar a mudança daqueles olhos.


Por um momento foi quase como se ele a odiasse.

Por estar de pé no alpendre, sustentando Abigail, meio


inconsciente, passou somente um segundo para estar atravessada
sobre a sela do Corsário. O cabeçote da sela golpeou dolorosamente seu
estômago, no momento em que se ouvia o ruído de Abigail ao cair no
alpendre. Também se ouvia a gargalhada ensurdecedora dos soldados
e de Ben. Rua acima e rua abaixo, as portas começaram a abrirem-se:

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O Corsário – Jude Deveraux

os vizinhos abandonavam o jantar para ver que causava tanta


comoção.

Os que saíram as ruas se encontraram diante do espetáculo de


um homem vestido de negro, com uma máscara da mesma cor e
montado em um cavalo negro também, que galopava rua abaixo com
uma mulher atravessada na sela. Parecia ser a senhorita Jessica, com
o traseiro para cima. Seguiam-no quatro soldados meio envoltos em
uma rede, pelo que parecia, sem quaisquer intenções de escaparem
dela, levados a puxões por outros dois soldados. Os seis riam a todo
pulmão. Atrás dos soldados ia Ben Sampson, levando quase no ar
Abigail Wentworth, meio desmaiada. Mais à frente, os vizinhos viram
que a senhora Sampson e seus dois filhos mais velhos retiravam
caixotes do porão.

Ninguém tinha idéia do que estava acontecendo, mas todos se


uniram às risadas ao verem que o mascarado jogava Jessica Taggert
em uma tina de água saponácea que a senhora Coffin tinha deixado no
sereno.

Jessica levantou a vista, piscando pela água que jorrava por seu
rosto.

— Por favor, me desculpe senhora Coffin por lhe arruinar a roupa


lavada. — Pronunciou o Corsário por sobre o ombro, antes de bater
com o calcanhar em seu cavalo para desaparecer rua abaixo.

A risada dos vizinhos ressonava nos ouvidos de Jessica, que


lutava por sair da tina. Tratou de manter a cabeça elevada, mas não
era fácil. Tinha certeza de que todos os habitantes de Warbrooke

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O Corsário – Jude Deveraux

estavam na rua, observando-a. Com toda a dignidade que pôde reunir,


saiu da tina, sabendo que suas molhadas roupas de marinheiro, ao se
aderirem a seu corpo, davam até mais motivos de risada à população.

Nathaniel apareceu como saído de um nada e a puxou pela mão.


"Meu doce e querido Nathaniel...", pensou ela, arrependida por todas as
vezes que tinha ameaçado matá-lo por suas travessuras.

— Deixem de rir de minha irmã — chiou o jovenzinho.

Mas ninguém lhe obedeceu.

— Me leve até Eleanor — conseguiu dizer Jessica.

Não queria chorar. Sob nenhuma circunstância soltaria uma


lágrima. Manteve as costas retas, o queixo erguido e o olhar fixo para
frente.

Nathaniel, por motivos que só ele conhecia, não conduziu Jessica


onde estava Eleanor, e sim ao quarto de Sayer Montgomery. Jessica,
cujas energias estavam dedicadas por inteiro ao esforço de não chorar,
encontrou-se ali, como uma estúpida, olhando o ancião que tinha
perdido o uso de suas pernas. Em sua infância o tinha considerado um
personagem formidável, desde que foi ferido só o via raras vezes.

Teve a vaga consciência de que Nate contava ao ancião o ocorrido,


explicando por que Jessica estava empapada e, por que suas roupas
cheiravam como todos os peixes de todos os oceanos do mundo, e por
que tinha a rosto inchado de pranto sem derramar.

Sayer arregalou os grandes olhos. Depois abriu os braços.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Embora, agora, seja inútil como homem — disse — ainda tenho


dois ombros para que as moças bonitas possam chorar neles.

Jessica, sem pensar duas vezes, deixou-se cair contra ele e chorou
como se tivesse rompido o coração.

— Não lhe fiz nada — gemeu. — Nunca o vi em minha vida. Que


obrigação tinha de deixar que me beijasse?

— Ah, mas ele é o Corsário — observou Sayer, acariciando suas


costas como se em nada o incomodasse o aroma de peixe. — A maioria
das moças teria agido como Abigail.

— Abigail é uma idiota — afirmou ela, levantando-se um pouco,


mas sem escapar de seus braços.

— Certo — Sayer sorriu. — Mas uma idiota muito bonita. Muito


beijável.

— Mas eu... quero dizer... — Jessica voltou a chorar. — Eu não


gosto dos moços e eles não gostam de mim.

— Claro que gostam. Só que têm medo. Poucos deles poderiam


fazer a metade do que você faz. A veem navegar em tua velha tina,
levantar âncoras e... — interrompeu-se para sorrir. — ...e manter na
raia o jovem Nathaniel, aqui presente. Sabem que é mais homem que
qualquer um deles.

— Homem? — exclamou ela. — Você acha que eu sou homem?

Ele voltou a estreitá-la contra si, enterrando as mãos nos cabelos


que caía até a cintura.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Muito longe disso — assegurou. — Todos nós sabemos que é a


mais bonita das moças.

— Mas não tão bonita como Abigail — aduziu ela, olhando-o de


soslaio.

— Abigail é bonita agora, aos dezesseis anos, mas não o será


amanhã. Você, minha querida, será bonita mesmo que tenha cem anos.

— Pois eu gostaria de ter cem anos agora mesmo. Não sei como
vou enfrentar amanhã as pessoas desta cidade.

Sayer levantou seu queixo com um dedo.

— Não fez nada de mau. Olhe-o deste modo: enquanto todos


estavam atentos a você, a esposa de Ben pôde tirar o chá de seu porão.

— Mas bastará que Pitman acuse ao Ben.

O rosto do ancião, antes serena, tornou-se dura.

— Sim. Basta com que o acuse. Talvez Alexander...

— Alexander! — Exclamou Jessica, levantando-se. — Como pôde


você ter dois filhos gloriosos e o terceiro tão... tão...

— É o que estive me perguntando — reconheceu Sayer, pensativo.


Logo olhou outra vez para a moça. — Quero que pense no que esse
Corsário fez pelo Ben. Tente pensar no que te ocorreu como parte da
cena completa. — Sorriu. — E da próxima vez, quando vir a esse
Corsário, corra em direção oposta.

— A próxima vez! Não terá a coragem de apresentar-se novamente.


Pitman fará que seus soldados revistem toda a zona buscando-o.

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O Corsário – Jude Deveraux

O ancião a afastou da cama com um empurrão.

— Agora vá se lavar. Realmente, Jessica, de vez em quando


deveria pôr um vestido.

Ela também sorriu, sentia-se muito melhor.

— Sim capitão. — inclinou-se para lhe dar um beijo na bochecha.


— Obrigada.

E saiu do quarto.

Sayer aguardou alguns segundos antes de bramar:

—Nathaniel!

O menino apareceu quase imediatamente, levando pela mão o


pequeno Samuel.

— Quero que averigúe tudo o que possa sobre esse Corsário.

— Não posso fazer nada. Eleanor me deu o bebê para cuidar. E


ele não sabe sequer subir nas árvores.

O lábio inferior do menino me sobressaía vários centímetros.

Sayer franziu o cenho, pensativo.

— Abre essa gaveta e me traga o que está dentro: um novelo de


corda, uma argola de bronze e minha navalha. Quando meus filhos
eram bebês e Lily era jovem, ela estava acostumada navegar comigo.
Eu lhe tecia um saco para que atasse aos bebês nas costas. Veremos
se podemos fazer um para o Samuel. Acha que poderá subir em uma
árvore com esse robusto mocinho às costas?

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O Corsário – Jude Deveraux

— Poderia subir às estrelas — assegurou Nathaniel. — Tem você


um pouco de doce de hortelã? Isso o mantém calado.

— Se descobrir quem é esse Corsário, comprarei todo um tonel de


guloseimas de hortelã.

— É Sam quem gosta de doce de hortelã, não eu — corrigiu Nate,


com os dentes apertados em um gesto que o assemelhava muito com o
de sua irmã.

— E do que você gosta? — inquiriu Sayer, enquanto começava a


atar longas partes da corda à argola de bronze.

— Um bote próprio, para poder pescar e vender peixe.

Sayer sorriu.

— Concordo. Chamá-lo-emos O Corsário. Agora segura esta


ponta, e você, Sam abre essa caixa, a veja se encontrar algo.

Nathaniel e Sayer sorriram mutuamente.

Jessica limpou as lágrimas com a manga e se pôs a andar pelo


bosque, em direção a sua casa.

John Pitman saiu de detrás de uma árvore, lhe fazendo afogar um


grito. Era seu costume estar perfeitamente vestido, sem um botão fora
de seu lugar, como se desejasse demonstrar aos americanos como

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O Corsário – Jude Deveraux

deviam embelezar-se. Essa noite, em troca, estava desalinhado, não


usava a jaqueta e tinha o colete desabotoado. Seus olhos tinham uma
expressão selvagem e cheirava a rum.

— Senhorita Jessica — disse, com voz grogue. — Foi à única


pessoa, além de mim, que o rechaçou.

Jessica nunca tinha estado tão perto do funcionário da alfândega


e não desejava alterar a situação nesse momento. Deu um sorriso
pálido e tratou de continuar seu caminho. O último que lhe convinha
era estar a sós com esse bêbado, acostumado a fazer o que queria.

— Ah, senhorita Jessica — murmurou Pitman, bloqueando seu


caminho, com a vista fixa nas fitas da camisa de marinheiro. — Já se
secou? Conseguiu se libertar da odiosa lembrança desse homem?

Ela deu um passo atrás, estupefata.

— Você saiu para embriagar-se por esse Corsário, esse vilão que
só procura fama?

Pitman se aproximou um pouco mais.

— Percebe que hora são? O que poderia está fazendo qualquer


homem no bosque a esta hora, preso a uma garrafa, se tivesse uma
esposa quente e bonita que o esperasse em sua casa? Venho todas as
noites. – Já estava quase roçando-a. Colocou sua mão no cordão que
atava a blusa da moça. — Venho sonhar com você, senhorita Jessica.
Com a Jessica, a dos quadris saborosos. Com a Jessica, a de...

Jess o afastou com um empurrão, arregalou os olhos, e pôs-se a


correr. Pitman estava tão ébrio que demorou um momento em

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O Corsário – Jude Deveraux

recuperar o equilíbrio. Mas a moça já tinha desaparecido.

Correu pelo bosque, evitando todos os atalhos, até que chegou a


sua casa e pôde fechar a porta. Deixou cair à taboa de carvalho que
assegurava e se voltou.

Eleanor a acudiu, de camisola e gorro de dormir.

— Onde estava? — perguntou. — Nós estávamos preocupados.

Como Jessica não respondeu a irmã a abraçou.

— Teve um mau dia, verdade? Contaram-me o que aconteceu faz


um momento.

Jess não queria lembrar-se do Corsário, da tina e nem de John


Pitman, com seu aroma de rum e suas mãos invasoras.

— Volte para a cama — disse a Eleanor. — Vou lavar esta


imundície e me deitarei também.

A irmã assentiu, sonolenta, e voltou a deitar-se.

Depois de lavar-se com a esponja, sem deixar de amaldiçoar a


todos os homens do mundo, Jess subiu a escada para o sótão. Todos
os meninos ocupavam uma só cama, os mais altos, com a cabeça
apontando ao norte, os menores, para o sul. Ela os agasalhou com o
acolchoado e beijou as cabecinhas mais próximas.

Nathaniel se levantou sobre um cotovelo.

— Por que corria?

Esse menino nunca deixava nada sem observar.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Possivelmente lhe conte isso amanhã. Agora dorme.

Nate voltou a deitar-se entre dois irmãos.

— Achá-lo-ei por você, Jess. Acharei o Corsário para que possa


enforcá-lo.

Jess sorriu diante da idéia.

— Enforcá-lo-ei com a corda que usa a senhora Coffin para


estender a roupa. E agora, dorme.

Ainda estava sorrindo quando se introduziu na outra cama, com


Eleanor e o bebê.

Jessica afundou a pá na praia rochosa, afastou um molusco e a


deixou cair no cesto.

— Caramba, esses animais não são seus inimigos.

Levantou a vista. Ali estava Alexander Montgomery de pé, com a


seda amarela de sua jaqueta reluzente sob o sol.

— Você também veio rir de mim? — Cravou-lhe um olhar muito


hostil. — Não bastou o desta manhã? Tinha que me espreitar deste
modo para poder rir de mim em particular?

E extraiu outro molusco de seu esconderijo na areia. Não tinha


sido fácil sobreviver essa manhã. Assim que entrou no salão dos

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O Corsário – Jude Deveraux

Montgomery, todo mundo haviam se dobrado em risadas. Os homens


eram um rio de piadas sobre o dia de lavagem de roupa. E o senhor
Coffin era quem mais ria.

Quando Alexander, com rosto sonolento, entrou no salão, todos


se precipitaram a contar as fabulosas façanhas do Corsário, esse herói
corajoso. Segundo os vizinhos, o Corsário era muito alto, - media mais
de um metro oitenta - muito belo, - a pequena Abigail Wentworth
desmaiou só em vê-lo - e excelente espadachim. Jessica deveria ter
mantido sua boca fechada, mas não pôde resistir a tentação de apontar
que o Corsário não havia sequer desembainhado a espada, muito
menos demonstrado sua habilidade com ela. Isso fez que a atenção
geral voltasse a concentrar-se nela. Todos a reprovaram porque ela não
sabia ser agradecida ao Corsário por ter arriscado a vida para ajudar
aos outros.

Jessica tinha tomado o cesto e a pá que Eleanor usava para


procurar moluscos e ali estava, refugiada em sua praia favorita. E agora
Alexander estava ali, decidido a arruinar sua paz.

— Não preciso que ria de mim — disse, com as mãos nos quadris.

Alex se sentou em uma árvore caída na praia.

— Não vim para rir de você. Só queria te dizer que não merece o
que ocorreu ontem à noite. Acredito que o Corsário fez mal.

Jessica manteve sua atitude agressiva por um instante.

Logo fechou a boca e atacou outro buraco de molusco.

— Para me dizer isso desceu até aqui, se arriscando a sujar suas

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O Corsário – Jude Deveraux

preciosas roupas? Por quê? O que quer de mim? Vinte e cinco por cento
do que eu ganho?

A voz de Alex soou muito serena.

— Sei muito bem o que se sofre quando toda a cidade ri de você


por algo que não se pode evitar.

Jess o olhou de frente, recordando muito bem como tinha


provocado as risadas de toda Warbrooke no seu retorno. Com as
bochechas muito vermelhas, cravou a pá junto a outro respiradouro de
molusco.

— Peço-te perdão. Talvez tenha exagerado um pouco. Mas todos


diziam que um dos Montgomery viria para arrumar tudo, e quando te
vi me pareceu uma idéia ridícula. – Olhou-o no rosto. — Me arrependo
de haver rido de você.

E seguiu com seu trabalho, embora menos zangada.

— É verdade que você gosta de minhas roupas? — perguntou Alex.


— Poderia fazer que meu alfaiate te costurasse algo. Talvez um vestido
azul, para que contrastasse com seus cabelos.

Jess ia soltar uma réplica mordaz, mas ao ver seu rosto sorridente
ela também começou a sorrir.

— Quantos moluscos teria que juntar para pagar um vestido de


seda azul?

— Custaria-te algo mais que moluscos. Custaria-te um pouco de


amizade. Basta que deixe de incitar os vizinhos a me ridicularizar, eu

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O Corsário – Jude Deveraux

te comprarei o vestido.

— Oh...

Uma quebra de onda de culpabilidade se abateu sobre Jessica.


Até então não tinha pensado no que sentia Alexander ao ser o alvo de
todas as brincadeiras... mas agora sabia muito bem.

— Não me compre nenhum vestido, por favor — disse, baixando


a vista para sua pá.

— Mas podemos ser amigos?

— Suponho... suponho que sim.

Houve uma pausa. Ao levantar a vista, Jess viu que Alexander


sorria. Não era feio, embora grande parte de seu rosto desaparecesse
debaixo dessa enorme peruca coberta de pó. Sem dúvida alguma, esse
servo metido barbeava sua cabeça todos os dias. Essas roupas e essa
barriga eram absurdas, é obvio. Até Abigail, que gostava de qualquer
homem, que fosse solteiro e rico, não se importava com Alexander.

Ele tirou a jaqueta, com um sorriso satisfeito, e se deitou no


tronco. Seu enorme ventre me sobressaía como gordura de baleia
flutuando no mar.

— Me diga o que pensa do Corsário.

Jessica refletiu por um momento.

— Gosta da glória. Do contrário, por que cruzou a cidade desse


modo, à vista de todos?

— Talvez essa fosse à idéia: que todos estivessem atentos a ele

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O Corsário – Jude Deveraux

para que Ben pudesse retirar seu chá. Sabe que todos se foram, não?
Ben, sua esposa e seus quatro filhos partiram no meio da noite. Não
acha que o Corsário lhes deu a oportunidade de escapar de Pitman?

— Não volte a mencionar esse homem! Justamente você, que


aceita dinheiro dele!

Ele a segurou pelo pulso, sem apertar.

— Não te ocorreu pensar que, se aceito vinte e cinco por cento dos
lucros de meu estimado cunhado, saberei quanto ganha? Já que somos
mais ou menos sócios, posso examinar seus livros. Quer dizer, se ele
começar a confiar em mim, poderei saber que navio pensa apreender
de imediato. - E lhe soltou o pulso.

— Não tinha pensado.

Alex colocou as mãos debaixo da cabeça.

– Pois pense.

Jess deixou cair alguns moluscos no cesto e o olhou de soslaio.


Suas gordas coxas mantinham estirado o cetim amarelo. O ventre
estava a ponto de fazer saltar dois botões.

— De qualquer modo, o Corsário não terá coragem para aparecer


outra vez. Pitman o tem na mira.

— E você, naturalmente, está segura de que Pitman é mais


inteligente que o Corsário...

Depois do que esse cavaleiro lhe tinha feito, custava a Jess pensar
nele se não fosse com ódio.

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O Corsário – Jude Deveraux

— É um caipira arrogante que só procura glória. Espero não voltar


a vê-lo em minha vida.

—Não tem alguma idéia de quem pode ser? Depois de tudo, viu-o
muito de perto.

— Não tenho a menor ideia. Mas tenho certeza de que, se voltasse


a vê-lo, reconhecê-lo-ia. Tem a boca muito cruel. Oh, não! — gritou,
olhando de volta para o mar.

Tinha deixado uma de suas duas preciosas redes de pesca em


uma rocha, para que secasse. Uma das lagostas que a maré tinha
levado a praia a estava arrastando para o mar. Lançou um tapa no ar
que não serviu de nada e correu para a água.

Alex abandonou imediatamente o tronco para segui-la, mas se


conteve. Tinha que manter a imagem de seu personagem.

— Jessica, pensa em nadar até a China seguindo essa rede?

Ela se deteve, afundada até a cintura na água gelada, enquanto a


rede se afastava flutuando.

— Se pudesse me pendurar dessa saliência rochosa a alcançaria.


— Mediu Alex com o olhar. — Seguraria-me pelos pés para que pudesse
fazê-lo?

Alex assentiu, olhava-a aos olhos para que não o distraísse a


camisa molhada que se aderia a seus seios.

— Sim, acredito que posso.

— Olhe que sou muito pesada.

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Ele limpou as mãos suadas nas coxas.

— Provemos.

Jess se deitou na erva, sustentando-se com os braços para descer


meio corpo da saliência rochosa. Alex se colocou a seu lado. As calças
de marinheiro dela se aderiam às pernas, mostrando todas as curvas
de seu encantador traseiro.

— Alex! — protestou Jess, impaciente. — Me sustenta ou não?

— Sim — respondeu ele, em voz baixa. Segurou-a pelos tornozelos


e a ajudou se pendurar na saliência.

— Um pouco mais — pediu ela, esticando-se para alcançar a rede.


— Já peguei. Pode me puxar para cima.

Alex a levantou com toda facilidade, tendo cuidado em não esfolá-


la contra as rochas. Quando a moça esteve em chão plano, soltou-lhe
os pés.

Jess permaneceu imóvel por um momento, examinando a rede.

— Graças a Deus, não tem mais rasgões. — Levantou-se com


agilidade. — Está um pouco pálido, Alex. Acredito que sou muito
pesada. Sente-se e descansa.

Alex obedeceu.

— Vou procurar os moluscos e te acompanharei até sua casa. Um


homem com tua... corpulência não deve fazer tanto esforço.

Desceu a ravina às carreiras e recolheu o cesto de moluscos.


Quando voltou viu que Alex continuava sentado na rocha, pálido e

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suado. "Pobre homem", pensou. "Não está habituado ao exercício." E lhe


ofereceu o braço.

— Te apóie em mim, te ajudarei. Iremos para casa de seu pai e


Eleanor preparará uma xicara de chá. Chá legal, bem caro —
esclareceu, sorrindo, enquanto dava tapinhas na mão apoiada em seu
braço. — Eleanor te ajudará a se repor.

—Trata-me como se eu tivesse noventa anos! — Queixou-se


Alexander a Nicholas, com os dentes apertados, enquanto escovava o
grande potro negro.

Estavam em uma pequena ilha rochosa, frente ao porto de


Warbrooke, essa terra não servia para nada a não ser para criar
mosquitos e mutuca. Dezoito anos antes, um navio tinha encalhado
na costa sul, durante uma terrível tormenta de inverno, e toda sua
tripulação tinha morrido. Na manhã seguinte, tinham achado a um
homem, congelado na ponta do mastro, com uma lâmpada na mão.
Segundo as pessoas, por várias vezes se pôde ver uma luz vagando pela
ilha. Mesmo tendo feito investigações não se achou a ninguém.
Passaram a chamar de Ilha Fantasma e evitá-la. Por isso era um lugar
perfeito para ocultar o cavalo e o traje do Corsário.

Mutuca - Nome que se dá a um tipo de mosca que pica os cavalos, assim como alguns outros animais,
sugando o seu sangue. A denominação é comumente aplicada a uma nova mosca preta que vive próximo aos

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açudes, valas e fossos à beira das estradas, assim como cursos de água das Américas (NT).

— Fica de frente a mim, com a roupa molhada que se cola em todo


o corpo, e se deita no chão para arrastar-se mostrando o traseiro...
Desculpa — disse ao cavalo, depois de aplicar uma escovada muito
enérgica. — De que massa acha que sou feito?

— De cento e vinte quilos de gordura.

— Nem por ser gordo sou menos homem — objetou Alex. Só usava
calças de montar que se aderia a suas coxas grandes e fibrosas. O sol
bronzeava a pele de suas largas costas.

— Talvez seja pela peruca — disse Nick, com olhos sorridentes. —


Ou pelo cetim. Ou talvez seja seu modo preguiçoso da caminhar e o
fato de que não faz nada todo o dia, salvo ler e comer. Ou esse ligeiro
tom queijoso de sua voz.

Alex abriu a boca para falar, mas voltou a fechá-la e escovou o


potro com mais força.

— Não sou tão bom ator. Ela deveria perceber que eu... de que...

— De que a desejas?

— A Jessica Taggert? Nem morto! O que posso esperar dos


Taggert? A única que tem cérebro, nessa família, é Eleanor.

— Mas não é o cérebro de Jessica o que tem feito mal a você,


verdade?

— Só fiz este comentário para lhe demonstrar o quanto é estúpida

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O Corsário – Jude Deveraux

essa mulher. Disse que reconheceria o Corsário pelo aspecto cruel de


sua boca, mas o tinha enfrente a si e... Olhe, não falemos mais dela.
Viu o rosto dessa pequena Abigail Wentworth quando a beijei? Essa
sim é uma mulher a quem poderia lhe dedicar um pouco de tempo!

— Mataria a qualquer um de aborrecimento em dois anos de


matrimônio — assegurou Nick, bocejando. — Teria que idear muitos
entretenimentos. E o que faria quando se aborrecesse do Corsário? Se
vestir de diabo por mais dois anos? E depois o que?

— Abigail percebeu as intenções do Corsário: de que estava


arriscando a vida para salvar a alguém. Jessica não captou nada.

— Talvez por excesso de água suja nos olhos.

Alex fez uma careta de desgosto.

— Já me desculpei por isso. Pelo menos, fiz o que pude. Não teria
procurado uma mulher agressiva e tola como Jessica se não tivesse
motivos.

— Compreendo perfeitamente. Examine a pata dianteira —


indicou Nick, ocioso, dando ordens a seu amigo como só os duques
russos sabem fazê-lo. — Talvez conviesse que Alex procurasse à
senhorita Wentworth e deixasse em paz à senhorita Taggert.

— Boa ideia — reconheceu Alex, voltando para sua escova.

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O suor que jorrava pelo pescoço de Alexander se mesclava com o
pó da peruca, formando uma massa irritante. Teria querido tirar a
peruca para se coçar, mas manteve sua lânguida postura, escancarado
no duro sofá da sala dos Wentworth.

— Além disso, é alto e muito belo — dizia Abby, sonhadora,


enquanto seus grandes olhos pardos, quase líquidos, se perdiam pela
janela.

— Tinha entendido que esse homem ia mascarado — objetou Alex,


brincando com a pena de seu chapéu.

Na manhã anterior, enquanto Pitman estava tomando o desjejum,


ele tinha aproveitado a oportunidade para examinar seu escritório.
Havia ali uma carta, assinada por certo almirante da marinha de Sua
Majestade, onde agradecia ao Pitman por confiscar o Sereia,
pertencente à Josiah Greene, nela informava também, que o navio
tinha sido vendido e que sua parte correspondente aos lucros chegaria
no Golden Hind.

Essa manhã, Alex tinha se informado que o Golden Hind já tinha


chegado nas cercanias e que atracaria em Warbrooke ao anoitecer do
dia seguinte.

— Oh, claro que estava mascarado — respondeu Abigail. — Mas


uma mulher sabe destas coisas. Era um homem extraordinariamente

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O Corsário – Jude Deveraux

belo.

— Não se parecia com nenhum de nossos vizinhos de Warbrooke?


— perguntou Alex, olhando-a através da pena.

Enquanto isso estava pensando em como esconder-se no navio


para roubar o dinheiro do representante do rei e escapar sem
derramamento de sangue... sobre tudo, de seu próprio sangue.

— Droga! Em Warbrooke não há ninguém como o Corsário, é


obvio! Vivo nesta cidade desde que nasci e tenho certeza de que não há
ninguém aqui tão elegante, alto e corajoso como o Corsário. É o mais...

Alex não prestou atenção ao resto. Na semana transcorrida da


façanha, Abigail tinha se estabelecido como a maior autoridade em
tudo que se referia ao Corsário... e sua longa língua dificultava uma
nova aparição do herói. Pitman não gostava de ter perdido uma batalha
diante desse mascarado presumido e ninguém na cidade se atrevia a
recordá-lo de sua perda... com exceção de Abigail, naturalmente. Pelo
que parecia, essa moça não era capaz de conversar sobre outra coisa.
Por dois dias, a partir daquele acontecimento, foi o centro da atenção
da cidade, já que todos desejavam conhecer suas impressões sobre o
homem. Por volta do quarto dia todos voltaram a pensar em encher as
caçarolas e manterem-se abrigados. Todos, salvo Abigail, que ainda não
pronunciava uma palavra que não estivesse referindo-se ao Corsário.

— Acredite-me: eu sei como ele é.

— Jessica Taggert disse que ele tinha a boca cruel.

Abigail se levantou, seu seio gordinho palpitava de irritação.

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O Corsário – Jude Deveraux

— E o que pode saber uma dessas Taggert? Já viu você o que o


Corsário pensava dela, verdade? Sempre soube que essa mulher
precisava um banho.

Alex abriu a boca para dizer que, talvez, o Corsário se enfureceu


porque desejava muito beijar Jessica e ela o tinha rechaçado. Mas em
realidade não lhe interessava a opinião de Abigail e não se incomodou
em fazer o comentário. O que mais desejava era ir a Ilha Fantasma,
para tirar essa roupa quente e mergulhar na fria água do mar. E
precisava riscar planos para tirar do Pitman esse dinheiro sujo.

Com toda cortesia, desculpou-se ante a senhorita Abigail e saiu à


transitada rua principal de Warbrooke. Sentia-se atraído para as brisas
frescas do oceano e pôs-se a andar nessa direção. Um par de forasteiros
se deteve para olhá-lo com assombro. Nesse dia tinha posto seu traje
de cetim azul real, cujo colete tinha um bordado de flores verdes e
amarelas. Nick tinha enviado seu cortejo de criados até Nova Sussex,
em busca de mais roupa emprestadas de seu gordo primo, portanto,
Alex contava com várias vestimentas de cores vistosos e com quatro
enormes e detestáveis perucas.

A primeira coisa que viu foi à velha tina de Jessica: Mary


Catherine, amarrado no cais. Warbrooke tinha o porto mais profundo
da costa norte-americana e até os navios de maiores porte podiam
entrar na baia sem problemas.

— Olá, Alex! — saudou a moça. Estava sentada no aparelho da


vela mais alta, fazendo o possível por remendar as cordas podres. —
Esteve fazendo a corte?

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Dois marinheiros riram detrás dele, olhando-o de cima abaixo.

— E você, a quem esteve cortejando? – respondeu Alex, referindo-


se às roupas de marinheiro.

Foi um prazer ouvir que os dois homens presentes riam até mais
que antes.

Jessica, muito sorridente, desceu dos cordames.

— Venha a bordo — convidou. — Mas tome cuidado para não


arruinar essa bonita roupa. Há alcatrão e pregos por toda parte.

O navio de Jess era ainda mais patético visto de perto. Tinha só


duas velas, mas mesmo assim custava acreditar que sua proprietária
pudesse pilotá-lo sozinha. A âncora devia pesar cem quilos, no mínimo.

Baixando o passadiço estreito até a cabine, o visitante pôde farejar


o aroma de todos os peixes que alguma vez tenha viajado no barco. Pela
primeira vez usou de verdade o lenço perfumado.

— Muito para você? — perguntou ela, divertida.

Alex provou a solidez de uma das duas cadeiras e tomou assento


nela.

— Como faz para suportar esta banheira?

Os olhos da moça perderam parte de seu brilho.

— Sou uma Taggert, recorda?

— É certo. Sem dúvida, isso significa que não sente cheiro de


nada.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Jessica se pôs a rir

— Sim, talvez seja um pouco insuportável. Tenho um pouco de


rum. Quer um gole?

— Depois de passar toda uma tarde com a senhorita Abigail,


precisaria um tonel inteiro.

— Fala assim da moça mais bonita da cidade? A que roubou o


coração ao Corsário?

Alex grunhiu.

— Não volte mencionar esse nome. Depois das peroratas de Abby,


espero nunca mais ouvir esse nome.

Jessica tomou duas tigelas de madeira e os encheu de rum até a


metade.

— Não conte a Eleanor — pediu, sorrindo.

Depois do primeiro gole, seu amigo fez uma careta.

— Já compreendo por que o aroma não te incomoda. Com uns


goles disto adormece seu nariz.

Jess se sentou, com um pé na cadeira e o outro apoiado no trinco


de um armário. Era uma pose muito masculina, mas seu corpo
mantinha nela toda sua feminilidade. A camisa solta destacava a linha
do busto e as calças envolviam suas coxas... tal como Alex queria
envolvê-los com suas mãos. Reclinou-se na cadeira.

— Bem, e o que tem Pitman entre mãos? — perguntou Jess,


meneando sua tigela de rum enquanto esperava que o líquido chegasse

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O Corsário – Jude Deveraux

aos ossos. Um momento de descanso e alguém com quem compartilhar


seu prezado rum eram o mais puro dos prazeres. Nenhuma das
mulheres queria amizade com ela e os homens a tratavam como se
fosse à peste, do contrário, consideravam que era pouco virtuosa e a
assediavam. Compartilhar seu repouso com Alex, que não sentia
interesse físico por ela, era como ter um amigo muito especial.

— Jess, se pudesse se pôr em contato com o Corsário, o que faria?

— Por que o pergunta?

— Tenho algumas informações que poderia lhe interessar.

Alex passou a contar do dinheiro que receberia Pitman no navio


inglês. Tinha tido em conta que, se o Corsário aparecia por uma
informação que só podia ter sido obtido revistando os papéis
particulares de Pitman, Jessica podia adivinhar quem a tinha
conseguido.

— Bom, poderia contar a Abigail — disse Jessica, com um sorriso


malicioso. — Apostaria que o Corsário entra furtivamente por sua
janela, pelas noites.

— Está com ciúmes? — Alex arqueou uma sobrancelha.

— De um ladrão furtivo? O Corsário não é melhor que os


assaltantes de estradas. Se fosse realmente corajoso mostraria o rosto
e denunciaria Pitman.

"Para que o enforcassem", pensou Alex, enquanto dizia:

— Então não tem idéia de como soube o Corsário que Ben

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O Corsário – Jude Deveraux

Sampson ia ser detido por seu contrabando de chá.

— Toda a cidade sabia de Ben e do chá. Até a Abigail sabia.

Jess deixou sua tigela e se inclinou para frente, com os olhos


brilhantes e as bochechas ruborizadas.

Alex rompeu outra vez em suores.

— E se divulgássemos a informação? — Sugeriu ela. — E se


contássemos a algumas pessoas que o Golden Hind traz dinheiro para
Pitman pela venda do navio de Josiah? Se o rumor se iniciar nos cais,
talvez Pitman pense que quem revelou foi um marinheiro de Sua
Majestade.

Alex sorveu seu rum, pensando que talvez ela fosse das Taggert
provida de cérebro.

Jessica não abandonou sua cobertura, mesmo quando os


marinheiros do Golden Hind lhe gritavam comentários lascivos.
Estavam há vários meses no mar e esse espetáculo, essa mulher tão
bonita naquela relíquia ancorada junto a eles, era mais do que a
imaginação podia suportar. Habitualmente Jess tomava precauções e
se mantinha longe dos navios recém-chegados, mas na noite anterior
tinha feito todo o possível por amarrar seu barquinho junto ao navio
inglês, que se erguia a seu lado como uma velha gorda. Os olhos
cobiçosos de seus tripulantes eram como ratos que rondavam sua

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O Corsário – Jude Deveraux

cintura. Jess fazia o possível para não prestar atenção.

Depois da visita de Alex, na manhã anterior, ambos haviam


começado a divulgar em separado, como por casualidade, o rumor de
que o Hind trazia dinheiro para PitmaIl. Não tinha importância em
repeti-lo muitas vezes para irritar a população. O dinheiro era à venda
de um navio que pertencia a um deles. Portanto, todos dirigiram a
irritação contra os marinhos ingleses recém-chegados. Já tinham
explodido quatro rixas e havia três homens amarrados nos troncos da
praça.

Depois de iniciar o rumor, Jessica tinha saído do porto para


pescar camarões, sempre perto da costa pelo nordeste, de onde veria a
chegada do Golden Hind. Passou a tarde jogando e recolhendo suas
redes... e esperando. Não tinha certeza do que desejava fazer, mas se o
Corsário se apresentava e requeria sua ajuda, ela estaria ali para
facilitar-lhe.

Sua mente se rebelou por duas vezes ante a idéia de ajudar ao


homem que a tinha humilhado em público, mas o desejo de castigar
Pitman era mais potente que seu aborrecimento pessoal. Se o povo
americano não começasse a protestar pelo trato dos ingleses, a tirania
não acabaria nunca.

Seu porão estava pela metade, cheia de camarões antes que


chegasse a avistar o casco de navio inglês. Jessica fez o possível por
fingir desinteresse, enquanto entrava no porto e amarrava seu barco
junto do Hind. Depois que tinha baixado as velas quando Nathaniel
apareceu no cais, disposto a apanhar sua corda no ar e atá-la ao

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O Corsário – Jude Deveraux

ancoradouro. Nate subiu pela corda que sua irmã lhe jogou pela
amurada.

— Chega tarde. Eleanor me mandou te esperar.

Jess, sem responder, passou a observar a atividade do navio


inglês, tudo o que lhe permitia sua posição, mais baixa.

— Quantos... — comentou Nate, ao ver a quantidade de camarões


que havia no porão.

— Traga os outros meninos para que ajudem a embolsá-los.


Depois vá vendê-lo por aí.

Nathaniel lançou um olhar sagaz. Esse menino sabia muito para


seus poucos anos.

— Não me complique a vida. Faça o que te digo! - Jess estava


chateada porque não conseguia ver o que passava a bordo do Golden
Hind.

Permaneceu a bordo de sua fedorenta embarcação durante toda


a noite. Quando Eleanor veio no cais, ela respondeu a suas perguntas
de que não pensava voltar para a casa. Dormiu muito pouco, nem
sequer se permitiu o relativo luxo de deitar em seu beliche. Preferiu
permanecer na cobertura, recostada contra o lado do barco, armada de
uma boa adaga se por acaso algum dos marinheiros decidia cumprir
com o que anunciavam luxuriosamente.

Levantou-se pouco antes do amanhecer, rígida e com as costas


doloridas. A pouca distância se ouviu o suave relincho de um cavalo.
Meio pendurada na amurada, viu que no cais havia um cavalo selado

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O Corsário – Jude Deveraux

e esperando.

Então despertou por completo. O cavalo tinha nervuras cinza na


pelagem, mas nada podia dissimular suas linhas esbeltas e seus coices
nervosos: era o cavalo do Corsário.

Pelo outro lado do Mary Catherine apareceu uma cabeça. Era a


de George Greene, o filho mais velho de Josiah, o encolerizado jovem
de vinte e seis anos que se considerava injustamente privado de sua
herança.

— Você também o viu — disse George, brandamente. Logo


levantou a voz. — Me disseram que você tem camarões para vender,
senhorita Jessica.

Seus olhos revelaram à moça que os estava vigiando.

— Sim, George, tenho. Darei-te uma bolsa.

Jess desceu precipitadamente os degraus até o porão. Tomou um


saco de tecido sujo, guardou dentro um pedaço de corda velha e voltou
para cobertura.

— É suficiente isto? — perguntou, enquanto se aproximava de


George para perguntar, em voz baixa: — Sabe de algo?

— Nada. Meu pai tem medo de albergar esperanças. Quer ver


morto ao Pitman.

— Eu gostaria de navegar com ela — disse uma voz, do alto.

— Será melhor que vá — sussurrou Jess. — Que saboreiem de


seus camarões — adicionou, quase gritando, para os ouvidos do

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O Corsário – Jude Deveraux

marinheiro.

— Ficarei junto ao cavalo. Ele pode precisar de mim.

Jess, com um gesto de assentimento, voltou-lhe as costas. Nesse


momento se ouviu um grito vindo de cima. De imediato, o ruído de uma
algazarra desconhecida.

— É ele! — exclamou George. A esperança que revelava sua voz


deveria estar reservada para o Segundo Advento.

— Se aproxime de seu cavalo — ordenou Jess. — Ele pode precisar


de ajuda.

E subiu velozmente pelo breve passadiço até a cobertura superior.


Pôs o pé no cordame como para escalar, mas não teve tempo.

Do alto parapeito do Golden Hind, o Corsário se pendurou por


uma corda atada ao alto do mastro principal. A luz do sol nascente
refletia brilhos ao cofre que carregava sob o braço esquerdo, impedindo
de mover-se a todos os que estavam nas proximidades.

Por um momento todo pareceu deter-se. O Corsário deslizou com


agilidade pela corda e aterrissou na cobertura superior do Mary
Catherine, diante de Jessica.

Olhou-a aos olhos.

— Você resgatou o dinheiro — sussurrou ela, com os olhos cheios


de vida e alegria.

Ele a segurou com um só braço e a beijou na boca entreaberta.

Jessica ficou tão surpreendida que não pôde afastar-se. Mas

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O Corsário – Jude Deveraux

quando ele se afastou tão subitamente como havia chegado, à moça


esqueceu por que estavam todos ali. Só tinha consciência de que esse
desconhecido tinha ousado beijá-la. Levantou a mão para o esbofetear,
mas ele segurou seu punho e lhe deu um beijo audaz na palma da mão.

— Bom dia, senhorita Jessica — disse, sorrindo com ar


presunçoso.

Um momento depois já não estava ali. Encaminhava-se para a


corda que pendia pelo lado do navio.

Mas ela não podia perder um tempo precioso em cóleras inúteis.


Devia ajudar o Corsário em sua fuga. Se os marinheiros do Golden Hind
estavam estupefatos, não ocorreria o mesmo com seu capitão. Jess
ouviu as ordens que gritava. Vindo de cima se viam os movimentos de
quatro homens que se preparavam para abordar Mary Catherine.

Jessica não cometeu a tolice de acreditar que tinha condições de


deter os marinheiros de Sua Majestade, mas sim resolveu atrasá-los.
Tomou um cilindro de corda que tinha a seus pés, grossa como seu
braço, e arrojou uma ponta para George, que tinha voltado para a
cobertura com os primeiros sinais de comoção. O Corsário desapareceu
pelo lado do navio.

Quatro marinheiros corriam pela cobertura do pequeno bote


pesqueiro, pisando nos calcanhares do herói. George puxou pela ponta
de seu lado da corda, Jess fez o mesmo. Os quatro marinheiros caíram
escancarados, exato quando no cais se ouvia um tamborilar de cascos
de cavalos.

— Capturem-no! — ordenou o capitão do navio inglês.

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O Corsário – Jude Deveraux

Um momento depois, mãos rudes a seguravam com cobiça. Os


homens sorriam ao lhe roçar os seios ou as nádegas.

Tiraram-na aos puxões de seu navio para levá-la pelo cais e pela
prancha de Golden Hind. Depois a empurraram até fazê-la cair de
joelhos diante do capitão inglês, com George a seu lado.

O capitão, homem cinqüentão, baixo e musculoso, olhou-a com o


nariz altivo.

— Então é assim que se vestem as damas nas Colônias? –Zombou.


— Levem-nos para abaixo.

Separaram à moça de seu companheiro e a jogaram em um


quartinho imundo, na adega da nave. No fundo havia cinco centímetros
de água lamacenta, cabia suspeitar que, em outros tempos, tinha sido
um depósito, de excrementos de porco.

Em poucos minutos tinha a sensação de haver passado a vida


inteira nesse lugar úmido e escuro. Não podia mover-se sem pisar no
sedimento do chão. Não havia onde sentar-se nem modo de escapar da
sujeira.

Ali permaneceu de pé na água, que se infiltrava rapidamente pelo


couro de suas botas. Esperava. Não lamentava ter ajudado o Corsário,
mas agora pensava nas conseqüências de seus atos.

Quando a porta de sua cela se abriu, horas depois, Jessica estava


disposta a enfrentar seu verdugo.

Quem estava de pé na cobertura era Alexander, resplandecente


em seu traje de cetim amarelo, a luz do sol se refletia em sua enorme

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O Corsário – Jude Deveraux

barriga, arrancando brilhos que a cegaram. Levantou uma mão para


proteger os olhos.

Embora não pudesse ver muito bem seu amigo, percebeu seu
aborrecimento com muita claridade.

— Vamos! — Foi tudo quanto ele ordenou, em voz baixa e


sibilante.

— Mas eu...

Ele a empurrou pelo ombro para a prancha.

Jess tratou de manter a cabeça erguida ao passar entre a


multidão que se reuniu de ambos os lados do cais. Alex subiu à boléia
de uma carreta sem sequer a olhar. Enquanto ela subia a seu lado,
fracamente, agitou as rédeas e dirigiu os cavalos rua abaixo.

— Por que está tão zangado? — gritou ela, para fazer-se ouvir por
sobre o ruído da carreta.

Não houve resposta.

Ele a levou por um caminho de terra até deixar para trás o bosque.
Quando começaram a subir a colina, Jess compreendeu que se
encaminhavam para a encosta mais próxima.

— Baixa — ordenou ele, quando se detiveram.

— Antes me dirá o que aconteceu.

Alex, debatendo-se contra seu falso ventre, deu a volta ao veículo


para aproximar-se pelo outro lado.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Tive que subornar para te salvar da forca, sabia? Ao ajudar o


Corsário estava indo contra a marinha inglesa.

— Esse capitão queria enforcar você e George, como exemplo para


outros. Pensava que assim deteria o Corsário.

— Ah — murmurou Jessica, enquanto descia. — Já achava isso.


Por que viemos aqui?

Alex asserenou sua voz.

— Eleanor te enviou roupas limpas, sabão e toalhas. Cheira pior


que antes de entrar naquela cela. — O jovem tampou o nariz com o
lenço perfumado. — E Eleanor considera que será bom se manter fora
da vista por alguns dias.

— Por que não veio contigo? — sentia saudades da irmã, enquanto


recolhia a trouxa de roupa do fundo da carreta.

— Pelo que parece, sofreu uma pequena colisão com um cubo de


água saponácea. Conforme acredito, foi como resultado de um
comentário que fez de Nick, algo como: que não servia para esfregar
roupa suja. E Nick parece ter pensado o contrario.

Jessica o olhou, boquiaberta.

— Vai dizer-me que esse menino malcriado jogou água suja em


minha irmã?

— Isso acredito, sim.

— Pois terá que me ouvir — assegurou ela, voltando a subir na


carreta.

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O Corsário – Jude Deveraux

Alex a segurou por um braço.

— Eleanor já lhe disse o que pensava dele. Não tem importância


mais, asseguro-lhe isso. Agora devemos nos ocupar de você. Precisa de
um banho com urgência.

Contra sua vontade, Jessica o seguiu pela colina até a vertente e


seu pequeno lago. Ele se sentou de costas para a moça para que
pudesse despir-se. Além disso, desse modo ela não veria o suor que
estava correndo pelo seu pescoço.

— Me conte o que aconteceu — disse, obtendo que sua voz soasse


mais ou menos normal.

Jessica tratou de suprimir as emoções e começou a contar tudo


como tinha acontecido na tarde anterior e como tinha esperando a
chegada do Golden Hind. Só parte de sua mente estava atenta ao relato.
A outra parte se perguntava por que sua irmã tinha enviado esse
homem com instruções de obrigá-la a banhar-se. Em outras
circunstâncias teria achado inconcebível despir-se a tão pouca
distância de um homem... mas Alexander Montgomery lhe recordava
tão pouco de um homem que era quase natural. Se tivesse sido esse
horrível Corsário, em troca...

— Continue — insistiu Alex, secando as palmas das mãos na erva.


— O que aconteceu ao aparecer o Corsário?

Jessica e ensaboou os pés.

— Como odeio esse homem! Como o odeio! Ali estava eu,


arriscando a pele para ajudá-lo, e me fez passar por tola mais uma vez.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Dizem que te beijou.

— Se isso pode chamar-se beijo. Digamos que tentou. Depois de


tudo o que eu tinha feito por ele! Doem-me os braços de tanto levantar
a rede carregada de camarões e ele me trata desse modo. Deveria ter
arrancado sua máscara para revelar a todos quem era. Ele merecia.

— Mas não o fez — observou Alex, em voz desce. — Em troca


deteve a perseguição dos homens do rei. Se não fosse por sua ajuda, o
Corsário não teria podido fugir.

— E percebeu como me paga? Não o fiz por ele, asseguro-lhe isso,


mas sim por Josiah Greene.

— Sabe que o Corsário entregou o dinheiro a Josiah? E este


abandonou imediatamente a cidade.

— Com o George?

— Não. — Alex vacilou. — Amanhã George receberá vinte


chicotadas com um látego de nove tiras com pontas de chumbo.

Jess ficou sem respiração.

— Isso poderá matá-lo — sussurrou, enquanto enxaguava os


cabelos. — Temos que fazer algo por ajudá-lo, Alex.

— Não faremos nada. Você, menos que ninguém. Depois de hoje


já tem uma marca contra você. Façam o que fizerem Jess, não poderá
ajudar ao Corsário nunca mais.

— Não se preocupe. Quanto muito, ajudá-lo-ia a subir ao


patíbulo.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Está zangada com ele, verdade? Não te ocorreu pensar que esse
beijo pôde ser uma maneira de dizer: obrigado?

— Não — assegurou Jess, enquanto atava o colete do vestido


diante de seu amigo. O algodão verde estava descolorido e gasto, os
cordões, puídos pela velhice. Esse vestido tinha sido de sua mãe e de
Eleanor antes de passar a suas mãos. — Acredito que se considera o
favorito de todas as mulheres.

Sentou-se de frente a ele para desembaraçar os cabelos com o


pente de madeira que Alex tinha lhe entregado.

— E não é seu favorito? Deixe-me vê-la, dê uma volta, que eu farei


isso. Do contrário não ficará um cabelo nessa cabeça.

Com muita suavidade, Alex começou a pentear o longo cabelo.

— Posso te assegurar que não. — Ela jogou a cabeça atrás,


aproveitando a sensação que deixava o pente.

— Você não gostaria de se casar e ter filhos, Jess?

— E quem se casaria com uma dos Taggert? Aqui todos temem


ver-se obrigados a criar Nathaniel. Sabe o que precisa esta cidade? —
Adicionou, voltando-se para olhá-lo — A presença de Adam. Ou de Kit.
Sim, Kit poderia fazê-lo.

— Meus irmãos? — estranhou Alex, horrorizado. — E o que acha


que fariam meus irmãos?

— Salvar-nos. Quero dizer, salvar a cidade. Eles não permitiriam


que Pitman mandasse na casa dos Montgomery. Jogá-lo-iam na rua.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Arriscando-se a ira do rei? — observou Alex, incrédulo.

— Eles encontrariam a maneira de fazê-lo, de salvar Warbrooke,


de libertar sua irmã e eliminar Pitman. Há outros funcionários de
alfândegas, sabe?

Ele se recostou na erva e cortou uma margarida para cheirá-la.

— Então acha que meus irmãos são capazes de tudo isso —


comentou, dissimulando a tensão de seus lábios atrás da flor.

— Adam ou Kit seriam capazes de algo assim. Quando era


pequena estava acostumada...

— O que? —perguntou Alex, ocioso.

Jess sorriu, sonhadora.

— Estava acostumado a me imaginar casada com Adam. Era tão


belo, tão orgulhoso e inteligente. E tinha olhos de águia. Não sabe onde
está agora, verdade?

— Demônios — exclamou ele. E adicionou apressadamente: —


Desculpa. Espetei meu dedo. Segundo minhas últimas notícias, Adam
ia rumo a Cathay e Kit combatia não sei em que guerra.

— Não acredito que receberam as cartas de Mariana pedindo


ajuda.

— Não. Não virá outro, além de mim.

De repente Jess compreendeu os sentimentos que devia estar


despertando em seu amigo. Pelo visto, ele não podia evitar ser como
era.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Alex, alguma vez pensou em fazer um pouco de exercício?


Talvez se me ajudasse a pescar camarões por alguns dias, baixaria de
peso.

Alexander se estremeceu delicadamente.

— Não, obrigado. Está pronta? Começa a fazer frio.

— Não discutimos o que faremos para ajudar George.

— Não há nada que possamos fazer. Curar-se-á. Tive que molhar


a mão desse capitão para que não o enforcasse. Melhor esfolado que
pendurando em um nó no patíbulo. Amanhã, durante o castigo, ficará
em sua casa. — Olhou-a de soslaio. — Talvez o Corsário resgate George.

Ela lançou um grunhido.

— E quem resgatará o Corsário? É incompetente, no melhor dos


casos. Por sua arrogância morrerá alguém.

"Eu, provavelmente", pensou Alex.

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O Corsário – Jude Deveraux

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Alexander olhou a seu redor com cautela. Tinha sido difícil
resgatar George Greene do castigo do látego. Nicholas tinha ajudado
instalando seus criados atrás da multidão. No momento em que Alex,
vestido de corsário, preparava-se para sair a galope de seu esconderijo,
Nick deu a ordem de fazer fogo. Na confusão conseguinte, o cavaleiro
pôde cruzar a multidão, subir George a sua sela e escapar sem dano.
Levou muito tempo para escapar dos soldados ingleses, mas estes não
conheciam a zona; tinha sido um jogo de meninos ocultarem-se e fugir.

Josiah Greene estava esperando no limite do bosque, com cavalos


e uma passagem de bordo de um navio que zarparia para o sul.

— Tinha certeza de que você viria — disse. — Tinha certeza de que


não deixaria açoitarem meu moço por havê-lo salvado.

Alex ficou um pouco desconcertado ao ver que Josiah tinha


previsto facilmente os atos do Corsário e o lugar por onde entraria no
bosque. Se ele adivinhava assim, talvez a próxima vez houvesse todo
um exército esperando-o. Sem dizer uma palavra, o Corsário liberou
George e desapareceu entre as árvores.

Surpreendia-lhe pensar na celeridade com que essas pessoas o


tinham convertido em um símbolo de esperança. Já dependiam dele
para que os salvasse de qualquer injustiça. Nem todos, é obvio. Ali
estava Jessica Taggert.

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O Corsário – Jude Deveraux

Recordou as palavras da moça: Adam ou Kit poderiam salvar à


cidade. "Não pensou em baixar de peso, Alex?" Bem teria gostado faze-
la sentir seu peso. E Eleanor o tinha enviado com roupas limpas para
sua irmã, encarregando-o que a obrigasse a banhar-se. Essas mulheres
pareciam ignorar sua condição de homem. Jessica se despia a dois
metros dele. Até lhe tinha pedido que a sustentasse pelos tornozelos
para alcançar essa rede podre. Nessa oportunidade, Alex não tinha
acreditado ser possível sobreviver à experiência.

Ajeitou a máscara, assegurando-se de que estivesse bem


ajustada. Às vezes sentia desejos de segurar Jessica e demonstrar que
era um homem.

— Ohhhhh!

O grito era meio desmaio e meio súplica. Imediatamente


compreendeu que, concentrado em seu dilema a respeito de Jessica,
tinha esquecido em manter-se alerta.

Reprimiu seu cavalo e prestou atenção. Alguém avançava para


ele, quebrando os galhos secos. Com a espada na mão, aguardou.

A senhorita Abigail Wentworth, com seu bonito rosto avermelhado


pelo esforço, apareceu entre as árvores. Lançou uma só olhada ao
Corsário, montado em seu potro negro, e começou a cair, com a mão
no seio.

Alex desmontou em um segundo e a sustentou antes que tocasse


o chão.

— Usará isso comigo? — ofegou ela, amolecida entre seus braços,

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olhando a espada. — Cortará minhas roupas para tirá-las antes de


satisfazer sua vontade comigo?

— Caramba, não, não é mi...

Não tinha certeza do que responder a isso, mas o espetáculo desse


seio palpitante, tão exposto à vista - ela já tinha tirado o xale, deixando
à vista um bom pedaço de carne jovem e rosada – deixando claro seu
oferecimento.

— Sente-se bem? — perguntou.

Jogou os braços no seu pescoço, estreitando-se contra ele.

— Sou sua escrava, sua cativa. Faça comigo o que queira.

Alex arqueou as sobrancelhas. Entretanto não era dado a duvidar


dos golpes de sorte, e um minuto depois a estava beijando. Ela
respondeu ao beijo com tanta paixão que, quando o jovem reagiu,
estavam já meio deitados pelo chão.

A moça era quente e estava bem disposta... mas nem por isso
deixava de ser a filha de Wentworth, velho amigo dos Montgomery.

— Abby — rogou, tratando de desprender-se daqueles braços. O


cabelo da moça se soltou e roçava sua bochecha, suavemente. —
Abby...

O nome surgiu como uma queixa.

— Eu adoro como diz meu nome. Meu corsário, meu verdadeiro


amor... — A moça moveu os quadris contra ele, tratando de voltar a
beijá-lo, mas ele se afastou.

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— Volte para sua casa, com sua mãe — disse, com voz um pouco
estremecida. Que castigo, ser o Corsário em sua cidade natal! Em
qualquer outro lugar se sentiria em liberdade de aproveitar-se dessa
jovem sem pensá-lo duas vezes. — Volte para sua casa, Abby, por favor.

Ela se jogou contra uma árvore, ruborizada; os seios pareciam a


ponto de escapar do ajustado vestido.

— Que nobre você é! — murmurou.

— Oh, estúpido! — balbuciou ele, observando-a. Se não fugisse


logo perderia o domínio de si. E metade de seu cérebro o estava
chamando de tolo. Por fim subiu de um salto à sela de montar. —
Adeus, senhorita Abigail — sussurrou, enquanto aplicava os
calcanhares nos lados de seu cavalo.

"Malditas sejam todas as mulheres!", jurava para seus adentro.

Jessica não acreditava sequer que ele fosse homem. Abigail


acreditava que ele era mais viril que dez sementais. Moveu-se na sela,
inquieto, absolutamente seguro de sua própria virilidade. Seria melhor
chegar a Ilha Fantasma... e rezar para que Deus não pusesse mais
mulheres em seu trajeto.

Jessica olhou o grande cesto cheio de amoras e fez uma careta.


Ela, que era capaz de pilotar seu próprio navio até as costas de Nova
Sussex, sem ajuda alguma, estava relegada à tarefa de recolher amoras

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

como um menino travesso.

E tudo por culpa do Corsário!

Ao se anunciar que George Greene ia ser açoitado, todo mundo


havia dito que o Corsário o salvaria. Que o Corsário devia salvar o
moço, como se fosse questão de honra.

Como se alguém soubesse algo sobre o senso de honra do


Corsário! Todos os habitantes da cidade pareciam ter adotado esse
homem de habilidades mágicas e talentos sobre-humanos. Supunham
que o mascarado corrigiria todas as ofensas e brigaria sozinho contra
as leis britânicas.

Mas nem todos acreditavam na perfeita bondade do Corsário. Ao


entregar dez quilos de peixe na casa dos Montgomery, Jessica tinha
recebido a mensagem de que Sayer desejava falar com ela. Não o via
desde aquela noite em que o Corsário a jogou na água suja de roupas
lavada. Entrou correndo no quarto do inválido, mas ao sair já não
sorria.

Sayer tinha exigido que ela, no dia seguinte, permanecesse fora


da cidade. Ela estava a ponto de perguntar quem lhe tinha dado direito
de ordenar semelhante coisa, mas calou seus pensamentos. A família
Montgomery tinha ajudado muito à sua, de ano a ano. Além disso, não
estava bem mostrar-se desrespeitosa com um ancião inválido, que só
se preocupava com seu bem-estar. Ainda contra sua vontade, prometeu
que passaria eh! O dia inteiro no bosque. Sayer não queria que se
aproximasse sequer do cais.

Por isso estava ali, fazendo trabalhos de menino. E tudo por culpa

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O Corsário – Jude Deveraux

desse homem que se fazia chamar de Corsário.

Perto das matas de amoras, sob algumas árvores, havia um leito


de musgo que era muito tentador. Talvez fosse conveniente chegar em
casa muito tarde, para que Eleanor se preocupasse um pouco por ela.
Com um sorriso um pouco orgulhoso, estendeu-se no musgo e, em
poucos minutos, estava adormecida. Por desgraça, começou a sonhar
com o mascarado que tanto tinha arruinando sua vida. Reviveu em
sonhos o momento em que o homem a tinha humilhado e o beijo que
lhe tinha dado um segundo antes de escapar com sua ajuda.

— Jessica! Está bem, Jessica?

A moça despertou com dificuldade, aferrando-se aos fortes braços


que a sustentavam.

— Estava sonhando — disse. — O... — Interrompeu-se, porque


quem a abraçava era o mesmo homem que estava causando tantos
problemas: o Corsário.

— Você! — exclamou. — Você!

E, sem pensar duas vezes, atirou-lhe um murro em plena


mandíbula.

— Maldita malcriada! — bramou o mascarado, segurando-a pelos


os ombros para empurrá-la contra o chão.

O tecido do vestido, já muito desgastado, rasgou-se do pescoço


até a cintura, deixando descoberto uma linha de fio branco muito sutil,
através do qual se entrevia o tom rosado da pele.

Saga Montgomery 04
111
O Corsário – Jude Deveraux

Jessica sentiu o rasgão e apreciou a expressão dos olhos, meio


cobertos pela máscara negra.

— Se me tocar, vai...

— Você merece — assegurou ele, furioso.

E a manteve imobilizada contra o chão, enquanto seus lábios


desciam sobre os dela.

Jessica sentiu o contato daquela boca pela segunda vez e começou


a debater-se. Preferia morrer antes que esse homem a obrigasse a tais
intimidades. Atacou-o a ponta pés e conseguiu acertar uma tíbia. O
Corsário afundou o estômago pela dor, mas não deixou de beijá-la.

Bastou colocar uma perna sobre as dela para imobilizá-la. Jess


tratou de tirá-lo de cima, retorcendo-se, e afastou bruscamente o rosto
para escapar daquele beijo torturante.

O Corsário segurou suas mãos por cima da cabeça com a mão


direita; logo usou a outra mão para sustentar seu queixo e voltou a
apoderar-se de sua boca. Para impedir que movesse os quadris jogou
em cima dela todo o peso de seu corpo.

Por um momento, Jessica permaneceu imóvel. Por ela passavam


emoções que nunca antes tinha experimentado. Era isso o que fazia
cochichar às recém-casadas, entre risadinhas tolas? Era esse
sentimento o que fazia brilhar os olhos das moças comprometidas?

O Corsário se afastou de seus lábios, mas manteve o rosto muito


perto do seu. Já era noite, a luz das estrelas dava a seu olhar mais
brilho que nunca e obscurecia até mais seu rosto.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Jessica — disse e em sua voz havia algo estranho.

Ela piscou por duas vezes. Por fim, com um movimento brusco,
afastou-o de si e se levantou. O Corsário, sorridente, olhou-a com
fixidez.

— E bem, Jessica: apesar de seus ares masculinos, é toda uma


mulher, depois de tudo.

Jess tomou um punhado de amoras de seu cesto e se dispôs a


arrojar-lhe no rosto.

O homem, como um grande gato, levantou-se de um salto e


segurou sua mão. Fechou o punho ao redor de seus dedos e apertou
até que as frutas brotaram entre eles, reduzidas à polpa. Sem deixar
de olhá-la nos olhos, ele lambeu o suco que se filtrava entre as unhas.
Sem saber por que, Jessica sentiu que o coração pulsava mais depressa
só em ver sua língua.

O Corsário não teve nenhuma dificuldade em imobilizar sua mão


às costas. Aproximou seu corpo até quase tocá-la.

— Acredito que escaparam algumas amoras — sussurrou.

Inclinou o rosto até beijar o seio palpitante. Depois a olhou.

— Adeus, minha doce Jessica. Tenho certeza de que voltaremos a


nos ver.

Enquanto ele montava seu cavalo, Jessica continuava imóvel, com


as mãos paradas aos lados e as amoras esmagadas jorrando pela saia.

Ele levou a ponta dos dedos aos lábios para jogar um beijo.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Foi seu sorriso, esse sorriso conhecedor e presumido, o que tirou


a moça de seu estupor. Tomou outro punhado de amoras e o jogou na
cabeça. Mas ele já estava em plena cavalgada. Só ficou no bosque o
ruído de sua gargalhada, que retumbava entre as árvores.

— Odeio-o, odeio-o, odeio-o! — exclamou, golpeando o chão com


os pés, enquanto recolhia os dois cestos de fruta. — O odeio
francamente, com todo meu coração!

Começou a andar pelo atalho para a cidade. Num impulso voltou-


se para olhar o leito de musgo aonde tinha estado com o Corsário. Sem
pensar no que fazia, arrancou uma diminuta flor amarela de junto ao
musgo e a enfiou ao esmigalhado corpete de seu vestido.

— Terei que dar um jeito isto — murmurou, enquanto deslizava a


mão pela borda da roupa. — Odeio-o, como o odeio! — repetiu.

Era como se pela primeira vez não desse crédito a si mesma. Por
fim começou a andar para sua casa.

— Outra vez castigando o cavalo? — assinalou Nicholas,


aproximando-se de Alexander por atrás. — Semelhante atitude só pode
ter sido causada por sua Jessica.

Alex continuou escovando energicamente o cavalo. A pelagem


negra estava reluzente. Com um gesto distraído, espantou os
mosquitos que buscavam sua pele suada.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Pelo que sei, tampouco para você está muito bem. Enlameou o
chão da cozinha?

Nick grunhiu a maneira de resposta, enquanto depositava seu


enorme corpo no lugar mais seco que encontrou naquela ilha
pantanosa.

— Essa mulher acabará sendo usada como bucha.

— Compreendo-te bem. Jessica vai ser minha perdição. Por


momentos se mostra mais fria que o inverno, que cristaliza até as
pestanas, por momentos me chamusca a pele.

— Eleanor quis que limpasse a lareira. Disse-lhe que eu ponho


lenhas ali, mas nunca as tiro.

— Claro que Jess arriscou a vida para ajudar o Corsário. Se não


fosse por ela o teriam preso. E não é justo que ele a trate com tão pouco
respeito.

Nick esfregou o queixo.

— Sempre me disseram que tenho porte de realeza. Muitas


mulheres asseguram que adivinhariam meu parentesco com o czar
mesmo que me vissem nu. Ou talvez com mais facilidade ainda. Sendo
assim, como é possível que essa Eleanor Taggert não reconheça minha
origem real? Como pode fazer de mim um... uma faxineira de cozinha?

Alex começou a pentear as crinas do cavalo.

— Na verdade é muito corajosa — disse. — Sabia que toda a


cidade estava rindo dela por se deixar prender em um calabouço?

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O Corsário – Jude Deveraux

George Greene era um herói e o Corsário também, mas Jessica Taggert


era uma tola.

— Eleanor tem que está cega. Tem os olhos mais azuis e


luminosos do mundo, mas são inúteis.

— Riem dela por suas roupas, por seu velho navio e por esse
bando de pirralhos, mas ela faz o melhor que pode. A pequena Molly
me disse que Jess só tem aquela calça que usa para pescar e esse velho
vestido verde, tão feio. — Deixou de escovar. — E o Corsário rasgou seu
vestido.

— Disse Eleanor... — Nick se interrompeu. — Ouça, não é você o


Corsário? Não foi você quem lhe rasgou o vestido?

Alex franziu o cenho.

— Sim, acredito que sim. Não era minha intenção, mas foi culpa
de Abigail. "Faça de mim o que queira", — repetiu, zombador. — e lá
estava Jessica, estendida na terra. Dormia, mas no princípio acreditava
que estava ferida e o Corsário... quero dizer, abracei-a e ela me golpeou
e...

— E o vestido se rasgou. Compreendo. Você arrancou tudo?

— Não, é obvio! Nem sequer o Corsário, arrebatado como é, faria


mal a uma mulher virtuosa.

— Poderia ter usado sua espada. Às mulheres gostam. Uma vez


despi a uma cigana, peça por peça, enquanto dançava. E depois...

Alex arrojou a escova ao chão e começou a andar em direção a

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Nick.

— Ela não é uma dessas! É corajosa, generosa, inteligente e...

— Mas o Corsário se aproveitou dela. Deveria desafiá-lo a um


duelo.

Os olhos de Nick riam, a boca se contraía, travessa.

Alex se deteve diante dele, com os músculos duros pela irritação.


Começava a apreciar o absurdo do que estava dizendo. Então se voltou
para o potro.

— Sou o Corsário, mas também sou Alexander.

— Aí está o dilema! As mulheres amam ao homem em si ou o que


acreditam ver nele? Talvez ela não possa escolher entre a mente do
homem e seus beijos. O que acha que escolherá?

Alexander não pôde responder por que, no momento, não tinha


certeza do que teria preferido, ele mesmo, que Jessica escolhesse.

A idéia o fez rir.

— O que me importa que faça Jessica Taggert? Agradeço-lhe que


ajudou o Corsário. Quer dizer, que me ajudasse. É bonita e desejável,
mas também é a metade das mulheres solteiras do mundo. Meu pai me
informou ontem a noite de que é hora que me case e lhe dê um ou dois
herdeiros. Não quer morrer sem netos, e acredito que está dedicando
muito tempo ao jovem Nathaniel.

— Não mencione esse pirralho! — protestou Nick. — Não deixa


Eleanor só nem a sol nem a sombra. Ontem... — Nick se interrompeu,

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O Corsário – Jude Deveraux

sorrindo ante alguma lembrança que, pelo que parecia, preferia


guardar para si. — Não seria tão difícil se esse jovenzinho não estivesse
sempre entre meus pés. — Levantou a cabeça. — Por que não se casa
com sua Jessica?

— Sob que nome? O do Corsário ou de Alexander, a quem ela acha


gordo e preguiçoso? O Corsário a desposaria em meio de um salto entre
ramos e galhos, fugindo dos ingleses. Alex não conseguiria decidir-se
entre uma jaqueta e outra. Duvido que ela escolha a qualquer um dos
dois.

— Ah.

— E isso o que significa?

— Ah, nem mais nem menos.

Alex deu uma última escovada no cavalo.

— Amanhã Alexander Montgomery sairá, a cortejar. Há outras


mulheres na cidade, além da senhorita Jessica. Mulheres doces,
dóceis, que julgam a um homem pelo que tem em seu interior. Talvez
não impressione muito bem com acolchoados e peruca, mas debaixo
de todo isso há um homem. Já verá essa Jessica, quando outras
mulheres saibam ver por detrás de uns quantos metros de cetim.

— Tem mais fé nas mulheres que eu.

— Só tenho fé na Jessica. Tem mais senso comum que as outras


mulheres.

— Como a irmã. Salvo de vez em quando...

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O Corsário – Jude Deveraux

— De vez em quando Jessica atua como idiota. Por que não se dá


conta de que sou...?

E os homens continuaram com os lamentos de todos os homens.

Eleanor tratava de preparar o jantar na mesma mesa onde Jessica


estava fazendo a contabilidade.

— Quer pôr mais cuidado? — protestou Jess, quando Eleanor lhe


salpicou uma página com massa líquida. — Não acredito que ao velho
Clymer goste de ver manchas em seus livros.

— Importar-lhe-ia muito pouco. Só os usa como desculpa para


ver-te. Isso de que tem a mão ferida é mentira. Ontem lhe vi usar um
machado.

— Seja como for, virá-nos bem o couro de seu curtume. Os


meninos precisam sapatos para o inverno.

Eleanor seguiu batendo a massa no prato de madeira.

— Viu ultimamente Alexander, Jess?

— Faz uma semana que não o vejo — respondeu ela, enquanto


somava mentalmente.

— Não houve rixa, verdade?

Jess olhou sua irmã como se a achasse louca.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Do que está falando? Por que teríamos que brigar?

A mais velha derramou a massa líquida em um molde de ferro,


junto à pequena lareira.

— Não sei. Pareciam muito bons amigos e agora não o vê. Esteve
zombando outra vez dele?

Jess apertou os dentes.

— Não. Não ri mais dele. Não lhe ameacei com o dedo. Não me
escondi atrás das portas para assustá-lo quando passa. Você deveria
saber muito bem por que não o vejo, por que não vejo ninguém.

O olhar que cravou em Eleanor, por cima da mesa, era fulminante.


Como resultado de seu encarceramento por ter colaborado na fuga do
Corsário, uma vez que Alex teve obtido sua liberação, Jessica tinha
recebido um enérgico sermão da boca do Sayer Montgomery, enquanto
sua irmã, sentada a pouca distância, empapava de pranto cinco ou seis
lenços de seu patrão. Não bastava com que a tivessem relegado no
bosque, no dia em que se açoitaria George Greene: ao retornar dali,
com o vestido esmigalhado e um hematoma no pescoço, encontrou
Eleanor quase histérica. Tratou de explicar porque o vestido estava
rasgado com uma mentira, mas sua irmã percebeu imediatamente e
ela acabou sendo descoberta ao ruborizar-se como uma tola assim que
se mencionou o nome do Corsário.

Agora, uma semana depois daquela incursão, Jess continuava


mais ou menos encerrada em sua casa. Não tinha saído a navegar e
nem tinha ido à cidade. Em troca devia encarregar-se dos sete meninos.
Como se não bastasse isso para deixá-la louca, o velho Clymer tinha

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O Corsário – Jude Deveraux

pedido que revisasse as contas de seu curtume em troca de vários


couros curtidos.

Fazia uma semana, Jess registrava vendas, — Clymer estava dois


anos atrasado com a contabilidade — tirava uma criança da lareira
acesa, somava uma coluna de cifras; evitava que um de seus irmãos
matasse o outro, voltava a somar a coluna; chiava para Nathaniel que
fosse juntar moluscos, em vez de atormentar a sua irmã, somava a
coluna pela terceira vez e dava uma palmada em Sam por puxar a
cauda do gato e... assim foi ao longo de sete longos dias.

E agora Eleanor vinha perguntar se não tinha feito zangar


Alexander.

— Não tenho feito ninguém se zangar. Comportei-me como uma


perfeita senhorita. Fundi finais de velas para fazer outras, lavei roupa
suja, limpei caras e traseiros, e...

— E se esquivou todo o tempo do funcionário da alfândega. Sabe


que esse homem suspeita de você, Jessica. Só o senhor Montgomery...

— Sim, sei e estou muito agradecida — suspirou Jess. —


Agradeço-lhe realmente tudo o que fez e lamento muitíssimo ter
cometido à estupidez de ajudar o Corsário. — Olhou sua irmã nos
olhos. — Algumas não é verdade?

— Há pôsteres pregados em qualquer parte, oferecendo


recompensa por ele. O senhor Pitman está decidido a liquidar com o
seu Corsário.

— Não é meu Corsário! Absolutamente! Só cometi o engano de

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O Corsário – Jude Deveraux

estar aonde não devia e no pior dos momentos.

Eleanor abriu a boca para falar, mas a interrompeu um golpe à


porta. Levou um momento abrir caminho entre os meninos, que tinham
corrido para lá. Na soleira estava Alexander, resplandecente com seu
traje de seda rosada. Usava os cachos de sua grande peruca recolhidos
sobre o pescoço com um laço de cetim, rosado também. Nas mãos
sustentava um arca de madeira esculpida. Enquanto saudava Eleanor,
deu um tapinha na cabeça de um menino, depois olhou sua mão.

Eleanor lhe entregou um pano molhado, dizendo:

— Boa noite, Alexander. O que te traz por aqui?

— Vim para falar com Jessica — explicou ele, com certo


acanhamento. — Poderia vê-la aqui fora? Poderíamos caminhar até o
moinho.

— Quieto, Sam! — ordenou Jess. — Não sei, tenho que trabalhar


nestes livros. É importante?

— Acompanhará-te imediatamente — respondeu sua irmã,


empurrando Alex para fora, enquanto voltava a tomar o pano molhado.
— Jess, ponha meu manto e o acompanhe.

— Quando quero sair de casa me diz que é muito perigoso, mas


assim que chega Montgomery desaparece o perigo. Quem me protegerá
dos beija-flores que poderiam atacar essa jaqueta dele?

— Jessica! — Advertiu Eleanor. — Faça o favor de acompanhá-lo.


Ele passou a semana cortejando a distintas jovens casadouras.

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O Corsário – Jude Deveraux

Jess abriu muito os olhos.

— E acha que agora é minha vez? Oh, céus! Nathaniel, vá procurar


um pote de tinta de guerra, que o senhor Alex saiu em caçada.

Eleanor, imóvel, fulminava-a com os olhos.

— Está bem, já vou. Nate, se me ouve gritar, vá me buscar.

— E os beija-flores? — perguntou Molly.

Eleanor empurrou à moça, que ainda usava seu traje de


marinheiro, sem colocar sequer o manto.

— Comporte-se bem com ele — sussurrou, antes de fechar a


porta.

— Olá, Alexander. Esteve trabalhando? – perguntou Jess,


sorrindo-lhe, quando se puseram a caminhar.

Teria se alegrado de vê-lo — qualquer coisa seria uma distração


— senão fosse pela contabilidade do senhor Clymer, que precisava
terminar o quanto antes.

— Inteirei-me que esta semana esteve recebendo o senhor Clymer


— comentou Alex, apertando contra o peito o arca apoiada em seu
ventre.

— Com mais freqüência do que eu gostaria. Diz que machucou a


mão e que não pode contabilizar suas notas contáveis. E acha
desculpas para me visitar quatro vezes ao dia.

— Não te pediu que se casasse com ele? — perguntou Alex.

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O Corsário – Jude Deveraux

— A cada doze minutos, conforme calculo. A última vez que o fez,


Sam urinou em seu colo. Esse velho cara de peixe não moveu um
músculo. Continuava sentado, esperando minha resposta.

— E qual foi?

— Não, obrigado, senhor Clymer, mas é uma honra que me


proponha isso. O mesmo que venho lhe dizendo há anos.

— E por que não se casa com ele? É rico. Poderia lhe proporcionar
um bom lugar para você, Eleanor e a seus irmãos viverem. Também
roupas bonitas e todas as coisas que as mulheres desejam.

— Não todas as mulheres. Quando morreram nossos pais,


Eleanor e eu fizemos um juramento: que só nos casaríamos se assim o
desejávamos e que esperaríamos que se apresentasse o candidato
devido. Não nos conformaríamos a não ser com o melhor.

— E Clymer não é o melhor?

Ela se deteve para olhá-lo de frente.

— A que vem tudo isto, Alex? E o que tem nessa caixa? Eleanor
disse que passou a semana cortejando. Tem algum problema?

— Não poderíamos nos sentar? — Propôs ele, com sinceridade. —


Estes sapatos me apertam. — Sentou-se em uma pedra plaina, à beira
do caminho. — Na verdade Jess vim te pedir um conselho. Meu pai
quer que me case.

Olhava-a atentamente, procurando suas expressões emotivas.

— E? — Perguntou ela, enquanto se sentava na erva, a pouca

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O Corsário – Jude Deveraux

distância, com um talo de erva entre os dentes. — Há mulheres de


sobra nestes arredores. Não encontra nenhuma de seu gosto?

— Algumas. Cynthia Coffin é muito bonita.

— Sem dúvida alguma. Além disso, seu pão é delicioso. Seu pai
gostaria. Propôs?

Não viu o olhar de desgosto no rosto de Alex.

— Ainda não tenho proposto a ninguém. Estou investigando, nada


mais. Os Coffin adoram a ideia de me ter por genro.

— O senhor Coffin adoraria colocar a mão desse espaço do cais


que vocês possuem. Provavelmente pensa que é tão incompetente
como... — interrompeu-se para lançar uma olhada dos pés à cabeça.
— Jaqueta nova?

Iluminou o rosto dele ao redor dos olhos, que tinham uma fria
expressão de aço.

— Você gosta?

— Alex... por que não...?

— E Ellen Makepeace me convidou para jantar — a interrompeu


ele.

— Ellen é uma víbora. Em seu lugar, não me casaria com ela.

O jovem apertou os dentes.

— Cathryn Wheatbury não pareceu interessar-se por mim


absolutamente.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Jess bocejou.

— Porque está apaixonada por Ethan Ledbetter, como outras


tantas. Ethan te vai causar alguns problemas. Você tem dinheiro e o
sobrenome dos Montgomery, mas Ethan tem... — Sorriu.

— Que tem esse Ethan?

— Atitude, encanto, inteligência. É todo um cavalheiro. A última


vez que esteve no Mary Catherine...

— Ah, no Mary Catherine! O que estava fazendo sozinha com ele?


— acusou Alex.

Jessica se levantou, surpreendida.

— Ah! Você também vai me dar ordens! Já tenho muito com seu
pai e minha irmã. Acontece que Ethan veio comprar peixe... e veio com
sua mãe, para carregar as cestas.

Alex relaxou.

— Pois estranho que tenha podido levantá-la.

— Com aqueles braços? — Aduziu Jess, sorrindo com a


lembrança, sonhadora. — Esse homem poderia carregar um quarto de
baleia. — Levantou-se, muito rígida. — Contar-te-ei algo, Alex: por duas
vezes pensei que Ethan poderia ser o Corsário. Têm a mesma estrutura
física. Os dois são altos, belos, fortes... e duvido que Ethan tenha medo
de alguma coisa. Apenas no ano passado...

Alex estava muito erguido em sua pedra, rígido como uma espada.

— O que sabe você de como é o Corsário? A última vez que o viu

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O Corsário – Jude Deveraux

assegurou que o odiava.

— É verdade, mas nem por isso sou cega. Ethan poderia


perfeitamente pendurar-se por uma corda, como fez o Corsário.

— O mesmo pode dizer de quase todos os marinheiros que pisam


nesse cais. Qualquer um deles poderia ser esse Corsário que tanto
elogia.

— Que eu... — Olhou-o à luz escassa do anoitecer. — Está com


ciúmes, Alex?

— Do Corsário? — Estranhou ele.

— Não: do Ethan. Muitas moças desta cidade seguem Ethan com


a vista, aonde quer que vá. Deve compreender que, se corteja uma
mulher, pode estar competindo com Ethan. E ele... ele não tem... quero
dizer...

Tratava de andar e falar com tato, mas era muito difícil. Olhou
significativamente o ventre e o cabelo de Alex.

Por um momento, os olhos de seu amigo lançaram chamas.


Depois os baixou.

— Quero te dizer algo, Jessica. Algo que não contei a ninguém


mais, nem sequer a meu pai. Só sabe Nicholas, meu criado. Veja:
quando naufragou o navio em que eu viajava, nas costas da Itália, caí
com uma febre muito alta. Estive a ponto de morrer.

Olhou-a por entre as pestanas antes de continuar:

— Como resultado dessa enfermidade, certos músculos de meu

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O Corsário – Jude Deveraux

corpo ficaram afetados. — Colocou uma mão no ventre. — Devido


minha febre não posso baixar de peso. Não posso controlar os
músculos, que estão muito debilitados.

Jess ficou muda por um momento, varrida por quebras de onda


de culpabilidade ao recordar as vezes que riu dele.

— E seu cabelo? — perguntou.

— O que acontece com meu cabelo? Ah, sim, também o perdi. Uso
peruca para cobrir a careca.

— Sinto-o muito, Alex — sussurrou ela. — De verdade. Não tinha


a menor ideia. E suponho que essa enfermidade te debilitou. Por isso
não pode montar a cavalo nem caminhar bem.

— Sim — confirmou ele.

— Mas essa roupa... Talvez se usasse...

— São as únicas que me cabe — enrolou ele. — Se tirar a roupa


de seda, só ficará um ex-marinheiro gordo, calvo e de músculos
debilitados.

— Suponho... suponho que sim. Lamento-o muito, Alex. Se essas


mulheres idiotas soubessem...

— Que mulheres?

— As que você procura para esposa. Se elas soubessem, sem


dúvida alguma delas aceitaria ser mais sua enfermeira que esposa.
Tentou com Nelba Mason?

— Com a Nelba Mason! — Exclamou ele. — A seu lado os sapos

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O Corsário – Jude Deveraux

são bonitos. Terá boca bem baixo do narigão?

— Sim, e pequena, mas sem lábios. Olhe Alex, seu pai tem oitenta
hectares de terras boas para o cultivo. Está bem! Esqueçamo-nos de
Nelba. É certeza que alguma das moças tem que ambicionar seu
dinheiro.

— Menos que os braços de Ethan — murmurou Alex.

— É um bom argumento. Mas alguma te quererá.

— Toma — disse ele, mudando abruptamente de assunto. — Te


trouxe isto.

Jess tomou a arca de madeira que lhe estendia. Ao abri-lo


encontrou no interior um vestido de algodão azul.

— Era de minha mãe — esclareceu ele. — Apenas foi usado.

— Mas não posso aceitar Alex.

— Minha irmã se casou com Pitman e lhe deu poder sobre a


cidade. E Pitman é o motivo pelo qual o Corsário apareceu aqui e te
rasgou o vestido... Sim, Eleanor me contou isso. Portanto, devo-te um
vestido.

— Mas Alex...!

Ele cobriu uma de suas mãos com a sua.

— Aceite-o, Jess, por favor. Também trago laranjas para os


meninos. Estão na arca, debaixo do vestido.

— Laranjas? — sussurrou ela.

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O Corsário – Jude Deveraux

Recordava algo que tinha ocorrido sendo ela muito menina.


Sempre tinha pensado que Adam Montgomery era o mais fascinante de
todos os homens que conhecia. Estava acostumado a segui-lo a todos
os lados, mesmo que ele era só um jovenzinho com pernas longas. Certa
vez, enquanto corria atrás dele pelo cais, caiu e machucou o joelho.
Não tinha idéia de que Adam soubesse ainda seu nome, muito menos
que soubesse de que ela o seguia. Mas o moço se voltou, ajudou-a a
levantar-se e a sentou em um tronco para examinar seu joelho. Por fim
lhe sorriu, prometendo: "De hoje em diante caminharei mais devagar."
Nessa noite tinha enviado Alex com um precioso abacaxi, só para ela.

— Jess, sente-se bem? — perguntou Alex.

Ela levantou a vista, com um sorriso.

— Talvez seja um Montgomery, depois de tudo.

— Talvez? — Os olhos do Alex se arregalaram. — Já compreendo:


me comparado com meus ilustres irmãos.

— Bom... — Balbuciou ela, notando que tinha conseguido deixá-


lo zangado outra vez. — Aceitarei o vestido e as laranjas. Muito
obrigada.

— Retornemos? — Sugeriu ele, rígido.

Não tinha sido a intenção de Jessica ofendê-lo. Como


compensação, segurou-o pelo braço durante o trajeto. Ele voltou a lhe
sorrir e pôs uma mão sobre a dela por um instante.

— Não se preocupe, Alex. Já encontrará noiva, asseguro-lhe isso.


Falarei com Eleanor e ambas procuraremos por aí. Tenho certeza de

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

que, com o espaço de cais de seu pai e essa linda mansão, acharemos
uma jovem bonita e que não se importe com a sua barriga nem a
calvície. Talvez tenhamos que procurar pelo sul, porque entre as
mulheres que conhecem seus irmãos não haverá possibilidades. Mas
não se preocupe.

Sorriu-lhe na escuridão, mas ele mantinha o rosto desviado. Não


voltou a dizer uma palavra até que chegaram a casa. Então entregou a
Jess a arca de madeira e, com uma cortesia que para a moça pareceu
bastante gélida, despediu-se dela.

No dia seguinte Eleanor insistiu que Jessica devia permanecesse


novamente em casa. Ainda se mencionava muito o Corsário, pois as
pessoas se perguntavam quem poderia ser. O nome de Jessica se
associava a ele com freqüência. Eleanor omitiu dizer a sua irmã que a
citavam sempre acompanhado de risadas. A bonita moça havia se
convertido em fonte de diversão.

Ao cair da noite Jessica já estava desesperada para sair. Não


deixava de pensar que apodreceria o fundo de seu navio ou que os
soldados ingleses receberiam ordens de rebocá-lo. Eleanor dizia que
isso sim, teria sido muito elogio para a embarcação, pela qual só os
ratos tinham interesse.

Jessica saiu de casa para esvaziar uma artesa de água suja e, por

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

um momento, deteve-se no limite do bosque, respirando o ar fresco da


noite.

De repente um braço rodeou sua cintura e uma mão cobriu sua


boca.

— Não se mova. Não faça ruído.

Teria conhecido esse sotaque em qualquer parte. Sacudiu a


cabeça e tratou de libertar-se daquela mão.

— Se não gritar te soltarei. Mas se disser uma palavra pode atrair


para nós os ingleses.

Jessica assentiu a contra gosto a essa extorsão, pois aquela mão


estava deixando-a sem fôlego.

Quando ele retirou a mão, Jess aspirou fundo. Em um só


movimento, ele a fez virar até pô-la de costas contra uma árvore. Uma
de suas pernas a rodeava com firmeza, um braço segurava sua cabeça
e seus cabelos contra a árvore, deixando à outra mão em liberdade para
vagar.

— O que quer você? — ofegou ela, observando os olhos depois da


máscara. — A que veio? O que fez agora os ingleses?

— Só vim para ver-te — disse o Corsário, movendo o corpo até pô-


lo em contato com o dela. Sua mão livre posou na sua cintura,
acariciando suas costelas. — Te vigio, Jessie. Vejo-te. Penso em você.

— Eu não penso em você — assegurou ela, tratando inutilmente


de soltar-se.

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O Corsário – Jude Deveraux

Ele se inclinou para beijá-la no pescoço, debaixo da orelha.

— Alguma vez pensa em mim? Não recorda o momento que


passamos entre os arbustos de amoras?

— Não — mentiu ela, enquanto se sentia afundar na árvore e


aqueles lábios quentes lhe percorriam todo o pescoço.

Os dedos largos e sensíveis viajaram do queixo para baixo,


penetrando sob o xale que cobria o decote quadrado do vestido.

— Vejo que substituiu a roupa que rasguei — observou ele,


acariciando com delicadeza a pele arredondada e branda do seio.

— Sim — respondeu Jess, com voz rouca, enquanto ele começava


a massagear sua nuca.

— Quem lhe deu isso?

— Alexander. — Seus lábios estavam incursionando para baixo.

O Corsário levantou a cabeça para olhá-la.

— Os vi juntos na escuridão. O que é esse homem para você?

— Um amigo.

— Coloque seus braços no meu pescoço, Jessica — pediu ele, em


voz baixa.

Jess estava muito fraca para desobedecer. Levantou os braços e


os passou por seu pescoço, enquanto ele a estreitava contra si, sem
necessidade de continuar imobilizando-a contra a árvore. Ela sentiu o
contato de seu corpo, duro e quente. Começava a agitar-se.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— É minha, Jessica — sussurrou o Corsário. — É minha.

Ela sentiu que a seda da máscara lhe acariciava a pele,


exatamente por cima dos lábios. Queria que a beijasse, queria seus
lábios nos dela, mas ele lhe negava o contato.

— Eu não pertenço a nenhum homem — conseguiu dizer.

O Corsário a segurou outra vez pelos cabelos e puxou sua cabeça


para trás para beijá-la.

Jessica respondeu ao contato, apesar de suas boas intenções.


Esse homem não tinha o direito de tocá-la nem dizer que lhe pertencia,
mas no momento em que seus lábios a beijaram, deixou de pensar no
que estava certo e que estava errado. Abraçou-o com força e se estreitou
contra ele, desejando uma proximidade cada vez mais íntima.

— Jessie, — sussurrou ele, apertando seu rosto dela contra seu


ombro até deixá-la quase sem respiração — não suporto ver-te com
outros.

— Quem é? — sussurrou ela. — Diga-me. Eu guardarei seu


segredo.

— Não, querida minha. Não arriscarei sua vida.

— Não pode continuar aparecendo em minha vida para me expor


ao ridículo, para me apertar contra as árvores e acariciar-me entre os
sarçais, esperando que eu... que eu... Não sei que esperas de mim. Não
sei quem é e nem quero sabê-lo. Só quero que vá e não retorne mais.
Os ingleses poderiam prendê-lo e lhe enforcarão imediatamente.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Importar-te-ia isso?

As mãos de Jessica ficaram tensas. Sua bochecha, apertada


contra a camisa de seda, sentia o palpitar do coração masculino.

— Por quê? — mentiu. — Nem sequer sei quem é. Escolhe a outra


mulher como objeto de seus cuidados.

Ele levantou seu rosto com um dedo sob seu queixo.

— Diz de verdade? Vim esta noite só para ver-te. Sei que está
escondida por me haver ajudado e queria te agradecer.

— Humilhou-me diante de todos. Fez-me a boba da cidade.

Aquela boca finamente cinzelada se estirou em um sorriso lento,


secreto, conhecedor.

— Considera que um beijo é uma humilhação? — Tocou-lhe os


lábios com os seu por um momento fugaz, doce. — Não é uma
recompensa? — Seus dentes mordiscaram seu lábio inferior,
brincalhões; a ponta de sua língua o recorrendo-o totalmente. — Aquele
dia não pude resistir a tentação de te beijar, apesar do perigo. Se não
tivesse perdido tempo em beijá-la não teria precisado de sua ajuda.

— Nesse caso, se portou como um tolo. Arriscar-se à forca só para


beijar uma moça...

Ele a beijou quatro vezes. De algum modo, aquilo era mais íntimo
que um só beijo longo.

— Depende de quem seja a moça.

Ouviram que Eleanor a chamava:

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O Corsário – Jude Deveraux

— Jessica!

Jess, involuntariamente, abraçou-se ao Corsário. Como estava


olhando para a casa não o viu sorrir.

— Deve ir.

Ele lhe rodeou o rosto com as mãos.

— Me prometa que se manterá afastada de tudo quanto eu faça.


Não suportaria que voltassem a prendê-la. Não arrisque por mim seu
lindo pescoço. Se me enforcarem, prefiro morrer sozinho.

As mãos da moça tocaram seu pescoço. Ela percebeu sua cautela


e compreendeu que ele estava alerta, se por acaso tentava lhe tirar a
máscara. Mas se conformou tocando-o no pescoço, tão quente e cheio
de vida. A idéia de que jogassem um nó corrediço lhe pareceu muito
insuportável.

— Jessica! — chamou Eleanor outra vez, mais de perto.

— Vai — sussurrou Jess. — Vai antes que alguém te veja.

Ele voltou a sorrir e a beijá-la brevemente. Um momento depois


se foi. Por alguns instantes, a moça permaneceu imóvel, sentindo falta
de seu calor. A mente dizia que devia alegrar-se de sua ausência, mas
o corpo pedia mais dele. Arrumou o xale e estava tratando de arrumar
o cabelo quando apareceu sua irmã.

— Onde estava? — perguntou Eleanor.

— Aqui — respondeu ela, sonhadora. — Não muito longe.

Pelo resto daquela noite, Jessica só esteve pela metade com sua

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

família. Como era possível que um homem que há tão pouco conhecia
representasse tanto para ela? Como podia ela representar algo para
ele? Entretanto, o Corsário parecia interessar-se por sua sorte.

Claro que não se importava com nada dele. Só porque era mais
corajoso que cem homens juntos, só porque arriscava a vida por ajudar
a outros, só porque a beijara até deixá-la sem fôlego e a preferisse em
detrimento de outras mulheres de Warbrooke... Não, todo isso não era
motivo para pensar nele.

— Jessica, — advertiu Eleanor, severa — se não vai comer esses


nabos, dê a alguém.

— Sim, — murmurou ela — estou comendo.

Mas não comia. Nathaniel passou o prato de sua irmã mais velha
para Molly e Sara, sem que ela se desse conta sequer.

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O Corsário – Jude Deveraux

07
— Você tem que vir comigo – disse o jovem soldado inglês, olhando
diretamente a Jessica.

— Ela não fez nada – protestou Eleanor, com três pequenos


obstinados agarrados a suas saias. — Foi uma inocente espectadora
das incursões.

— Isso decidirá John Pitman, o representante de Sua Majestade.

— Tudo bem, Eleanor – disse Jessica, decidida a não deixar


transparecer o menor estremecimento na voz.

Bastava que Pitman a acusasse, isso equivalia à condenação.


Olhou para sua família no intuito de dar ânimo e seguiu aos quatro
soldados que vieram procurá-la.

Nathaniel pôs-se a andar a seu lado.

— Eu te protegerei, Jess – prometeu.

Seus olhos de meninos pareciam de ancião. Sorriu-lhe fracamente


e manteve a cabeça erguida.

Os soldados a conduziram à extensa casa dos Montgomery, não


pela porta que dava ao salão, mas sim, por uma porta lateral que ela
não conhecia. Por ali ia ao escritório que durante anos pertencia aos
homens da família, onde ela havia visto muitas vezes Adam, sentado
junto de seu pai, aprendendo tranqüilamente a administrar as

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O Corsário – Jude Deveraux

propriedades dos Montgomery.

John Pitman ocupava o escritório que tinha servido a tantas


gerações do mesmo sobrenome. Um dos soldados empurrou Jessica
pelo ombro, obrigando-a a se sentar pesadamente na cadeira posta
diante do funcionário.

— Senhorita Jessica — começou Pitman, depois de dispensar os


soldados com um gesto para ficar a sós com ela. — Disseram-me que
você tem conhecimento deste delinqüente que se faz chamar Corsário.

— Nada sei dele: nem quem é, nem onde vive... Nada.

— Entretanto ele a beijou.

Jessica se moveu na cadeira, incômoda. Recordava com muita


clareza a noite em que tropeçou com Pitman no bosque. Ele lhe havia
dito que não dormia com sua esposa e tinha tratado de beijá-la.

— São muitos os homens que tratam de me beijar, — disse em voz


baixa olhando-o aos olhos — mas não porque eu os provoque.

Ele entrecerrou os olhos, demonstrando que captava a


insinuação, mas imediatamente cravou a vista no corpete do vestido.

Jessica notou de repente que esse homem nunca tinha lhe


prestado a menor atenção, até o momento em que o Corsário reparasse
nela.

— Não sei nada do Corsário — reafirmou, dessa vez com maior


firmeza.

Pitman se levantou para dar a volta no escritório e deter-se junto

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O Corsário – Jude Deveraux

a ela.

— Não sei se posso acreditar ou não. Você o salvou na última vez.

— Só joguei uma corda a George Greene. Como poderia saber que


seus soldados ingleses eram tão torpes?

— Sim, isso é o que preferi acreditar.

Jessica se perguntou se Alex teria subornado seu cunhado para


deixá-la em liberdade. Pitman se aproximou um pouco mais e apoiou
uma mão no seu ombro.

— Até recentemente não tinha percebido do quanto você é bonita,


senhorita Jessica.

— Foi preciso que o Corsário demonstrasse, senhor?

Ele afastou a mão.

— Você tem uma língua muito grande. Se continuar ajudando


esse bandido...

— O que fará você? Castigar-me porque não pode apanhá-lo?

Pitman aspirou fôlego com brutalidade e Jessica se arrependeu de


ter falado. No momento em que o funcionário abria a boca para
responder, a porta se abriu bruscamente.

— O que significa isto? — acusou Alexander, batendo a porta


contra a parede. Pesados cachos de sua peruca voavam detrás dele. —
Me disseram que está prendendo mulheres.

Pitman voltou a instalar-se atrás da escrivaninha, com rosto

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O Corsário – Jude Deveraux

aborrecido.

— Não as prendo. Simplesmente as tenho feito vir para interrogá-


las.

— Pois não vou tolerar isso — disse Alex, com voz mais e mais
aguda. — Quero que compreenda bem: não vou tolerar. Vamos,
Jessica.

E estendeu a mão como se ela fosse uma criança.

Jessica a aceitou, sem voltar a vista para o funcionário, e seguiu


seu amigo para fora do escritório.

— A quem mais deteve?

Alex, sem responder, levou-a a puxões pelos corredores da casa.

— Aonde vamos, Alex? A quem mais interrogou este homem?

Por fim ele abriu uma porta, fê-la entrar de um empurrão e


fechou-a atrás deles, deixando escapar um grande suspiro de alívio.

— Alex — disse ela, outra vez.

Tratava-se de um quarto grande, cujos móveis estavam cobertos


de musselina para protegê-los do pó.

O jovem se sentou em uma cadeira, despedindo uma nuvem de


pó de sua peruca. Levantou a capa de suas costas, abriu uma gaveta e
tirou dele um leque bordado que fazia jogo à perfeição com seu colete
de cetim verde.

— Bem, Jessica, conta-me tudo.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Não há muito que contar. Ele queria saber se eu sabia algo


sobre o Corsário.

— E não sabe nada, é obvio.

"Só de seus beijos", pensou ela.

— Sabe algo? — insistiu Alex.

— Nada que pudesse ajudar Pitman a executá-lo. Em realidade,


deveria me pôr a caminho de casa, para tranqüilizar minha irmã.

— Eleanor já está ciente. Enviei Nate com notícias. Diga-me o que


sabe do Corsário. E sente-se, em vez de ficar dando tantas voltas.

Jessica tirou sua capa e se instalou em uma cadeira pequena,


estofada de rosa.

— Não sei quem é e nem como estabelecer contato com ele. Não
sei absolutamente nada. — "Só como correm suas mãos por meu corpo",
pensou, mas era algo que não diria a Alex, nem a ninguém.

— Tornou a vê-lo? — perguntou ele, com suavidade. Seus olhos


cobraram súbita intensidade.

— Eu... Está me interrogando você também?

— Como te disse, sinto-me responsável por você. Não quero que


esse Corsário ande lhe rondando. Não confio nele. É muito prepotente.

— Nada disso — lhe respondeu ela. — Ao menos tenta fazer


alguma coisa, o resto da cidade permaneceu de braços cruzado
enquanto roubavam o navio de Josiah.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Não dizia que esse Corsário era um covarde? E que tinha medo
de mostrar o rosto sem máscara?

— Se protesta abertamente o matarão. — Mas Jessica preferia,


mudar de assunto. — Esse retrato, é de sua mãe?

Alex queria fazer mais perguntas, mas se abanou por um


momento mais. Por fim ficou de pé.

— Este era o quarto de minha mãe. Quero te mostrar algo.

Aproximou-se de uma grande arca pintada, instalada contra uma


parede, e o abriu. Estava cheio de vestidos cuidadosamente dobrados.

— Eram de minha mãe e aqui estão apodrecendo-se sem que


ninguém possa aproveitá-los. Ocorreu-me que você e Eleanor poderiam
se interessar.

Ela se afastou por instinto.

— Esmolas para os Taggert! Só porque aceitei um vestido acha


que aceitarei tudo isto. Não quero sua compaixão, Alexander
Montgomery. Você sempre pensou que éramos pura escória.

— Não, Jess, nunca foi minha intenção...

— O que acontece aqui!

Ambos se voltaram. Mariana Montgomery Pitman estava de pé no


vão da porta, e constituía um espetáculo formidável. A estrutura alta e
corpulenta que parecia tão bem nos homens deixava muito a desejar
em uma mulher. Mariana media um metro e oitenta, era larga de
ombros e de peito, mas de quadris estreitos, qualquer moço teria

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O Corsário – Jude Deveraux

invejado o físico. Com essa corpulência coexistia uma personalidade


que parecia mistura de tufão e recém-nascido. Nunca se sabia quando
ia se mostrar autoritária ou quando se refugiaria a um regaço.

— Te fiz uma pergunta, Alexander.

Pelo que parecia, esse dia estava violento e Alex se acovardou.


Jess deu um passo adiante.

— Seu... seu marido mandou me trazer para interrogatório e


Alexander teve a amabilidade de me conduzir até este quarto para me
mostrar as encantadoras coisas de sua mãe. Já íamos sair.

— Ah... — Mariana se sentou pesadamente, como uma vela de


barco caído. — Meu marido. Que desastre cometi! Quando me casei
com ele não o conhecia. Não quero que ninguém se prejudique por
minha culpa. Mandei chamar Adam e Kit, mas acredito que não
receberam minhas cartas. Do contrário teriam vindo.

Jess lhe deu uns tapinhas no ombro. Mariana a fazia sentir muito
pequena e leve.

— Virão assim que possam. Enquanto isso, aqui está o Corsário.

— Sim — reconheceu Mariana. — Foi de uma grande ajuda, mas


John quer matá-lo.

— Mariana — pediu Jessica — se você souber de algo que o


Corsário deva saber, diga-me, por favor. Talvez possa me colocar em
contato com ele. Talvez me seja possível...

Alex, que tinha ficado quase no esquecimento, tomou-a pelo

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O Corsário – Jude Deveraux

cotovelo e a puxou dali quase arrastando.

— Isso farei — prometeu Mariana, de dentro. — Te direi o que


averiguar, Jess.

— Que tolice tão grande — protestou Alex, quando estiveram fora


da casa. — Ela está casada com Pitman, não te dá conta? E se contasse
a ele o que você disse? E se Pitman pensasse que pode te pôr em
comunicação com o Corsário? A propósito, pode fazê-lo? Por que não
me havia isso dito?

— Está me machucando o braço, Alex. Apertas bastante, apesar


de ter os músculos debilitados. — Jess esfregou o braço dolorido. —
Acredito que Mariana odeia Pitman mais que ninguém. E não tenho
certeza de poder me comunicar com o Corsário, mas poderia... poderia
voltar a vê-lo. Por que não caminhamos até o arroio, Alex? Tenho sede.

Ele voltou a tomá-la pelo braço, mas com menos energias.

— Quando viu outra vez o Corsário?

— Ontem à noite. Não sei por que lhe conto isso.

— O que desejava?

— Foi só uma visita de cortesia.

— De cortesia? — exclamou Alex, detendo-se junto ao arroio.

Jess colocou as mãos em concha e recolheu água para beber.


Depois tirou os sapatos e afundou os pés na água fresca.

— De cortesia, sim. Não tem calor com tanta roupa, Alex? Aqui
não há ninguém, poderia tirar essa peruca. Não me incomoda a careca.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Mas preferiria ver a juba negra do Corsário, verdade?

Ela tinha levantado as saias até o joelho.

— O que te passa hoje? Voltaram a rechaçar alguma proposta


matrimonial? Primeiro me trata com lástima. Depois me grita.

— Baixa essas saias. Embora não acredite, sou homem.

—Ah... — Jessica sorriu, alisando as dobras da roupa. — Muito


tempo no mar, né? Será melhor que o casemos. Fez a prova com a Sally
Bledman? Vive a uns quinze quilômetros para o sul de...

— Já sei onde vive Sally Bledman. Se tiver terminado, levar-te-ei


a sua casa. Não acredito que seja capaz de se manter longe dos
problemas quando a deixo sozinha.

Ela ficou de pé e pôs-se a andar a seu lado, divertida por esse


ataque de irritação felina. Quando chegaram à estrada viram Ethan
Ledbetter que se aproximava, com um saco de vinte e cinco quilos de
cereal pendurando de cada ombro. O coração da moça começou a
palpitar mais depressa. Seria esse homem o Corsário? Era ele quem a
abraçava pelas noites?

— Espera — pediu a Alex, enquanto alisava o cabelo e acomodava


seu xale. Era a mesma que o Corsário gostava de lhe tirar, e ao recordar
tremeram suas mãos.

— Bom dia — saudou, quando Ethan cruzou com eles.

O moço diminuiu a marcha e sorriu, obviamente atônito ante essa


desacostumada atenção. Esteve a ponto de deixar cair um de seus

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O Corsário – Jude Deveraux

sacos.

— Bom dia, senhorita Jessica.

Caminhou para trás por um trecho, até que tropeçou com uma
pedra e cambaleou. Então se deteve para olhá-la até que eles se
perderam de vista.

Alex voltou a lhe apertar o cotovelo.

— Que conduta deplorável! Terei que te encarcerar em alguma


parte.

— Quem te pediu que se fizesse de meu pai? — gritou-lhe ela.

— De pai? De pai! — O jovem a empurrou com tanta força que ela


esteve por um tris de perder o equilíbrio. — Pode continuar sozinha até
sua casa! E se se meter em problemas, que lhe salve seu Corsário!

— Oxalá — exclamou ela, seguindo-o com sua vista seu andar


bamboleando em direção oposta. — Oxalá.

— Jessica! — disse Eleanor, pela quarta vez. — Está me escutando


sequer um pouquinho?

— Está escutando lá fora — disse Nathaniel.

Isso tirou Jessica de sua letargia. Girou a cabeça para cravar um


olhar agudo em seu irmão, mas este não lhe prestou atenção.

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O Corsário – Jude Deveraux

— O que significa isto, Jessica? Faz dois dias que age tão
estranha, como se tivesse a mente em outra parte.

— Só trato de terminar com esses livros contábeis e de não me


meter em dificuldades. Não se supõe que isso é o que devo fazer?

E fulminou com o olhar Nathaniel, que a olhava com rosto de


adulto, como se adivinhasse os pensamentos.

Estava dois dias sem abandonar a pequena enseada onde estava


à casa dos Taggert, mas seu enclausuramento era voluntário. Desde o
dia que Pitman a tinha interrogado sentia a proximidade do Corsário.
Às vezes, pelas noites, estendida em sua cama, tinha a segurança de
que ele estava por perto. Até tinha ouvido algum discreto assovio lá
fora. Sabia que se tratava dele, mas se negava a atender a sua
chamada.

Conforme lhe havia dito Eleanor, o interesse pelo Corsário


começava a diminuir. A opinião geral era que Pitman o tinha assustado
e que o Corsário tinha voltado para o lugar de onde surgiu. As pessoas
começavam a pensar que era marinheiro e que seu navio tinha zarpado.

Jessica não respondia a esses comentários, sabia bem demais que


o Corsário ainda estava em Warbrooke. Como queria negar a atração
que ele exercia sobre ela, fazia ouvidos surdos a suas chamadas e
ignorava sua presença no bosque que estava detrás de sua casa. Nunca
saía da moradia sem fazer-se acompanhar por um dos meninos, pelo
menos, com a esperança de que o homem não se atrevesse a
apresentar-se diante deles. Como demônios sabia Nathaniel que o
Corsário a esperava lá fora? Jessica tinha desistido fazia muito tempo

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O Corsário – Jude Deveraux

de adivinhar como funcionava a mente de seu irmãozinho.

— Jess, quer ir jogar estas águas sujas? – pediu Eleanor. — Te


fará bem tomar um pouco de ar.

Jessica olhou pela janela do sul e viu o céu escuro, estrelado.

— Não, obrigado. Que a jogue um dos meninos.

— Preciso ir ao banheiro e a escuridão me dá medo — disse Sarah.

— Acompanha-a, Jess. — Eleonor cravou em sua irmã um olhar


ameaçador. — O que está acontecendo, me diga?

— Nada. Eu te acompanharei, Sarah. — Mas Jess parecia dizê-lo


a contra gosto. — Alguém mais quer ir?

Os outros meninos estavam mais interessados no que Nate


desenhava nas cinzas da lareira, de modo que Jess tomou à menina
pela mão e a levou até o banheiro.

Sarah pareceu demorar uma eternidade. Jessica olhava a seu


redor, nervosa, mas não havia sinais do mascarado.

Quando ambas iniciaram a volta para casa, o coração da moça


começava a aliviar-se. Naturalmente, se voltasse a ver o Corsário se
limitaria a lhe dizer que se retirasse. Não tinha por que suportar suas
caricias. Se voltasse a aparecer, ela se mostraria forte e decidida e
ordenaria que se afastasse dela.

Quando chegou a casa seu passo era quase alegre. Fez entrar a
menina e ia segui-la, mas no momento em que posava a mão no trinco
da porta, algo... não, alguém a segurou. E não cabia dúvidas sobre

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quem era esse alguém.

— Feche, Jessica. Está fazendo com que a casa se esfrie —


protestou Eleanor.

Jess tratou de libertar sua mão, mas ele a segurou com firmeza
e... Oh, céus... começou a lhe beijar a palma e a parte interior do pulso.

— Jessica! O que acontece? — Na voz da Eleanor havia


exasperação.

O Corsário estava mordiscando a ponta dos dedos.

— É que... Olhe... irei jogar fora a água suja. Passe-me isso?

Eleanor tinha o regaço cheio de roupas para cerzir. Levantou para


sua irmã um rosto curioso.

De repente, Nathaniel se levantou de um salto e correu para


entregar a Jessica à bacia com a água da cozinha. Quando tratou de
olhar do outro lado da porta, Jess conseguiu obstruir seu campo de
visão.

Um momento depois o Corsário a afastava e fechava a porta, e a


estreitava contra si, tudo em um só movimento. A bacia caiu no chão.
Ele a beijou como se estivesse faminto; como se sua vida dependesse
desse beijo.

Que apesar de suas boas intenções, Jessica respondeu no mesmo


instante.

— Vai — disse, sufocada, quando lhe permitiu falar.

O Corsário colocou um dedo nos seus lábios para sossegá-la e

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apontou a casa com a cabeça. Logo a puxou pela mão e começou a


correr para o bosque, colina acima. Quando se deteve, Jessica estava
sem fôlego, mas ele não perdeu tempo e começou a beijar seu pescoço
e os ombros, afastando o vestido para um lado.

— Senti saudades de você, Jessie — sussurrou. — Te chamei noite


após noite sem que viesse. Por quê?

Ela tratou de soltar-se, mas não tinha forças suficientes.

— Não quero ver-te. Oxalá não tivesse te conhecido. Na cidade


todos acreditam que você se foi. Por que não o faz? Já ajudou Josiah.
Agora vai.

— Quer que eu vá? Seriamente quer que eu vá?

— Sim, seriamente. Está arruinando minha vida. Primeiro me joga


na água suja; depois me beija; detêm-me por sua culpa, prendem-me,
interrogam-me. Oh, Ethan, por favor, vai.

Ele deixou de beijá-la.

— Ethan?

— Não era isso o que queria dizer, não — sussurrou ela. — Não
me diga que estou equivocada ou não. Não quero saber quem é. Não
sei por que me escolheu. — Levantou o rosto para olhá-lo nos olhos. —
Ou não? A quantas outras mulheres visita em segredo, as arrancando
de suas casas durante a noite? Assoviando quando tratam de dormir?

— Então me ouvia. Quanto a outras mulheres, não tenho tempo


para cortejar a nenhuma mais. Qualquer homem tem mais que

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O Corsário – Jude Deveraux

suficiente contigo. Claro que você não é tão leal. Você gosta de Ethan
Ledbetter, passas a metade de sua vida com Alexander Montgomery e
até incentiva o velho Clymer.

— Que direito tem de falar de outros? Abigail Wentworth disse que


subiu no seu quarto pela janela.

— Quem te disse isso?

— Arrah! Então admite!

Ele a estreitou contra si, mas Jessica se negou a olhá-lo e manteve


as mãos apertadas às coxas.

— Essa moça mente Jessie. Espreita-me atrás das árvores e


aparece quando menos a espero. Gaba-se sem motivos. Se não fosse
por ela, nesta cidade falaria bem menos de mim. Faz com que minha
vida esteja sempre em perigo.

Jess se abrandou. Quando a beijou na cabeça e a abraçou com


força, ela rodeou sua cintura com os braços.

— Saia de Warbrooke, por favor. Pitman e seus soldados o


apanharão cedo ou tarde. Sua única possibilidade de escapar é
abandonar a cidade agora mesmo.

— Não posso. Há muito que fazer.

— Não pensa em fazer outra incursão? — protestou ela,


estreitando-o. — Não pode!

— Ah, Jessica... Para mim é muito importante saber que não quer
que me detenham. Faria-te sofrer que me enforcassem?

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— Por quê? — negou ela, furiosa. — O que é você para mim? Não
sei quem é. Nunca mantivemos uma conversa. Não tem feito nada a
não ser...

Ele levantou seu rosto com um dedo sob o queixo.

— Não tenho feito nada a não ser te amar. Nenhum outro pôde
penetrar sob a carapaça da senhorita Jessica. Outros pensam que não
precisa de ninguém, mas eu sei que não é assim. Precisa de um homem
tão forte como você mesma.

— Odeio-te — murmurou ela, sepultando o rosto em seu ombro


coberto de seda negra.

— Sim, já percebi. Agora me dê um beijo, pois tenho que ir.

Ela o beijou longamente.

— Amanhã não saia de sua casa ou vá pescar. Espero ver-te


amanhã de noite.

— O que quer dizer com isso?

— Shhhh — sussurrou ele, sossegando-a com um beijo suave. —


Eleanor sairá a qualquer momento.

Beijou-a pela última vez e se afastou, retendo suas mãos nas


suas. No último instante beijou suas palmas e desapareceu.

Por um momento Jess permaneceu imóvel sob as árvores,


esfregando os braços para tirar o frio da noite. Por fim entrou.

Eleanor não disse uma palavra, mas jogou uma olhada


significativa a seu aspecto desalinhado. Jessica não ofereceu nenhuma

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O Corsário – Jude Deveraux

explicação.

Essa noite, enquanto agasalhava os meninos, inclinou-se para


Nathaniel.

— O que estão fazendo os ingleses que pudesse interessar ao


Corsário?

— Pólvora — respondeu Nate, imediatamente, sem demostrar a


menor surpresa diante daquela pergunta. — Amanhã chegarão duas
carretas carregadas de pólvora de Nova Sussex.

Jessica fez um sinal de assentimento e abandonou o quarto. O


Corsário tinha intenções de tirar essa pólvora dos ingleses. O que
pensaria fazer com ela? Compreendeu imediatamente que desejava
destrui-la para que os ingleses não pudessem usá-la contra os colonos.
Mas bastava um só engano para que ele voasse junto com a pólvora.

Demorou um longo momento em conciliar o sono

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O Corsário – Jude Deveraux

08
À manhã seguinte, as cinco em ponto, as irmãs partiram para a
casa dos Montgomery. Para Jessica foi um alívio que Eleanor não
fizesse nenhuma pergunta; ela murmurou algo sobre que precisava
falar com Mariana, mas a outra parecia preferir não estar inteirada do
que sua irmã fizesse.

Jessica esperou que Eleanor tivesse atribuído uma tarefa a cada


um dos meninos. Depois desapareceu nos corredores da casa.

— Jessica! — chamou-a Sayer Montgomery.

Contra sua vontade, a moça entrou no quarto. Sayer não perdeu


tempo.

— Disse-me Nathaniel que você tem algo escondido entre as


mangas; o menino está convencido de que se encontra a noite com o
Corsário.

Jessica jurou silenciosamente que mataria a seu irmãozinho


assim que o visse.

— Admito que seu caráter seja muito tentador como a sua pele,
mas agradeceria que se aproximasse de me dissesse o que está
acontecendo. E fecha essa porta.

Jessica, obediente, fez o que ele indicava e, em poucas frases,


contou tudo quanto sabia, ignorando os comentários do ancião sobre

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O Corsário – Jude Deveraux

as visitas noturnas do mascarado.

— Então que, em sua opinião, — disse Sayer — o Corsário tratará


de tirar essa pólvora dos ingleses. — E adicionou, sem esperar que Jess
respondesse: — Até a noite não acontecerá nada. Quero que hoje vá
pescar. Passe todo o dia fora e volte ao entardecer. Até então terei
averiguado algo. Agora vai. E esta noite me traga peixe fresco.

Jessica o deixou sozinho e decidiu cumprir com suas indicações,


mas não seria fácil. Durante todo o dia custou concentrar-se em seu
trabalho. Atirou e recolheu as redes até que lhe doeram os braços, sem
que se importasse de retirá-las vazias. Ao entardecer estava muito
disposta a retornar ao porto.

Ali a esperava Mariana Pitman.

Jessica arrojou uma corda a um dos peões do cais, enquanto


Mariana abordava o pesqueiro.

— Preciso falar contigo.

Assim que o navio esteve amarrado, Jess seguiu Mariana à


cabine.

— Como suporta este lugar, Jessica? Precisa de uma boa limpeza.

— Eu alguma vez tive um pai rico que me alimentasse —


respondeu a moça, muito rígida. — No que posso ajudá-la, Mariana?

— Não sabia a quem recorrer. — Mariana olhou para Jess com os


olhos muito abertos e se sentou. Pelo que parecia, esse dia devia
mostrar-se feminina. — É a única pessoa com quem o Corsário mantém

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

contato, descontando Abigail é obvio. Por isso vim.

— Continue — a instigou Jess.

— Por acaso descobri algo durante a tarde. Meu marido não tem
idéia de que estou sabendo. Veja: a carga de pólvora é uma armadilha.

— Uma armadilha?

— Sim, como as dos caçadores. Não te pareceu estranho que sem


duvidas todos soubessem da chegada dessa pólvora?

— Não. Faz alguns dias que não vou à cidade.

— Bom, mas todos sabiam, e isso é porque me... — tragou saliva.


— Meu marido queria que todos soubessem. Pensa pôr a pólvora em
um abrigo, com dois soldados de guarda, e afastar-se. Mas na verdade
não há só pólvora no abrigo, a não ser em caixas escondidas entre os
matagais que rodeiam esse depósito. Também terá soldados
escondidos. Quando esses soldados vejam o Corsário colocarão fogo à
pólvora.

Jessica se sentou.

— E o Corsário ficará preso em meio de um círculo de explosões.

— Sim, — confirmou Mariana — isso temo.

— De quanto tempo dispomos?

— Isso depende de quando será o ataque do Corsário, mas agora


mesmo estão descarregando a pólvora.

— Agora mesmo — repetiu Jess. — Agora mesmo.

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O Corsário – Jude Deveraux

Em qualquer momento entre esse instante, e a manhã seguinte,


o Corsário podia voar pelos ares em pedaços.

— Mariana, há alguma capa negra entre as roupas de sua mãe?


Alguma roupa escura com capuz?

— Sim.

— Poderia me emprestar isso?

— É obvio. Como fará chegar à mensagem ao Corsário?

— Não acredito que seja possível. Só posso tratar de estar ali esta
noite para advertir-lhe.

Mariana a olhou arqueando uma sobrancelha.

— Não cometa a tolice que eu cometi. Apaixonei-me por um


homem por suas doces palavras e ele só queria o dinheiro de meu pai.

— Não duvido de que o Corsário ambicione este bote pesqueiro.


Vamos procurar esse manto. Já tratarei de elaborar um plano.

Jess esperava, estendida no chão frio e úmido. Estava há horas


no mesmo lugar, aguardando, observando tudo. Até então já tinha
alguma idéia de onde estava cada um dos soldados britânicos, ocultos
entre as árvores e dispostos a acender seus montões de pólvora assim
que se desse o sinal.

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O Corsário – Jude Deveraux

Mas não havia rastros do Corsário. À medida que a noite se


tornava mais escura, Jess redobrava sua atenção. Logo ocorreria algo.
Doíam-lhe os músculos pela imobilidade de tantas horas e os olhos
estavam irritado de tanto olhar o abrigo, no meio do círculo secreto.

Os dois soldados que montavam guarda no depósito puseram-se


a rir. Um deles afastou-se um pouco, para urinar entre os arbustos.
Passaram vários minutos sem que o guarda retornasse.

Jessica ficou tensa. Se algo ia ocorrer, esse era o momento. Tinha


certeza de que o Corsário havia imobilizado o guarda. O segundo dos
homens foi em busca do primeiro, mas tampouco retornou. Face à
atenção com que escutava, Jessica não conseguia perceber um só
ruído.

Não afastou a vista do abrigo. O Corsário apareceria ali. Mas não


se via nada, não se ouvia nada. No momento em que começava a temer
haver se equivocado, algo se moveu para a direita e se ouviu a
reclamação de uma pomba. Era um sinal. O soldado estava a ponto de
prender fogo ao rastro de pólvora que chegava até uma das caixas
depositadas ao redor do abrigo. Ela não tinha visto nada, mas alguém
sim.

Sem consciência do que fazia, levantou-se de um salto e pôs-se a


correr em linha reta para o abrigo. Teve o senso comum de não gritar:
se saía com vida disso, não queria que ninguém reconhecesse sua voz.

O Corsário saiu de entre as sombras que rodeavam o depósito.

— Jessica — exclamou.

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O Corsário – Jude Deveraux

— É uma armadilha. O deposito está rodeado de pólvora.

Ele não perdeu um segundo. Puxou-a pela mão e pôs-se a correr.


Ao redor de ambos se ouvia o sibilar da pólvora que ardia rumo às
ocultas caixas de explosivos.

Quando estavam quase no limite do bosque, ele a jogou no chão


e se deitou sobre ela.

O estrondo das explosões foi ensurdecedor. Toldou todos os


pensamentos da moça, sepultada sob a corpulência do Corsário.

Ainda ressoavam as explosões na cabeça quando o mascarado se


levantou de um salto, puxou-a pela mão e a levou arrastando ao
coração do bosque. Ela o seguia com dificuldade, tropeçando em raízes
e pedras, pelo visto, ele tinha melhor vista na escuridão.

Meio a puxões, meio a empurrões, o Corsário a levou até uma


ravina e a obrigou a esconder-se sob as raízes de uma árvore. Estreitou-
a contra seu peito, onde seu coração palpitava de forma audível. Por
sobre eles se ouviu ruído de passos e vários gritos. O mascarado a
retinha contra si.

Jessica sentiu algo viscoso nas mãos. Embora não pudesse


mover-se para ver do que se tratava, compreendeu que era sangue.

— Está ferido — sussurrou.

Como resposta ele a beijou com força. E em seu beijo havia


agradecimento.

Os soldados tinham passado direto.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Tenho que te levar para sua casa. Procurarão uma mulher.


Assim que chegue, ponha a camisola quando chegar lá. Oh, Jess, Por
Deus, não deveria ter feito isto. Pitman suspeitará de você. Vamos.

Sem lhe dar tempo para responder, conduziu-a pela borda de um


arroio. Foram a bom passo, caminhando sob os ramos, entre arbustos
espinhosos. Subiram por uma colina e voltaram a descer. Por um
momento caminharam pela água, sem tratar de irem diretamente para
a casa dos Taggert.

— Sairão com cães — explicou ele, em um sussurro.

E não disse mais. Ela tratava de ver se estava ferido; a escuridão


a impedia.

Diante da casa dos Taggert se detiveram tempo suficiente para


que lhe tirasse o manto.

— Procurarão por isto. Vai. — Ela girou em circulo quando ele


tirou seu manto escuro, mas o Corsário a segurou por um braço. —
Obrigado, Jessica.

Não a beijou, como ela teria querido. Simplesmente desapareceu


na escuridão.

Eleanor a estava esperando.

— Jess, Oh, Jess, o que fez agora? — perguntou ao ver o aspecto


desalinhado de sua irmã.

— Contar-lhe-ei isso amanhã. Deitei-me cedo e não me levantei.


Não sabemos nada. Ajude-me a me despir.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Tem os braços manchados de sangue. Jess, o que aconteceu.

— O sangue é dele. — Jessica tomou um pano para limpar-se,


enquanto Eleanor passava sua camisola pela cabeça. — Feriu-se
tentando me proteger.

Na porta ressonou um forte golpe.

— Não saí que casa — repetiu Jess. E adicionou em voz alta, em


direção à porta: — Um momento!

Quando se aproximou para abrir a porta o fez bocejando e


esfregando a cabeça. Os meninos se aproximaram um a um.

— Quem é?

— Abram em nome do rei.

Jess abriu a porta completamente. Oito soldados irromperam no


interior, seguidos por John Pitman.

— Onde esteve durante toda a noite? – perguntou o funcionário,


cravando em Jessica um olhar fulminante.

— Dormindo, até que me despertou com tanta brutalidade -


respondeu a moça, com os olhos avermelhados. — O que aconteceu?

— Revistem a casa — ordenou Pitman. — Me tragam qualquer


coisa suspeita, especialmente um manto negro.

— Temo que meu guarda-roupa não inclua nenhum manto negro


— aduziu a moça. — Poderia me dizer a que se deve todo isto?

— Esta noite provocamos explosões de pólvora para cercar o

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O Corsário – Jude Deveraux

Corsário, mas uma mulher o ajudou a escapar.

— E você pensa que fui eu? Depois do tratamento que recebi desse
homem? Pois deveria ser a última suspeita.

— Eis aqui todas as roupas que há na casa, senhor — anunciou


um dos soldados, arrojando na mesa um montão de roupas de menino
e de ambas as moças.

Pitman olhou para Eleanor e os meninos, que pareciam


desconcertados. Logo, a Jessica, que bocejava em sua cadeira, como se
tanta comoção a aborrecesse até a morte e não visse a hora de voltar
para a cama. Por fim pediu a baioneta a um soldado e, com a vista
cravada em Jessica, sorridente, cortou as roupas até as reduzir a
farrapos.

— Ela não saiu de casa! — chiou Nathaniel. — Eu tinha dor de


dente e ela me cuidou.

Jessica abraçou seu irmãozinho, segurando suas mãos para


impedir que atacasse Pitman.

— Daremos um exemplo para todos que se atrevam a ajudar o


Corsário — resolveu Pitman. — Leve-os para fora.

As moças e os meninos foram tirados aos empurrões. Juntos,


abraçados, escutaram os ruídos de destruição que provinham da casa.
Os meninos ocultavam o rosto nas camisolas de suas irmãs mais
velhas. Só Jessica e Nate observavam tudo pela porta aberta, com o
rosto convertida em idênticas máscaras de fúria e ódio.

Por fim Pitman saiu com os soldados e ordenou:

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O Corsário – Jude Deveraux

— Coloquem fogo.

— Seria sua última ordem — disse uma voz, atrás deles.

Ali estava Alexander Montgomery, montado em uma mula cinza


com sela para mulher, usava uma túnica de listas azuis e brancas
sobre sua camisa de dormir e uma peruca torcida. Apontava duas
pistolas de duelo para à cabeça de Pitman. Se não fosse pelas armas
seria uma imagem ridícula.

Nathaniel correu para ele e sustentou suas rédeas.

— Este não é teu assunto, Montgomery, mas sim do rei — disse


Pitman. — Se tocar em um funcionário do rei, te enforcará.

— Deixar sem moradia mulheres e meninos não tem nada que ver
com o rei. Se quiser capturar seu Corsário, por que não o persegue em
vez de descarregar sua cólera contra estas indefesas crianças?

Pitman apontou Jessica.

— Esta sabe de algo. O Corsário recebeu ajuda de uma mulher.

— Que provavelmente esteja ainda com ele, atendendo sua ferida.


Inteirei-me de que havia sangue nas folhas. Por que não revista às
casas para ver quem falta na sua?

O funcionário olhou para Alexander com os olhos entrecerrados.

— Isto não ficará assim, Montgomery. Veremo-nos amanhã.

Alex não deixou de apontar com suas pistolas até que ele e seus
soldados tivessem abandonado a enseada.

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O Corsário – Jude Deveraux

Quando partiram, Eleanor correu para ele.

— Oh, Alexander, esteve maravilhoso!

— Me ajuda a descer deste imundo animal?

— Sim, é obvio. Verdade que esteve maravilhoso, Jessica? —


Perguntou Eleanor, enquanto ajudava Alex a manobrar com seu ventre
para desmontar.

Voltou-se para sua irmã, mas Jessica estava fazendo entrar os


meninos. O jovem, descartando o agradecimento de Eleanor com um
gesto, seguiu-a ao interior da casa. Aquilo era uma ruína, nada tinha
escapado da destruição.

Jessica se deteve junto da lareira para levantar os restos de uma


caixa de música, lembrança de sua mãe.

— Oh, Jess... — exclamou Eleanor, rodeando-a com um braço.

SalIy começou a chorar. Alex se adiantou um passo.

— Terá que tirar daqui aos meninos. Podem ficar em minha casa,
por enquanto.

— Não! — Disse Jessica, quase aos gritos, interrompendo o pranto


de sua irmãzinha. — Somos Taggert e na casa dos Taggert ficaremos.
Até agora não aceitamos esmolas e não temos por que começar agora.

Alex a olhou-a por longo momento. Por fim disse, brandamente:

— Está bem. Eleanor, trata de preparar as camas para que


possam passar a noite. Quando os meninos estiverem deitados veremos
o que se deve fazer.

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O Corsário – Jude Deveraux

Jessica, sem dizer uma palavra, levantou Sam e o abraçou até que
também ele começou a chorar.

— Dê-me — disse Alex, fazendo-se encargo do bebê. — Quem quer


escutar um conto de piratas?

Os meninos, assustados e exaustos, só pediam que desse ao


mundo a habitual aparência de segurança. Aceitaram encantados.
Jessica, com aspecto aturdido, saiu ao exterior. Alex ordenou a
Nathaniel:

— Fica com ela. Não deixe que se afaste muito.

Nate assentiu e seguiu a sua irmã.

Uma hora depois, Alex tinha todos os meninos deitados e


adormecidos, ao menos, isso era o que esperava. Jessica havia
retornado e ajudava Eleanor a preparar os colchões, a fim de poderem
dormir pelas poucas horas restantes da noite.

— Jessica, — disse Eleanor — teremos que aceitar ajuda de


alguém. Olhe como estamos. Não temos mais roupas que estas
camisolas.

— Cerziremos.

— Não temos utensílios de cozinha, nem mesa, nem cadeiras.


Jogaram nossa farinha fora. Não ficou nada.

— Já nos arrumaremos — disse Jessica. — Remendaremos a


roupa e usaremos conchas como pratos.

Alex entrou no quarto.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Eleanor, — disse em voz baixa — por que não se deita? E você,


Jess, poderia dar um passeio comigo.

Sem lhe dar oportunidade de recusar, segurou-a pelo braço e a


conduziu ao exterior. No céu aparecia a alvorada. Deteve-se na
enseada, a beira da água.

— Era você que estava com o Corsário, verdade?

Alex se voltou para olhá-la nos olhos e lhe deu uma pequena
sacudida.

— Como pôde cometer semelhante estupidez? Dá-se conta de que


se arriscou, não só sua própria vida, mas também a de seus irmãos? E
tudo para salvar a um homem que nem sequer conhece!

Pelas bochechas de Jessica começaram a rolar lágrimas, lentas


no princípio. Ela sentiu o gosto salobre na boca, mas não as enxugou.

— Sei — disse, em um sussurro. — Os meninos poderiam terem


ficado feridos.

— Pensa agir sempre assim, sem pensar a não ser quando já é


tarde? Oh, por Deus, Jessica, poderiam te haver matado.

— Sinto-o — sussurrou ela, com a garganta fechada pelas


lágrimas contidas. — Não podia deixar que o matassem. Mariana me
disse que era uma armadilha e eu tinha que o advertir. Que outra coisa
podia fazer? Mas não era minha intenção prejudicar aos meninos. Não
queria...

— Shhhh — disse ele, tomando sua mão.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Ele está ferido. — Jessica levantou as mangas da camisola para


mostrar o sangue seco. Só tinha tido tempo de limpar as mãos quando
Pitman rompeu na sua casa. — Estendeu-se sobre mim quando
explodiu a pólvora e saiu ferido. Talvez esteja caído em alguma sarjeta,
sangrando. Os soldados de Pitman o encontrarão e o matarão.

— Se Pitman revistar as casas, seu Corsário terá tempo de


escapar. Não acredito que esteja sangrando.

— O que sabe você? — gritou-lhe ela.

— Isso eu gosto mais. — Alex, sorrindo, tirou um lenço do bolso.


Sua voz tinha mudado. — Agora, Jess, devemos falar de negócios.
Talvez você prefira se alimentar de orgulho e se vestir com ele, mas os
meninos precisam de outra coisa. Em minha casa há três arcas de
roupa que pertenceram a minha mãe; Deus sabe que Mariana não
poderia colocar mais que a perna esquerda em qualquer desses
vestidos. É hora de que meu pai deixe de guardar suas coisas como se
fossem objetos de culto. E nos sótãos há baús inteiros com roupas de
menino. As guardou para nossos filhos, mas não acredito que Mariana
os tenha; Adam e Kit estão muito ocupados com suas façanhas para
formar família e não me aceita nenhuma mulher. De forma que bem
poderia aproveitá-las você. Não! Nenhuma palavra de protesto! De certo
modo, isto foi culpa de uma Montgomery e as atrocidades de Pitman
serão corrigidas, até onde se possa, por outro Montgomery. Amanhã
procuraremos alguns móveis e provisões. Agora quero que se deite para
dormir tudo o que possa.

Jessica conseguiu sorrir entre lágrimas.

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O Corsário – Jude Deveraux

— É verdade que esteve maravilhoso, Alex. Obrigado por impedir


que queimassem nossa casa. — Levantou-se nas pontas dos pés para
beijá-lo na bochecha. — Obrigada — repetiu, antes de entrar na casa.

Tratou de não olhar os escombros que a rodeavam, mas no


momento em que se voltava para o colchão onde dormia Eleanor, ouviu
o pranto de um dos meninos.

Subiu as escadas até o sótão. A primeira vista, todos os meninos


pareciam dormir... mas Nathaniel tinha os olhos fechados com muita
força. Tratava de comportar-se como um homem e dominar o pranto.
Jess lhe esfregou a nuca e o balançou, o menino chorou então até
acabar com suas lágrimas. Geralmente agia com tanta maturidade que
alguém se esquecia de sua curta idade.

— Vão queimar nossa casa?

— Não sei — respondeu Jess, francamente.

Por essa vez, Pitman tinha sido frustrado, mas ninguém podia
assegurar o que faria o homem quando não estivesse ali Alex ou alguma
outra pessoa para detê-lo.

— Tenho medo, Jessie. O senhor Pitman nos odeia. Por quê?

— Não tenho certeza. Acredito que odeia o Corsário e acha que


estamos relacionados com ele.

— Mas você está relacionada com ele, Jessie. Encontra-se com ele
de noite e o salvou das explosões, verdade? É a única mulher capaz de
caminhar entre pólvora. O senhor Pitman tem que sabê-lo.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Não sei se foi coragem ou estupidez, mas alguém tinha que


salvá-lo quando Mariana me disse...

Nate se afastou dela.

— Por que não salvou ela o Corsário? Veio te buscar porque você
é corajosa e ela não. Lorde Alex também é corajoso.

— Isso é verdade, sim. Agora durma. Logo será dia e temos


muitíssimo trabalho por diante.

Como o menino abriu a boca para replicar, ela acariciou seu


cabelo.

— Não tenho respostas para suas perguntas. Talvez algum dia


será como eu e agirá sem pensar. Mas a partir de agora em adiante eu
pensarei primeiro em minha família. Concorda?

— Sim, Jess. Boa noite.

— Boa noite, Nate.

Quando Alex chegou da casa dos Taggert, Nick estava acordado...


como todos os ocupantes da mansão.

— O que fez agora? — grunhiu Nick. — Não pode dormir tranqüilo


sem que se dedique a devastar o país. Seu pai quer falar contigo.

— Pois que espere — disse Alex. Já que estava em sua casa e com

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

alguém que conhecia seu segredo, não precisava continuar


dissimulando a dor. — Ajude-me a me despir. O sangue pregou a roupa
no corpo.

— Ah, ouvi dizer que o Corsário estava ferido. Seu cunhado está
te procurando com cães. E também a essa mulher.

Nick o ajudou a tirar a túnica e a camisa. Debaixo das roupas


desatou os almofadões. Debaixo destes tinha ainda o esmigalhado traje
do Corsário.

— Parece que a pólvora te alcançou.

— Não, só o pedregulho. Esfolou-me as costas.

Nick emitiu um leve assobio enquanto retirava o tecido empapado


de sangue. Alex tinha nas costas grandes sulcos sanguinolentos, que
se aderiram a pedaços de seda negra.

— Vou lavar isto com água, para que o sangue saia. Suponho que
a mulher era a senhorita Jessica.

— É obvio. É a única tola capaz de caminhar por um círculo de


pólvora pronta para explodir.

— Mas salvou essa miserável de tua vida, verdade? Terei que


retirar essas partes de tecido com uma faca. Se meu pai me visse
oficiando a arte de enfermaria, deserdar-me-ia.

— Deixa de arrogância e ponha mãos à obra.

— Aonde foi depois da explosão?

— Salvar Jessica. Pitman foi diretamente para sua casa, tal como

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O Corsário – Jude Deveraux

eu esperava.

— Então agora o senhor Pitman tem outro inimigo: Alexander


Montgomery. Como vai arrumar isto?

Alex apertou os dentes para suportar a dor, enquanto Nick


retirava fiapos de seda de suas esfoladas costas. O tratamento não teria
sido tão doloroso se fosse feito imediatamente, depois da explosão, mas
o sangue tinha tido tempo de secar, aderindo partes de tecidos às
feridas. De qualquer modo, não lamentava ter agido assim. Fizera bem
em ir à casa de Jessica antes de ter cuidado das feridas. Em realidade,
apenas tinha chegado a tempo.

— Não sei. Só quero dormir vários dias seguidos. Diga a Pitman


que a cena na casa dos Taggert me deixou indisposto.

— Não suspeitaria que esteja ferido, além de esgotado?

— Nesse caso, diga que estou apaixonado por Jessica e que me


fez mal vê-la sofrer assim.

— Está apaixonado por ela? Ou é o Corsário quem a ama?

Alex guardou silêncio por um momento.

— Arriscou a vida para salvar um homem que diz odiar. É igual à


Abigail, apaixonada por um deslumbrante cavaleiro mascarado.

— Sente-se para que possa enfaixar seu torso.

Alex se esforçou por levantar-se.

— Alexander apareceu montado em uma mula, com duas pistolas


apontadas para a cabeça do representante real, e só recebe um beijo

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O Corsário – Jude Deveraux

na bochecha. Mas o Corsário cai estupidamente em uma armadilha e


derramam lágrimas por ele. A moça tinha muito medo de que o maior
dos idiotas estivesse sangrando em uma sarjeta. E quando eu,
Alexander, assegurei que estava a salvo, tratou-me como a um cão. Que
mulher estúpida! Não se dá conta de quem é o verdadeiro herói de sua
vida? É possível que todas as mulheres se apaixonem por um rosto
bonito e ombros largos?

Nick lhe serviu um copo inteiro de rum.

— Me diga: se Nelba Mason tivesse estado naquela varanda, no


dia de sua primeira aventura, teria tentado beijá-la? Teria a arrojado
na água suja se ela tivesse resistido?

Alex bebeu todo o rum e se estremeceu de só pensá-lo.

— Teria dado obrigado por seu rechaço — disse, um momento


depois. — Mas não é o mesmo, não. Nelba não pode tirar o narigão.
Além disso, não arriscou a vida para salvar o Corsário.

— Talvez tivesse feito se o Corsário a cortejasse na noite.

Alex se negou a fazer comentários a respeito.

— Vai, saia daqui e me deixa dormir. Leve esses farrapos


ensangüentados e queima-os.

— Sim, amo — zombou Nick, antes de sair.

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O Corsário – Jude Deveraux

09
— E agora os Montgomery parecem ter adotado os Taggert — disse
a senhora Wentworth. — Acredito que querem praticar a caridade
cristã, poderiam haver escolhido uma causa mais digna.

O senhor Wentworth estava tomando o café da manhã com


Abigail, sua única filha. Na mesa, na sala ou nas pessoas presentes,
não havia nada que não fosse da melhor qualidade, tudo importado da
Inglaterra. Não queriam saber nada com os toscos produtos
americanos.

— Eleanor tem anos trabalhando para os Montgomery — aduziu


o senhor Wentworth. — Virtualmente dirige sozinha essa casa. E, além
disso, se Mariana não se casou com o senhor Pitman, os Taggert ainda
teriam todos seus pertences. Pitman os atacou como represália contra
o Corsário.

— O Corsário! — Bufou sua esposa. — Não me fale desse


bandoleiro! Por culpa de pessoas como essa nos meteremos em
problemas com a Inglaterra e se perdermos o apoio dos ingleses, o que
será de nós? Que espécie de governo teremos sem nos guiar a
Inglaterra?

Abigail só prestava atenção a seu pão com manteiga.

— O que se sabe da explosão de ontem à noite?

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O Corsário – Jude Deveraux

— Todo mundo pensa que Jessica Taggert teve muito que ver. O
senhor Pitman tinha direito de revistar sua casa, embora eu não tenha
gostado que nos despertassem a todos no meio da noite para ver se
faltava alguém. Como se nós nos misturássemos com rufiões como esse
Corsário! — A senhora Wentworth olhou para sua filha com ferocidade.
— Em minha família ninguém se envolverá nunca com alguém assim.

— Acha que Jessica Taggert poderia ser tão corajosa? —Perguntou


Abigail. — O Corsário estará apaixonado por ela?

— Apaixonado? Ahahah! — Gargalhou sua mãe.

— Na cidade se diz que é uma heroína – interveio o pai. — Quando


saí, esta manhã, não se falava mais nada que isso: que Jessica salvou
sua vida e que a cidade está em dívida com essa moça. Para não
mencionar o Corsário, que estaria morto se não fosse por ela.

Abby se levantou tão depressa que esteve a ponto de derrubar sua


cadeira.

— Ninguém sabe com segurança que foi Jessica Taggert quem o


salvou! — Protestou. — Os soldados disseram que abriu a porta de sua
casa com cara sonolenta. E não há provas de que foi ela quem ajudou
o Corsário. Se Alexander Montgomery não houvesse...

— Alexander Montgomery — interrompeu o senhor Wentworth: —


eis aí um jovem que deveria tratar melhor. Alex tinha muitas
qualidades quando era jovenzinho e tenho certeza que...

— Agora usa todas à vista — zombou Abigail. — É gordo, feio,


preguiçoso... E segue Jessica Taggert como se fosse seu querido

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

cãozinho.

— Sim, mas o pai é dono de...

— Não me importa as propriedades de seu pai. Preferiria mil vezes


me casar com um homem de verdade, como o Corsário, que com um
porco gordo e rico como Alexander Montgomery.

E fugiu da sala.

Acima, na intimidade de seu próprio quarto, deu rédea solta a sua


irritação contra toda a cidade. Por que supunham que uma escória
como Jessica Taggert era capaz de arriscar a vida para salvar a do
Corsário? Depois de tudo, não tinha sido ela, Abigail, quem recebeu o
primeiro beijo? Ele tinha demonstrado que desprezava Jessica; já que
a tinha arrojado na água suja de roupas lavadas. Em troca era óbvio
que de Abigail gostava muito. Por que pensavam todos que sua
salvadora era Jessica? Por que não Abigail?

Inclinou-se para o espelho para olhar-se melhor. Esse espelho


tinha vindo da França, especialmente para ela. Sem dúvida, um homem
tão bravo e cavalheiresco como o Corsário preferiria a uma mulher cuja
família pudesse importar espelhos do França. Como ia preferir uma das
Taggert?

Nesse momento ouviu o ruído da porta de rua ao abrir-se e fechar-


se outra vez. Eram seus pais, que saíam: ele, para ir a sua grande
fabrica de velas e a mãe, rumo ao mercado. Em realidade, sua mãe não
tinha necessidade de fazer pessoalmente as compras, mas pensava que
nunca poderia confiar nos servos.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Abigail continuava olhando-se no espelho. Perguntava-se o que


pensariam os habitantes da cidade se soubessem que tinha sido outra
pessoa que tinha salvado o Corsário. Saberia o mascarado quem tinha
sido essa mulher? Depois de tudo, o episódio se desenvolveu na
escuridão e se dizia que ela ia coberta dos pés a cabeça com uma capa
negra de capuz.

Ergueu-se um pouco mais, admirando suas formas no espelho.


Se o Corsário não tinha reconhecido à mulher e pensasse que tinha
sido Abigail, não se mostraria... agradecido?

Claro que teria que ter alguma prova... se por acaso as pessoas
não lhe acreditassem. Sorridente, pensou nas chamas da lareira, no
térreo.

Quando Mary Catherine entrou no porto, o primeiro que Jessica


viu foi à silhueta de Alex, cintilante sob o sol como um pequeno farol
de forma estranha. Se estava esperando-a, sem dúvida trazia notícias
importantes.

— Permissão para subir a bordo, capitão? — inquiriu ele,


sorrindo.

Jess franziu o cenho. Era de esperar, a julgar por esse sorriso,


que não houvesse notícias trágicas.

— Sim, marinheiro — concedeu, instalando a prancha. — Trouxe

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

você seu lenço perfumado?

— Em efeito. E também um incenso.

Na mão trazia uma laranja com vários pauzinhos aromáticos


enfiados na casca. Pôs-se a andar pela prancha, mas no meio do
caminho pareceu sofrer uma espécie de ataque. Levou uma mão à
cabeça e começou a cambalear como se estivesse a ponto de cair.
Jessica correu até ele e rodeou sua cintura com os braços para
sustentá-lo.

— Sente-se bem, Alex?

— Muito melhor, obrigado. Só preciso esperar um momento até


recuperar o equilíbrio. Não, não retire os braços. Preciso de sua força.
— Por um momento apoiou a bochecha contra a cabeça da moça. —
Ah, acredito que já posso caminhar. Ajuda-me a chegar à cabine?

— É obvio, Alex.

Ele se apoiou pesadamente em seus ombros. Jessica teve que


ajudá-lo passo a passo até a cabine do navio e o sentou em uma
cadeira.

— Quer um pouco de rum?

Alex se reclinou no assento, com um suspiro.

— Não: assaltei a despensa de casa. Aqui tem. Lentamente


começou a tirar coisas de seus bolsos: uma garrafa de conhaque
francês, meia fogaça de pão, uma parte de queijo e um frasco de
mostarda. Jess se pôs a rir.

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O Corsário – Jude Deveraux

— E eu, temendo que trouxesse más notícias!

Já que Alex parecia muito débil, cortou o pão e o queijo,


lubrificou-os generosamente com mostarda e lhe entregou as rodelas.

— E assim é — confirmou ele. — Abigail Wentworth foi presa por


ajudar o Corsário a escapar da armadilha.

— O que? — exclamou a moça, engasgando-se com um bocado de


pão. — Mas não é possível! Quando Pitman revisou as casas, não estava
ela dormindo?

— Você também, Jessica — observou ele, enquanto sorvia


tranqüilamente seu conhaque.

— Está bem. Dê-me os detalhes. O que fez essa pequena idiota


para que a encarcerassem?

— Disse a todo mundo que era ela quem havia salvado o Corsário.
E como prova mostrou seus cabelos chamuscados pela explosão.

— Não se deu conta de que Pitman a prenderia assim que se


inteirasse?

— Não acredito que sua mente tenha chegado tão longe.

— Certamente não — confirmou Jess. — Só quis chamar a


atenção do Corsário. Mas deveria ter imaginado que o Corsário teria
reconhecido à mulher que o ajudou.

Alex encolheu os ombros.

— Quem pode saber o que pensou? Você mesma não disse muito
sobre essa noite. O Corsário se mostrou muito agradecido?

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O Corsário – Jude Deveraux

Ela ignorou a pergunta.

— Bom, e o que faremos por Abigail? Não podemos permitir que


apodreça no cárcere. O que fará Pitman com ela?

— Poderíamos deixar que o Corsário se encarregasse de salvá-la,


já que tanto o ama.

— Alex, não comece outra vez com seus ciúmes. Lamento muito
que Abby esteja apaixonada pelo Corsário e sei que você a cortejou,
mas ela não te convém, me acredite. Não tem uma grama de miolo,
como demonstra este episódio. E bem o que vamos fazer?

— Acredito que não devemos fazer nada, você e eu — replicou ele,


severamente. — Ainda não aprendeu sua lição, Jess? Esteve quase ao
ponto de deixar sua família sem teto por correr em ajuda ao Corsário.
Abby se colocou sozinha neste embrulho e não é teu assunto tirá-la
dele.

— Só a libertariam se eu me apresentasse para confessar que fui


eu quem ajudou o Corsário.

— Só passando por cima de meu cadáver — assegurou Alex, com


sentimento. — E também sobre o teu, se se importar saber.

— Farei o que me pareça certo! — protestou ela.

— Nada disso — disse Alex, com calma. — Te livrarei disto como


sempre.

—Você? Do que você me livrou?

Alex olhou para seu conhaque.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Que má memória tem as mulheres... Da forca, quando você e


George detiveram os soldados perseguindo o Corsário, por sua vez
roubou o dinheiro de Pitman. Depois impedi que queimassem sua casa,
quando você salvou o Corsário da pólvora. Não te ocorreu pensar, Jess,
que esse Corsário pelo qual você tanto se preocupa é um tipo
incompetente como muitos poucos?

— Como pode dizer isso depois do que ele tem feito para ajudar à
cidade? Ao menos ele faz algo por se opor a Pitman. Tomou uma
posição, a diferença de outros.

— Pois essa oposição parece incendiar alguma coisa com muita


frequência... e você sempre está ali, com um cubo de água preparada
para apagar as chamas.

Jess tratou de dominar sua irritação.

— Eu não gosto que diga essas coisas, Alex. Tenho certeza de que
o Corsário tinha boas intensões quando foi em busca da pólvora. Só
que era uma armadilha. Dá-te conta de que neste momento poderia
está agonizando em alguma parte? Não sei se está ferido com gravidade.
E não pode procurar ajuda médica para não se delatar. Esse homem
merece mais respeito do que você lhe concede.

— Ou nem tanto quanto concede você, Jess se meter em confusão.


Mas não discutamos. Aqui se trata de Abigail. Tenho certa idéia de
como salvá-la da forca.

Ela ainda estava ofendida por suas críticas ao Corsário.

— Vejamo-la — disse.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Se conseguíssemos que alguém, um homem, declarasse ter


passado a noite com Abby, poderíamos...

— Refere-se ao Corsário? — exclamou ela. — Quer dizer que o


Corsário deveria apresentar-se e declarar que passou a noite com ela?
Essa noite esteve comigo.

Os olhos do jovem se encheram de fúria.

— Não pode tirar esse homem da cabeça, sequer por uns minutos?
Refiro a um homem qualquer: um marinheiro, um empregado, um
pelicano macho, pouco isso me importa, desde que saiba falar. Se
alguém se apresentar diante da corte e declarar que esteve essa noite
com Abby, sem que se inteirassem seus pais talvez a absolvessem.

— Mas e seus cabelos? Que moça estúpida! O Corsário me


protegeu com seu próprio corpo. Não tenho um só cabelo chamuscado.
Ele, é obvio...

— Jess! — interrompeu-a ele. — Abby queimou os cabelos quando


rolavam pelo chão, muito perto do fogo.

Jess sorriu.

— Isso é horrível, Alex. Abby jamais poderá levantar a cabeça


nesta cidade.

— Com a fúria que alberga Pitman, poderá dar-se por satisfeita


em poder levar a cabeça sobre os ombros, como deve ser.

A moça bebeu um gole de conhaque.

— Mas onde achará um tolo capaz de apresentar-se enfrente a

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

toda a cidade e aceitar a culpa de algo assim? Sobre tudo, considerando


que não é verdade. — Levantou a cabeça. — Qual seria o castigo?
Porque castigarão aos dois, é obvio.

Alex observou seu último pedaço de queijo.

— Oh, nada mais grave que o tronco, suponho. Mas pensei no


homem perfeito.

— Quem?

— Prefiro que seja uma surpresa para você. Deixa o assunto por
minha conta. Arrumarei isto como já o fiz com seus outros problemas.

— Eu posso arrumar sozinha meus problemas, mas se por acaso


consegue que libertem Abigail, farei algo por você: ajudarei que consiga
uma esposa. O ano que vem, a esta altura, haverá um bebê
engatinhando na casa dos Montgomery... — Deixou seu copo. — Oh,
Alex, acaba de me ocorrer... A debilidade de seus músculos não chegam
a... — ficou vermelha. — Quero dizer... Pode ter filhos? Filhos próprios,
claro.

Ele a olhou longamente, depois afastou o rosto e suspirou.

— Não me aproximei de uma mulher desde que caí com a febre,


mas suponho que poderia, se me mantivesse levantado com algum
suporte e ela me desse muita ajuda. — Voltou-se para ela com um
sorriso sem cor.

— Oh... — murmurou ela, acabando com o conhaque. — Será


melhor que não digamos a ninguém, do contrário jamais
conseguiremos uma esposa. Não imagino uma mulher... —

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O Corsário – Jude Deveraux

Interrompeu-se para não ofender de novo seu amigo, mas pensou no


Corsário e sorriu amplamente ante a idéia de que um homem pudesse
precisar de ajuda. Por fim se recuperou.

— Você consegue um homem para Abigail e eu farei o possível por


te conseguir uma noiva. Pelo que parece, fiquei com o trabalho mais
fácil.

— Toma — adicionou Alex, lhe jogando uma laranja. — Come isto.


Depois mãos à obra.

Ethan Ledbetter estava no estrado das testemunhas, diante dos


jurados. Todas as mulheres presentes se inclinavam para frente,
ansiosas por escutar tudo que esse belo jovem tivesse para dizer.

O juiz, com sua peruca longa, pediu ao Ethan que repetisse sua
declaração.

— Como a senhorita Abigail não queria que ninguém soubesse de


nosso amor, disse que estava com o Corsário. Apenas conseguiu chegar
a sua casa antes que os soldados se apresentassem para revistá-la. Se
se tivesse demorado alguns minutos mais a teriam detido.

— É mentira! — Gritou Abigail. — Nem sequer conheço esse


homem. Disse a verdade: inventei tudo e chamusquei meu cabelo na
lareira. Nunca es...

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O Corsário – Jude Deveraux

— Oficial: faça calar essa mulher ou a obrigarei a abandonar a


sala. Bem, senhor Ledbetter, como explica o cabelo dela?

— Ao rolarmos pelo chão nos aproximamos muito da fogueira —


respondeu ele, com certo orgulho.

Por um momento os presentes ficaram muito estupefatos para


reagirem. Por fim se ouviu algo que parecia mistura de gargalhada com
rugido de indignação.

O oficial impôs a ordem enquanto os juízes conferenciavam.

— Chegamos a uma decisão — disse um deles. — A acusada,


Abigail Wentworth, e a testemunha Ethan Ledbetter deverão ser
retirados desta sala e... — O público esperava. — ...e se casarão antes
do pôr do sol.

Abigail desmaiou. Ethan parecia a ponto de sofrer um desmaio.

— Menti — gritou o jovem. — Só queria ajudar o Corsário. Menti.

Mas os juízes, com cara de experimentarem um profundo


desgosto ignorando esse assunto, dispensaram-no com um gesto de
mão.

Alex tomou Jessica pelo cotovelo e a acompanhou para fora, mas


a moça se afastou dele e esperou a saída dos prisioneiros. Abigail
chorava, igual que sua mãe, mas Ethan mantinha a cabeça erguida e
os dentes apertados. Ele parecia orgulhoso, apesar de que todos o
olhavam boquiaberto. Quando passou junto de Alex se deteve para
olhá-lo com ódio e cuspiu em seu rosto.

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O Corsário – Jude Deveraux

Alex, com muita calma, tirou o lenço e limpou a saliva, enquanto


os oficiais empurravam o prisioneiro.

— Vamos, Jess? — foi tudo quanto disse ofendido.

Jessica o acompanhou, mas sem deixar que a tocasse. Tampouco


lhe dirigiu a palavra até que ambos estiveram longe da multidão.

— Que coisa horrível para se fazer a uma pessoa! — Exclamou,


tão furiosa que mal podia falar. — Sabia perfeitamente que o tribunal
os obrigaria a casar-se, verdade?

— Me tinha ocorrido, sim.

— Como convenceu Ethan para que declarasse ter estado com


Abigail?

— Não sei por que está tão zangada. Simplesmente apelei a seu
patriotismo. Disse-lhe que assim ajudaria a seu país e sobre tudo a sua
cidade.

— E ele acreditou — adivinhou a jovem, apertando os punhos. —


Só porque se chama Montgomery todos acreditam que podem confiar
em você. Fez algo espantoso, Alexander Montgomery. Jogou vergonha
sobre seu sobrenome.

Girou sobre seus calcanhares e partiu tempestuosamente.

— Espere um momento, jovem — protestou ele, detendo-a por um


braço à beira do caminho. — Disse o que planejava fazer e não pôs
objeções. Por que está tão zangada agora? Porque enrolei o Ethan
Ledbetter e não a outro? Ou porque seu jovem galã se deixou convencer

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

com tanta facilidade?

— Não é meu galã! E me solte!

Alex seguiu retendo-a com força.

— Por que se zanga assim comigo? Fiz libertarem Abigail, embora


não merecesse por ser mentirosa. Quanto a Ethan, é um simples
ferreiro e vai casar-se com a herdeira de uma das maiores fortunas de
Warbrooke. Não sei que mal fiz.

— Mas Ethan terá que passar o resto de sua vida com a idiota da
Abigail!

Alex lhe soltou os braços.

— Faz alguns dias sugeriu que Abigail podia casar-se comigo.


Agora não se parece boa consorte para seu precioso Ethan.

— Não compreende? — Exclamou ela, com suavidade. — Ethan


poderia ser o Corsário!

— Compreendo — disse ele, seco e frio. — E você queria o Corsário


para você somente, não é assim? Pensava apanhar Ethan em suas
redes.

— Não! — Ela se tampou os ouvidos com as mãos. — Está me


confundindo. Mas detesto ver às pessoas tão infelizes. Deveria ter
advertido a Ethan que talvez o obrigassem a casar-se com ela.

— Se ele não teve a inteligência necessária para perceber que era


a solução lógica, depois de ter admitido diante de toda a cidade que se
deitava com Abigail, merece o que tem tido de sorte. E pode alegrar-se

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O Corsário – Jude Deveraux

por essa armação que saiu barato. Se a cidade não estivesse alvoroçada
pelo Corsário teria sido muito pior. E Abigail! Me espanto que não a
tenham apedrejado.

— Arriscou a vida dos dois! Não tinha certeza de que o juiz não os
sentenciasse ambos a morte.

— O juiz deve muito dinheiro aos Montgomery. Antes do


julgamento mantivemos uma interessante conversa. Naturalmente,
não sabia como iam reagir as pessoas da cidade. Temi que Abigail
sofresse alguns abusos.

— As mães estão muito contentes de vê-la casada. Desse modo


suas filhas têm uma oportunidade.

Alex sorriu.

— Assim eu gosto mais, Jess. Tanto se interessa por esse


Corsário?

Ela lhe deu as costas.

— Não sei o que sinto, em realidade. Preocupa-me sabê-lo ferido.


Com tanto sangue como perdeu ontem à noite...

— Compreendo. Preocupa-se com a possibilidade de que tenha


morrido: Talvez agora tenha o senso comum de compreender que não
se desempenha muito bem como Corsário e renuncie ao jogo.

Ela o olhou com dureza.

— Realmente espero que Nelba Mason aceite casar-se contigo, seu


caráter é tão agradável como seu rosto. Agora se incomodaria em se

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O Corsário – Jude Deveraux

manter longe dos Taggert por um tempo, incluindo a mim, para nos
deixarem um pouco em paz?

Assim dizendo, girou em circulo e o deixou sozinho.

— Maldição, maldição — resmungou Alex, que tinha acreditado


ter sido muito ardiloso em convencer Ethan que se declarasse por
Abigail. — Esse Corsário não é tão inteligente como pensa, moça —
adicionou, em voz bem alta, antes de começar a andar rumo a sua casa.
Até onde ele podia julgar, o Corsário tinha feito mais mal que bem.

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O Corsário – Jude Deveraux

10
A chegada do almirante inglês em Warbrooke imobilizou a cidade
quase por completo.

Westmoreland era um homem corpulento. Seu colorido uniforme,


suas rígidas costas, aquela voz que se deixava ouvir por sobre as
tempestades de alto mar e seu cortejo de oficiais, que o rodeavam
constantemente, davam-lhe uma aparência formidável. Levaram-no em
bote para a terra e a multidão reunida se abriu para dar caminho ao
desfile. O almirante caminhava na vanguarda e sua cabeça se
sobressaía por sobre todas as demais pessoas. Subiu a colina em linha
reta para a casa dos Montgomery, como se soubesse exatamente onde
estava. John Pitman, esperava-o a cem metros da mansão, arrumando
a peruca que colocou para a ocasião. Atrás dele estava Alexander,
lânguido e bocejando como se tudo aquilo o aborrecesse muito.

— Senhor — saudou Pitman, com uma espécie de reverência. O


almirante olhou Pitman de cima abaixo, jogou uma olhada em Alex e
logo partiu para a casa.

— Suponho que você é Pitman. É este seu quartel? — Trovejou,


enquanto um de seus homens lhe abria a porta.

Assim que entrou no salão, todos ficaram petrificados. Os


meninos interromperam suas tarefas. Eleanor deteve a colher sobre o
guisado.

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O Corsário – Jude Deveraux

O almirante, sem incomodar-se em formular perguntas, esperava


com óbvia impaciência.

— Por aqui, senhor — indicou Pitman, apressando-se em abrir a


caminhada pelo corredor que levava ao escritório dos Montgomery.

Alexander, que seguia o cortejo, passou junto à Eleanor com um


encolhimento de ombros, dando a entender que não tinha idéia do que
estava ocorrendo.

No escritório o almirante se deteve e olhou a seu redor. Ao ver Alex


se deteve.

— Saia — ordenou, lacônico.

Dois homens se adiantaram para retirar Alexander, mas ele se


recompôs para evitá-los.

— Temo que deva aceitar minha presença, senhor. Sou o


proprietário da casa — disse, olhando as unhas, enquanto se recostava
contra a parede.

O vozeirão de Westmoreland fez ranger as vigas.

— Não tolero insolências em meus subordinados. Muito menos


em passarinhos como você. Tirem-no daqui.

Enquanto Alex se deixava levar fora do escritório, amaldiçoava


para seus adentros, ao ver-se impossibilitado de defender-se sem
despertar suspeitas. Portanto, esperou fora, sem deixar de amaldiçoar
às grossas paredes construídas por seus antepassados, pois não lhe
permitiam ouvir grande coisa. Uma das frases que lhe chegou, graças

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O Corsário – Jude Deveraux

à voz de trovão do almirante, foi que era preciso aplicar mão firme para
que o menino não se malcriasse. Não lhe custou compreender que o
menino era a América.

Seus piores medos começavam a se tornar realidade: o almirante


estava ali para fazer vingança pelos atos do Corsário. Assim que ouviu
na conversa o sobrenome Taggert, Alex entrou em ação. Foi ao salão,
onde todos se moviam em câmara lenta, com o ouvido apontando para
o corredor que conduzia ao escritório.

— Não deixe que os meninos se separem de você — recomendou


a Eleanor. — Aconteça o que acontecer, que os meninos estejam
sempre contigo.

Sem perder tempo em mais explicações, saiu da casa e caminhou


para o cais, tão depressa como permitia seu disfarce.

Jessica estava na cobertura de seu navio, limpando com uma


bucha e água de mar.

— Tenho que te falar, Jess — chamou Alex, tratando de


dissimular a urgência de sua voz.

— Não tenho nada que te dizer — disse ela, afastando-se de seu


campo visual.

Alex jogou uma olhada por sobre o ombro se por acaso o almirante
e seus homens estivessem já à vista.

— Desce, Jess! Preciso falar contigo.

— O que acontece, Montgomery? — perguntou alguém. — Sua

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O Corsário – Jude Deveraux

moça retirou a palavra?

Alex decidiu subir pela prancha.

— Jess, — gritou, dando deliberadamente a sua voz um tom


lamentoso — se cair daqui por sua culpa...

Com cara de desgosto, ela desceu pela prancha para vir ao seu
encontro.

— Seria um castigo merecido — assegurou.

Somente ia ajudá-lo a entrar na cabine, mas ele tomou-a pela


cintura e, aplicando um pouco de força, conduziu-a ao cais.

— Tenho o que fazer Alex. Nem todos podem passar a vida


vadiando como você. Tenho que alimentar minha família.

Alex viu que o almirante e seus homens se encaminhavam para


eles.

— Disse-te que precisava te falar. — Segurou-a pelo braço e


puxou-a para o outro lado.

— Mas o que você tem? Não quero conversar contigo. Nem sequer
desejo ver-te. E agora me solte. — A moça girou a cabeça. — Quem são
essas pessoas?

Alex a segurou pelos antebraços para obrigá-la a olhá-lo de frente.

— Me escute bem, Jess. O que eu vou dizer pode salvar sua vida.
Somos súditos ingleses. Os ingleses nos consideram filhos deles. Os
direitos legais são deles. Talvez, algum dia, possamos mudar isso, mas
no momento eles têm todos os direitos.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Está louco, Alex. E não tenho tempo para lições de política. Te


disse que estou atarefada.

Sem soltá-la, ele a manteve frente a si.

Atrás deles, um homem começou a pronunciar um anúncio diante


da multidão que se reuniu em redor do almirante.

— Por ordem de Sua Majestade, o rei Jorge III, o almirante


Westmoreland, aqui presente, foi enviado para pôr fim às atividades do
homem que se faz chamar de O Corsário. O almirante permanecerá nas
Colônias até que esse homem tenha morrido. A quem descubra dando
amparo ao Corsário se executará no ato, sem julgamento prévio. É de
conhecimento do almirante que uma certa Jessica Taggert deu ajuda
ao inimigo.

Jess deixou de debater-se entre os braços de Alex e ficou imóvel.

— Por decreto do almirante e do rei, o navio de propriedade da


Taggert, chamado Mary Catherine, será retirado deste cais e queimado
no mar.

— Não! — Conseguiu uivar Jess, antes que Alex cobrisse sua boca
para sossegá-la.

Rodeou-a com seus grandes braços acolchoados e a estreitou


contra sua barriga.

— Agora te levarei para casa, Jess — sussurrou. — Não quero que


veja isto.

Ela se debateu a cada passo do trajeto, lutando contra suas mãos,

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O Corsário – Jude Deveraux

chutou-o, tratou de morder seus dedos e fez todo o possível para


recuperar sua liberdade, mas sem consegui-lo. Alex conseguiu levá-la
até o salão dos Montgomery. Excetuando Eleanor e os meninos, o salão
estava deserto.

— O que aconteceu? – sussurrou a moça, ao ver sua agitada irmã


quase amordaçada por Alex.

— O almirante foi enviado para acabar com a vida do Corsário.


Pitman disse que Jess mantinha algum tipo de relação com ele e,
portanto, Westmoreland decidiu dar um exemplo incendiando Mary
Catherine.

Eleanor ficou muito aturdida para reagir.

— Me consiga uma garrafa de whisky — ordenou Alex. — A levarei


para meu quarto.

Enquanto ele a levava pelo corredor, Jess renovou suas


resistências. Quando passaram junto à porta de Sayer, os homens
intercambiaram um olhar sem dizer uma palavra. Quando Alex chegou
a seu dormitório, arrastando Jess, Eleanor já estava ali com o whisky.

— Não quero ver ninguém — indicou ele.

Tomou a garrafa e fechou a porta com o pé. Quando o ferrolho


esteve em seu lugar, soltou à moça.

— Maldito covarde — uivou ela. — Deixe-me sair daqui. Eu posso


impedir isto.

Alex se recostou contra a porta para que ela não pudesse abrir.

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O Corsário – Jude Deveraux

—Não, não pode. Esse homem traz o ódio no olhar. Pensa matar
o seu Corsário... e se não puder fazê-lo agora mesmo, se desforrará com
qualquer um que tenha relação com ele. Tem intenções de te usar como
exemplo.

— Pois pode usar como exemplo a outra pessoa. Tira seu gordo
corpanzil dessa porta e me deixe sair.

— Me diga o que queira, mas não sairá daqui. Esse inglês adoraria
ter qualquer motivo para enforcar a alguém. Conheço seu tipo. Estaria
feliz se pudesse pendurá-la no mastro antes de colocar fogo no navio.
Só quero manter-te com vida, embora incendeiem seu navio.

— Isto não te concerne. É meu navio o que esse homem quer


queimar. Abre essa porta.

Jess começou a empurrá-lo com todas suas forças, cravando os


calcanhares no chão e aplicando suas costas contra o lado dele, mas
não conseguiu movê-lo.

— Jessica — observou ele, com voz mais suave. — Se sair e tenta


objetar a esse homem, acabará executada. Não vou permití-lo.

— O que não vai permitir! — bramou ela. — Quem é você para


permitir ou não algo?

Empurrou-o e seguiu empurrando até ficar sem forças. Então


começou a recordar o que havia dito o pregoeiro do almirante: iriam
incendiar seu navio. Caiu escorregando, lentamente, enfrente de Alex
e bateu com seus ossos contra o chão.

— Esse navio foi herança de meu pai — sussurrou. — Foi o único

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que me deixou, além de irmãos para criar. Nenhum dos moços o quis.
Eles queriam singrar o oceano em grandes navios; não quiseram se
aproximar sequer da fedorenta Mary Catherine. Mas Eleanor e eu
compreendemos que era um meio para alimentar a mamãe e os
meninos. Sabe o quanto me custou conseguir que alguém me ensinasse
a pilotá-lo, só por ser mulher?

Assim sentada, apoiada contra as pernas de Alex, começou a


imaginar o que seria a vida sem seu navio.

— Kit me ajudou um pouco. E Adam sempre esteve perto para me


ensinar a atar nós. Mas quem mais me ajudou foi o velho Samuel
Hutchins. Recorda-o? Morreu faz alguns anos.

Alex também deslizou até o chão, para apoiá-la contra seu ombro,
e entregou a garrafa de whisky.

— Eu ria de você. Dava-me inveja que fosse mais jovem que eu e


tivesse um navio próprio.

Jess tomou um respeitável gole da bebida.

— Dizia que uma mulher não devia pisar sequer na cobertura de


um navio, muito menos possui-lo. Dizia que Mary Catherine não
merecia o título de navio.

— Disse-o, é verdade. Mas teria dado tudo quanto possuía por seu
navio ou qualquer outro. Minha mãe não queria que eu embarcasse.
Já tinha entregado ao mar seus dois filhos mais velhos e não estava
disposta a renunciar de seu filho pequeno.

Jess virou outro gole na garganta.

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— E tinha razão. Olhe no que terminou. Perdeu sua virilidade e


ela morreu antes de voltar a ver seus melhores filhos.

Sem ver a expressão de seu companheiro, prosseguiu:

— Mary Catherine tinha problemas, sim, mas me servia. Oh, Alex,


por Deus. Como vou alimentar os meninos sem ele?

Alex a rodeou com um braço para que apoiasse a cabeça em seu


ombro.

— Eu te ajudarei, Jess. Eu estarei sempre a seu lado para ajudá-


la.

Ela se afastou abruptamente.

— Como o fez hoje? Para você, ajudar é fugir do perigo?

— Tenho o senso comum de fugir quando todas as possibilidades


estão contra mim — replicou ele, muito rígido. — O que teria podido
fazer contra o almirante e seus soldados? Repito que esse homem tem
muita vontade de enforcar alguém. E conta com todo o direito de fazê-
lo.

— O Corsário, pelo menos, não tem medo de sua própria sombra,


como o resto desta cidade.

Alexander se levantou abruptamente, com fogo nos olhos.

— Você e seu Corsário! É por culpa desse idiota que a cidade está
neste aperto! Se ele não tivesse metido o nariz procurando glória, seu
navio estaria inteiro e não haveria varias vidas em perigo, incluindo a
tua. Em todo caso deveria odiar esse homem em vez de elogiá-lo.

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O Corsário – Jude Deveraux

Jess também se levantou, com os braços na cintura.

— Não percebe que é preciso fazer alguma coisa para impedir que
os ingleses nos tratem assim? O Corsário, sim, sabe. Não temos os
mesmos direitos que os ingleses. Como é possível que esse homem
incendeie meu navio só porque deseja muito? Que defesa me cabe?

Não lhe deu tempo para responder.

— Quero te dizer algo, Alexander: não é porque você seja covarde


que seremos todos nós.

— O que quer dizer?

— Ouvi que no sul estão acontecendo coisas. Escrevem-se


panfletos, pronunciaram-se discursos. Talvez possa se fazer um pouco
parecido em Warbrooke.

Alex se recostou contra a porta.

— Está falando de traição, Jess — sussurrou, observando seu


bonito pescoço.

— Se nos libertarmos da Inglaterra e refazermos nossa pátria, não


será traição, a não ser patriotismo.

Ele lhe ofereceu a garrafa de whisky.

— Bebe isto e conversemos.

— Ahahah! Pretende que confie em um covarde como você?

Ele se inclinou até tocar quase no nariz da moça com o seu.

— Eu gostaria de te recordar que fui eu quem te salvou de Pitman,

Saga Montgomery 04
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quem salvou Abigail e quem hoje, provavelmente, voltei a te salvar da


forca. Não acho que tudo isso seja covardia.

Ela esfregou os braços arroxeados.

— E eu não gosto de seus métodos.

— Nem todos podem ser românticos como seu Corsário. Além


disso, não estava convencida de que ele tinha morrido?

— Não diga isso! Vamos a minha casa e...

— Nem pense. Por hoje não porá um pé fora desta casa. Seria
capaz de ir diretamente aonde esteja o almirante para desafiá-lo a um
duelo e, a murros. Penso te manter com vida dia a dia. Agora me conte
a que se referia quando falava de patriotismo.

Mas Jessica, apesar a todas as suas insistências, não quis dizer


uma palavra.

Jessica despertou com o estômago irritado, dor de cabeça e gosto


de cola na boca. Seu primeiro pensamento foi que nunca voltaria a
confiar em Alexander. Ele não tinha querido falar de patriotismo, a não
ser embriagá-la para impedir toda sua resistência.

Pouco a pouco, tratando de não mover a cabeça, jogou de um lado


os cobertores. "Não estranhava que ele dormisse sob lençóis de cetim
rosado", pensou.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Bom dia — saudou Alex, da porta.

— Não têm nada de bom — assegurou ela, gemendo. — Essa


jaqueta é horrível, Alex.

Ele sorriu.

— São abacaxis e fitas. Eu adoro. Quer comer algo?

— Onde estão minhas botas?

— Aqui. Acredito que conviria descansar todo o dia, Jess.

— É obvio, a tarde toda, claro. Como estão os meninos?

— Eleanor cuidou-os bem. Esta tarde, ela e eu atacamos a


despensa. Têm comida mais que suficiente.

— Os Taggert não...

— Não aceitam esmolas, já sei. Quer que te ajude?

Jess colocou a segunda bota.

— Tenho que ir pescar. Tenho que... — interrompeu-se


subitamente, recordando que já não tinha navio. — Incendiaram-no?

Alex se sentou na cama para tomar sua mão.

— Sim, Jess. Vi o almirante Westmoreland, que se instalou com


dez de seus homens na casa dos Wentworth. Acredito que o convenceu
de que, em realidade, nunca participou de nada.

Ela se afastou de um puxão.

— Com isso não recuperarei meu navio.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Não, mas chá agora seria de ajuda se você se mantiver longe


do Corsário.

Ela ficou de pé, apertando-a cabeça e o estômago, mas o fulminou


com o olhar.

— O que sabe você? Você só sabe de... de abacaxis e fitas. O


Corsário bem poderia estar morto. Morreu, meu navio está incendiado
e eu...

Interrompeu-se para afastar o rosto. Preferia morrer a chorar


diante desse homem, esse punhado de pirilampos.

— Jess... — começou ele, tentando de aproximar-se.

— Não me toque.

Ela se afastou para aproximar-se da porta e abandonou o quarto.


Ao chegar ao salão chamou, sem deter-se:

— Me acompanhe, Nathaniel.

E continuou a caminhar sem olhar sequer os vizinhos, que a


olhavam boquiabertos. Agora a temiam; tinham medo de ver-se no
mesmo problema que ela.

Deteve-se por um momento na oficina do ferreiro. Ethan


Ledbetter, com os braços nus reluzentes de suor e a camisa colada aos
músculos das costas, martelava uma ferradura em vermelho vivo... e
Abigail estava de pé nas sombras, olhando-o como se fosse uma menina
faminta diante do festim de Natal.

Os olhos da Jessica se encheram de ardorosas lágrimas. Se o

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Corsário não tinha reaparecido, seria porque Ethan tinha agora


Abigail?

— Jessie... — reclamou Nate. — Vem ai o senhor Alexander.

— Vamos, então — falou Jess, furiosa. E pôs-se a andar a passo


rápido.

Trabalhou sem pausa durante quatro dias. Ao terminar o primeiro


dia Eleanor falou firme:

— Pode tratar de se matar, se isso deseja, mas não permitirei que


mate também Nathaniel.

Tinha tido que levar o exausto menino nos braços até a cama.

Portanto, Jess saía sozinha. Arrojava a rede ao mar e as retirava.


Consertou um velho carrinho para vender peixe pelas ruas da cidade,
mas muitos temiam comprar. Agora seu nome parecia poluído. Todo
mundo tinha medo do almirante e de seus soldados.

Westmoreland percorria as ruas de Warbrooke desde a primeira


hora até a última. Seus soldados saltavam ao menor ruído. Um deles
disparou contra o cachorrinho de uma garotinha, que cruzou
inesperadamente diante dele. Fecharam as tabernas do cais.

Warbrooke estava sob a lei militar.

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O Corsário – Jude Deveraux

Jess fez três intentos de falar com os homens sobre liberdade,


sugerindo que deviam protestar pelo que ocorria, mas ninguém a
escutava.

Ao terminar o quarto dia se atrasou na pequena enseada, ao norte


de sua casa. Tinha as mãos cobertas de bolhas e em carne viva; sentia
frio e fome. Mas pensou nos meninos que esperavam em sua casa e
recolheu a rede para arrojá-la pela última vez.

— Jessie.

No princípio pensou que era só o vento.

— Jessie.

Girou sobre seus calcanhares para olhar para a escuridão, ali


onde a terra formava um pequeno escarpado em um lado da enseada.
No começo não viu nada. No meio da escuridão surgiu uma mão, uma
mão que se estendia para ela, com a palma para cima. Jessica correu
para ele.

O Corsário a estreitou tanto em seus braços que esteve a ponto


de fazer ranger suas costelas.

— Jessie, Jessie, Jessie — sussurrava, abraçando-a, afundando


o rosto em seu cabelo.

— Está aqui. Está bem — exclamou Jess, com lágrimas nos olhos
e na voz. — Deixa que te veja. Deixe-me ver a ferida.

E começou freneticamente tentando puxar a bainha de sua


camisa, ansiosa por ver se, em realidade, estava ileso.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Deixa que te ajude — riu ele, enquanto desabotoava a camisa.

— Não vejo nada. Está muito escuro.

Jess estava a ponto de explodir em lágrimas. Não tinha chorado


pelo incêndio de seu navio, nem pelo rechaço de seus vizinhos, mas já
não se acreditava capaz de conter-se mais.

— Apalpa com as mãos — sugeriu ele, brandamente. — Anda,


Jessie, não sou digno de que chore. — Afastou-se dela para lhe mostrar
as costas. — A explosão da pólvora fez voar algumas pedras. Sente as
crostas? Já estou curado.

Ela deslizou as mãos por aquelas costas forte, apalpando as


cicatrizes. Recordava muito bem que ele as tinha recebido por protegê-
la. E a corrente de lágrimas foi incontrolável. Sepultou o rosto nas
costas do Corsário, apertando o nariz contra sua coluna, abriu a boca,
e as deixou correr, cravando as mãos na cintura do homem.

— Jessie, minha querida — sussurrou ele, girando para abraçá-


la. — Tem mais motivos que ninguém para chorar. Anda, chora.

— Acreditava-te morto. Ou casado.

— Nenhuma coisa nem a outra. — Levantou-a nos braços para


estreitá-la contra si. Suas lágrimas molhavam seu pescoço, o peito e as
costas. — Não me casaria com uma tola como Abigail. Só me conformo
com a melhor.

Jessica redobrou seu pranto.

Ele acariciou seus cabelo e as costas. Suas mãos desceram até os

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

quadris e as coxas.

— E não cometeria a estupidez de declarar ter dormido com ela se


não fosse verdade, mesmo que tratassem de me convencer.

— Ela o ama — sussurrou Jess. — O vi.

— Viu Abigail com Ethan, não comigo — esclareceu o Corsário,


enquanto desabotoava a camisa.

— Eu cheguei em casa com sangue nas mãos. Todos disseram que


tinha morrido. Alex disse que era verdade.

— O que sabe ele? — Tirou a bainha da camisa dela das calças e


desabotoou seu cinto. — Por que dedica tanto tempo a esse homem? A
roupa que usa fará mal a seus olhos. Acabará estrábica.

— São fitas — soluçou ela. — Sabe que incendiaram meu navio?

— Ah, sim, querida. — Levantou-a um pouco contra seu corpo


para deslizar suas calças soltas quadris abaixo. — Mas não pude fazer
nada para impedir. Tudo foi muito precipitado. Dizem que passou a
noite com Montgomery.

Ela se afastou para o olhar nos olhos, que refletiam sob a


máscara.

— Mas não desse modo. O que está fazendo? — exclamou,


horrorizada ao encontrar-se só de camisa, com as calças ao redor dos
tornozelos e as botas colocadas.

O Corsário a depositou na pedra rochosa e, com um movimento


veloz, arrancou-lhe a um só tempo as botas e as calças.

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O Corsário – Jude Deveraux

Jessica, sorvendo pelo nariz, piscando para clarear a visão, tinha


ficado imobilizada estupefata. O Corsário, com o torso nu, avançou
para ela como uma pantera, sobre as mãos e joelhos, movendo
sedosamente o corpo sobre sua pele.

— Mas...

E então Jessica o golpeou na mandíbula com o punho direito. Sem


perda de tempo, escapou dele. Mas o Corsário a segurou pelo tornozelo
e voltou a imobilizá-la.

— O que faz, mulher?

— Eu? — Protestou ela. — Acha que vou deixar que me toque?


Está louco!

Ele a beijou.

— Se acha que...

Ele a beijou outra vez.

— Nem pense...

Mas a voz de Jessica soava mais suave, e ele voltou a beijá-la.

— Jessie, está me deixando louco. Penso em você sem cessar.


Amo-te, não sabe? Amo-te há muito tempo e te proporia matrimônio se
pudesse, mas não posso continuar sem te fazer amor.

— Não, eu...

Beijou-a outra vez.

— Pode escolher: faremos amor na areia suave e fresca ou te

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O Corsário – Jude Deveraux

violarei nas rochas.

Ela dilatou os olhos, protestando:

— Não seria capaz de semelhante coisa!

O Corsário sorriu.

— Eu adoraria, uma coisa ou a outra. Você escolhe.

— Mas... mas isso não é escolher.

— Talvez comece com uma coisa e termine com a outra.


Entretanto, diz-se que a violação é dolorosa, especialmente para as
virgens, que talvez, você seja. Claro que a alguns homens o excita tanto
esperneio e arranhão.

— É obvio que sou virgem! — Protestou ela.

— Já me parecia, — murmurou ele, enquanto começava a


mordiscá-la — decidiu?

— A mulher só deve deitar-se com o homem com quem vai se


casar — recordou-o ela, com os olhos fechados, deixando que ele
começasse a percorrê-la com os lábios.

— Talvez se case comigo quando eu deixe de ser o Corsário.

— Para viver onde?

Ele, rindo entre dentes, escondeu o rosto em seu seio. Desatou os


cordões com os dentes, já que tinha as mãos ocupadas em segurar as
dela por sobre sua cabeça.

— Viverá em qualquer lugar eu esteja. Jessie, Jessie, que bela é.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Ia deslizando a língua pela redondeza dos seios. — Já se decidiu?

— Decidiu o quê? — A voz da Jessica soava muito longínqua. —


Sim, viverei em qualquer lugar que esteja.

— Será violação ou ato de amor?

Ela não podia concentrar-se.

— A religião diz que devo me preservar.

— Ah, nesse caso se considere violada. — Ele soltou suas mãos.


— Quanto te amo, Jessie.

Ela deixou de pensar, as mãos do Corsário deslizaram por debaixo


de sua roupa interior e a estava tirando com destreza. O ar da noite
sobre a pele foi uma carícia a mais. As mãos do mascarado pareciam
estar em todas as partes, percorrendo seu corpo, o interior das coxas,
as panturrilhas. Então ela começou a acariciar suas pernas nuas com
a planta dos pés. A aspereza do pêlo lhe pareceu estupenda e excitante,
por ser tão distinta do contato com seu próprio corpo.

Ele abrigou os seios entre as mãos, beijou-lhe o corpo e deslizou


a língua para baixo, para o umbigo.

Jessica, com um gemido, recebeu o peso de seu corpo sobre o


dela.

Com a penetração sentiu dor e começou a resistir. Ele a manteve


imóvel e a beijou com lentidão, longamente, até sentir que relaxava
debaixo dele e ao soltar o corpo suas pernas começaram a abrir-se.

— Não resista a mim, Jessie: me ame. — Mordiscou-lhe a orelha.

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O Corsário – Jude Deveraux

Quando penetrou nela por completo já quase não houve dor.

— Jess... Jessie, preciso-te.

— Sim, — sussurrou ela — aqui estou.

Depois de alguns movimentos rápidos, com que tratou de não lhe


fazer dano, ele se deixou cair sobre Jessica, suado, cansado, satisfeito.

— Amo-te, Jessica — sussurrou.

Ella acariciou os cabelos escuros, apalpando o nó da máscara. Por


alguma razão não respondeu aquela frase. Limitou-se a estreitá-lo
contra si, em silêncio, tensa.

Só quando começou a recuperar o senso comum pensou na


enormidade do que tinham feito. Agora estava atada a esse
desconhecido por toda a eternidade. Moveu a cabeça para olhá-lo, mas
só viu a máscara. Nem sequer sabia como era o homem com quem
acabava de fazer amor.

— Hummm — murmurou ele, estudando sua expressão. —


Zangada por que fiz o que queria?

— Quem é você? — perguntou ela, com voz rouca.

— Isso não posso dizer, tesouro. Do contrário o faria. Fiz-te mal?

— Não, mas agora sim — respondeu ela, com os olhos cheios de


lágrimas.

O Corsário se afastou de lado e tomou-a nos braços para embalá-


la.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Passou a semana falando com as pessoas. Do que?

As lágrimas de Jessica começavam a secar-se, substituído a


irritação por outras emoções.

— Da covardia.

— A de quem? A deles, a tua, a minha?

— A deles, é obvio. Não me considero covarde. E você não o é,


claro está.

Ele acariciava sua pele nua.

—Quero que se vista, Jessie. Se passarmos mais alguns minutos


assim, voltarei a te possuir entre as rochas.

Ela vacilou.

— Não, não — protestou ele. — As virgens precisam de descanso


entre uma relação e outra.

Ela se afastou para procurar suas roupas. Mesmo com a falta de


luz e a máscara, notou que os olhos do Corsário a observavam,
brilhantes. Seu primeiro impulso foi cobrir-se, mas logo começou a
sentir-se poderosa, como se só ela pudesse fazer com que esse homem
magnífico baixasse a cabeça. Enquanto colocava a roupa interior
arqueou as costas.

— Jessie — advertiu ele.

A moça lhe dedicou um sorriso ardiloso, olhando-o com os olhos


entrecerrados.

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O Corsário – Jude Deveraux

O Corsário saltou para ela, emitindo uma espécie de grunhido.


"Oh, que espetáculo delicioso!", pensou Jess, "Este homem mascarado,
musculoso e bronzeado pelo sol, movendo-se de noite para mim..." e
abriu os braços para recebê-lo. Ele lhe beijou o pescoço, sedento.

— Talvez não reconheça seu rosto quando o vir, mas sim, outras
partes de você. Será melhor que, quando caminhar pela cidade,
mantenha-se vestido.

Ele riu contra seu pescoço.

— Se levante, pequena sedutora, e termina de se vestir. Depois


me dirá de que covardia estava falando.

Ela desejava voltar ao tê-lo entre os braços, mas por mais que se
esmerou em seus movimentos, o Corsário não voltou a tocá-la.
Enquanto ele se vestia, sem deixar de observá-la, com toda segurança,
a moça acreditou ouvir alguns gemidos, mas esse homem parecia ter
um infinito autodomínio.

Quando ambos terminaram de se vestir, tomou-a outra vez em


seus braços, então Jess pôde sentir o quanto estava suado. Sorridente,
satisfeita, esfregou a bochecha contra a seda úmida da camisa negra.

— Me conte agora do que esteve fazendo.

Ela contou o que tinha ocorrido desde o último encontro. Ao falar


de seu navio perdido estrangulou a voz, mas o Corsário lhe deu uma
leve sacudida.

— Nada de autocompaixão — lhe ordenou.

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O Corsário – Jude Deveraux

Coisa surpreendente: essas duras palavras a fizeram sentir-se


melhor e pôde continuar sem lágrimas. Por fim ele disse, lentamente:

— Então quer provocar mais distúrbios.

Ela se afastou para olhá-lo.

— Quero lutar. Esse homem não tinha direito de queimar minha


nave. Que a Inglaterra seja nossa pátria mãe não a autoriza a nos tratar
como a... como a...

— Crianças? — Sugeriu ele.

— Não somos crianças, como bem sabe — falou ela, em voz baixa.
— Somos adultos e temos a inteligência necessária para governarmos
sozinhos.

— O que está dizendo é traição, Jessie.

— Talvez, mas ouvi rumores sobre coisas que estão dizendo e


escrevendo no sul. Pensei que talvez pudesse conseguir alguns
panfletos. Desse modo as pessoas de Warbrooke compreenderia que
não somos os únicos.

— E como obterá esses panfletos? Como os distribuirá sem que a


peguem? Como protegerá a sua família enquanto salva o país?

— Não sei — reconheceu ela, furiosa. — É só uma idéia. Ainda


não resolvi os detalhes.

— Talvez eu possa ajudar — sugeriu ele, brandamente.

Como de costume, Jess respondeu sem pensar:

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O Corsário – Jude Deveraux

— Não, obrigado. Meto-me em mais problemas quando te ajudo


que quando ajo sozinha. Talvez alguns dos navios que zarpam daqui
aceitem me levar ao sul. Poderia...

O Corsário tinha demorado um pouco em chegar ao ponto de


ebulição, mas nesse momento explodiu. Aferrou-a pelos ombros e a
amaldiçoou, primeiro em italiano, logo em espanhol. Por fim recuperou
o fôlego e manifestou, entre dentes apertados:

— Serei eu quem conseguirá esses panfletos, eu que os


distribuirei. Você ficará em sua casa, como deve toda mulher.

Os olhos da Jessica cintilaram de fúria.

— Se eu tivesse ficado em minha casa até agora, você não estaria


com vida.

Por um momento se fulminaram com o olhar.

— Com quem falou? — perguntou ele.

— Com ninguém — respondeu a moça, retrocedendo. —.


Alexander me assinalou alguns detalhes da realidade.

— Essa morsa presumida e gorda? Por que te ronda tanto? O que


quer dele?

— Pretende me indicar a quem me dirigir e a quem não? —Jessica


se levantou. — O que acabamos de fazer não te converte em meu dono.
E ainda deverá me demonstrar que é capaz de fazer alguma coisa sem
uma boa porção de ajuda alheia. Droga! Corsário é o que você é! Sua
única abordagem efetiva é a que faz sob as saias das mulheres.

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O Corsário – Jude Deveraux

De repente levou a mão à boca, compreendendo que havia dito


muito.

O Corsário se levantou também, ardendo de fúria.

— Escuta... disse sem pensar — balbuciou ela. — É que me


zangou ao me ordenar que permanecesse em casa.

Sem dizer uma palavra a mais, o mascarado girou sobre seus


calcanhares e desapareceu na noite.

Jess permaneceu ali por um momento, forçando a vista e


aguçando o ouvido no intento de perceber sua proximidade.

Não se ouvia nada. Não se via nada.

Ao fim recolheu suas redes e sua pesca para iniciar a volta para
casa.

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O Corsário – Jude Deveraux

11
Jessica, fatigada, deixou cair uma carga de peixe e lagostas na
mesa grande do salão dos Montgomery. Eleanor reclamou secamente
para Molly por não prestar atenção ao que fazia, colocou alguns
pãezinhos de milho no forno, brigou com o cão que vigiava o assador e
olhou com mau semblante para Nathaniel por já não estar limpando o
peixe.

— O que acontece? — inquiriu Jess.

— Esse... — A palavra tinha saído dos lábios de Eleanor como


espuma de uma panela com água fervendo.

Jess voltou seu olhar interrogante a Nate, que estava recolhendo


uma lagosta do chão. O menino assinalou a porta com a cabeça e
formou o nome com lábios silenciosos: Nick.

— O que fez agora o seu Nicholas? – perguntou Jessica, enquanto


retirava um pãozinho quente da assadeira.

Eleanor girou para sua irmã com expressão furiosa.

—Não é meu, por certo. — Por fim se dominou. — Alexander está


doente. Bem poderia estar morrendo, pelo que sei. Mas esse monstro
bruto e briguento não me deixa entrar para vê-lo. Disse que Alex não
quer receber a ninguém.

— Pode ser verdade — observou Jess, com a boca cheia. —

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Provavelmente não queira receber ninguém sem suas vistosas jaquetas.


— Sacudiu os farelos de suas mãos. — Mas me receberá.

Caminhou pelo corredor até a porta de Alex. Já tinha a mão no


trinco quando Nick saiu do outro quarto e a viu.

— O lorde não quer ver ninguém.

Jess bateu na porta.

— Sou eu, Alex. Jessica. Eleanor está preocupada com você. Abre
e me deixe entrar.

Não houve resposta. Ela olhou para Nick. Aquele homem


musculoso e moreno estava olhando-a com o nariz erguido, com um ar
mais orgulhoso que nunca.

— Quero vê-lo — repetiu Jess, apertando os dentes.

— Ele não recebe visitas.

Jessica ia dizer algo mais, mas por fim encolheu os ombros com
um sorriso.

— Bom, você cuide de que se alimente bem — recomendou


alegremente.

Girou em circulo e voltou para o salão. Eleanor a olhou de soslaio.


Ela sacudiu a cabeça e abandonou a casa.

Não estava disposta que esse homem lhe indicasse o que fazer e o
que não. Deu a volta pela casa, cruzando entre ervas altas e matas,
para aproximar-se do dormitório de Alex.

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O Corsário – Jude Deveraux

Ao passar junto à janela de Sayer se deteve em seco. O ancião,


muito tranqüilo, levantou a vista de sua leitura.

Jess tragou saliva com dificuldade, mas como Sayer se limitasse


a olhá-la, dedicou-lhe um sorriso débil e vacilante e continuou sua
marcha. Cruzou diante da segunda janela sem que ele a chamasse para
lhe perguntar que fazia por essa parte dos terrenos.

Ao chegar à janela de Alex teve o prazer de comprovar que as


persianas estavam abertas. Já tinha um pé dentro do quarto quando
alguém a segurou pela cintura e a tirou a puxões. Era Nicholas
Ivanovitch.

— Senhorita Jessica, — disse, com voz recriminatória — não


esperava isto de você. Vamos, corra, corra, e não volte a se introduzir
nos quartos dos cavalheiros.

Jess apertou os punhos aos lados, mas girou em circulo e se


retirou. O que lhe importava Alexander, depois de tudo? Não fazia mais
que lhe causar dificuldades. Por culpa dele tinha ofendido demais o
Corsário. Se Alex não tivesse exposto essas dúvidas horríveis sobre a
utilidade de seus atos, nunca teria falado com o Corsário assim. Sentiu
que os olhos se enchiam de lágrimas, mas as conteve. O Corsário havia
dito que a amava e agora a odiava, provavelmente, mas era algo que ela
podia sobreviver.

Voltou a fungar pelo nariz e se encaminhou para a enseada. Os


Wentworth queriam vinte e cinco quilos de moluscos para preparar o
jantar do almirante e seus oficiais. Ao recordar da última vez de como
tinha visto a orgulhosa senhora Wentworth, Jess sorriu. A mulher

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

tinha tido que fazer-se cargo em parte da cozinha, pois se esperava


deles que albergassem e alimentassem aos ingleses. Por lhes encher a
barriga estavam perdendo todos seus ganhos.

— Assim aprenderá — murmurou a moça, sorridente, enquanto


cavava com sua pequena pá.

Nessa noite Eleanor estava chorosa. Os meninos estavam


habituados às emoções e as raivas de Jessica, mas Eleanor era outra
coisa. Habitualmente cumpria o papel de pedra fundamental, estável,
incomovível.

— Está acontecendo algo de mal com o Alexander, tenho certeza


— disse.

Estava sentada à mesa e parecia ter esquecido por completo sua


habitual tarefa de servir a comida. Os meninos observavam os pratos
vazios e estudaram a irmã mais velha, como se compreendessem a
profundidade de sua preocupação.

Jess fez um gesto a Nick. Os dois se encarregaram de trazer o


guisado e o pão de milho à mesa, repartindo-o em silêncio enquanto
Eleanor expressava sua preocupação por Alex.

— Apenas provou a comida que lhe enviei e não se ouve nenhum


ruído atrás da porta. As persianas estão com ferrolho. A porta, com
chave. Acredito que algo lhe aconteceu.

— Por que se preocupa tanto? — perguntou Jess. — O homem


está resfriado e, vaidoso como é, não suportará que o vejam com o nariz
vermelho.

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O Corsário – Jude Deveraux

Eleanor se levantou, furiosa, assinalando Jessica com a colher de


madeira.

— A esse homem devemos sua vida — chiou. — Está tão


embevecida com seu famoso Corsário que não percebe o muito que esse
pobre querido tem feito por nós. Impediu que nos queimasse a casa.
Impediu que te enforcassem. Quando Pitman destroçou todos nossos
pertences, Alex nos repôs isso. Quando incendiaram Mary Catherine,
por culpa do Corsário, Alex te salvou a pele impedindo que fizesse
loucuras. É Alexander, quem nos ajuda. As roupas que usamos, a
baixela, os móveis, até a comida, tudo devemos a ele. E você nem
sequer pode se referir a ele com amabilidade. Que Deus me perdoe,
Jessica, mas se voltar a dizer uma palavra contra ele lhe... lhe...

Jessica estava horrorizada. Sua irmã estava acostumada a ser


autoritária, mas era a primeira vez que lhe gritava assim.

— Me obrigará a usar jaquetas como as suas? — perguntou


mansamente, tratando de tomar as coisas como brincadeira.

Um segundo depois tinha um prato de guisado quente jorrando


pelo rosto. A porta se fechou violentamente por trás de Eleanor.

Jess colocou o prato de lado e afundou a cabeça em um balde de


água potável. Quando a tirou, todos os meninos estavam a seu redor,
com os olhos dilatados pelo medo.

— E se Eleanor também morre e nos deixa? – sussurrou Philip.

— Não o fará, a menos que eu a mate — murmurou Jessica. Logo


observou seus irmãozinhos com um suspiro. — Não, só está zangada.

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O Corsário – Jude Deveraux

O mesmo acontece comigo algumas vezes.

— A cada momento — corrigiu Nate.

Jessica lhe cravou um olhar fulminante.

— Vocês fiquem aqui e comam. Eu irei procurá-la.

Não foi fácil cumprir com sua promessa. Primeiro teve que
perseguir Eleanor por quatrocentos metros de bosque. Por sorte, como
a mais velha das irmãs não estava habituada a caminhar de noite, Jess
a encontrou enrolada com um arbusto de amoras. Então teve que
escutar outra contagem das múltiplas virtudes de Alexander
Montgomery. Quando Eleanor ficou sem mais elogios, empreendeu-a
contra o servo de Nicholas.

Jess se limitava a escutar, enquanto desprendia os cabelos de sua


irmã de entre os espinhos. Preferia não fazer comentários sobre aquele
convencimento de que alguém era um santo e o outro, um demônio.

Já em sua casa, Jessica jurou que ao dia seguinte conseguiria ver


Alex, fosse como fosse, e que seria muito amável com ele. Agradecer-
lhe-ia toda sua ajuda e não faria comentários sobre sua roupa.

— Embora os brilhos me deixem cega, não direi uma palavra —


prometeu.

À manhã seguinte, Eleanor a despertou as quatro para chegar à


casa dos Montgomery antes que Nicholas despertasse. Jessica, embora
grunhindo, obedeceu. Não queria outro ataque de mau gênio de sua
irmã. Saiu bocejando e subiu a colina rumo à casa grande.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Alex subiu pela janela de seu quarto às escuras e estirou os


ombros, fazendo virar o pescoço para aliviar a tensão de seus músculos
cansados. Ao fazê-lo tropeçou com um pilar da cama.

— Taggert! — exclamou a voz de Nick, da cama. Alex ficou imóvel.

— Jess está aqui — sussurrou.

Nick se levantou, esfregando os olhos.

— Ah, é você. Que horas são?

— Às três da manhã.

Alex se sentou na borda da cama para tirar as botas. Tinha sido


maravilhoso poder caminhar por Boston com suas próprias roupas,
sem que ninguém zombasse dele, desfrutando de todas as olhadas que
as senhoras lhe arrojavam por cima de seus leques.

— O que faz em minha cama e por que gritou "Taggert"?

— Essas mulheres! — Grunhiu Nick, enquanto se levantava sem


pressa. — Eleanor tem certeza de que agoniza e se empenha em ver-te.
Depois enviou à outra, a sua Jessica, que espiasse pelas janelas.
Segurei-a pelos fundilhos das calças.

— Se lhe fez mal te...

— Te o que? — desafiou-lhe seu amigo.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Dir-te-ei obrigado, provavelmente — murmurou Alex.

— Conseguiu seus panfletos?

O jovem estirou as costas.

— Tenho três dias a cavalo, sem dormir e comendo muito pouco.


Mas consegui esses malditos panfletos. Assim que tenha dormido um
dia ou dois me dedicarei a distribui-los. — Sorriu. — Então que Jessica
tratou de escalar pela minha janela. Percebeu que não havia ninguém
no quarto?

— Não. Tirei-a em tempo. Se deite, que eu irei a minha própria


cama. Amanhã poderão entrar essas mulheres.

— Mas não sem antes me avisar. Terei que pôr... — suspirou. —


Uma peruca e meu traje de gordo.

— Esse é teu assunto. Amanhã irei deitar-me em meu navio para


que meus servos me atendam. Você pode cuidar-se sozinho.

Alex estava muito cansado para protestar. Tirou o resto da roupa


e deslizou na cama, nu. Antes que os lençóis terminassem de assentar-
se sobre ele já estava adormecido. Despertaram umas mãos pequenas
em seu pulso e em seu braço.

— Alex — disse a voz da Jessica — está bem?

Em algum canto de seu cansado cérebro, Alex percebeu o perigo...


e sentiu a luxúria. Segurou a mão de Jess e a levava já aos lábios
quando percebeu a sensação de perigo.

— Jess? — Murmurou, grogue.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Sim — sussurrou ela. — Vim ver se estava bem. Eleanor está


desesperada.

A mente de Alex começava a funcionar pouco a pouco. Nesse


momento não era o gordo Alex nem o mascarado Corsário. Abriu os
olhos. Graças a Deus, o quarto estava no escuro.

— Me dê uma dessas perucas — pediu, cobrindo-se com as


mantas.

Algo que não precisava, era que Jess visse sua juba escura, pela
qual tinha deslizado seus dedos aquela última vez.

— Te disse, Alex, que não me incomodam as cabeças calvas.

— Por favor, Jessica — gemeu ele.

Seus olhos começavam a adaptar-se à escuridão. Ela jogou a mais


pequena das perucas. Então a olhou de baixo dos lençóis.

— Se volte.

A moça obedeceu, embora resmungando baixo.

Essa peruca requeria que ele recolhesse o cabelo, esmagando-o


bem. Demorou bastante esconder suas grossas mechas sob os cachos
falsos. Era de esperar que não aparecessem cachos negros à vista de
Jess.

— Quer me dar uma jaqueta? — Perguntou, petulante.

O cetim colorido distrairia a atenção da moça.

Jess girou sobre seus calcanhares para olhá-lo.

Saga Montgomery 04
224
O Corsário – Jude Deveraux

— Prometi a Eleanor que não o criticaria por suas roupas, mas a


única forma de respeitar essa promessa é que não ponha essas roupas.
Agora sente-se para que possa te dar uma olhada. Eleanor o acha às
portas da morte e, a julgar por sua voz, não está muito longe delas.

Alex seguia sob os lençóis. Depois de algumas muda maldições


contra todas as mulheres intrometidas, olhou para sua amiga,
explicando:

— Não posso me sentar. Não tenho nada posto.

Esteve quase a saltar ao ver que Jess se estremecia ante a


perspectiva de ver seu corpo nu. Com demasiada prontidão para seu
gosto, ela abriu uma arca posta aos pés da cama e retirou uma camisa
limpa. Depois de arrojar-lhe voltou-lhe novamente as costas.

Alex se levantou e os lençóis caíram, descobrindo seu corpo forte


e musculoso, enquanto colocava a camisa decidiu desforrar-se pelo que
ela havia dito ao Corsário. Já novamente deitado, colocou um
travesseiro no ventre e cobriu os braços, deixando descoberto só as
mãos.

— Bom — disse, com voz cansada — já estou decente.

Jess acendeu uma vela para estudar seu rosto.

— Não se parece tão mal. O que se passa?

— Só um ressurgimento da minha velha doença. Contei-te que,


segundo certo médico, talvez não viva muito tempo?

Ela baixou a vela, com o cenho franzido.

Saga Montgomery 04
225
O Corsário – Jude Deveraux

— Geralmente não parece doente. Seu aspecto é horrível, mas não


se vê muito decrépito. — De repente dilatou os olhos. — Oh, desculpa.
Prometi a Eleanor que não o insultaria. Bom, agora que te vi bem, vou
embora. Tenho peixe que entregar. Coma algo e deixa de pôr nervosa
minha irmã, que está intratável. Talvez nos vejamos em dois dias.

Girou para retirar-se, mas ele a segurou pelo pulso, com um


movimento rápido.

— Poderia ficar um momento, Jess? Sinto-me muito sozinho.

Ela tratou de soltar-se, mas não pôde.

— É tua culpa, Alex. Colocou esse touro diante de sua porta, que
não deixa entrar ninguém.

— Sei — respondeu ele, melancólico. — Mas não quero que


ninguém me veja assim.

— Você parece muito melhor assim com essas... — se


interrompeu. — Está bem, ficarei um minuto. De que prefere que
conversemos?

Ia pegar uma cadeira, mas Alex a reteve e a obrigou a sentar-se


na cama, a seu lado.

— O que fez desde que adoeci?

— Pescar.

— Nada mais?

— E que outra coisa posso fazer? Leva-me o triplo de tempo, agora


que não tenho navio.

Saga Montgomery 04
226
O Corsário – Jude Deveraux

Ele continuava sem soltar sua mão.

— Não tem problema para vender sua pesca?

Diante disso Jessica sorriu.

— O almirante Westmoreland e seus homens estão comendo tudo


quanto os Wentworth ganham na fábrica de vela. Ontem encontrei à
senhora fritando moluscos.

— E Abigail, como vai?

Jessica torceu a boca em um gesto de desgosto.

— Dizem as más línguas que ela e Ethan se retiram assim que


terminam de jantar.

Alex tossiu para dissimular a risada.

— E o seu Corsário, como vai?

— Enlouquecido.

—Pela irritação ou pela demência?

— Isso não é teu assunto. — Jess tratou de afastar-se, mas ele a


segurou com firmeza.

— Rixa de apaixonados? — Provocou-a.

— Nós não somos... — Jess se interrompeu e baixou a vista.

— Pode me contar tudo — lhe assegurou ele. — Adivinho que


tornou a vê-lo. Menos mal que não foi por uma de suas incursões.
Estava muito doente para ajudar a te salvar.

Saga Montgomery 04
227
O Corsário – Jude Deveraux

Nessa oportunidade ela conseguiu escapar e, além disso, colocou-


lhe um travesseiro sobre seu rosto. O ar se encheu de pó.

— Pedaço de porco! — gritou. — Porco pomposo e ocioso! O que


aconteceu foi só por sua culpa. Você me fez duvidar dele, que é a
esperança desta cidade. Você, em troca, é só o bobo da cidade, nada
mais que...

Uma vez mais se interrompeu em seco. Ao levantar o travesseiro,


Alex não se moveu. Tinha a cabeça voltada para um lado, em um
ângulo estranho.

— Alex! — exclamou Jess, jogando-se sobre ele e se acercando da


bochecha. — Oh, Alex, não quis te fazer dano. Sempre esqueço que é
frágil. Escuta, não era minha intenção... Por favor, não morra. Estou
realmente agradecida por toda a ajuda que nos deste. — Levantou-lhe
a cabeça para apertar-lhe contra o seio, enquanto acariciava suas
têmporas. — Sinto muito, Alex. Não voltarei a te sufocar.

Ele sorriu contra seu seio, desfrutando daqueles momentos.


Depois levantou as mãos para as costas da moça, com um gemido.

Jessica quis afastar-se, mas ele o impediu.

— Que bem me faz sua força, Jess. Abrace-me um momento.


Deixe-me sentir sua força, que emana para mim.

Ela o estreitou com mais energia.

— Não queria te fazer dano, mas diz coisas tão horríveis que me
esqueço de sua pouca saúde.

Saga Montgomery 04
228
O Corsário – Jude Deveraux

— E você... sentiria falta de mim se partisse deste mundo?

Jess vacilou.

— Caramba, sim, acredito que sim. Causa-me um montão de


problemas, mas é um grande amigo para mim e para minha família.
Embora, quando queimaram meu navio fiquei furiosa, agora percebo
que me salvou de fazer algo um pouco tolo.

— Um pouco, sim — murmurou ele, levantando-se sobre um


cotovelo.

— Se sente mais forte?

— Muito melhor — suspirou ele. Refugiando-se em seu seio.

— Alex... em realidade... não tenho certeza de que isto fosse o que


Eleanor pensava. Tenho que ir trabalhar.

— Sim, é obvio — murmurou ele, fracamente, deixando-a em


liberdade. — Compreendo. Bem, aqui continuarei até que alguém se
lembre de mim e me traga comida.

— Direi a Eleanor antes de ir — prometeu ela, arrumando a roupa.

— É muito cedo. Ainda não estará aqui.

— Acredito que não. Direi a ela em casa. Tenho que passar por lá
e pegar minhas redes.

— E para quem está tão perto da morte o que importa uma hora
a mais de fome? — Alex desviou a rosto para um lado.

Jessica suspirou.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Irei ver se ficaram sobras na cozinha.

Voltou trazendo frango frio, pão e queijo, veio com água e ovos
duros. Pôs a bandeja junto de Alex, com intenção de retirar-se
imediatamente, mas ele parecia incapaz de não levar nada à boca.
Minutos depois Jess se encontrava a seu lado, de pernas cruzada,
comendo de bom grado, tanto quanto ele. Então começou a lhe contar
suas idéias de distribuir panfletos entre as pessoas de Warbrooke.

— Não podemos permitir que esta opressão continue — disse,


implacável.

— E o seu Corsário se nega a ajudar? Suponho que pediu que a


ajudasse.

Foi assim que Jess contou tudo quase sem dar-se conta... exceto
seus amores com ele.

— Disse que se zangou. Por quê?

Os olhos da moça lançavam brilhos.

— Porque te presto muita atenção. Disse-lhe que era


incompetente.

— Com essas palavras?

— Mais ou menos — reconheceu ela, ruborizando-se ao recordar


suas frases contextuais. — Nestes momentos não está satisfeito de
mim. Talvez não volte a vê-lo.

Alex estreitou sua mão.

— Se for inteligente, voltará.

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O Corsário – Jude Deveraux

Ela sorriu, mas de repente viu que o sol já se filtrava pelas


persianas.

— Tenho que ir ou perderei a pesca. — Pôs a bandeja coberta de


farelos na escrivaninha de Alex e, seguindo um impulso, beijou-o na
testa. — Obrigada por tudo que tem feito e obrigada por me escutar.
Direi a Eleanor que o deixe descansar.

Ele lhe sorriu de tal maneira que a surpreendeu por um instante.

— Sabe, Alex? Assim não se apresenta tão mal. Quando acharmos


uma noiva, faremos que o veja na cama. Agora descansa.

E saiu do quarto.

Alex se recostou nos travesseiros, rindo.

— Com ciúmes, Corsário? — Disse em voz alta. — Pois deveria


estar. Nunca te disse estas coisas.

Deixou cair à peruca no chão e se acomodou para dormir, ainda


com um sorriso nos lábios.

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O Corsário – Jude Deveraux

12
Como não houvesse sinais do Corsário depois da chegada do
almirante e a cidade se mostrava acovardada com as tropas inglesas,
Westmoreland começou a relaxar. Desfrutava vendo que os habitantes
de Warbrooke passavam com a vista baixa e expressão furiosa, mas
sem atreverem-se a contradizê-lo. Até começou a se gabar. Dizia a
quem queria ouvi-lo que antes só fizera falta punhos de ferro.

Por isso não estava preparado quando o Corsário fez sua próxima
aparição.

Os habitantes da cidade despertaram à alvorada com o retumbar


do grande sino instalado na casa dos Montgomery. Em outros tempos
o tinham usado para anunciar qualquer ataque dos índios, mas agora
só advertia incêndios e outros desastres.

Homens e mulheres, cobertos com várias roupas, saíram de suas


casas a toda carreira, perguntando-se uns aos outros:

— O que acontece? O que ocorreu?

Um a um começaram a descobrir os panfletos cravados a suas


portas e os leram, dilatando os olhos mais e mais a cada palavra. Os
panfletos diziam que os americanos tinham direitos e que o império
inglês devia chegar a seu fim. Diziam que os ingleses não tinham direito
em invadir casas sem ordem escrita e nem em alojar suas tropas no
domicílio dos colonos. Falava contra as leis da legislação de aduana,

Saga Montgomery 04
232
O Corsário – Jude Deveraux

assegurando que os americanos tinham direito a importar e exportar


mercadorias sem passar pela Inglaterra.

— Prendam-no! — uivou o almirante Westmoreland, de pé no


alpendre dos Wentworth, com a jaqueta do uniforme posta sobre a
camisa de dormir. Depois de jogar um olhar de desgosto à proprietária
de casa arrancou o papel das suas mãos. — Volte para a cozinha, que
é o seu lugar, mulher.

Girou sobre seus calcanhares para entrar, mas nesse momento


começou a soar o sino do farol, na ponta sul da península. Todos se
voltaram nessa direção.

Precariamente altaneiro no alto do farol se via uma silhueta


vestida de negro.

— É o Corsário — sussurrou alguém.

A palavra Corsário pareceu correr como um tufão por entre a


multidão. À vista de toda a população, o personagem soltou uma pilha
de panfletos e deixou que flutuassem até a terra. Um momento depois
tinha desaparecido.

— Atrás dele! — gritou o almirante a seus soldados, meio nus.

Dois dos homens tinham o rosto coberto com espuma de barbear.

— E recolham esta porcaria — gritou Westmoreland, pisoteando


os papeis feito um bolo. — Se enforcará a quem quer que tenha um
destes em seu poder.

Assim dizendo, voltou para a casa. Por isso não viu que a senhora

Saga Montgomery 04
233
O Corsário – Jude Deveraux

Wentworth apoiava o pé sobre o papel enrugado e o deslizava sob um


vaso de flores.

Aquela tarde, ao levantar a vista da cerveja que estava tomando


no salão dos Montgomery, Alex viu entrar Jessica, com um sorriso nos
lábios. Arrojou a rede carregada e, ao encontrar-se frente a seu amigo,
alargou seu sorriso.

— Viu-o? — Sussurrou. — Eu não. Não pude chegar a tempo, mas


todos dizem que esteve estupendo.

— Suponho que se refere ao Corsário — comentou Alex, se


voltando para seu livro de contabilidade. Estava tentando descobrir o
que fazia Pitman com as contas dos Montgomery. — Se quiser que te
dê minha opinião, foi uma perfeita tolice. Agora a cidade terá graves
problemas com o almirante.

— Eu concordo — asseverou Eleanor, pondo a mão no forno para


analisar sua temperatura. — Nos castigará a todos pelo que ele fez.

— Sim, mas leram os panfletos? Não vi nenhum — protestou


Jessica, com o rosto risonho. — Ele não deixou nenhum em nossa
porta.

— É a sua primeira amostra de sensatez, que eu saiba —


comentou Alex. — E agora, Jess, quer deixar de interromper-me com
seus contos de fadas sobre esse agitador presumido? Estou tentando

Saga Montgomery 04
234
O Corsário – Jude Deveraux

somar estas cifras.

Jess cravou um olhar furioso em sua peruca coberta de pó. Logo


fez virar bruscamente o livro para ela. Quase imediatamente, cantou:

— Duzentas e trinta e oito libras com vinte e nove xelins.

Olhou para Alex e lhe tirou a pluma, depois deslizou o dedo pelas
outras cinco colunas e escreveu o total ao pé de cada uma. Por fim
voltou a pôr o livro sob o nariz dele.

— Algumas pessoas sabem fazer estas coisas. Nem todos passam


o dia esquentando cadeira.

Assim dizendo, girou em circulo e abandonou a casa, sem prestar


nenhuma atenção à exigência de Eleanor de que voltasse para
desculpar-se com Alex.

Por desgraça, as palavras de Alex acabaram sendo certas. O


almirante Westmoreland se enfureceu com a aparição do Corsário em
sua presença. Imediatamente confiscaram três cargas e as colocaram
sob custódia. O almirante disse que os armadores eram suspeitos de
contrabando, mas todos sabiam que aquilo era pura represália porque
tinham visto os três lendo os panfletos do mascarado na rua, aquela
manhã.

Dois homens foram encarcerados ao aparecer soldados ingleses


em seus domicílios, em meio da noite, para efetuar uma invasão no
qual encontraram documentos ilegais.

De qualquer modo, o almirante não se atreveu a enforcá-los. Até


ele percebia como estava reagindo à população. O Corsário tinha feito

Saga Montgomery 04
235
O Corsário – Jude Deveraux

exatamente o que Jessica desejava: tinha dado esperanças às pessoas.

Westmoreland não quis provocar à turba com uma dupla


execução. Só queria fazer saber quem mandava ali. Portanto, fez açoitar
a um jovem por impertinência após havê-lo ouvido murmurar algo
sobre independência.

Ao entardecer, quando Jessica voltava de sua pesca, viu alguém


no tronco da praça. Quase tropeçou em Abigail, que estava escondida
entre as sombras, soluçando.

— O que faz aqui? — Perguntou Jess. — Quase tropecei contigo.

Abigail soluçou com mais energias. Jessica, suspirando, deixou


seu saco de moluscos no chão.

— O que aconteceu, Abby? — Perguntou, tratando de dar a sua


voz um sotaque solidário. — Discutiu com Ethan?

A moça soou o nariz e assinalou o tronco.

Nos últimos dias os troncos sempre estavam ocupados, mas


aquela cena dilatou os olhos do Jess.

— Essa é... sua mãe? — Exclamou, horrorizada.

Abby, assentindo, voltou a chorar.

Jess apoiou a mão em uma árvore para não perder o equilíbrio.


Tinha sido divertido ver a senhora Wentworth fritando moluscos, mas
não era divertido a encontrar nessa situação a dama tão orgulhosa.

— O almirante? — Voltou a perguntar.

Saga Montgomery 04
236
O Corsário – Jude Deveraux

Abby assentiu outra vez.

— Disse que ela não se mostrava devidamente submissa com os


ingleses — explicou a moça, levantando a voz. — Ele manchou de
cinzas a cadeira de brocado de mamãe e ela se queixou. — O pranto
redobrou.

— Quanto tempo sua mãe ali?

— Quatro horas. E deve ficar mais outras três, na escuridão.

— Sem água, suponho.

Abby se mostrou horrorizada.

— Oh, não... as ordens do almirante...

Jessica disse algo que dilatou os olhos da moça.

— Acredito que concordo contigo — sussurrou — mas disse que


ninguém devia lhe dirigir uma palavra.

— Não direi uma palavra — assegurou Jessica.

Foi à fonte pública e encheu uma chaleira de água para levá-la a


senhora Wentworth. A mulher tinha um aspecto patético: seus olhos
estavam opacos e sem vida, seu cabelo, como era de seu costume estar
arrumado, agora estava desalinhado. Quando Jessica aproximou a
água de seus lábios levantou a vista, surpreendida.

— O mais provável é que a sua serva esteja roubando até seu


apetite — disse a moça, com suavidade. — E dizem que o senhor
Wentworth deixou entrar os cães na sala principal. Além disso, Abigail
e Ethan brigam com freqüência.

Saga Montgomery 04
237
O Corsário – Jude Deveraux

A senhora Wentworth levantou a cabeça, tudo o que permitia a


armadilha.

— Se essa menina acreditar que vou recebê-la em casa depois da


vergonha que me fez passar, está muito equivocada. Quanto a James,
vou esfolá-lo. E essa criada... — interrompeu-se. Em seus lábios
começava a se formar um sorriso.

— Obrigada, Jessica — sussurrou. — Não mereço sua bondade


depois de tudo o que...

— Shhhh — a acalmou Jess, alisando seu cabelo. — Você é minha


melhor cliente. Levo-lhe uma carga de ostras para amanhã?

— Sim, e poderia pedir a Eleanor que amassasse seis tortas de


ostras, desses que prepara tão gostosos? Se Sayer não se incomodar,
claro. Também precisarei... — Seu pedido se cortou bruscamente. —
Oh, Jess, corre!

As costas de Jessica, saindo de um beco, como se quisesse


apanhar a qualquer infrator, acabava de aparecer o almirante,
montado a cavalo. Puxou a espada e imobilizou Jessica com ela.

— Quem é? — bramou.

— Jessica Taggert, antes capitã do Mary Catherine — respondeu


ela em voz alta.

Ele levantou a espada para obrigá-la o olhar de frente.

— Ah, sim — comentou, baixando a voz — a que queria o Corsário.


E já percebo por que. — Baixou a espada. — Dei ordens de que ninguém

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

falasse com esta mulher.

— Não me disse nada — assegurou à senhora Wentworth. — Ela


só passava.

Westmoreland as olhou alternativamente, sem saber em quem


acreditar. A prisioneira deu um tom de súplica a sua voz:

— É a senhorita Jessica quem entrega os moluscos que tanto você


gosta, senhor.

Jessica se limitava a olhá-lo, com fogo nos olhos.

Ele a mediu com a vista.

— É uma mulher muito bonita para se vestir assim. Ponha roupas


de senhora se não quiser acabar no tronco. — O homem sorriu. — Ou
talvez deixe que meus soldados a vistam. Boa noite, senhoras.

Fez virar seu cavalo e se afastou.

— Vai! — rogou à senhora Wentworth. — Vai... e obrigado,


Jessica.

Jess cruzou o lugar a toda carreira. Deixou para trás Abigail, que
a olhava como se não soubesse se acreditava que ela era tola ou Santa,
recolheu seus moluscos sem deter-se e continuou a caminhar para a
casa dos Montgomery.

O salão estava deserto. Enquanto ela tratava de recuperar o fôlego


entrou Alex.

— Vi-te correr — disse, preocupado. — Há algum problema?

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Eleanor já se foi?

— Um dos meninos estava doente e Mariana a enviou para sua


casa.

— Qual dos meninos?

— Um dos menores. — Ele encolheu os ombros. — Por que corria?

Jess lhe contou então do almirante e da senhora Wentworth.

— Agora devo ir para casa. Estes moluscos são para amanhã.

Alex a segurou pelo ombro antes que pudesse mover-se.

— Eu gostaria que não se aproximasse do almirante, Jess. Não te


ocorreu pensar que, se o Corsário não deixou panfleto em sua porta,
deve ser porque a quer fora disto?

Ela se voltou para enfrentá-lo.

— Estou farta de sua covardia. Somos ovelhas para nos deixar


levar mansamente ao matadouro? Temos que lutar!

— Deixa que lutem os homens — aduziu ele, zangado. — Essa não


é tarefa de mulheres e meninos.

— A pobre senhora Wentworth está no tronco só por proteger seus


móveis. E você diz que as mulheres não devem intrometer? Solte-me o
braço. Quero ver minha família.

— Se segue provocando o almirante não terá família alguma — lhe


advertiu ele. — Maldito seja esse Corsário!

Quando Mariana entrou no salão adicionou, para seus adentros:

Saga Montgomery 04
240
O Corsário – Jude Deveraux

"E maldita seja esta, também, por haver-se casado com o Pitman e
iniciado todo isto".

— Que cara, Alexander! — Observou Mariana. — Te fiz algo?

Ele engoliu o aborrecimento.

— Pode me ajudar a procurar alguns vestidos para Jessica


Taggert.

A irmã abriu e fechou a boca duas vezes.

—Não quero perguntar no que se meteu essa moça desta vez.


Vamos ao quarto de mamãe e me conte tudo enquanto procuro algo
que ela possa usar.

Horas depois, quando Alex ia deitar se, ouviu o chamado de seu


pai. Imediatamente ergueu as costas. Pelo que parecia, podia perdoar
a qualquer um que se deixasse convencer por seu disfarce... mas a seu
pai, não. A frieza com que o ancião o tinha recebido em seu retorno
ainda lhe provocava irritação. O que havia dito Jessica, a propósito
disso? Que Kit e Adam eram os "melhores" filhos.

— Pareceu-me ouvir que Jessica gritava como se estivesse


zangada.

— Assim foi. — Alex bocejou, fazendo tremular a renda de sua


manga. — Estava furiosa porque não reconheço o Corsário como nosso

Saga Montgomery 04
241
O Corsário – Jude Deveraux

salvador.

— Não concorda em que está ajudando à cidade?

Alex flexionou os joelhos para olhar-se no espelho que estava do


outro lado da cama e arrumou um cacho sobre o ombro.

— Acredito que esse homem não faz nada a não ser provocar mais
problemas. Se não aparecesse, talvez o almirante voltasse para a
Inglaterra.

— Disse isso a Jessica?

— É obvio. Fiz mal?

— Cada um pode pensar o que gostar. A propósito, te encontrou


na tarde em que ia brincando de se esconder pelas ervas do pátio?

Alex dissimulou sua surpresa.

— Veio na manhã seguinte. Quer algo mais? Minha recente


enfermidade me deixou fatigado.

— Vai — disse Sayer, com uma careta. — Vá dormir.

Alex seguiu caminhando pelo corredor para seu dormitório, com


os punhos apertados contra as calças.

À manhã seguinte, quando Jessica recolheu suas redes e começou


a andar para a cidade, ainda estava zangada com Eleanor. Tinha

Saga Montgomery 04
242
O Corsário – Jude Deveraux

deixado sua pá de escavar moluscos na casa dos Montgomery e deveria


ir procurá-la. Além disso, Eleanor tinha insistido em que deveria
apresentar-se a Mariana para agradecer os quatro vestidos que tinha
enviado na noite anterior.

— Esta mulher está ficando muito autoritária — murmurou Jess,


referindo-se a sua irmã mais velha.

Eleanor tinha esbanjado preciosos minutos do amanhecer lhe


arrumando os cabelos, lhe ajustando o espartilho e inspecionando seu
aspecto.

— Como vou pescar com estas saias? — queixou-se ela.

— No cárcere não se pode pescar e ao cárcere irá se não obedecer


ao almirante.

Por isso ia a caminho da casa dos Montgomery, vestida como um


manequim de costureira. Estava tão furiosa que nem sequer reparou
no que acontecia ao seu redor.

Um homem que ia a cavalo ficou tão assombrado com sua


aparição que se chocou contra uma carruagem. Os cavalos da
carruagem se espantaram, mas o condutor não pôde os dominar
porque toda sua atenção estava concentrada na bela Jessica Taggert.
Os cavalos se empinaram puxando-lhe as mãos e o condutor caiu para
frente. Enquanto o homem aterrissava em uma gamela, os cavalos
golpearam o chão e partiram a todo galope, com a velha senhora
Duncan gritando como louca dentro da carruagem... mas ninguém lhe
prestou atenção. Dois homens, que olhavam para Jessica,
boquiabertos, atropelaram uma mulher que levava seis dúzias de ovos.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Os ovos caíram ao chão, alguns se quebraram e outros se puseram a


rolar. Um homem que carregava uma jaula com gansos, atento a
passagem de Jess, escorregou em três dos ovos e deixou escapar os
gansos, que se meteram entre as pernas do ferreiro. O ferreiro deixou
cair uma ferradura quente, enquanto estava olhando para Jess, sem
prestar atenção a seu trabalho, que roçou a pata de um cavalo. O
animal descarregou um coice contra o lado da oficina e derrubou um
poste, sobre o qual havia uma bigorna. A bigorna derrubou um
segundo poste e toda a oficina veio abaixo, enquanto o ferreiro e o
cavalo escapavam por milagre. Por desgraça, o almirante estava junto
de Alexander, no topo da colina, e presenciou toda a cena.

Quando Jessica chegou até eles, Alex tinha os olhos cheios de


lágrimas pelas risadas contidas.

— Vim te agradecer os vestidos — disse a moça, em tom belicoso,


sem olhar o almirante. Westmoreland contemplou o caos que reinava
ao pé da colina: homens e mulheres chiavam, os animais relinchavam
e todo mundo corria de um lado para o outro. Logo olhou feroz para
Jessica. Seu rosto estava vermelho. Então lhe apontou com um dedo.

— Quero-te casada! — Uivou. — Te quero casada dentro de quinze


dias! E que Deus proteja ao pobre homem.

Passou junto a ela como uma tempestade, colina abaixo, para


tratar de organizar o caos com suas estentóreas ordens.

Jessica o seguiu com a vista.

— Mas que demônios...? O que aconteceu lá abaixo? – Perguntou


ela atônita.

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O Corsário – Jude Deveraux

Alexander, explodiu, por fim em uma gargalhada e a empurrou ao


interior da casa.

— O que te atacou? — Estranhou ela, pensando que Alex tinha


perdido o juízo.

Seu amigo ia explicar, mas nesse momento Amos Coffin se virou,


viu Jess e espatifou seu jarro contra a lareira de pedra. O jarro se fez
em pedacinhos. Amos ficou boquiaberto, com a asa do jarro na mão.

— Acaso viu um monstro marinho? — perguntou-lhe a moça,


enquanto Alex voltava a rir. — Oh, os homens!

Recolheu sua pá de cavar moluscos e começou a andar para a


porta. Alex a seguiu com uma recomendação, meio sufocada pela
risada.

— Não volte a cruzar a cidade. Warbrooke não poderia suportar


outro de seu trânsito pela cidade.

Ela lhe deu um olhar de desgosto e saiu batendo a porta. Não


pensava voltar para a cidade, é obvio. Sempre tomava o caminho do
bosque e ele sabia muito bem.

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O Corsário – Jude Deveraux

13
Jessica custou em descobrir o modo de pescar vestindo saias. Já
que estava sozinha na pequena enseada que tinha chegado a
considerar dela, - dela e do Corsário, pensou com um sorriso - tirou o
xale do profundo decote quadrado e a usou para atar à cintura a bainha
das saias. Ao retirar a xale tinha deixado seus seios bastante
descobertos, mas estava muito atarefada para prestar atenção ao
detalhe. Tirou os sapatos e as meias e, com as pernas descobertas até
o joelho, arrojou suas redes.

Quando começava a se pôr o sol apareceu Eleanor, descendo com


estupidez o escarpado para a enseada. Jessica sentiu uma imediata
preocupação.

— Alguém se machucou — adivinhou, deixando cair às redes.

— Não, — disse Eleanor — mas supus que te encontraria aqui.


Deixei os meninos com Alex para poder conversar contigo. — Olhou
sua irmã dos pés a cabeça, apreciando a exposição de seus dois seios.
— E rogo a Deus que não me tenha seguido nenhum desses homens.

— Que homens? — perguntou Jess, extraindo uma rede cheia de


peixes e com lagostas pendurando pelas beiradas.

— Já havia dito a Alex que não teria idéia do que estava passando.
Não ouviu o almirante, Jessica? Disse que devia se casar, com alguém
em um prazo de quinze dias.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Oh, isso. Preparou as tortas de ostras para a senhora


Wentworth?

— Jessica! — Gritou Eleanor. — Faz o favor de me escutar! Tem


que escolher marido.

— Não penso deixar que esse homem me acovarde, Eleanor. E não


tenho intenções de me casar com ninguém... pelo menos por agora.

A irmã a enfrentou diretamente.

— A ordem do almirante, esta manhã, foi ouvida por muitas


pessoas. Esse homem tem que fazê-la respeitar se não quiser ficar
como tolo. Oh, Jessica, como faz para se colocar nestas confusões?

— Não sei nada disto. Deixe que Alex, encarregue-se de falar com
esse homem. Parecem muito amigos – insinuou ela, com malicia.

Eleanor se sentou em uma árvore caída.

— Como vou obter que me escute? O almirante tem sua reputação


em jogo. Diante de meus próprios ouvidos, vinte pessoas lhe disse que
você não te casaria jamais. Em cada um desses casos o homem ficou
mais e mais furioso. Agora disse que você se casará com um americano
no prazo de duas semanas ou, ao décimo quinto dia, se casará com um
inglês.

Por fim Jessica começava a captar as palavras de sua irmã.

— E tudo isto aconteceu em um só dia?

Eleanor arqueou uma sobrancelha. Jessica não tinha idéia dos


desastres que tinha provocado essa manhã.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Hoje vieram a casa dos Montgomery quatorze homens


casadouros e dois não casadouros, quase todos com presentes para
você.

Jess começou a sorrir.

— Que tipo de presentes? Viria bem um porco. Se alguém nos


trouxer uma porca prenha, sua sou.

— Isto é grave, Jess.

A moça se sentou junto de sua irmã.

— O almirante foi enviado aqui para que procurasse o Corsário,


nada mais. Não tem poderes para obrigar a ninguém a contrair
matrimônio.

Eleanor tomou sua mão.

— Queimou seu navio. Bem pode nos queimamos a casa. Acredito


que esta manhã falou sem pensar, mas agora tem que manter o que
disse. Além disso, não acredito que os homens desta cidade lhe
permitam voltar atrás. São muitos os que desejam a oportunidade de
casar-se contigo.

— Seriamente? — estranhou Jess, sorridente. — Há algum


interessante? O filho mais novo do senhor Lawrence, por exemplo?

— Tem dezessete anos!

— Quanto mais jovens, mais fáceis de domar. – Vendo que Eleanor


começava a chiar outra vez, ficou séria. — Está bem, já arrumaremos
isto. Acredito que Alexander é o mais adequado para se encarregar do

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O Corsário – Jude Deveraux

assunto.

— Pois te resgata com bastante freqüência, sim.

— Porque é uma tia solteirona intrometida. Já que não sabe fazer


outra coisa, que fale e convença. Venha, me ajude com este peixe e
iremos para casa. Amanhã nos preocuparemos por isso.

— Amanhã ficarão só treze dias — advertiu Eleanor, sombria.

Jess, inclinada sobre as redes, olhou para sua irmã.

— Poderia me casar com esse gigante russo que trouxe Alex.

— Passando por sobre meu cadáver — gritou Eleanor.


Imediatamente levou a mão à boca. — Quer dizer... é obvio...

Jessica começou a esvaziar as redes, assobiando.

Só depois, enquanto caminhavam para a pobre casinha, começou


a entender o que sua irmã havia dito. Diante da porta de sua casa havia
uma fila de homens; alguns, com flores murchas; outros, com
guloseimas mofadas. Outros se limitavam a esperar, com a boina nas
mãos.

— Possuo dois hectares e meia de terra boa para o cultivo,


senhorita Jessica, e eu gostaria de tomá-la por esposa.

— Sou dono do Molly D e você poderia navegar comigo. Estender-


lhe-ei uma corda para as roupas lavadas quando você goste.

— Tenho um estabelecimento a trinta quilômetros daqui. Poderia


comprar uma mula para arar.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Possuo seis mulas, três bois e oito caçarolas. Quero me casar


com você, senhorita Jessica.

A moça os olhava, boquiaberta, enquanto Eleanor a obrigava a


passar pela dupla fila. Quando Jessica se deteve frente a um homem
que levava um gordo porco atado por uma corda, a irmã esteve a ponto
de lhe arrancar o braço.

— Não tinha idéia de que fosse tão atrativa — comentou,


sorridente.

— Poderia me colocar no cais e deixar que cada deles faça sua


oferta. Mas esse homem do porco era muito belo.

Eleanor deixou cair um saco de cereal na mesa.

— Deveria se vender. Vender-te ao melhor pastor, como o ouviu.


Desse modo os meninos e eu teríamos um pouco de paz.

— Comida não, mas sim paz — reconheceu Jess, complacente. —


Não se altere, Eleanor. Isto passará. No momento não tenho intenções
de me casar com ninguém. Já verá que Alex, com seu bico de ouro,
convencerá ao velho almirante de que se esqueça de mim. Já verá.

Reclinou-se na cadeira, pensando que só tinha intenções de


casar-se com o Corsário. Uma vez que ele pudesse lhe revelar sua
identidade, ambos se apresentariam com muito orgulho ao sacerdote.

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O Corsário – Jude Deveraux

Jessica tentava se concentrar-se na pesca, mas sem deixar de


jogar algumas olhadas por sobre o ombro: Os últimos dez dias só
mereciam a definição de inferno. Pelo que parecia havia homens em
qualquer parte: tratavam de retê-la, olhavam-na com a cabeça
inclinada, ofereciam-lhe seus bens terrestres. Chegavam até de Boston.
Houve um francês, mercador de peles, que chegou dos bosques do
norte, tendo ouvido dizer que havia um navio cheio de mulheres bonitas
para a venda. Pareceu bastante desiludido ao ver que se tratava só de
uma. Jessica lhe pareceu muito bonita, mas com ela não bastava.

Jess tinha passado muito maus momentos para escapar de seus


pretendentes e chegar a sua pequena enseada.

Eleanor e Alex tiveram que discutir com ela durante a maior parte
da primeira semana para convencê-la de que o almirante tinha falado
com toda seriedade ao lhe ordenar que se casasse. Havia certas
ameaças pendentes: contra sua casa, sua família e seu modo de ganhar
o sustento, para o caso de que não o obedecesse e o fizesse ficar como
tolo. O almirante tinha chegado a lhe apresentar ao homem com quem
a obrigaria a casar-se se não escolhia marido ela mesma: um idiota
corpulento, cujo grosso lábio inferior babava sem cessar.
Westmoreland tinha soltado uma gargalhada com o involuntário
estremecimento da moça.

Mas a rotina familiar, como arrojar e recolher suas redes, fez com
que Jess pensasse em quais seriam as mudanças de sua vida se
contraía matrimônio. Até esse momento, nenhum de seus pretendentes
tinha mencionado seus irmãos; alguns deles sentiam uma decidida
antipatia por Nathaniel.

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O Corsário – Jude Deveraux

Jessica sorriu. Nate os provocava, é obvio. Adorava fazê-los


ficarem mau. Perguntava aos velhos que idade tinham e ria
estrondosamente com a resposta. Insistia em que os fracos mostrassem
os bíceps e assegurava a sua irmã que ela precisava de um marido mais
forte. Para um sacudiu a cabeça, assegurando ter visto piolhos em sua
velha peruca. O menino se encarregava em se desfazer dos piores.

Mas nem sequer o melhor deles interessava a Jessica. Ela só


sentia interesse por um homem: o Corsário. Bastava fechar os olhos
para sentir suas mãos no seu corpo. Por que não se apresentava? Por
que não lhe pedia que se casasse com ele? Por que não a resgatava
desses libidinosos?

O ruído de uma pedra, ao cair, fez-lhe abrir os olhos e voltar-se


precipitadamente. O velho Clymer estava a poucos centímetros dela,
com as sujas mãos estendidas para suas carnes. Jess deu um passo
atrás e esteve a ponto de tropeçar com sua rede.

O velho não tirava os olhos dos seus seios quase descobertos.


Depois baixou a vista para suas panturrilhas. Aquelas pupilas subiam
e desciam por ela sem descanso.

Jess cobriu o decote com as mãos, dizendo:

— Você não deveria estar aqui, senhor Clymer. — Enquanto isso


continuava retrocedendo.

— Por que não? — ofegou ele, avançando sempre. — Vim por que
está aqui. Amo-te há anos, Jessica. Se case comigo. Darei-te o que
queira.

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O Corsário – Jude Deveraux

Ela olhou a seu redor, em busca de uma arma, mas só viu os


peixes entre seus pés. Inclinou-se para recolher pela cauda um peixe
de dez quilos e golpeou com ele o velho sobre a orelha.

Ele ficou aturdido só por um momento; imediatamente a segurou,


atraiu-a para si e tratou de beijada na boca.

Jess empurrou seu rosto, afastando-se, mas Clymer tinha uma


força assombrosa para sua idade.

— Jessica — murmurou ele, escondendo a rosto entre seus seios.

— Me solte, velho asqueroso, pedaço de isca de peixe! — chiou a


moça.

Ele não lhe prestou atenção.

— Quero que seja minha esposa. Quero te ter sempre. Quero que
seja minha, Jessica, minha por toda a eternidade.

Ela, ao voltar-se, viu Alexander de pé no escarpado, por cima da


enseada.

— Venha me ajudar! — gritou. — Tire este polvo de cima de mim!


— E suplicou: — Por favor, Senhor Clymer, domine-se.

Alexander, com uma lentidão endurecedora, desceu à enseada,


enquanto Jess se debatia entre as mãos do velho, que babava nos seus
seios com seus úmidos beijos. A jovem temeu se descompor.

Alex baixou a passos pequenos, entre as rochas, cuidando de não


molhar os sapatos. Afastou um peixe com um delicado chute e se
aproximou do senhor Clymer para lhe dar um tapinha no ombro.

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O Corsário – Jude Deveraux

O homem não reagiu imediatamente. Alex teve que repetir o gesto


três vezes para que levantasse a cabeça. Seus olhos avermelhados e
frágeis se dilataram ao vê-lo. Então ergueu as costas e se afastou da
Jessica.

— Permita-me lhe sugerir que estará mais cômodo em sua casa?

— Pois sim... claro... é que eu... Sim, em seguida...

O senhor Clymer soltou Jessica e subiu pela ravina. Depois o


ouviram cruzar o bosque a toda carreira.

— Bom! — Protestou Jess, endireitando o vestido, enquanto


observava sua pesca pulverizada por toda a enseada. — Bonito salvador
que achei!

— Te livrei dele, verdade?

— Não sem lhe dar tempo para... Deveria havê-lo golpeado. —


Olhou os seios com uma careta zombadora. — Olhe como me babou.

Teve que aproximar-se da água para lavar-se, mas não reparo na


forma que ruborizava o rosto de Alex ao contemplá-la. Por fim, seu
amigo se afastou para sentar-se na árvore caída.

— Já se decidiu?

— Com respeito ao que? — Perguntou ela, deixando cair dois


arenques em um saco. — Ah, refere-te ao matrimônio. Sim e não.

Ele tirou uma penugem imaginária da jaqueta.

— Vejamos se adivinho. Quer se casar com o Corsário, mas ele


não se apresentou para pedir sua mão.

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O Corsário – Jude Deveraux

Jess deixou cair um peixe no chão e se agachou para recolhê-lo.

— O que sabe você disso?

— Todas as jovens casadouras da cidade querem casar-se com o


Corsário. Parecem pensar que é um gigante, o belo príncipe dos contos
de fadas.

— É de carne e osso. Isso posso assegurá-lo — afirmou ela,


orgulhosa.

— Carne e osso que não está aqui. Como sabe que não é nenhum
de seus muitos pretendentes?

— Reconhecê-lo-ia, pode está certo. Veja, Alex: pisa neste peixe


pela cauda e segura-o assim.

Ele obedeceu com um suspiro.

— Tem quatro dias para se decidir, Jess. Deve resolver este


problema.

Ela jogou na bolsa o último peixe e se sentou na árvore, junto de


Alex.

— Posso ser franca contigo?

— É obvio — respondeu ele com suavidade.

— Eu não gosto de nenhum deles. — Jess olhou suas mãos. —


Não quero que Eleanor saiba, mas estou um pouco preocupada. Sei
que você adivinhou o que sinto pelo Corsário. Ele e eu somos... temos
mais intimidade do que as pessoas imaginam. — Levantou a cabeça. —
Não quero me casar com nenhum outro homem. Quero esperar que

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O Corsário – Jude Deveraux

tudo isto acabe. Então o Corsário poderá me revelar sua identidade e


me sentirei felicíssima de me casar com ele.

— Mas Jessica, nossos problemas com a Inglaterra não resolverão


da noite para o dia. E se durassem anos inteiros? E se a Inglaterra
enviar mais soldados para perseguir o Corsário? E se ele jamais puder
te revelar sua identidade?

— Esperarei. Algum dia ele se apresentará para mim sem a


máscara. E então estarei esperando.

— Mas não pode esperar até esse dia. Restam quatro dias. Depois
terá que se casar com alguém.

— Esperarei.

Ele revirou os olhos, vexado.

— O que pensa fazer? Esperar que passe da meia noite do quarto


dia? Se até então não chegar, fechará os olhos para escolher a qualquer
um de seus candidatos?

— É que não quero a nenhum desses! — Exclamou ela, com


paixão. — Eles só querem de mim... o mesmo o senhor Clymer. Não
posso me casar e deixar os meninos. Quem alimentará Eleanor e os
pequenos? Esses homens querem a mim, sem meus irmãos. Querem
ter filhos próprios, não os de outro casal.

— Eu me encarregarei dos meninos — disse Alex, brandamente.


— Em casa há lugar para todos eles.

Jess fez uma pausa. Logo sorriu, estreitando sua mão.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Isso é muito amável de sua parte, mas não posso aceitar. E se


o Corsário for capitão de um navio? Enquanto eu navegue com ele, você
terá que se encarregar de todos esses meninos. Eu não poderia sequer
ajudar a mantê-los.

Ele estreitou sua mão com força.

— Quero que você venha com seus irmãos.

Jess o olhou sem compreender.

— Quer que o Corsário, os meninos e eu vivamos contigo? É muito


generoso, Alex, mas... — interrompeu-se, com os olhos muito abertos.
— ou que quer dizer...?

— Poderia se casar comigo, Jess — disse ele, solene. — Eu


cuidarei de você, da Eleanor e dos meninos.

Ela começou a sorrir, mas ao fim explodiu em gargalhada.

— Contigo! — Exclamou. — Oh, Alex, que brincadeira. Quero me


casar com o corsário e você me oferece um pedaço de alga mole e
colorida. Sim, sei que me tem feito rir. E o velho senhor Clymer que
pensava... — interrompeu-se ao ver o rosto de seu amigo. Nunca, até
então, tinha visto tanta fúria em um rosto humano.

Ele se levantou do tronco.

— Estava brincando, Alex, verdade?

Alexander lhe deu as costas e iniciou a subida da colina:

— Alex!

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O Corsário – Jude Deveraux

Mas ele não se voltou. Jess deu um chute em um pedregulho da


praia e fez voar vários caracóis. Não tinha sido sua intenção ofender
Alex... uma vez mais. Eleanor tinha razão, ele era todo bondade para
com ela e sua família. Deviam-lhe muitíssimo. Sua obrigação teria sido
rechaçá-lo com suavidade, ou ao menos sem tratar de o... Não gostou
de recordar os qualificativos que lhe tinha aplicado.

Ajustou o xale no pescoço, recolheu suas redes e começou a andar


para sua casa.

Logo que tinha cruzado a maré de pretendentes — aceitando


presentes no trajeto, posto que não era tola —Eleanor começou com
seu discurso.

— Veio o senhor Clymer, muito zangado.

— Parece-me que isto é presunto — disse Jess, inspecionando


seus pacotes. — E aqui há guloseimas para todos vocês.

— Espero que sempre esteja cheia de pretendentes, Jessica —


rezou Molly, levando a boca o bonequinho de açúcar.

— Pois não poderá ser para sempre — recordou Eleanor. — Oh,


Jess, tem que te decidir.

— Eu sei a quem quero.

Eleanor ignorou esse comentário. Já tinham mantido uma larga


discussão sobre o Corsário e ela opinava que sua irmã devia esquecer
o romantismo e vivesse do pratico.

— Está aí esse que possui um navio, o Molly D — lhe recordou.

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O Corsário – Jude Deveraux

— A quantos dos meninos levará consigo quando for ao mar? —


Apontou Jess, enquanto se sentava para comer uma guloseima. —
Além disso, tem uma verruga no queixo.

Eleanor nomeou a vários outros, mas a todos Jessica encontrou


um defeito.

A mais velha se sentou diante da mesa, com a cabeça entre a as


mãos.

— E não há mais. Rechaçou a todos os homens que conheço.

— Incluído Alex — disse Jess, recordando a irritação de seu


amigo.

— Alex? — Eleanor levantou a cabeça. — Alex te pediu que se


casasse com ele?

— Acredito que sim. Ofereceu receber a todos os meninos em sua


casa, mas queria que eu também fosse.

— E o que lhe disse, Jessica? — Perguntou Eleanor, com voz


muito, mas muito serena.

Jess fez uma careta.

— Pensei que falava em brincadeira. Temo que ri dele. Amanhã


pedirei desculpas. Penso rechaçá-lo de um modo mais cortês e...

Eleanor se levantou de um salto.

— O que fez? — chiou. — Rechaçou Alexander Montgomery? Riu


de sua proposta matrimonial?

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O Corsário – Jude Deveraux

— Já lhe expliquei isso, pensei que brincava. Só percebi que falava


a sério quando vi seu rosto.

Eleanor tomou sua irmã pelo braço e a levantou puxões.

— Cuida dos meninos, Nate — ordenou.

Levando arrastada Jess, que protestava sem cessar, cruzou por


entre os homens que cercavam a casa, atravessou a cidade e subiu a
colina dos Montgomery.

Alex estava em seu dormitório, com um livro aberto diante de si.


Quando Eleanor irrompeu no quarto não se levantou e nem olhou para
Jessica.

— Acabo de me inteirar de que minha irmã cometeu uma grande


tolice — disse Eleanor, sem fôlego. — A pobrezinha estava tão
desconcertada pela generosidade de seu oferecimento que se
confundiu.

Alex deu uma olhada em seu livro.

— Não sei do que está falando, Eleanor. Limitei-me a salvar à


senhorita Jessica de um de seus pretendentes. Lembro que falamos de
matrimônio, de forma geral, mas sem dizer nada especifico.

— Saiamos daqui — pediu Jessica, voltando-se para a porta.

Eleanor tinha parado diante da saída.

— Sei que foi grosseira, Alexander, mas já sabe que está


acostumado a ser assim. Apesar disso será uma boa esposa. É forte e
às vezes demostra inteligência. Um pouco orgulhosa, admito-o.

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O Corsário – Jude Deveraux

Também está acostumada a abrir a boca quando deveria tê-la fechada.


Mas, sabe trabalhar duro e te ajudará a manter a casa. Além disso...

— Ehh! Não sou uma mula! Vou-me, Eleanor.

Alex se reclinou na cadeira, enquanto Eleanor arrojava seu corpo


contra a porta. Jess procurava pelo trinco.

— Vejo-a iniciar o trabalho desde antes da alvorada e não se deter


até cair rendida. E...

Alex afastou seu livro, cruzou os dedos e contemplou a Jessica.

— Com essa finalidade poderia comprar um par de bois. E os bois


não respondem. Que mais obteria disto, além de um peão?

Jess fulminou a ambos com os olhos e lutou com sua irmã


redobrando suas forças.

— Vem com seis pequenos trabalhadores gratuitos. Pensa em


tudo o que poderia fazer com a ajuda desses seis pequenos bem
dispostos. Poderia expandir a casa e...

— E quebraria tentando alimentá-los. Alguma outra vantagem


que me tente? Um dote, talvez?

— Dote? — Jessica soprou. — Se está pensando que...

Eleanor lhe deu uma cotovelada nas costelas.

— Com o casamento obterá a metade do rendimento de certa bela


enseada que está cheia de ostras e mil frutos de mar.

— Hummm... — Alex se levantou lentamente e se aproximou de

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O Corsário – Jude Deveraux

Jessica para olhá-la de cima abaixo.

Jess, horrorizada, soltou a porta e o olhou com o cenho franzido.


Ele a pegou pelo queixo para levantar seu rosto.

— Não é mal parecida.

— É a moça mais bonita da cidade e de toda a zona, e você sabe.


Alguns marinheiros dizem que não viram moça mais bonita no mundo
inteiro.

Alex deu um passo atrás.

— Não sei como me ocorreu pedir que se casasse comigo. Pura


solidariedade, asseguro-lhe isso. Tive pena depois de ver como a
manuseava esse velho gordo. — E arrumou a renda da manga.

— Sim, Alexander, é obvio. Mas pediu que se casasse contigo. E


seria muito feio que se falasse da quebra de promessa, com relação a
um dos ilustres Montgomery, não acha?

— Pois eu não me casaria contigo...

Eleanor aplicou uma mão à boca de sua irmã.

Alex ficou de costas, sufocando um bocejo.

— Qualquer mulher dá igual, suponho. E é mais conveniente ter


uma esposa que um montão de servos entrando e saindo. Quando se
consegue adestrar a um, parte. E você se casará logo, Eleanor, sem
dúvida. O que será então de nós? Está bem. Acha bom anunciar as
bodas para dentro de três dias? — Sentou-se para voltar para sua
leitura. — Pode se instalar na casa esta mesma noite. Ponha os varões

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no quarto de Adam. Você e as meninas, no de Kit. E dê comida a todo


mundo.

Jess se afastou de Eleanor.

— Os Taggert não aceitam esmolas.

— Não se trata de esmolas, minha querida. Tudo fica na família.

Eleanor já levava Jess arrastando.

— Obrigada, Alexander. Por este ato de generosidade, algum dia


Deus o sentará a sua mão direita.

— E roupas para todos, Eleanor. Não quero meninos esfarrapados


em minhas bodas.

— Sim, Alexander. Bendito seja.

Eleanor fechou a porta detrás delas.

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O Corsário – Jude Deveraux

14
Jessica, sentada no chão de sua própria casa, assava um peixe
trespassado em uma larga varinha, sobre o fogo da lareira. A casa
parecia extremamente silenciosa sem os meninos. Não havia risadas e
nem prantos, ninguém que lhe saltasse às costas e pedisse uma
cavalgada. E ela, em vez de desfrutar dessa calma, sentia falta dos
meninos. Até sentia falta de Eleanor, pelo menos, à antiga Eleanor, a
que não passava a vida lhe gritando.

Dois dias antes, ao anoitecer do dia em que Alexander lhe tinha


proposto casamento, Eleanor tinha empacotado seus escassos
pertences para mudar-se para a casa dos Montgomery. Jessica se
negou a acompanhá-la, dizendo que, como não tinha intenções de
casar-se com Alexander, não se instalaria na casa dos Montgomery. A
irmã gritou algumas coisas que a assombraram; nem sequer
suspeitava que a recatada Eleanor conhecesse esses vocábulos.
Acabou dizendo que cedo ou tarde teria que recuperar o senso comum.
E então ela e os meninos a estariam esperando junto de Alexander.

Desde então, Jessica estava sozinha. Alex, esse porco presunçoso,


fez que um pregoeiro anunciasse seu compromisso com ela por toda a
cidade. Como alguns dos pretendentes mais teimosos negavam a
retirar-se, o arrogante russo que o servia fez alguns ardis com a ponta
da espada e a roupa dos que a cortejavam sofreu estranhos efeitos.
Jessica, que voltava da pesca, viu o homem do porco escapando a toda

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O Corsário – Jude Deveraux

carreira e segurando as calças com as duas mãos. Jogou apenas uma


olhada para Nicholas e fechou a porta de uma batida. Alexander, o
muito covarde, não estava à vista.

E ali estava, passando sua segunda noite a sós, enquanto o vento


assobiava nas frestas das paredes. Não tinha nada para comer, que
não fosse peixe assado, pois só isso sabia cozinhar.

Um trovão e o inicio do dilúvio fizeram com que se sentisse ainda


mais solitária e isolada. Não ouviu que abriam a porta.

— Jessica?

Ao levantar a vista viu Alexander. Sua jaqueta amarela, reluzente,


brilhava na penumbrosa do quarto.

— Vai.

— Trouxe algo para comer — anunciou ele, mostrando um cesto.


— Umas tortas, preparadas pela Eleanor. Com carne. Não há nada que
tenha peixe.

Deixou o cesto no chão, tirou a jaqueta e a estendeu


cuidadosamente para secar. Ela, sem responder, mantinha a vista fixa
no peixe.

— Também há queijo, pão e uma garrafa de vinho. — Vacilou. —


E uma barra de chocolate.

O chocolate a convenceu. Jess deixou cair o peixe no fogo e


alargou a mão. Alex pôs em sua palma um pedaço de chocolate
autêntico, que ela comeu de boa vontade.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Com o que devo pagar por isso?

— Se casando comigo — replicou ele. Sentou-se a seu lado e a


segurou pelo ombro para impedir que se afastasse de um salto. —
Temos que discutir isto, Jessica. Não pode continuar nesta casa, entre
pensamentos tristes e ressentidos. Dentro de dois dias, Westmoreland
virá te buscar.

— Não me encontrará — afirmou ela, apertando os dentes.

Alex começou a tirar a comida do cesto, com os olhos baixos.

— Tanto detesta a idéia de se casar comigo? — perguntou, com


suavidade.

Ela se voltou a olhá-lo. Sem a jaqueta não era tão ridículo. A


ampla camisa branca, molhada pela chuva, aderia-se a seus ombros.
Embora ela soubesse que ele era gordo, desde esse ângulo parecia
quase magro.

— Eu não gosto que me obriguem a nada — explicou ela. — As


mulheres não têm muitas alternativas nesta vida, mas pelo menos
deveriam poder escolher o marido.

Ele desembrulhou uma torta de carne e verduras e lhe entregou.

— Acredito que para as situações desesperadas precisam medidas


desesperadas. Deve ser prática, Jess. Ou se casa em um prazo de dois
dias ou se verá entregue a um retardado mental. Eu não sou muito
belo, mas pelo menos tenho um bom cérebro.

— Não é tão feio, Alex, sobre tudo quando não coloca essas

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

jaquetas horríveis — comentou ela, gesticulando com a cabeça o


reluzente montículo de cetim.

Alex se voltou para olhar com um sorriso.

— Toma um pouco de vinho, Jess — disse, jovial. — O roubei da


adega privada de meu pai, que o trouxe da Espanha faz dez anos.

Ela devolveu o sorriso e aceitou a caneca de vinho. Aquele sabor


limpo e áspero era muito agradável.

— Pelos negócios — propôs ele. Dedicou-se a assar um pedaço de


queijo nas chamas e o retirou um instante antes que se fundisse.

— Não quer se casar comigo, mas seu Corsário não reapareceu e


só ficam dois dias. O que pensa fazer?

— Não posso fugir deixando aos meninos – replicou ela. — Do


contrário abandonaria a cidade. Mas alguém tem que mantê-los.
Eleanor não pode fazê-lo sozinha. E os outros homens não oferecem
me receber com os meninos.

— Compreendo. Você pode optar por abandono — comentou-o,


lhe oferecendo uma parte de pão e queijo.

— Alex — rogou ela — não é por você. É que só quero me casar


com ele.

— Com seu fugitivo Corsário.

— Sim. — Jessica terminou o vinho. — Além disso, há coisas que


você ignora de mim. Do contrário não quereria se casar comigo.

— Conte — disse ele, voltando a lhe encher a caneca. — Estou

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O Corsário – Jude Deveraux

preparado para o pior. Conte-me esses horríveis segredos que ignoro.

— Eu... não sou virgem — sussurrou ela, com a cabeça


encurvada.

— Eu tampouco. Que mais?

— Alex! Não me ouviu? Disse que estive com outro homem. Só


posso me casar com ele.

— Quer outro pouco de queijo? Deixa de me olhar como se me


achasse idiota. Compreendo perfeitamente o que disse. Também sei
que passou toda sua vida nesta pequena cidade. Em alguns lugares
não é ignorado que uma mulher casada tenha dois ou três amantes ao
mesmo tempo.

— Seriamente? — perguntou ela, interessada. — Conte me.

Ele sorriu.

— Não me parece bom falar de adultério com minha futura


esposa. Bem, já me disse que não é donzela. Suponho que é graças a
seu Corsário.

— Sim, ele e eu...

— Preferiria não conhecer os detalhes. Sem dúvida foi em uma


noite de lua e sua máscara era muito fascinante. Toma, come isto. Eu
não gosto de mulheres fracas.

Ela aceitou o queijo.

— Alex, — perguntou, brandamente — como perdeu... quero dizer,


quem foi sua primeira... já me entendeu?

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O Corsário – Jude Deveraux

Ele se reclinou sobre um cotovelo. Por um jogo de luzes apenas se


via o montículo de sua barriga, rodeada pelo cetim amarelo do colete.

— Lembra-se de SalIy Henderson?

— A costureira? — Ela levantou a cabeça. — Mas tinha a idade de


minha mãe! Se foi da cidade quando éramos crianças. Está mentindo,
Alex.

Ele se voltou com um sorriso que a tranqüilizou. Jess se estendeu


no chão, a pouca distância de Alex.

— Com Sally Henderson — murmurou. — Era apenas um menino.

— Tinha idade suficiente, ao que parece

— E após, ninguém mais? — perguntou ela, observando-o.

Em realidade, essa luz o fazia diferente. Usava a peruca pequena,


sem cachos largos, com uma fita negra à nuca. Jess notou pela
primeira vez o contraste da peruca branca com o negro de suas
sobrancelhas.

— Algumas, aqui e lá — corrigiu ele, sorrindo-lhe por sobre o


ombro. Ficou de barriga para baixo para olhá-la. — Me comportei muito
mal contigo quando veio a meu quarto com Eleanor, Jess. É que nunca
conheci outra pessoa que me zangue tanto como você. A ninguém gosta
que o comparem a um pedaço de alga quando acaba de propor
casamento a uma mulher.

— Pelo bem dos meninos.

— Que meninos? — Estranhou ele.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Propôs-me casamento pelos meninos, verdade? E porque seu


pai quer que se case. Não é certo?

Ele demorou um momento em responder. Levantou-se e cravou a


vista no fogo.

— É obvio. Faz-me muita falta ter a sete meninos pendurados em


mim, colocando suas mãozinhas pegajosas em minhas finas jaquetas.
Apenas ontem MolIy usou minha melhor peruca para aninhar um
pássaro com a asa quebrada. Samuel se sentou no bordado de Mariana
com as fraldas molhados. E esta manhã, às duas da madrugada, Philip
se meteu em minha cama porque ouviu um ruído, como aos outros
também deu medo dormir sozinhos, às três horas estavam todos em
minha cama. Sim, não nego que é um verdadeiro prazer tê-los em casa.
É o que sempre desejei.

Jess observava as chamas, temerosa de dizer uma palavra. Queria


perguntar por que a tinha pedido em matrimônio, mas não se atrevia.
Era possível que desejasse, na verdade, casar-se com ela? Observou-o
discretamente, enquanto ele olhava para outro lado. Desde que Alex
havia desembarcado não recebera um trato muito amável de sua parte,
por certo, mas tinham passado muito tempo juntos e lhe tinha certo
carinho. O primeiro homem que tinha chamado sua atenção era um
Montgomery. Vendia peixe à família desde que tinha aprendido a usar
uma rede. Lembrou-se da mãe de Alex, que estava acostumada a sentá-
la junto de seu filho mais novo para lhes servir leite e bolachas.

— Alex, — perguntou, em voz baixa — e os meninos...?

— Ficarei com eles, — afirmou ele — faça o que fizer. Meu pai

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O Corsário – Jude Deveraux

passa muito tempo com Nate. Mariana acabará por afeiçoar-se com ás
meninas. Assim só ficam os outros varões. Sam me segue a todas as
partes como um gordo ganso. Quanto a Philip...

— Não. Referia a nossos próprios meninos.

Ele continuava lhe dando as costas.

— Teremos que deixar isso para mais adiante, Jess — respondeu,


com muita tristeza na voz. — Não posso... ainda não. Teremos que
esperar.

Jess lhe teve muita lástima. Assim, recortado pela luz do fogo, só
via dele seus ombros largos, sua mandíbula magra e sua bondade.
Recordou todas as vezes que a tinha ajudado e todas as oportunidades
em que ela o tinha feito alvo de seu mau gênio.

Por fim se levantou e apoiou uma mão no seu ombro,


aproximando os lábios de sua bochecha. Ele cobriu uma mão com a
sua.

— Obrigada por tudo o que tem feito por mim, Alex. Obrigada por
suportar os meninos e por tolerar meu mau caráter.

Inclinou-se para frente até o olhar de frente. Na verdade tinha


bonitas feições. Seguindo um impulso, beijou-o nos lábios.

Ele se moveu e o beijo posou no canto de sua boca. Essa reação


fez com que Jess lamentasse profundamente. Sem dúvida, a cena o
fazia pensar nos tempos anteriores a sua febre. Então lhe deu um
tapinha na mão.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Está bem, Alex, não importa. Casar-me-ei contigo. Se o


Corsário não se apresentar para me reclamar até terça-feira a noite, na
quarta-feira pela manhã me casarei contigo.

Alexander reagiu com celeridade, tendo em conta sua gordura.


Em um abrir e fechar de olhos estava de pé.

— Se ele não se apresentar? — Gritou. — Tenho que esperar até


a noite anterior a minhas bodas para saber se terei uma noiva ou não?
Foi muito longe, Jessica! Talvez ache que é a mulher mais desejável do
mundo, mas não é a única, sabe?

Ela também se levantou, com as mãos na cintura.

— Claro! Há outras mulheres, que estarão dispostas a casar-se


contigo por dinheiro! Que outro motivo poderiam ter? Sua atitude? Seu
modo de fazer amor? Nem sequer com sua fortuna pôde conseguir a
outra. Nunca te menti. Quero o Corsário. Se ele vier me buscar, aceitá-
lo-ei.

— E eu sou a segunda alternativa, não?

— Não me deram nenhuma alternativa, Alex — replicou ela, com


mais suavidade, aproximando-se.

Mas ele já estava colocando-a jaqueta úmida.

— Como pode cometer a tolice de amar a um homem que só


aparece de vez em quando? A um homem que nem sequer te mostra
seu rosto nem diz seu nome?

— Eu não disse que o amava.

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O Corsário – Jude Deveraux

Alex se deteve para olhá-la.

— Se não é amor, o que sente por ele? Desejo?

— Não... não sei. Ele é como eu. Pensamos de modo parecido.


Nunca antes conheci ninguém como ele. Acredito que poderia amá-lo.

Alex se voltou para ela da porta.

— Pois bem, poderia amar a mim também, demônios.

E saiu à chuva. Por um momento Jess manteve a vista cravada


na porta, atônita.

— Amá-lo? —sussurrou.

Acaso Alexander estava apaixonado por ela? Por algum motivo, a


idéia era prazerosa.

E subiu a escada, assobiando, para deitar-se em sua cama fria e


solitária.

Alex estava jogando feno ao grande potro negro do Corsário.

— Tinha certeza que te encontraria aqui — comentou Nick, com


voz risonha e uma careta zombeteira nos lábios. — Cada vez que se
ouvem gritos, corre a sua ilha particular.

Alex mudou de assunto.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Parece que Eleanor não te mantém de tudo ocupado.

— Esta manhã lhe dei algo em que pensar — disse o russo,


orgulhoso. — A deixei tão atarefada que nem sequer recordava o nome
de sua irmã. Então amanhã se casará com sua senhorita Jessica.

— Alguém se casará com ela — confirmou Alex, enquanto enchia


a gamela do cavalo.

Como de costume, tinha o torso nu. Quando não se via obrigado


a usar a roupa acolchoada tratava de usar muito poucas peças.

— A noite de bodas com essa gatinha tem que ser memorável.

Alex olhou seu amigo com ar malévolo.

— Não posso me deitar com ela. Sabe muito bem. Ao descobrir


que não sou gordo adivinharia o motivo do disfarce em um segundo.

— Poderia lhe dizer a verdade.

— A Jessica? Dizer a verdade a Jessica? Essa mulher não tem


prudência. Seria capaz de tomar minha máscara emprestada para
desafiar em duelo o almirante. Além disso — adicionou, sorridente — é
melhor que não goste de mim. Se passássemos algumas noites juntos
começaria a me olhar com outros olhos. As pessoas perceberiam que
não sou o fracote que finjo ser.

Nick grunhiu, aborrecido.

— Casar-se-á com ela, mas não lhe fará o amor?

— Claro que lhe farei amor... em meu papel de Corsário. Alex se


encarregará de mantê-la e de suportar esses malditos pirralhos

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O Corsário – Jude Deveraux

enquanto o Corsário esquenta sua cama.

— E Jessica pensará que é adúltera.

— Será só por um tempo, até que possa lhe confessar a verdade


sem perigo. Também posso fazer uma viagem a Boston e voltar curado
de minha enfermidade. Alex baixará de peso e o Corsário deixará de
existir.

— Espero que seus planos deem resultados. Está preparado para


retornar? Eu não gosto desta ilha a noite.

— O Corsário te protegerá — assegurou Alex, com uma voz grave


que fez rir Nick. Juntos remaram até terra firme.

Alex passou toda a noite com a esperança de que Jessica se


apresentasse a ele para se desculpar por seus comentários, mas não
foi assim.

Eleanor entrou no salão.

— Por fim se deitaram todos. Ela ainda não veio?

— Não — respondeu Alex, com a vista cravada em sua taça vazia.

— Acredito que tudo está preparado para as bodas de amanhã.

O jovem assentiu, sombrio. Eleanor lhe deu uns tapinhas na mão.

— Tudo sairá bem, Alex. Em realidade, Jessica é inteligente e


algum dia compreenderá que é um homem estupendo. Só tem que
esperar que entre em razões.

— Não acredito viver tanto. Supõe que esta com o Corsário?

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O Corsário – Jude Deveraux

— Tem que estar em casa, triste e esperando que o Corsário vá


resgatá-la.

Alex descarregou um murro na mesa.

— Pois não quero que o veja. Se esta noite se encontrar com ele
jamais se casará comigo.

Eleanor estreitou sua mão.

— Eu não estaria tão segura. Na vida há coisas mais importantes


que... fazer bebês – concluiu ruborizada.

Ele lhe sorriu amplamente.

— Mas não para uma moça saudável como Jessica.

— A mesma que me ajudou a vestir, alimentar e manter um teto


sobre a cabeça destes sete meninos — lhe recordou Eleanor. — Não a
subestime. — Jogou uma olhada a seu redor. — Não viu ao Nate? Já
deveria estar deitado.

— Mandei-lhe ver se Jess precisava de algo.

— Oh, não! — Exclamou a moça. — Enviou Nate a casa? Não sabe


que esse menino adora Jessica? Se a ver derramar uma lágrima... —
Eleanor se interrompeu com a expressão desconcertada de Alex. — Se
Jess decidir algo estúpido, como fugir, Nate a ajudará — ficou de pé. —
Alex tem que ir em busca de Nathaniel para averiguar o que acontece.

Alex se levantou com um movimento abrupto. Imediatamente


recordou seu papel.

— Oh, eu não gostaria de sair com este frio. E me parece que está

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O Corsário – Jude Deveraux

por chover outra vez. Já viu como me molhei ontem à noite. Não pode
enviar a outro? A alguém saudável, como Nick.

— Nicholas é muito saudável. Não, Alex, terá que ir você. Leve o


cavalo de seu pai. Faz meses que ninguém o monta.

— Esse bruto?

— O potro de Adam, então. O que queira, mas vai.

Alex quis protestar, mas a urgência que expressava a voz de


Eleanor era um incentivo. Por sorte, não havia ninguém nos estábulos
que pudesse ver o inútil do Alex selar o cavalo de seu pai com a
velocidade do relâmpago. Rodeou a cidade a todo galope, sob a chuva,
até a casa dos Taggert.

Nathaniel dormia no chão, junto do fogo quase apagado, com uma


maçã meio comida na mão.

— Onde está Jessica, Nate?

— Olá, senhor Alex — saudou o menino, piscando. Levantou-se e


seguiu comendo sua maçã.

— Onde está Jessica? — repetiu o jovem.

— Como estava chorando pelo Corsário, eu contei.

— Que contou?

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O Corsário – Jude Deveraux

— Que o Corsário tem seu acampamento na Ilha Fantasma e que


ali está seu cavalo.

Alex ficou mudo e boquiaberto.

— Oh, mas não disse que o Corsário é você.

O estupefato jovem se deixou cair em um banquinho.

— Quem mais sabe? — perguntou, em um sussurro.

Nate tragou saliva e cruzou os dedos às costas.

— Só eu. E Sam. Porque o seguimos. Quer dizer, eu o seguia e


Sam dormia. Acredito que por isso quer tanto a você. Mas não se
preocupe: ainda não sabe falar.

— Mas você sim, pequeno espião. — Alex atraiu Nate para si. —
Deveria te dar umas palmadas no traseiro. Desde quando sabe?

— Desde a segunda incursão.

Alex se reclinou contra as pedras da lareira, perguntando:

— E em todo esse tempo não disse a ninguém?

— A Jessica — respondeu Nate, evitando a resposta direta.

Montgomery começava a olhá-lo com novo respeito.

— Então disse a Jessica que o Corsário acampava na Ilha


Fantasma.

Os olhos de Nate delatavam seu dilema.

— É que estava muito triste. Ela queria ver você antes de se casar

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O Corsário – Jude Deveraux

com você.

Era assombroso que o menino tivesse descoberto a dupla


personagem e soube calar a tal ponto a informação.

— Bem, sua irmã verá esta noite o Corsário. Quero que volte para
casa. Eleanor está preocupada com você. Diga-lhe que fui em busca da
Jessica.

O menino assentiu, solene.

— E não mencione a Eleanor a Ilha Fantasma.

— Não, é obvio — respondeu o pequeno, com muita dignidade. —


Se a notícia se divulgar você poderia ser capturado e enforcado.

A idéia de que sua vida dependia de um menino de nove anos


infundiu certo temor em Alex. Mas Nate só tinha faltado a sua lealdade
em bem de sua amada irmã.

— Anda, vá para casa — disse, com suavidade. — Diga a Eleanor


que te dê um pedaço de torta de maçã. — E adicionou, sorrindo. — E
um pouco de cerveja, das suaves. Merece um gole como o que queria.

Nate sorriu quase partindo o rosto em dois.

— Sim, sim, senhor — exclamou.

E saiu à chuva.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Jessie...Jessie...

Ao ouvir o chamado, Jessica enxugou as lágrimas e começou a


correr às cegas, sabendo só que corria para ele. De repente enganchou
o pé em um ramo quebrado. Puxou-o do pé inutilmente, frenética.

— Não, Jessie, tome cuidado — lhe ouviu dizer.

Um momento depois estava em seus braços e ele a beijava com


desespero. Ela se limitou a abraçá-lo com força, como se temesse deixá-
lo ir. Seus dedos se cravaram no torso do Corsário.

— Sentiu saudades? — Perguntou ele, com a voz carregada de


paixão e bom humor.

Jess estava muito feliz de voltar a vê-lo para zangar-se porque rira
dela.

— Quando te disse aquilo não falava a sério. É um Corsário muito


efetivo. Esteve estupendo ao distribuir os panfletos. Deu esperança a
meu povo. E...

Ele a acalmou com um beijo. Quando a deixou sem fôlego,


ajoelhou-se para lhe liberar o pé. Depois a levou nos braços até o abrigo
onde dormia seu cavalo.

— Me prometa que não voltará aqui.

— Como soube que estava aqui? Disse-lhe Nate?

Ele pôs um dedo nos seus lábios.

— Não sabe que te vigio, que te sigo aonde vai?

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O Corsário – Jude Deveraux

— Nesse caso viu a todos esses homens. Sabe do casamento? Tem


que...

Ele voltou a beijá-la. Enquanto o fazia foi desabotoando o corpete


do vestido. Entre beijos e carícias a despiu até a cintura, deixando-a
exposta a seus olhares e dedos.

Só nesse homem ela podia confiar. Só em seus braços se sentia


segura, como se pudesse deixar em suas mãos o controle da situação.
Começou a tocar seu corpo, puxando a camisa de seda até que pôde
acariciar sua pele. O corsário tirou sua roupa com facilidade, como se
a nudez fosse seu estado natural.

Logo a deitou no feno para deslizar para baixo suas saias,


enquanto a percorria com a boca e as mãos, beliscando a curva suave
das nádegas. Beijou-lhe os joelhos, as panturrilhas e o arco do pé.
Quando voltou para seus lábios já não usava mais nada que a máscara
negra.

Jessica afogou uma exclamação com o contato de sua pele, com o


suave esfregar daquelas pernas largas contra as suas.

Essa vez não houve dor na penetração: só uma paixão jubilosa.


Esperava-o com ânsias e estava disposta a demonstrá-lo.

Ele riu de prazer com sua exuberância e rolou com ela até tê-la
sobre seu corpo, sorriu ao observar o prazer e a surpresa em seus
olhos. Guiou-a por alguns momentos e voltou a rolar para tê-la por
baixo, mas nessa oportunidade levantou suas pernas ao redor de sua
cintura e pôs as mãos sob as nádegas de Jessica para elevá-la para si,
enquanto empurrava mais e mais.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Esqueceu de observá-la, atento só ao prazer. Ela se aferrava a seu


corpo, arqueando-se para receber seus últimos impulsos, já frenéticos.

No final ela deixou escapar um grito breve e seco, mas


imediatamente apertou a boca aberta contra o ombro quente do
Corsário.

— Jessie, meu amor — sussurrou ele, estreitando-a com força


contra seu corpo suado.

Passou um longo momento antes que ela sentisse o


intumescimento nas pernas e se movesse para estar mais cômoda.

O Corsário a reteve perto de si.

— Tem frio, amor? — perguntou.

— Não — respondeu ela, sorrindo. Beijou o braço que a rodeava


como para não deixá-lo escapar. — Temia não te encontrar -
murmurou, relaxada e sonolenta. — Não esperava isto. Alexander
sofrerá, mas tratarei de tranqüilizá-lo.

— Alexander?

— Sim — respondeu ela, sorrindo na penumbra. — Terei que lhe


dizer que não posso me casar com ele.

— Se casar? — O Corsário parecia estúpido.

— Não disse que me observa? Tem que conhecer o decreto do


almirante. Amanhã devo me casar com alguém. Esperei-te por tanto
tempo quanto pude, mas Alex pediu minha mão e pensei que já não
ficava outro remédio. Você está disposto a receber aos meninos,

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O Corsário – Jude Deveraux

verdade?

O Corsário não afrouxou seu abraço.

— Não posso me casar contigo, Jessie.

— Bom, compreendo que não pode se apresentar na igreja com


essa máscara. Direi às pessoas que nos conhecemos enquanto eu
pescava e que esteve longe, navegando. Desse modo ninguém
suspeitará que é...

— Não posso me casar contigo, Jessie.

— Por causa de Alex? Ele sabe de nós. É muito pormenorizado.


Explicar-lhe-ei...

— Jessie, por favor, não piore as coisas. Não posso me casar


contigo.

O que ele tentava dizer chegou, por fim, ao cérebro de Jess. Tentou
afastar-se, mas ele a retinha.

— Me solte — disse, entre dentes.

— Jessie, deve compreender que tenho motivos para não me casar


contigo.

— Me dê um — pediu ela, sempre lutando por afastar. — Me


conformo com um só motivo razoável.

— Tem que confiar em mim.

— Ahahah! — Ela afastou a cabeça o suficiente para olhá-lo nos


olhos. — Agora compreendo por que me tomaste. Está casado? Tem

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

filhos próprios? O que sei de você? Devo ter parecido ser muito fácil.
Sem dúvida ri de mim com seus amigos. A quantas mulheres há...?

Ele a beijou na boca e seguiu fazendo-o até que Jess deixou de


lutar.

— Tem todo o direito do mundo a se zangar, Jessie. Mereço tudo


o que me diz. Mas me acredite, por favor: amo a você, só a você.

— Nesse caso, não deixe que me case com outro – sussurrou ela.

— Montgomery não pode te fazer amor.

Jess demorou um momento em compreender o que ele estava


dizendo.

— Que porco! Deixa que me case com Alex porque ele não pode
me dar o único você me dá.

— Não suportaria que outro homem te tocasse. Amo-te, Jessie.

Ela o empurrou com força, mas ele a reteve no feno, apesar de


seus olhares fulminantes.

— Alexander tinha razão ao dizer que não era grande coisa como
Corsário. Agora percebo que tampouco é grande coisa como homem.

— Faz um momento não duvidava de minha virilidade — apontou


ele, indignado. — Não discutamos, Jessie.

E começou a beijá-la no pescoço.

— E amanhã deixará que me case com outro — disse ela, em voz


baixa.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Não tenho alternativa. Westmoreland fez disto um ultimato e


eu não posso me casar contigo. Montgomery é a melhor alternativa.
Pelo menos não te tocará.

Ela relaxou o corpo. Assim que ele deixou de segurá-la, rolou pelo
chão para afastar-se.

— Você tampouco me tocará.

— Jessie — protestou ele, alargando as mãos.

Jessica recolheu sua roupa. Um raio de lua tocou o corpo nu do


Corsário e ela esteve a ponto de fraquejar. Mas recordou o que acabava
de ouvir e afirmou em sua irritação.

— Acreditava que me casaria com outro homem e viria às noites


furtivamente, fazer amor com você? – perguntou enquanto se vestia.

— Você não ama Montgomery.

— Talvez não, mas ele teve para comigo bondades que você com
toda sua bravura, jamais compreenderá. — Permaneceu muito quieta
sob a claridade de lua, com a roupa interior. — Quero que algo fique
muito em claro: esta é sua última oportunidade. Última: não haverá
mais. Se amanhã me casar com outro, o desta noite não voltará a
repetir-se.

Um momento depois o Corsário estava de pé, apertando seu corpo


nu contra ela.

— Você, viver como uma monja? Como se sentirá dentro de uma


semana, quando eu entrar furtivamente em seu quarto?

Saga Montgomery 04
285
O Corsário – Jude Deveraux

— Nosso quarto. Será também o de meu marido.

Ele sorriu.

—Quer apostar alguma coisa que Montgomery não vai querer


dormir contigo? Poderia esmagá-la sem querer.

— Alexander é um homem bom. Não o meta nisto. Essa é sua


decisão definitiva? Não se casará comigo?

— Não posso. Se houvesse algum meio de fazê-lo, fá-lo-ia. Visitar-


te-ei, Jessica, e você pode me visitar aqui.

— Não. Amanhã farei uma promessa e tenho a intenção de


cumpri-la. — Ela colocou o vestido, furiosa

Ele sorriu com ar perito.

— Não poderá.

— Não conhece os Taggert.

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O Corsário – Jude Deveraux

15
O dia das bodas amanheceu chuvoso, triste e cinza. O mundo
parecia tão desventuroso como Jessica. Ela manteria a cabeça erguida,
negando-se a pensar nas previsões do Corsário. Mas não pensava
converter-se em uma heroína trágica, que se casava com um homem
estando apaixonada por outro. Desse dia em adiante afastaria o
Corsário de seus pensamentos.

Mas enquanto dizia mentalmente essas palavras, uma parte dela


ria, incrédula.

Eleanor a ajudou a usar um vestido de seda azul marinho que


tinha pertencido à mãe de Alex. Depois lhe ordenou que permanecesse
bem quieta enquanto cuidava dos preparativos para o café da manhã
dos esponsais.

Não tratou de falar com sua irmã sobre o iminente casamento.


Jessica supôs que estava muito irritada com ela.

Enquanto esperava, só no quarto de Adam, sentiu-se inquieta e


teve vontade de conversar com Alex. Apareceu à janela e comprovou
que não havia ninguém à vista. Então cruzou o terreno do lado, entre
ervas, até chegar no quarto de Alex. Ao passar pelo quarto de Sayer viu
que Nate estava ajudando o ancião a vestir-se. O pequeno fez um gesto
de aproximar-se de sua irmã, mas Sayer o segurou pelo braço e saudou
com a cabeça à moça. Ela respondeu à saudação e continuou sua

Saga Montgomery 04
287
O Corsário – Jude Deveraux

marcha.

Chamou à janela de Alex com toda a cortesia que as


circunstâncias permitiam. Como ele não respondesse, entrou pela
janela e chamou:

— Alex!

Não houve resposta. Portanto, sentou-se em uma cadeira e


esperou. O jovem entrou por uma porta que se comunicava com o
quarto contíguo. Usando uma jaqueta de cor escarlate brilhante,
bordada com flores em um tom mais escuro. Essa roupa não condizia
absolutamente com o singelo vestido da noiva.

Ao ver a moça, o rosto de Alex refletiu fugazmente prazer,


imediatamente transformado em irritação.

— Não deveria estar aqui. Não ouviu dizer que traz má sorte ver a
noiva antes das bodas?

— Queria te contar que ontem à noite estive com o Corsário.

Alex se dedicou a arrumar-se de frente ao espelho.

— Sem dúvida foi um encontro exaustivo. Não é de estranhar que


esteja aqui a estas horas. Seqüestrou-a no lombo de seu cavalo negro,
para te levar a seu castelo dourado?

— Vim conversar contigo, Alex, não brigar. Quero-te dizer que


respeitarei meus votos matrimoniais. Não vou v... — Tragou saliva com
dificuldade. — Não vou vê-lo nunca mais.

Alex a olhou fixamente por um momento, sem que Jess pudesse

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O Corsário – Jude Deveraux

adivinhar o que pensava.

— Me acompanhe, Jess — pediu, abrindo uma porta. — Meu


quarto era, em outros tempos, o quarto infantil. Meus irmãos mais
velhos foram saindo um a um e eu fiquei nele. Minha mãe estava
acostumada a dormir neste quarto quando um de nós estava doente.
Fiz com que se mobilhasse para você. Desse modo terá seu próprio
quarto.

Jessica contemplou aquele pequeno quarto, decorado com bom


gosto: uma cama pequena, um roupeiro, cômoda e cadeira. Pela
primeira vez em sua vida teria um espaço só dela.

— É muito bom comigo, Alex. Mais do que mereço. Juro-te que


serei boa esposa.

— Peixe afresco todos os dias? — perguntou ele, com olhos rindo.

Ela sorriu.

— E um menino em cada quarto. Permite-me que prove sua


jaqueta, Alex? Eu gosto de vermelho.

Ele, rindo, tirou a jaqueta.

Era muito grande para Jess, mas o vermelho dava ainda mais
brilho a seu cabelo e mais cor a suas bochechas. Enquanto ela se
observava no espelho, Alex se aproximou por atrás e lhe pôs as mãos
nos ombros.

— Jess, — disse, brandamente — vou comprar-lhe um guarda-


roupa digno de uma princesa. — Fez uma pausa. — Um guarda-roupa

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

digno de minha esposa. Serei um bom marido para você, o melhor que
possa.

Jess só podia ver seu rosto no espelho; uma sombra lhe


obscurecia a peruca e não usava nenhuma jaqueta vistosa que
distraísse a atenção de suas belas feições. Com toda naturalidade,
virou para ele. Com a mesma naturalidade, Alex baixou o rosto para o
dela.

No momento em que estavam por beijar-se, Nicholas os


interrompeu com uma risadinha sufocada.

Alex se afastou de Jess como se ela fosse venenosa. Nick sorria


com ares de superioridade protetora.

— Sua irmã acredita que fugiu — disse à moça.

Jess tirou a jaqueta. Como Alex não se aproximava o suficiente


para tomá-la, depositou-a na cama, cuidadosamente estirada. Tinha
estado a ponto de beijar Alexander Montgomery, nada menos. O
Corsário havia dito que ela não poderia viver como as monjas. Mas com
o Alexander... Sorrindo pelo absurdo de seus pensamentos, saiu da
quarto.

Eleanor se encontrou com ela no corredor, pálida de fúria.

— Já temia que tivesse decidido não passar por tudo isto.

— Que alternativa tenho? Diga-me uma e a aceitarei.

— Hum! — bufou Eleanor. — Fez um negócio excelente, mas é tão


teimosa que não se dá conta.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Talvez, quando Alex durma, possa provar todas suas jaquetas.

Eleanor a puxou pelo braço para arrastá-la até o salão principal


onde seria a cerimônia. As bodas acabaram muito rápido. Quando Jess
aproximou a bochecha para que Alex a beijasse, sentiu o aroma de
canela. “Esteve outra vez com algum dos meninos”, pensou.

Apesar de que as bodas se realizavam por ordem do odiado


almirante Westmoreland, foi uma festa digna dos Montgomery, onde a
comida e a bebida correram em abundância, para prazer dos
convidados. Comentava-se entre sussurros que era horrível sacrificar
à bela Jessica a um homem gordo, efeminado e decrépito como
Alexander. Os homens murmuravam sobre o poder do dinheiro; as
mulheres afirmavam que o ouro não dava felicidade na cama.

Dois ou três homens, com intenção de aliviar as angústias de


Jess, sussurraram-lhe que de bom grado lhe proporcionariam o que
obviamente não ia obter de Alexander.

O almirante Westmoreland se apresentou para felicitar aos


noivos, como se não tivesse sido ele a causa desse casamento não
desejado. Jessica abriu a boca para dizer algo a respeito, mas Alex
apertou dolorosamente seu braço e se limitou a agradecer a visita.

— Covarde — sussurrou ela, enquanto lhe voltava às costas para


sorrir a dois jovens uniformizados.

— Jess...

Mas ela se afastou de braços com os dois bonitos moços.

Ao chegar à noite, Eleanor afastou sua irmã de uma enérgica

Saga Montgomery 04
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dança com um atrativo loiro e a levou para o dormitório de Alex.

— Mas eu estava aproveitando muito bem! — protestou Jess.

— Aproveitará muito bem, só, com seu marido.

— Contando o número de flores bordadas em sua nova jaqueta?


Ai, Eleanor, isso dói. Ultimamente está muito irritável.

Eleanor não voltou a falar até que chegaram ao quarto de Alex.

— Isto é um presente de Mariana — disse, estendendo uma


camisola de algodão branco, com largas bainhas volitivas.

— Precisará mais que isso para excitar Alexander — assegurou a


moça, revirando os olhos.

— Vamos, basta já! — gritou-lhe Eleanor. — Alexander não tem


nenhum problema. Desempenhar-se-ia muito melhor se o alentasse
um pouco.

— Se o alentasse a que? — perguntou Jess, horrorizada. — Olhe;


ele e eu resolvemos essa questão. Casamo-nos por conveniência: você
mesma o ouviu. Ele precisa de alguém que ponha esta casa em ordem.
Alguém que não seja esse russo enorme e intrometi... Ai! Eleanor, o que
quero é tirar o espartilho, não ajustá-lo.

— As coisas seriam melhores se recordasse que Alexander é


homem, Jess. Agora é seu marido e deveria tratá-lo como tal. Vejamos,
levante os braços e ponha isto... Agora se sente na cama, que escovarei
seu cabelo.

— Alex mandou pôr uma cama nesse outro quarto para mim.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Mas não para esta noite. Escute-me, Jessica: Alex só precisa


que o incentive um pouco. Terá que usar algumas artes femininas. —
Olhou sua irmã com olhos muito duros. — Não lhe diga que é gordo,
que é capaz de navegar melhor que ele, nem que detesta suas roupas.
Seja amável com ele, que agora é seu marido.

Jessica estava bocejando.

— Está bem, dormirei aqui. De qualquer modo eu não gosto de


dormir sozinha.

Eleanor lhe deu um beijo na bochecha.

— Não o lamentará — disse, e abandonou o quarto.

Jess adormeceu em poucos minutos, mas despertou assim que


Alex entrou no quarto. Enquanto ele se movia de um móvel a outro,
observou-o. Seu gordo ventre se recortava contra a luz escassa. Ele
acendeu uma vela e suspirou fundo ao ver Jessica.

— O que faz aqui? — disse, com os olhos muito abertos.

Ela tinha decidido não zangar-se.

— Casamo-nos, recorda?

— Supus que estaria adormecida... em sua própria cama.

Ela cruzou as mãos com um doce sorriso. Não gostava de ser


tratada como intrusa.

— Alexander, esta é nossa noite de bodas.

— Sei, — lhe respondeu ele — mas estou cansado, dói-me a

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O Corsário – Jude Deveraux

cabeça e quero dormir.

Em realidade parecia cansado. Tinha os olhos avermelhados e seu


rosto começava a suar. Ela jogou de um lado as mantas e ficou de pé
na cama para apoiar as mãos nos seus ombros.

— Posso massagear sua cabeça até que se sinta melhor. Venha


para cama e... — interrompeu-se, porque Alex a estava empurrando
para sair.

— Vai para seu quarto — ordenou, furioso. — Te digo que quero


dormir. Sozinho. Compreende?

— Sim — respondeu ela, tão desconcertada por sua irritação como


por todo o resto. — Não era minha intenção recordar-te o passado.
Quero dizer, te recordar os tempos em que ainda podia...

— Vai, Jessica. Vai — repetiu, com voz rouca.

Ela foi ao seu próprio quarto, com o cenho franzido, e se


aconchegou sob os cobertores de sua cama. Dormiu imediatamente,
mas algo a despertou.

— Alex? — perguntou, levantando-se.

— Sou eu — anunciou uma voz grave, de sotaque estranho, que


ela conhecia muito bem.

O Corsário estava sobre ela imediatamente, tirando sua roupa,


escondendo as mãos em seu cabelo e beijando-a. Era como um animal
morto de fome: precisava-a, queria-a.

Por um momento Jessica se aferrou a ele, com a mesma

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O Corsário – Jude Deveraux

ansiedade. Mas quando estava meio nua recuperou o bom senso.

— Não, não, não — cantarolou, afastando-o de si. — Agora sou


uma mulher casada. Se afaste de mim.

— Jessie, — sussurrou ele, com a voz carregada de desejos — vim


para que tenha sua noite de bodas.

Ela o empurrou com todas suas forças.

— Não participou da cerimônia e não pode participar agora. Já lhe


disse isso. Não tinha acreditado? Vai daqui antes que eu desperte o
Alex.

— Rouca tanto que não ouvirá nada. Por favor, Jessie.

— Vai daqui! — Ordenou ela, em voz muito alta, pois sabia que
estava a ponto de ceder. — Vou gritar até que todos me ouçam. Se lhe
apanham será a você quem enforcaram.

— Não diz a sério, Jessie. Esse tolo do Montgomery jamais se


deitará contigo. Vai passar a vida só, nesta cama?

— Se for preciso. Mas não a passarei corneando meu marido. Se


dentro de trinta segundos não sair daqui, gritarei.

Ele se ergueu em toda sua estatura. As roupas negras o faziam


quase desaparecer entre as sombras.

— Veremos o que pensa dentro de uma semana ou duas. Poderá


resistir a mim quando esse marido a rechace noite após noite?

— Mesmo que me rechace ano após ano.

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O Corsário – Jude Deveraux

Ele começou a rir e Jess percebeu de que em sua voz não tinha
conseguido pôr muita convicção. Depois de acariciar apressadamente
sua bochecha, ele deslizou pela janela e desapareceu.

Já amanhecia quando Jess deixou de dar voltas na cama e


conciliou o sono.

Foi à mão de Nick, apoiada em seu ombro, o que despertou Alex.

— Seu pai me mandou chamá-lo. Quer que o leve ao salão. Sua


irmã diz que pensa te visitar neste dormitório. Quer ver juntos aos
recém-casados.

Alex assentiu, sonolento, e saiu da cama antes que Nick fechasse


a porta a suas costas. Estirou o corpo nu até quase tocar o teto raso.
Logo usou uma larga camisa de dormir e a maior e mais vistosa de suas
perucas.

Deteve-se ao recordar a difícil experiência do dia anterior.


Primeiro tinha estado por um tris de beijar Jess, com o risco de revelar
tudo. Por sorte Nick os tinha interrompido. Depois das bodas só pôde
pensar que Jessica era sua para sempre; nunca em sua vida tinha
experimentado tal necessidade de posse. Queria levar-lhe longe da
casa, envolvê-la em véus e reservá-la só para si. Não suportava que
outros a vissem ou lhe dirigissem a palavra.

Como tinha medo de não suportar o impulso de seqüestrá-la,

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O Corsário – Jude Deveraux

manteve-se a certa distância dela, onde não lhe chegasse sequer a


fragrância de seu cabelo.

Mas teve que estar presente e vê-la dançar com um homem e com
outro. Era sua esposa, mas não o era. Não podia abraçá-la, não podia
tocá-la; estava obrigado a fingir que estava cansado e indiferente,
embora desejava lhe demonstrar as energias que o alagavam.

Quando Eleanor a levou, ele deixou escapar um suspiro de alívio.


Mas sua imaginação esteve a ponto de matá-lo ao imaginar a cena:
estavam preparando Jessica para seu leito.

Quando a moça se retirou, ele permaneceu no salão até muito


depois de que todos estivessem deitados. Não tinha tomado sequer um
copo de cerveja suave por medo de perder o domínio sobre si. Repetia-
se que tudo quanto estava fazendo era pelo bem da América e merecia
um sacrifício pessoal.

Mas ao entrar em seu quarto e encontrar Jessica em sua cama,


sonolenta e suave, esteve a ponto de tornar-se traidor. Compreendeu
que devia afastá-la imediatamente se queria dominar-se.

Sua intenção era compensá-la, por sua brutalidade, quando se


apresentasse com a máscara do Corsário, mas a condenada gatinha
era muito teimosa. Expulsou-o de seus quarto sem muita angústia.

E agora devia enfrentar outra tortura. Seu pai queria ver os


recém-casados no leito conjugal. Alex, com uma careta, acomodou a
peruca. O pai queria assegurar-se de que seu filho fracote tivesse
completado com seu dever marital. Alex cravou o punho na manga da
camisa de dormir. O velho nunca teria feito isso com o Adam ou Kit,

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O Corsário – Jude Deveraux

seus melhores filhos.

Furioso, abriu a porta de Jessica.

Ao ver aquela cabeça que apenas aparecia sob os cobertores


esqueceu seu pai e a sua pátria.

Jess abriu os olhos.

— Alex, o que...? O que faz aqui?

O medo de sua voz apagou imensamente os ardores do jovem, que


inclinou as costas e deu a sua voz um tom penoso.

— Nick acaba de me avisar que meu pai quer visitar os recém-


casados no quarto. Quer netos próprios e eu não gostaria de lhe deixar
entrever que talvez não os haja jamais. Faria-me o favor de vir para
minha cama?

Assim dizendo, girou sobre os calcanhares nus e voltou para seu


próprio quarto.

Jessica ficou piscando. Por um momento tinha temido que ele


estivesse consciente da visita do Corsário. Foi um alívio comprovar que
nada sabia.

Permaneceu imóvel, pensando em Alex como acabava de vê-lo.


Sempre estava muito melhor quando não usava essas jaquetas
absurdas. Em realidade, ao vê-lo caminhar com essa camisa larga não
se notavam as pernas gordas nem o ventre enorme. A moça estranhou
de nunca ter reparado na largura de seus ombros.

Levantou-se de um salto para ir ao quarto de seu marido, mas

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O Corsário – Jude Deveraux

algo em si, insistiu a olhar-se no espelho. Recolheu o pente para


arrumar os cabelos, mas não o fez. Assim, com o cabelo revolto ao redor
da cabeça e os olhos brilhantes de expectativa, estava muito melhor.

Alex estava deitado na cama, olhando-a. Seu ventre formava uma


montanha sob as mantas. Até então ela não tinha reparado em suas
grossas pestanas.

— Não vai me convidar para seu leito? — perguntou em voz baixa,


sorridente.

Ele pareceu vacilar um instante, mas afastou os cobertores para


que ela se deitasse a seu lado. Permaneceu deitado, o mais longe que
pôde. Ela se moveu um pouco no colchão.

— Acredito que sua cama é muito mais cômoda que a minha —


comentou.

Voltou-se para ele, mas Alex permanecia rígido como um mastro,


com os olhos fixos no teto raso.

— Deveríamos atuar como um casal apaixonado — sugeriu Jess,


aproximando o corpo.

Alex ficou até mais rígido. Ela se levantou sobre um cotovelo.

—Ouça, não é nada feio. — Apoiou-lhe um dedo na bochecha. —


Recorda aquela vez em que apontou para Pitman com duas pistolas
para impedir que nos incendiasse a casa? Nessa noite foi muito
corajoso.

Alex mantinha os braços presos a seus lados, sem a olhar. Ela se

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O Corsário – Jude Deveraux

aproximou até espremê-lo com seu corpo.

— Alex, — disse com suavidade, deslizando um dedo pelo seu


queixo — foi muito bom comigo e com minha família. Olhe, é
assombroso, mas com esta luz fica quase tão belo como seus irmãos.

Ele a olhou pela extremidade do olho.

— Sabia que com isso te faria reagir um pouco – riu Jess.

Fora da porta, ouviram-se vozes. Alex não se moveu.

— Vamos, — exclamou ela —ponha seu braço ao redor dos meus


ombros. Pelo menos finjamos que estamos casados.

Alex obedeceu, mas como se fosse de madeira. Jess se curvou


contra seu corpo, apoiando um joelho no seu ventre, aconchegada
contra ele. Pensou na solidez daquele corpo, na largura de seus ombros
e a dureza de suas coxas contra a moleza do seu estômago. Suspirou,
satisfeita.

Quando soaram os golpezinhos à porta ela não os ouviu. Foi Alex


quem respondeu, com voz quebrada.

Nick entrou no quarto levando nos braços o enfraquecido Sayer.


Tinha envelhecido muitos anos no breve tempo transcorrido do
acidente.

— Pai — exclamou o jovem, com voz tensa.

Tratou de levantar-se, mas Jessica estava colada a ele como um


marisco. Só abriu os olhos tempo suficiente para sorrir para seu sogro.

— Jess! — sussurrou Alex.

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O Corsário – Jude Deveraux

O ancião o acalmou com um gesto da mão.

— Deixa-a dormir. Não era minha intenção lhes incomodar, mas


não supus que ainda estariam na cama — mentiu. — Nicholas, me leve
para tomar o café da manhã.

Nick saiu com o ancião. Antes de fechar a porta dedicou uma


piscada a seu amigo.

Alex, meio levantado, com Jessica meio enrolada a seu corpo,


tinha a testa suada.

— Alex — sussurrou ela.

Levantou o rosto dando a entender com toda claridade que


desejava um beijo. Ele se afastou.

— Jessica, parece-me que estaria disposta a copular e acredito


que seria possível. Se me sussurrar palavras grosseiras ao ouvido e...
ah, sim, também deve me contar contos sujos e dançar, nua, é obvio.
Quanto mais sugestiva seja a dança, melhor. Desse modo, em uma ou
duas horas me seria possível agir. Claro que você terá que estar por
cima e ser muito, mas muito rápida. A procriação me parece bastante
aborrecida... e embaraçosa. Mas se está decidida a usar meu corpo,
pode fazê-lo.

Jessica demorou um momento em recuperar-se. Logo se pôs a rir.

— Oh, Alex, que imaginação tem. — Afastou-se dele para sair da


cama. — Algum dia terei que te falar dos homens de verdade. Pobre
SalIy Henderson.

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O Corsário – Jude Deveraux

Um ruído surdo depois dela, fê-la voltar-se. Pelo que parecia, Alex
tinha caído da cama, como se tivesse tentado dar um tapa em algo fora
de seu alcance.

Ela quis ajudá-lo, mas o jovem a olhou, furioso.

— Se me tocar o lamentará.

Jessica deu um passo atrás.

— Caramba, Alex, se coloca mais histérico que as mulheres —


comentou antes de sair.

— O que fez a Alexander? — Sussurrou Eleanor, cortante, uma


hora depois.

— Absolutamente nada. Está tão intacto como quando o encontrei


— assegurou Jess, com a boca cheia, sentada diante de seu café da
manhã.

— Pois tenho a sensação de que esteve chorando, mas não pode


ser, verdade?

— Eu não fiz nada que o fizesse chorar. Onde estão as contas da


casa, Eleanor? Quero dar uma olhada.

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O Corsário – Jude Deveraux

16
Por volta do meio-dia de trabalho no dia seguinte às bodas, na
casa dos Montgomery todos tinham perfeita consciência de que havia
ali uma nova ama. Jessica encarou à velha e desorganizada mansão
como se fosse um navio e tratou aos servos, gordos e preguiçosos, como
se fosse uma tripulação.

Lavaram chãos, tetos baixos e tudo que havia no meio. Nicholas


recebeu ordens de tirar os tonéis do porão para que ela pudesse fazer
o inventário de provisões e mandar dedetizar.

John Pitman se entrincheirou dentro de seu escritório; Mariana


decidiu visitar os doentes de Warbrooke, Sayer, em troca, pediu para
ser levado ao salão, para observar Jessica em plena ação. Segundo todo
mundo, nunca o tinha visto tão feliz.

Alexander desapareceu logo que terminou o café da manhã, para


o anoitecer ainda não tinha retornado. Nesta ocasião quase todos os
homens de Warbrooke estavam se felicitando de não ter obtido a mão
de Jessica. Em qualquer parte se expressava compaixão pelo pobre
Alexander, que teve que fugir de sua própria casa pouco depois das
bodas.

— Se essa mulher tivesse passado a noite comigo, esta manhã não


teria tantas energias — dizia cada um dos pretendentes rechaçados. E
todos riam entre dentes, orgulhosos.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Sente-se! — ordenou Eleanor a sua irmã. — Já esgotou a todos.


É hora de descansar. Onde está seu marido?

— Que marido? Ah, Alex.

— Alex, sim. Onde está?

— Não tenho idéia. — Ao olhar pela janela, Jess viu John Pitman
que descia a colina para a cidade.

— Aonde vai?

— A uma reunião com o almirante. Voltará mais tarde.

— Isso significa que não estará durante o jantar?

— Jess!

Mas a moça já ia pelo corredor.

— Poderia me levar algo para comer no quarto de Alex? — pediu


por sobre o ombro.

Uma hora depois Alex abriu a porta de seu dormitório, fazendo


com que ela levantasse a vista. Estava sentada na cama, com as pernas
cruzadas, rodeada pelos livros de contabilidade que Pitman guardava
com tanto zelo. A cama estava semeada de farelos, uma porção de torta
de maçã meio comida, um pedaço de queijo, três ameixas e uma caneca
de cerveja suave.

— Olá, Alex. Onde esteve?

Ele tinha ficado imóvel na soleira da porta e a olhava com fixidez.


A moça tinha o cabelo desalinhado e as roupas meio desprendidas,

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

como se houvesse se interrompido no processo de despir-se; havia


farelos em seu queixo. Estava linda... e Alex recordou tristemente que
não devia tocá-la.

— Que demônios está fazendo? — perguntou, vexado.

— Me encarregando de sua casa. Ou não se nota? Quer comer


algo? — Estendeu-lhe algo assim como um pedaço de queijo. — Sente-
se e deixa de pôr cara de mal. Tire a jaqueta e a peruca. Os sapatos
também. Ponha-se cômodo.

— O fato de que você circule por aí mais ou menos despida não


significa que eu deva fazê-lo também — replicou ele, escrupuloso,
enquanto entregava um espelho de mão.

— Bom, como goste — concedeu, voltando para seu livros. —


Outra! Seu cunhado não sabe somar. Quase todas as colunas estão
mal somadas.

Alex se sentou na borda da cama, tão longe dela como foi possível.

— Deixe ver... me deixe dar uma olhada nisso. Alex demorou


apenas uns minutos em adivinhar o que Pitman estava fazendo. —
Jess, quantos pares de sapatos comprou para você desde nosso
compromisso?

— Nenhum, é obvio. Para que quero sapatos novos? Tenho um


par que só foi remendado uma vez.

Alex fez uma careta.

— Amanhã nos encarregaremos disso. Entretanto, segundo estas

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O Corsário – Jude Deveraux

contas você comprou três pares de sapatos de cetim, caros, na semana


passada.

— De cetim? Isso sim que seria esbanjar dinheiro. Com um passo


entre as rochas não serviriam para mais nada.

— Não leu estas colunas?

— Somo melhor do que leio. Olhe isto, Alex. Aqui diz que Eleanor
comprou três pares de sapatos para cada um dos meninos. — Olhou a
seu amigo. — Por que mente assim?

— Porque apresenta estas contas a meu pai, semana a semana, e


meu pai autoriza a seu mordomo a entregar o dinheiro necessário. Os
totais também estão maus?

— Os totais corretos não chegam a estas somas, embora a


diferença não é muita. Ajustam-se depois de algumas páginas. Diria
que seu cunhado está desviando recursos. — Afastou os livros de seu
regaço e se levantou. — Alex, será melhor que coma algo. — Recolheu
os restos da comida e os colocou em uma mesa, diante dele. — Se
quiser irei procurar algo quente.

— Não, obrigado. Jess! O que faz?

— Dispo-me para me deitar.

— Mas não pode fazer isso.

— Prometo não te empurrar enquanto durma. Não rouco, não


rinjo os dentes e nem sequer ocupo muito espaço. Tampouco penso
dançar nua, de modo que não estará obrigado a cumprir com seus

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O Corsário – Jude Deveraux

deveres maritais. Isso sim: esta noite penso dormir aqui, contigo. Não
quero estar sozinha no outro quarto.

— Não pode dormir comigo, Jessica — afirmou Alex.

— Não acredito que tenha forças suficientes para me tirar daqui


nos braços.

— O que tem de mal o outro quarto?

— Eu não gosto da janela.

Jessica empilhou os livros contábeis no chão. No momento em


que começava a tirar o vestido, Alex lhe segurou a mão.

— É pelo Corsário, verdade? Entra pela varanda. E quer ficar


comigo porque não pode resistir a ele.

Jessica grunhiu.

— Fico contigo para poder dormir toda a noite e porque não gosto
de dormir sozinha. E agora se dispa, por favor. Se essa jaqueta segue
brilhando jamais poderei dormir.

Alex se sentou para observá-la enquanto ela tirava o vestido.


Quando a viu desatar os cordões de sua roupa interior, afastou o rosto.

Ela colocou uma mão fria à sua testa.

— Sente-se bem, querido? Está transpirando. Não será um


sintoma dessa febre, não? Vamos, se dispa. Prometo não o olhar.

Para Alex, aquela noite foi longuíssima. Jazia na cama junto de


Jessica, que dormia como uma menina aconchegada a seu lado, sem

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

poder tocá-la. Sentia cada movimento de seus seios contra ele. A


camisola se enroscou para cima e as largas pernas da moça o tocaram.
Tinha ido ao outro quarto para despir-se e colocar a camisa de dormir.
Ao retornar, com a peruca posta, ela já estava adormecida, mas o tinha
procurado com as mãos para estreitado contra si, como a um ursinho
de pelúcia.

Alexander tratava de se explicar o que estava acontecendo. Não


podia revelar à moça que ele era o Corsário, bastava ver o que ela tinha
feito com os livros contábeis, que Pitman considerava território
exclusivamente dele.

Jamais se conformaria em deixar que Alex continuasse com suas


incursões quando fosse necessário, sem entremeter-se nelas. Jessica
não deixaria de colocar seu delicioso narizinho e de participar de tudo
o que o Corsário fizesse. E assim se enredaria em problemas... ou em
algo pior.

Jess apoiou o joelho no membro viril de Alex, fazendo-o reagir


instantaneamente. "Para falar de contos sujos e danças nudistas",
pensou. Amanheceu o dia sem que tivesse podido dormir. Tinha-a em
seus braços, observava-a na escuridão; acariciou-lhe o cabelo e
deslizou a mão ao longo de seu corpo até chegar ao limite de sua
resistência. Começou a pensar nas coisas mais horríveis que tinha visto
em seus anos de marinheiro, tentou o quanto pôde não se deixar tentar
com o delicioso vulto que dormia entre seus braços.

Uma hora antes do amanhecer finalmente adormeceu, exausto


pelas duas noites de vigília.

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O Corsário – Jude Deveraux

Na aurora, seis dos sete meninos Taggert lhe saltaram no


estômago. Como de costume, a metade inferior de Samuel estava muito
molhada.

Jessica ficou fora da linha de fogo, enquanto Alex pronunciava


umas quantas palavras destinadas a disciplinar aos marinheiros.

— Deus! — balbuciou Philip, impressionado.

Sam, rindo, saltou sobre a barriga de Alex.

— Tire-o de cima de mim, Jessica. Molhou-me até a coluna


vertebral. Não pode dominar a estes pirralhos?

Jess já tinha levantado Sam, mas com essas palavras o deixou


cair. Suas fraldas emitiram um ruído de chapinhar, mas Alex não
percebeu: ao inclinar-se, a camisola da moça a tinha deixado à vista
em toda sua longitude.

— Ah, estão aqui — comentou Eleanor, abrindo a porta. E


ordenou: — Fora todo mundo! Dêem-lhes um pouco de intimidade!
Alex, não me diga que dormiu com essa peruca.

— Intimidade! — grunhiu ele. — Nesta casa ninguém sabe o que


significa essa palavra.

Eleanor fechou a porta. Enquanto Alex observava a cena,


boquiaberto de estupefação, Jess tirou a camisola para vestir-se.

— Que má cara tem, querido! Dormiu bem? Fique na cama e te


trarei torradas com leite. Pensando bem, não cheira como é devido.
Poderia te trazer um banho. Lavarei seu cabelo, as costas e os pés. Não

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O Corsário – Jude Deveraux

acredito que possa se lavar bem os pés com essa barriga.

— Sai daqui, Jessica — murmurou ele, com os dentes apertados.

— Sempre desperta de mau humor?

— Fora! — foi tudo quanto ele pôde dizer.

Jessica recolheu os livros amontoados no chão e o deixou em paz.

Ao terminar o segundo dia de casados, a moça já estava disposta


a dar-se por vencida. Estava fazendo o possível por ser boa esposa, tal
como tinha prometido, mas não obtinha a não ser desgostá-lo.

Acima de tudo tinha lhe levado uma bandeja com comida,


cuidadosamente escolhida para que ele não se visse obrigado a
mastigar muito. Ante seu intento de alimentá-lo na boca, ele a tinha
enviado ao meio do quarto com um só empurrão. Disse que não queria
ser tratado como inválido. Jess expressou sua opinião de que era um
inválido, posto que não pudesse caminhar mais de uns metros sem que
ela se visse obrigada a lhe dar apóio. Afirmou que se casou com plena
consciência de que deveria ser enfermeira e estava disposta a levar a
sério. Ele, grunhindo, ordenou que lhe levasse um quilo de carne ou
algo que pudesse mastigar.

Depois disso abandonou a casa. Ao voltar encontrou Jess


esfregando Samuel em uma tina colocada diante do fogo de seu quarto.

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O Corsário – Jude Deveraux

Sam tinha decidido brincar com os leitõezinhos, mas a porca o tinha


perseguido pelo barro e o esterco até que Nick o tirou pela gola da
camisa. Enquanto o russo consolava à chorosa Eleanor, Jess arrojou
vários cântaros de água sobre o garotinho antes de levá-lo ao quarto
conjugal, para lhe dar um banho completo.

Alex, de pé na soleira da porta, olhou-a boquiaberto por um


instante. Logo voltou às costas, dizendo:

— Jessica, não está decente.

Ela lançou um olhar à úmida roupa interior, que se aderia ao


corpo.

— Não queria molhar o vestido. Tem que superar esse


acanhamento, Alex. Depois de tudo estamos casados, recorda? Fica
quieto, Sam, para que o seque. Alex, me diga, faço-o pensar em quando
era um homem?

Ele girou em circulo para enfrentá-la.

— Agora mesmo sou homem. Por Deus, Jess, parece...

Sam se jogou em seus braços e o abraçou com todas suas forças,


apertando-o com seus bracinhos úmidos. Alex, sorrindo, estreitou
aquele corpinho nu e afundou o nariz no pescoço molhado.

— Por uma vez na vida cheira bem, Sam. Quer que te leia?

Sam riu como resposta. Jess se encarregou do menino.

— Dê-me antes que sua fina jaqueta sofra um acidente.

— Jess, se cubra, por favor. Há homens em toda a casa.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Ah, sim, desculpa. Não estou habituada a viver em uma casa


cheia de homens.

Minutos depois estava de volta, agachada sobre a tina para limpá-


la. Alex perguntou:

— Jess, o que faria se tivesse se casado com seu Corsário?

Ela fez uma pausa em sua tarefa.

— Ajudá-lo. Saberia onde estaria em um dado momento e estaria


ali para cobrir suas costas. Cavalgaria a seu lado.

— E se ele se negasse a te dizer aonde deveria ir?

Ela sorriu.

— Oh, me diria. Eu poderia convencê-lo.

— Sim, acredito que poderia. E desse modo, quando disparassem


contra ele também disparariam contra você, verdade?

— Teria que compartilhar o bom e o mau.

— Pois me alegro de que não tenha se casado com o Corsário.

Jessica não respondeu.

Três dias depois das bodas, quase todos os habitantes da cidade


estavam de pé no cais, com os olhos voltados para o almirante e seus

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O Corsário – Jude Deveraux

soldados, que se erguiam de pé na proa de um navio.

Por um completo minuto depois do anúncio, ninguém pôde


pronunciar uma palavra. Todos permaneciam de pé, com a boca aberta,
piscando como se não pudessem acreditar: o almirante acabava de
anunciar que três dos jovens de Warbrooke seriam embarcados para
que servissem a Sua Majestade. Os três eram moços fortes, saudáveis
e bonitos; os três eram inteligentes e com certo ar de independência.
Um deles era Ethan Ledbetter.

— Acha que estão embarcando o Corsário — disse Jessica, em voz


baixa.

Um segundo depois o ar se quebrava com os gritos de Abigail.


Todo mundo se voltou para Ethan, que abraçava sua esposa, rodeando-
a com os braços. Jessica fez gesto de segui-los, mas Alex a reteve,
dizendo:

— Deixe-os sozinhos.

E a afastou dali. Ela lutou para liberar-se, mas Alex a retinha com
força, levando-a para o bosque.

— Alex, quer deixar de fazer o papel de mãe comigo? Quero


acompanhar a Abigail.

— Com que motivo? Tem que se manter fora disto, Jessica. O


almirante acha ter em suas mãos o Corsário ou está obrigando ao
homem em resgatar a estes moços.

Ela se soltou com um movimento brusco.

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O Corsário – Jude Deveraux

— E o Corsário os resgatará. Toda a cidade sabe.

Alex revirou os olhos e apertou os punhos contra as coxas.

— O almirante terá esses três jovens vigiados por vinte soldados,


Jess. Nem sequer seu Corsário pode atacar com tantos fatores contra.

Ela sorriu com ar protetor.

— Os covardes não sabem o que é pensar senão em covardia. O


Corsário está obrigado a salvá-los por sua honra.

— Sua honra? E o que me diz de sangue? Essa coisa vermelha


que se verte quando a pessoa recebe uma ferida.

A moça girou em circulo.

— Não tenho tempo para falar contigo. De qualquer modo não


entenderia.

Ele a segurou pelo braço e a obrigou a olhá-lo.

— Entendo melhor que você. Está cega pelo aspecto romântico do


Corsário e não pode apreciar as consequências. Quanto a minha
covardia, me permita elucidar-te que fui eu quem salvou repetidas
vezes sua pele.

Jessica se inclinou até que seu nariz ficou quase tocando a de


Alex. Embora tivesse mais centímetros que ela, estava tão curvado, que
ambos pareciam ter a mesma estatura.

— O Corsário virá. Tenho certeza. Não pode permitir semelhante


injustiça. Vinte homens, cem, mil, para ele dá no mesmo. Não pensa
em sua própria segurança, porque se antepõe a de outros. É capaz de

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

dançar diante do inimigo porque sabe que tem a justiça do seu lado.
Alex! Sente-se bem? Sente-se, sente-se. Está um pouco pálido.

Alex se sentou em um tronco de árvore, enquanto Jess lhe tocava


a bochecha, preocupada. Atraiu-o para si e apoiou sua cabeça no peito.

— Tanto significa esse homem para você?

— Não só para mim, mas também para toda a cidade. Sem ele não
temos esperança. Talvez algum dia todos nós tenhamos a coragem de
enfrentar aos ingleses, mas hoje somos só uns poucos escolhidos.

Jess o sustentava contra seu peito, lhe acariciando as costas


como a um menino.

— Nós? — repetiu Alex. — Eu acreditava que só seu Corsário


desafiava as balas inglesas para defender a América.

— Alex, não comece outra vez com seus ciúmes.

— Ciúmes? Minha esposa se desfaz em elogios sobre outro


homem, idealiza-o, pinta-o como superior aos deuses do Olimpo e,
depois me diz que tenho ciúmes.

— Está-me fazendo mal.

— Me alegro! — Exclamou ele, sem lhe soltar os braços. — Isto


não é nada com o que sentirá se continuar com seus "nós" e te envolver
na libertação desses homens.

— Eu não disse que... Ai! Solte-me, Alex.

— Que Deus me perdoe, mas se cometer alguma estupidez te farei


pôr um colar para te acorrentar.

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O Corsário – Jude Deveraux

Ela ia dizer que pensava agir como lhe desse vontade, mas a
expressão de seus olhos a impediu.

— Às vezes se parece muito com Adam.

Imediatamente Alex encurvou outra vez os ombros e a estreitou


contra si para ocultar o fulgor de seus olhos.

— Jure-me Jessica. Jure-me que não participará disto.

— Não posso, Alex, porque... — interrompeu-se. Ele estava


apertando-a tanto que não lhe permitia respirar.

— Não suportaria que te acontecesse algo mau, Jessica.

Ela, completamente surpreendida, levantou o rosto para olhá-lo.

— Por que pediu que me casasse contigo, Alex?

— Porque te amo — respondeu ele, simplesmente.

— Oh!

Deixou que ele voltasse a apoiar a cabeça no seu seio. Dois


homens a amavam; um deles era um demônio viril e belo, que se negara
a desposá-la. Agora Alex dizia amá-la. E Alex era o oposto do Corsário:
ali onde o Corsário usava a coragem, Alex empregava o cérebro.

— Não farei nenhuma tolice — prometeu com suavidade. — Não


sairei danificada. O Corsário...

— Maldição! — protestou ele, fulminando-a novamente com o


olhar. — Ele não poderá te ajudar. Morrerá com os disparos dos
soldados que estão guardando aos recrutados. E quem salvará a sua

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

preciosa cidade se o Corsário ficar cheio de buracos?

Ela se afastou um passo.

— Seu amor por mim não justifica esta desagradável exibição de


ciúmes. Eu, pelo menos, posso pensar em algo maior que uma só vida.
América precisa... me solte.

Alex já a levava a puxões pela rua.

— Não se separará de minha vista até que seu precioso Ethan


tenha saído da cidade.

— Ethan! Também está com ciúmes dele? Ainda? Depois do que


fez a esse pobre homem? Acredito que tem uma estranha idéia do que
é o amor, Alex.

— E você não tem idéia alguma do que é a morte. Vou salvar-te,


por muito que se esforce em me abrandar. Agora me acompanhe. Já
procuraremos algo para te manter ocupada.

— Está-me escutando, Jessica? — Perguntou Abigail Wentworth,


com voz colérica.

Tinha os olhos afundados e desfigurados pela preocupação.

Jess se ergueu na cadeira. Tinham se passado dois dias desde que


o almirante anunciou o recrutamento. Nesse tempo ela tinha passado

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

vinte horas diárias trabalhando. Alex tinha adoecido subitamente, com


gravidade, obrigando-a a atendê-lo, além de dirigir a desorganizada
casa dos Montgomery. Além disso, seu marido a tinha encarregado
revistar as contas domésticas correspondentes aos anos que ele
passara no mar. A pobre moça corria em busca de um livro, dava a
uma criada instruções de esfregar o chão, subia no teto porque Alex
acreditava ver uma goteira e tentava somar colunas de cinqüenta cifras
enquanto ele falava.

O convite para tomar chá com a senhora Wentworth provocou


uma disputa. Alex recuperou imediatamente a saúde, e de um modo
tão vigoroso que Eleanor foi advertí-los, que os gritos de ambos estavam
atraindo uma multidão.

Quando ela ameaçou fugir no meio da noite, Alex acessou permitir


que visitasse a senhora Wentworth. Apesar de tudo, se tratava de uma
dama muito respeitável, não? E em que problemas podia meter-se Jess
por ir tomar chá em sua casa?

— Ali está outra vez — anunciou Abigail, olhando pela janela.

Jess jogou uma olhada e viu passar Alex... pela quarta vez em
meia hora. Levantou a taça de chá e o saudou com a mão.

— Como suporta isso? — Exclamou a jovem, em tom


melodramático. — Como faz para suportar esse homem presumido e
preguiçoso, tão...?

—Não coloque o Alex nisto! — Gritou-lhe Jess. — Já sei que não


é um Apolo, mas sim, é um bom homem. E agora só está preocupado
com minha segurança. Ethan pode ter muitos músculos, mas Alex tem

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

mais inteligência no dedo mindinho que...

— Vamos continuar perdendo tempo em comparar maridos? —


Perguntou-lhe a senhora Wentworth. — Temos muito que fazer e terá
que se apressar. Eu gosto de sua idéia das ciganas, Jess.

— As mulheres sempre podem distrair aos homens, sobre tudo se


se trata de soldados que estão muito longe do lar.

— O Corsário os resgatará — assegurou Abigail.

— Só fazendo-se matar — aduziu Jessica. — Ethan e os outros


estarão muito vigiados; os ingleses esperam o Corsário. Vocês terão que
distrair aos soldados enquanto eu liberto os homens.

— Oh, posso distrai-los perfeitamente. Mamãe me fez um disfarce


delicioso. Quando Ethan o veja...

Jessica não tolerava uma só referência a mais da virilidade do


ferreiro. Estava muito tempo sem estar a sós com o Corsário. Deixou a
taça no pires, com um tinido.

— Esperemos que os soldados se interessem.

Não pôde deixar de jogar um olhar à cintura de Abby, que já estava


engordando. Em tão pouco tempo de casada, já com uma gravidez...
Jess se negou a pensar que provavelmente não teria filhos, jamais; pelo
menos, não filhos de Alex. Não! Não queria pensar no modo com que
ele a expulsava de seu leito, dizendo que não podia dormir junto a ela
e que preferia tê-la tão longe quanto fosse possível. A idéia que Alex
tinha do amor era muito diferente da sua.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Será melhor que me vá — disse, ficando de pé. — Em dois


minutos Alex virá me buscar. Terão tudo costurado para amanhã de
noite?

A senhora Wentworth apoiou uma mão no seu braço.

— Tinha certeza de poder contar contigo, Jessica. O resto da


cidade parece disposta a sentar-se e esperar que o Corsário os resgate,
mas eu me sentia obrigada a fazer algo.

— Eu também supunha que odiasse o almirante tanto como nós,


porque te obrigou a se casar com Alexander. — Adicionou Abigail.

Jessica apertou os dentes para não responder algo desagradável.

— Odeia Alex porque te obrigou a se casar com Ethan, de certo


modo?

O rosto de Abigail tomou uma expressão apaixonada.

— Pelo contrário, acredito que lhe devo um favor.

— Poderá sair de sua casa? — Perguntou a senhora Wentworth a


Jess.

— Isso será o mais difícil. Talvez tenha que pedir ajuda ao pai de
Alex.

— A Sayer? Não fará nada nas costas de seu próprio filho,


suponho.

Jessica franziu o cenho.

— O senhor Montgomery está muito... desiludido com seu filho

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O Corsário – Jude Deveraux

mais novo e se interessa muito com o que nos estão fazendo os ingleses.

A senhora Wentworth assentiu.

— Agora vai, que já vem Alexander outra vez. Olhe, querida, em


um matrimônio há muito mais do que ocorre de noite. Alex parece
preocupar-se muito por seu bem-estar.

Jess olhou pela janela. Alex, carrancudo, estava subindo os


degraus do alpendre.

— Sim, em efeito. Espero-lhes amanhã às dez da noite. Tenham


tudo preparado.

Abriu a porta da casa no momento exato em que Alex tomava a


aldrava.

— Do que falavam tanto? — inquiriu.

— Boa tarde, Jessica — zombou ela. — Se divertiu? A torta estava


gostosa? —Cravou-lhe o olhar. — Estávamos planejando derrotar o
governo inglês por nossa própria conta e nos instalar no poder. Do que
acha que se pode falar com a senhora Wentworth? Mostrou-me
algumas sedas que tinha comprado, queixou-se dos servos e ponderou
ao almirante, dizendo que é um hóspede muito agradável.

A Jessica surpreendeu poder mentir com tanta facilidade,


provavelmente porque o fazia por uma boa causa.

Alex a olhou de soslaio, como se não soubesse se acreditava ou


não. Depois enlaçou seu braço com o dela.

— Venha, vamos para casa. Há muito que fazer.

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O Corsário – Jude Deveraux

Jessica grunhiu.

— Alex, não poderíamos dar um passeio? Até a enseada Farrier,


por exemplo.

Ele estudou seu cabelo, o rosto e os dedos apoiados em seu braço.


Pensou na pequena e discreta enseada.

— Não sobreviveria a semelhante experiência — assegurou,


iniciando a volta para a casa.

Jessica o acompanhou, perguntando-se até que ponto estaria mal


de saúde. Estava cobrando muito carinho desse homem. Na verdade,
às vezes lhe parecia realmente atrativo.

Alex tirou a pesada jaqueta de cetim e a pendurou de um cabide,


na parede do quarto. Depois de lançar uma olhada no seu relógio,
guardou-o na arca, junto à janela. Tinham passado três minutos da
meia-noite. Seu pai o tinha feito jogar xadrez até essa hora, apesar de
suas repetidas indiretas sugerindo que desejava deitar-se. Os últimos
dias, tinha passado seguindo Jessica, isso o tinham deixado exausto.
Estava constantemente alerta, seguro de que ela estava por fazer
alguma grande tolice, e não tinha podido escapar para a Ilha Fantasma
para exercitar-se um pouco. Além disso, a proximidade de Jessica
estava arruinando sua saúde, excitava-o com seu modo de inclinar-se
e de mover-se, sem dar-se conta disso. Tinha tido que expulsá-la de

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O Corsário – Jude Deveraux

sua cama para poder dormir um pouco.

Em contas resumidas: não sabia por quanto tempo mais poderia


suportar essa tortura. Mas cada vez que decidia lhe revelar sua secreta
identidade de Corsário ocorria algo, como o forçado recrutamento de
Ethan. Então via nos olhos do Jess essa luz de façanha, essa luz
cruzada, e compreendia que não poderia deixá-la entrever quanto
poder tinha sobre o Corsário. Do contrário jamais poderia lhe negar
nada. Adoecia-o imaginá-la cruzando o campo a cavalo, vestida de
negro, com os cabelos soltos ao vento. Os ingleses a prenderiam em
poucos minutos.

Por vários dias, depois do anúncio do recrutamento, não a tinha


deixado afastar-se de si, salvo para consolar à senhora Wentworth e
Abigail. Nem sequer isso teria querido lhe permitir, mas ela tinha
pedido com muita gentileza, inclinando-se até perder a xale, e ele havia
consentido sem saber o que ela dizia na verdade.

Fez uma careta ao recordar o quanto estava segura de convencer


o Corsário de algo. Não gostava de pensar no que Jess trataria de fazer
se se inteirasse de que seu marido era o Corsário. Tirou o colete e
começou a desabotoar a camisa, mas de repente achou melhor dar uma
olhada em Jessica. Ao responder ao chamado de seu pai a tinha
deixado adormecida. Mas essa manhã, Jess havia passado duas horas
encerrada com Sayer e em duas oportunidades ouviu o ancião levantar
a voz em um protesto. Ao abandonar o quarto do inválido, Jessica tinha
uma expressão submissa, mas também um brilho de triunfo nos olhos.
Mais tarde Sayer mandou procurar seu filho para que jogasse xadrez
com ele. Alex se irritou, certo de que a moça tinha esbanjado duas

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O Corsário – Jude Deveraux

horas em convencer seu pai de que passasse mais tempo com seu
próprio filho.

Ele teria preferido rechaçar o convite, mas colocou a maior das


perucas, uma jaqueta de cetim rosado e um anel de esmeralda no dedo
mindinho. Até pegou um falso sinal em forma de coração no dormitório
de sua irmã para usar no queixo, exato à esquerda da boca. Mariana,
ao vê-lo, esteve a ponto de romper a chorar.

Nas quatro horas passadas no quarto de seu pai, Alex não falou
muito. Limitou-se a ganhar partida após partida, se Sayer duvidava de
sua virilidade, agora pelo menos não duvidaria de sua inteligência.

Pôs a mão no trinco da porta que comunicava seu quarto com o


de Jessica e descobriu que estava fechada com chave. Imediatamente
compreendeu que algo estava mau. Um minuto depois saía pela janela
de seu quarto, a da Jessica estava totalmente aberta. O quarto estava
deserto.

Por um momento amaldiçoou seu pai por haver colaborado


involuntariamente na fuga de Jess; amaldiçoou o Corsário; amaldiçoou
Nick, por havê-lo levado de retorno a América; amaldiçoou Jessica;
amaldiçoou-se a si mesmo e aos importadores de pano negro. Antes de
terminar com as maldições já tinha começado a correr. Tinha que
remar até a ilha, se vestir lá, com seu disfarce de Corsário, para salvar
Jessica.

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O Corsário – Jude Deveraux

17
— Tire daqui essa relíquia! — Chiou o jovem soldado. Atrás dele,
cinco ou seis homens começaram a despertar.

A velha, enrugada de rosto, fedorenta a peixe nada fresco e nada


de esplendor de suas roupas, desceu da carreta, levando a mão às
costas para acalmar a dor.

— Não negará um pouco de calor a uma velha, verdade?

— Não pode ficar aqui. Obedecemos ordens de Sua Majestade, o


rei.

A anciã afastou o cano do fuzil que lhe apontava e caminhou para


o fogo, estirando as mãos para seu calor.

O jovem abriu a boca para protestar, mas nesse momento


apareceu da carreta uma criança celestial: uma beleza generosa, cujos
seios apareciam caídos por uma blusa folgada.

— Meu Deus! — Disse a jovem, estreitando os braços contra o


corpo, fazendo com que seus seios subissem um pouco mais.

De repente todos os homens do acampamento estavam


acordados, quase todos eles, de pé.

A jovem tratou de descer da carreta, mas sua saia se enganchou


em algo. Para libertar-se teve que subir a bainha acima dos joelhos.
Quando teve condições de descer, todos os soldados estavam de pé

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O Corsário – Jude Deveraux

diante dela, com os braços estendidos para ajudá-la, descontando os


dois que montavam guarda.

— Que amáveis são — exclamou a jovem, com pudor. — Mas me


pareceu ter ouvido dizer que minha mãe e eu devemos continuar
viagem.

Os homens, com um agudo gemido de protesto, olharam ao jovem


capitão que os comandava. Mas os olhos do oficial brilhavam tanto
como os de seus homens.

— Temos pouco fogo e comida simples, — disse, adiantando-se —


mas são seus.

Abigail deixou-se ajudar pelo jovem oficial, seus seios roçaram seu
rosto quando deslizou o corpo para baixo, até tocar o chão.

Jessica, entre as sombras, observava a pequena cena, que se


desenvolvia ao resplendor da fogueira. Por um momento, a atuação da
moça a fascinou tanto como aos homens. Pelo visto, Abigail desfrutava
sinceramente de seu papel.

Ante o olhar de Jessica, Abby se inclinou várias vezes para frente


aproveitando a menor desculpa. Cada vez que a blusa folgada se abria
pelo decote, os homens ficavam petrificados, sem poder mover um
músculo. Até então, Jess não tinha suspeitado que uma mulher tivesse
tanto poder sobre os homens.

Dissimulada entre as sombras pelas roupas escuras que tinha


feito à senhora Wentworth, esperou até ouvir os primeiros compassos
de música. A mãe de Abigail tinha carregado vários instrumentos

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O Corsário – Jude Deveraux

musicais na velha carreta, pois seu plano consistia em distrair aos


soldados tanto como fosse possível, para que Jessica pudesse liberar
os prisioneiros.

— Eu vou matá-la — disse a voz de um homem, à esquerda de


Jess.

Era a voz de Ethan, que observava as primeiras ondulações de


sua esposa, no começo da dança.

— Silêncio! — ordenou-lhe um guarda.

Jess rezou para que Ethan não arruinasse os planos. Ainda era
muito cedo para agir, pois a dança de Abby não concentrava ainda toda
a atenção. De qualquer modo, ela deslizou pela escuridão, atrás dos
três homens amarrados junto ao grande carvalho. Chegou sem
problemas até a árvore e, por sorte, o primeiro homem cujas cordas
tocou teve o bom tino de não afastar a vista da lasciva dança de Abigail.
Quando se viu livre, seu único sinal foi uma breve inclinação de cabeça.
O segundo resultou igualmente fácil de desatar.

Mas Ethan era outra coisa. As atitudes de sua mulher estavam


fazendo com que ele desse solavancos fortes para se libertar, fazendo
que os nós das cordas se apertaram muito. Jessica retirou uma adaga
de sua bota e começou a cortá-los.

Algo, - talvez um movimento do moço, talvez seus próprios gestos


precipitados - chamou a atenção do guarda, que girou a cabeça e viu o
brilho da lua na folha da faca. Os dois homens que já estavam livres
atuaram com celeridade, um deles golpeou ao soldado na cabeça com
os punhos juntos, o outro o segurou antes que chegasse ao chão.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Tinha certeza de que você viria — sussurrou um deles.

A música e os aplausos dos soldados eram cada vez mais


ruidosos. Jessica continuava à sombra da árvore, cortando as cordas
de Ethan. Pelo visto, esses homens a confundiam com o Corsário.

— Vão — disse, dando a sua voz o tom mais grave que pôde.

Os homens escaparam imediatamente para a escuridão.

— Jessica Taggert! — Sussurrou Ethan, por sobre o ombro. —


Devia adivinhar que era você. É a instigadora de tudo isto, verdade?

Ela se deteve, surpreendida.

— Segue cortando! — Protestou ele. — Bem sei distinguir uma


mulher de um homem.

E voltou o olhar para Abigail, que saltava por sobre dois paus em
chamas, sustentados por dois soldados.

— Vou matá-la — repetiu.

— Está fazendo por você — sussurrou Jess. — Preparado!

Assim que ficou livre, Ethan deslizou pelas sombras. Jess


permaneceu onde estava, pronta para impedir que o moço cometesse
alguma tolice. Como estava atenta à atuação de Abigail, não viu que o
soldado deitado no chão começava a se recuperar. O homem caiu sobre
ela, imobilizando-a contra o chão. Jess conseguiu se esquivar da adaga
que ele brandia, mas não antes que lhe roçasse no lado. No momento
em que ela rolava para afastar-se, a mão do soldado tocou seu peito.

— Uma mulher! — Exclamou.

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O Corsário – Jude Deveraux

Um momento depois tinha suas pernas entre as dela e a buscava


com sua boca úmida e quente.

Jessica lutou, mas o homem era muito forte e lhe imobilizou as


mãos enquanto desabotoava as calças.

De repente, subitamente, ficou imóvel.

A moça ainda lutava quando sentiu que o homem se afastava dela,


como que empurrado. Piscou na escuridão. Ali estava o Corsário, de pé
diante dela, com a espada desembainhada.

Sem dizer uma palavra, ofereceu-lhe a mão e a ajudou a levantar-


se. Os olhos tinham um brilho duro atrás da máscara.

— Eu... Quisemos... — balbuciou ela.

O mascarado a levantou pela mão e a levou a puxões para seu


cavalo. Jess tocou seu lado e apalpou sangue, mas não quis se queixar.

Ele a subiu nos arreios, meio a empurrões. Logo, montou atrás


dela e partiu a galope.

O vento fresco no rosto começou a reanimá-la. Aquele era uma


cavalgada à luz da lua, com o homem a quem amava, encerrada em
seus braços. Foi um momento de entusiasmo... mas também de
estranha inquietação. Algo a preocupava, sem que ela pudesse
determinar com segurança. A aventura só teria todo êxito... assim que
Abby e a senhora Wentworth conseguissem chegar a sua casa. Mesmo
assim, algo estava mau.

De repente girou na sela, afogando uma exclamação de dor diante

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O Corsário – Jude Deveraux

da pontada em seu lado.

— Detenha-se! — exigiu. — Tem que se deter.

O Corsário a olhou à luz mortiça da lua e reprimiu o animal. Um


momento depois seus lábios buscavam seu rosto e seus olhos.

— Não, por favor — sussurrou ela, sem deixar de arquear o


pescoço para facilitar seus beijos. — Aonde me leva?

— Para casa. Para nossa casa. À Enseada Farrier, onde


poderemos fazer amor toda à noite. E depois ajustaremos conta pela
loucura que tem...

— Não, por favor, não quero discutir contigo.

— Discutir não entra em meus planos, meu amor.

—Deve me levar para casa.

— A levo para casa.

— Refiro-me à casa de Alexander.

O Corsário sentiu que uma folha de aço lhe atravessava a coluna.


Sua voz teve a mesma rigidez que seu corpo.

— Alexander? Quer voltar para a companhia desse porco covarde,


queixoso e cheio de rendas, quando acabo de te salvar a vida?

Jessica se sentia rasgada pela metade. Queria acompanhar o


Corsário, até sabendo que ele trataria de seduzi-la, - e bem sabia Deus
que ela desejava deixar-se seduzir - mas ao mesmo tempo precisava de
Alex.

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O Corsário – Jude Deveraux

—Não está bem de saúde. Se descobrir que não estou em casa se


afligirá.

Os olhos do Corsário se cravaram nos dela.

— Está apaixonada por esse homem, Jess?

— Do Alexander? Não, não acredito. É que ele se preocupa e não


tem o coração muito forte. Por favor, me leve para casa.

Sentia que o sangue lhe gotejava pelo lado. Talvez fosse a ferida
que a fizesse cometer essas coisas estranhas. Nesses momentos, o
último que desejava era debater-se entre os braços do Corsário. O que
precisava era que Alexander cuidasse dela.

O mascarado desmontou e a deixou no chão.

— Acredito que conhece o caminho — disse, muito frio. — Oxalá


ninguém te descubra com esse disfarce.

Assim dizendo, girou com seu cavalo e a abandonou ali.

Jess aspirou fundo para conter a dor da ferida. Assustava-se com


a perspectiva de caminhar três quilômetros até a casa dos Montgomery.
Cada movimento voltava a abrir-se mais a ferida, que sangrava
lentamente.

O Corsário a tinha deixado diante de um velho atalho índio que a


levaria até a parte traseira da mansão. Caminhou a tropeções. Deteve-
se para descansar contra uma árvore e andou um trecho mais.

Quando viu a casa dos Montgomery e sua janela aberta, os olhos


se encheram de lágrimas. Teve dificuldade para entrar. Estava

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O Corsário – Jude Deveraux

escarranchada sobre o marco da janela quando viu Alex sentado no


quarto, com os olhos chamejantes de cólera.

— Não voltará a sair deste quarto — começou. — Que Deus me


perdoe, mas vou te acorrentar, matar-te-ei de fome, lhe...

— Me ajude Alex, que estou ferida — foi tudo quanto ela pôde
dizer.

E caiu no interior do quarto.

Ele a segurou antes que chegasse ao chão e a levou para a cama.

— Alex — sussurrou ela.

Alexander, sem responder, começou a despi-la rasgando a roupa.

— Como o Corsário... — murmurou ela, sorridente. Por fim se


sentia a salvo.

Ele a deixou nua da cintura para cima, e foi a seu quarto em busca
de um abajur, faixas limpas e uma vasilha com água. Tirou a jaqueta.
Com muita suavidade, começou a limpar sua ferida.

— Está zangado comigo, Alex? — perguntou ela, com uma careta


de dor.

Colocou-a de lado para limpar o sangue das costas e do quadril.

— Tínhamos que fazê-lo, compreende? Não podíamos permitir que


levassem esses homens. O almirante teria começado levar a todos.
Provavelmente o próximo teria sido Nathaniel.

Alex continuava limpando, sem responder.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Compreende, verdade? Tudo saiu como tínhamos planejado.


Não tivemos o menor problema. — Um ruído, lá fora, fê-la calar. — O
que foi isso?

— Um disparo — respondeu ele, seco.

Depois a pôs de costas. Apesar de sua óbvia zanga agia com muita
suavidade. Por fim a ajudou a levantar-se e começou a enfaixar suas
costelas.

— Pelo menos poderia admirar nosso plano, Alex. A senhora


Wentworth colocou... — interrompeu-se, pois Alex havia lhe dado às
costas para procurar uma camisola limpa em sua arca. — Alex, pelo
menos diga algo. Quando entrei parecia ter muito que comentar.

Ele passou sua camisola pela cabeça, deitou-a na cama e


começou a despir a metade inferior do seu corpo.

— Não me parece muito amável que não me dirija à palavra. O


Corsário apareceu quando já terminávamos a operação e quis que me
fosse com ele, mas eu preferi voltar para casa, contigo.

Ele lhe cravou um olhar que Jessica não compreendeu. Logo a


cobriu com a manta, recolheu o abajur e a vasilha com água
sanguinolenta e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

Jessica permaneceu um momento na escuridão, muito atônita


para pensar com claridade. Seu primeiro pensamento foi: "O que
importa que Alex esteja zangado comigo?" Graças a ela, toda a cidade
estaria melhor.

Voltou a repassar o plano, felicitando-se por seus resultados. Mas

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

então recordou como tinha mentido o Alex sobre sua conversa com
Abby e sua mãe.

Pensou nos três homens capturados pela tirania dos ingleses e


agora livres outra vez. Pensou em Alex, dizendo que a amava e que se
preocupava com ela.

Pensou no Corsário, que a tinha salvado. Mas tinha sido


Alexander quem atendeu sua ferida, tal como ela esperava. Havia
homens cheios de paixão e entusiasmo, mas também outros que
cuidavam de uma pessoa quando se sentia mal.

Aproximou-se da porta intermédia, segurando a ferida para que


não voltasse a sangrar, e abriu com mão trêmula.

Alex estava sentado diante da janela, com as mangas recolhidas


até os cotovelos, fumava um longo charuto, olhando fixamente para
frente, e não se voltou com a entrada de Jess. Nem sequer a olhou
quando ela se interpôs entre ele e a janela.

— Sinto-o de verdade, Alex — disse, brandamente. — Mas estava


convencida de que era necessário fazer isto. Compreende este tipo de
coisas? Às vezes uma pessoa não pode pensar a não ser no que é
preciso fazer. Não queria sair ferida, nem te desobedecer e te causar
preocupações. Seu pai tratou de me dissuadir, mas eu tinha que fazê-
lo. Compreende?

Estava-lhe rogando que entendesse. Ele era como Eleanor, que se


ofendia quando sua irmã não agia como ela queria.

— Por favor — sussurrou.

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O Corsário – Jude Deveraux

Quando Alex levantou a vista, por fim, Jessica viu nos seus olhos
a dor que lhe tinha causado. Esse homem tinha sentimentos tão
delicados como sua saúde.

— Alex — rogou, estendendo as mãos.

O jovem, com um olhar de resignação, que Jess reconheceu como


perdão, abriu seus braços para ela. Jessica se instalou em seu regaço
como uma garotinha. Em algum momento de seu relacionamento Alex
se converteu em seu amigo. Não era seu amante, tampouco seu marido,
mas sim seu amigo. Apesar de todos seus gritos e seus alvoroços,
cuidava dela.

— Foi horrível, Alex. Tive tanto medo... As mãos me tremiam tanto


que mal pude cortar as cordas de Ethan. Soube de algo? O que se sabe
de Abigail e da senhora Wentworth? Se tivesse visto dançar Abby!

Alex a estreitou tanto quanto pôde sem lhe abrir a ferida.

— Eleanor foi para casa dos Wentworth. Quando o almirante


golpeou a porta do dormitório da senhora, Eleanor respondeu por ela.

— Eleanor? — exclamou Jess. — Mas se não lhe disse o que


pensava fazer! Não me atrevi, porque é mais autoritária que você.

— É inteligente e sensata, coisa que não posso dizer de você.

— Vim para casa, voltei para você, certo? Sabia que o Corsário
não podia me ajudar e vim para você.

— Para que te remendasse — objetou Alex, brandamente.

— Oh, por favor, não se ofenda. O Corsário queria que o

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acompanhasse, mas me recusei.

— Recusou-se porque ele não tem ataduras disponíveis para


quando comete estupidezes. Tem idéia de como reagiu o almirante?

— Não — vacilou ela.

— Como um dos soldados foi assassinado, suponho que por seu


Corsário, ele está decidido a descobrir o assassino. Disse que o morto
tinha uma adaga ensangüentada na mão. Está convencido de que o
sangue é do Corsário, enquanto que eu, equivocadamente, atribuía o
sangue a Ethan. Para descobrir o assassino está levando a todos os
moços da cidade à prefeitura para obrigá-los a despir-se. E quando
descobrir a qualquer um que tenha uma ferida recente, matá-lo-á.

— E as mulheres? — Perguntou Jess.

— Todos os soldados ingleses juram poder identificar às ciganas.

— Se descobrirem a Abigail e à senhora Wentworth...

— Deveria ter pensado nisso antes de coloca-las nestes apuros.


Bem, eu adoro te ter abraçada, mas quero que durma.

— Aonde irá?

— Ver em que posso ser útil.

Jessica se levantou de seu regaço.

— Deveria descansar, Alex. Sua saúde...

Ele não lhe permitiu terminar. Inclinado para frente, nariz contra
nariz, criticou-lhe entre dentes apertados:

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O Corsário – Jude Deveraux

— E agora se preocupa por minha saúde? Convence a meu próprio


pai para que conspire contra mim, faz-me passar a angustia de Caim
te esperando aqui sentado; vem para casa com uma ferida que sangra
e agora se preocupa pelo que posso passar com minha saúde. O
exército inglês não é nada comparado com o que me faz sofrer, Jessica
Taggert.

— Jessica Montgomery — corrigiu ela, brandamente. — Recorda


que me casei contigo.

Alex se afastou dela.

— Casei-me contigo, mas não te toquei. Agora quero que me


escute. Vai se deitar na cama e dormir um pouco. Direi aos servos da
casa que está doente e encarregarei Eleanor que te atenda.

— Espera, Alex. O almirante não vai querer falar comigo? Sem


dúvida pensa que quem libertou os recrutas foi um homem, mas talvez
suponha que eu era a bailarina.

Alex olhou significativamente o corpete de sua camisola.

— Há coisas que nenhuma mulher pode fingir. Não te interrogará.

Assim dizendo, abandonou o quarto.

Jess baixou a vista para seu seio e notou que, comparado com os
de Abigail, era quase plano. Deitou-se na cama de Alex, com o cenho
franzido. O que importava o que Alex pensasse de seu físico? De
qualquer modo ele não podia fazer nada.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

18
— Jessie...

Jessica se negava a escutar aqueles chamados. Tinha certeza de


que só era produto de sua imaginação. E tinha certeza, porque
ninguém lhe dirigia a palavra desde a aventura de dois dias atrás. Alex
estava tão furioso que a olhava com as sobrancelhas negras reunidas
em uma grossa dobra. Eleanor lhe dava intermináveis sermões.
Nathaniel subia no seu regaço e lhe rogava que não se deixasse matar.
Jess não conseguia averiguar como soube o menino de sua escapada.

Portanto, uma vez mais Eleanor a tinha enviado para cumprir com
tarefas de menino... e a meditar sobre o que tinha feito a sua família.
Por outra parte, Eleanor preferia que Jess não se inteirasse do quanto
estavam zangados os habitantes de Warbrooke. O almirante estava
desafogando sua cólera contra os armadores. Já tinha confiscado duas
cargas.

Nesse dia Jessica tirou uns poucos minutos para visitar a senhora
Wentworth. O almirante se negava a permitir que interrogassem a
Abigail.

— Abby o convenceu de que se alegrava de ter perdido Ethan.


Tem-lhe feito acreditar que se casou com ele por obrigação e que, em
realidade, prefere aos homens mais velhos — explicou à senhora
Wentworth. — Esse velho grotesco acredita em tudo o que ela diz.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Enquanto Ethan permaneça oculto nos bosques, Abby poderá manter


a comédia.

— Pelo menos assim salva a pele dele. Como está o senhor


Wentworth?

A senhora empalideceu.

— Em casa ocorre o mesmo da tua. Oh, não... Aí vem Alex.

As duas mulheres se separaram apressadamente.

Jessica tinha ido à Enseada Farrier quase correndo, aconselhada


por Eleanor, que era de opinião que um dia de pesca lhe limparia a
mente e a impediria de meter-se em problemas.

— Jessie...

Girou sobre seus calcanhares. O Corsário estava de pé entre as


sombras, perto da ravina do escarpado. Ela o ameaçou com a pá de
extrair moluscos como se empunhasse uma espada.

— Não se aproxime de mim. Tudo isto é tua culpa. Se não tivesse


vindo a Warbrooke nada disto teria acontecido.

— Ah, não? — Estranhou o mascarado, apoiando-se contra a


parede da ravina. — Não acha que a esta altura John Pitman teria
fugido com todo o capital da cidade?

— Aleluia! Substituiu Pitman pelo almirante Westmoreland. É


como substituir a um menino travesso pelo demônio.

— Não pode me jogar toda a culpa, Jessie. Se você não tivesse


intervindo, os ingleses teriam me enforcado faz várias semanas. E eu

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

não tive nada que ver com o resgate de Ethan. Não era minha intenção
salvar a esses homens.

— É o que Alex supôs — reconheceu ela, com certa amargura. —


Disse que você não interviria.

— Agora sou covarde, não? — Sugeriu o Corsário, com um sorriso


fino nos lábios.

Ela voltou sua atenção à praia, em procura de respiradouros de


moluscos.

— Nunca disse que fosse covarde, mas era preciso resgatar ao


Ethan com os outros.

— Acha? Porque Abigail não poderia passar alguns meses sem seu
viril companheiro? Ethan não podia suportar uma temporada na
marinha?

— Tínhamos que demonstrar ao almirante que não pode


aproveitar-se de nós, que não somos filhos dos ingleses, a não ser...

— É que você não está usando o cérebro. Agora o almirante está


furioso e disposto a castigar Warbrooke como seja possível.

— Cérebro! O que sabe você de cérebros? Alex disse...

— Maldito seja esse teu marido. — O Corsário se aproximou


alguns passos e a estreitou entre seus braços. Depois a beijou até que
a ela relaxou o corpo. — Sente-se assim com Alex? Faz-te gritar de
paixão?

— Me deixe em paz, por favor — replicou ela, afastando a rosto.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Não me torture mais.

— Não te torturo mais do que você o faz comigo — assegurou ele,


apaixonadamente. — Persegue-me a cada momento, enche toda mi...

Ela o afastou de um tranco.

— Mas deixou que me casasse com outro — criticou.

— Mas não com um homem de verdade, a não ser com...

— Não coloque ao Alex nisto.

Os olhos do Corsário, cintilantes depois da máscara, delataram


surpresa.

— Quis que te levasse para sua casa. Estou te perdendo para um


arco íris: colorido e nada de substância.

— Alexander tem muito mais substância da que imagina.


Recebeu-nos em sua casa, a mim e aos meninos. Nunca perde
paciência com eles: lê para eles, canta-lhes, enfaixa-lhes os
machucados. E também a mim. Quando arrisco a vida, zanga-se
comigo. E me...

— Faz-te amor?

— Não, por Deus! — Exclamou ela, sem pensar. — Alex é meu


amigo.

O Corsário tomou-a pelos braços lhe acariciando a pele com os


dedos.

— Mas se diria que você sim, quer fazer amor com ele.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Me solte, por favor — rogou ela, insegura de poder continuar


resistindo. — Sou uma mulher casada.

— Sim. — Os lábios do homem estavam a um suspiro dos seus.


— Mas está casada com um homem que não pode te dar isto. Deixa
que te faça amor, Jessica. Deixa que te faça se sentir mulher. Se
esqueça dessa cacatua com quem casou.

Ela tratou de afastar-se.

— Está com ciúmes dele.

— É obvio. Ele a tem o dia inteiro. Eu, só por alguns minutos de


vez em quando. Como são seus beijos, comparados com meus?

— Alexander não me beija — murmurou ela. — Só você o faz.

Ele se afastou, com os olhos dilatados pelo assombro.

— Não te beija? Mas você queria que o fizesse, verdade? Quer ir


para a cama com ele, certo?

Jess arrumou o vestido.

— Está perdendo a cabeça. Alexander e eu somos amigos. Seria


como fazer amor com Eleanor. Uma mulher me daria tanto prazer como
Alexander — murmurou ela. — Por favor, vai e me deixe em paz. Não
quero voltar a ver-te.

O Corsário ficou imóvel, com as mãos nas costas e a boca


entreaberta, como se tivesse ouvido algo horrível.

Jess olhou para a ravina.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Vai! Vem alguém. Talvez seja Alex.

O mascarado pareceu recuperar-se.

— Talvez seu marido saia com outra mulher.

— Agora sim, está louco. Se não conseguiu que nenhuma mulher


quisesse casar-se com ele, quem quereria o ter como amante? Vai! Ou
quer que o apanhem?

O Corsário desapareceu pela ravina em poucos segundos. Era só


um veado que se aproximava pelo lado da enseada, mas Jessica se
alegrou de que seu companheiro tivesse partido. Sabia que seria
impossível resistir a ele por muito mais tempo. Bastava ver seu corpo
para vibrar. E fazia muito tempo que não sentia os braços de um
homem.

Cravou a pá junto a um respiradouro. Referia-se a um homem de


verdade, é obvio, capaz de agradar tanto seu corpo como sua mente.
Sentia-se um pouco culpada por haver dito ao Corsário do problema
com Alex, mas estava dividida em duas por eles. Era-lhes fisicamente
fiel a ambos. Não era adúltera, pois não traía Alex, e tampouco traia o
Corsário fazendo amor com seu marido.

— Estou vazia — disse, em voz alta. — Vazia dos dois.

E cravou a pá com mais força na areia.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Quer deixar de me gritar? — chiou Jessica com sua irmã. — Já


disse que não fiz nada para ofender Alexander. Nada novo, pelo menos.
Levei-lhe comida e até cortei em pedacinhos. Não posso ser mais
amável com ele. Até disse que estava muito bonito, que a jaqueta dá
mais cor às suas bochechas. Que mais se pode fazer?

— Por que está de mal-humorado, então?

— Não sei. Não quer me falar de sua saúde. Acha que está
dolorido?

— Só pelas dores que você lhe causa.

— Eu? Não tenho feito nada...

Interrompeu-as Mariana, que entrou batendo a porta contra a


parede, ruborizada e com os olhos brilhando.

— Souberam? Está atracando um navio italiano e alguém disse


que Adam poderia estar a bordo.

— Adam? —exclamou Jessica.

— Oh, sim, — suspirou Mariana, fechando os olhos em êxtase —


meu irmão mais velho. Adam, o lutador, o mais bonito. Adam veio nos
salvar.

— Com um a mais que nos salve, os ingleses queimarão a cidade


até os alicerces — grunhiu Eleanor.

Jessica baixou a vista para seu vestido velho e gasto.

— Não posso receber Adam com esta aparência. Oxalá tivesse um


vestido novo, tão bonito como a jaqueta vermelha de Alex. Não fique ai,

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O Corsário – Jude Deveraux

Mariana, que seu cabelo é um desastre.

— Sim, sim, é obvio — e a cunhada pôs-se a andar pelo corredor.

— Que Alex não saiba para quem se embeleza – aconselhou


Eleanor, elevando a voz.

Mas Jessica tinha saído. Ela levou uma mão à cabeça e decidiu
arrumar-se um pouco antes da chegada do famoso Adam.

Jessica abriu a porta de Alex com a ansiedade grafada no rosto.

Ele fechou seu livro.

— O que aconteceu?

— Nada. — A moça estava revolvendo um baú instalado no canto.


— Oh, Alex, pena que não me comprou um vestido vermelho, como
prometeu.

Alex abandonou a cadeira em questão de segundos e a segurou


pelos braços.

— Vai encontrar com o Corsário? — perguntou, com um duro


olhar.

— Agora não tenho tempo para ciúmes. Mariana disse que acaba
de chegar um navio da Itália e que Adam poderia estar nele.

— Adam? Meu irmão?

— Sim, seu irmão, é obvio. Por que não vai dizer a seu pai?

— Dizer que Adam seu filho perfeito, estará logo na casa?

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O Corsário – Jude Deveraux

Ela fechou o baú.

— Alexander, quer me dizer o que você tem, por Deus? Faz vários
dias que me persegue.

— Uma perseguição muito pouco efetiva, verdade, minha casta


mulherzinha?

— Então é por isso. Lembra-se de quando era homem. Juro-te,


Alex, que não me vou me deitar com o Corsário, nem com Adam, nem
com ninguém. Não há motivos para que esteja com ciúmes. Não viu
esse leque azul que era de sua mãe?

— Vai se vestir de cetim para receber meu irmão. Vai descer a esse
cais sujo e fedorento vestida de cetim.

Ela contou até dez para serenar-se.

— Você se veste de cetim todos os dias da semana, Alex.


Incomodar-te-ia me ajudar a vestir?

— Nem o pense — respondeu ele, enquanto saía


tempestuosamente do quarto.

— Oh, os homens! — Exclamou Jessica, depreciativa. E saiu em


busca de sua irmã para que a ajudasse com o vestido.

Quando o navio atracou, por fim, quase toda Warbrooke estava


ali para saudar o mais velho dos filhos de Montgomery... mas ele não
estava a bordo. O capitão nunca tinha ouvido seu nome, nem tinha
notícias dele.

A multidão ficou decepcionada. Jessica se afastou três vezes de

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Alex, porque não suportava seus murmúrios de ciúmes. Sentia pena


dele, naturalmente, pois o irmão receberia toda a atenção que Alex
deveria ter desfrutado. De Adam ninguém riria. Jess, desiludida, viu
que os marinheiros desciam pela prancha vinte e três baús de couro.
Fechavam a caminhada três donzelas.

— Talvez deva voltar para casa, para que meu pai possa chorar
sobre meu ombro — disse Alex, ao seu ouvido. — Ou talvez você
também tenha vontade de chorar?

Jessica ia responder quando ouviu uma bonita voz de mulher que


dizia:

— Alexander? É você?

Alex olhou por sobre o ombro de Jess e seus lábios se curvaram


em um sorriso de prazer.

— Sophy — sussurrou.

— Então é você, Alexander.

Jess, ao voltar-se, encontrou-se diante de uma pequena e


deliciosa morena, cujo chapéu esvoaçante rosado sombreava um rosto
precioso. A jovem olhava para Alex com expectativa e a risada nos
lábios.

— Homem, custei em te reconhecer. O que faz com essa peruca?


E por que tem essa postura? E essa jaqueta...?

Não pôde terminar, porque Alex tomou-a em seus braços e a


acalmou com um beijo.

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O Corsário – Jude Deveraux

A multidão ficou abobalhada.

— Que boas-vindas — murmurou a tal Sophy.

— Siga meu jogo — sussurrou Alex. — Aconteça o que acontecer,


siga meu jogo.

E a afastou de si.

Jessica olhava para ambos com grande curiosidade. Por certo,


Alex nunca a tinha beijado desse modo. Claro que ela não o buscava,
mas tampouco o impedia.

— Jessica, — apresentou ele — essa senhora é a condessa


Tatalini. Sophy, te apresento minha esposa. Sophy e eu nos
conhecemos antes de minha febre.

— Que febre? Está doente, Alex? É por isso que veste....?

Alex lhe rodeou a cintura com um braço e a estreitou com força.

— Estive doente, mas já passou. Jess, poderia indicar a alguns


destes curiosos que levem para casa a bagagem da condessa? Porque
se hospedará em minha casa, verdade?

— Céus, não. Vou a caminho de...

— Nem pensar de que se negue. Verdade, Jess?

Jessica, sem dizer uma palavra, seguiu estudando o modo como


à forasteira curvava seu corpo contra o do Alex. E ela não parecia se
importar que ele fosse gordo, que estivesse curvado, que a cor de suas
bochechas se devesse aos cosméticos.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Jessica, — protestou Alex, com seu gemido familiar — terá que


me ajudar. Sinto que me vão as forças. Pode se encarregar da bagagem
enquanto a condessa me presta apoio? .

— É um prazer conhecê-la — disse a moça, por fim. — E na casa


temos espaço de sobra. Vou encarregar-me da sua bagagem.

Alex se apoiou pesadamente em Sophy, que não disse uma


palavra até que estiveram em um quarto da casa dos Montgomery.
Então girou para ele.

— Exijo saber o que se passa aqui. — Inclinou-se para frente para


arrebatar sua peruca. — Oh, por um momento pensei que tinha
raspado a cabeça. No que você se meteu agora, Alex?

Ele sorriu, passando as mãos pelo cabelo, e sentando em uma


cadeira.

— Não sabe quanto me alegra ouvir essa pergunta, Sophy. Nem


imagina o maravilhoso que é ver-me acusado por uma mulher de não
ser, o que aparento agora.

— Pois fico feliz que se alegre. — A condessa, impaciente, dava


golpezinhos no chão com seu pequeno pé. — Mas eu não estou
recebendo o mesmo prazer. Supõe-se que dentro de duas semanas
estarei em Boston para ver meu marido e nossos filhos. Zangará-se
muito se eu não chegar.

— Como da última vez, quando escalei de seu balcão?

Sophy sorriu.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Sob a chuva, sem nada posto. Enquanto ele te procurava e não


o achava por nenhuma parte. Fiquei frenética. Pensei que lhe tinham
apanhado os cães. E em realidade...

— ... quem me tinha apanhado era uma criada. Como deixar de


lhe agradecer que se compadecesse de mim? E já que eu estava nu,
minha gratidão se demonstrou sozinha.

— Que homem! — Exclamou ela, rindo. — Meu marido jamais


acreditará no que eu diga, se descobrir, que estive aqui contigo.

— Comigo, com minha esposa e com uma casa cheia de pessoas


muito ruidosas.

— Sua esposa é uma beleza. Um pouco lenta de entender, talvez,


mas que importância tem isso em uma mulher? O que conta é sua
beleza. É por ela que se veste assim? Alex, não me diga que esse asco
é uma barriga de verdade.

Alex acariciou com carinho a protuberância.

— Está composta de algodão, um pouco de corda, uma pistola,


uma adaga e muito pouco de minha pessoa. — Deu uma olhada para
a porta, pois tinha ouvido um ruído. — Vem ai Jess.

Tomou a peruca e a colocou na cabeça com um gesto prático.


Imediatamente assumiu outra vez sua postura curvada.

— Aqui — indicou Jess aos homens que traziam os baús da


condessa. — Já imaginava que lhe atribuísse o quarto de sua mãe.

E continuou de pé ali, ainda depois de que os baús estivessem

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

empilhados.

Alex, com voz muito cansada, sugeriu:

— Poderia deixamos sozinhos, Jessica? Somos velhos amigos e


temos muito que conversar. Talvez possa terminar com a contabilidade
de quatro anos. Ou encarregar-se de que as donzelas de Sophy tenham
o alojamento devido.

Jess olhou de um ao outro. Por fim, com um gesto de


assentimento, saiu do quarto.

Sophy girou para ele.

— Mas...! Se meu marido me falasse desse modo lhe cortaria as


orelhas e o...

Alex se inclinou para beijá-la.

— Não o duvido. E o mesmo faria Jess se me acreditasse homem.

— Homem? E que espera de um homem que você não possa


cumprir?

Alex voltou a beijá-la.

— Faz que me sinta melhor a cada minuto, mulher. Viu como te


olhava Jessica? Ouça, se não puder chegar a Boston até dentro de duas
semanas, poderia me fazer um favor. Eu gostaria que passasse aqui
alguns dias e deixasse com ciúmes minha mulher.

— Geralmente, uma mulher trata de não colocar com ciúmes à


mulher de um amigo.

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O Corsário – Jude Deveraux

— É que não conhece a história completa.

Sophy se sentou em uma cadeira e acomodou suas saias ao redor.

— Eu adoro escutar.

— Que ardil vil e desprezível! Alexander Montgomery — disse


apaixonadamente, quando ele terminou o relato. — Essa pobre mulher
tem dois homens atrás de suas saias. Mas os dois não fazem um
homem completo.

— Ela também tem seus ardis. Diz ao Corsário que não deveria
ter chegado nunca a Warbrooke e depois fala para Alex que o Corsário
é a única esperança da cidade. Ela mesma não sabe o que quer.

— Me parece que sabe muito bem. Como ama seu país, ajuda o
Corsário; como ama sua família, casa-se com o homem que pode ajudá-
los, embora não possa lhe fazer amor, jamais. A pobrezinha tem feito
um voto de castidade para salvar a sua família. E você a condena por
isto. Pobre moça!

— Foi ela que começou. Nunca tive a intenção de me apresentar


aqui como o Corsário, mas Jessica riu de mim e fez com que minha
aparência gorda e efeminada convencesse a todos.

— Não os culpo. Está horrível. Não me estranha que nenhuma


mulher quisesse casar-se contigo.

— Mas você não se deixou convencer.

— É que não faz muito tempo você e eu... — Sophy se interrompeu


para olhá-lo fixamente. — O que quer dessa moça, a final?

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O Corsário – Jude Deveraux

Alex tomou suas mãos.

— Estou apaixonado por ela, Sophy. Acredito que sempre a amei.


Quando ela era menina, a via seguindo um de meus irmãos mais velhos
e, eu lhe passava muitos truques. Quanto ela me recusava ficava
furioso. Minha mãe dizia que Jessica era maravilhosa, que era à força
dos Taggert. Eu queria lhes fazer ver que, em uma situação similar a
deles, eu também seria a força de minha família, mas era somente o
caçulinha, com meu pai e dois irmãos mais velhos por sobre mim.
Jessica não me olhava por mais que eu fizesse para chamar sua
atenção.

Sophy lhe tocou a bochecha.

— Não posso lhe dizer que sou o Corsário – prosseguiu ele. —


Tenho certeza de que ela cometeria qualquer estupidez.

— Conforme me parece, já está cometendo – observou a condessa,


olhando Alex de soslaio. — Qual é o verdadeiro motivo de que não lhe
descubra seu segredo?

Alex, sorridente, beijou-lhe as mãos.

— Quero que me ame. A mim, ao Alexander. Que me ame como


sou, não porque use uma máscara e monte um cavalo negro. O amor
de Jessica é muito importante para mim e quero me assegurar disso
Quero saber se continuará me amando mesmo que seja muito velho
para montar um cavalo. Quero saber que, se acabar como meu pai,
minha bela Jessica não fugirá com qualquer personagem deslumbrante
que se apresente.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Está lhe pedindo que ame só a meio homem, Alex.

— Acredito que sim. O certo é que abandonou o Corsário para vir


para mim. Claro que estava sangrando e precisava ajuda, mas isso foi
melhor que nada. Mesmo assim, disse ao Corsário que preferia deitar-
se com uma mulher e não comigo.

— Pede muito das mulheres, Alex. Primeiro, de sua Jessica; agora,


de mim. Se quiser que Jessica te ame além do atrativo físico, do que
servirá o ciúme?

— Passe algum tempo comigo. Jess só se aproxima de mim


quando um dos meninos precisa de atenção ou quando está sofrendo.
Talvez se visse que uma mulher linda, inteligente e sábia gosta de
passar um tempo em minha companhia, talvez despertasse sua
curiosidade.

Sophy se pôs a rir.

— Acredito que eu poderia amar Alexander, se ela não o fizesse.


Mas não te vi em seu papel de Corsário, claro. É muito arriscado e
romântico?

— Intrépido. Para o Corsário não há perigos excessivos. Exceto


Jessica, é obvio. Anda, diga que ficará para me ajudando.

— Concordo — suspirou ela. — Acredito que essa mulher deve


também saber que seu marido é também seu amante. Ajudar-te-ei a
fazer ciúmes.

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O Corsário – Jude Deveraux

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— Jessica, — disse Eleanor, tratando de manter a calma — essa
mulher está te fazendo passar por tola.

— Alex é feliz com ela.

— Muito feliz. Não se importa que passem horas trancados em


seu quarto?

— É nosso quarto. Do Alexander e meu.

— Ah, então se importa.

— Me diga, Eleanor, o que faria se uma mulher paquerasse com


esse teu russo?

— Arrancar-lhe-ia qualquer parte do corpo que me caísse à mão.

Jessica brincava com a comida.

— Mas a condessa é uma dama muito simpática. Ontem se


encarregou de Samuel por toda à tarde.

— E assim deixou em liberdade Nathaniel para que fizesse


travessuras. Sabe de onde tirou esse bote pesqueiro?

— Que bote pesqueiro? — inquiriu Jess, inquieta.

Eleanor se sentou com sua irmã, com a mesa no meio.

— Essa mulher te preocupa, verdade?

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O Corsário – Jude Deveraux

— Não, absolutamente. Já sabe que Alexander e eu não somos,


realmente, marido e mulher. Ele disse que...

— O quê?

— Que me amava, mas talvez, isso foi antes de recordar seu amor
pela condessa.

— Por que não luta por ele, Jess? Por que não se fixa diante de
Alex e diz que o ama, que ateará fogo no cabelo dessa mulher se não
sair de sua casa em trinta segundos?

— Eu, amar Alex? Que idéia ridícula. Queixa-se todo o dia e...

— Salva-te a vida, espera-te acordado, cuida-te e...

— E me grita com freqüência. Aonde está agora a condessa?


Talvez possa me desfazer dela de outro modo.

— Faz um momento estava sentada no pomar. O que pensa fazer,


Jessica?

— Ajudar a meu país — respondeu a moça, antes de abandonar a


casa.

Jessica não estava disposta a permitir que Eleanor e nem


ninguém soubesse quanto a preocupava a presença da condessa.
Quando tinha se apaixonado por Alexander? O amor, sem dúvida, era
esse palpitar enlouquecido do seu coração. O amor era, o que ela
experimentara pelo Corsário... ou pelo menos, isso tinha acreditado até
pouco tempo. Mas nos últimos tempos se sentia mais feliz em estar
com Alex que com o Corsário.

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O Corsário – Jude Deveraux

O mascarado tinha ido a sua janela em duas ocasiões desde que


ela recebeu a ferida, mas Jessica se sentia cada vez menos inclinada
em acompanhá-lo. Sabia que em seus braços passaria uma noite
estupenda, mas nada mais. Pela manhã certamente, se perguntaria,
que demônios, lhe tinha dado e procuraria a proximidade de Alex.

Desde a volta do jovem a Warbrooke, ambos tinham passado


muito tempo juntos. No princípio, Jess tinha se incomodado que ele
quisesse tê-la sempre perto; pouco a pouco tinha gostado de sua
companhia. E agora, quando desejava tê-lo com ela, ele não estava.

Não podia culpar à condessa por ansiar o diálogo com Alex. Depois
de tudo, ele sabia ser encantador. Lia contos de marinhos com tanta
expressividade que qualquer uma sentiria o vento no rosto. E quando
lia livros românticos qualquer uma chegava a ruborizar-se.

Pouco a pouco ia reparando os prejuízos que Pitman tinha


causado aos bens dos Montgomery. Nas poucas semanas transcorridas
do casamento, ela e Alex tinham conseguido pôr a casa em ordem.
Formavam uma boa equipe.

Mas ali, estava agora, a condessa, pendente das palavras de Alex,


olhando-o como se fosse o mais viril e maravilhoso dos homens. E ele
agia como se os Taggert não existissem. Só dedicava sua atenção à
linda italiana.

Jess, de pé em uma ponta do pomar, observava à condessa.


Estava sentada sob uma árvore, com um grosso xale sobre os ombros
e um livro aberto na saia. Jess queria lhe ordenar que abandonasse a
cidade e deixasse em paz seu marido, mas não podia. Em primeiro

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

lugar, Alex riria até a morte se ela fizesse semelhante estupidez. Por
outra parte, não a deixaria esquecer seu ciúmes. Gabaria-se do fato
como o fazem os homens quando acreditam ter ganhado a partida.

Não: terei que ser mais ardilosa. Devia haver um modo melhor
para livrar-se da condessa.

— Olá — saudou.

A italiana levantou seu bonito rosto.

— Espero que esteja desfrutando de sua estadia em Warbrooke.


Eu não tive muito tempo para atendê-la, mas acredito que Alex se
encarrega de você.

— Sim — reconheceu a condessa, cautelosa. — Me atende muito


bem, obrigada.

Jess, sorrindo, sentou-se em uma cerca baixa, diante da cadeira


da condessa.

— Contou-lhe algo do que acontece em Warbrooke? Você sabe as


opressões que estamos suportando?

Sophy dilatou os olhos.

— Não, acredito que não. Parece-me que mencionou algo, mas...

Jess se inclinou para frente. A forasteira se inclinou bruscamente


para trás, como se temesse receber um golpe.

— Talvez você possa me ajudar — disse a moça. — Porque é muito


linda. E preciso da ajuda de uma mulher linda.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Sim? — Exclamou a condessa, obviamente interessada. — Para


quê?

— Ouviu você falar do almirante Westmoreland? Os ingleses o


enviaram para que acabasse com o Corsário, mas até agora não
conseguiu. — Jess sorriu. — O Corsário recebeu alguma ajuda de
nossa parte.

— Alexander me falou de sua participação em uma operação,


Jessica. Os soldados ingleses... — interrompeu-se ante a expressão de
sua interlocutora. — Em realidade, não me disse grande coisa.

"Ah!", pensou Jess. "Então que Alex lhe falou daquela noite." E não
deixou de sorrir.

— Sim, fazemos o quanto podemos para ajudar ao Corsário. Após


o almirante castiga a cidade apoderando-se dos carregamentos. Em
certa oportunidade confiscaram um navio E acredito que está por voltar
a ocorrer. Preciso de sua ajuda para averiguá-lo.

— Minha ajuda? E o que poderia fazer?

— O almirante se hospeda na casa da senhora Wentworth, que


me convidou para tomar chá. Esse homem recebeu ontem um
documento selado da Inglaterra. Eu gostaria de saber o que diz.

— Mas qual seria meu papel?

— O almirante gosta de mulheres bonitas. Você é muito bonita.


Quero que o distraia enquanto eu revisto seu escritório.

Sophy sorriu ante a adulação, mas sua expressão mudou

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O Corsário – Jude Deveraux

imediatamente.

— E se a apanham? E se esse homem descobre que te ajudei?

— Enforcar-nos-iam.

— Oh... — Sophy demorou algum tempo em digerir isso.

— Sophy... Chamar-te-ei assim, já que me chama pelo meu


nome... Você é capaz de fazê-lo. Basta ver o que conseguiu com o Alex.

— A que se refere? Alex e eu somos velhos amigos.

— Sim, e fico contente de que assim seja. Também é meu amigo.


E eu gosto que meus amigos sejam felizes.

— Não está um pouco com ciúmes?

— Absolutamente. Ele merece ser feliz, e tem tão pouco do que se


alegrar...

— Talvez, porque você alegre a algum outro homem — sugeriu a


condessa, inclinando-se para frente.

— Estou casada com Alex.

Sophy sorriu.

— E o que me diz desse Corsário tão famoso? É tão viril e belo


como dizem?

— Mais — assegurou Jessica, muito sorridente. — Estaria


disposta a nos ajudar com o almirante?

— O Corsário não se parece em nada com Alexander, verdade?

Saga Montgomery 04
360
O Corsário – Jude Deveraux

— Nem remotamente. Se isto te der medo, diga-o e compreenderei.


Se me detiverem não vou denunciá-la.

— Hummm, que agradável seria combinar a inteligência de Alex


com a virilidade do Corsário, verdade? Teria a um homem como poucos.

— Homens assim não existem. Há os com miolos e os com beleza,


mas não com ambas as coisas de uma vez. Quer me ajudar ou não?

Sophy olhou para Jess com ar crítico.

— Com uma condição: que façamos costurar para você um vestido


adequado. No que pensa seu marido, que não tem um só vestido
decente?

— Alex me deu todas as roupas de sua mãe.

A condessa disse algo muito enfático, mas em italiano.

— E uma vez me prometeu um vestido vermelho.

— Sim? E ainda não o tem? Acompanhe-me, Jessica. Temos muito


que fazer. Vamos procurar às seis melhores costureiras da cidade.

— Para que seis?

— Para que o trabalho esteja terminado o quanto antes. Quando


iremos a esse chá?

— Amanhã às quatro da tarde.

— Será difícil, mas não impossível.

Jessica e Sophy passaram pelo salão. A condessa ia tagarelando


mil palavras por minuto. Jess olhou para sua irmã com uma piscada.

Saga Montgomery 04
361
O Corsário – Jude Deveraux

— O que fez com Sophy? — Acusou Alexander.

— Não sei de que fala, Alex — replicou Jessica, inocente. — Só a


convidei para tomar chá na casa da senhora Wentworth. Como não
confia em mim me ocorreu que sua bela amiga poderia servir de dama
de companhia.

— Não, não confio em você, e tenho bons motivos. Tampouco


acredito que Sophy deveria sair contigo. Não se pode calcular o que
poderia ocorrer.

Jessica dilatou os olhos.

— Não sei a que se refere. Só convidei sua amiga a uma reunião


social. Nada mais.

Alex a olhou de soslaio.

— Desconfio de você.

— Olhe que diz isso de sua própria esposa! Viu o vestido que
mandou costurar para mim? É de seda vermelha.

Alex esfregou a parte posterior do pescoço, onde o suor e o pó,


como sempre estavam compondo uma massa irritante.

— Irei com vocês.

— O quê? — Exclamou Jessica. — Quero dizer, que bom!

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Traz algo escondido entre as mãos, Jess, e quero estar lá para


impedir que participe.

Trinta minutos depois Jess perguntava a sua nova cúmplice:

— Poderá manter distraído o almirante e Alex?

— É obvio — afirmou a condessa, muito segura de si. — Posso


concentrar a atenção de todos os homens presentes em um salão.

— Menos mal. — Jessica soltou um suspiro de alívio.

Mas a condessa não tinha tido em conta sua companheira.


Quando suas donzelas acabaram de pentear os espessos cabelos de
Jessica e colocaram o decotado vestido vermelho, apresentou-se a
possibilidade de que os homens presentes não reparassem em ninguém
mais.

Ela foi exibir se com Alex.

— Você gosta?

Ele não disse uma palavra.

— Alexander, sente-se bem?

Alex caiu sentado em uma cadeira.

— Vamos, mulher, que se faz tarde — protestou Sophy,


empurrando-a para a porta. Logo se voltou para sussurrar para Alex:
— Se domine e não se faça de tolo. É sua aborrecida esposa: não o
esqueça. — E jogou um olhar ao perfil de Jess, que esperava diante da
porta. — Uma beleza como a dela poderia inspirar ódio. Não permitirei
jamais que meu marido conheça sua esposa. Vamos, vamos, se

Saga Montgomery 04
363
O Corsário – Jude Deveraux

domine. Escolheu o celibato, lembre-se. Não me estranha que te falhem


os joelhos.

Jess teve algumas dificuldades no chá da senhora Wentworth.


Alex, que tinha passado vários dias pendente de Sophy, agora parecia
ignorar sua existência. Não deixava de observar sua esposa, com olhos
frágeis, de uma maneira que chateava a moça. Sophy alinhavava
relatos divertidos, mas Alex não prestava atenção. Em realidade, não
prestava atenção a não ser em Jess.

A moça dirigiu a Sophy um olhar de exasperação e o assinalou


com a cabeça.

— Alexander! — Exclamou a italiana, prestativa. — Por que não


conta aquela anedota da pesca nos canais de Veneza?

Alex não se mostrava muito bem disposto, mas ela se inclinou


para o almirante, exibindo seus seios, e o inglês pediu para conhecer a
anedota em questão. Assim que Alex começou o relato, Jess se
desculpou com a proprietária de casa e se encaminhou para a parte
traseira.

Quando esteve fora da vista dos convidados, subiu a escada e


procurou o quarto do almirante. Sabia que só contava com poucos
minutos para procurar, por isso tratou de atuar com rápida
minuciosidade. Quando estava por abandonar a busca viu um papel

Saga Montgomery 04
364
O Corsário – Jude Deveraux

branco que aparecia entre dois livros. Puxou-o, deu-lhe uma olhada e
ia abrí-lo quando ouviu uma voz a suas costas.

— Tinha certeza de te encontraria aqui.

Jess girou em circulo. Um dos tenentes do almirante estava de pé


na soleira.

— Como demorava tanto em retornar, supus que estaria me


esperando.

Jess ocultou o papel entre as dobras de seu vestido. Não


recordava ter visto antes esse homem, mas ele parecia muito
convencido de seu próprio atrativo. Jess mordeu a língua para não
fazer um comentário agudo sobre a vaidade masculina. Em troca lhe
sorriu.

— Ia para o banheiro quando vi esta janela aberta. E como


acredito que ameaça chuva, entrei para fechá-la.

O tenente cruzou o quarto em segundos.

— Entre nós não deve haver segredos. Faz tempo que me deseja.
Notei como me olha quando nos cruzamos pela rua. Vi o desejo em seus
olhos. Faz tempo que precisa de um homem, estando casada com esse
fracote!

Jessica se afastou dele, retrocedendo ao redor da escrivaninha,


mas o oficial se aproximava segundo a segundo.

— Me diga onde podemos nos ver.

Jess procurou algo tateando na mesa e achou um cortador de

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

papel. Não deixaria que esse homem pusesse uma mão em cima dela.

— Farei de você a mulher mais feliz da terra. Darei-te o que seu


marido não pode te dar.

— Eu me encarrego de lhe dar o que necessita, obrigado – disse


uma voz, da porta.

Alex estava apoiado contra o marco da porta, com sua jaqueta


rosada e uma peruca até os ombros. Apesar a seu aspecto brando, seus
olhos estavam muito duros. O tenente se afastou de Jessica.

— Não tinha intenção de faltar o respeito com senhora, cavalheiro.

A expressão de Alex não mudou. Jess notou que o tenente


começava a suar profusamente.

— O almirante precisa de mim — murmurou, fugindo para a


porta.

Alex se colocou de lado para lhe deixar passar, sem tirar os olhos
dele.

Jess cruzou o quarto em dois ou três segundos.

— Como o assustou, Alex! — elogiou.

Tratou de sair para o corredor, mas ele alargou o braço para detê-
la.

— O que fazia aqui? — Perguntou, sem humor.

— A janela estava aberta e...

Alex levantou sua mão e tomou o cortador de papel que ela ainda

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

tinha entre os dedos.

— Não minta, Jessica. Entrou para se encontrar com esse


homem?

Uma parte dela se surpreendeu. Na outra parte houve alívio.

— É atrativo, verdade?

Alex apertou com força seu antebraço.

— Se chegar a se encontrar com outro homem vou...

— O que vai fazer? Passar mais tempo com a condessa? — Jess


baixou a vista ao ventre que bloqueava seu caminho, indignada pelo
fato de que ele a acusasse do mesmo que tinha estado fazendo durante
toda a semana. — Quer tirar essa barriga do meu caminho?

— Jessica...

Mas ela o afastou de um empurrão e saiu do quarto.

Quando chegou ao pé da escada guardou no decote o enrugado


documento e voltou para a reunião.

Nesta noite, na casa dos Montgomery, Sophy encurralou Jessica,


que estava revisando a contabilidade.

— O que disse a Alex, que se tornou um verdadeiro urso toda à


tarde?

— Enquanto eu estava no escritório do almirante, um de seus


tenentes, um jovem muito atrevido, quis que eu me encontrasse com
ele. Alex chegou antes que as coisas fossem muito longe, mas me

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O Corsário – Jude Deveraux

acusou de ter provocado esse homem. Como se eu não tivesse nada


que fazer! Eu, andar tonteando com os ingleses!

— O ciúme faz bem — assegurou à italiana. — Deveria se vestir


assim todos os dias.

— Para escavar na praia? Até as moluscos ririam de mim!

— Uma senhora pode fazer outras coisas, além de juntar


moluscos.

— Costurar, paquerar com os moços belos e conspirar as costas


de seu marido?

— Menos mal que você não conspira — comentou Sophy,


sarcástica. — Me empresta seu manto negro, Jess? Devo sair.

— É obvio — disse Jess, sem afastar a vista de suas contas.

A condessa jogou o manto sobre os ombros e subiu o capuz. Ia a


meio caminho para o banheiro quando, na escuridão, surgiu uma
silhueta escura. Uma voz de sotaque estranho, que ela não reconheceu
disse:

— Estava te esperando.

Sophy compreendeu imediatamente que se tratava do famoso


Corsário. Sem dúvida a tinha tomado por Jessica. Ainda sabendo quem
esse homem era, em realidade, era difícil recordar que era Alexander
disfarçado. Seus olhos, ocultos depois da máscara negra, chispavam
de um modo perigoso. Ela abriu a boca para explicar o engano, mas
imediatamente sentiu a ponta de uma espada contra o pescoço.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Nenhuma palavra — murmurou ele, com uma voz grave que fez
correr um tremor pelo seu corpo. — Tire a roupa.

A italiana ia protestar, mas ele apertou um pouco mais a ponta


da folha contra a pele.

— Não quero discutir, Jessica. Esta noite tomarei o que é meu.

O modo como ele disse fez com que Sophy obedecesse


imediatamente. Olhou-o aos olhos e sentiu desejo por esse homem.
Com mãos tremulas, começou a desatar as fitas de seu vestido. Tinha
esquecido que não era ela a mulher que esse mascarado procurava.
Seu vestido estava já aberto até a cintura quando Alex compreendeu
seu engano.

— Sophy! — Exclamou, afastando a espada.

A condessa não recordava, nunca haver se deixado levar, por uma


irritação tão incontrolável. Diante si tinha um homem encantador, que
depois de lhe fazer exigências deliciosas se apresentava, um momento
depois, como se fosse um menino travesso surpreso por sua mãe.

— Alexander! — Exclamou ela, no mesmo tom. — Que diabos


estava fazendo aqui, espreitando na escuridão?

Ele sorriu com todo o rosto e esteve a ponto de fazê-la sucumbir


a seu encanto. Aquela máscara negra o deixava assombrosamente
atrativo.

— Esperava Jessica.

— Tire essa máscara, homem — ordenou ela — penso que poderia

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O Corsário – Jude Deveraux

dirigir melhor as coisas se ela voltasse a vê-lo com seu aspecto familiar.

— Não — recusou ele, sempre sorridente. — Jess está lá dentro?

—O que pensa fazer com ela? O mesmo que acaba de fazer


comigo? Isto deve terminar, Alex. Primeiro lhe faz ciúmes, agora a ataca
com este disfarce. Tem que lhe dizer a verdade.

— Tem simpatia por ela, verdade?

— Sim, certamente, e me arrependo de ter conspirado contigo


contra ela. Depois de amanhã terei que continuar a viagem. Se até
então não lhe tiver dito a verdade, eu o farei.

O Corsário baixou a espada e se apoiou contra uma árvore.

— Zangará-se comigo.

— Com todo direito.

Ele ergueu um pouco as costas.

— Mas que recompensa terei, quando já não deverei ocultar o


segredo! — Murmurou com voz longínqua, como se estudasse a
possibilidade. — Poderei ser Alex durante o dia e o Corsário de noite,
quando estivermos sozinhos os dois.

— Invejo-a — suspirou a italiana. Logo voltou para a questão. —


O dirá?

— Sim, acredito que é hora de dizer-lhe. Amanhã a levarei para


passear e mostrarei quem é o Corsário.

— Bem — aprovou Sophy. — Agora vai antes que alguém te veja.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Ele a beijou docemente na boca e se perdeu no bosque.

Quando Sophy voltou para a pequena sala onde Jessica tinha


ficado trabalhando em seus livros, a sala estava deserta. Encontrou à
moça na pequena sala, contigua a de Alex. A seu redor tudo estava
revolto.

— Desapareceu — foi seu único comentário.

— Que desapareceu?

— O papel que achei no quarto do almirante. Quis esperar que


Alex saísse para lê-lo, mas já não está aqui.

—Perdeu-o por alguma parte?

Jessica levantou a vista, com os olhos muito abertos.

— Não. Escondi-o.

Sophy demorou um momento em compreender.

— Nesse caso, alguém o roubou. Alguém sabe o que o almirante


planeja fazer. Suponho que não teve tempo de lê-lo.

— Alex me rondava. Se Pitman o encontrou e sabe que fui eu quem


se apoderou dele...

— Logo saberemos. Sente-se e faremos planos. Bem pôde ser que


pegou um dos meninos para fazer bonecos de papel, mas se o tiver

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

senhor Pitman terá que sair de Warbrooke antes que a enforquem.

— Sim — sussurrou Jess, E se deixou cair em uma cadeira.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

20
—Alex, não é muito tarde para estar fora? Parece-me que, pelo
bem de sua saúde, deveria estar em casa, descansando. Sophy disse
que...

— Não me interessa o que Sophy diga.

Jess sorriu na escuridão, enquanto se aferrava ao assento da


carroça aberta. Alex tinha tido à bonita condessa para si durante vários
dias, mas agora Sophy passava mais tempo com Jessica e os meninos
que com ele. Embora tivesse falado de partir, essa mesma manhã tinha
anunciado sua intenção de ficar por dois dias a mais. "Só até ver o que
acontece", disse, sem explicar o sentido de suas palavras.

— Está bem abrigada? — perguntou Alex.

Jess rodeou, ao corpo seu longo manto negro de capuz.

— Não sou eu a doente, Alex. Acredito que deveríamos voltar.

— Ôhoo! — ordenou Alex aos dois cavalos, puxando das rédeas.


— Já chegamos. — Desceu e se aproximou de Jess para ajudá-la, mas
a moça já estava no chão. — Daqui se vê todo Warbrooke —adicionou,
enquanto tirava a brida dos animais.

— São dez da noite, Alex. Parece-me que deveríamos voltar para


casa. Não os desatrele da carruagem.

Ele, sem lhe prestar atenção, continuou com sua tarefa. Temia

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O Corsário – Jude Deveraux

que Jess se zangasse um pouco ao inteirar-se de que seu marido e o


Corsário eram a mesma pessoa. Não havia motivos para zangar-se, é
obvio, mas com as mulheres nunca se sabia. Existia a possibilidade de
que se mostrasse sensata e compreendesse que ele só tinha atuado
assim por seu país e por protegê-la.

Conduziu a cada um dos cavalos. Não, não existia a menor


possibilidade de que agisse com sensatez. O mais provável era que se
mostrasse tão irracional e difícil como sempre. Alex sorriu à luz da lua.
Saberia acalmá-la, é obvio. Acariciá-la-ia e...

— Que sorriso estranho, Alex! Quer me dizer para que me trouxe


aqui? O que deseja me dizer? Assim poderemos voltar para casa quanto
antes. Arruinará seus sapatos novos nesta erva úmida.

Ele deslizou um braço pelos seus ombros.

— Se aproxime da ravina para que possamos observar a


paisagem.

Jess estava impaciente.

— Passei a vida vendo Warbrooke de noite. Vi-a daqui centenas


de vezes. Espera! Comprou um navio novo? Era isso o que desejava me
dizer?

Ela se virou de frente para ele, de costas à aldeia.

— Queria te falar de algo muito mais importante que um navio.

— Há um lugre em venda que poderíamos usar para...

Ele apoiou um dedo nos lábios dela.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Me escute, Jessica. Sentemos-nos aqui e falemos de homens e


mulheres, confiança, dever e honra.

— Está bem, mas se te gelam os pés ou algo assim...

— Às vezes as pessoas fazem algo porque consideram sua


obrigação. Talvez para outra pessoa não pareça uma obrigação, mas...

A mente de Jessica começou a divagar. Enquanto escutava pela


metade o que dizia seu marido, observava a cena da cidade, lá abaixo.
Ante ela desfilavam tochas inquietas. Alguém devia está descarregando
um navio à noite.

— ... e aprendemos a nos perdoar e a nos aceitar, face ao que nos


parecem defeitos. Desse modo...

Jess continuava observando a cena lá embaixo. O grupo de tochas


se movia agora mais depressa, afastando-se do cais. Com o cenho
franzido, a moça começou a estudar o grupo com mais atenção. Cada
vez chegavam mais tochas rua abaixo.

— ...claro que você iniciou tudo isto, Jessica. Se não tivesse sido
por você, muitas coisas não teriam acontecido. Não é que esteja
zangado contigo, mas deve recordar que quando te digo...

À luz da lua Jessica começava a distinguir uma silhueta móvel.


Ao princípio não pôde saber de quem se tratava, mas o personagem
avançava em direção as tochas, tornando-se mais nítido.

De repente a moça ficou de pé.

— É ele — exclamou.

Saga Montgomery 04
375
O Corsário – Jude Deveraux

Alex, ainda sentado, levantou o rosto para ela.

— Quem?

— O Corsário. Essa multidão está perseguindo o Corsário.

Alex se levantou, com um sorriso de suficiência.

— Posso te assegurar Jess, que essa pessoa não pode ser o


Corsário. Provavelmente se trate de algum vagabundo que acaba de
desembarcar ou de...

— Ali! — Gritou Jessica, assinalando para as árvores. — Junto


aos tribunais! Digo-te que é ele e... Oh, Deus, têm-no cercado... —
recolheu as saias e começou a correr para os cavalos. — Tenho que
ajudá-lo.

Nunca tinha visto que Alex se movesse com tanta celeridade; nem
sequer sonhava que ele pudesse fazê-lo. O jovem correu atrás dela,
arrancou-lhe a capa negra do corpo e a jogou sobre os ombros. Logo se
aproximou dos cavalos, tirou as ataduras uma a uma e, montou o
cavalo sem sela, tudo em uma fração de segundo, enquanto Jess o
olhava, petrificada.

— Volte para casa — Gritou, afastando-se a galope.

O cavalo de puxar carruagem nunca tinha galopado.

Jessica estava emudecida. Por um momento não pôde


compreender o que estava acontecendo. Alex, dedicado a reclamar
sobre o amor e o patriotismo, tinha partido a todo galope com uma capa
negra.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Jess voltou lentamente para a ravina, como se caminhasse em


sonhos, para observar o que ocorria. Viu Alex descer a colina tão rápido
como o permitia o cavalo, encaminhando-se em linha reta para a
multidão com tochas. Logo o perdeu na escuridão. A sua esquerda
apenas obtinha distinguir os movimentos do Corsário.

— Meus dois homens — sussurrou, com um suspiro. Seus dois


homens, perseguidos por todo um batalhão de soldados ingleses.

Distinguiu outra vez Alex quando o alcançou a luz das tochas.


Houve um momento de confusão em que os homens se voltaram para
correr atrás de Alex, deixando ao Corsário uma oportunidade para
escapar do segundo grupo de soldados.

Depois todos desapareceram de sua vista.

Jess se sentou no chão, com o rosto entre as mãos.

Por que Alex se fazia um pouco de tolo? Por que arriscava sua
saúde para ajudar a um homem a quem o tinha por idiota?

Permaneceu uma hora na ravina, enquanto as tochas apareciam


e voltavam a desaparecer no bosque. Viu que as luzes se afastavam de
dois em dois pelas ruas, pelos becos, rumo ao cais.

— Perderam-no de vista — sussurrou, enquanto empreendia a


volta para sua casa.

Tinha que chegar a tempo para ajudar Alex. O Corsário se


evaporaria em seu esconderijo, talvez entre os braços de sua amante
ou esposa, mas Alex precisava dela.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Não foi fácil conduzir a carreta com um só cavalo atrelado com


arreios para dois cavalos, colina abaixo, mas Jessica não prestou
atenção às dificuldades. Só se preocupava em estar na casa quando
Alex voltasse.

Como tinha estado observando aos grupos de busca do alto, tinha


certa idéia de onde estavam e evitou esses lugares. Não desejava
encontrar-se com os soldados e ter que explicar por que seu marido
levou o outro cavalo.

Chegou à casa dos Montgomery sem cruzar com muitas pessoas.


Depois de deixar a carreta com o criado que trabalhava no estábulo,
começou a andar para seu dormitório.

Mas Sayer a chamou antes que pudesse dar-se conta do que


ocorria, Jess se encontrou chorando contra o ombro do ancião e lhe
contando todo o ocorrido.

— Ama-o, verdade? — Disse Sayer, acariciando seu cabelo. —


Ama mais a meu filho do que a seu belo e viril Corsário.

— Sim — soluçou a moça. — Alex se queixa, choraminga e dá


muitíssimo trabalho, mas é realmente um bom homem. Disposto a
ajudar como pode, tendo em conta o ruim que está de saúde. Mas o
desta noite foi muito. Não pode cavalgar assim. Seu corpo não resistirá.

Sayer a estreitou com força.

— É sua própria saúde o que me preocupa. Acredito que chegou


o momento de acabar com esta comédia. — Afastou-a de si. — Vá a seu
quarto e espere por Alex. Amanhã virá com ele as quatro em ponto,

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

para tomar o chá comigo. Não permita que ele se desculpe. Traga-o.

— Sempre que se sinta bem — argüiu ela, soluçando. — Será


melhor que esquente um pouco de água para seus pés frios.

Sayer acariciou o cabelo de sua nora.

— Mime-o esta noite, sim. Talvez amanhã não se sinta tão bem
disposta a fazê-lo.

— A que você se refere?

— Direi-lhe isso amanhã. Agora vá cuidar de seu marido. Veremo-


nos a hora do chá.

— Sim, senhor.

Jessica lhe deu um beijo na bochecha e se retirou.

— Quem era? — Perguntou Alex a Nick.

Tinha obtido com muita dificuldade escapar dos soldados do rei


para voltar para casa dos Montgomery. Agora estava com Nick na
escuridão, atrás dos estábulos.

— Não tenho idéia — respondeu Nick, bocejando. — Me disseram


que seu almirante estava informado da chegada de um navio com
contrabando e pensava inspecionar o navio esta noite.

— Mas alguém disfarçado de Corsário distraiu aos soldados -

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

manifestou Alex, dissimulando seu aborrecimento. — Alguém se fez


passar por mim.

— Onde está sua Jessica? Ela está acostumada...

— Estava comigo — respondeu Alex. — A levei a Colina


McGammon para lhe dizer que eu sou o Corsário, mas olhou para baixo
e lá estava o Corsário, cruzando a cidade a cavalo, rodeado de soldados.
Apenas cheguei a tempo, antes que o apanhassem. Eu jamais teria feito
nada tão estúpido.

— Então vai dizer a Jessica que é o Corsário, né? — Nick sorriu


de lado. — Essa pequena dirá bem claro o que pensa de você.

— Por que acha que a levei tão longe da cidade para dizer-lhe?
Não quero que Pitman ouça o que me diga. — Alex sorria apesar de
suas palavras. — Na verdade, será um alívio que saiba. Assim não
haverá mais segredos entre nós. — Nem mais camas separadas.

— Vamos para casa — indicou Alex, arrumando a peruca. —


Amanhã levarei Jess de passeio para dizer-lhe. Enquanto isso, tentarei
averiguar quem era esse impostor.

Jessica teve que esperar por duas horas antes que Alex entrasse
pela janela. Seu aspecto era horrível. Trazia a roupa molhada e
lamacenta, a peruca torcida e muito carrancudo.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Jess! — Exclamou ao vê-la. — Deveria estar deitada.

— Também você.

Ajudou-lhe a passar pela janela. Logo o conduziu à cama e o


obrigou a sentar-se. Um instante depois estava a seus pés, lhe tirando
os sapatos e os meias três-quartos para envolver seus pés frios em uma
toalha quente.

— Jess — exclamou ele, com voz divertida — o que acontece? O


que faz?

Ela levantou a vista com ar suplicante.

— Não deveria fugir desse modo, Alex. Poderia fazer mal a sua
saúde. Seu coração não suporta escapadas como a desta noite.

Ele a observava com atenção.

— Se preocupa por mim?

— É obvio. Vamos, tire essa roupa. Está bem, não olharei. E se


deite. Aqui tem uma peruca seca, se por acaso não quiser que te veja a
careca. E tenho sopa quente para você. Darei-lhe assim que esteja
deitado.

Alex tirou as roupas em um abrir e fechar de olhos. Ficou com a


camisa de dormir, a peruca seca e se meteu sob os cobertores,
adotando uma pose de inválido. Logo anunciou a Jess que estava
preparado.

Ela se sentou na cama com um prato de sopa quente, colocou um


guardanapo sob seu queixo e começou a lhe dar colheradas na boca.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Por que galopou desse modo? — Repreendeu-o.

Ele a olhou por sobre a colher.

— Não queria que apanhassem seu Corsário. Tem muita


importância para você.

Os olhos de Jess se encheram de lágrimas por um momento.

— Arriscou sua vida só para salvar ao homem que eu gosto?

Alex encolheu os ombros, como dizendo que não teria podido fazer
outra coisa. Ela se inclinou para frente, com um sorriso, e o beijou na
testa. Logo continuou lhe dando a sopa.

— Foi uma grande bondade de sua parte, mas dou mais


importância a sua saúde que a do Corsário. Ele pode arrumar-se
sozinho e não precisa... Alex! Sente-se bem?

Ele a puxou pelo braço e a obrigou a sentar-se outra vez na cama.

— Repita o que acaba de dizer.

— Disse que o Corsário me parece muito capaz de sair dos


problemas em que se mete. Não quero que arrisque...

— Não. Repita-me que minha saúde te importa muito mais.

Retinha-lhe as mãos. Seus olhos eram como os de um falcão. Jess


baixou a vista, ruborizada.

— Bom, Alex, talvez tenha dito algumas coisas sobre sua maneira
de vestir, sua preguiça... mas eu gosto muito de você, de verdade.

— Quanto?

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Ela não levantou a vista.

— Tanto como para me amar?

Jess se acomodou na cama para envolvê-lo com os braços e as


pernas. Logo apoiou a cabeça no seu ombro.

— O Corsário não é real, Alex. É só algo físico. De você eu gosto


mais e por isso estava tão assustada há um momento atrás. Talvez não
possa te conservar por muito tempo, mas farei o possível para te manter
com vida por tanto tempo como possa. Jure-me que não voltará a sair
atrás do Corsário.

— Acredito que posso jurá-lo — disse Alex, aconchegando-a junto


a si.

— O que era que pensava me dizer esta noite?

— Não acredito que este seja um bom momento. Não quero


arruinar a ocasião. Direi-lhe isso amanhã.

— Depois de tomar o chá com seu pai – murmurou ela, sonolenta.

Alex acariciou seus cabelos e a reteve contra si. Permaneceu


sentado na cama, sem dormir, observando a saída do sol e pensando o
quanto agradável podia ser a vida. Nesse momento tinha o que mais
desejava: o amor de Jessica. Tinha certeza de que ela o amaria como
fosse: na enfermidade, através de enormes perucas e apesar de
algumas mentiras inocentes sobre a verdadeira forma de seu corpo e
suas atividades noturnas. Muitos homens não tinham a oportunidade
de verificar o amor de suas esposas como ele o tinha feito.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Com um sorriso, estreitou-a contra seu corpo. Na noite seguinte


lhe contaria tudo e ela compreenderia. Se era capaz de amá-lo apesar
de seu físico pouco atrativo, seria também capaz de compreendê-lo.

Apenas no caso dela se irritar, disse-se com um sorriso, seria


melhor esconder tudo o que se pudesse quebrar. Talvez Jess demorasse
em compreender. Mas ele a domaria, claro que sim.

— Está encantadora, Jessica — ponderou Sayer Montgomery. —


É esse o vestido vermelho que a condessa fez costurar? Verdade que
está encantadora, Alex?

O jovem não respondeu. Ela começou a rir.

— Sim, acredito que gosta do vestido — comentou.

Sayer passeou a vista entre eles.

— Hoje parecem muito felizes. Ocorreu algo?

Jess deixou a taça de chá.

— Alegra-me que ontem à noite não apanhassem o Corsário. Você


recebeu alguma notícia?

— Só que ele escapou e que o contrabando foi escondido a tempo.

Jessica encheu a taça de Alex, enquanto ele se remexia na


cadeira. Ela sabia que gostava de chatear seu pai.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Eu gostaria de saber como soube o Corsário do navio -


murmurou Sayer.

— A mim também. Suponho que soube pela mensagem que


recebeu o almirante, mas eu não o entreguei. Roubaram-me antes que
tivesse podido lê-lo sequer.

— Acha que foi o Corsário quem o roubou de seu quarto? —


perguntou o ancião.

— A plena luz do dia? Duvido-o.

— O quê? — Gritou Alex, saindo de seu relaxamento. — Você


tomou uma mensagem do escritório do almirante? Era isso o que estava
fazendo em seu quarto?

— Te tranqüilize, por favor.

O jovem se levantou de um salto, derrubou sua cadeira e esteve a


ponto de derrubar o chá.

— Sophy sabia? Ajudou-te? Torcerei o pescoço de ambas. Você e


esse maldito vestido vermelho! Se não tivesse sido por isso teria
percebido o que planejavam. Que Deus me perdoe, Jessica, mas...

— Sente-se! — bramou Sayer, interrompendo eficazmente a


argumentação de seu filho. — Não vou permitir que fale desse modo
com uma dama em minha presença.

Alex se afundou na cadeira, triste. Seus olhos disseram a Jess


que já arrumaria as contas com ela mais tarde.

— Quero que beije sua mulher e peça desculpas por seu mau

Saga Montgomery 04
385
O Corsário – Jude Deveraux

gênio. Herdou-o que sua mãe, Jessica. Os Montgomery jamais gritaram


a uma mulher.

Alex continuava sentado, apertando os dentes.

— Eu gosto da idéia — celebrou Jess, absolutamente preocupada


com o arrebatamento de seu marido. Sua única preocupação era que a
irritação pudesse lhe alterar o coração.

Sayer manteve a vista cravada em seu filho até que Alex tomou a
mão de Jess, beijou-lhe o dorso e murmurou algumas palavras
incoerentes.

— Oh... — murmurou a moça, obviamente desiludida.

— Maldito seja! — Uivou Sayer, sem lhe prestar atenção. — Não


pode ser meu filho! Vi-te beijar a essa coquete italiana, que não vale a
metade de Jessica. Que classe de homem é que não sabe beijar sua
própria esposa?

Alex intercambiou um olhar colérico com seu pai. Tomou Jessica


e a abraçou com brutalidade. Embora tivessem a mesa de chá entre
ambos e as taças saíssem rolando entre as tortas, beijou-a com toda a
paixão que acumulava a várias semanas.

— Pronto! — Chiou para seu pai, enquanto sentava Jessica de um


empurrão. — Embora não possa te agradar de outro modo, pelo menos
verá que sei beijar minha esposa. — E se retirou do quarto, colérico.

Sayer observava Jessica, que permanecia em sua cadeira,


totalmente aturdida.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Vá, mulher, vai com ele — lhe disse, brandamente.

A moça se levantou para aproximar-se da porta. Percorreu o


corredor com o olhar perdido e se deteve ali onde ouviu vozes.

Eleanor e Sophy estavam sentadas no quarto de hóspede. Jess


fechou a porta, apoiou-se contra ela e assim que se repôs, disse com
voz tensa:

— Alexander é o Corsário.

— Sim, querida. Com certeza — confirmou Eleanor.

Jess se sentou. Pela mente passavam muitos pensamentos.


Estava casada com o Corsário. Alexander, o fraco, o lento, era o
Corsário.

— Sou a última em me inteirar? — Perguntou.

— A última não, sem dúvida — disse Sophy.

Jess tomou fôlego.

—Quem mais sabe?

Sua irmã levantou a vista de sua costura.

— Vejamos: sabem Nicholas, Nathaniel, acredito que também


Sayer, Sam e...

— Sam! Mas se só tem dois anos! Como é que sou a última em me


inteirar?

— Provavelmente Alex pensou que você se arriscaria muito.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Jessica guardou silêncio por um instante, tratando de deixar que


essa novidade se assentasse em seu interior. Como ele havia obtido
guardar semelhante segredo? E como era possível que ela não
percebeu?

— E você — perguntou a sua irmã — de que modo descobriu?

Eleanor sorriu.

— A quem lava roupa não pode lhe ocultar nada. Os homens


parecem acreditar na existência de duendes verdes que lavam sua
roupa e as guardam em seu lugar. Alex não percebeu que tirei duas
vezes o traje de Corsário para lavá-lo e escondê-lo novamente em seu
lugar. Tive que secar essas roupas penduradas dentro de minha
camisola.

Jess, piscando, voltou-se para Sophy.

— E você?

— Conheci-o na Itália. Nunca adoeceu de febre.

— E Nate?

— Pelo que pude averiguar — respondeu Eleanor — Sayer pediu


a Nate que averiguasse quem era o Corsário. O menino seguiu Alex. Já
sabe que sempre faz de tudo para estar onde você menos imagina.

— Acredito que é por isso que Nate e Sam adoram Alex —


comemorou Jess, que nunca em sua vida havia se sentido tão estúpida.
— Mas Sayer sempre trata Alex com desprezo — adicionou, com a
esperança de não ser a única enganada.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Alex não sabe que seu pai está informado e o senhor


Montgomery nunca disse nada. Talvez pense que, já que Alex não
confia nele, ele não pode confiar em seu filho. Pelo menos os
Montgomery sabem ocultar as coisas entre si, já que não ocultam bem
a suas mulheres.

Eleanor se pôs a rir, enquanto sua irmã pensava: "Confiança. Tudo


se reduz à confiança." Sua mente começava a funcionar outra vez.
Começava a recordar coisas.

A noite de bodas: Alex lhe tinha ordenado que saísse de seu quarto
e o Corsário tinha entrado por sua janela. Alex, lhe dizendo que o
Corsário era incompetente; o Corsário, furioso contra ela por repetir o
que Alex dizia. Ao explodir a pólvora, quando ela estava preocupada
por ver nas mãos o sangue do Corsário, Alex tinha ido em seu resgate
e, vendo seus temores, tinha preferido deixá-la sofrer em vez de dizer a
verdade. Também tinha sido Alex quem arrumou o casamento entre
Ethan e Abigail.

— Como começou isto? — Perguntou. Como era possível que Alex


a tivesse feito passar por tantas coisas? O Corsário dizia que a amava;
Alex dizia que a amava. Mas ambos... não, ele, o único... tinha-na feito
viver no inferno.

Sophy e Eleanor contaram tudo quanto sabiam da transformação


de Alex no Corsário e o modo em que ocultou de seus vizinhos.

— O Corsário não queria casar-se comigo, – sussurrou —


supliquei, mas ele me rechaçou. Disse que Alex não podia me fazer
amor.

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O Corsário – Jude Deveraux

— O quê? — Perguntou Eleanor. — Não ouvi bem.

— Quem era o Corsário ontem à noite, quando Alex e eu


estávamos na colina?

E como era possível que ela não tivesse reparado na energia com
que Alex montava a cavalo, quando ela só pensava em sua saúde?

— Eu me encarregarei de sua saúde — murmurou.

— Ninguém sabe quem era esse Corsário — respondeu Sophy. —


Suponho que Alex estará ficando louco por saber.

— Pois eu me encarregarei de enlouquecê-lo por completo —


assegurou. Jessica se levantou. E saiu do quarto.

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O Corsário – Jude Deveraux

21
Já era muito tarde, quando Jess irrompeu no quarto matrimonial,
com o coração palpitante e falta de fôlego. Alex perdeu imediatamente
a expressão presumida e sapiente que usava.

— O que te aconteceu?

— Não posso dizer. Seria muito para seu pobre coração.

— Ao demônio com meu coração! — Exclamou ele, tomando-a


pelos braços. — O que aconteceu, Jessica?

Ela aspirou profundamente antes de responder.

— O Corsário.

O rosto do Alex tomou uma expressão orgulhosa.

— Sim, querida. Já sei que sabe de tudo.

Jess levou uma mão à testa. Era o epítome da mulher afligida.

— É possível que uma mulher ame a dois homens ao mesmo


tempo? A você por sua inteligência e ao Corsário pelos beijos como de
um momento atrás, no bosque?

Alex sorriu com ares se soubesse tudo.

— É obvio que sim, querida, se seus beijos forem... Beijos? No


bosque? Um momento? Quando?

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O Corsário – Jude Deveraux

— Faz apenas um momento. Estive em seus braços. Oh, Alex, é


tão bom amigo para mim... Posso contar meus pensamentos mais
íntimos, verdade? Detesto andar com segredos. E você?

— Que segredos? Fala de nosso beijo, esta tarde? Posso te explicar


tudo, Jess. Agi com bons motivos. — Olhava-a com olhos suplicantes.

— Não, não, refiro aos beijos dele — exclamou ela, abraçando o


peito com os braços. — Falo de seus abraços, de seu corpo. Esta noite,
quando me tocou...

— Quem te tocou?

Ela o olhou, surpreendida.

— Caramba, Alex, não é habitual que seja tão lerdo de


entendimento. Estou te falando dos beijos do Corsário, é obvio. Faz um
momento, quando me tocou...

— Diz que o Corsário te beijou faz um momento? Alguém te beijou


além de mim, quando o fiz no quarto de meu pai?

— Já estranhava que não compreendesse. O que há entre o


Corsário e eu vai além da simples paixão. É uma comunhão de mentes.
Oh, Alex, queria poder esquecê-lo. Beijar-me-ia outra vez para me
ajudar a esquecer?

Em um momento, Alex tomou-a em seus braços e a beijou com


paixão.

Jessica permaneceu em seus braços por um instante, com os


olhos fechados. Logo se ergueu com ar enérgico.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Não poderia se esforçar um pouco mais, por favor? — Pediu,


com certa exasperação. — É importante, Alex.

Ele piscou um pouco. Logo a beijou no rosto, no pescoço, nas


orelhas, enquanto deixava correr as mãos febrilmente pelo corpo de sua
mulher.

Jess se afastou com um suspiro.

— Não, não é o mesmo. Acredito que sou mulher de um só homem.


Sempre seremos amigos, Alex, mas fisicamente não é igual.

Ele parecia incapaz de pronunciar uma palavra. Jess bocejou.

— Bom, irei para a cama — disse, voltando-lhe às costas.

Alex a puxou por um braço e a fez virar. Arrancou a peruca,


deixando a descoberto uma espessa juba escura, e disse com toda
solenidade:

— Jess, o Corsário sou eu.

Ela abriu os olhos, surpreendida.

— Caramba, Alex, tornou a crescer seu cabelo.

— Não é que tenha tornado a crescer. Sempre esteve aqui.

— Me deixe ver. — Ele inclinou a cabeça para que ela o


inspecionasse. — Ainda está espaçado em algumas partes, mas não se
preocupe. Provavelmente o recupere por completo em pouco tempo.
Sem dúvida isso se deve a meus bons cuidados. Agora, se me
desculpar, eu gostaria de descansar. — E girou novamente para seu
quarto.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Escutou-me, Jess? Disse-te que o Corsário sou eu.

— Claro, sim, é obvio, querido. Não sabe quanto me agrada seu


ciúme. — Sorria-lhe com carinho.

— Como vou ter ciúmes de mim mesmo? Eu sou...

Ela pôs um dedo contra seus lábios.

— Recorde sua saúde, Alex. Não te exija muito. É muito amável


ao tentar me agradar, mas recorde que não se pode enganar a mulher
que beijou a ambos. Esta noite beijei ao Corsário e a você. E me acredite
que há diferença entre os beijos de um e do outro.

Ele voltou a beijá-la com ardor:

— O Corsário beija melhor que isto?

Jess demorou um momento em recuperar-se. Por fim disse:

— Sim. Boa noite, Alex.

E lhe fechou a porta no rosto.

Dentro de seu quarto se serviu um copo de água. Ia tomar, mas


pensou melhor e o jogou no rosto.

— Isto vai ser mais difícil do que eu pensava — murmurou.

Ainda estava trêmula quando se deitou. Depois de recitar suas


preces, adicionou:

— Deus bendito, me perdoe por mentir, mas nunca ninguém


mereceu tanto o que vai acontecer a Alexander Montgomery.

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O Corsário – Jude Deveraux

Demorou longo momento em conciliar o sono. Por duas vezes


despertaram os passos de Alex, que andava pelo quarto vizinho. "Estou
casada com o Corsário", pensou, sorridente, e voltou a dormir.

Ao chegar à manhã despertou, feliz, e refletiu sobre o que tinha


descoberto no dia anterior. Não conseguia convencer-se por completo
de que seus dois homens fossem, em realidade, o mesmo, mas a idéia
era muito agradável de ter em conta.

Naturalmente, não permitiria que Alex compartilhasse sua


felicidade, pelo menos por um tempo. Ele não tinha revelado sua
identidade de Corsário por acreditá-la muito estúpida para guardar o
segredo... ou muito maluca, talvez.

Ao recordar todas aquelas vezes em que Alex a tinha obrigado a


defender o Corsário e as coisas terríveis que o mascarado dizia de
Alex...

Ouviu que se movia o trinco da porta intermédia e se aquietou


entre as mantas, fingindo que estava adormecida.

— Jessie...

Voltou-se para ele, sonolenta. Alex não tinha colocado a peruca,


mas sim, os acolchoados. Tinha os olhos avermelhados pela falta de
sono e uma expressão devastada. Nunca o demônio tinha brilhado tão
angelical. Jessica lhe dedicou o mais doce de seus sorrisos.

— Dormiu bem, Alex?

Quase ronronava, sem deixar de pensar nas vezes que o Corsário


a tinha feito chorar.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Eu gostaria de falar contigo.

Ela se levantou na cama.

— Oh, quando quiser, Alex. Sempre estou disposta a te escutar,


tudo quanto queira me dizer.

Ele se sentou em um banquinho junto à cama, com os braços


apoiados no colchão, e estudou as mãos.

Jess disse com suavidade:

— Compreendo o que houve ontem à noite. Certamente o


provocou a desilusão de seu pai. Mas já lhe falei de todo o bem que faz
na cidade. Não se preocupe. Cedo ou tarde começará a compreender
que tem certa coragem. Não precisa que finja ser o Corsário para que
ele ou eu o amemos.

Alex não levantou a vista.

— Jess, o que pensaria se descobrisse que eu sou realmente, o


Corsário?

Ela esperou que ele a olhasse. Então respondeu com toda a


simplicidade e a inocência que pôde:

— Olhe, odiar-te-ia. Não poderia voltar a dirigir-te a palavra,


muito menos continuar vivendo contigo. É uma possibilidade muito
horrível. Significaria que você mesmo, me disse que o Corsário era
incompetente e depois se zangou quando repeti essa opinião ao
Corsário, quer dizer: a você, e me fez sofrer com sua irritação.
Significaria que me humilhou quando roguei que se casasse comigo,

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

sabendo que em realidade ia casar-me contigo. Não Alex, não posso


acreditar que um homem fosse capaz de uma atitude tão abjeta, falsa,
traidora, enganosa e covarde. Se um homem atuasse de um modo tão
detestável, odiá-lo-ia com todo meu coração, porque teria jogado com
meus sentimentos e com minha vida.

De repente se interrompeu com um sorriso.

—Não, Alex, você é um homem bom. Por isso te amo. Sei que em
outras circunstâncias, em outro estado de saúde, teria sido tão viril
como o Corsário, mas não posso acreditar que fosse tão falso para se
apresentar no duplo papel de Alexander Montgomery e do Corsário.
Responde isso a sua pergunta?

Alex assentiu, muito pálido.

— Pensa continuar usando sua peruca agora que tornou a crescer


o cabelo?

— Não o... não o tinha pensado — respondeu ele, rouco.


Sussurrou contra sua bochecha.

— Ainda está um pouco espaçado. Seria melhor que a mantenha


coberto e reze pedindo que cresça mais. Em realidade, no momento fica
melhor com a peruca.

Durante três dias, Jessica fez todo o possível para amargurar a

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

vida de Alexander. E o fez de tal modo que ninguém - com exceção da


Eleanor - pôde jogar-lhe isso no rosto. Atendia-o como se fosse um
bebê, falava-lhe como a um menino retardado e fazia todo o possível
para tentá-lo sexualmente.

Encomendou outro vestido, de cetim verde esmeralda, e cobriu o


grande decote com uma parte de renda que tinha sido de sua sogra.
Quando ficaram sozinhos no quarto, tirou a renda e se agachou diante
dele várias vezes, aproveitando qualquer desculpa. Acabou com dor de
costas, mas valia a pena por vê-lo suar.

Durante o jantar lhe cortava a carne, repreendia-o se não comesse


as verduras, não permitia que os meninos subissem em sua saia e, em
geralmente, demonstrava de mil modos que o considerava fracote.
Eleanor a observava com fúria. Sophy, em troca, brilhava de prazer, até
anunciou que ficaria alguns dias mais.

Nem Mariana, nem Pitman pareciam ver nada de extraordinário


na conduta da moça.

E Jess não perdia oportunidade de manifestar a Alex sua alegria


de que ele não fosse o Corsário. No minuto seguinte assegurava que,
se ele fosse o Corsário, pedir-lhe-ia o traje negro e o acompanharia em
suas cavalgadas. Criava longas fantasias sobre o romântico casal: O
senhor e a senhora Corsário. Se os enforcassem, seria em forcas
gêmeas.

Cada vez que ela falava assim, Alex empalidecia e Jess se


enfurecia mais e mais. Era possível que acreditasse ela era tão
estúpida?

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Na tarde do terceiro dia disse a Alex, com toda intenção, que ia à


Enseada Farrier. Seu marido estava tão deprimido que teve que repetir
o aviso duas vezes para fazê-lo reagir. Logo Jess foi para o salão, onde
Eleanor estava inclinada sobre o fogo.

— Já deveria acabar com isto — a repreendeu sua irmã. — Esse


homem te adora e o está fazendo sofrer muito.

— Ele também me fez derramar muitas lágrimas. — Jess cravou


uma raiz de sumagre em um espeto e se dedicou a torrá-la.

— O que está fazendo?

— Um pouco de "remédio" para meu marido.

Muito sorridente, deixou cair à raiz chamuscada em uma caneca


de água fervente. Retirou os pedaços mais horríveis da superfície e
levou a preparação para Alex.

— Aqui está, queridinho — disse, como se falasse com um ancião


inválido. — Com isto se sentirá melhor.

Alex o farejou com uma careta.

— Vamos, vamos, deve tomar seu remédio. Toma tudo como bom
menino. Faça-o por mamãe.

E lhe voltou às costas, embora nem tanto que não pudesse vigiá-
lo pela extremidade do olho. Quando viu que arrojava o asqueroso
líquido pela janela, fingiu se voltar distraidamente e recolheu a caneca.

— Assim eu gosto. Agora descanse, que mamãe tem um ou dois


recados que fazer.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

Não demorou em sair da casa dos Montgomery e correu à Enseada


Farrier. Tinha certeza de que Alex mudaria de roupa, remaria até Ilha
Fantasma e iria à enseada. O Corsário não deixaria de apresentar-se
ali. E ela estava disposta a recebê-lo.

Alegrou-se tanto em vê-lo que duvidou poder levar a cabo o que


tinha planejado. Enquanto o via correr para ela se maravilhou de não
ter notado a aparência entre o Corsário e Alexander: tinham as mesmas
mãos e os mesmos lábios. O mascarado caminhava majestosamente
como todos os Montgomery, com os ombros para trás e pisando com
ligeireza.

Abriu-lhe os braços. Como tinha desejado esses lábios e não os de


Alex?

O Corsário a abraçou imediatamente e Jess compreendeu que


devia pronunciar imediatamente o discurso preparado. Do contrário
perderia sua decisão.

— Está crescendo outra vez seu cabelo, mas tão escasso que me
dá pena. E tem um hálito horrível, como se se estivesse apodrecendo
por dentro.

— O quê? — Murmurou o Corsário, mordiscando seu pescoço.

— Temo que meu marido esteja morrendo. Abrace-me, por favor.


Que reconfortante é estar entre braços fortes... Alex é tão fraco que devo
lhe sustentar pelos braços em torno de mim. Oh, por favor, me faça
amor.

Ele estava desatando os laços do seu vestido, mas se deteve.

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

— Te fazer amor? Mas se é casada! Está casada com outro.

Afastou-a de si com um empurrão.

— Acredito que Alex compreenderia — sugeriu ela, aferrando-se a


ele.

— Compreenderia que outro homem fizesse amor com sua


esposa? Não há nenhum homem que compreenda semelhante coisa.

E se afastou um passo.

— Mas ele não é um homem de verdade. Quer dizer, não é de todo


homem — aduziu Jess, voltando a abraçá-lo.

O Corsário a largou.

— Poderia vir te buscar.

— Não. Dei-lhe uma poção para dormir. Passará a noite roncando.

— Drogou-o? — Horrorizou-se o mascarado.

— Queria estar a sós contigo. Tinha certeza de que viria. Volta


para mim, por favor. Dispomos de toda a noite para estarmos juntos.

— Jessica Taggert, acreditava-te honrável, mas já vejo que não o


é.

— E quem fala agora de honra? Você, que insistiu que me casasse


com outro. Você, que entrou por minha janela na noite de minhas
bodas, quando meu pobre e débil marido estava a dois metros de
distância.

— Para nós, os homens, é diferente.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Diferente, um nada! — Chiou ela, espantando-o um pouco


mais. — Anda, vai, vai. Prefiro mil vezes a meu marido fedorento e
careca. Não sabe beijar, mas pelo menos tem miolos.

E abandonou a enseada.

Quando chegou na casa dos Montgomery se sentia culpada.


Depois de tudo, Alex estava sofrendo porque a amava. Temia revelar
sua identidade do Corsário por medo de seu ódio.

Mas voltou a recordar os jogos ruins que lhe tinha feito, em


qualquer uma de suas duas identidades, e se endureceu.

Na manhã seguinte recebeu a perseguição de sua irmã.

— Jessica, deve terminar com esse jogo. Alexander está cada dia
pior. Agora passa o dia soprando seu hálito na mão para cheirar se tem
cheiro ruim. E esta manhã me perguntou se usar peruca prejudica o
cabelo natural.

Jess sorriu.

— Não estou fazendo nada não ser o que merece. Quando penso
nas coisas que me fez passar...

— Os dois estão jogando muito sujo. Agora deveria dizer-lhe tudo.

— Ainda não.

— Se não disser logo, Jessica, não ficará muito dele. Ultimamente


se nega a comer as coisas que você toca.

Jessica se pôs a rir.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Não haverá dito ao Corsário que estava envenenando Alex?

— Mais ou menos.

Ainda sorria quando a deteve John Pitman. Geralmente, fazia o


possível por evitá-lo, agradecida porque a casa era ampla e lhe
permitisse esquivar de sua presença.

— Jessica, quero comprar sua enseada.

— O que? — Perguntou Jess, acreditando ter ouvido mal, pois a


enseada onde se elevava a arruinada casa dos Taggert não valia um
prato de comida fria.

Pitman repetiu seu pedido, acompanhando de uma boa soma de


ouro.

"Se tiver algo dentro dessa cabeça, chegou o momento de usá-lo",


pensou. E concedeu com um sorriso:

— Trato feito. É tua.

“Já me encarregarei de averiguar para que a quer”, disse para si


mesma.

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O Corsário – Jude Deveraux

22
Jessica observou furtivamente Pitman durante dois dias e duas
noites antes de segui-lo. Cuidou bem de não dizer nada a Alex sobre o
que planejava, para que ele não se sentisse na obrigação de "salvá-la".

Depois de sair pela janela, começou a seguir o homem, mantendo


uma boa distância, já que sabia para onde ia.

Ele se deteve diante da velha casa dos Taggert. Olhou a seu redor
e tirou de sob seu casaco uma rede leve, sem peso, que jogou na água
da borda da enseada.

"Para que pesca de noite?", perguntou-se Jess, estranhando.

Um minuto depois, um grande peso aterrissou sobre ela.

Uma mão tapou sua boca.

— Quieta — sussurrou a voz de Alex, em seu ouvido.

Jess lutou um pouco. Quando se viu livre, exclamou:

— Quase me sufocou! O que faz aqui?

Ele se deitou a seu lado. Usava a peruca menor e uma simples


jaqueta marrom.

— Ouvi que se movia muito em seu quarto e fui investigar.

— Não estava dormido?

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O Corsário – Jude Deveraux

Ele a olhou muito de perto, com tanto ardor que Jess sentiu certa
queimação na pele.

— Ultimamente não durmo muito bem.

Jessica tratou de dominar-se.

— Esta umidade te fará mal, Alex. Deve...

— Silêncio! — Ordenou ele, sem deixar de observar Pitman entre


as árvores. — Me conte o que está acontecendo. E não quero mentiras.

Ela sorriu na escuridão, novamente assombrada de não ter


percebido que Alex e o Corsário eram uma mesma pessoa.

— Pitman me ofereceu um saco de ouro por minha terra.

— Por essa terra? — Exclamou Alex.

Ela lhe arrojou um olhar de desgosto.

— O que faz esse homem?

Jess se estirou para olhar.

— Acaba de tirar a rede cheia de ostras. Está as abrindo. Agora


arroja outra vez ao mar.

Alex se levantou um pouco.

— Parece-me que está guardando uma ostra no bolso, não?

— Ostras com molho de pelúcia — comentou Jess, muito


sorridente.

Ele fez uma careta.

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O Corsário – Jude Deveraux

Jess voltou a sentar-se, observando seu marido, que a rondava.


O acolchoado de algodão nas calças dissimulava suas coxas fibrosas,
mas suas grandes panturrilhas não tinham almofadas: eram puro
músculo, adquirido durante anos em caminhar pelas coberturas
ondulantes de navios.

— Se tivesse vindo o Corsário — suspirou Jess, melancólica. —


Saberia o que fazer.

Alex se sentou junto a ela, sem perder Pitman de vista.

— Não disse que era mais corajoso que inteligente?

— Quando se trata de coragem, intui o que é preciso fazer. Como


por instinto.

Alex entrecerrou os olhos.

— Tornou a vê-lo, Jess?

— Do modo que você pensa, não. Trata de convencer-me que vá a


sua cama, mas resisto. Sou sua fiel esposa.

— Oh, maior...!

— Está indo — anunciou Jess, aconchegando-se contra o corpo


de Alex para procurar seu calor. Uma coisa, pelo menos, sabia fazer
muito bem: silenciar Alexander.

Alex, esquecido de Pitman, deitou-se junto a ela e começou a


beijá-la. Jess ia perdendo as forças.

— Não deveríamos observar Pitman? — propôs.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Sim, dentro de um momento — murmurou ele, buscando seus


lábios.

— Alex! — Empurrou-o com todas suas forças. — Primeiro não


podia conseguir que me beijasse. Agora não pode deixar de fazê-lo.
Saiamos daqui, que tenho frio — mentiu.

Na verdade, estava transpirando na parte baixa das costas. Se não


interrompia logo aquela atividade não poderia resistir.

Conseguiu ficar de pé, os seios palpitantes, o rosto arrebatado, o


corpo faminto dele. Recolheu as saias, girou sobre seus calcanhares e
correu para a água.

Longe de Alex pôde pensar com mais claridade. Sabia que na parte
traseira da casa tinham ficado algumas redes podres e foi em busca da
melhor. Quando voltou, Alex estava de pé na borda da água.

Ela evitou olhá-lo para que não recebesse suas olhadas ardentes,
desejosos. Do contrário acabariam outra vez deitados na areia.

— Jessie.

— Fique ali, Alex, e busca uma pederneira. Vou recolher algumas


ostras e você as abrirá. E não te atreva a me tocar. Anda!

Pederneira – Pedra muito dura formada principalmente de dióxido de silício


(Química), que com atrito solta chispas de fogo.

Com um leve sorriso, Alex recolheu as primeiras duas ostras que

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O Corsário – Jude Deveraux

ela lhe jogou.

— Não estou tão doente como você acha, Jess. Em realidade, sob
a claridade da lua a vejo tão linda que bem poderia...

— O quê? — Inquiriu ela, impaciente.

Talvez já o tivesse castigado bastante. Talvez ela mesma tivesse


recebido suficiente castigo. Talvez fosse hora de reconhecer que sabia
tudo.

Alex se aproximou.

— Olhe isto.

Seus dedos mostravam, à luz da lua, uma pérola, gorda e perfeita.

— Pérolas nestas águas? — exclamou a moça. — Agora


compreendo porque queria comprar minha enseada. Será rico, Alex.

Mas ele continuava estudando a pérola.

— Eu achava que tinha desaparecido.

— De que fala? Toma, abre estas ostras.

— Do colar de pérolas de minha mãe.

— Do colar... Quer dizer que estas pérolas foram postas aqui?

— Acha que Pitman verá os buracos abertos nas pérolas? Com tão
pouca luz não o vejo, mas diria que o preencheram com uma massa.

— De que fala? — exclamou Jess. — Oh, Nathaniel!... Isto é obra


dele. Já verá quando o apanhar.

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O Corsário – Jude Deveraux

Alex a puxou pelo braço antes que pudesse mover-se.

— Nathaniel fez, sem dúvida, mas o plano não é idéia dele. —


Guardou a pérola no bolso. — Meu cunhado desvia recursos dos
Montgomery e usou o dinheiro para comprar tuas terras. Desse modo,
o dinheiro fica na família.

— Ideia de seu pai — adivinhou ela.

— Exatamente: de meu pai, esse demônio ardiloso. Pelo que


parece, contra o que eu pensava, está informado do que faz seu genro.

— É capaz de qualquer coisa para proteger seus filhos —


assegurou Jess, embora Alex parecesse não escutar. — Talvez não
queria fazer sofrer a sua irmã.

Ele pôs-se a caminhar.

— Voltemos.

— Sim, tem que dormir.

Alex se limitou a apertar o passo e Jess teve que apressar-se para


não ficar para trás. Já na casa, ele a deixou em seu quarto com ordens
de não mover-se dali. Jess começou outra vez a falar de sua má saúde,
mas bastou um só olhar para que ela se sentasse na cama,
prometendo:

— Não me moverei daqui, prometo-o.

Alex foi ao dormitório dos varões, levantou Nathaniel e o levou nos


braços, meio adormecido, ao quarto de seu pai. Ali o jogou no colchão,
junto de Sayer.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Que diabos...! — Exclamou o velho.

Alex acendeu um abajur.

Nate se levantou na cama, enquanto Sayer mexia nos cobertores,


tratando de endireitar-se.

— Olá, senhor Alex — saudou o menino. — Aconteceu algo?

Alex tirou a pérola do bolso e a jogou no pai.

— Não parece ser conhecida?

O ancião olhou para Nate. Depois, a seu filho.

— Poderia ser.

— Quantas colocou nas ostras, Nate?

Nathaniel parecia ter vontade de fugir. Não gostava de ver-se


apanhado entre os dois homens.

— Acredito que nos descobriu — disse Sayer. — Mas demorou


muito, Alex.

O jovem demorou um momento em compreender.

— O que sabe você? — Inquiriu, em voz baixa.

O pai o olhou nos olhos, intensamente.

— Que eu não tenho filhos covardes.

Alex não soube se ria ou se enfurecia. Tinha passado semanas


inteiras odiando seu pai, enquanto ele sabia de tudo.

— Parece que sabe guardar segredos — disse.

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O Corsário – Jude Deveraux

— De você não se pode dizer o mesmo. Se não tivesse sido porque


alguns dos que vivem nesta casa lhe protegessem, faz tempo que
estaria morto.

— Jess me ajudou várias vezes, mas não ajudava a seu marido, a


não ser a outro homem. Não sabe que eu sou o Corsário.

— Claro que sabe! — Exclamou Nate. Mas caiu sob o olhar


fulminante de Sayer.

— O quê? — chiou Alex. — Nathaniel, se não me disser a verdade


vou te esfolar. Sabe Jessica que sou o Corsário?

O ancião estendeu uma mão.

— É obvio. Sabe desde que a beijou neste mesmo quarto. Pareceu-


me que já a tinha atormentado de sobra e quis pôr fim ao assunto. Jess
é uma boa moça; não merecia o que você estava fazendo.

— Mas disse que eu não beijava... E que meu cabelo... –


interrompeu-se, meneando a cabeça. — Já ajustarei contas com ela.

— Estão saldadas de antemão — Soprou o ancião. — Não pode se


esquecer de sua mulher por um momento e se concentrar nas pérolas?
Teremos convencido Pitman de que a enseada está cheia de ostras
perlíferas?

Alex contou o que tinha visto e concluiu:

— Ofereceu a Jess o quádruplo do que valem essas terras.

— É meu dinheiro — murmurou Sayer. — Diga a Jess que peça


mais. Ainda recuperarei todo o dinheiro dos Montgomery.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Pensei que não estivesse informado de suas fraudes.

O pai o olhou com frieza.

— O que poderia fazer? Acusar meu próprio genro? Arrastá-lo até


os tribunais? Talvez você não seja leal a sua família, mas eu sim.

Alex se limitou a sorrir. Já que seu pai não acreditava que ele
fosse covarde e efeminado, nada poderia fazê-lo se zangar. Enquanto
brincava com a renda de sua manga, perguntou:

— Quantas pérolas puseram e quantas foram achadas?

— Descontando esta e a que Pitman encontrou, calculo que ficam


três. Se Jess esperar, ele melhorará a oferta.

— E o que acontecerá se descobrir que está sendo enganando?

— É muito ambicioso. Não se dará conta de nada. Agora bem,


vocês são jovens e podem ficar sem dormir, mas eu não. Para a cama,
os dois. E você, filho, vá se encontrar com sua esposa e termine com
esta comédia. Pode confiar nela.

— É provável — respondeu Alex, sem comprometer-se. — Para a


cama, Nate. — Seguiu o menino até a porta, mas se voltou
impulsivamente para abraçar seu pai e lhe dar um beijo na bochecha.
— Obrigado por acreditar em mim.

— Hum! — pigarreou Sayer. — Quando eu faço um varão, segue


sendo varão até a morte.

Alex sorriu.

—Sou comparável ao Adam e Kit?

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O Corsário – Jude Deveraux

Sayer o olhou como se o acreditasse louco.

— Quando vir a esses dois direi o que penso deles, por não ter
vindo quando eu precisava. Eu não gosto nada que o tenham deixado
sozinho para salvar toda a cidade. — Tomou sua mão, rindo entre
dentes. — E direi que você está fazendo um bom trabalho. Até
conquistou uma beleza como Jessica sem sequer tirar a peruca. É todo
um Montgomery, meu filho, e um dos melhores.

Alex saiu daquele quarto como se medisse seis metros de estatura.

Eleanor ria de Jessica, que lutava com dois cântaros de água


quente, olhando-a maldosamente.

— A culpa é tua — acusou a mais velha — pois se empenha em


continuar com este jogo. Por que não diz a Alex que está sabendo de
tudo?

Jess mudou de posição os cântaros.

— Ele acha que estou convencida de que está morrendo.


Enquanto não confiar em mim o suficiente para me dizer a verdade,
não posso lhe dizer que estou sabendo.

Eleanor levantou as mãos, exasperada.

— Não pode dizer a verdade porque o tem deixado quase


impossível. Está bem, faça o que queira. Atende-o até que lhe caiam os

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O Corsário – Jude Deveraux

dedos, pouco me importa...

— Obrigada — respondeu Jess, enquanto caminhava pelo


corredor com a água quente.

— Ele sabe — disse Sophy. — Alexander sabe que ela sabe.

— É obvio! — disse Eleanor. — Mas vou deixá-los com seus jogos


de apaixonados.

— A propósito, por falar de apaixonados, onde esteve ontem à


noite com esse gentil russo?

Eleanor se ruborizou.

— Hummm — murmurou a condessa — acredito que vou adiar


minha viagem por mais um dia. Não suporto ficar sem saber como
termina tudo isto.

— Aqui está, Alex — disse Jess, com ternura, enquanto depositava


as vasilhas com água quente aos pés de Alex.

Tinham passado dois dias desde que viram Pitman na enseada


dos Taggert. Jessica começava a duvidar de que Alex fosse, na
realidade, o Corsário. Tinha muito má aparência, parecia muito fraco
para levantar-se e não comia. Limitava-se a permanecer na cama, com
os olhos entrecerrados. A moça já temia haver se equivocado, pois como
era possível que esse doente fosse o Corsário?

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O Corsário – Jude Deveraux

Pouco antes do anoitecer, Alex adormeceu e Jessica abandonou o


quarto para sair e aproveitar um pouco do ar fresco. Sem dar-se conta
da direção de seus passos, estava na Enseada Farrier.

Enquanto observava o pôr-do-sol, as lágrimas começaram a correr


pelo seu rosto. Não podia deixar de ter autocompaixão. Tinha amado a
dois homens e já não tinha a nenhum dos dois.

— Jessie...

O Corsário estava ali, na penumbra crescente. Jess deu um passo


para ele, mas o viu retroceder e se deteve.

— Faz dias que te espero. Tenho algo importante que dizer.

Jess enxugou as lágrimas. Agora diria que Alexander e o Corsário


eram a mesma pessoa. Apagaria todos seus temores de que isso não
fosse verdade e a tranqüilizaria sobre a saúde de Alex. Por fim confiaria
nela.

— Estive pensando no que ocorreu entre nós e agora compreendo


que tem razão.

— Sim — disse Jess, sorrindo.

Estava certa. Era digna de confiança, não era uma tola como ele
pensava e merecia conhecer a verdade.

O Corsário baixou a vista para o chão, como se custasse muito


expressar o que tinha para dizer.

Jess teve compaixão.

— Não é fácil dizer isso, mas por fim te escutei. — Ele levantou a

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O Corsário – Jude Deveraux

cabeça. — Depois de tudo, é certo que está casada e eu devo respeitar


esse estado. Cynthia Coffin me deu a entender que adoraria receber
minhas atenções. Portanto, de agora em adiante visitarei a ela e te
deixarei em paz com seu marido.

Ele lhe deu as costas.

Pelas veias de Jessica correu a fúria. Deu um grande salto e se


pendurou nas costas dele com uma mão, para golpeá-lo com a outra
em qualquer parte que estivesse ao seu alcance.

— Vou te matar, Alexander Montgomery! Se tocar a outra mulher


porei um molusco vivo na...!

Alex a pôs frente a si para beijá-la.

Ela arrancou sua máscara.

— É você — sussurrou.

— O de boca cruel — disse Alex. — Esse pedaço de alga que tomou


por marido.

Tinha-a levantada no ar. Ela começou a espernear.

— Olhe o que me fez passar! Nossa noite de bodas! Passei


chorando, enquanto você veio e foi pela janela.

— E o que me diz de Ethan Ledbetter? E aquilo de que nenhuma


mulher me quereria, de que só procurariam meu dinheiro e de que os
Montgomery “bons”, não haviam respondido à convocatória? E o modo
com que me converteu no bobo de todos? Eu tinha uma ferida de bala
e estava sangrando, mas você disse que eu estava ébrio.

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O Corsário – Jude Deveraux

Ela estava beijando seu rosto e entranhava os dedos em seu


cabelo.

— Mas não diz que te salvei da pólvora e que morria de aflição,


com as mãos cheias de sangue. E você, vivinho e abanando o rabo, via-
me sofrer sem dizer nada.

— Mas recorda quando voltamos a nos ver, depois daquilo?


Chorou contra minhas costas.

Ela o abraçou.

— Oh, Alex, como pôde se mostrar de dois modos tão diferentes?


Alex é delicado e suave. O Corsário, em troca... — interrompeu para
olhá-lo. — Menos mal que a máscara te cobria esse narigão. Do
contrário todo o condado o teria reconhecido.

— Narigudo? — Protestou ele, ameaçador. — Já verá onde posso


meter meu narigão.

Jessica chiou de prazer enquanto Alex começava a lhe desatar o


vestido e a acariciava. A carregou no quadril como se fosse uma criança
e seguiu despindo-a sem deixar de beijá-la.

— Não lamenta que não possa ficar com Adam? — Perguntou


contra seus seios.

— Não amo a outro homem que não a você, Alex. Embora seja mil
pessoas em uma, só amo a você.

Ele a depositou no chão, deixando pequenos círculos quentes de


sua boca nos seios, no ventre e nas coxas. Jess o buscou com os dedos

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O Corsário – Jude Deveraux

e fez um gesto impaciente ao tirar a roupa dele.

Alex se apressou a despir-se e se deitou junto a ela, mas Jess o


afastou.

— Quero ver-te inteiro. Quero ver se é realmente Alexander.

Alex, rindo entre dentes, permaneceu imóvel e se deixou


inspecionar a luz crepuscular.

Aquela era a primeira vez que Jess podia ver seu rosto e seu corpo
ao mesmo tempo. Deslizou a mão por um ventre plano e suave e olhou
suas feições. Eram, na verdade, as de Alex.

— Satisfeita? — Perguntou ele.

— Nem para indício — assegurou a moça, baixando a mão até


capturar seu membro viril.

Alex a atraiu para si. Já não ria.

— O tempo foi muito longo, Jess.

— Sim — foi tudo quanto ela pôde responder.

O jovem acariciou suas coxas até senti-la impaciente.

— Alex...

A união foi tão suave como o chapinhar da água contra o casco


de um navio.

Ele fez amor com suavidade, lentamente, até que a paixão chegou
a seu ponto culminante. Jess abriu os olhos por um momento e sorriu,
um pouco confundida. O único homem com quem tinha feito amor

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O Corsário – Jude Deveraux

usava sempre máscara. Alexander tinha sido sempre um gordo


inválido. Mas em seguida deixou de pensar.

Aferrou-se a ele por um longo instante, relutante em soltá-lo,


temerosa de que ele voltasse a desaparecer.

Alex pareceu compreender o que ela sentia e se afastou para


sorrir.

— Em quem me converto agora? No Corsário ou no Alexander?

Jessica ficou bruscamente séria.

— Em público terá que continuar sendo Alexander. Do contrário


as pessoas se darão conta de que é o Corsário...

— Mas te incomodaria que me apresentasse de noite como


Corsário? — Inquiriu ele, fazendo cocegas no seu pescoço.

— Pode abordar tudo o que encontre em sua cama.

— Ah, sim? — Riu ele. — Agora vai dormir comigo?

— Sempre quis dormir contigo — protestou ela. E começou a rir.


— Oh, Alex, por isso não me queria em sua cama. Para que não
descobrisse...

— Era inevitável que você percebesse. E descobriu tudo quando


te beijei por ordem de meu pai, verdade?

— Hum, pode ser.

Alex começou a lhe fazer cócegas.

—"Caramba, te odiaria, Alexander" — repetiu, com voz de falsete.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Me chamou de mentiroso, falso e desprezível. Justamente você! E


criticou meu cabelo!

— É certo que está meio espaçado, Alex.

Ele esfregou o rosto contra seu seio nu.

— Outra conta a ajustar contigo.

— Acredito que levarei toda a vida.

— Pelo menos — assegurou ele, com olhos cintilantes. — Voltemos


para casa. Tenho que voltar a me vestir de Alex para o jantar. E esta
noite a tomarei por abordagem.

Jessica riu entre dentes.

E um segundo depois explodiu o inferno. Concentrados no amor,


não tinham escutado os seis homens que acabavam de rodear a
enseada, com abajures cobertos por panos negros.

Alguém deu uma ordem e os panos foram retirados. Jess e Alex


se encontraram em um atoleiro de luz, rodeados por seis homens
lascivos.

Alex a cobriu com seu corpo o quanto pôde, enquanto recolhia o


vestido para jogar-lhe em cima do corpo. Diante deles estava o
almirante. Atrás, Pitman.

— O prendo em nome do rei, Alexander Montgomery — trovejou o


almirante — pelo delito de traição.

Pitman avançou, veloz, e recolheu a máscara que Alex tinha


deixado cair descuidadamente na praia.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Isto te ensinará a não brincar comigo — disse, enfrentando-o.


— Pensou que não perceberia a armação dessas pérolas?

— Mas se Alex... — começou Jess.

Ele a interrompeu.

— Afastem esses abajures e deixem que ela se vista — disse. —


Os acompanharei.

— Não, Alex! — Gritou a moça.

O almirante indicou por sinais que afastassem os abajures. Alex


se ergueu em toda sua estatura, orgulhosamente nu.

Ela se vestiu na escuridão, enquanto ele o fazia no círculo da luz.


A seda negra, seu porte, a amplitude de seus ombros e o ventre plano,
já sem acolchoados, proclamavam claramente quem era.

Afastou-se com os soldados sem olhar para trás.

— Achei-o e o perdi em uma só noite — sussurrou Jessica.

E começou a correr.

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— Alex foi detido — disse Jessica, entrando com uma batida de
porta na sala de jantar dos Montgomery.

— Oh, meu Deus!

Eleanor começou a chorar, estremecida.

— Por quê? — Inquiriu Mariana. — Por espantar o sol com suas


jaquetas?

Jessica deu rédea solta a sua fúria e seu medo.

— Por ser o Corsário — gritou. — E quem o traiu foi seu marido!

Nicholas entrou na sala antes que Mariana pudesse falar.


Imediatamente se aproximou de Eleanor para tomá-la nos braços.

— É por Alex?

A moça assentiu contra seu ombro.

— Isto é ridículo — afirmou Mariana. — Se Alexander for o


Corsário, eu sou Cleópatra. Morreria de fome se Jessica não lhe
cortasse a comida. Quando virem o tamanho de sua barriga o deixará
em liberdade.

Pelo rosto da Jessica começaram a correr lágrimas ardentes.

— É que não tem barriga. Não tem nenhuma enfermidade,

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Mariana. É perfeito, é... — o pranto não a deixou terminar.

— Perfeito, Alexander? Mas se é gordo e...! — Mariana se


interrompeu, com os olhos arregalados. — Isso significa que Alex é
realmente o Corsário?

Ninguém se incomodou em responder.

— Devo dizer a seu pai — recordou Jess, tentando se dominar.


Correu pelo corredor e irrompeu no quarto do Sayer.

O ancião mudou de rosto ao vê-la.

— Alex — exclamou, adivinhando.

E Jess respondeu como fazia cada vez que estava alterada: correu
para seus braços.

— Pitman o denunciou. Descobriu a armadilha das pérolas e ficou


furioso. Nesta casa deve ser fácil espionar. O almirante deteve a Alex.

Sayer lhe acariciou as costas e a deixou chorar por um momento.


Por fim a afastou, dizendo.

— Devemos fazer um plano.

— Vão enforcá-lo. Pobre de meu Alex.

— Basta já! — ordenou Sayer. — Nenhum Montgomery morre na


forca. Morremos por balaços, por feridas de espada ou esmagados por
tonéis, mas nunca na forca. Entendeu? Agora deixa de choramingar e
pensemos. Antes que nada, traga Eleanor e ao russo de Alex. Também
a essa mulherzinha italiana e ao jovem Nathaniel. Dê a Mariana um
copo de whisky e diga que se deite. Esta noite trataremos de idealizar

Saga Montgomery 04
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O Corsário – Jude Deveraux

um plano.

Foi Sophy quem pôde pensar com mais racionalidade. Eleanor,


Jessica e Nathaniel estavam a cada instante a beira das lágrimas. Sayer
e Nicholas, furiosos.

— Que provas há de que Alex seja o Corsário? — Perguntou a


condessa.

— É meu filho — uivou Sayer. — E sendo meu filho...

Sophy lhe deu um beijo na testa e piscou o olho para Jess.

Logo o tentou outra vez.

— Eu acredito que temos tempo. Não acredito que o almirante


pense em enforcar Alex amanhã. — Levantou uma mão para sossegar
os protestos. — O almirante vai querer gabar-se. Mandará buscar mais
ingleses para que venham vê-lo. Pelo menos, parece-me que é vaidoso.

— A senhora Wentworth teve que lhe dar seu espelho francês para
que admirasse seu uniforme — recordou Eleanor.

— Sim, isso dizia — continuou Sophy. — Se houvesse outra


pessoa que se fizesse passar pelo Corsário... Se se produzissem novas
incursões enquanto Alex estivesse no cárcere...

E olhou para Nicholas.

— É mais alto que Alex — apontou Jess. — As pessoas


perceberiam imediatamente.

— Ninguém percebeu nada quando me fingi de Corsário —


corrigiu Eleanor.

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O Corsário – Jude Deveraux

Todos se voltaram para ela, que se movia na cadeira, inquieta.

— Encontrei a mensagem que Jess tinha tirado do almirante.


Tinha caído no chão e as correntes de ar o deixaram sob o cais. Assim
soube que os ingleses pensavam em inspecionar o Poinciana quando
quase toda a tripulação estivesse em terra. Como Alex e Jess tinham
saído, tomei emprestadas as roupas do Corsário e afastei os soldados
do navio.

— E esteve a ponto de que te matassem — chiou Jess. — Se salvou


porque eu vi do alto da colina e Alex correu para ajudar.

— Sim, mas se você...

Sophy se interpôs entre as irmãs.

— Acredito que tenho um plano. Acima de tudo devemos averiguar


o que está acontecendo. Jess, acha que as senhoras Wentworth
ajudariam Alex?

Jess se mostrou solene.

— Nesta cidade todos morreriam por salvá-lo. Fez muito para


ajudá-las.

— Então tenho uma idéia.

—Tinha certeza de apanhá-lo — dizia o almirante, sentado à mesa

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O Corsário – Jude Deveraux

dos Wentworth. — Nunca me enganou com essa peruca e esse falso


ventre. Suspeitei dele desde o princípio.

A senhora Wentworth colocou a taça contra a mesa. Seu marido


lhe aplicou um leve chute no tornozelo.

— Bom trabalho — murmurou a mulher.

Abigail estava muito aturdida pela notícia e não podia falar.


Jessica Taggert tinha ganhado, depois de tudo. Casou-se com o mais
rico da cidade e com o homem mais desejável dos últimos tempos.
Enquanto, ela devia conformar-se com uma visita semanal ao
esconderijo de Ethan, no bosque. Seu marido não estava no exército
inglês, mas era fugitivo.

— Sim, e o enforcarei pelo que fez. Assim que cheguem os outros


oficiais, o farei enforcar — continuou o almirante.

— Sirva-se de outro pãozinho, almirante — disse a proprietária de


casa. — Os fiz especialmente para você. Sabe quando chegarão os
oficiais?

— Ao terminar esta semana. E no sábado pela manhã


enforcaremos ao traidor.

Abigail piscou para conter algumas lágrimas e desviou o rosto,


para que Westmoreland não as visse. Se preguntava o que estaria
fazendo Jessica nesse momento. De repente levantou a cabeça e olhou
para sua mãe. Jessica estava planejando algo. Soube com toda
segurança.

— Devemos consolar aos Montgomery — murmurou. — Têm que

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estarem devastados.

— E enforcarei também a qualquer que intervenha nisto — se


vangloriou o almirante. — Dizem que era o velho Sayer Montgomery
quem mandava nesta cidade. Agora Warbrooke tem um novo amo.

A senhora Wentworth baixou a vista para seu prato.

À uma da manhã, quando retornou o navio de Nick, Eleanor


esperava no cais para ver Nicholas e Jessica.

— E bem? — Perguntou, assim que o russo desceu pela prancha.


— Conseguiram?

— Não me dá um beijo? — Brincou ele.

Eleanor cravou um olhar significativo em Jessica, que os seguia


com ar cansado.

— Não tiveram problemas com o capitão do navio?

— Todos trataram Nick como se fosse o amo – disse Jess.

— É que todos os russos se tratam com mútuo respeito.

— Só a nós, nos tratam como a escória, verdade? — Observou


Eleanor.

— Toma isto — ordenou Jess a sua irmã, lhe entregando um saco


de lona.

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O Corsário – Jude Deveraux

— Então o conseguiram.

— Compramos todos os frascos de tintura negra que havia em


Boston. Estão todos preparados para distribuirmos? Não há muito
tempo.

— Estamos preparados. — A moça pôs uma mão no braço de Jess.


— O almirante adiantou o julgamento para amanhã. Os ventos foram
favoráveis e seus oficiais chegaram um dia antes do esperado.

— Então os habitantes de Warbrooke terão que trabalharem


durante a noite — decidiu Jess, com firmeza.

— É que as roupas não estarão secas — protestou a mais velha


das irmãs. Imediatamente se interrompeu. — E bem, usaram
molhadas. Dormiu um pouco, Jess?

— Não! — Respondeu Nick por ela, lamentando. — E como passou


a noite caminhando pela coberta, em cima de minha cabeça, eu
tampouco pude dormir.

— Pois parece muito saudável — assegurou Eleanor.

Nick tomou-a pela cintura e a atraiu para si.

— Vamos. Há muito que fazer.

Durante toda a noite, os meninos Taggert correram de uma casa


à outra, deslizando-se entre as sombras, sussurrando indicações e
planos.

Os Wentworth cumpriram com sua missão de manter entretidos


o almirante e seus amigos, os oficiais, com uma ruidosa festa que os

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impediram de prestar atenção a tudo quanto se passasse lá fora.

Jessica tinha dado ordens a Mariana de manter ocupado seu


marido.

— Mesmo que tenha que se deitar com ele — indicou.

— É o mínimo que posso fazer por Alex. Quanto lamento não ter
acreditado nele.

— Eu também lamento — foi o murmúrio de Jess.

Eleanor tinha tentado visitar Alex na ausência de sua irmã, mas


os guardas se negaram a permitir-lhe. O edifício estava rodeado pelas
duplas filas de guardas, impossível de atravessar.

Ao amanhecer Eleanor deitou os meninos, que estavam exaustos.


Seguindo um impulso, empurrou Jess também para a cama,
completamente vestida.

— Fique com eles. E quieta. Não os desperte.

Jess estava muito fatigada para protestar. Adormeceu.

O julgamento de Alexander pelos juízes ingleses foi uma


verdadeira farsa. Já o tinham declarado culpado antes mesmo que se
houvesse dito uma palavra. Ele permanecia de pé no estrado de réu,
com suas roupas de seda negra e as mãos atadas às costas.

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O Corsário – Jude Deveraux

Na sala havia muito poucos de seus vizinhos: só umas poucas


jovens que exalavam audíveis suspiros diante daquele homem, de
ombros erguidos, peito saliente, pernas separadas e barba crescida de
poucos dias, nas bochechas lindamente esculpidas.

— As façam calar! — Ordenou um juiz.

Um oficial trouxe a máscara do Corsário e a colocou contra o rosto


de Alex, enquanto ele permanecia impassível. As moças presentes
emitiram um sonoro suspiro.

— Acho que é o Corsário — disse um dos juízes.

Os outros assentiram. O almirante fez um gesto satisfatório


dirigido aos homens que o rodeava. Para o almirante era essencial
impressionar a esses homens.

— Que o enforquem.

O oficial tomou Alex pelo braço. Iria levá-lo, mas um homem


atravessou a janela como se estivesse em vôo, pulverizando pedaços de
vidro quebrados por toda parte. Vestia-se inteiramente de negro e
usava uma máscara como a do Corsário.

— Então acreditou ter me aprisionado! — Chiou, feliz.

— O que significa isto? — Rugiu um juiz, dirigindo-se para o


almirante. — Você disse que tinha aprisionado o bandido!

— E o aprisionei! — Gritou o almirante. — Esse é um impostor!

Na sala reinava o caos. Em meio de uma verdadeira algazarra, os


soldados ingleses iniciaram uma perseguição ao novo Corsário, que

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O Corsário – Jude Deveraux

tinha subido à galeria. As bonitas moças, com seus vestidos cheios de


fitas e babados, interpunham-se uma e outra vez na frente dos
soldados, fazendo-os tropeçarem em seus pezinhos. Depois as
consolavam pelos danos sofridos por suas saias.

— Detenham-no!

Pela janela oposta da sala surgiu outro Corsário.

— E acreditava ter me aprisionado! — Disse o novo Corsário.

Todos ficaram imóveis por um instante, até mesmo, os dois jovens


ingleses que rolavam nesse momento pelo chão, enrolados nas saias de
rendas das jovens.

— Apanhem-no!

— A qual, senhor?

— A qualquer um! Aos dois! — Uivou o almirante.

Um dos Corsários saiu pela janela quebrada, enquanto


aprisionavam ao primeiro. Ou acaso era o segundo?

— Tirem sua máscara! — Ordenou Westmoreland.

Os juízes haviam tornado a sentarem-se, e também os oficiais


convidados de Warbrooke com todos os gastos pagos por ele, para que
presenciassem seu triunfo.

Os soldados arrancaram a máscara do Corsário detido.

— Abigail Wentworth! — Exclamou o almirante.

Nesse momento abriram bruscamente as portas da sala que

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O Corsário – Jude Deveraux

davam para o norte.

— Detivemo-lo, senhor.

Quatro soldados seguravam o outro Corsário. Detiveram-se ao ver


Alex, ainda com a máscara posta e de pé no estrado de réu, e a Abigail
com suas calças de homem. Arrancaram a máscara do novo detido.

— Ezra Coffin — disse alguém.

Abriram as portas que davam para o sul.

— Apanhamo-lo, senhor.

A essa altura os oficiais se retorciam de risada, felizes de


presenciar a humilhação do pomposo almirante. Os juízes, em troca,
tentavam conservar a dignidade.

— Soltamo-los ou enforcamos a todos? — Perguntou um deles,


solene.

— Olhem pela janela — indicou alguém.

Em poucos minutos só ficaram na sala do tribunal os juízes, o


almirante e Alex. Todos os outros haviam se deslocado para fora para
participarem da diversão.

Warbrooke estava alagada de Corsários. Havia Corsário nos


telhados, na cúpula da igreja, montado a cavalos e um pouco
molhados. Dois Corsários robustos batiam manteiga em um alpendre.
Outro, que não superava um metro e meio de altura, levava pela mão
um Corsário bebê, que tentava tirar a máscara. Quatro soldados
ingleses iniciaram uma perseguição a um Corsário que delatava

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cinqüenta centímetros de cintura e noventa de quadris. Um mascarado


rengo, de aspecto suspeitosamente senil, guiava uma vaca fantasiada
de máscara negra.

Os juízes, depois de olharem pela janela durante alguns minutos,


voltaram para suas cadeiras.

— Soltem-no — ordenaram, com ar cansado.

E já que não havia mais ninguém na sala para cumprir a ordem,


o último da fila de juízes levantou sua túnica, tirou uma adaga e cortou
as cordas do prisioneiro.

— Mas é o Corsário! — Disse o almirante. — Se o soltam voltará


para me desafiar. Não podem deixá-lo em liberdade.

Alex tirou a máscara e saiu da sala. Jessica o esperava lá fora,


com seu vestido vermelho.

Ele a abraçou pela cintura, sorrindo.

— Vamos para casa — propôs.

— Sim — disse ela, estreitando-o.

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Epílogo
— Viram à senhora Farnsworth? — riu Jess. — Tem noventa anos,
no mínimo. E todos seus gatos tinham máscaras.

Era o dia seguinte. Jessica, Alex e Eleanor estavam sentados a


sós no salão dos Montgomery. A cidade tinha declarado feriado e
Eleanor tinha apagado a lareira, dizendo que todos se dedicaram a
beber as carretas de cerveja pedidas por Sayer, sem pensar na
quantidade de comida.

Ao terminar o julgamento, o almirante tinha recebido ordens de


voltar para a Inglaterra, com sua folha de serviços manchada para
sempre. Westmoreland, que não era acostumado a carregar sozinho a
culpa, atribuiu a birutice a John Pitman. Como resultado, Pitman tinha
sido dispensado de seu posto como funcionário de alfândega e enviado
novamente a Inglaterra. Mariana se negou a acompanhá-lo.

— Então tudo terminou — disse Jess, estreitando a mão de Alex.

Não podia deixar de observá-lo. Nada de perucas, nada de


jaquetas ridículas, nada de arriscar a vida. Agora era todo dela.

— Te disse o que Jess? — perguntou Eleanor.

— Oh, irmã, desculpa. Esqueci-me.

— Nicholas pediu que me casasse com ele. E aceitei — informou


Eleanor a seu cunhado. — Sei que é só um criado, mas nos
arrumaremos. Talvez seu pai nos ajude... Alexander! Não sei do que

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está rindo!

Alex não podia conter-se. Ria a todo pulmão, apontando a janela


aberta atrás de Eleanor.

— E agora o que acontece? — perguntou Jess.

Ouviu-se um som de trompetes e a porta se abriu completamente.


Enquanto os três presenciavam a cena em silêncio, vários jovens
bonitos, de belos uniformes militares, desenrolavam um grosso tapete
vermelho. Um homem de uniforme escuro, de galões resplandecentes,
deu um passo adiante e anunciou, com voz ensurdecedora:

— Sua Alteza Imperial, o duque Nicholas Ivanovitch, décimo


segundo na linha de sucessão da czarina Catarina da Rússia!

— Outro funcionário de alfândegas! — queixou-se Jess.

Mas quem fez sua entrada triunfal foi Nicholas, com um uniforme
vermelho tão cheio de medalhas de ouro que as jaquetas de Alex
desapareceram de sua memória. O punho de sua espada resplandecia
de pedras preciosas.

— Meu Deus, mas se é...! — começou Jessica.

Mas se interrompeu, porque Eleanor acabava de cair da cadeira,


sem sentido.

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